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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO REGINALDO DE OLIVEIRA COELHO ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS POR ESTUDANTES SURDOS JOVENS E ADULTOS CAMPINAS, SP 2020

ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

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Page 1: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

REGINALDO DE OLIVEIRA COELHO

ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA

USADAS POR ESTUDANTES SURDOS JOVENS E

ADULTOS

CAMPINAS, SP

2020

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REGINALDO DE OLIVEIRA COELHO

ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA

USADAS POR ESTUDANTES SURDOS JOVENS E

ADULTOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de

Mestrado Profissional em Educação Escolar da

Faculdade de Educação da Universidade Estadual de

Campinas como parte dos requisitos exigidos para a

obtenção do título de Mestre em Educação Escolar, na

área de Educação Escolar.

Orientadora: LILIAN CRISTINE RIBEIRO NASCIMENTO

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELO ALUNO REGINALDO DE OLIVEIRA COELHO, E ORIENTADA

PELA PROFA. DRA. LILIAN CRISTINE RIBEIRO NASCIMENTO.

CAMPINAS, 2020

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO ESCOLAR

ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA

USADAS POR ESTUDANTES SURDOS JOVENS E

ADULTOS

REGINALDO DE OLIVEIRA COELHO

COMISSÃO JULGADORA:

Profa. Dra. Lilian Cristine Ribeiro Nascimento

Profa. Dra. Heloisa Andreia De Matos Lins

Profa. Dra. Cássia Geciauskas Sofiato

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do

Programa da Unidade.

2020

Page 5: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a duas pessoas muito especiais que,

além de apostarem todas as suas “fichas” em mim, me ajudaram,

aturaram, motivaram, enxugaram minhas lágrimas e me trouxeram até

aqui: Lilian Nascimento e Roberto Massucci.

A vocês, minha eterna gratidão e dedicação deste trabalho.

Page 6: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

AGRADECIMENTOS

De coração eu agradeço:

A você, Lilian Nascimento, minha orientadora, amiga, irmã e mãe. Ao

trazer-lhe todos esses adjetivos, demonstro o quanto você foi, é e será um “Titã”

na minha carreira acadêmica.

A você, Roberto Massucci, meu grande parceiro de 13 anos, hoje

meu amigo, por todas as “brigas” que compramos juntos e vencemos.

A você, Marcos de Moura Pimentel, que chegou em minha vida em

um momento de muito trabalho, me motivou e ajudou a enfrentar as barreiras

encontradas até a conclusão deste trabalho.

A você, Heloisa Mattos Lins, grande mestra e amiga, que no seu

silêncio acredita e torce por mim.

A você, Cassia Sofiato, por aceitar com presteza partilhar da minha

banca e pela colaboração com grandes orientações teóricas e textuais.

A vocês, Claudia Bortolato e Lara, que se dispuseram a ficar como

suplentes, aceitando, com isso, todas as implicações de tal responsabilidade.

A vocês, Pedro Coelho e Maria de Fatima Coelho, meus amados

pais, que sempre foram o suporte interno que me faz ir mais longe.

A você, que é membro da minha família: meus amados irmãos

(Roberto, Renata, Bertoni, Elizabete, Vanessa e David); meus queridos

sobrinhos (Arthur, Paulo, Mateus, Maria Beatriz, Gabriele, Kauan, Stella, Lucas,

Pietro e Maria Alice) e cunhados (Jacirene, Raquel, Michele, Rodrigo, Sergio e

Dani).

A vocês, meus colegas de trabalho: Diretor Valdeci Donizete

Goncalves, Diretor Adjunto Educacional Fernando Henrique Gomes de Souza,

Coordenadora Fabiane Guimarães Vieira Marcondes e demais colegas

professores: Andrea Liu, Caritá, Andrei, Marcos Willian, Meire, Priscila, Marina,

Michael, Kelen Zaparolli, Samuel, Ricardo Moraes, Elmison e Juliana

Bernardes, por toda motivação, apoio e parceria.

A você, meu alun@ de todos os tempos, séries, anos e disciplinas.

Em especial aos meus super-heróis, que são os participantes desta minha

pesquisa: Diana (Mulher Maravilha), Peter Parker (Homem Aranha), Bruce

Banner (Hulk), Victor Stone (Cyborg), Barbara Gordon (Batgirl) e Steve Rogers

(Capitão América).

Page 7: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo identificar, descrever e problematizar as

principais estratégias usadas por alunos surdos, jovens e adultos, no processo de

escrita, em um curso de extensão de Língua Portuguesa, oferecido pelo Instituto

Federal de São Paulo – Câmpus São José dos Campos. Durante o curso, aplicou-se

conceitos próprios da Educação Bilíngue, em que a Língua de Sinais é a língua de

acesso, como também a valorização do letramento visual e da identidade surda. Este

trabalho insere-se no modelo de pesquisa qualitativa, com análise indutiva de dados,

optando pelo estudo de caso como recurso metodológico. Participaram do estudo sete

jovens surdos, com diferentes graus de escolaridade, perda auditiva e fluência em

Libras. Para a análise, utilizou-se um referencial teórico baseado em autores surdos e

ouvintes da área dos Estudos Surdos. Os resultados revelaram que os alunos se

utilizaram de diferentes estratégias ao lidar com a escrita de textos, como: Estratégias

Letradas; Estratégias Linguística/Cultural Surda; e Estratégias Afetivas. A contribuição

deste trabalho é demonstrar que o ensino de Língua Portuguesa, numa perspectiva

bilíngue, pode se apropriar destas estratégias, além da visualidade e da interlocução

em língua de sinais.

Palavras-chave: Língua Portuguesa; Aquisição de segunda língua; Escrita;

Estratégias; Educação Bilíngue.

Page 8: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

ABSTRACT

This present paper aims to identify, describe and problematize the main strategies used by deaf,

young and adult students, in the writing process, in the extension course of Portuguese

language, offered by the federal institute of São Paulo – Câmpus São José dos Campos. During

the course, concepts of bilingual education have been applied, in which sign language is the

main access, as well as the enhancement of visual literacy and deaf identity. This academic

paper is part of the qualitative research model, with inductive data analysis, adopting a case

study as a methodological resource. Seven deaf young people with different levels of education,

hearing loss and fluency in LIBRAS (Brazilian sign language) took part in this study. The

analysis was carried out in the theorical framework based on deaf and listeners authors from

the deaf studies areas. The results revealed that students used different strategies when

dealing with the writing of texts, such as: literate strategies; deaf linguistic/cultural strategies;

and effective strategies. The contribution of this paper is to demonstrate that the Portuguese

language teaching, in a bilingual perspective, can appropriate of these strategies, in addition,

to visuality and sign language interlocution.

Keywords: Portuguese; Second language aquisition; Writing; Strategies; Bilingual education.

Page 9: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Resultado da atividade do Victor

Figura 2: Narrativa de Steve

Figura 3: Recorte 1 da Narrativa da aluna Diana

Figura 4: Recorte 2 da Narrativa da aluna Diana

Figura 5: Obra de arte observada pelos alunos

Figura 6: Frases escritas pelos alunos Steve, Selina, Bruce, Diana e Victor

Figura 7: Frase escrita pelo aluno Peter

Figura 8: Atividade: Narrativa de Steve

Figura 9: Recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve

Figura 10: Primeiro recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve

Figura 11: Segundo recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve

Figura 12: Terceiro recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve

Figura 13: Primeiro recorte da Narrativa feita pela aluna Diana

Page 10: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Marcos Legais da Educação Bilíngue

Quadro 2: Comparação entre modelos escolares para surdos

Quadro 3: Tipos de Abordagens

Quadro 4: Abordagem Interacionista

Quadro 5: Níveis Comuns de Referência: escala global

Quadro 6: Resumo dos Ciclos em CCSP

Quadro 7: Sugestões para práticas docente

Quadro 8: Descrição do perfil dos participantes

Quadro 9; Regras usadas na descrição dos diálogos

Quadro 10: Exemplo de transcrição de cena

Quadro 11: Transcrição da Atividade 1 – Cena 1

Quadro 12: Transcrição da Atividade 1 – Cena 2

Quadro 13: Trecho do diálogo de Victor com o Professor

Quadro 14: Transcrição do diálogo sobre bullying

Quadro 15: Transcrição da Atividade 2 – Cena 2

Quadro 16: Transcrição da Atividade 2 – Cena 3

Quadro 17: Transcrição da Atividade 3 – Cena 1

Quadro 18: Bruce auxilia Diana

Quadro 19: Transcrição da Atividade 4 – Cena 3

Quadro 20: Recorte da Transcrição da Atividade 4 – Cena 3

Quadro 21: Recorte da Narrativa feita pelo aluno Victor

Quadro 22: Segundo recorte da Narrativa feita pela aluna Diana

Quadro 23: Resumo das Estratégias de Escrita usadas pelos surdos

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AADA – Associação de Ajuda ao Deficiente Auditivo

AADAS - Associação de Atenção ao Deficiente Auditivo e Surdo

AEE - Atendimento Educacional Especializado

EJA - Educação de Jovens e Adultos

ELiS - Escrita da Língua de Sinais

IFSP/SJC - Instituto Federal de São Paulo/Campus São José dos Campos

INES - Instituto Nacional de Educação de Surdos

L2 - Segunda Língua

Libras - Língua Brasileira de Sinais

LP - Língua Portuguesa

LPE - Língua Portuguesa Escrita

LS - Língua de Sinais

MEC - Ministério da Educação e Cultura

PL2 - Língua Portuguesa como segunda língua

PO - Português Oral

SEL - Sistema de Escrita para Libras

UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

Page 12: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14

CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO PARA SURDOS NA ATUALIDADE: Educação Inclusiva e Educação Bilíngue 20

1.1 A Educação Inclusiva: Conceitos e Diretrizes 22

1.2 A Educação Bilíngue: Conceitos e Diretrizes 25

1.3 Quadro Resumo dos Modelos 29

CAPÍTULO 2 – ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: Educação Inclusiva versus Educação Bilíngue 32

2.1 Concepção de Surdez 34

2.2 O afeto dos surdos no espaço escolar 37

2.3 A organização da vida escolar no tempo na escola 40

2.4 Segregação ou respeito à singularidade 42

2.5 Língua de Sinais como Primeira Língua 44

CAPÍTULO 3 – ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUES PARA SUDOS: Questões Gerais 46

3.1 Abordagens Pedagógicas 48

3.2 Currículo e Avaliação 50

3.3 Espaço Físico 54

3.4 Atividade de Escrita: Metodologias 55

CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA 60

4.1 – Local de Realização da Pesquisa 62

4.2 – Participantes da Pesquisa 62

4.3 – Sobre o Projeto de Extensão 64

4.4 – Coleta de Dados 65

4.5 – Análise dos Resultados 66

CAPÍTULO 5 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 68

5.1 – Descrição das observações a partir das Atividades de Escrita 68

5.1.1 – Atividade 1: Narrativas de Memórias 68

5.1.2 – Atividade 2: Escrita de palavras a partir do tema gerador “bullying” 75

5.1.3 – Atividade 3: Escrita de frases a partir de imagens 78

Page 13: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

5.1.4 – Atividade 4: Descrição de uma obra de arte 81

5.2 – Análise e Discussão 86

5.2.1 – Estratégia de Repetição de Palavras ou Cópia 87

5.2.2 – Estratégia de Memória Sonora 89

5.2.3 – Estratégia de Mútuo Auxílio 90

5.2.4 – Estratégia de Uso da Língua de Sinais 91

5.2.5 – Estratégia de Uso de Memória Datilológica 92

5.2.6 – Estratégia de Uso de Memória Visual 93

5.2.7 – Estratégia de Hipóteses Gramaticais 94

5.2.8 – Estratégia de Tentativa e Erro 98

5.2.9 – Estratégia de Uso de Recursos Multimodais 99

5.2.10 – Estratégia de Busca de Recursos nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) 100

5.3 – A Afetividade no Processo de Escrita 101

CONSIDERAÇÕES FINAIS 106

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 111

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INTRODUÇÃO

Há quinze anos estou envolvido diretamente com a prática e a

reflexão do trabalho educacional com alunos surdos, de todas as idades.

Também tenho participado de discussões de vários temas, seja com meus

pares, seja com autores da academia, seja com diferentes pessoas nas redes

sociais e, até mesmo, num processo interior de leitura, dialogando com variados

temas, tais como: educação bilíngue; educação inclusiva; implante coclear;

ensino de primeira e segunda língua; escrita de sinais; cultura surda;

subjetividade; minorias; alfabetização e (multi)letramento; tradução e

interpretação; política linguística, etc.

A motivação que gerou a presente proposta de pesquisa se deu

inicialmente pelas muitas inquietações e desejos de obter diretrizes e materiais

que auxiliassem a prática pedagógica, pois para aqueles que estão na lida da

sala de aula essa atitude é muito comum: a de se inquietar com o fazer docente

e tudo que o cerca. Nesse sentido, Lins e Nascimento (2015, p.30), em seu

artigo em que pesquisam sobre o “Estado da Arte” no que se refere à educação

de surdos, apontam que no período de 2009 a 2014 houve crescimento

constante no número de publicações sobre surdez e Educação de Surdos, o

que demonstra uma “crescente discussão na área da educação sobre as

especificidades da educação de surdos” (LINS; NASCIMENTO, 2015, p.30).

Esse aumento revela que existem inquietações sobre o fazer docente que

precisam ser resolvidas.

Porém tal motivação não é a única que existe. Essa outra encontra-

se na crença de poder fazer um recorte tal que ofereça elementos significativos

para discussão entre a teoria e a prática educacional, teorias essas que tragam

alternativas sobre o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua, (PL2)1

que observem a visualidade desta língua, que respeitem a subjetividade, bem

como valorizem a “escuta” dos próprios agentes da aprendizagem.

E, por fim, a terceira motivação é de cunho prático, que teve início

em 2018, quando, no cargo de professor do Instituto Federal de São Paulo,

1 A forma de sigla PL2, referente ao ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa como segunda língua, encontra-se no trabalho de Silva, Costa e Lopes (2014).

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pude oferecer um curso de extensão de ensino/aprendizagem de PL2 para

jovens e adultos surdos. Durante a realização de tal trabalho, passei a ter novas

reflexões sobre as possibilidades didáticas a serem usadas, isto é, passei a me

perguntar: por onde começar? A partir de qual abordagem teórica? Quais

conteúdos, metodologias, materiais e avaliações?

Cabe aqui apresentar um sucinto histórico das minhas experiências

profissionais, que se deram ao longo dos últimos quinze anos vividos em sala

de aula com alunos surdos em escolas regulares.

De 2004 a 2007, trabalhei no município de Cunha – SP, em uma sala

multisseriada com oito crianças surdas de 6 a 14 anos de idade. O maior

problema encontrado nesses alunos era falta fluência em língua de sinais para

se comunicarem, uma vez que faziam parte de famílias ouvintes, em que eram

os únicos surdos. Além disso, viviam em uma cidade onde não havia surdos

fluentes e nem associação de surdos que desse suporte complementar a eles.

Então, essas crianças cresceram com uma capacidade de comunicação muito

limitada, baseada em apontamentos, expressões através de mímica, ou ainda,

explosões emotivas em situações de tensão, seja através de choro, birra,

expressão de raiva, etc. Nesses casos, nem sempre se faziam entender.

De 2008 a 2009, fui trabalhar em São José dos Campos – SP, na

Associação de Ajuda ao Deficiente Auditivo (AADA)2, como professor de Libras

para crianças surdas de diversas idades. Este local oferecia aos alunos um

espaço de atendimento bilíngue, visto que a língua de acesso era Libras, e a

Língua Portuguesa era trabalhada como língua instrumental. Quem dirigia a

instituição era uma surda, formada pelo Letras Libras3, que servia de modelo

social/político e linguístico para os alunos ali atendidos.

De 2010 a 2016, trabalhei na rede de ensino da Prefeitura da

Estância de Atibaia – SP, no cargo de Professor/Intérprete de Libras. Durante

esse tempo, participei de diversas experiências, nas quais tive a oportunidade

de levantar questionamentos e realizar ações políticas ligadas à educação dos

surdos. Da minha experiência profissional até então, esse era o melhor trabalho

2 A partir de 2019 esta Associação passou a chamar-se Associação de Atenção ao Deficiente Auditivo e Surdo – AADAS. 3 O Letras Libras é o primeiro curso de graduação (Licenciatura e Bacharelado) criado pela Universidade Federal de Santa Catarina.

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16

no modelo inclusivo que tive a oportunidade de participar, visto que ele era bem

organizado e dispunha de uma escola polo, onde os alunos estudavam em suas

séries regulares acompanhados de um professor/intérprete4, e numa casa, que

ficava próxima à escola, onde estava montado o ambiente necessário para a

realização do Atendimento Educacional Especializado (AEE) no contraturno,

somente para os alunos surdos, através de uma equipe multidisciplinar formada

por professor bilíngue para o ensino de LP2, professor de Libras, professores

intérpretes, e fonoaudióloga. Porém, olhando esse sistema educacional como

um todo, sempre considerei que ali faltavam alguns quesitos indispensáveis,

tais como: a presença de professores surdos como referência e profissionais

fluentes em Libras. Além disso, outros problemas eram: a língua de acesso era

a Língua Portuguesa na modalidade oral, os alunos ficavam inclusos em sala

regular, geralmente sem companheiros linguísticos, etc. Ou seja, era uma boa

escola, porém moldada em valores inclusivos.

Ainda em Atibaia, trabalhei também como intérprete educacional,

com jovens e adultos surdos, em escolas municipais de propostas inclusivas,

matriculados no Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Lá ocorria o mesmo

problema encontrado nas escolas inclusivas de ensino regular: os surdos eram

inseridos em sala regular com a proposta de alfabetização idêntica à oferecida

aos alunos ouvintes. A partir disso, confesso que sentia vontade de assumir o

aluno como eu sendo o seu professor, com o intuito de realizar o trabalho

pedagógico totalmente voltado para ele, respeitando seus aspectos linguísticos,

culturais e do ensino/aprendizagem de segunda língua. Porém, isso não me era

permitido.

Quando o tema é ensino de Língua Portuguesa como segunda

língua, encontramos muitos embates entre defensores da Educação Bilíngue e

os da Educação Inclusiva. É sabido que a comunidade surda, através de seus

representantes, é contundente ao defender, em diversas esferas, a existência

de uma escola de qualidade para o alunado surdo, um espaço que cumpra sua

missão educacional. Em 2012, por exemplo, sete doutores surdos enviaram

4 Este termo era usado pelo próprio edital de contratação, pois a intenção e exigência era que o profissional intérprete de Libras fosse também pedagogo e auxiliasse o professor da sala em questões didáticas relacionadas à inclusão do aluno surdo.

Page 17: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

17

uma carta aberta ao então Ministro da Educação, Aloísio Mercadante, com o

seguinte alerta:

Todos os pesquisadores sérios proclamam que as ESCOLAS BILÍNGUES PARA SURDOS, cujas línguas de instrução e convívio são a Libras (L1) e o Português escrito (L2), são os melhores espaços acadêmicos para a aprendizagem e inclusão educacional de crianças e jovens surdos (CAMPELLO et al, 2012, p.2), grifos do autor.

E esses estão amparados por lei, visto que o próprio Decreto nº

5626, de 22 de agosto de 2005, Art. 14, parágrafo 1º, inciso II, diz que o Estado

deve: “ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino de Libras

e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos”

(BRASIL, 2005). Conclui-se, então, que desde essa data o ensino de PL2 já

está definido nos moldes da lei, porém não nas práticas educacionais.

Por outro lado, é necessário esclarecer a respeito da Educação

Inclusiva, pela qual passa a maioria das crianças surdas em fase escolar até os

dias de hoje. Em 2008, o MEC lançou a Política Nacional de Educação Especial

na Perspectiva da Educação Inclusiva, e dentro desta política é que se

implementa o AEE, que propõe que no contraturno os alunos com necessidades

especiais tenham a complementação de suas formações. Para os alunos com

surdez, tal proposta compreende:

• Momento do Atendimento Educacional Especializado em Libras na escola comum, em que todos os conhecimentos dos diferentes conteúdos curriculares, são explicados nessa língua por um professor, sendo o mesmo preferencialmente surdo. Esse trabalho é realizado todos os dias, e destina-se aos alunos com surdez.

• Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino de Libras na escola comum, no qual os alunos com surdez terão aulas de Libras, favorecendo o conhecimento e a aquisição, principalmente de termos científicos. Este trabalhado é realizado pelo professor e/ou instrutor de Libras (preferencialmente surdo), de acordo com o estágio de desenvolvimento da Língua de Sinais em que o aluno se encontra. O atendimento deve ser planejado a partir do diagnóstico do conhecimento que o aluno tem a respeito da Língua de Sinais.

• Momento do Atendimento Educacional Especializado para o ensino da Língua Portuguesa, no qual são trabalhadas as especificidades dessa língua para pessoas com surdez. Este trabalho é realizado todos os dias para os alunos com surdez, à parte das aulas da turma comum, por uma professora de Língua Portuguesa, graduada nesta área, preferencialmente. O atendimento deve ser planejado a partir do diagnóstico do conhecimento que o aluno tem a respeito da Língua Portuguesa (DAMÁZIO, 2007 p. 25).

Além dessas orientações, existe também, nessa política, a definição

que haverá a presença do profissional intérprete de Libras na escola, com a

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18

função de realizar, no ambiente escolar, a tradução e interpretação da Língua

de Sinais para Língua Portuguesa e vice-e-versa.

Tendo apresentado os dois modelos que divergem, decidimos

realizar uma discussão, confrontando-os ao mesmo tempo em que assumimos

a Educação Bilíngue como o modelo que melhor atende à demanda

educacional surda. A razão para tal escolha localiza-se na crença de que, hoje,

com diversos surdos formados em universidades, eles poderiam e deveriam

dizer qual é o modelo de escola que melhor os atende. Isso já aconteceu entre

1712 a 1789, na França, quando o Abade L’Epee permitiu-se aprender com os

surdos a língua de sinais e, com isso, abriu-lhes espaço social, possibilitando

assim grande expansão da LS e da educação dos surdos para outros países,

inclusive para o Brasil.

Ao realizar um embate entre tais concepções, nosso intento é

apresentar diretrizes para o ensino/aprendizagem do Português escrito no

modelo bilíngue, que corresponde a discutir temas como: currículo, professor,

afeto, abordagens teórico-pedagógicas, metodologias, avaliação, etc.

Por outro lado, com a possibilidade de realizar o mestrado

profissional em educação e com todas as questões que eu já havia levantado a

partir da minha prática de ensino/aprendizagem da LP2 para alunos surdos, em

curso de extensão, decidi realizar uma pesquisa que pudesse deixar emergir

respostas a partir da observação dos alunos. Para realizar tal pesquisa, optei

pelo modelo de pesquisa qualitativa, com o intuito de deixar fluir livremente os

acontecimentos e as interpretações, a partir do que se é proposto em sala de

aula, para, então, analisar e descobrir eventuais relações. Faremos essa

análise apoiados em Bogdan e Biklen (2010, p.51), que apresentam a dinâmica

deste tipo de investigação como a que traz luz às situações interna, e ressaltam

a figura do investigador como um aprendiz a “interpretar os dados em função

do contexto” (DEUTSCHER, 1973 apud BOGDAN e BIKLEN, 2010, p. 69),

como análise indutiva de dados, optando pelo estudo de caso como recurso

metodológico. A proposta metodológica foi registrar as aulas através de

filmagens e realizar as suas transcrições tendo como objetivo identificar,

descrever e problematizar as principais estratégias usadas por alunos surdos,

jovens e adultos, no processo de escrita, em um curso de extensão de Língua

Page 19: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

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Portuguesa, oferecido pelo Instituto Federal de São Paulo – Câmpus São José

dos Campos. Sendo assim, apresento a estrutura desta dissertação:

No primeiro capítulo, apresento as definições dos modelos

pedagógicos de Educação Inclusiva e de Educação Bilíngue, o qual encerro

com um quadro em que confronto os dois modelos.

No segundo capítulo, discuto esses dois modelos a partir de

premissas como: concepção de surdez; organização do ambiente escolar;

organização do tempo na escola; discussão entre segregação ou singularidade;

e LS como primeira língua.

No terceiro capítulo, apresento diretrizes sobre o

ensino/aprendizagem da LP2.

No quarto capítulo, apresento a metodologia que foi usada nesse

trabalho, em que é descrito o local da pesquisa, seus participantes e como foi

feita a coleta e análise de dados.

