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http://www.anpad.org.br/rac
RAC, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, art. 1,
pp. 286-307, Maio/Jun. 2017 http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac2017150166
Estratégias Retóricas de Legitimação nos Relatórios da
Administração: Respostas ao Movimento Antitabagista
Rhetorical Strategies of Legitimacy in Management Reports: Responses to Anti-
Smoking Motion
Susana Cipriano Dias Raffaelli1
Paulo Mello Garcias2
Márcia Maria dos Santos Bortolocci Espejo2
Henrique Portulhak2
Universidade de São Paulo1
Universidade Federal do Paraná2
Artigo recebido em 25.06.2015. Última versão recebida em 01.03.2016. Aprovado em 12.03.2016.
Publicado online em 09.08.2016.
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Resumo
O movimento antitabagista brasileiro impulsionou o desenvolvimento de peças regulatórias que desafiaram a
legitimidade das empresas do setor. As organizações podem adotar ações estratégicas retóricas, visando ganhar,
manter ou recuperar legitimidade. Tais ações são evidenciadas em Relatórios da Administração (RA) por se
caracterizarem como instrumentos de comunicação social. Desse modo, o presente artigo almeja identificar como
a empresa líder do setor tabagista, a Souza Cruz S/A, utilizou os conteúdos dos RAs como instrumento de estratégia
retórica de legitimação, no período de 1986 a 2012. O Institucionalismo Organizacional foi utilizado como
referencial teórico, e a metodologia para tratamento dos dados foi a análise de conteúdo. Evidenciou-se que a
Souza Cruz S/A empreendeu esforços para manter sua legitimidade no período analisado, intensificando o uso de
apelos retóricos (ethos, pathos e logos) em defesa dos argumentos: (a) fumar é uma escolha racional adulta; (b) a
legislação favorece o comércio ilegal de cigarros; e (c) as atividades da empresa beneficiam a sociedade. Assim, este trabalho destaca os RAs como fonte de análise em estudos organizacionais, evidencia a retórica como
possibilidade estratégica e propícia aos gestores reflexões acerca da influência do ambiente nas estratégias
organizacionais.
Palavras-chave: legitimidade; estratégia discursiva; contabilidade; relatório da administração.
Abstract
The Brazilian anti-smoking movement has led to the development of laws that threaten the legitimacy of
companies in the sector. The companies can adopt strategic rhetorical actions in order to gain, maintain or recover
legitimacy. Such actions are visible in company governance reports (GR) and characterized as social
communication. Thus, this study aimed to verify how the leader in the tobacco industry, Souza Cruz S/A, used GR
content as strategic rhetoric instruments for legitimacy between 1986 and 2012. Organizational institutionalism is
used as the theoretical framework of this paper and data was treated to content analysis. Analysis of Souza Cruz
S/A reports show efforts to maintain legitimacy during the analyzed period by using elements of rhetoric (logos, pathos and ethos) to defend its claims that: (a) smoking is an rational adult choice, (b) legislation supports illegal
cigarette trade; and (c) company activities bring benefits to society. This study shows that is possible to use
governance reports as a source of analysis in organizational studies, presents rhetoric as strategy and invites
managers to reflect about the environmental influence on organizational strategies.
Key words: legitimacy, discursive strategy, accounting; governance report.
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Introdução
A continuidade de uma organização, de acordo com o enfoque teórico do institucionalismo
organizacional, está condicionada à adoção de práticas legítimas. A legitimidade organizacional, apesar de não ser um recurso sob controle da organização, pode ser influenciada por ela por meio de ações com
vistas a ganhar, manter ou recuperar legitimidade (Suchman, 1995).
As demonstrações contábeis são gêneros de discurso com conteúdos informacionais que permitem a comunicação entre a organização e as partes interessadas nos seus resultados
socioeconômicos. Dentre os relatórios que compõem o conjunto dessas demonstrações contábeis está o Relatório da Administração (RA), o qual apresenta informações, fundamentalmente, qualitativas e de
baixo caráter técnico (Iudícibus, Martins, Gelbcke, & Santos, 2010).