No quinto, explicito o desenvolvimento das ideias, a partir das

observações e análises das aulas, num diálogo com as teorias apontadas no

terceiro capítulo.

Por fim, no sexto e último capítulo, são descritas as considerações

finais.

Enfim, é possível pensar que tal proposta não encerrará as

discussões, ao contrário, acredita-se que ela poderá contribuir com as

discussões acerca do tema sugerido e auxiliar os profissionais envolvidos

nessas práticas. Também espera-se contribuir para a conscientização sobre a

forma usada para a alfabetização e letramento das crianças surdas em nossas

atuais escolas e suas consequências para o futuro destes alunos. Além disso,

essa pesquisa contribui para ampliar minha própria prática pedagógica,

aprimorando-a no ensino/aprendizado da LP2.

Page 20: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

20

CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO PARA SURDOS NA ATUALIDADE: Educação Inclusiva e Educação Bilíngue

Ao nos depararmos com a realidade educacional dos alunos surdos no

Brasil, verificamos que há duas situações: de um lado a educação bilíngue e de

outro a educação inclusiva. Desta forma, o ensino da Língua Portuguesa para

surdos é um caminho com bifurcação, ou seja, não há uma única possibilidade,

mas duas alternativas, cada uma atrelada a um dos modelos educacionais.

Nesse trabalho, para esclarecer as diferentes formas de ensino do português

para os surdos, trazemos um mapa que nos mostra mãos que direcionam

(grifo nosso) para um dos caminhos da bifurcação. Enquanto isso, para o

caminho oposto, há vozes que apontam o trajeto.

Nesta alegoria, as mãos representam as ideias e pesquisas de doutores

surdos e não surdos, tais como Karin Strobel, Marianne Stumpf, Regina

Campello, Carlos Skiliar, Ronice Quadros, entre outros, que defendem a

existência da concepção de identidade, cultura e linguística próprias das

pessoas surdas. Já as vozes serão representadas pelas ideias e pesquisas dos

doutores ouvintes, entre os quais destacamos: Eugênia Fávero, Luíza Pantoja,

Maria Teresa Mantoan e Mirlene Damázio.

Para sermos mais específicos, ao mostrar essa realidade pretendemos

lançar um olhar para a questão do ensino/aprendizagem da língua portuguesa

nesses ambientes e suas consequências para a vida do alunado surdo, bem

como trazer as nossas inquietações quanto aos resultados da Educação

Inclusiva no Brasil, desde que esta foi implementada pelo Ministério da

Educação e da Cultura (MEC). Após quinze anos de publicação do decreto nº

5.626/2005, que regulamenta a lei de Libras e dá diretrizes sobre a educação

dos surdos, perguntamos: o que tal decreto proporcionou de positivo para a vida

educacional do aluno surdo? Sabe-se que, neste período, entre a publicação

do decreto até os dias de hoje, a condução da educação dos surdos se deu não

pela Educação Bilíngue, mas pela Educação Inclusiva. E, sobre esta, Campello

et al (2012, p.1) apresentam a afirmativa de que o presente modelo não tem

garantido o aprendizado dos surdos, justificando que os motivos são a falta da

língua de Sinais como instrução e a Língua Portuguesa ensinada de uma forma

Page 21: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

21

que o surdo não tem acesso pleno. Dessa forma, os autores demonstram um

resultado infeliz desta prática, pois para eles:

Entre 2006 e 2009, foram fechadas 13.552 vagas em classes e escolas específicas para alunos surdos e com deficiência auditiva e apenas 4.450 novas matrículas de alunos surdos e com deficiência auditiva surgiram em classes comuns do ensino regular, o que nos permite dizer que, entre 2006 e 2009, 9.102 alunos surdos e com deficiência auditiva foram excluídos do sistema escolar. [...] A conclusão a que pelas evidências somos forçados a chegar, com base nesses dados oficiais, é de que quando são negados os direitos linguísticos de crianças e jovens surdos, retirando-lhes classes e escolas que se constituem condição de aquisição e desenvolvimento de sua língua, também lhes são retirados, tão simplesmente, o acesso ao sistema de educação geral, ou seja, acesso este que a Convenção busca proteger e garantir (CAMPELLO et al 2012 p. 5-6).

Por outro lado, Damázio (2011), em uma entrevista para o site Portal do

Professor, afirma o contrário. Para ela:

A política de educação no Brasil vem tecendo fios direcionais numa perspectiva de inclusão de todos na escola comum, com destaque para as pessoas com deficiência. Nesta perspectiva inclusiva, os olhares acolhedores para as pessoas com surdez têm se evidenciado no ambiente escolar. [...] Nos aspectos estruturais, entendemos que o fracasso escolar das pessoas com surdez é um problema da qualidade das práticas pedagógicas e não um problema somente focado nessa ou naquela língua, ou mesmo numa diferença cultural, envolvendo outra cultura, uma comunidade com identidades surdas próprias. É preciso construir um campo de comunicação e interação amplo, possibilitando que as línguas tenham o seu lugar de destaque, mas que não sejam o centro de tudo o que acontece nesse processo. Aí, deve-se discutir a presença obrigatória de quem age, produz sentido e interage: a pessoa com surdez. Isso nos faz pensar num sujeito com surdez não reduzido ao chamado mundo surdo, com a identidade e a cultura surda, mas numa pessoa com potencial a ser estimulado e desenvolvido nos aspectos cognitivos, culturais, sociais e linguísticos. Sendo assim, precisamos estabelecer um ambiente educacional rico de solicitações e acessibilidade em ambas as línguas e práticas pedagógicas que colaborem com as construções conceituais

No trecho citado, quando a autora afirma que “é preciso construir um

campo de comunicação e interação amplo, possibilitando que as línguas

tenham o seu lugar de destaque, mas que não sejam o centro de tudo o que

acontece nesse processo” (DAMAZIO, 2011), tira o foco da principal questão

da diferença das pessoas surdas em relação às ouvintes, ou seja, a linguística.

A autora afirma exatamente o contrário que os pesquisadores surdos vêm

enfatizando há anos. Ela defende que “o fracasso escolar das pessoas com

surdez é um problema da qualidade das práticas pedagógicas e não um

Page 22: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

22

problema somente focado nessa ou naquela língua, ou mesmo numa diferença

cultural, envolvendo outra cultura, uma comunidade com identidades surdas

próprias” (DAMAZIO, 2011). A comunidade surda clama por uma educação de

qualidade sim, mas que tenha como fundamento a língua de sinais e as práticas

culturais surdas.

Ou seja, existem duas concepções que se contrapõe entre si, exigindo

de todos os que atuam no campo da educação e pesquisa, sobre a educação

dos surdos, constantes reflexões. Dessa forma, diante de tal embate,

apresentaremos a seguir um resumo sobre a Educação Inclusiva e outro sobre

a Educação Bilíngue. Em seguida, para encerrar, apresentaremos um quadro

resumo confrontando tais concepções.

1.1 A Educação Inclusiva: Conceitos e Diretrizes.

O Programa de Educação Inclusiva foi implementado pelo MEC a partir

de 20035, como uma proposta de transformação dos espaços educacionais,

Ensino Regular6 e Educação Especial7, de modo que a Escola seja um espaço

para todos. Nesse sentido, o Grupo de Trabalho do MEC, criado pela Portaria

Ministerial Nº 555/20078, constituído por professores pesquisadores da área da

educação especial, sob a coordenação da Secretaria de Educação Especial –

SEESP/MEC, elaborou a Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva, publicada em janeiro de 2008, que na sua

introdução resume tal política:

O movimento mundial pela educação inclusiva é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos

5 MEC/SEESP. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf, acesso em 05/11/2019. 6 Segundo Fávero, Pantoja e Montoan (2007, p. 26) é aquele que está estabelecido por lei. 7 Para Fávero (2007, p. 17) são espaços especiais ou especializados, que substituem o ensino regular para o atendimento de pessoas com deficiência. Na proposta inclusiva, este espaço não é suprimido, apenas redirecionado para que se torne um Atendimento Educacional Especializado. 8 Grupo de Trabalho do MEC, criado pela Portaria Ministerial Nº 555/2007, disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf, acesso em 13/01/2020.

Page 23: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

23

humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à idéia de eqüidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (FÁVERO; PANTOJA; MONTOAN, 2007, p. 5).

Evidentemente, a exigência dos direitos é fundamental e, uma vez que

ela se torna lei, obriga a movimentação de todos os envolvidos para sua

implementação, que foi norteada pelo slogan “o direito de todos a uma escola

de todos e para todos, sem exclusões, discriminação e preconceitos” (FÁVERO,

PANTOJA e MONTOAN 2007, p. 6). Desta forma, a partir da política que

determinou a inclusão, os educadores e gestores foram impelidos para uma

nova ordem de ação educacional. A partir disso, podemos nos debruçar para

analisar os resultados obtidos.

Além de estarmos sob a influência de um movimento mundial que

direciona a implementação do modelo inclusivo, temos a legislação brasileira

que, com base na Constituição Federal de 1988, preconiza a aplicação do

princípio jurídico da igualdade. Todavia, quando se trata de observar este

princípio, nos deparamos com especificidades humanas sobre as quais

necessitamos realizar reflexões e diferenciações que nem sempre são fáceis

de serem aplicadas. Com o intuito de nos auxiliar nesse processo, Fávero

(2007, p.14-15) nos aponta critérios que foram desenvolvidos por consequência

de convenções e tratados internacionais, tais como: identificar o fator da

diferenciação; não admitir desigualdades baseadas em atributos subjetivos do

ser humano, exceto quando objetivamente estejam ligadas à interdição ou

proteção do direito à vida; adotar medidas especiais que visem o gozo ou

exercício de direito, facultando à pessoa interessada aceitar o tratamento

diferenciado.

Em virtude de tais premissas, construíram-se as diretrizes da Educação

Inclusiva, na qual o aluno é atendido em sala regular em um período e, no outro

período, em Atendimento Educacional Especializado (AEE), sendo que este

deve ser organizado de acordo com as necessidades de cada aluno, para que

possa, assim, apoiar o seu desenvolvimento. Fávero (2007, p.16) reafirma que

tal proposta é um atendimento diferenciado e não excludente, que vem somar

trabalhos em unidade com o ensino regular, e que é direito fundamental de

todos. Sobre esse direito de todos à educação, a autora também revela que é

Page 24: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

24

preciso observar que tal ação garanta o pleno desenvolvimento da pessoa; que

seja realizado em estabelecimentos oficiais, e que estes não sejam organizados

de maneira que separe as pessoas por grupos específicos, ou seja, enfatiza a

aplicação do conceito de uma escola por todos e para todos.

Para a implementação deste modelo educacional, a Secretaria de

Educação Especial, do Ministério da Educação, em 2007, publica para cada

especificidade (pessoa com surdez, deficiência física, deficiência mental e

deficiência visual) um documento pedagógico, denominado “Formação

Continuada a Distância de Professores para o Atendimento Educacional

Especializado”. No documento orientado especificamente para a pessoa com

surdez, de autoria de Mirlene Ferreira Macedo Damázio (2007, p 14),

encontramos que essa política se opõe à defesa de cultura, identidade e

comunidade surda, considerando-as como as diferenças que segregam. Para

esta autora, é preciso promover o confronto entre as diferenças, para que novos

caminhos se abram para a coletividade. Assim, o atendimento do surdo, de

acordo com Damázio (2007), se dará em ambiente bilíngue e em dois períodos

diários: um em sala regular, com a inserção do intérprete de Libras, que cumpre

a função de ponte entre pessoas e línguas envolvidas no processo; outro no

contraturno para a execução do Atendimento Educacional Especializado.

Este atendimento especializado deverá ser dividido em três momentos

distintos: o primeiro deve ser reservado para o ensino dos conteúdos

curriculares em Libras, preferencialmente por um surdo; o segundo para o

ensino da Libras, também preferencialmente por um surdo; e o terceiro para o

ensino da Língua Portuguesa, preferencialmente por um professor graduado

nesta área.

Especificamente sobre o ensino da Língua Portuguesa para surdos,

Damázio (2007) detalha que o atendimento deste aluno no AEE deve ser

realizado por um profissional graduado, que acreditamos ser alguém formado

em Letras – Língua Portuguesa. Também determina que este se proponha a

realizar todas as mudanças que sejam necessárias para o ensino dos alunos

surdos, de forma que consiga desenvolver neles a competência gramatical,

linguística e textual. Também deverá fazer uso de recursos multifuncionais e

visuais, usar amplo acervo textual em língua portuguesa, bem como ter

dinamismo e criatividade na elaboração das atividades. E a autora acrescenta

Page 25: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

25

que o professor em questão deverá também atender alunos que optarem pelo

trabalho oral da língua, oferecendo pistas fonéticas para a prática da fala e da

leitura labial.

Outro aspecto a ressaltar, nas concepções inclusivas desta autora, é

sobre a Língua de sinais, pois ela postula que os alunos devem usar e aprender

essa língua, mas que isso por si não é suficiente. Em sua argumentação,

declara que, mais do que utilizar essa língua, os alunos devem frequentar

espaços escolares desafiadores. Também Fávero, Pantoja e Montoan (2007, p.

39), ao falarem do aprendizado de Libras, afirmam que, se for opção dos pais,

devem acontecer na própria sala de aula regular, por um instrutor (de

preferência surdo), juntamente com os demais colegas (ouvintes) e o professor.

1.2 A Educação Bilíngue: Conceitos e Diretrizes.

Iniciaremos a apresentação dos conceitos sobre a Educação Bilíngue

no Brasil, a partir dos marcos legais que a garantem, conforme pode ser visto

no quadro abaixo, que de forma direta demonstra as citações referentes a estes

dispositivos na legislação pertinente.

Quadro 1: Marcos Legais da Educação Bilíngue

Lei, Decreto ou

Convenção Local Citação

Lei n. 10.436/2002 Art. 1º

“É reconhecida como meio legal de

comunicação e expressão a Libras e outros

recursos de expressão a ela associados”.

Lei n. 10.436/2002 Art. 1º, § único

“Entende-se como Língua Brasileira de Sinais -

Libras a forma de comunicação e expressão,

em que o sistema lingüístico de natureza visual-

motora, com estrutura gramatical própria,

constituem um sistema lingüístico de

transmissão de idéias e fatos, oriundos de

comunidades de pessoas surdas do Brasil”.

Decreto n.

5.626/2005 Art. 22, Inciso I

“escolas e classe de educação bilíngües,

abertas a alunos surdos e ouvintes, com

professores bilíngües, na educação infantil e

nos anos iniciais do ensino fundamental”.

Page 26: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

26

Lei, Decreto ou

Convenção Local Citação:

Decreto n.

5.626/2005 Art. 22, § 1º

“São denominadas escolas ou classes de

educação bilíngue aquelas em que a Libras e a

modalidade escrita da Língua Portuguesa

sejam línguas de instrução utilizadas no

desenvolvimento de todo processo educativo”

Convenção

Internacional sobre

os Direitos da

Pessoas com

Deficiência, anexada

no Decreto n.

6.949/2009

Art. 24, § 3º

“b) Facilitação do aprendizado da língua de

sinais e promoção da identidade linguística da

comunidade surda;

c) Garantia de que a educação de pessoas, em

particular crianças cegas, surdocegas e surdas,

seja ministrada nas línguas e nos modos e

meios de comunicação mais adequados ao

indivíduo e em ambientes que favoreçam ao

máximo seu desenvolvimento acadêmico e

social”.

Convenção

Internacional sobre

os Direitos da

Pessoas com

Deficiência, anexada

no Decreto n.

6.949/2009

Art. 30, § 4º

“As pessoas com deficiência farão jus, em

igualdade de oportunidades com as demais

pessoas, a que sua identidade cultural e

linguística especifica seja reconhecida e

apoiada, incluindo as línguas de sinais e a

cultura surda”.

Decreto n.

7.387/2010 Art. 1º

“Fica instituído o Inventário Nacional da

Diversidade Linguística, sob gestão do

Ministério da Cultura, como instrumento de

identificação, documentação, reconhecimento e

valorização das línguas portadoras de

referência à identidade, à ação e à memória dos

diferentes grupos formadores da sociedade

brasileira”.

Page 27: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

27

Lei, Decreto ou

Convenção Local Citação:

Lei n. 13.005/2014 Meta 4.7

“Garantir a oferta de educação bilíngue, em

Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS como

primeira língua e na modalidade escrita da

Língua Portuguesa como segunda língua,

aos(às) alunos(as) surdos e com deficiência

auditiva de 0 (zero) a 17 (dezessete) anos, em

escolas e classes bilíngues e em escolas

inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto nº

5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos arts.

24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das

Pessoas com Deficiência, bem como a adoção

do Sistema Braille de leitura para cegos e

surdos-cegos”.

Fonte: Elaborado pelo autor

Fica claro, nestes excertos legais, que, a partir da publicação da Lei Nº

10.436/2002 (BRASIL, 2002), houve uma ampliação dos conceitos e das

diretrizes para a Educação Bilíngue para os surdos no Brasil. Dessa forma,

foram evidenciados os direitos do surdos de usarem sua língua em todos os

contextos escolares, bem como os de aprenderem e usarem a Língua

Portuguesa como segunda língua, e de serem atendidos por profissionais

bilíngues qualificados. Ou seja, direito a participarem de uma Educação

Bilíngue. Thoma et al. (2013) abrange tal conceituação da seguinte maneira:

A Educação Bilíngue de surdos envolve a criação de ambientes linguísticos para a aquisição da Libras como primeira língua (L1) por crianças surdas, no tempo de desenvolvimento linguístico esperado e similar ao das crianças ouvintes, e a aquisição do português como segunda língua (L2). A Educação Bilíngue é regular, em Libras, integra as línguas envolvidas em seu currículo e não faz parte do atendimento educacional especializado. O objetivo é garantir a aquisição e a aprendizagem das línguas envolvidas como condição necessária à educação do surdo, construindo sua identidade linguística e cultural em Libras e concluir a educação básica em situação de igualdade com as crianças ouvintes e falantes do português (THOMA et al, 2013, p. 6).

A Educação Bilíngue não é algo atual: segundo Kozlowski (1998, p.47),

a proposta de educação bilíngue do surdo surgiu na década de 1970. Porém,

como observamos no quadro acima, foi a partir de 2002 que ela começa, no

Brasil, a se materializar, ao reconhecer-se a Libras como sendo a língua da

Page 28: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

28

comunidade surda. Dessa forma, dá-se para comunidade surda duas línguas

importantes: a língua Portuguesa escrita, por ser a língua nacional; e a Libras

como meio de comunicação próprio da comunidade surda. Isso passa a exigir,

naturalmente, uma educação bilíngue para os surdos brasileiros.

Desde 1997, Skliar, ativista da causa surda e pesquisador sobre a

educação dos surdos, já norteava discussão sobre o bilinguismo, ampliando-a

para além do campo metodológico escolar. Trazia em suas discussões

aspectos mais globais dos alunos, tais como sua identidade e sociabilidade, isto

é, uma pessoa para além das letras:

A educação bilíngüe é um reflexo cristalino de uma situação e uma condição sócio-lingüística dos próprios surdos; um reflexo coerente que tem que encontrar seus modelos pedagógicos adequados. A escola bilíngüe deveria encontrar neste reflexo o modo de criar e aprofundar, de forma massiva as condições de acesso à língua de sinais e à segunda língua, à identidade pessoal e social, à informação, ao mundo do trabalho e a cultura dos surdos (SKLIAR, 1997, p. 53).

A luta por esse modelo vem se ampliando, principalmente no campo

político, a fim de que se torne realidade. Nesse sentido, segundo Thoma et al.

(2013), no Relatório do Grupo de Trabalho, designado pelas Portarias nº

1.060/2013 e nº 91/2013 do MEC, contendo subsídios para a Política Linguística

de Educação Bilíngue Libras e Língua Portuguesa, encontramos as diretrizes

que devem corresponder ao modelo educativo bilíngue para surdos e as

apresentamos em forma de resumo:

a) Selecionar e enturmar os alunos pela sua especificidade

linguística e cultural;

b) Ambiente educacional bilíngue regular em Libras;

c) Espaço escolar marcado pelos artefatos culturais surdos

como: Pedagogia Visual e Literatura Surda;

d) Ambas as línguas fazem parte do currículo escolar;

e) Ambientes linguísticos adequados para aquisição de Libras

como primeira língua para surdos e segunda língua para

alunos ouvintes;

f) Acesso precoce das pessoas surdas a uma língua de sinais

plena e rica lexical e gramaticalmente;

Page 29: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

29

g) Na Educação Infantil e Creche, os profissionais de Libras

devem ser prioritariamente surdos;

h) Letramento visual em leitura e escrita da Língua de Sinais;

i) Estudo formal para o aprendizado de Língua Portuguesa

como segunda língua e segunda modalidade, como língua

instrumental por profissionais da área;

j) Instrumentos de avaliação que foquem a verificação da

apropriação conceitual e do conteúdo abordado em Libras;

k) Avaliação escrita da Língua Portuguesa que leve em conta a

questão da segunda língua e modalidade;

l) Presença do Intérprete de Libras como instrumento linguístico

entre a escola e o externo.

A Federação Nacional de Educação de Surdos – FENEIS (2013), em

uma nota contra as alterações que estavam sendo sugeridas para a Meta 4 do

Plano Nacional de Educação, caracteriza as escolas bilíngues como aquelas

que têm como língua de instrução a Libras, e em que, só após a aquisição dessa

primeira língua, dá-se a o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua.

Também preconizam que para a implementação desse modelo é necessário

que exista um espaço arquitetônico próprio, com professores bilíngues, o que

dispensa a mediação de intérpretes na relação dos alunos surdos com o

professor.

Sendo assim, entendemos que na Educação Bilíngue é indiscutível a

presença de profissionais surdos e profissionais ouvintes bilíngues, que

garantam a identidade, cultura e Língua de Sinais. De forma complementar, tão

importante quanto esse ambiente de formação inicial do aluno surdo, a Língua

Portuguesa deve ser ensinada como segunda língua.

1.3 Quadro Resumo dos Modelos

Encerrando as explicações, apresentamos um quadro no qual

confrontamos os dois modelos de educação para surdos, a partir de temas

específicos.

Page 30: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

30

Quadro 2: Comparação entre modelos escolares para surdos

Tema Educação Inclusiva

para Surdos

Educação Bilíngue

para Surdos

Organização dentro

do MEC

Integrado à Secretaria

de Educação Especial Com Diretoria própria

Escola Escola aberta para

todos

Escola aberta para

todos

Sala de aula Regular Com intérprete de Libras Com professores

fluentes em Libras

Estatuto da Língua

de Sinais Brasileira

Libras como instrumento

de apoio educacional

Libras como língua de

instrução e convívio

mútuo entre todos

Ensino da Língua

Portuguesa

Ensino/aprendizagem de

LP em sala regular,

junto aos alunos

ouvintes e em outro

período em sala de

AEE.

Ensino/aprendizagem

de LP em sala regular

como segunda língua

com professor graduado

na área.

Contraturno na

Escola Regular

Diariamente em

atendimento no AEE,

como apoio ao

ensino/aprendizagem da

Libras, da LP e dos

conteúdos diários

apresentados na sala

regular

Diariamente, em

período contrário ao

ensino regular, livre

para realizar atividades

diversas como arte,

esporte, projetos, etc.

Profissional

Intérprete de Libras

Atua como interlocutor

entre o aluno e seu

universo escolar.

Atua apenas para

atividades externas ao

dia a dia da escola.

Page 31: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

31

Tema Educação Inclusiva

para Surdos

Educação Bilíngue

para Surdos

Profissional

Intérprete de Libras

Atuação indefinida.

(Mediador educacional,

intérprete, professor

intérprete, interlocutor).

Atuação

tradutor/intérprete.

Professor Surdo Atua preferencialmente

como parte do processo

Atua como principal

agente do processo

educacional

Língua de Acesso e

instrução

Língua Portuguesa

falada e escrita, com

intérprete de Libras

Libras sinalizada9 e

Língua Portuguesa

escrita.

Representação

Social10

Surdo visto como

deficiente.

Surdo visto como

sujeito bilíngue e

bicultural.

Visão política

Defende a importância

do confronto surdo

versus ouvinte,

promovido pela relação

entre as diferenças para

a vida em coletividade.

Defende a existência da

cultura, identidade e

comunidade surda

Concepção

Metodológica

Os professores

precisam conhecer e

usar a Libras como

ferramenta

A Libras é o principal

canal de comunicação e

linguagem.

Fonte: Elaborado pelo autor

9 O termo “Libras Sinalizada”, faz referência ao motivo de existência da modalidade escrita da Libras, sabendo-se que ainda não é usada como recurso de ensino/aprendizagem de primeira língua. 10 Para Jodelet (1989, p. 4), sobre a Representação Social, “[...] há acordo na comunidade científica. É uma forma de conhecimento, socialmente elaborado e compartilhado, que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum, a um conjunto social.”

Page 32: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

32

CAPÍTULO 2 – ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: Educação Inclusiva versus Educação Bilíngue

Ao iniciar essas reflexões, em que confrontamos os modelos de

educação para os surdos, voltamos à ideia metafórica das mãos que nos

direcionam, pois defendemos a ideia de que os próprios surdos devem apontar

o modelo que consideram como o ideal de ensino/aprendizagem para si

mesmos.

Se voltarmos no tempo, veremos que houve em um momento na história,

entre 1712 e 1789, em que um homem conhecido como Abade Charles Michel

de L’Epee valorizou a comunicação por gestos dos surdos, aprendendo-a e, a

partir dela, estimulando o ensino e aprendizado da língua Francesa com

métodos por ele criados.

Mesmo considerando que seus métodos possam não ter sido

exemplares, uma vez que descaracterizava a sintaxe da língua de sinais, ele

realizou o processo de valorização da língua de sinais, demonstrando, assim,

que ela é imprescindível na vida dos surdos. Segundo Moura (2000), nesse

período houve um avanço com relação aos desenvolvimentos humano, social,

identitário, linguístico e educacional dos surdos. Isso se comprova pelo

resultado obtido, pois nesta época se deu a formação de vários professores

surdos, profissionais estes que viajaram por diversos países para auxiliar na

fundação de escolas e, assim, contribuíram para a formação, valorização da

língua de sinais e da Cultura Surda.

Oliver Sacks (2010) relata, ao falar de educação de surdos, que o grande

impulso aconteceu na França entre 1770 e 1820 e, em seguida, espalhou-se

para outros países. Um exemplo, segundo esse autor, é a história do surdo

Laurent Clerc que, em viagem para os Estados Unidos, ajudou na fundação da

Gallaudet University, hoje internacionalmente conhecida.

Em 1864, o congresso aprovou uma lei autorizando a Columbia Institution for the Deaf and the Bling, em Washington, a transformar-se numa faculdade nacional para surdos-mudos, a primeira instituição de ensino superior especificamente para surdos. O primeiro reitor foi Eward Gallaudet – filho de Thomas Gallaudet, que em 1816 leva Clerc para os Estados Unidos. O Gallaudet College, continua sendo até hoje a única faculdade de ciências humanas do mundo para alunos surdos (SACKS, 2010, p. 32).

Page 33: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

33

Segundo Strobel (2009, p. 24), também o Brasil foi beneficiado com tal

expansão linguística e cultural dos surdos, pois, em 1855, o professor surdo

Eduardo Huet, sob o beneplácito do Imperador Dom Pedro II, fundou na cidade

do Rio de Janeiro a primeira escola de surdos, hoje denominada Instituto

Nacional de Educação de Surdos (INES).

Porém, segundo a autora, seguiu-se a esse momento de crescimento um

período de retrocesso, marcado principalmente pelas ideias ouvintistas 11 e

proposituras veiculadas no Congresso de Surdo-Mudez de Milão – Itália, em

1880, quando:

[...], o método oral foi votado o mais adequado a ser adotado pelas escolas de surdos e a língua de sinais foi proibida oficialmente alegando que a mesma destruía a capacidade da fala dos surdos, argumentando que os surdos eram “preguiçosos” para falar, preferindo usar a língua de sinais. [...] Na ocasião de votação na assembleia geral realizada no congresso todos os professores surdos foram negados o direito de votar e excluídos, dos 164 representantes presentes ouvintes, apenas 5 dos Estados Unidos votaram contra o oralismo puro (STROBEL, 2009, p.26).

Seguiram-se, então, anos de atraso no desenvolvimento dos surdos,

além de humilhação, desagravo físico e outras ocorrências contra essas

pessoas. Afirma Sacks (2010):

E então – e esse é o momento crítico de toda a história – a maré virou, voltou-se contra o uso da língua de sinais pelos surdos e para os surdos, de tal modo que em vinte anos se desfez o trabalho de um século. [...] professores ouvintes, e não professores surdos, tiveram que ensinar os alunos surdos” [...] O inglês tornou-se a língua para instrução de alunos surdos (SACKS, 2010, p.33).

Podemos afirmar que a situação atual sobre a educação dos surdos no

Brasil não está diferente, pois existe o modelo de Educação Inclusiva, defendida

por pessoas ouvintes, que propõe políticas educacionais para os surdos,

insistindo em dizer como deve ser esta educação, sem ouvi-los e sem

reconhecê-los como protagonistas desse processo.

A fim de exemplificar a ação dos ouvintistas inclusivos, com relação à

educação dos surdos, trazemos, a título de reflexão e crítica, a parábola escrita

11 O conceito Ouvintista encontra-se em Skliar (2011) quando procura problematizar a concepção de normalidade cultural. Para o autor, o ouvintismo é o termo usado para definir um conjunto de representações que as pessoas ouvintes têm e pelas quais subordinam os surdos a se olharem e se assemelharem a eles.

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34

por Rubem Alves (1995, p. 63-64) que conta a história do Rei Leão, que decidiu

que nenhum dos seus súditos morreria na ignorância e, para resolver isso,

convocou o Dr. Urubu que, em sua sapiência, seguiu tal cruzada estabelecendo

um currículo, no qual os pensamentos, o andar, as preferências de nariz e de

língua, o canto e a cor dos urubus eram o modelo para todos, pois acreditava

que sua espécie era a melhor. “Em suma: o que é bom para os urubus é bom

para o resto dos bichos” (ALVES, 1995, p. 64). Imaginem o que aconteceu

quando todos os outros animais tiveram que se adequar e viver como se fossem

um urubu. Isso, de forma análoga, é o que acontece quando se escolhe uma

forma, seja ela qual for, como padrão para todos. Em situações deste tipo não

existe diálogo nem abertura para ideias diferentes ou novas possibilidades, pois

não se permite a participação dos grupos minoritários na decisão de políticas

para sua própria educação.

Dessa forma, ao discutirmos Educação Inclusiva e Educação Bilíngue,

encontramos em Mattos e Ramires (2013); Gonzalez e Garnica (2015); Kelman,

Lage e Almeida (2015) e Albuquerque (2016) que a inclusão está longe de ser

uma opção justa para os surdos. Estes autores afirmam que a Educação

Bilíngue é o melhor processo, visto que apresenta em sua proposta a garantia

de valorização da surdez e de tudo o que dela faz parte.

Cada uma das abordagens educacionais está ancorada em um modo de

conceber a pessoa surda. Portanto, faz-se necessário definir essas concepções

2.1 Concepção de Surdez

Quando lemos:

a) “As pessoas com surdez enfrentam inúmeros entraves para

participar da educação escolar, decorrentes da perda da audição

e da forma como se estruturam as propostas educacionais das

escolas” (DAMÁZIO, 2007, p. 13, grifo nosso);

b) “Do ponto de vista da natureza humana, não nos falta nada para

vivermos como os ouvintes, se tivermos a língua de sinais como

acesso principal de comunicação e via de aprendizado”

(CAMPELLO et al., 2012, p. 2, grifo nosso);

Page 35: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

35

c) “Grande parte dos pesquisadores e estudiosos da cultura surda têm

se apropriado da concepção de diferença cultural, defendendo uma

cultura surda e uma cultura ouvinte, o que fortalece a dicotomia

surdo/ouvinte. (BUENO, 1999, apud Damázio 2007, p. 21, grifo

nosso);

d) “A postura segregadora não parte de nós, mas dos que não

aceitam nossas especificidades e necessidades” (CAMPELLO at

al., 2012, p. 2, grifo nosso);

Fica evidente o confronto de ideias, cujo destaque encontra-se nos

negritos acima, as quais demonstram diferentes formas de pensar a pessoa

surda.

Pensamentos como estes estão no imaginário das pessoas e, segundo

Jodelet (1989), são conhecidos como representações sociais, isto é, são

sistemas de interpretação que afetam nossa relação com o mundo e com os

outros. Para esta autora:

[...] compartilhamos o mundo com outros, neles nos apoiamos — às vezes convergindo; outras, divergindo — para o compreender, o gerenciar ou o afrontar. Por isso as representações são sociais e são tão importantes na vida cotidiana. Elas nos guiam na maneira de nomear e definir em conjunto os diferentes aspectos de nossa realidade cotidiana, na maneira de interpretá-los, estatuí-los e, se for o caso, de tomar uma posição a respeito e defendê-la (JODELET, 1989, p. 1).

Do mesmo modo, a representação social “é uma forma de conhecimento,

socialmente elaborada e compartilhada, que tem um objetivo prático e concorre

para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET,

1989, p. 5). Dentro dessa lógica identificamos como objeto a surdez e como

sujeitos os ouvintistas e os surdos. Além disso, entendemos como

representação, de um lado, o entendimento da surdez enquanto deficiência, e

do outro, da surdez enquanto identidade linguística e cultural. Isso nos permite

entender o porquê da dicotomia entre os grupos sobre a surdez. Para Skliar

(2011), as pessoas ouvintes estão sempre querendo subordinar as pessoas

surdas para que estas se tornem semelhantes a elas (ouvintismo) e, por isso,

ao olhar para a surdez, percebem somente a falta de audição (visão clínica da

surdez) e agem para procurar meios de suprir essa falta.

Page 36: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

36

Complementando esta linha de pensamento, encontramos que Strobel

(2013), doutora surda e grande precursora dos estudos da cultura surda,

apoiada em autores pós-modernos, considera a questão cultural como plural,

isto é, entende cultura como manifestação de diferentes grupos, através da sua

forma de transformar e ser transformado pela sociedade. Diante dessa

concepção, segundo a autora, os surdos têm cultura quando percebem o

mundo pela visão; se comunicam pela língua de sinais (gestualizada ou escrita);

produzem literatura surda (artigos, poesias, contos, piadas, histórias infantis,

etc.); quando se unem entre si para vida social e esportiva e atuam através da

política.

Os estudos desses autores vêm no sentido de mostrar que podemos ter

um outro olhar sobre a surdez e o universo das pessoas surdas para somar com

elas nossas forças, a fim de que possam decidir pelo modelo educacional que

melhor os atenda e os represente.

Dentre esses aspectos relatados, acreditamos que na escola inclusiva,

ao invés de existir uma inclusão de fato, o que acontece na realidade é a

exclusão. Coadunam-se conosco Perlin e Quadros (1997, p.38) quando

afirmam que, na verdade, na escola dita inclusiva, acontece a segregação dos

alunos surdos com relação à comunidade escolar, gerando na criança surda

sentimentos como o de ser estrangeira e discriminada, levando-a a manter-se

na fronteira surdo-ouvinte12.

Os estudos destes autores vêm ao encontro do que defendemos como

modelo educacional ideal para alunos surdos. Para sermos mais exatos, nessa

menção unimo-nos aos apelos de Campello et al. (2012), em carta ao Ministro

da Educação, ao pedirem uma escola que contemple toda especificidade surda,

quer seja educacional, linguística, social, afetiva e/ou cidadã.

Várias pesquisas mostram que os surdos melhor incluídos socialmente são os que estudam nas Escolas Bilíngues, que têm a Língua de Sinais brasileira, sua língua materna, como primeira língua de convívio e instrução, possibilitando o desenvolvimento da competência em Língua Portuguesa escrita, como segunda língua para leitura, convivência social e aprendizado. Não somos somente nós que defendemos essa tese. Reforçamos que há um número

12 Essa fronteira, a nosso ver, está relacionada à distância entre as línguas. Se o ouvinte não aprende a língua de sinais e não houver comunicação entre surdo e ouvinte, o surdo ficará sempre apartado de tudo que acontece, visto que uma escola para ouvintes é pautada pelo mundo de sons e é muito pouco visual.

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37

relativamente grande de mestres e doutores, pesquisadores de diversas áreas de conhecimento, além de professores de ensino básico e superior, que identificam essa realidade e atuam nessa luta conosco. Todos os pesquisadores sérios proclamam que as ESCOLAS BILÍNGUES PARA SURDOS, cujas línguas de instrução e convívio são a Libras (L1) e o Português escrito (L2), são os melhores espaços acadêmicos para a aprendizagem e inclusão educacional de crianças e jovens surdos (CAMPELO et al., 2012, destaques dos

autores).

Thoma et al. (2014, p. 3) defendem que a Educação Bilíngue é a proposta

política que oferece ao aluno surdo, um espaço educacional que desloca a

pessoa surda de uma condição puramente auditiva para uma condição de

identidade surda, linguística e culturalmente. Estes autores se contrapõem à

proposta inclusiva, afirmando que nela existe um primeiro e primordial erro: o

de insistir com a lógica médica da surdez13.

Nesse sentido, estes autores baseiam-se na lei de Libras (Lei

10.436/2002) e no decreto que a regulamenta (Decreto 5.626/2005), para

apresentarem o direito que os surdos têm de serem assistidos por professores

bilíngues qualificados, bem como o direito a intérpretes e, por fim, até o de

escolher a modalidade escolar que julgarem melhor para si. Além do mais,

apoiados no artigo 4º do decreto 6.949/2009, ressaltam o direito que os surdos

têm de participarem do processo de criação e definição das políticas públicas

que os envolvam.

Sendo assim, discutiremos nos próximos itens os aspectos mais

importantes da diferenciação entre a escola inclusiva e a escola bilíngue,

trazendo discussões sobre a escola, as práticas educativas, as línguas de

instrução, culminando no ensino da LP.

2.2 O afeto dos surdos no espaço escolar

No slogan da Educação Inclusiva “O direito de todos a uma escola de

todos e para todos, sem exclusões, discriminação e preconceitos” (FÁVERO,

PANTOJA e MONTOAN 2007, p. 6), a primeira coisa a se considerar é a

identidade desse local chamado Escola, que ao nosso ver é excludente,

13 Essa concepção é apresentada por Skliar (2011) quando procura problematizar a concepção de normalidade cultural. Para o autor, ela está atrelada ao conceito de ouvintismo, também denominada conceito clínico-patológico da surdez e é representada pelo olhar das pessoas ouvintes para com as surdas de maneira que só as vê como deficientes e, por isso, insistem nas práticas de cura e reabilitação.

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38

discriminadora e cheia de preconceitos. Autores como Michel Foucault (2002),

Paulo Freire (1996), Pierre Bourdieu (1998), entre outros, comungam dessa

nossa crítica à escola brasileira; e também Cortella (2011, p. 13-14, grifo do

autor) quando afirma que as elites econômicas implementaram um apartheid

social na educação. Segundo o autor, no Brasil, ainda não se deu a justiça

social de acordo com a riqueza que produzimos, o que gera a crise da

Educação. Ao realizar um olhar pela história educacional constata-se que existe

um privilégio em atender às demandas capitalistas em detrimento dos setores

sociais, o que ocasiona efeitos desastrosos na educação.

Corrobora com essa afirmativa Rubem Alves (1995, p. 51-55), ao contar

uma história verídica de um menino que, pressionado pela escola, começa a

demonstrar suas fraquezas e medos. Então o autor questiona se, nesse caso,

não seria a escola a doente. Por fim, compara a escola ao jacaré que devora

as crianças em nome do rigor, do ensino apertado, de boa base, etc. E o autor

pergunta: “Mas, e a infância? E o dia que não se repetirá mais? E os sonos

perdidos, os medos? [...] que tudo não passa de crueldade dos grandes contra

os pequenos” (ALVES, 1995, p 55).

A segunda coisa a se considerar, com relação ao slogan da Educação

Inclusiva, anteriormente citado, é a questão afetiva dos que passam pela

escola. Nesse sentido, ao lidar com jovens surdos que passaram pela escola e

não aprenderam a Língua Portuguesa, percebemos diversos problemas

afetivos e emocionais que impossibilitam tal aprendizagem. Isso é fundamental

para o escopo dessa pesquisa, pois fatores como família ouvinte, língua

diferente; falta do sentimento de pertença; falta de modelos; professores que

não falam a língua do aluno; entre outros, ocasionam falha no processo de

aprendizagem dos alunos surdos, dificultando-a.

Ao se tratar do tema afeto e família, tendo em vista que a maioria das

crianças surdas nasce em famílias de ouvintes, o luto é a primeira marca afetiva

negativa, pois esses pais não esperavam por esta situação. Para a grande

maioria destas famílias, a surdez é doença que deveria ser curada e, por este

motivo, investem seus recursos, inclusive os emocionais, na procura de

soluções de cura. Porém, ao não conseguirem tal proeza, sentem-se incapazes,

o que intensifica o luto e amplia a separação dentro da família. Como

comprovação desta ideia, corrobora conosco Sandrine, no documentário, “Sou

Page 39: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

39

surda e não sabia”, do diretor Igor Ochronowicz, de 2009, quando revela seus

sentimentos referentes ao que viveu com sua família, após ter sido

diagnosticada como surda.

A relação com meus pais, que até então era calorosa, começou a mudar, estavam frios. Uma distância se instalou entre nós. Eu sabia que algo mudara, que não me viam da mesma forma. Tentei restabelecer o contato, mas algo nos separava. Tinha sensação muito forte de que choravam por dentro. O olhar deles me afastava, e eu me perguntava o que fizera de errado. Eu podia ter feito alguma besteira, alguma coisa grave. Eu não sabia.

Ao se falar em desafetos dos surdos com relação à escola, autores como,

Mattos e Ramires (2013), Dias (2014), Gomes (2014), Oliveira (2014), Munis

(2014), Pereira (2015) e Martins e Meneses (2016) apresentam diversos

aspectos traumáticos na vida dos surdos com relação à educação, ora no

espaço físico escolar, ora no trabalho com a Língua Portuguesa como segunda

língua, ora nos processos de avaliação ou mesmo na própria valorização da

Libras.

Quando o aluno surdo chega à idade de alfabetização, o problema

aumenta, pois ele e sua família se deparam com a grande dificuldade do

aprendizado da leitura e da escrita da Língua Portuguesa. Essa perspectiva é

corroborada por Pereira (2015, p. 261) quando ressalta que o problema está na

concepção de escrita como representação da oralidade, atitude essa que

reforça a representação do surdo não só como deficiente da audição, mas

também como da linguagem.

Nesse mesmo sentido, coaduna com essas reflexões Venturini (2006

apud Dias, 2014, p.44) quando apresenta fatores como relações de poder,

emoção, afeto, expectativas culturais, identidade e autoestima como sendo

essenciais no processo de ensino e aprendizagem de uma Segunda Língua. A

autora cita Krashen (1978), que apresenta a existência de um filtro afetivo, no

qual a motivação é um aspecto importante e constitutiva do processo de

aprendizagem.

De modo diferente ao que ocorre com a aquisição da L1, que emerge espontaneamente, aprender uma L2 requer estímulo. O filtro afetivo seria o responsável pela permissão da entrada do input, e, se o aprendiz tem baixa autoestima, o filtro funcionará como uma espécie do bloqueio aos dados oriundos do input. Por outro lado, caso o aprendiz se sinta motivado, o filtro afetivo permitiria a entrada do input

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40

e, consequentemente, haveria mais chances de sucesso na aprendizagem [...] A hipótese do filtro afetivo destaca a relevância da afetividade no aprendizado de uma L2 (KRASHEN, 1978 apud Dias 2014, p.44).

É necessário, pois, analisar a força existente nesta questão afetiva. Os

estudos de Martins e Meneses (2016, p.51) afirmam que um sistema que não

considera a especificidade linguística inibe o sujeito surdo e o estigmatiza.

Essas atitudes trazem prejuízos incalculáveis tanto para a educação formal

quanto pessoal e cidadã desse sujeito.

Outro aspecto a considerar como desafeto são as avaliações, visto que

são sempre construídas e aplicadas ignorando as especificidades surdas.

Segundo Mattos e Ramires (2013, p. 44), a avaliação é um dos instrumentos

que sempre exclui os surdos, justamente por serem oferecidas em Língua

Portuguesa escrita. Vale ressaltar que a forma como as avaliações têm sido

feitas exige desses não só conhecimento de conteúdo, mas também

conhecimento linguístico de leitura e escrita em segunda língua. Tais situações

geram nos alunos sentimentos de incapacidade e baixa autoestima.

Diante das questões apresentadas, evidencia-se a necessidade de

estabelecer nos educadores atitudes que favoreçam os aspectos afetivos com

relação à educação do surdo. Nesse sentido, em entrevista concedida à Revista

Arqueiro, Oliveira (2014, p. 11) apresenta como requisitos: o conhecimento

acerca das características, necessidades, e o jeito de aprender das pessoas

com quem vamos trabalhar e o compartilhamento de uma língua em comum,

pois isso é o que possibilitará as trocas de experiências, diálogos, etc.

Enfim, podemos compreender, com base nestes autores, que para

considerarmos o aspecto afetivo do surdo, aspecto este imprescindível para os

trabalhos educacionais, devemos estabelecer relações de amizade, de

confiança, de consideração, de motivação, de compreensão, de língua, etc.

2.3 A organização da vida escolar no tempo na escola

Ao refletir sobre a vida escolar oferecida para a inclusão dos surdos, que

num período frequentam o ensino regular e no outro participam do AEE,

podemos afirmar que, no aspecto de quantidade de horas, é algo semelhante

ao que entendemos por Escola em Período Integral, visto que no modelo de

Page 41: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

41

Educação Inclusiva os alunos são diariamente obrigados a ficar pelo menos

dois períodos em atividades educacionais.

A Lei nº 9.394/96, no seu Artigo 34, parágrafo 2º, determina que no

Ensino Fundamental a permanência dos alunos na escola será

progressivamente ampliada para atingir tempo integral. Gonçalves (2006, p.

130) explica, de forma ampla, que a proposta de Educação Integral visa ofertar

atividades educativas que complementem o aprendizado. Afirma ainda que tal

modelo só faz sentido se considerar a formação do aluno de forma integral, ao

oportunizar situações significativas e emancipadoras.

No entanto, as atividades definidas para o AEE são de caráter

exclusivamente pedagógico, uma vez que visam complementar os conteúdos

curriculares ministrados no período em que os alunos surdos estão em sala

regular. Além disso, serve este período do AEE para o ensino de Libras e de

Língua Portuguesa como segunda língua. Ou seja, esse tempo não é dedicado

para a complementação da formação integral do aluno, para além do âmbito

puramente escolar.

Se, por um lado, a Escola Inclusiva observa um período integral, isso

também acontece na Escola Bilíngue, sendo que a diferença será a forma como

esses dois modelos organizam o tempo do aluno na escola. A permanência do

aluno surdo numa Escola Bilíngue também equivale ao tempo de permanência

na Escola de Tempo Integral, pois no período regular o aluno estaria

aprendendo todo conteúdo em sua própria língua, deixando o tempo reservado

ao contraturno para a realização de atividades como: artes, esportes, interação

social, atividades culturais, etc. Ou seja, esse tempo será usado para a

formação integral do aluno como cidadão, inserindo-o na coletividade. A título

de exemplo, apresentamos duas escolas bilíngues: o Instituto Nacional de

Educação de Surdos 14 – INES e o Centro de Educação para Surdos Rio

Branco15 - CES. Em ambas, o Ensino Fundamental se dá em período integral e

elas propiciam acesso ao currículo regular e, além disso, propiciam também

opões de cursos extracurriculares. Cabe ressaltar aqui que fazem parte da

grade curricular regular as disciplinas de Libras e Língua Portuguesa. Todas as

14 Página inicial do Instituto de Educação de Surdos disponível em www.ines.gov.br, acesso em 13/01/2020. 15 Página inicial da Escola Bilíngue Rio Branco disponível em www.ces.org.br, acesso em 09/12/2019.

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42

atividades são conduzidas por profissionais ouvintes bilíngues e/ou surdos

graduados em Letras Libras.

2.4 Segregação ou respeito à singularidade.

O espaço onde devem estudar os alunos surdos é outro motivo de

confronto entre os modelos educacionais discutidos neste trabalho. Os

defensores da escola inclusiva afirmam que se os surdos estudarem em escolas

específicas, sem contato com ouvintes, ocorrerá um processo de segregação.