Dessa maneira, o conteúdo dos RAs pode ser utilizado como estratégia retórica de legitimação organizacional, uma vez que, por meio dele, a organização descreve como suas ações econômicas estão
ligadas aos valores da sociedade. Essa estratégia torna-se evidente em momentos de mudanças
institucionais (Graham, 2013; Lindblom, 1994; Richardson, 1987).
A indústria do tabaco está imersa em um ambiente que, ao longo do tempo, passou por amplas
mudanças institucionais. Durante o século XX, o consumo de cigarros foi difundido e ampliado em escala mundial, gerando oportunidades para ampliação das lavouras de tabaco e da produção industrial
de cigarros (Boeira & Johns, 2007; Chaloupka & Nair, 2000). Contudo, movimentos críticos contra o
fumo, compostos especialmente por médicos e representantes religiosos, também foram iniciados e
ampliados de forma concomitante, acarretando impactos negativos nas vendas do produto e forçando as principais empresas do setor, sobretudo as de origem britânica e estadunidense, a adotarem novas
estratégias, como o direcionamento de investimentos para a América Latina (Moerman & Van Der Laan,
2005).
Da mesma forma, no Brasil, surgiram movimentos antitabagistas que impulsionaram a
implantação de aparato jurídico que afetou o consumo do cigarro. Em resposta a essas mudanças institucionais, a Souza Cruz S/A, principal produtora de cigarros, fundada em 1903 e controlada pelo
grupo British American Tobacco (BAT), empreendeu diferentes ações estratégicas para legitimação
organizacional, envolvendo, inclusive, estratégias de accountability, refletindo-se nos conteúdos
informacionais dos relatórios contábeis, como o RA (Boeira & Cunha, 2010).
Diante do contexto apresentado e tendo em vista a importância dos RAs como instrumento de
comunicação entre empresa e sociedade (Graham, 2013; Lindblom, 1994; Richardson, 1987), questiona-se: como o conteúdo dos RAs foi utilizado como instrumento de estratégia retórica de legitimação
organizacional pela Souza Cruz S/A? Desse modo, o objetivo geral da presente investigação é
verificar como as modificações no campo institucional da indústria brasileira de tabaco afetaram o uso dos conteúdos dos RAs da Souza Cruz S/A como ferramenta de estratégia retórica orientada para a
legitimidade organizacional, no período entre 1986 a 2012.
Desse modo, o objetivo geral da presente investigação é verificar como as modificações no campo institucional da indústria brasileira do tabaco afetou o uso dos conteúdos dos Relatórios da
Administração da Souza Cruz S/A como ferramenta de estratégia retórica orientada para a legitimidade
organizacional no período entre 1986 e 2012.
Esta pesquisa é relevante devido ao seu potencial de provocar contribuições analíticas,
metodológicas e práticas. Os avanços analíticos se referem à conexão entre as mudanças contidas nos RAs e às transformações do ambiente institucional, aspecto negligenciado em trabalhos internacionais
(Archel, Husillos, Larrinaga, & Spence, 2009; Higgins & Walker, 2012; Lindblom,1994; Reverte,
2009).
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Como contribuição metodológica, destaca-se a reflexão sobre a importância da utilização de RAs como fonte de dados em estudos organizacionais. Além disso, ressalta-se a amplitude do período de
análise, possibilitada pela coleta de dados realizada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Desse modo, o presente trabalho diferencia-se das pesquisas nacionais sobre o tema (Beuren, Gubiani, &
Soares, 2013; Beuren, Hein, & Boff, 2011; Fank & Beuren, 2010) que, por utilizarem apenas RAs
disponibilizados na base de dados da BM&FBOVESPA, limitaram suas análises aos anos posteriores a
1997. Por fim, no que tange à contribuição prática, a análise poderá propiciar aos gestores reflexões sobre a importância de estarem atentos às mudanças sociais para garantir longevidade à organização.