Por outro lado, os defensores da escola bilíngue defendem a necessidade

desses enturmarem-se pela especificidade linguística e cultural, para que,

então, haja real inclusão social.

Para Fávero, Pantoja e Montoan (2007, p. 27), a Educação Especial, nos

moldes passados, é a diferença que segrega. A crítica dessas autoras às

Escolas Especiais se dá com relação à posição de que nada pode substituir o

ensino regular. Segundo essas autoras, houve uma interpretação equivocada

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDBEN, Lei nº 9.394/96 que, em

seu artigo 58 e seguintes, diz que o Atendimento Educacional Especializado

dos alunos poderia ser feito em qualquer lugar, sempre que não fosse possível

sua integração nas classes regulares, algo que propiciou o atendimento da

maioria dos alunos com necessidades especiais em centros de apoio, como por

exemplo as APAE. Dentro deste posicionamento, as Escolas Bilíngues se

configurariam em Escolas Especiais.

Já para os autores que defendem a Escola Bilíngue, esse modelo está

absolutamente dentro do que determina a Lei nº 9.394/96, uma vez que os

alunos surdos são matriculados em escola regular, que ministra todo o conteúdo

curricular básico em língua de sinais e, além disso, consta em sua grade

curricular o ensino de Libras e o ensino de Língua Portuguesa como segunda

língua, o que configura uma escola regular bilíngue, em que a enturmação

contempla o desenvolvimento linguístico, cultural, identitário das pessoas

surdas.

Anteriormente, no primeiro capítulo, já havia se falado sobre a ideia de

que o melhor lugar para educação dos surdos é o espaço legitimamente

Page 43: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

43

bilíngue. Ressalte-se aqui o termo legitimamente, visto que muitos espaços

inclusivos se denominam bilíngues, quando na realidade são locais permeados

de valores e práticas inclusivas.

Os surdos pertencem a uma comunidade linguística e cultural e se

colocam sob as diretrizes da Convenção Internacional sobre os Direitos

Linguísticos, promovido pela UNESCO em 1996, que garante o direito das

comunidades linguísticas de decidirem sobre a língua a ser usada na sua

educação. Em consonância, as diretrizes sobre a Educação Bilíngue

consideram que é válida a enturmação dos estudantes pela sua especificidade

linguística e cultural; criando espaços onde o currículo regular possibilite o

envolvimento dos surdos nas diversas disciplinas, projetos e ações escolares,

usando diretamente sua própria língua. Assim o ensino/aprendizagem de Libras

é ministrado como primeira língua e a Língua Portuguesa como segunda língua.

Outro ponto importante a considerar na educação dos surdos é a

aplicação da Lei nº 11.700/2008 que determina que todo aluno deve ser

matriculado próximo de sua residência, e, ainda, a Lei nº 9.394/96 que

determina que o aluno deve iniciar os estudos no Ensino Fundamental com seis

anos e concluir o Ensino Médio com dezessete anos, ou seja, o aluno deve

acompanhar sua turma, idade e série. Se cumprirmos o que estas duas Leis

determinam, teremos provavelmente um único aluno surdo matriculado em sala

de aula regular próxima à sua residência, o que gerará o seu isolamento quanto

aos seus pares linguísticos e, muitas vezes, sem a presença do intérprete

educacional.

Enfim, esse resultado revela que a escola inclusiva acarreta a exclusão,

o desestímulo e a não permanência dos surdos nas instituições escolares.

Observa-se que desde os anos 1970 até os dias atuais existe uma luta por

educação bilíngue na educação dos surdos que, quando muito, está

implementada apenas em alguns dos grandes centros populacionais, e para o

restante da população, que é a maioria, oferece-se a educação inclusiva que

não favorece o desenvolvimento dos surdos como cidadãos, pois o resultado é

que temos alunos surdos que chegam no final da Educação Básica sem

conhecimentos mínimos necessários e, além disso, também não conseguem

ler e escrever usando a Língua Portuguesa.

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44

2.5 Língua de Sinais como Primeira Língua

A criança ouvinte, ao chegar à escola, está permeada de conhecimentos

adquiridos através do uso da língua falada com todos aqueles com quem ela

convive, em especial com quem desempenha o papel materno. Por outro lado,

no caso da criança surda, só por volta dos seis meses de idade é que ela

começa a se diferenciar da criança ouvinte, conforme descreve Strobel (2013

p. 53):

Quando um bebê nasce surdo, ele desenvolve inicialmente as mesmas fases de linguagem que o bebê ouvinte: grito de satisfação, choro de dor e fome, sons sem significado, até mais ou menos seis meses de idade. Quando chega à fase de balbucio é que começa a ser diferenciado de outro. Porque o bebê ouvinte, podendo ouvir o som do ambiente ao redor de si, tenta se comunicar emitindo sons, enquanto o bebê surdo, não ouve sons do ambiente e, por isto, as primeiras “palavras” não surgem. Consequentemente, fica com a aquisição de linguagem atrasada e limitada por falta de continuidade e acesso aos conhecimentos e informações externas (STROBEL, 2013, p. 53-54).

Ainda para esta autora, crianças surdas filhas de pais surdos adquirem de

seus pais a linguagem, da mesma forma que as crianças ouvintes a adquirem

dos seus.

Diante disto, fica claro que para crianças surdas a Libras é a língua que

deve ser usada no processo de aquisição de linguagem, conhecimento de

mundo e língua de acesso. Isto se deve devido à sua característica básica: a

visualidade, que é parte intrínseca da identidade cultural surda.

Coadunam-se conosco Thoma et al. (2013) que, ao tratarem do tema

aquisição da linguagem da criança surda, defendem a ideia de que a Libras

deva ser usada como primeira língua, visto que é adquirida de forma natural e

espontânea. Para isso, na Educação Infantil, os profissionais devem ser

prioritariamente surdos, a fim de que sirvam como modelo linguístico e de

identidade surda. Já para os alunos surdos, filhos de pais não surdos, que

venham tardiamente adquirir a língua, é necessário que o trabalho escolar se

dê por atividades que envolvam interação, conversação e contação de histórias;

também prioritariamente por profissionais surdos.

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45

Os surdos possuem uma língua pela qual perpassa todos os seus

pensamentos, sentimentos e constructos linguísticos. Sobre ela, afirmam Long

(1910) apud Sacks (2010, p. 5):

[A língua de sinais], nas mãos de seus mestres, é uma língua extraordinariamente bela e expressiva, para a qual, na comunicação uns com os outros e como um modo de atingir com facilidade e rapidez a mente dos surdos, nem a natureza nem a arte lhes concedeu um substituto à altura. Para aqueles que não a entendem, é impossível perceber suas possibilidades para os surdos, sua poderosa influência sobre o moral e a felicidade social dos que são privados da audição e seu admirável poder de levar o pensamento a intelectos que de outro modo estariam em perpétua escuridão. Tampouco são capazes de avaliar o poder que ela tem sobre os surdos. Enquanto houver duas pessoas surdas sobre a face da Terra e elas se encontrarem, serão usados sinais (J. SCHUYLER LONG, 1910).

Sendo assim, concluímos que os aspectos de linguagem e primeira

língua, a Libras, são imprescindíveis no processo de aquisição de segunda

língua, ao contrário do que afirma Damásio (2007 p. 14) ao dizer que o

aprendizado da Libras por si só não é suficiente.

A partir desse momento, chegamos à temática central dessa pesquisa, o

ensino da Língua Portuguesa para os surdos, que abordaremos no próximo

capítulo.

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46

CAPÍTULO 3 – ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS: Questões Gerais:

Ao procurar identificar, descrever e problematizar as principais

estratégias usadas por alunos surdos, jovens e adultos, no processo de escrita

da Língua Portuguesa como segunda língua, objetivo do presente trabalho, é

necessário realizar algumas considerações.

No capítulo anterior, discutimos ideias e conceitos a fim de afirmarmos

que a Educação Bilíngue é o modelo ideal, tanto para a educação dos surdos

quanto para obtermos diretrizes sobre o ensino da Língua Portuguesa escrita.

Nesse sentido, para que os surdos cheguem ao final de sua educação escolar

com boa formação, são imprescindíveis características como:

Fortalecimento dos aspectos identitários e culturais próprios da

comunidade surda (visualidade e literatura);

Integração social, reforçada através do contato amplo com todos os

profissionais alocados na escola e a necessidade de que todos sejam

bilíngues, ou seja, tenham fluência em Libras e conheçam as

especificidades culturais dos povos surdos;

Língua de Sinais na grade curricular;

O uso da Língua de Sinais nesses espaços educacionais como língua de

instrução e convívio;

Ensino/aprendizagem da leitura e da escrita da Língua Portuguesa

como segunda língua (nosso grifo);

Espaço arquitetônico que possibilite a visualidade (campainhas

luminosas, murais, etc.);

Profissionais surdos ocupando os mais diversos segmentos da escola; e

Intérprete de Libras para contato com o externo.

Todos esses aportes devem moldar a construção do Projeto Político

Pedagógico de uma escola bilíngue, que resultará em práticas educacionais de

LP2 para que correspondam ao seu verdadeiro objetivo. Por outro lado, para

que tal trabalho aconteça, é necessário refletir sobre práticas pedagógicas e

sobre tudo o que delas fazem parte. Saviani (2008) afirma que é a partir do

planejamento intencional de forma e conteúdo, de ações didáticas e saberes

historicamente sistematizados que a educação escolar se diferencia

Page 47: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

47

qualitativamente das demais formas. Ao nosso entender, o que o autor

apresenta de forma ampla para a educação cabe também, de forma particular,

para o ensino/aprendizagem de LP2. Ele considera que a prática social é um

ponto de chegada, de caráter processual, em que se dá a intencionalidade do

ponto de partida, que é o trabalho pedagógico, cabendo ao professor organizar

e realizar.

Analisamos quatro documentos que contribuem para o ensino de

Línguas: a Base Nacional Comum Curricular 16 (2018) – BNCC, em que

encontramos um conjunto de diretrizes relacionados à Língua Portuguesa; o

Quadro Europeu Comum de Referências 17 (2001) – QECR, pensado e

organizado para o ensino/aprendizagem de quaisquer segunda línguas; o

Ensino de Língua Portuguesa para Surdos: Caminhos para prática

Pedagógica18 (2002) – ELPS; e as normativas do Currículo da cidade de São

Paulo19 (2019) – CCSP, estes dois últimos voltados exclusivamente para o

trabalho com LP2 para surdos. O objetivo dessa análise é problematizar os

seguintes itens ligados à prática de ensino/aprendizagem de LP2: abordagens

pedagógicas; metodologias; avaliação; currículo; organização do espaço físico;

e atividades próprias de escrita, que serão apresentados a seguir.

16 Base Nacional Comum Curricular - (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf, acesso em 23/01/2020. 17 PORTUGAL (2001) “O Quadro Europeu Comum de Referência (QECR) fornece uma base comum para a elaboração de programas de línguas, linhas de orientação curriculares, exames, manuais, etc., na Europa. Descreve exaustivamente aquilo que os aprendentes de uma língua têm de aprender para serem capazes de comunicar nessa língua e quais os conhecimentos e capacidades que têm de desenvolver para serem eficazes na sua actuação. A descrição abrange também o contexto cultural dessa mesma língua”. Disponível em https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/Documentos/quadro_europeu_comum_referencia.pdf. Acesso em 21/01/2020. 18 Livro de Heloisa Maria Moreira Lima Salles, incluso nas Referências Bibliográficas deste trabalho. 19 Currículo da Cidade de São Paulo, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação (SME), Coordenadoria Pedagógica – Divisão da Educação Especial (COPED-DIEE), disponível em http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/51128.pdf. Acesso em 20/01/2020.

Page 48: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

48

3.1 – Abordagens Pedagógicas

O professor precisa se instrumentalizar, teórica e pedagogicamente,

para realizar seu trabalho docente. Tais instrumentos estão integrados às

disciplinas próprias da prática educativa (Didática, Filosofia da Educação,

Psicologia da Educação, Sociologia da Educação etc.). Para Mizukami (2014),

Há várias formas de se conceber o fenômeno educativo. Por sua própria natureza, não é uma realidade acabada que se dá a conhecer de forma única e precisa em seus múltiplos aspectos. É um fenômeno humano, histórico e multidimensional. Nele estão presentes tanto a dimensão humana quanto a técnica, a cognitiva, a emocional, a sociopolítica e cultural (MIZUKAMI, 2014, p.1).

Para essa autora, o que irá privilegiar um ou outro aspecto do fenômeno

educacional é a Abordagem Pedagógica. Nela encontramos concepções que

resultarão nas escolhas da educação como um todo, que se relaciona ao

entendimento de ser humano, sociedade, cultura, conhecimento, educação,

escola, ensino/aprendizagem, professor, aluno, metodologia e de avaliação.

Nesse sentido, antes de pensarmos o ensino/aprendizagem de LP2

para alunos surdos, devemos considerar qual das abordagens iremos escolher

e que servirá de base para nossas práticas.

O documento Nacional (BNCC, 2018, p.67) assume como abordagem

a perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem (grifo nosso), com base

nos Parâmetros Curriculares Nacionais que concebe a linguagem como ação

interindividual, que se dá através de um processo de interlocução nas práticas

sociais, ou seja, assume as práticas de letramento e de multiletramentos,

considerando as novas práticas de linguagens sociais.

Por outro lado, encontramos no documento QECR (PORTUGAL, 2001)

o posicionamento de práticas referentes à abordagem comunicativa (grifo

nosso), em que entendem que os “atos de comunicação, com um ou mais

interlocutores, são geralmente levados a cabo pelo utilizador da língua para

satisfazer as suas necessidades numa dada situação” (PORTUGAL, 2001, p.

85). Salles et al. (2012, p. 101) também trata de tal corrente, ao descrevê-la a

partir das seguintes características: contextualização; diálogos abertos e livres;

variação linguística; língua criada pelo indivíduo; aceita-se tentativas e erros;

etc. Essa autora apresenta outras três abordagens, conforme quadro abaixo.

Page 49: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

49

Quadro 3: Tipos de Abordagens

Tipos de

abordagens

Definição

Estruturalista “Que concebe a língua como um sistema de elementos

estruturados”.

Funcionalista “Que concebe a língua com suas dimensões

semânticas e comunicativa”.

Interacionista “Que concebe a língua como meio para a realização

de relações interpessoais e de transações sociais”.

Fonte: Sales et al. (2002)

Segundo Salles et al. (2002), como veremos a seguir, a abordagem

interacionista é a mais adequada para o trabalho pedagógico de segunda língua

para o surdo, considerando que essa abordagem incorporou características

próprias da abordagem comunicativa.

Quadro 4: Abordagem Interacionista

Abordagem Interacionista

Contextualização;

Variação linguística;

Competência comunicativa;

Aceitação do erro como parte da

aprendizagem.

Trabalhos em grupos;

Informações contextualizadas;

Produção comunicativa;

Uso da língua de forma real;

Comunicação através de

negociação/espontaneidade.

Fonte: Sales et al. (2002)

Do mesmo modo, no documento Currículo da Cidade (SÃO PAULO,

2019) encontramos a abordagem Sociocultural (grifo nosso), que é adotada

pela Educação, de modo geral, em grande parte do Brasil. Tal conceito teórico

Page 50: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

50

conduz o entendimento de que ensino/aprendizagem de LP2 se dá por meio de

práticas de leitura e escrita que diariamente são utilizadas na sociedade, isto é,

através de práticas de letramento, que ocorrerão por intermédio de uma

primeira língua; da leitura e da escrita, que se contextualizam em processos

complementares; e de atividades sempre inseridas às práticas sociais.

3.2 – Currículo e Avaliação

A partir das abordagens conceituais acima mencionadas, encontramos

uma questão importante em relação ao enfoque do ensino/aprendizagem de

LP2: Existiria uma base curricular que pudesse orientar tal trabalho?

Neste trabalho, optamos pelo conceito de currículo apoiados em Lopes

e Macedo (2011, p. 41) enquanto prática discursiva. Segundo esse conceito, as

práticas são imbuídas de poder, de significação e de produção de sentidos.

Para estas autoras, essa visão de currículo é diferente daquela que se define

como formal, vivido ou oculto.

Assim, quando se pensa em currículo educacional no Brasil, a primeira

busca que devemos realizar é na Base Nacional Comum Curricular, por se tratar

de uma normativa em âmbito federal, embora esta não atenda às

especificidades para o ensino de LP2. Outro fato relevante é que a Libras é

apresentada neste documento como linguagem, o que nos remete aos

princípios da Educação Inclusiva, conforme Damázio (2007, p. 14), quando trata

da Língua de Sinais como não suficiente para o ensino/aprendizagem de LP2.

Para Libâneo, Oliveira, e Toschi (2012, p. 249), numa perspectiva sociocrítica,

a elaboração da BNCC se deu a partir de um processo histórico, como projeto

social, e foi pensada de maneira que responda às demandas e necessidades

sociais, só que foi estabelecida por grupos de poder. Os estudos desses autores

vão ao encontro de nossos anseios, no sentido de criticar tal documento, por

não considerar, principalmente, os alunos surdos do Brasil.

Em QECR (2001), conforme quadro abaixo, o currículo se dá de modo

a desenvolver competências e habilidades ao invés de apresentar conteúdo

diversos.

Page 51: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

51

Quadro 5: Níveis Comuns de Referência: escala global

Títu

lo

Nív

eis

Descritor de competências

Utiliz

ad

or p

rofic

ien

te

C2

É capaz de compreender, sem esforço, praticamente tudo o que ouve ou lê. É capaz de resumir

as informações recolhidas em diversas fontes orais e escritas, reconstruindo argumentos e

factos de um modo coerente. É capaz de se exprimir espontaneamente, de modo fluente e

com exactidão, sendo capaz de distinguir finas variações de significado em situações

complexas.

C1

É capaz de compreender um vasto número de textos longos e exigentes, reconhecendo os

seus significados implícitos. É capaz de se exprimir de forma fluente e espontânea sem

precisar de procurar muito as palavras. É capaz de usar a língua de modo flexível e eficaz para

fins sociais, académicos e profissionais. Pode exprimir-se sobre temas complexos, de forma

clara e bem estruturada, manifestando o domínio de mecanismos de organização, de

articulação e de coesão do discurso.

Utiliz

ad

or in

dep

en

den

te

B2

É capaz de compreender as ideias principais em textos complexos sobre assuntos concretos

e abstractos, incluindo discussões técnicas na sua área de especialidade. É capaz de

comunicar com um certo grau de espontaneidade e de à-vontade com falantes nativos, sem

que haja tensão de parte a parte. É capaz de exprimir-se de modo claro e pormenorizado sobre

uma grande variedade de temas e explicar um ponto de vista sobre um tema da actualidade,

expondo as vantagens e os inconvenientes de várias possibilidades.

B1

É capaz de compreender as questões principais, quando é usada uma linguagem clara e

estandardizada e os assuntos lhe são familiares (temas abordados no trabalho, na escola e

nos momentos de lazer, etc.). É capaz de lidar com a maioria das situações encontradas na

região onde se fala a língua-alvo. É capaz de produzir um discurso simples e coerente sobre

assuntos que lhe são familiares ou de interesse pessoal. Pode descrever experiências e

eventos, sonhos, esperanças e ambições, bem como expor brevemente razões e justificações

para uma opinião ou um projecto. U

tilizad

or e

lem

en

tar

A2

É capaz de compreender frases isoladas e expressões frequentes relacionadas com áreas de

prioridade imediata (p. ex.: informações pessoais e familiares simples, compras, meio

circundante). É capaz de comunicar em tarefas simples e em rotinas que exigem apenas uma

troca de informação simples e directa sobre assuntos que lhe são familiares e habituais. Pode

descrever de modo simples a sua formação, o meio circundante e, ainda, referir assuntos

relacionados com necessidades imediatas

A1

É capaz de compreender e usar expressões familiares e quotidianas, assim como enunciados

muito simples, que visam satisfazer necessidades concretas. Pode apresentar-se e apresentar

outros e é capaz de fazer perguntas e dar respostas sobre aspectos pessoais como, por

exemplo, o local onde vive, as pessoas que conhece e as coisas que tem. Pode comunicar de

modo simples, se o interlocutor falar lenta e distintamente e se mostrar cooperante.

Fonte: Conselho Europeu (2001, p.49)

Page 52: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

52

Observamos no quadro 5 que, na Coluna Descritor de Competências

são apresentadas, de forma crescente, o desenvolvimento do que o aluno deve

ser capaz de realizar como usuário da língua em aprendizagem. A partir disso,

tal documento oferece um currículo aberto a possibilidades de temas, conteúdo,

atividades e avaliação. Ao nosso ver, essa descrição de competência poderia

ser adequada para avaliar o nível de comunicação em LP2 de pessoas surdas,

constituindo-se, inclusive, como uma avaliação do processo de

ensino/aprendizagem. No entanto não encontramos nenhuma pesquisa que

pudesse corroborar tal reflexão.

No livro “Ensino de Língua Portuguesa para surdos”, Salles et al. (2012)

apresentam, de forma curricular, um conjunto de oficinas temáticas para o

ensino/aprendizagem de LP2, divididos em leitura e produção de textos e

gramática. Sobre o primeiro, os autores tratam de conceitos e condições de

aquisição da leitura, nesta a importância da relação entre L1 e L2, conceitos,

estratégias, qualidades (coesão e coerência), gêneros e tipologia do texto

(Dissertação, Narração e Descrição) e, por fim, oficina sobre a leitura e a

produção da escrita na qual afirmam que “a leitura é um ponto fundamental para

a escrita” (SALLES et al., 2012, p. 45). Sobre o segundo, os autores apresentam

oficinas relacionadas às questões gramaticais próprias da Língua Portuguesa,

com base em estudos que observaram na escrita dos surdos e abstraíram

disso, as necessidades dos surdos quanto à aquisição dessa língua.

Já no documento CCSP (2019), que tem como objetivo o

aperfeiçoamento e a aplicação das premissas de uma educação bilíngue para

estudantes surdos, encontramos a concepção de um currículo plural,

orientadores e não lineares. Para os seus autores, o currículo se dá num

processo permanente de construção, em que os professores são seus

protagonistas, e seus objetivos devem estar centrados no estudante. Essa base

curricular está organizada em Ciclo de Alfabetização, Ciclo Interdisciplinar,

Ciclo Autoral. No quadro abaixo, apresentamos um resumo das ideias principais

sobre os objetivos destes ciclos.

Page 53: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

53

Quadro 6: Resumo dos Ciclos em CCSP

Ciclo de

Alfabetização

1º ao 3°

ano

Aprendizado da leitura, da escrita e da alfabetização,

matemática e científica, bem como a ampliação de

relações sociais e afetivas nos diferentes espaços

vivenciados.

Ciclo Interdisciplinar 4º ao 6º

ano

Tem a finalidade de integrar os saberes básicos

constituídos no Ciclo de Alfabetização, possibilitando

um diálogo mais estreito entre as diferentes áreas do

conhecimento.

Ciclo Autoral 7º ao 9º

ano

Nesse período, a leitura, a escrita, o conhecimento

matemático, as ciências, as relações históricas, as

noções de espaço e de organização da sociedade,

bem como as diferentes linguagens construídas ao

longo do Ensino Fundamental buscam expandir e

qualificar as capacidades de análise, argumentação e

sistematização dos estudantes sobre questões

sociais, culturais, históricas e ambientais.

Fonte: São Paulo, SP (2019 p. 42)

Sobre os modelos curriculares apresentados anteriormente, podemos

refletir que o QECR se torna um material curricular interessante ao pensarmos

na questão do ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa como segunda

língua para os surdos, visto que ele foi idealizado para o ensino/aprendizagem

de quaisquer línguas e que dessa forma pode direcionar a prática desligando-a

de confusões existentes entre a Língua de Sinais e a Língua Portuguesa diante

do aluno surdo no Brasil, sendo, essas, questões como a língua natural do

surdo, a língua social na qual ele está inserido. Em contrapartida, os dois outros

materiais (ELPS e CCSP) foram desenvolvidos visando o ensino/aprendizagem

de LP2 para surdos, o que tornaria nossa aceitação mais confortável. Porém,

refletindo sobre currículo escolar, podemos nos deparar com concepções sobre

escola, surdez, ensino/aprendizagem, LP2, etc., mas precisamos estar atentos

ao que isso representa e por onde se conduz. Skiliar (1997) entende a

discussão do currículo das escolas de surdos como assistemático, ateóricos e

anacrônicos, por se tratar de uma cópia do currículo tradicional regular,

podendo resultar em exclusão:

Page 54: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

54

Se nas escolas de surdos apresentamos o mesmo perfil de discussão que nas escolas de crianças ouvintes, a angustia curricular se amplifica e ramifica ainda mais: quem está presente nesse currículo, além de ser o homem branco, europeu, letrado, profissional, etc. é, sobretudo, o homem falante/ouvinte; o homem que ao escutar e ao falar, informar, opinar, e teorizar, cria exclusões de outros falantes/ouvintes e de todos os surdos (SKLIAR, 1997, p.40).

Embasados nessa observação, podemos dizer que a reflexão sempre

é importante no sentido de realizar escolhas pertinentes aos alunos e aos

objetivos pedagógicos que desenvolvemos. Por outro lado, observar o que

esses alunos podem nos ensinar propiciaria um ganho em questão de

organização da prática que facilitaria todo processo.

Assim, após ter discutido currículo, é preciso pensar sobre o processo

de avaliação. A crítica aqui não se direciona às tarefas de avaliação, que

segundo Libâneo (2013, p. 217) são de verificar, qualificar ou apreciar

qualitativamente o ensino/aprendizagem da língua portuguesa para os surdos,

mas sim o uso dessa segunda língua como meio de avaliação de todo processo

de aprendizagem, ou seja, numa disciplina de história, todo conhecimento deste

é avaliado em Língua Portuguesa, quando deveria sê-lo em sua primeira língua.

Isso também acontece na vida social, com relação aos diferentes tipos de

avaliações, provas e/ou testes que o indivíduo surdo venha a realizar em sua

vida, por exemplo, para requerer sua habilitação ou em um concurso público o

aluno surdo terá de realizar a avaliação através da leitura e escrita na Língua

Portuguesa e, caso tenha a presença de um intérprete de Libras, este poderá

interpretar apenas as comandas realizadas pelo aplicador, e nunca os

enunciados e alternativas. Nota-se que, embora se utilize o termo LP2,

observamos na prática que a sociedade se comporta a partir da premissa de

que, por ser brasileiro, o surdo tenha que ter a Língua Portuguesa como

primeira língua.

3.3 – Espaço Físico

A sala de aula para o ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa para

os surdos deve promover interação, por isso é necessário ressaltar a

importância da organização da sala. Coadunam conosco Lissi, Svartholm e

González (2012, p. 306) ao afirmarem que não deve ser preocupação dos

Page 55: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

55

professores somente os aspectos metodológicos, mas também os de

organização, bem como as condições do ambiente para tais trabalhos

pedagógicos. Organização essa, que, antes de mais nada, segundo as autoras,

deve propiciar a atenção visual para que os alunos surdos possam observar

efetivamente toda comunicação do professor. A visualidade deve permear

todos aspectos da educação dos surdos e por isso, além de fazer parte desse

ambiente, deve ser parte do currículo escolar. Ela é parte integrante da língua

e da cultura surda, se afirmando enquanto canal de entrada e construção

linguística, e da cultura, enquanto artefato próprio da experiência de vida do

surdo. Assim, para Strobel:

Os sujeitos surdos, com a sua ausência de audição e do som, percebem o mundo através de seus olhos e de tudo o que ocorre ao redor deles: desde os latidos de um cachorro – que são demonstrados por meio dos movimentos de sua boca e da expressão corpóreo-facial-bruta – até de uma bomba estourando, que é óbvia aos olhos de um sujeito surdo pelas alterações ocorridas no ambiente, como os objetos que caem abruptamente e a fumaça que surge [...] (STROBEL, 2013, p. 45).

A visualidade colabora também com as relações interpessoais. Lissi,

Svartholm e González (2012, p. 314), ao tratarem da visualidade na

comunicação em sala de aula, acrescentam como ação do professor o ensino

ao respeito visual quando os colegas se expressam, portanto a organização do

ambiente deve propiciar e valorizar também a visualidade, aspecto

imprescindível para que ocorra a comunicação.

3.4 – Atividade de Escrita: Metodologias

Luria (2012) define a escrita como técnica auxiliar para fins

psicológicos, bem como para recordar e transmitir ideias e conceitos. Nessa

ótica há, entretanto, características negativas que se apresentam como

desafios a serem transpostos, relacionados aos surdos e o uso da escrita para

transmitir ideias e/ou recordar: O primeiro desafio refere-se à não oficialidade

de sua língua escrita20; o segundo desafio se dá pela ineficácia do ensino de

20 Abordamos nesse estudo dois modelos de escrita da Língua de Sinais (Signwriting e ELiS), as quais encontramos através de pesquisas e timidamente na prática, porém que não foram oficializadas como escrita padrão da Libras.

Page 56: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

56

sua segunda língua, o que dificulta ou pode, até mesmo, impossibilitar o

processo de letramento, fazendo com que se tornem incapazes de se expressar

nessa língua; o terceiro desafio ocorre no âmbito social e escolar, em que existe

grande exigência para os surdos, a fim de que realizem leitura e escrita em

Língua Portuguesa como se fosse sua primeira língua.

Sobre aquisição de escrita, encontramos no documento CCSP (2019,

p. 91) a afirmação de que tanto os surdos como os ouvintes, no processo de

escrita, necessitam do auxílio de processadores como: ortográfico; semântico;

e conceitual. O que os diferenciam é que os ouvintes buscam auxílio nos

processadores fonológicos a partir de sua memória auditiva e os surdos, por

sua vez, de sua memória visuoespacial, que segue a estrutura morfossintática

da Língua de Sinais. É interessante notar que para chegar em práticas de

escrita, o documento estabelece um caminho a partir dos seguintes eixos

temáticos “1. Prática de Leitura de Textos; 2. Produção Sinalizada; 3. Prática

de Análise Linguística; 4. Prática de Produção de Textos Escritos; 5. Dimensão

Intercultural” (SÃO PAULO, 2019, p.103). Observamos que tal caminho

considera a Libras como imprescindível no processo de ensino/aprendizagem

de LP2, o que, ao nosso entender, garante o seu status de Educação Bilíngue.

Por sua vez, Salles et al. (2002, p. 23) consideram a produção de texto

como fenômeno psíquico de ordem cognitiva, textual e sociointeracional. Para

tanto, os autores organizam diversas oficinas de prática de escrita em que, para

sua formulação, consideraram aquilo que os surdos geralmente demonstram

como dificuldade ao produzir um texto. Nesse sentido, o ensino/aprendizagem

de LP2 para os surdos requer diagnóstico e ações específicas e especializadas

que considerem a individualidade e o modo como cada um percebe e agrega

elementos linguísticos, quer na sua primeira ou segunda língua, a seu modo e

tempo.

Em síntese, consideramos que pensar sobre o processo de

ensino/aprendizagem da escrita de LP2 de maneira estática não assegura o

desenvolvimento da segunda língua do aluno surdo. É necessário, pois,

considerar o aluno como um todo, aquele capaz de nos mostrar quais bagagens

ainda necessita desenvolver, a partir de sua potencialidade e

autocompreensão. Esse conceito se estende também para o pensar

metodológico e sua aplicabilidade. Autores como Salles (2002), Fernandes

Page 57: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

57

(2006), Dechandt (2006), Quadros e Schmiedt (2006), Lissi, Svartholm e

González (2012), Martins e Nascimento (2017), entre outros, colaboram com

diversas sugestões para o momento pedagógico em sala de aula para o

ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa para surdos. Dessa forma,

apresentamos um quadro resumido, em que trazemos diversos itens que

podem colaborar com o fazer didático do professor bilíngue. Considerando que

a leitura e a escrita são indissociáveis no processo de ensino aprendizagem do

surdo em Língua Portuguesa, ao fazer o recorte que gerou o quadro abaixo,

mantivemos algumas sugestões de leitura, embora o foco principal seja o da

escrita.

Quadro 7: Sugestões para prática docente

Aspectos Autores Proposta

Multiletramentos

Mattos e

Ramires (2013,

p.49)

Salles (2002,

p.116)

Desenvolver habilidade de leitura e

produção escrita, potencializada por

redes de interações. Além disso, vê

internet como um grande recurso

metodológico, já que ela promove a

participação ativa, pois pode proporcionar

interações que envolvam a dinamicidade,

temporalidade, reciprocidade e a

existência de negociação de significados.

Prática Colaborativa

Lissi, Svartholm

e González

(2012, p. 307

314)

O trabalho com produção de textos pode

ocorrer de forma individual, em pares ou

em grupos. A correção coletiva é uma boa

forma de combinar essas práticas e

incentivar o trabalho coletivo.

Page 58: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

58

Aspectos Autores Proposta

Pedagogia Visual

Cabello e

Nogueira (2016,

p.184)

Lissi, Svartholm

e González

(2012, p. 307)

Gesueli e Moura

(2006, p.120)

Usar, além da visualidade da escrita,

outras estratégias como recursos

imagéticos (teatro, maquetes etc.).

A visualidade do aluno deve ser sempre

motivo de atenção por parte do professor,

pois os alunos devem constantemente ter

acesso visual ao que está ocorrendo à sua

frente, como também sobre o que dizem

seus companheiros. Para isso, deve o

professor apresentar de forma clara os

combinados didáticos e rotina diária. As

autoras apresentam a necessidade da

demarcação de finalização e início dos

temas a serem trabalhados.

Língua de Sinais como

parte intrínseca ao

processo de

ensino/aprendizagem de

L2.

Bertan, Barbosa

e Oliveira (2017,

p. 37);

Lissi, Svartholm

e González

(2012, p. 306;

310)

Provocar o interesse do aluno pelo tema

por meio de discussão prévia do assunto,

de estimulo visual e/ou por meio de

atividades e brincadeiras.

É necessário realizar uma preparação

prévia em forma de diálogo (perguntas

abertas) onde pode-se partilhar, das

atividades que já aconteceram, o que foi

mais significativo traçando uma ponte

para as atividades que ocorrerão.

O professor pode filmar o que os alunos

se expressando em Libras o que desejam

escrever. Esse registro possibilita tanto o

conhecimento do professor sobre o que o

aluno gostaria de escrever, como também

poder estabelecer metodologias de

trabalhos que os ajudem a alcançar seus

objetivos na escrita.

Page 59: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

59

Aspectos Autores Proposta

Função Social

Bertan, Barbosa

e Oliveira (2017,

p. 37)

Lissi, Svartholm

e González

(2012, p. 304)

Pereira (2015,

p.244)

Bertan, Barbosa

e Oliveira (2017,

p. 37)

Usos e práticas de textos inseridos em

contextos sociais. Além disso, a

participação efetiva em atividades em que

ler e escrever estão inseridos e fazem

sentido e o aluno precisa encontrar sua

identidade como escritor, o que o deixará

mais confortável e seguro.

Conhecimento de Mundo Pereira (2017,

p.56)

O conhecimento de mundo e de língua

permitirá a vivência de práticas sociais

que envolvem a escrita.

Duas línguas

Lissi, Svartholm

e González

(2012, p. 310)

Destacar no texto a presença escrita da

primeira língua com o intuito de mostrar as

diferenças em segunda língua.

Auto compreensão

Martins e

Nascimento

(2017, p. 153)

Valorização do erro como processo de

reflexão crítica e de construção de

significados.

Fonte: Elaborado pelo autor.

As considerações realizadas nesse Capítulo nos auxiliam a entender

quais configurações seriam necessárias para se obter um momento pedagógico

que propicie facilitar o ensino/aprendizagem de LP2 para surdos.

Page 60: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

60

CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA

O objetivo desta dissertação é identificar, descrever e problematizar as

principais estratégias usadas por alunos surdos, jovens e adultos, no processo

de escrita, em um curso de extensão de Língua Portuguesa para Surdos,

oferecido pelo Instituto Federal de São Paulo – Câmpus São José dos Campos.

Este trabalho insere-se no modelo de pesquisa qualitativa, visto que a

metodologia usada apoia-se nos cinco fundamentos apresentados por Bogdan

e Biklen (1994, p.47-51), que definem pesquisa qualitativa como sendo aquela

em que os dados são coletados diretamente em ambiente natural e de forma

descritiva; em que se valoriza todo o processo, analisando os dados de forma

indutiva e, por fim, em que considera-se o significado de importância vital, pois

tem-se a intenção de perceber “aquilo que os sujeitos experimentam, o modo

como eles interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios

estruturam o mundo social em que vivem” (PSATHAS, 1973, apud BOGDAN e

BIKLEN 1994, p.51).

Assim sendo, salientamos, com apoio nestes autores, que é necessário

que o investigador:

a) Assuma “que o comportamento humano é significativamente

influenciado pelo contexto em que ocorre” (METZ, 1978, apud

BOGDAN e BIKLEN 1994, p.48);

b) Aborde o mundo de forma minuciosa, acreditando que nada é

trivial e que tudo tem potencial e serve de pista para a

compreensão do objeto de estudo;

c) Não aja como quem recolhe dados ou provas com o objetivo de

confirmar ou infirmar suas hipóteses, e sim com busca nos dados

abstraídos e agrupados;

d) Esteja interessado “no modo como diferentes pessoas dão

sentidos às suas vidas” (BOGDAN e BIKLEN 1994, p.50);

e) Traga “luz sobre a dinâmica interna das situações” (BOGDAN e

BIKLEN 1994, p.51); e, por fim,

f) Questione continuamente os sujeitos da investigação.

Tal resumo das características da investigação qualitativa a qual nos

propomos, apenas nos prepara para entendermos o cotidiano escolar, fruto de

Page 61: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

61

uma pesquisa nos moldes de mestrado profissional em educação, que vem ao

encontro do que determina o Projeto Político pedagógico do Mestrado

Profissional em Educação Escolar da UNICAMP21 quando apresenta para os

profissionais/pesquisadores da escola a possibilidade de transmutar a própria

prática através da fundamentação teórica e/ou científica, e da construção

conjunta, ou negociada colaborativamente, entre universidade e escola.

Assim, para que tal transmutação exista, é necessário um mergulho

nessa vivência em sala de aula de tal modo que se possa olhar criticamente e

propor mudanças além de, é claro, trazê-la para o campo da pesquisa,

embasando-a em teorias que as fundamentem.

Bogdan e Biklen(1994) apresentam um modelo de investigação

qualitativa a ser aplicada em educação que denominam de Investigação

Pedagógica, pela qual o professor é o investigador praticante, alguém próximo

da prática, que pretende usar dessa abordagem para otimizar aquilo que faz ou

torná-lo mais eficaz. Para os autores, na medida em que tais professores

investigadores agem, observando a si mesmos e ao seu entorno, tornam-se

mais autoconscientes, ampliam sua visão de mundo, do que fazem e para o

que fazem. Por fim, é uma excelente oportunidade para explorarem o complexo

ambiente escolar e contribuírem, por intermédio deste tipo de pesquisa, para

aproximar academia e prática em sala de aula.

A presente pesquisa parte desse pressuposto teórico e opta pelo estudo

de caso como recurso metodológico para atingir o objetivo.

Segundo Lüdke e André (1986, p. 17), quando queremos estudar algo

simples, bem delimitado, que tenha valor em sim mesmo, devemos usar o

estudo de caso. Nesse sentido, ao pretendermos com este trabalho observar

as estratégias utilizadas pelos surdos quando escrevem, a presente abordagem

se faz eficiente.

Outro aspecto de tal abordagem metodológica é apresentado por Nisbet

e Watt (1978), citados por Lüdke e André (1986, p. 21), que caracterizam esse

21 Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado Profissional em Educação Escolar. Disponível em https://www.fe.unicamp.br/pf-fe/pagina_basica/2690/projeto_final_mestrado_profissional_em_educacao_escolar_1.pdf, acesso em 14/07/2019.

Page 62: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

62

modelo de estudo em três fases, a saber: a fase exploratória; a delimitação do

estudo; e a análise sistemática com a elaboração do relatório.

Diante do que foi exposto, na fase exploratória, com auxílio de

filmagens, nos colocamos a olhar mais de perto os acontecimentos em sala de

aula, com os quais poderemos delimitar os contornos da pesquisa. Já para

análise utilizaremos a transcrição das filmagens com foco no que foi delimitado,

e assim desenvolver a discussão e a conclusão.

4.1 Local de Realização da Pesquisa

A pesquisa se deu na Associação de Atenção ao Deficiente Auditivo e

Surdo (AADAS)22, uma organização não governamental, sem fins lucrativos,

que tem como objetivo atender pessoas surdas ou deficientes auditivas,

prestando atendimento especializado, focado na qualidade de vida e/ou na

capacitação para o exercício da cidadania.

Nessa Associação, desde agosto de 2018, é oferecido pelo Instituto

Federal de São Paulo, Campus São José dos Campos (IFSP/SJC)23 um curso

de Extensão de Língua Portuguesa para Surdos.

Foi nesse curso, realizado em 2019, que foram coletados os dados

usados nesse projeto de pesquisa, após a aprovação do projeto pelo Comitê de

Ética da UNICAMP, conforme Parecer Consubstanciado do CEP, emitido em

17/01/2019, sob o nº 3.115.470.

4.2 Participantes da Pesquisa

A pesquisa foi realizada com os 7 (sete) alunos matriculados no curso

de extensão de Ensino de Língua Portuguesa para Surdos, ministrado na

AADAS, em São José dos Campos, durante ano de 2019, cujos perfis estão

descritos a seguir.

22 O local em referência encontra-se na página da web, no link História da Associação. Disponível em http://aadasjc.org/historia.html acesso em 13/10/2018. 23 Sobre esse curso de Extensão veja página da web do IFSP/SJC, disponível em https://sjc.ifsp.edu.br/portal/index.php/ultimas-noticias/processo-seletivo-cursos-extensao-lingua-portuguesa-para-surdos acesso em 13/10/2018.

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63

Quadro 8: Descrição do perfil dos participantes24

ALUNO IMAGEM IDADE DESCRIÇÃO

Victor Stone

(Cyborg)

22 anos

Possui surdez profunda, não usa

prótese auditiva, usuário fluente

da Libras. Estudante de

Pedagogia e trabalha como

professor de Libras na AADAS.

Diana

(Mulher

Maravilha)

20 anos

Possui surdez moderada, usa

prótese auditiva e é usuária de

Português Oral como forma de

comunicação. Sabe Libras

básico, gosta de cozinhar e não

realiza trabalho remunerado.

Peter Parker

(Homem

Aranha)

19 anos

Possui surdez severa, faz uso de

prótese auditiva, é usuário da

fala como forma de

comunicação. Sabe Libras

intermediário, gosta de

fotografia e não realiza trabalho

remunerado, mas participa

como voluntário de alguns

trabalhos na AADAS.

Bruce

Banner

(Hulck)

23 anos

Possui deformidade nas orelhas,

é usuário de implante coclear

em uma delas. Usuário de

Português Oral como forma de

comunicação, não sabe Libras

e, não possui trabalho

remunerado.

24 O nome de super-heróis foi utilizado para designar cada um dos participantes da pesquisa, a fim de manter a privacidade dos mesmos. A escolha se deu baseada na ideia da capacidade desses sujeitos surdos em sobreviverem às adversidades da vida, em meio a uma maioria ouvinte, que não fala sua língua e a uma escola que pouco respeita suas singularidades. A resistência desses sujeitos os faz semelhantes a heróis pela atitude de coragem e luta constante por seus direitos.

Page 64: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

64

ALUNO IMAGEM IDADE DESCRIÇÃO

Barbara

Gordon

(Batgirl)

28 anos

Possui surdez profunda, não usa

prótese auditiva, pelo perfil

acredita-se que conheça Libras

básico, não se comunica por

Português Oral, ajuda a família

em um restaurante familiar.

Steve

Rogers

(Capitão

América)

16 anos

Possui surdez profunda, usa

implante coclear para as duas

orelhas, estuda no primeiro ano

do Ensino Médio, não sabe

Libras, comunica-se por

Português Oral.

Selina Kyle

(Mulher

Gato)

25 anos

Possui surdez profunda, não

usa prótese auditiva, sabe

Libras intermediário, não se

comunica por Português Oral,

não participa de trabalho

remunerado.

Fonte: Elaborado pelo autor

4.3 Sobre o Projeto de Extensão

O curso que serviu de base para a coleta de dados deste projeto é uma

iniciativa minha, enquanto professor do IFSP/SJC. Este Projeto de Extensão foi

oferecido em modalidade de Curso, dentro da linha de alfabetização, leitura e

escrita, tendo abrangência regional. Foi aprovado segundo o Edital nº 753, do

Ministério de Educação e Cultura (MEC), conforme pode ser visto no Sistema

SigProj125.

Este curso foi criado para atender a uma demanda dos profissionais da

AADAS, que identificaram lacunas comunicativas de jovens e adultos surdos,

25 O SIGPROJ é “o sistema de informação e gestão de projetos do MEC que tem como objetivo auxiliar o planejamento, gestão, avaliação e a publicização de Projetos de Extensão, Pesquisa, Ensino e Assuntos Estudantis, desenvolvidos e executados nas universidades brasileiras” Disponível em www.sigproj.ufrj.br Acesso em 13/01/2020.

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65

relacionadas à leitura e escrita da Língua Portuguesa. Ele possui carga horária

de 45 horas, divididas em 15 encontros de três horas cada um, e foi ofertado

para jovens surdos a partir de 16 anos, podendo estar em qualquer nível de

escolaridade. Contudo tem como pré-requisito a fluência do aluno em Libras.

No resumo deste Projeto lê-se:

Enquanto a Comunidade Surda, com seus representantes, vem lutando por uma escola de qualidade para o alunado surdo, ou seja uma educação bilíngue de fato, todas essas crianças estão inseridas em escolas regulares acometidas das mais diversas situações que as negligenciam e tornam sua inclusão uma possível exclusão. Podemos assim conferir situações como: Falta de um modelo cultural e linguístico surdo; falta de profissionais fluentes na língua de sinais; ambiente sem as acessibilidades necessárias para essa subjetividade surda; desconhecimento sobre suas necessidades pelos diversos seguimentos que atuam no ambiente escolar; e o que mais nos importa neste momento, aplicação da mesma didática utilizada para p desenvolvimento estudantil do alunado ouvinte sobre essa demanda surda, principalmente no que toca a questão do ensino de Língua Portuguesa. Sendo assim pensou-se em um curso que pudesse proporcionar desenvolvimento linguístico, na leitura e escrita da Língua Portuguesa, para alunos jovens (Surdos e proficientes em Libras), a fim de proporcionar alfabetização e letramento. Ao realizar tal projeto acredita-se que o presente curso poderá corroborar com o aprendizado destes, bem como também com futuras discussões dentro da academia científica sobre, bilinguismo; ensino de Língua Portuguesa para surdos, metodologias adequadas; entre outras... (PROJETO IFSP, 2018. p.2)

Todo projeto ao seu final é avaliado pelos participantes e pelo

coordenador responsável, e os resultados são divulgados na plataforma, bem

como as sugestões de ações para sua melhoria e aperfeiçoamento.

4.4 Coleta de dados

Para a coleta de dados, todas as aulas do curso desta turma durante o

ano de 2019 foram filmadas, mantendo-se a câmera focada de frente para os

alunos, durante todo o período no qual os alunos realizaram atividades, ou seja,

não foram filmados os intervalos. Ao final, todos os vídeos foram assistidos e

analisados, para que se observasse quais estratégias haviam sido usadas pelos

alunos no decorrer das atividades apresentadas. Concluída a observação de

todos os vídeos, foram escolhidos os vídeos de 4 (quatro) atividades em que

foram identificadas o maior número de estratégias usadas pelos alunos para

realizar a análise do corpus.

Page 66: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

66

4.5 Análise dos Resultados

Para realizar a análise dos resultados usou-se seguir o roteiro abaixo

descrito:

a) Assistir todos os vídeos criados durante as atividades de escrita

para identificar possíveis estratégias usadas pelos alunos;

b) Fazer recorte das cenas onde, a priori, poderiam haver

estratégias sendo usadas;

c) Selecionar as cenas em que de fato foram identificadas

estratégias com a finalidade de transcrição;

d) Transcrever as partes das cenas que evidenciavam uso de

estratégias de escrita;

e) Descrever as observações a partir das cenas, evidenciando, em

negrito, as estratégias de escrita encontradas; e

f) Analisar e discutir as estratégias, uma a uma, independente da

cena onde foi originada.