Plataforma Teórica
Tendo em vista a problematização apresentada, o referencial teórico contemplado possui origem
na questão de pesquisa elaborada (Bryman, 2012). Desse modo, a fundamentação teórica é demonstrada
de acordo com a seguinte estrutura: (a) ambiente institucional e legitimidade organizacional; (b) retórica
como estratégia discursiva de legitimidade; (c) o papel dos relatórios contábeis nas estratégias de legitimidade organizacional.
Ambiente institucional e legitimidade organizacional
O institucionalismo organizacional ocupa-se em investigar a forma como as escolhas das
organizações são moldadas no ambiente em que estão inseridas (Wooten & Hoffman, 2008). Nessa
perspectiva de análise, o ambiente organizacional pode ser compreendido como o conjunto de
instituições emergentes da sociedade que norteiam as ações dos atores sociais. As instituições são leis, normas e aspectos culturais e cognitivos que dão significado e estabilidade à vida cotidiana (Meyer &
Rowan, 1977; Scott, 2008). Apoiados em tais conceitos, Meyer e Scott (1983) justificam a seleção das
ações organizacionais pela busca de aceitação social, isto é, de legitimidade, tendo seu conceito de legitimidade organizacional fortemente pautado na visão de que as organizações absorvem passivamente
as pressões do ambiente.
No entanto, as instituições podem ser transformadas e desencadear processos de mudanças institucionais (Scott, 2008). Diante desse contexto, Suchman (1995) amplia a noção de legitimidade
organizacional descrevendo-a como: “A percepção ou pressuposição generalizada de que as ações de
uma entidade são desejáveis ou apropriadas dentro de algum sistema socialmente construído de normas, valores, crenças e definições” (p. 574). No conceito enunciado, foi destacada a possibilidade das
percepções e pressuposições serem influenciadas, portanto as organizações possuem condições de
adotar estratégias para modificar tais aspectos em favor da consecução de seus objetivos (Deephouse & Suchman, 2008).
Suchman (1995) classifica as dimensões da legitimidade em pragmática, moral e cognitiva: a primeira está pautada nos interesses particulares de grupos que se relacionam com a organização; a
segunda diferencia-se da primeira na medida em que se afasta da avaliação autointeressada de um
público específico, aproximando-se do julgamento social das práticas organizacionais; e a terceira pode
decorrer do esforço organizacional em convencer a sociedade sobre a importância das atividades realizadas pelas entidades (legitimidade com base na compreensão) ou da aceitação incondicional da
organização como melhor forma de se fazer determinada atividade, tornando-se impossível imaginar
outra forma de realizar o processo (legitimidade taken-for-grantedness).
As organizações adotam estratégias para alcançar as diferentes formas de legitimidade descritas,
especialmente em momentos de mudanças institucionais (Scott, 2008). De acordo com Hoffman (1999), o canal jurídico é capaz de possibilitar essas mudanças no ambiente institucional, especialmente no que
se refere às práticas corporativas sensíveis a esses mecanismos. Nesse sentido, o legislador busca gerar,
por meio das leis, novos significados ou sentidos para motivar novas práticas ou desinstitucionalizar
práticas anteriores.
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Diante de mudanças institucionais, como alterações na legislação, a organização pode adotar estratégias a fim de ganhar, manter ou recuperar legitimidade. Dentre essas estratégias, está a utilização
de elementos retóricos para alcançar objetivos institucionais.
Retórica como estratégia discursiva de legitimidade
Para Aristóteles retórica se refere à “faculdade de observar, em qualquer situação dada, os meios
disponíveis de persuasão” (Corbett, Roberts, & Bywater, 1984, p. 24). Assim, o termo pode ser
compreendido como a arte de convencer. O estudo da retórica ficou por muito tempo relegado ao estudo superficial da aparência da comunicação, sem considerar o seu conteúdo. Porém, a partir da nova
retórica, influenciada por Burke (1966), a persuasão é analisada no processo de mudança social e
aproxima a discussão da retórica à argumentação. Para o autor, o diálogo, o debate e a argumentação são meios de justificar e defender perspectivas da realidade.