As observações que geraram os recortes de cenas foram realizadas a

partir de categorias de codificação que, para Bogdan e Biklen (1994, p.221),

trata-se da percepção sobre a repetição de padrões que acontecem. “As

categorias constituem um meio de classificar os dados descritivos que recolheu,

[...] de forma a que o material contido num determinado tópico possa ser

fisicamente apartado dos outros dados” (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 221), o

que nos levou a identificar 10 (dez) diferentes estratégias.

Para organizar tais categorias, optamos por recortar as transcrições e

apresentá-las. Antes, no entanto, descreveremos as regras que foram usadas

nas transcrições.

Page 67: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

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Quadro 9: Regras usadas na transcrição dos diálogos

1 NOME: Introduz a fala do Aluno

2 EU Introduz a fala do pesquisador;

3 ( ) Relata as observações realizadas ao assistir as filmagens;

4 { } Apresenta a tradução para o Português daquilo que foi dito pelos alunos;

5 [...] Indica intervalo de tempo no qual a atividade não foi transcrita;

6 - Usado entre letras maiúsculas como tradução da datilologia.

Usado entre sílabas para indicar pausa no Português oral.

Fonte: Elaborado pelo autor

Veja, na figura abaixo, um exemplo de transcrição.

Quadro 10: Exemplo de transcrição de cena

VICTOR: [...] (Me entrega a atividade). {Professor, eu escrevi aqui, vou te entregar.

Você lê e depois eu explico o que quis dizer, está bem?}

EU: (Leio) {Isso aconteceu com você?}

VICTOR: {Sim. Você conseguiu entender, ou não?}

EU: {Sim, entendi. Mas toda sua família é surda?}

VICTOR: {Não, espera, posso explicar? [...] É que faltam palavras que dão ligação.}

Fonte: Elaborado pelo autor

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CAPÍTULO 5 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesse capítulo, são apresentadas as análises de cenas de atividades

de leitura e escrita que constituem o corpus da pesquisa. Através de recortes

das cenas, procurou-se evidenciar quais estratégias os estudantes surdos

utilizaram no processo de escrita da Língua Portuguesa. Ao realizar a descrição

das cenas selecionadas, percebeu-se que mais de uma estratégia apareciam

conjuntamente, de forma que dificultaria o recorte que explicitaria cada

estratégia. Sendo assim, optamos por olhar para o trabalho em dois momentos:

apresentar as cenas e as observações com relação às estratégias usadas pelos

alunos, seguindo-se, posteriormente, da apresentação de análises e

discussões das estratégias encontradas.

5.1 Descrição das observações a partir das Atividades de Escrita

5.1.1 Atividade 1: Narrativas de Memórias

Esta atividade aconteceu no dia 11 de março de 2019, das 8h30min às

9h30min, cuja tipologia textual 26 era Narrativa. Nesta atividade, os alunos

deveriam escrever, individualmente, uma pequena história sobre algum fato

especial que acontecera em sua vida. Inicialmente, a título de exemplo, lhes

contei uma pequena história de minha vida, uma lembrança de algo que ocorreu

entre mim e minha avó. Em seguida, pedi que recordassem um fato que

acontecera em suas vidas, e foi pedido para que um de cada vez partilhasse

com o grupo tal história e, por fim, realizasse, de forma individual, a escrita de

sua lembrança. Os alunos foram organizados de maneira que ficaram sentados,

com cadeiras posicionadas em formato de U, enquanto eu permaneci em pé,

atento para prestar-lhes toda assistência e motivação necessária. Estavam

presentes os alunos Victor, Diana, Steve, Selina e Peter; os alunos Bruce e

Barbara estavam ausentes.

26 “A tipologia textual diz respeito aos já tão conhecidos e discutidos aspectos de descrição, narração e dissertação que compõe a estrutura textual.” (SALLES et al. 2002, p. 39).

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Atividade 1 – Cena 1 – (A1C1)

Quadro 11: Transcrição da Atividade 1 – Cena 1

VICTOR: (Escrevendo, para de escrever e datilologiza 27: N-O-I-T-E. Depois, fica em dúvida,

troca de mão e volta a datilologizar): {N-O-I-T-E, não (e volta a datilologizar) N-O-I. N-I. N-O-

I-T-E. Esqueci como se escreve!}. (Para de datilologizar e escreve. Volta-se para mim e diz:)

{Nossa, me esqueci como se escreve a palavra NOITE, seria N-O-I-T-E?}. (Eu confirmo e ele

põe-se a escrever. Peter, também ajuda, sinalizando com um sinal de joia).

[...] Em outro momento desta atividade...

VICTOR: (Está escrevendo com a mão esquerda, fazendo a datilologia de E-S, pensa, E-S-

D-U, apaga e escreve algo, expressa interrogação, volta a datilologia D-E-D-U-C-A-R.

Sinaliza ESTUDAR, troca de mão e faz a seguinte datilologia: E-S-D. Para e pensa. Chama

o Peter e pergunta-lhe:) {como se escreve estudar?}

PETER: (Se atrapalha, fazendo várias vezes).

VICTOR: (Vira-se pra mim e sinaliza ESTUDAR, perguntando-me:) {Professor, estudar é

assim E-S?}

PETER: (Interrompe, realizando a datilologia correta. Mesmo assim, Victor confirma comigo

e eu o ajudo).

VICTOR: (Espera que eu realize toda a datilologia e depois a repete:) {E-S-T-U-D-A-R?}

Fonte: Elaborado pelo autor

Aqui identificamos o uso das estratégias de memória visual e de

memória datilológica, ambas estratégias são recursos próprios de uma

estratégia maior, que é a estratégia negociações com outro interlocutor em

da língua de sinais, usada por aqueles que são mais fluentes em sua primeira

língua. Nessa cena, observamos que o aluno Victor usa da datilologia para se

lembrar da grafia das palavras. O interessante nessa cena se dá quando o

aluno, que é destro, escrevia com a mão direita e fazia a datilologia com a mão

esquerda e, ao ficar em dúvida, ele parou de escrever e passou a fazer a

datilologia com a mão direita, como se com isto ele sentisse maior segurança

27 Embora o termo “datilologizar” não exista em português, utilizo-o em analogia ao termo “soletrar”, por compreender que essa estratégia é similar à utilizada por uma pessoa ouvinte, que busca na oralidade as representações gráficas de determinadas palavras que pretende escrever.

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70

no que estava escrevendo. Ainda assim, quando ele não conseguiu descobrir

como grafar a palavra, recorreu ao uso do sinal, tentando, desse modo, lembrar

a escrita da palavra em Língua Portuguesa.

Já quando Peter datilologiza várias vezes, procurando acertar a forma

certa da palavra ESTUDAR, evidencia o uso da estratégia de tentativa e erro.

Atividade 1 – Cena 2 – (A1C2)

Quadro 12: Transcrição da Atividade 1 – Cena 2

VICTOR: (Me chama). {Professor, como se chama quando é hora de acabar?} (Os colegas olham

para ele).

EU: {Hora?}

VICTOR: {Sim. Por exemplo, estou trabalhando, encerra-se a hora}.

EU: {Você quer saber a palavra?}

VICTOR: {Sim, a palavra}.

EU: {Acabar}.

VICTOR: (Com expressão de que ainda não está satisfeito). {Não, professor. Quero dizer, quando

a hora acaba... Por exemplo, estou trabalhando olho o relógio e já é hora de ir embora. Essa

palavra começa com a letra T, isso, T}.

EU: {Com a letra T? A palavra é TERMINAR} (Ele repete, põe-se a escrever, volta-se para mim e

faz a datilologia novamente. Eu confirmo, ele volta a escrever).

[...] Em outro momento...

VICTOR: (Soletra D-O, depois volta-se para mim e sinaliza – ao mesmo tempo realiza a oralização

da palavra FECHOU – FECHOU QUAL-NOME? PORTA FECHOU. NOME? (Eu datilologizo a

palavra FECHOU, ele a repete inteira, e depois escreve a palavra).

VICTOR: (Ainda não contente com o uso dessa palavra, volta-se para mim e tenta me explicar)

{MINHA FAMÍLIA ESQUECEU PORTA FECHOU. COMO [...] COMO ENTRAR (escreve, repete a

sinalização duas vezes e escreve) Depois sinaliza EU FUI CASA, EU FOI CASA. PORTA PARAR.

MINHA FAMÍLIA ESQUECER PORTA FECHAR, COMO?!)

Fonte: Elaborado pelo autor

Aqui exemplificamos a estratégia de uso da língua de sinais como

recurso para um surdo fluente. Victor queria escrever uma palavra específica,

que ele sabia qual era, mas ele não sabia grafá-la em Língua Portuguesa. Então

Page 71: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

71

estabelece um diálogo comigo até que eu perceba qual era a palavra e o ajude,

transmitindo a ele a datilologia da palavra TERMINAR. A prova que ele sabia

qual era a palavra é que ele lembrava que a palavra iniciava com a letra T e,

tão logo eu lhe disse, ele encerrou a sua dúvida e continuou a escrever.

Um outro exemplo do uso da estratégia de uso da língua de sinais,

porém, desta vez sem êxito, aparece no final desta Cena. A falta de êxito não

se deu por erro do aluno, mas por uma falta na comunicação aluno/professor.

Somente ao analisar o vídeo é que percebi que o desejo do aluno era escrever

a palavra TRANCOU em vez da palavra FECHOU. Ele se demonstrou

insatisfeito com o termo FECHOU, pois sabia que o ocorrido pedia uma palavra

mais forte, que gerasse uma ênfase na situação narrada. Porém, acreditamos

que, por estar no fim da atividade e exausto, ele preferiu aceitar o que lhe

apresentei, isto é, a palavra FECHOU. Na Cena abaixo poderá ser vista a forma

final do seu texto:

Atividade 1 – Cena 3 (A1C3)

Na Figura 1, pode-se ver a forma final do texto do aluno Victor. Nela,

observamos a existência do uso da estratégia de hipóteses gramaticais,

quando ele procura fazer uso de conectivos.

Figura 1: Resultado da atividade do Victor

Fonte: elaborado pelo aluno e fotografado pelo autor

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72

O fato evidencia-se no quadro 11 em que, ao dialogar, na entrega do

trabalho ao professor, o aluno afirma saber que lhe faltam recursos linguísticos

de ordem gramatical para escrever da maneira canônica.

Quadro 13: Trecho do diálogo de Victor com o Professor

VICTOR: [...] (Me entrega a atividade). {Professor, eu escrevi aqui, vou te entregar.

Você lê e depois eu explico o que quis dizer, está bem?}

EU: (Leio) {Isso aconteceu com você?}

VICTOR: {Sim. Você conseguiu entender, ou não?}

EU: {Sim, entendi. Mas toda sua família é surda?}

VICTOR: {Não, espera, posso explicar? [...] É que faltam palavras que dão ligação}

Fonte: Elaborado pelo autor

Atividade 1 – Cena 4 (A1C4)

Esses trabalhos, apresentados na primeira atividade do nosso curso,

como possibilidades de escrita, nos oferece uma pista de existência da

estratégia do uso de recursos multimodais. Tal possibilidade está presente

hoje nas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e, por isso, se dá a

importância de que sejam aceitas como recurso discursivo. Além disso, o uso

de imagens faz parte da cultura Surda.

Page 73: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

73

Figura 2: Narrativa de Steve

Fonte: elaborado pelo aluno e fotografado pelo autor

Observamos também o uso da estratégia de hipóteses gramaticais

pois, embora aqui sejam apresentadas gravuras e escritas, a forma como os

alunos as organizam no papel evidencia o que já sabem da Língua Portuguesa

escrita.

No desenho de Diana (figura 3), percebemos, ademais, a estratégia de

hipóteses gramaticais, quando a aluna traça cenas em ordem cronológica,

demarcando quando os fatos ocorreram. Também expressa os principais

personagens de sua história.

Page 74: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

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Figura 3: Recorte 1 da Narrativa da aluna Diana

Fonte: elaborado pelo aluno e fotografado pelo autor

Observamos, na imagem acima, um fato marcante na vida de Diana. O

constrangimento ocorre em sua vida escolar no ano de 2012 quando, ao não

saber lidar com atividades de leitura e escrita, é exposta, recebendo dos

colegas de classe risos e deboches. A situação se revela especificamente no

recorte que fazemos abaixo:

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75

Figura 4: Recorte 2 da Narrativa da aluna Diana

Fonte: elaborado pelo aluno e fotografado pelo autor

5.1.2 Atividade 2: Escrita de palavras a partir do tema gerador “bullying”.

A atividade foi realizada no dia 05 de agosto de 2019, no período da

manhã e encontravam-se presentes os alunos Diana, Bruce e Peter.

O tema desta aula foi bullying, pois a aluna DIANA o trouxe (conforme

figura 4) em atividade anterior. Essa atividade foi dividida em dois momentos, a

saber: Roda de conversa sobre o tema e posteriormente, escrita de palavras

geradas à partir do tema em questão.

Atividade 2 – Cena 1 (A2C1)

Na cena que se segue, podemos perceber o quanto o tema bullying foi

presente na vida desses alunos. Observamos no diálogo como um todo, que

eles comumente lidavam com experiências de preconceitos, acreditando, por

isso, que sofriam bullying. Depois de explicar o que caracteriza um ato de

bullying, conseguiram entender e separar o termo preconceito, do termo em

questão.

Page 76: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

76

Quadro 14: Transcrição do diálogo sobre bullying

Diálogo sobre bullying.

BRUCE: Bullying é preconceito.

DIANA: Preconceito de cor, preconceito contra pessoas bonitas.

EU: Pessoas bonitas sofrem preconceito?

DIANA: Sim. Existem provocações contra essas pessoas para que se sintam

feias, tristes...

BRUCE: Ator.

EU: Ator sofre bullying?

BRUCE: Sim. O ator Bruno Gagliasso, que adotou uma bebê.

EU: (Explico a história do ator e da adoção. Nesse momento, vou até o

computador e mostro-lhes imagens sobre o ator e sua família). O que é

bullying?

DIANA: Bullying, a pessoa apanha.

PETER: Eu já sofri bullying.

EU: Onde?

PETER: Na escola. O aluno puxou minha calça.

BRUCE: Eu nunca sofri bullying na escola porque os amigos de minha irmã

sempre me ajudavam.

EU: (Eu vou até o computador e mostro imagens de pessoas sofrendo

bullyng, Aproveito para explicar, a partir das imagens, o que o caracteriza).

Fonte: Elaborado pelo autor

A estratégia que observamos nessa cena foi a de memória sonora,

pois os alunos presentes fizeram uso da fala articulada como recurso linguístico,

proporcionando seu uso diante do tema desenvolvido.

Atividade 2 – Cena 2 (A2C2)

Essa cena se relaciona com a segunda parte da atividade, na qual eles

poderiam escrever qualquer palavra que lhes viesse à mente. Como resultado

final, obteve-se as seguintes palavras: AMAR; ALEGRIA; FELICIDADE;

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FAMÍLIA; SAÚDE; RELAXAR; SOCIEDADE e SOLIDÁRIO. Nosso recorte se

deu quando foram escrever a palavra ALEGRIA.

Quadro 15: Transcrição da Atividade 2 – Cena 2

BRUCE: (Querendo grafar a palavra ALEGRIA, escreve ALERNIA).

EU: Peter, como se escreve ALEGRIA?

PETER: Não me lembro o nome.

EU: (Oralizando silabicamente... A-LE-GRI-A. Como os alunos, através da

oralidade, não conseguem grafar a palavra e eu percebo que o problema está

na sílaba GRI, a reforço dizendo que o movimento se dá na garganta).

DIANA: (Pega a caneta e escreve na lousa, ALERNICIA).

EU: (Os convido a ler junto comigo, lhes mostrando que aquele R muda o

som do LE. E eles ao perceberem que esse som não tem na palavra logo

apagam essa palavra. Sugiro então, a palavra AGRADECER, para ver se

ajuda na lembrança do GRI).

DIANA: (Escreve na lousa ALEQUINA).

BRUCE: (A corrige, dizendo que em ALEGRIA não teria a silaba NA.

PETER: (Com auxílio da palavra AGRADECER, que sugeri anteriormente,

ajuda os colegas na grafia correta da palavra).

Fonte: Elaborado pelo autor

Também nesse segundo momento do encontro, a oralidade esteve

presente, por isso apontaremos a estratégia de memória sonora.

Outra estratégia presente foi a de mútuo auxílio, estratégia essa que

principalmente nessa atividade era bastante estimulada, proporcionando

incentivo aos alunos, para que tentassem acertar a escrita correta. Isso revela

a estratégia de tentativa e erro.

Atividade 2 – Cena 3 (A2C3)

A próxima cena aconteceu enquanto discutiam para grafar a palavra

FELICIDADE. Nela, encontramos as mesmas estratégias apresentadas na

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78

cena anterior (estratégia de memória sonora, estratégia de mútuo auxílio e

estratégia de tentativa e erro). Porém, o que chamou a atenção nessa cena

foi a estratégia de busca de recursos nas tecnologias de informação e

comunicação. Cabe ressaltar aqui que, embora essa estratégia acontecera em

outros momentos, esse foi o único momento captado pelas filmagens realizadas

para coletas de dados.

Quadro 16: Transcrição da Atividade 2 – Cena 3

BRUCE: (Ao pretender escrever FELICIDADE, escreve FELIZIDADE).

DIANA: (Enquanto Bruce estava escrevendo, se demonstra ansiosa pra

ajudar, porém, ao receber a possibilidade, grafa FELIZIDADE).

EU: (Pergunto ao Peter) {Como se escreve a palavra FELICIDADE?}

PETER: (Digita no computador: FELIDADE).

EU: (Chamo a atenção dele sobre a sílaba CI. Nesse momento BRUCE me

diz que vai até à secretaria perguntar à secretaria sobre essa palavra, eu rio

de sua piada).

PETER: (Me respondendo sobre a sílaba CI:) {Se escreve com ZI}.

DIANA: (Pega o celular) {Vou pesquisar aqui no celular}.

EU: {Isso! Pesquise na internet}.

DIANA: (lendo no celular) {FELICIDADE é com a letra C}. (Todos nós rimos

de toda essa cena e da descoberta da palavra).

EU: (Os parabenizo pelo esforço e lhes explico que essa sílaba conduz a

todos para várias possibilidades de grafia, inclusive a letra Z no caso deles

que apenas observam o formato e movimento da boca).

Fonte: Elaborado pelo autor

5.1.3 Atividade 3: Escrita de frases a partir de imagens

Esta atividade foi realizada no dia 16 de setembro de 2019, no período

da manhã e encontravam-se presentes todos os alunos. Foram levadas várias

figuras de pessoas realizando ações ou figuras de locais onde algo acontecia,

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79

de tal forma que ficasse em evidência a existência de um verbo (de ação). A

partir destas figuras, os alunos deveriam escrever frases simples e, para isso,

um aluno por vez era convidado a ir até a lousa e escrever uma frase de acordo

com a imagem que lhe foi passada. O aluno poderia contar com o auxílio dos

demais colegas. Essa atividade surgiu a pedido do Victor, que é professor de

Libras na Associação, para que mostrasse a eles a possibilidade de descrever

imagens com poucas palavras, pois, segundo ele, todos usavam as redes

sociais e geralmente necessitam descrever algo a partir das fotos e imagens

partilhadas.

Atividade 3 – Cena 1 (A3C1)

A cena retratada abaixo se dá quando Steve, para poder escrever a sua

frase, havia apagado a última, escrita pelo Victor. Enquanto eu e alguns alunos

o ajudávamos, Selina pediu ao Victor que a ajudasse a escrever, em seu

caderno, a frase que ele havia escrito na lousa. Após isso, Diana pede o

caderno de Selina para poder copiar a frase do Victor.

Quadro 17: Transcrição da Atividade 3 – Cena 1

DIANA: {Victor, por favor, me chame a Selina, porque quero copiar a

sua frase do caderno dela}.

VICTOR: {Ela? Ela?} (Apontando para Selina. Após a confirmação,

Victor chama Selina, que vê o pedido de Diana e prontamente lhe

entrega o caderno. Nesse momento, Victor se demonstra incomodado

e interpela Diana).

VICTOR: {Por que você não pergunta suas dúvidas? Eu posso te

ajudar ao invés de você copiar.}

DIANA: {Eu não sei. Vou copiar para depois estudar.}

VICTOR: {Copiar é igual a colar.} (Fazendo referência à cola de prova).

DIANA: {Não é não.} (Disse isso, porém entregou o caderno para

SELINA).

VICTOR: {Pode me perguntar. Qual é a sua dúvida?} (Diana sinaliza:

O HOMEM, escreve, e, depois, olha para o Victor).

Page 80: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

80

VICTOR: {E agora, o que vai escrever?} (Diana sinaliza o verbo

NADAR e Victor datilologiza N-A-D-A. Diana depois de escrever, diz

que essa palavra é igual NADA (sinônimo de zero) ele confirma, ainda

demonstrando-se admirado com esse aprendizado. Diana sinaliza

PISCINA, e Victor, por sua vez, diz que antes é preciso escrever o

lugar em que o homem está nadando (ONDE) datilologizando N-A).

VICTOR: (Após escrever N-A, Diana volta o olhar para Victor) {Vou

realizar a datilologia toda e depois você escreve, pois é preciso

memorizar toda a palavra primeiro}. P-I-S-C-I-N-A. (Então Steve diz

que está errada a datilologia feita por Victor, sendo correta P-I-S-I.

Victor o interrompe, argumentando que ele que está errado e nesse

momento me chamam para perguntar).

STEVE: {Professor, não é verdade que se escreve P-I-S-I-C-A?}.

EU: (Estava ajudando alunos em outra frase:) {Veja com o Victor que

o dele está certo}. (Assim, Victor datilologiza a palavra de forma correta

e Steve agradece).

Fonte: Elaborado pelo autor

O presente excerto nos evidencia o uso da estratégia de mútuo auxílio

por três vezes: primeiro quando Victor auxilia Selina com a escrita em seu

caderno; segundo quando ele sugere à Diana que, ao invés de copiar (colar),

tente aprender; e terceiro quando Steve argumenta contra a datilologização de

Victor, fazendo com que esse tenha uma reflexão sobre a própria hipótese e,

em seguida, faça sua réplica.

Observamos também o uso constante da estratégia de memória

datilológica quando, de forma natural, usam de suas mãos para sinalizar as

letras das palavras “NADA, NA, PISCINA”. Nesse momento de interação, o

próprio Victor, fluente em língua de sinais, ensina à Diana como usar essa

ferramenta cognitiva quando diz “Vou realizar a datilologia toda e depois você

escreve, pois é preciso memorizar toda palavra primeiro”.

A estratégia de tentativa e erro fica evidente quando Victor

datilologiza a palavra PISCINA e percebe que letras não estão em seus locais

certos, sinaliza que errou e o faz de novo, até que consegue datilologizar a

Page 81: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

81

palavra inteira e de maneira correta. Outro momento desta estratégia está

quando Steve resolve corrigir tal palavra feita por Victor, o que possibilita

reflexões sobre a maneira certa da palavra.

Sobre o uso da estratégia de repetição de palavras ou cópia, Victor

se mostra contra e chama a atenção de Diana para que não a realize sem

consciência, pois é necessário refletir e aprender de fato o que se propõe em

atividade. O presente recorte também permite inferir que existe,

constantemente, o uso da estratégia de hipóteses gramaticais, seja no ato

de estruturar as frases, quando no entendimento demonstrado pelo Victor, ao

querer descrever o lugar em que a cena acontece, precisa da palavra NA; ou

quando se pensa na própria estrutura dentro de uma palavra.

5.1.4 Atividade 4: Descrição de uma obra de arte

Essa foi a última atividade do semestre e ocorreu no dia 11 de

novembro de 2019, no período da manhã, e contou com a participação de todos

os alunos do curso. A atividade foi dividida em três momentos, objetivando a

escrita de cada aluno, sobre a observação de um quadro, cuja foto encontra-se

a seguir:

Page 82: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

82

Figura 5: Obra de arte observada pelos alunos

Fonte: Quadro de Fábrica de Villeneuve

No primeiro momento, observou a seguinte dinâmica: o quadro de uma

obra de arte chegou na sala de aula, envolto em tecido que ocultava o seu

conteúdo, estratégia pensada intencionalmente no intuito de provocar a

curiosidade dos alunos. Em seguida, os alunos foram levados individualmente

para observar o quadro e, depois, anotaram na lousa uma frase sobre o que

observaram. As escritas foram cumulativas, ou seja, a cada novo aluno, mais

uma frase sobre o quadro era inserida. Além disso, usou-se o critério de levar

inicialmente os alunos com maior dificuldade de escrita. Por fim, a cada nova

frase, o professor perguntou, somente aos alunos que ainda não haviam visto

o quadro, o que eles entendiam do que havia sido escrito. Esses tiveram a

oportunidade de perguntar ao que escreveu a frase e, além disso, o professor

perguntou a eles o que estava escrito e, a partir desse direcionamento, discutiu-

se o que eles sabiam sobre o quadro.

Page 83: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

83

Para o segundo momento, o professor pediu aos alunos que

pensassem em palavras que estivessem relacionadas com a visão do quadro e

escolheu Victor para digitar estas palavras no computador, que estava ligado a

um telão onde todos acompanhavam a escrita. Assim, todos os alunos puderam

ajudar para que chegassem à grafia correta das palavras. Dessa forma, eles

formaram uma lista de palavras ligadas à descrição da obra de arte, apreciada

por todos.

No terceiro momento, os alunos reescreveram as frases escritas no

primeiro momento. Para isso, foi usado o computador, que passou a ser

operado pelo aluno que escreveria sua frase.

Atividade 4 – Cena 1 (A4C1)

Apresentamos a seguir, duas figuras que registram a produção das

frases escritas pelos alunos na lousa, realizada após a observação da obra de

arte.

Figura 6: Frases escritas pelos alunos Steve, Selina, Bruce, Diana e Victor

Fonte: elaborado pelo autor a partir de uma fotografia

Figura 7: Frase escrita pelo aluno Peter

Fonte: elaborado pelo autor a partir de uma fotografia

O PARIA ESTA CASA NA MESA COM CAFÉ.

O PARIA JANELA NA CAFÉ MESA.

CASA NA PARIA DOME NO CAFÉ NA A.

A CASA DE MIGA NA PARIA PARA CAFÉ,

MESA, PROTA, CADELA, LIVROS, FLOR.

A CASA, NA MESA CADEIRA LEVE DE LIVRO E

XÍCARA. A JANELA FORA VER O CÉU PAZ.

NA PARIA A CASA NO MAR LINDO

CADEIRA DA PARIA, XICARA. LIVRO

PRA RELAXA O CEU DE NUVEM

PROTA BALACÃO MESA CIMA

LIVRO COM XICARA NO PARIA DO MAR.

Page 84: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

84

Observamos nesta produção, que na primeira linha Steve escreve

PARIA, quando desejava grafar PRAIA. A partir desse fato, todos os outros

alunos realizaram a sua cópia, sem ao menos refletirem sobre outras

possibilidades de grafia dessa palavra. Esse ato realizado por todos os alunos

nos remete ao que consideramos estratégia de repetição de palavras ou

cópia. A mesma atitude se deu com outras palavras dessa produção, como por

exemplo, CAFÉ, pois se observarmos bem a gravura é uma xícara de chá, ou

seja, nenhum dos alunos refletiu sobre a palavra que representava

corretamente a figura em questão.

Pelos textos apresentados pelos alunos, pode-se perceber que todos

se utilizaram da estratégia de hipóteses gramaticais, de forma que, cada qual

ao seu nível linguístico de primeira e segunda língua, procuram escrever a frase

de maneira canônica.

Atividade 4 – Cena 2 (A3C2)

Nessa Cena, uma vez mais, observamos o uso da estratégia de mútuo

auxílio e vemos a força que isso tem nesse grupo, pois Bruce ignora a regra e

age para auxiliar uma colega de turma.

Quadro 18 – Bruce auxilia Diana

Era a vez de Diana escrever o que estava observando, ela escreve O PARIA

(querendo escrever A PRAIA) e Bruce, ao ler, a corrige imediatamente

dizendo que não iniciava com a letra O e sim com letra A.

Fonte: Elaborado pelo autor

Page 85: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

85

Atividade 4 – Cena 3 (A4C3)

Quadro 19: Transcrição da Atividade 4 – Cena 3

Victor ao tentar escrever a palavra PRAIA, o faz usando a grafia anteriormente

feita pelos colegas, que era PARIA. Então questionei se aquela grafia estava

correta. A partir disso, todos, ao sentirem pela minha expressão que havia

algo de errado, sugeriram várias opções, que Victor apagava e rescrevia,

sucessivamente, seguindo o comando dos colegas. Bruce, por sua vez,

olhando para o escrito e oralizando silabicamente PRA-I-A, diz que está certo.

Por sua vez, Diana diz que faltava a letra R, e, quando eu pergunto onde,

Bruce se levanta e vem apontar com o indicador no telão o local para a

inserção da letra R, e nessa atitude, faz com que Victor apague as demais

letras deixando apenas a letra P, então Bruce toma o controle do teclado e

digita PRIRA. Victor, com uma das mãos, tampa os olhos e com a outra

datilologiza, tentando descobrir a escrita correta. Diana intervém junto aos

dois e diz que não é para ser escrito PRAINHA, acreditando que isso estava

escrito em PRIRA, dessa forma apagou tudo e digitou PARIAR e, depois dos

apontamentos de erro dos colegas, apagou apenas a letra R restando então

PARIA. Ainda perguntei se estaria certa a escrita, e assim Victor escreveu as

seguintes possibilidades para essa palavra: PAIRA, PRAIA e PIARA. Por

outro lado, Diana, Bruce e Steve, com uso da fala, tentam também descobrir

qual seria a grafia correta. Como todos estavam ansiosos, se expressando

ao mesmo tempo, eu decidi realizar uma eleição a fim de que cada aluno

votasse em uma das opções. Três dos alunos votaram em PAIRA (palavra

usado por todos no início da atividade), o Bruce votou na opção PRAIA, e dois

outros não quiseram arriscar. Então eu mostrei a opção correta. Victor,

rapidamente apagou tudo e pediu para o grupo que o ajudasse a grafar a

palavra de forma correta. Assim o fizeram.

Fonte: Elaborado pelo autor

A partir deste recorte podemos observar algumas estratégias usadas

pelos alunos. A primeira, já mencionada na CENA A, é a estratégia de

repetição de palavras ou cópia, pois Victor insistia na grafia PARIA, realizada

Page 86: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

86

por todos como certa. A estratégia de tentativa e erro, que acontece durante

toda cena, evidencia-se quando os alunos se colocam em reflexão sobre as

possibilidades de escrita da palavra, se permitindo perceber outras

possibilidades. Já a estratégia de memória visual foi observada

principalmente no texto, quando Victor escreveu as seguintes possibilidades

para essa palavra: PAIRA, PRAIA, PIARA. Com essas tentativas, o aluno busca

identificar a grafia correta da palavra, usando como recurso cognitivo a memória

visual, ou seja, busca verificar se uma das palavras lhe parece mais correta, a

partir de várias possíveis grafias. Na sequência dessa estratégia, vemos que os

alunos Diana, Bruce e Steve fazem uso da estratégia de memória sonora para

buscar a forma correta da grafia. Também aparece, na décima primeira linha

dessa cena, o uso da estratégia de memória datilológica, quando Victor

tampa os olhos com uma das mãos e com a outra datilologiza, procurando

buscar em sua memória a correspondência da grafia certa. Finalmente,

observamos o uso da estratégia de mútuo auxilio, que se evidencia pela

demonstração do sentimento de pertencimento ao grupo, que favorece a

discussão e ajuda mútua.

5.2 – Análise e Discussão.

Ao observamos, através dos vídeos, as atitudes dos alunos enquanto

realizavam atividades de escrita, nos deparamos com práticas que se repetiam,

de maneira que as consideramos como estratégias para escrita da LP2. Foram

delimitadas as seguintes estratégias:

a) Estratégia de repetição de palavras ou cópia;

b) Estratégia de memória sonora;

c) Estratégia de mútuo auxílio;

d) Estratégia de uso da língua de sinais;

e) Estratégia de uso de memória datilológica;

f) Estratégia de uso de memória visual;

g) Estratégia de hipóteses gramaticais;

h) Estratégia de tentativa e erro;

Page 87: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

87

i) Estratégia de uso de recursos multimodais; e

j) Estratégia de busca de recursos nas tecnologias de informação

e comunicação (TICs).

Discorremos a seguir sobre cada característica encontrada nas

estratégias acima relacionadas.

5.2.1 – Estratégia de Repetição de Palavras ou Cópia

Nogueira (2018) afirma que as crianças surdas não se percebem como

produtoras de significados diante de atividades de escrita porque as

experiências por elas vividas nos espaços escolares desenvolveram nelas

representações sobre a escrita como copistas. Através dessa colaboração,

percebemos o que consideramos como estratégia de repetição de palavras ou

cópia, pois, ao observar as atitudes de nossos alunos surdos, vimos que eles

agiram de forma semelhante às observadas pela autora. A seguir,

apresentaremos algumas cenas que demonstraram tais atitudes:

Na A3C1, Diana esperou que Victor ajudasse Selina a escrever uma

frase e, depois disto, pediu para ver o caderno de Selina com o objetivo de

copiar esta frase. Victor chama a atenção da aluna, dizendo que isso não se

deve fazer, que tal atitude não é boa para seu crescimento e aprendizado.

Outro fato acontece em A4C1, onde o primeiro aluno, ao ir à lousa para

escrever o que observara na obra de arte, escreve a palavra PARIA, para

expressar PRAIA. Todos os demais o seguiram copiando a mesma palavra.

Essa ação é conduzida para o segundo momento da atividade, demonstrada

em A4C3, e só termina quando indagados sobre a certeza da grafia.

Page 88: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

88

Quadro 20: Recorte da Transcrição da Atividade 4 – Cena 3

Victor ao tentar escrever a palavra PRAIA, o faz usando a grafia

anteriormente feita pelos colegas, que era PARIA. Então questionei se aquela

grafia estava correta. A partir disso, todos, ao sentirem pela expressão do

professor que havia algo de errado, sugeriram várias opções, que Victor

apagava e rescrevia, sucessivamente, seguindo o comando dos colegas.

Fonte: Elaborado pelo autor

As cenas que analisamos ilustram o modo como os alunos surdos

reagem diante de situações em que a escrita se torna um desafio. Há uma

tendência entre eles em recorrer à demonstração de conhecimento através da

estratégia de repetição de palavras ou cópia. Dessa forma, mesmo sem saber

se aquela palavra está correta, copiam, ainda que inconscientemente, para

mostrarem aos outros que estão atendendo à proposta exigida pela atividade.

Do mesmo modo, essa atitude reforça sua sensação de pertencimento ao grupo

social em que estão inseridos. Nogueira (2018), justificando tais atitudes

encontradas nos alunos surdos, afirma que:

É preciso destacar que a representação da escrita como imitação

pelas crianças surdas não está relacionada a uma menor valoração

do recurso escrito. Muito pelo contrário. É bastante provável que, por

terem percebido que há valorização da escrita pelas pessoas à sua

volta (familiares, professores, em casa, na escola), que elas externem

o desejo de terem seus cadernos e folhas repletos de escrita. Com

isso, entendo que a concepção das crianças sobre a escrita também

espelha as representações daqueles que estão à sua volta e que

podem ter, de alguma maneira, assimilado uma grande narrativa a

respeito das benesses da escrita (NOGUEIRA, 2018, p. 88).

Dessa forma, consideramos tais ações como estratégias usadas pelos

alunos, que demonstram afetos marcados negativamente por práticas

pedagógicas e por representações sociais que cobram desses alunos muito

além do que lhes oferecem.

Page 89: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

89

5.2.2 – Estratégia de Memória Sonora

Essa estratégia refere-se ao movimento que os alunos realizam sobre

o processo de escrita, tentando perceber nele os sons e suas ligações. Ou seja,

em vários momentos os alunos utilizam de sua oralidade para tentar encontrar

a relação fonema-grafema para a escrita das palavras. Essa estratégia é

utilizada em diferentes frequências, de acordo com o desenvolvimento da

oralidade de cada um. Há surdos com maior nível de oralidade que se

comunicam basicamente pela língua oral e outros que se comunicam

essencialmente por língua de sinais, com pequenas tentativas de oralização.

Mesmo aqueles que usam a língua oral de forma bem rudimentar, em alguns

momentos, tentam oralizar a palavra para buscar sua forma escrita.

Podemos deduzir que essa ação dos alunos está ligada a fatores como:

representação social sobre a surdez, que gera neles desejo de ser como os

ouvintes, isto é, pessoas falantes oralmente; e/ou trabalhos fonoaudiológicos

que frequentaram durante sua vida, resultando neles essa busca do valor

sonoro nas atividades de escrita.

Na Atividade 2, em razão de ter presença apenas dos alunos oralizados,

usamos muito desse recurso para percebermos até onde iria seu uso. Nele,

percebemos que cada aluno tem um nível individual de entendimento e

possibilidade para tal. Porém, percebemos que existem palavras que suas

sílabas não possibilitam serem identificadas através dessa estratégia. Nesse

momento, a identidade surda é ressaltada e cabe a esses alunos assumirem o

que possuem de mais precioso, que é a estratégia de memória visual. Na

atividade A2C2, Peter ao ser perguntado sobre como se escreveria a palavra

ALEGRIA, responde: “Não me lembro dessa palavra”. Isso revela que ele busca

inicialmente o recurso visual e num segundo momento o sonoro. Fernandes

(2006, p.11) considera que práticas bimodais desenvolvem um sistema híbrido

de comunicação e, por outro lado, as crianças surdas, que crescem com essas

práticas, acreditam que isso é legítimo, produzindo-as no decorrer de suas

vidas.

Page 90: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

90

5.2.3 – Estratégia de Mútuo Auxílio

Trouxemos anteriormente dois itens de perfil afetivo voltados para

aspectos negativos, mas agora apresentaremos uma estratégia afetivamente

positiva e de grande importância principalmente para auxiliar o grupo no

enfrentamento de questões difíceis.

Percebemos que os alunos citados nesse trabalho foram adquirindo

confiança em suas relações interpessoais que os permitiram a tentativa de

realizar a atividade de escrita sem que por isso se sentissem diminuídos. Essa

confiança no grupo possibilitou, em alguns momentos, que, mesmo quando não

solicitados, procurassem auxiliar os colegas no processo de escrita. Um

exemplo disso aconteceu em A3C2 quando Diana foi escrever sua frase na

lousa. Ela escreve O PARIA (querendo escrever A PRAIA) e Bruce ao ler, a

corrige imediatamente, dizendo que não inicia com O e sim com A. Vale

ressaltar nesse exemplo que nessa atividade os alunos não eram convidados a

agir dessa maneira, mas o ímpeto de querer ajudar era grande. Outra coisa a

se considerar é Bruce, que, por confiar no professor e nos colegas de sala,

apresentou um desenvolvimento considerável, algo que foi ressaltado por

outros profissionais que trabalham com ele na Associação onde se deu o curso.

Mattos e Ramires (2013, p.51), ao tratar da Educação Bilíngue como

espaço educacional fundamental para o surdo, apresentam como parte

integrante dela o convívio com surdos adultos, modelos de identificação

linguístico cultural, proficientes na Língua de Sinais e com seus pares surdos.

Isso se deu na prática visto que Victor, em outro momento, trabalha como

professor de Libras dos próprios colegas. Ele é fluente em Língua de Sinais e é

bem quisto no grupo.

Nas atividades A2C2, A2C3, A3C1, A4C2 e A4C3, entre outras, aparece

a ação dos alunos se relacionando no sentido de mútua ajuda. Lissi, Svartholm

e González (2012, p. 311) enfocam a colaboração como estratégia aliada da

formação do surdo na Educação Bilíngue. Ela possibilita desenvolvimento

linguístico em primeira e segunda língua, através das quais os alunos podem

se ajudar na compreensão da leitura e na produção da escrita.

Page 91: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

91

5.2.4 – Estratégia de Uso da Língua de Sinais

No decorrer do presente trabalho foi afirmado o quanto a Língua de

Sinais é fundamental para o aprendizado da segunda língua. Observamos que,

tanto para o aluno fluente, quanto para os demais, esse modelo linguístico os

auxilia na compreensão, fixação, comparação etc. Dechandt (2006, p. 292)

considera que a Língua de Sinais é um ponto de partida para um ponto de

chegada que é a Língua Portuguesa. Nesse sentido, Gesueli e Moura (2006)

afirmam:

[...] concebemos a língua de sinais como traço identitários, ou seja, o

dizer na língua de sinais constitui a base para o encontro com o objeto

escrito. E esse dizer se faz também pelos diferentes papéis da

imagem na produção textual da comunidade surda. Os caminhos

percorridos pelos alunos surdos em direção à escrita do português

revelam que não podemos subestimar a questão social do letramento

e nem cair na armadilha da didática e da dinâmica tradicional da

pedagogia (GESUELI E MOURA, 2006, p.120).

Observamos em Victor, aluno com identidade cultural e linguística

surda, o quanto o uso da primeira língua como estratégia o possibilita

aprofundar-se no conhecimento e aprendizagem da segunda língua, isto é, o

aluno usa esta estratégia como forma de negociações com outro interlocutor

em língua de sinais. Podemos verificar tal situação em A1C1 e A1C2, quando,

ao desejar escrever uma palavra específica, faz uso da sua primeira língua para

buscar informação. A língua lhe possibilita comunicar seu pensamento e

dúvidas. Ela lhe serve de recurso de memória, possibilitando-lhe a fixação. Por

diversas vezes “ao pensar em voz alta” pensa com as mão em movimento,

seguindo o modelo linguístico da primeira língua, para depois escrever em

segunda. Pereira (2015, p. 245) afirma que, da mesma maneira que os alunos

ouvintes, os surdos devem contar com uma língua que os possibilite participar

de interações comunicativas. Por outro lado, também os colegas se enriquecem

do uso da língua fluente de Victor.

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92

5.2.5 – Estratégia de Uso de Memória Datilológica

Podemos compreender, com base em Rodrigues e Baalbaki (2014),

que a Datilologia faz parte da Língua de Sinais como um empréstimo linguístico,

visto que para eles o empréstimo linguístico se configura a partir de contato

entre usuários de línguas diferentes. Da mesma maneira, segundo Ferreira

(2010, p. 29), a datilologia é uma soletração manual, que se dá de forma linear,

seguindo a estrutura oral auditiva. Os estudos desses autores vêm ao encontro

dos nossos anseios no sentido de mostrar que a datilologia se trata de um

empréstimo linguístico, visto que se constitui de alfabeto da Língua Portuguesa

criado a partir de algumas configurações da mão, ou seja, um alfabeto manual.

Na língua de sinais, a datilologia serve para sinalizar nomes próprios ou para

comunicarmos palavras específicas da Língua Portuguesa, sem usar os sinais

referentes a essas palavras. Em alguns casos, ela acaba se incorporando ao

sinais de tal forma que deixa de ser soletração para representar o próprio sinal.

Um exemplo disso se encontra na datilologia de N-U-N-C-A, que hoje se dá

como sinal, sendo realizado dessa forma: configuração da mão em N,

movimentos de quebra de punho para cima e para baixo, algumas vezes,

terminando com a configuração em A.

Do mesmo modo que verificamos o uso da Libras sendo usado pelos

alunos como recurso estratégico, conseguimos ver que a datilologia também é

um recurso, pois ela auxilia o surdo no processo de escrita, bem como da

memorização das palavras. Observamos que Victor é o que mais usa esse

recurso. Um exemplo desse uso se dá em A1C1, em que para lembrar-se da

grafia que deseja realizar, o aluno se utiliza dessa estratégia. Aqui cabe uma

ressalva, pois é interessante notar que, por duas vezes, o aluno escreve com a

mão direita e se utiliza da mão esquerda para datilologizar, porém percebendo

que ainda não está conseguindo acessar a forma de escrever na qual se sente

seguro, ele troca de mão, datilologizando com a mão direita, como se isso o

pudesse ajudar. Outro exemplo encontramos em A4C3 quando Victor,

percebendo a movimentação dos colegas desejando grafar corretamente a

palavra PRAIA, com a mão esquerda tampa os olhos e com a mão direita

datilologiza por algumas vezes, buscando na memória e na datilologia as

possibilidades de formar a palavra PRAIA, a fim de que pudesse lembrar sua

Page 93: ESTRATÉGIAS DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA USADAS …

93

grafia. Tal estratégia é usada também pelos outros alunos tanto em suas

comunicações quanto como instrumento de lembrança da grafia correta das

palavras. Em A3C1, Victor ensina para Diana que ela primeiro deve observar a

datilologia da palavra inteira para depois escrever. Além disso ele ensina para

Steve que se deve usar a repetição datilológica de palavras para memoriza-las.

Nessa estratégia também se encontra a próxima a ser comentada, visto

que ambas fazem parte da Língua de Sinais e dos artefatos culturais da

comunidade surda.

5.2.6 – Estratégia de Uso de Memória Visual

A visualidade está presente na vida do surdo constantemente. Um

exemplo disso se dá na própria Língua Portuguesa, que só poderá ser

apreendida pelo surdo através da visualidade das palavras. Assim, “o português

é para o aluno o que ele pode ver na leitura” (FERNANDES, 2006, p. 17).

Também encontramos, em Gesueli e Moura (2006), que “O aspecto visual da

leitura-escrita é um fator facilitador no processo de aquisição do português

como segunda língua” (GESUELI e MOURA, 2006, p.120). Enfim, é pela visão

que os surdos apreendem o mundo ao seu redor e isso não seria diferente para

a questão da Língua Portuguesa.

A memória visual está presente nas cenas quando os alunos procuram,

quer na datilologia, quer na observação atenta de uma escrita, buscar a

visualidade das palavras para poderem escrevê-las de forma correta. Nesse

sentido, observamos na cena A1C1 que o aluno Victor escreve algo no papel,

para e observa, usando da memória datilológica ou de uso da Língua de Sinais

para procurar encontrar, na sua memória, a correta grafia. Da mesma forma,

em A4C3, o mesmo aluno escreve PAIRA, PRAIA e PIARA, a fim de descobrir

a grafia correta para a palavra PRAIA. Ao nosso entender, nesse momento, ele

evoca, para si e para os colegas, o uso da memória visual, possibilitando assim

uma nova oportunidade de juntos definirem a grafia exata de tal palavra. Nesse

sentido, Martins e Nascimento (2017, p. 164) consideram que a relação visual

do léxico da Língua Portuguesa possibilita a hipótese da escrita. As autoras

(p.162) apostam no uso didático da imagem visual, como corporeidade surda,

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94

por meio de práticas de letramento para o ensino/aprendizagem da Língua

Portuguesa.

5.2.7 – Estratégia de Hipóteses Gramaticais

Segundo Salles et al (2002, p. 122), o conhecimento dos elementos do

léxico e das suas possíveis combinações resultam no conhecimento da boa ou

má-formação de sequências. Diante dessa afirmação, ao olhar para o resultado

das atividades dos surdos, observamos que eles já entenderam que em Língua

Portuguesa alguns usos da escrita não combinam, ou seja, os surdos usam da

estratégia de hipóteses gramaticais quando realizam atividade de leitura e de

escrita. Dechandt (2002, p. 318) conclui que existe uma interação entre

aspectos internos e externos, individuais e contextuais do escritor surdo,

quando se trata de produção em LP2 escrita.

Observamos nas atividades realizadas pelos alunos que, embora

existia a preocupação em escrever palavras, frases ou textos, eles já possuíam

alguns conhecimentos acerca da Língua Portuguesa. Exemplo sobre essa

afirmação encontra-se na escrita de Steve realizada na A1C4, que teve o

seguinte resultado final:

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95

Figura 8: Atividade: Narrativa de Steve28

Fonte: Elaborado pelo aluno e fotografado pelo autor

Embora o aluno use de uma estratégia multimodal, consideramos que

ele apresenta hipóteses relacionadas à atividade de narrativa, como os sujeitos

(o quem), quando escreve seu nome sobre a figura que o representa e escreve

a palavra “menino” sobre a figura dos dois outros garotos.

28 O local da figura 10 que está borrado representa o nome do próprio aluno escrito sobre a figura do menino do meio.

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96

Figura 9: Recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve

Fonte: elaborado pelo aluno e fotografado pelo autor

Nas três figuras abaixo, o aluno:

Apresenta a ação (o que), quando diz que foi à escola para

estudar e jogar futebol e ainda diz que voltou para casa;

Apresenta também os locais (o onde), quando diz onde essas

ações aconteceram (escola e casa);

Apresenta o tempo dessa ação (o quando), quando divide o

espaço da folha em três momentos: escola, futebol e casa.

Figura 10: Primeiro recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve

Fonte: elaborado pelo aluno e fotografado pelo autor

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97

Figura 11: Segundo recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve

Fonte: elaborado pelo aluno e fotografado pelo autor

Figura 12: Terceiro recorte da Narrativa feita pelo aluno Steve

Fonte: elaborado pelo aluno e fotografado pelo autor

Sua narrativa em sinais feita em outro momento, corrobora com a nossa

observação dos desenhos acima mostrados, visto que o aluno faz menção a

todos os aspectos estruturais (quem, quando, como e onde). Também Diana,

em A1C4, realiza, de forma multimodal, uma escrita com bastante recursos e

com isso podemos inferir suas hipóteses ao escrever. Victor, por sua vez, ao

me entregar a atividade e me perguntar se eu havia entendido, afirmou que

gostaria de me explicar em Libras, pois sabia que faltavam conectivos, visto que

não sabia usá-los, conforme previamente descrito em A1C3.

Consideramos que o uso da estratégia de hipóteses gramaticais se dá

pela justaposição daquilo que o aluno já sabe com aquilo que ele acredita que

não sabe. Dechandt (2006) trata da “interlíngua como a língua de transição do

aluno entre a língua nativa (LN) e a língua-alvo (LAL) em determinada altura de

aprendizagem” (DECHANDT, 2006, p. 288). Para essa autora existem marcas

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98

de instabilidade que refletem o que o aluno já sabe e o que ele acredita que

sabe, ou seja, são marcas que refletem uma competência transicional.

5.2.8 – Estratégia de Tentativa e Erro

Na estratégia de mútuo auxílio verificamos que para os alunos tanto a

confiança como a interação com seus pares geram resultados positivos, o

mesmo acontece com a estratégia de tentativa e erro. Acreditamos que essa

última é fruto de trabalhos educacionais que consideram o erro por uma

perspectiva diferente. Dechandt (2006, p. 288) considera o erro como

característica própria do sistema de interlíngua pois, como os alunos estão em

processo de ensino/aprendizagem, é muito comum que suas produções

apresentem aspectos das línguas envolvidas.

Observamos em diversas atividades (A1C1, A1C2, A2C3, A3C1,

A4C3), que os alunos, quer num diálogo interno, quer em trocas de

conhecimentos, apresentam aquilo que já sabem sobre a escrita da LP2,

permitindo-se errar. Um exemplo está em A1C1, quando Peter procura ajudar

Victor datilogizando a palavra E-S-T-U-D-A-R, nesse processo Peter erra e

corrige-se por algumas vezes, deixando Victor confuso. Porém, após as

tentativas, acerta a datilologia da palavra, alcançando seu objetivo em ajudar.

Outro exemplo, que se deu com todo o grupo, aconteceu em A4C3. Nele, cada

pessoa propõe, avalia, indaga, pergunta, coloca em jogo os recursos que tem

para a escrita da palavra PRAIA. Algo apresentado como recurso de cópia,

conforme explicamos anteriormente, torna-se uma estratégia de aprendizagem.

Nesse sentido, Faundez e Freire (1998), em diálogo que resultou no livro “Por

uma Pedagogia da Pergunta”, criticam o sistema de educação que eles

consideram como pedagogia da resposta. Em oposição a esse modelo de

educação, os autores propõem uma educação que considere a pergunta como

caminho educativo. Segundo Faundez:

O caminho mais fácil é justamente a pedagogia da resposta, porque

nele não se arrisca absolutamente nada. O medo do intelectual está

quase em arriscar-se, em equivocar-se, quando é justamente o

equivocar-se que permite avançar no conhecimento. Então, nesse

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99

sentido, a pedagogia da liberdade ou da criação deve ser

eminentemente arriscada. Deve ousar-se ao risco, deve provocar-se

o risco, como única forma de avançar no conhecimento, de aprender

e ensinar verdadeiramente. Julgo importante essa pedagogia do risco,

que está ligada à pedagogia do erro (FAUNDEZ e FREIRE, 1998, l.

27).

Ao lermos a atividade A4C3, percebemos que, ao colocarem o que

sabem e ao se “ouvirem”29 (grifo nosso) a aprendizagem está acontecendo.

Para os autores acima citados essa prática é fundamental na educação, pois

estimula a criatividade, a capacidade da curiosidade e de buscar respostas para

problemas reais.

5.2.9 – Estratégia de Uso de Recursos Multimodais

O documento nacional BNCC (Brasil, 2018, p.63), ao propor o

ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa, trata a linguagem como meio de

desenvolvimento das capacidades expressivas dos alunos. Segundo o , as

práticas sociais estão permeadas de diferentes linguagens (corporal, visual,

sonora e digital), por meio das quais as pessoas se interagem e se constituem

enquanto sujeitos. Nesse sentido, olhamos para as atividades dos alunos

perante a escrita, permitindo-os e estimulando-os para que se expressem

através de quaisquer linguagens.

Em A1C4, observamos que Diana apresentou um trabalho que permeia

o desenho e a escrita, que denominamos como estratégia de uso de recursos

multimodais. Embora a aluna conseguiria produzir um texto em L2, ela se sentiu

mais confortável em realizar a atividade dessa maneira, apoiando-se em

gravuras e escritas para expressar-se. Isso ocorreu também com Steve e

Selina, pois com medo de se exporem ao processo e à avaliação da língua

escrita, preferiram a opção de desenhar. Diante de tais ações, concebemos

como recursos multimodais as diferentes formas de produzir texto em nossa

sociedade. Para Rojo e Moura (2012), a multiplicidade de linguagens, que ao

29 Ouvir no sentido de procurar entender o que o outro está propondo.

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100

nosso ver se encontra nos textos/desenhos de nossos alunos, está permeada

de multimodalidade, multiculturalidade e multissemiose. Tais encontros nos

conduzem pedagogicamente para ações que possibilitem os multiletramentos,

que são definidos pelos autores acima citados como sendo forma de novos

letramentos. Do mesmo modo, em se tratando de alunos surdos e seus

artefatos culturais, encontramos em sua forma de conceber o mundo e de se

expressar a visualidade como processo dialógico desses alunos, o que garante

legitimidade dessa hipótese, que chamamos de estratégia de recursos

multimodais (grifo nosso).

5.2.10 – Estratégia de Busca de Recursos nas Tecnologias de Informação

e Comunicação (TICs)

Consideramos neste trabalho a estratégia de busca de recursos nas

TICs como sendo a atitude dos alunos em procurarem nelas recursos viáveis e

disponíveis para suas situações de aprendizagem. Sabemos que por causa das

Novas Tecnologias da Comunicação e Informação (TICs), o texto escrito não é

o único a circular como forma de interação e comunicação. Assim posto, a

educação de quaisquer alunos deve contemplar em suas estratégias o uso das

TICs, bem como conceber como se dá o papel de ser professor e ser aluno

(grifo nosso), diante de tais mudanças. Conduzimos tal concepção para práticas

educacionais de multiletramentos. Cabe ressaltar que fez parte de nossa

abordagem comunicativa e interacionista a participação dirigida30 dos alunos,

principalmente através das redes sociais Facebook e Whatsapp. Salles et al.

(2002, p. 116) apresentam como uma das vantagens do uso da internet para o

trabalho com LP2, a possibilidade do aprendiz entrar em locais onde a

comunicação por escrito é vivenciada em tempo real e com interlocutores reais,

ressaltando que a característica desse tipo de discurso é semelhante ao falado

em seu aspecto de dinamicidade, temporalidade e de reciprocidade imediata.

Além dessa possibilidade pela internet, o aluno pode realizar pesquisas, o que

30 Consideramos aqui participação dirigida nossa prática metodológica através da qual nossos alunos, por exemplo, acessavam o Facebook com o intuito de, além da interação com os conteúdos de seus perfis, realizarem diálogos com amigos e familiares em tempo real, isso com a orientação do professor e permissão dos alunos, a fim de que pudessem perguntar ou responder na forma escrita da Língua Portuguesa.

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101

o caracteriza como um aprendiz ativo e mais autônomo. Um exemplo dessa

ação por parte do aluno se encontra em A2C3, quando Diana num momento de

reflexão sobre a grafia correta da palavra FELICIDADE, decidiu por buscá-la na

internet. Essa foi a única ação nesse sentido capturada em nossa coleta de

dados, no entanto houveram outras situações em que os alunos recorreram a

esse recurso.

5.3 A Afetividade no Processo de Escrita

Ao realizarmos junto aos alunos atividades de escrita da LP2, entramos

em contato com marcas afetivas por eles vivenciadas que diziam respeito à sua

vida, família, escola, e aos processos de escrita da Língua Portuguesa.

Decidimos por terminar esse capítulo com tal reflexão, apoiados em Venturini

(2006, apud DIAS 2014, p.44), considerando que fatores como relação de

poder, emoção, afeto, expectativas culturais, identidade e autoestima são

essenciais no processo de ensino e aprendizagem de uma segunda língua.

Coaduna-se com essas reflexões Leite e Tagliaferro (2005) quando defendem

a visão de que pensamento e sentimento integram-se, ou seja, consideram que

a relação sujeito-objeto é marcada afetivamente pela mistura dos aspectos

cognitivos e afetivos.

Nas atividades práticas de escrita, também pudemos observar,

conforme pode ser visto nas transcrições, que apareceram algumas marcas

afetivamente negativas da escola por onde passaram. Ao percebermos que

fatos vêm à tona nesse processo, mesmo que de forma inconsciente, devemos

dar a devida atenção. Por outro lado, com a intenção de que essa concepção

possa ajudar professores e demais interessados na educação de surdos ao

planejarem suas ações, saber que o contato com o surdo e a Língua Portuguesa

gera catarse de suas memórias com relação a trabalhos anteriores é

importante. Um exemplo de nossa constatação está quando tratamos do tema

representação social e nela vimos que as pessoas ouvintes geralmente

entendem a surdez enquanto deficiência, o que denominamos visão clínica da

surdez. Tal concepção afeta profundamente os surdos, fazendo-os partilharem

de tais crenças e aceitarem que são deficientes e incapazes de aprender.

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102

A família, em seu luto, também é responsável por tamanha marca

afetiva na vida do surdo, quer por sua ignorância sobre a surdez ou por atitudes

de superproteção/abandono, quer pela simples inocência e excesso de

confiança em profissionais que as orientam com visões clínicas da surdez.

Outro momento a se considerar, com relação à família e ao filho surdo, é o

constrangimento sofrido ao se deparar com o momento inicial de

ensino/aprendizado da Língua Portuguesa, pois neste encontro evidencia-se a

diferença existente de aprendizado de seu filho com relação ao das crianças

ouvintes.

Além disso, a maioria dos surdos passa por experiência de segregação,

longe de seus pares linguístico/cultural dentro das escolas, o que lhes causa

sentimentos de serem estrangeiros e discriminados, como se não fizessem

parte do grupo escolar. Talvez a segregação também ocorra devido ao

tratamento situado em práticas pedagógicas que, ao desconsiderarem sua

língua, cultura e identidade, geram no aluno inibição e estigmatização. Uma

prática positivamente afirmativa em relação ao surdo, enquanto ser social,

partindo de uma forte liderança, possibilitaria uma visão diferente sobre a

naturalidade de sua aprendizagem. Assim sendo, cabe aos professores

conhecerem as especificidades dos alunos a fim de poderem contribuir com

posições e posturas diferentes das que se encontram na sociedade. Segundo

Dias (2014), estudos sobre motivação e autoconfiança têm se tornado

instrumentos importantes para o ensino/aprendizagem de LP2, que devem ser

observados por educadores a fim de realizarem práticas que favoreçam o

aprendizado do aluno. Esse olhar torna-se importante, por exemplo, quando

tratamos de avaliação, pois tem ocorrido em um único formato, que exige

igualmente para ouvintes e surdos a leitura e escrita da Língua Portuguesa,

essa tão inacessível para os surdos. Tal prática ocorrida em todas as esferas

da vida da pessoa surda é geradora de exclusão, sentimento de desmotivação,

insegurança, incapacidade e baixa autoestima.

Alguns aspectos afetivos estão latentes na relação surdo e LP2 e uma

simples atividade pode trazê-los à tona, revelando o incômodo que foi criado na

sua experiência escolar. Podemos verificar tal situação em A1C1, em que, por

se tratar de uma narrativa de vida, o aluno Victor expressa a seguinte situação:

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103

Quadro 21: Recorte da Narrativa feita pelo aluno Victor

VICTOR: (Escreve algo. Repete algumas vezes PORTA-FECHAR TRANCAR e depois

escreve. Sinaliza alguém batendo forte na porta) {Minha família esqueceu que eu estava na

rua e trancou a porta. Como isso pode acontecer?... Como poderia entrar... um dia eu fui

para casa... fui para casa um dia...minha família esqueceu e trancou a porta e eu não

conseguia entrar... Como se escreve BATER} [...]

VICTOR: {(Como o aluno apenas está pensando alto, registro na integra seus sinais) COMO

ENTRAR NÃO-CONSEGUIR NADA, NÃO-OUVIR, COMO?}

Fonte: Elaborado pelo autor

O incômodo revelado nessa situação, que se dá no seio familiar,

comprova o que acima mencionamos sobre aspectos de família e afeto.

Também Diana, em A1C4, apresenta uma situação de constrangimento

que viveu junto aos alunos da sala, em que se expressa, primeiro, através da

atividade de escrita 1 (Figura 13) e num segundo momento pela oralidade de

sua narrativa (Quadro 22).

Figura 13: Primeiro recorte da Narrativa feita pela aluna Diana

Fonte: Elaborado pela aluna e fotografado pelo autor

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104

Quadro 22: Segundo recorte da Narrativa feita pela aluna Diana

DIANA: (Nesse caso a transcrição se deu da maneira que a aluna falou oralmente). {Minha

história é muito pior, por que eu tinha doze anos. Todo mundo ria (sinaliza o sinal de RIR) da

minha cara, brincava, zoava da minha cara. O que eu fiz, eu assisti um filme, história da

vovózinha. A professora passou. Do nada passei a gostar. Eu falei para minha mãe: nossa,

eu estou querendo participar. Eu quero ir lá na ... lá na, no hospital. Visitar a vó, ver como é

a vida dela, como ela sobreviveu. Minha mãe falou que eu não podia ir. Quando eu fui

crescendo, crescendo, vi a história das pessoas. Aí quando eu entrei (sinaliza SENTAR )

sentei na sala... Eu abria a boca. Cheio de preconceito (relacionando isso com os alunos da

sala onde estudava). Aí eu levantei e fiquei no meio (sinaliza FICAR-DE-PÉ) {Fique em pé}.

Eu pedi (sinaliza PEDIR) {Pediu} para a professora: Eu posso falar (sinaliza FALAR) {falar}

com os alunos? Todo mundo tirava com a minha cara. Quando eles ficaram quietos (sinaliza

SILÊNCIO) {Silenciar}, fiquei assustada, com medo. (Peter fala algo, ela continua:) Vocês

acham que a pessoa acha bonito o que eles fez, não é muito feio [...]

Fonte: Elaborado pelo autor

Diana apresenta um momento doloroso de sua vida escolar, no qual

relata uma situação de bullying. A situação vivenciada pela aluna incentivou o

planejamento de atividades em que optamos por mediar um diálogo sobre o

tema, bem como atividade de escrita que nos permitisse trabalhar de forma

coletiva, tendo em vista que os demais alunos pudessem ter passado por

situações semelhantes.

Por outro lado, Steve, em A1C4, apresenta algo que ao nosso entender

revela um momento afetivamente agradável da escola. Ele e seus amigos

jogando futebol seria talvez um momento em que se sentisse igual aos amigos,

no qual sua diferença não fosse percebida e suas qualidades de atleta fossem

exaltadas.

Esses fatos, não únicos, servem para demonstrar que, mesmo sem

requisitar, o trabalho com a Língua portuguesa traz à tona sentimentos diversos

que não podem passar despercebidos e que devem, sim, ser compartilhados

entre os alunos e explorados nas próprias atividades pelos educadores. Por

outro lado, o professor, ao mediar a relação entre aluno e objetos de

conhecimento, estará contribuindo para que esse realize releituras de seus

afetos/desafetos e possa qualificar sua nova experiência com o processo de

escrita, pois, para Leite e Tagliaferro (2005), o sucesso da aprendizagem

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105

dependerá, em grande parte, da qualidade da mediação realizada pelo

professor.

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106

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo identificar, descrever e problematizar

as principais estratégias usadas por alunos surdos, jovens e adultos, no

processo de escrita, em um curso de extensão de Língua Portuguesa para

Surdos, oferecido pelo Instituto Federal de São Paulo – Câmpus São José dos

Campos.

Partimos do princípio, levando em consideração a fundamentação

teórica utilizada, que a Educação Bilíngue para surdos é o modelo capaz de

tratar as questões de primeira e segunda língua da maneira como elas devem

ser tratadas, isso é, que sejam abordadas didática e pedagogicamente dentro

dos parâmetros de aquisição para primeira língua e de aprendizagem para

segunda.

Durante a pesquisa, também encontramos materiais sobre

ensino/aprendizagem de línguas, em QECR, e/ou diretamente sobre o

ensino/aprendizagem de LP2, em CCSP e em Salles et.al, que contribuíram

para nossa discussão acerca da didática da LP2.

Consideramos que as abordagens sociocultural, crítica e interacionista,

trabalhadas em conjunto, são capazes de proporcionar um trabalho

emancipador aos alunos, a fim de que a escola cumpra seu papel mais

primordial, ou seja, o de formar cidadãos que se valorizem, respeitem o próximo

e o meio em que vivem, contribuindo assim com a construção de um país

melhor.

Durante a pesquisa, ao observar os alunos, pode-se perceber a

maneira como eles aprendem, ou seja, quais as estratégias utilizam durante a

aprendizagem da LP2. Isso pode e deve auxiliar os professores a aprimorarem

suas práticas quanto ao trabalho pedagógico de LP2, pois essa é uma forma de

entender a educação a partir do aluno. Nesse sentido ao analisarmos as ações

dos alunos, através das gravações coletadas, observamos que eles usam

naturalmente algumas estratégias com relação à produção escrita da Língua

Portuguesa. Foram encontradas dez estratégias, que estão apresentadas no

quadro explicativo, separadas em três grandes grupos.

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107

Quadro 23: Resumo das Estratégias de Escrita usadas pelos surdos

CATEGORIAS ESTRATÉGIAS CONSIDERAÇÕES

AFETIVAS/COGNITIVAS

Somos marcados

constantemente pela

relação com o outro

Estratégia de

Repetição de

Palavras ou Cópia

São afetos marcados

negativamente nos alunos

surdos, pelos quais

procuram demonstrar que

estão atendendo às

propostas exigidas ou pela

simples sensação de

pertencimento do grupo.

Estratégia de

Memória Sonora

São ações que os alunos

realizam ao tentar

perceber os sons e suas

ligações no processo de

escrita.

Estratégia de

Mútuo Auxílio

São afetos ligados ao

apoio aos seus pares, nela

encontram-se a

admiração, a imitação e a

colaboração todas essas

necessárias para a

formação humana dos

alunos.

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108

CATEGORIAS ESTRATÉGIAS CONSIDERAÇÕES

LINGUÍSTICAS

A primeira língua

presente no

processo de

ensino/aprendizagem

da segunda

Estratégia de Uso

da Língua de

Sinais

Considera a primeira língua

como parte do processo de

escrita.

Estratégia de Uso

de Memória

Datilológica

Considera a palavra da

Língua Portuguesa como

imagem gravada em sua

memória através da

configuração da sua mão e do

movimento (datilologia).

Estratégia de Uso

de Memória Visual

Considera um dos artefatos

culturais mais usados pelos

surdos, a visualização,

através da qual memorizam a

escrita e podem resgatá-la

pela sua lembrança visual.

GRAMATICAIS

A Língua Portuguesa

na produção de sua

escrita é considerada

através de

multiletramentos

Estratégia de

Hipóteses

Gramaticais

Os surdos conhecem muito

sobre a segunda língua, cada

qual à sua maneira. No

momento da escrita,

apresentam hipóteses do que

já aprenderam, formulando

questões e ousando

respondê-las.

Estratégia de

Tentativa e Erro

Ao ousar suas respostas,

permitem-se errar. Tal

estratégia os possibilita

refletir sobre o processo da

escrita.

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109

CATEGORIAS ESTRATÉGIAS CONSIDERAÇÕES

Gramaticais

(continuação)

Estratégia de Uso de

Recursos Multimodais

Ao estarem conectados com o

mundo letrado os alunos

podem se expressar de

diversas maneiras. Uma delas

é através da visualidade.

Nesse sentido, o desenho

único a escritas sucintas,

substituem textos.

Estratégia de Busca

de Recursos nas

Tecnologias de

Informação e

Comunicação

Imersos na

contemporaneidade os uso das

TICs como ferramenta

comunicativa é imprescindível

principalmente na formação de

alunos autorais e autônomos.

Fonte: Elaborado pelo autor

A pesquisa gerou uma inquietação que se dá no fato de que, mesmo a

Libras fazendo parte do currículo escolar como primeira língua dos surdos, não

faz uso de um modelo de escrita de sinais como recurso. Já são mais de vinte

anos de pesquisas da linguagem escrita do Signwriting31 no Brasil, e por que

ainda não se ancorou como representação escrita da Libras? Desde 1998,

Mariângela Estelita apresentou outra possibilidade de escrita da Língua de

Sinais, denominada ELiS32, o que me conduz a questões como: como andam

as pesquisas relacionadas ao uso dessa linguagem? Será que o Signwriting

não conseguiu atingir o estatuto de escrita na sua acessibilidade e uso, o que

permitiu o desenvolvimento de um modelo mais acessível e usual? O que

impede que a Libras seja ensinada, aprendida e usada nas formas “falada”

gestual e escrita? Seria por motivos de língua de poder, o qual a Língua

31 Segundo Barreto e Barreto (2012, p.38 e 43), o SignWriting é um sistema de escrita visual direta da língua de Sinais criado por Valerie Sutton, em 1974, e apresentada no Brasil em 1996 por Costa, Stumpf e Borba. 32 Segundo Barros (2015, p. 15), em 1998 foi criado por ela o Sistema Brasileiro de Escrita da Língua de Sinais – ELiS, é um sistema alfabético e linear, que apresenta caracteres denominados visografemas, que representam a visualidade da Língua de Sinais.

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110

Portuguesa sempre é cobrada como única fonte de escrita? Acreditamos que,

havendo tal oficialização da escrita de sinais, o aluno surdo passe a pensar e

escrever em sua própria língua, ação essa que, além de fortalecer o status da

Libras enquanto idioma, dará à Língua Portuguesa o real papel de segunda

língua.

Enfim, ao realizar esse mestrado profissional em educação,

consideramos que pudemos contribuir para a reflexão da prática atual do

ensino/aprendizagem de LP2 para surdos no Brasil, questionando as práticas

atuais e apontando um caminho em que, a partir do aluno surdo, essas práticas

possam ser aperfeiçoadas.

Por outro lado, ficamos com a inquietação reflexiva sobre o Quadro

Europeu Comum de Referências. Será que ele poderia contribuir para as

reflexões da Língua Portuguesa como segunda língua para surdos? Será que

ele nos auxiliaria para testar o nivelamento dos surdos sobre suas

competências comunicativas de Língua Portuguesa? Talvez esse seja um

problema de pesquisa para um futuro doutorado.

Estar com os estudantes surdos nesse período de curso de extensão

foi uma experiência gratificante de múltiplos aprendizados. As avaliações finais

comprovaram melhora dos surdos com relação à leitura. Além disso, quanto à

escrita, pude concluir que o melhor ganho que tiveram foi na questão afetiva,

visto que a experiência os levou a entender que a linguagem escrita é difícil

para todas as pessoas e que ela é mais difícil para eles, não porque eles tenham

dificuldades para aprendê-la, mas, sim porque ela é uma segunda língua, e; a

maneira como a aprenderam na escola e como lhes é cobrada na sociedade,

lhes dificulta o seu aprendizado e seu uso no dia a dia. Observei também que

eles descobriram que sabem mais do que imaginavam sobre a Língua

Portuguesa e podem, em atividades práticas, colocar esses conhecimentos em

uso, e assim refletir e aprender mais ainda. Enfim, a experiência desse curso

foi muito positiva e gerou continuidade e o convite para continuarmos o trabalho,

agora com um grupo maior, visto que, ao saberem deste trabalho, outros surdos

desejaram participar do próximo.

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111

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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