Os elementos básicos da retórica estão apoiados na retórica clássica de Aristóteles, e são rotulados
como ethos, logos e pathos. O ethos está relacionado à credibilidade de quem transmite a mensagem, tendo, desse modo, a confiança do público para o qual se dirige; o logos trata da argumentação apoiada
no raciocínio lógico de quem se pretende convencer; e o pathos aborda as questões de cunho emocional,
é o convencimento por meio do despertar de sentimentos (medo, alegria, compaixão, entre outros) (Higgins & Walker, 2012).
Quanto às abordagens retóricas, o enfoque clássico refere-se às apresentações orais, enquanto a nova retórica considera a possibilidade de toda forma de transmissão de mensagem (falada, escrita ou
por imagens) a ser empregada, intencionalmente, para convencer um público a crer, incontestavelmente,
em um argumento (Buchanan, 2001; Welch, 2013). Desse modo, a nova retórica habilitou a inserção
desse conceito em estudos organizacionais, especialmente no que se refere à relação do discurso e à legitimidade (Higgins & Walker, 2012). Nesse sentido, a retórica é uma forma de discurso instrumental
utilizado para persuadir públicos a concordarem com afirmações e comunicar ou justificar determinadas
ações organizacionais, especialmente em processos de crise no campo institucional (Green, 2004; Suddaby & Greenwood, 2005).
A estratégia retórica orientada para legitimidade pode ser analisada com base nos elementos retóricos básicos que, ajustados ao ambiente organizacional e ao uso de relatórios contábeis, podem ser
descritos, de acordo com Green, Babb e Alpaslan (2008) e Higgins e Walker (2012), como: (a) ethos,
justificativas de impacto moral ou sensibilidades éticas, que buscam destacar o papel, o posicionamento
e a caracterização organizacional, tentando demonstrar semelhança entre a organização e o leitor, o foco na história organizacional para evidenciar sua reputação e as suas aspirações para o futuro; (b) logos,
apelos direcionados para o raciocínio lógico, pois tendem a fazer cálculos metódicos de meios e fins
para alcançar eficiência (ressalta-se que a racionalidade expressa pode ser apenas aparente, com argumentos embasados em crenças partilhadas pelos leitores); (c) pathos, justificativas sobre um
determinado curso de ação com base no sentimento dos ouvintes (felicidade, tristeza, satisfação,
piedade, ganância e medo, por exemplo).
As estratégias discursivas se aproximam das dimensões da legitimidade organizacional expressas
por Suchman (1995). Conforme descrito anteriormente, a legitimidade pragmática descreve a aceitação
das práticas organizacionais pela sociedade por meio da percepção de seus membros, de que seus interesses particulares são atingidos. Assim, os elementos retóricos pathos e logos tendem a influenciar
essa forma de legitimidade, já que, por meio de apelos racionais e emocionais, as organizações buscam
convencer determinados grupos sociais de que suas práticas vão ao encontro de seus objetivos. Ressalta-se, ainda, que os apelos ethos, por destacarem os aspectos positivos da organização, podem impactar a
legitimidade moral, pois, quanto maior a credibilidade da organização, mais favorável tende a ser o
julgamento da sociedade sobre suas práticas. Com isso, os apelos retóricos, se forem eficazes, podem contribuir para legitimidade cognitiva, isto é, as práticas organizacionais deixam de ser questionadas ou
discutidas (Green, 2004). Desse modo, observa-se que a retórica pode ser utilizada como estratégia para
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influenciar os aspectos da legitimidade organizacional, já que, conforme explica Green (2004), os apelos
pathos são capazes de iniciar a mudança, os logos de implantá-las e os ethos de mantê-las.
O papel dos relatórios contábeis nas estratégias de legitimidade organizacional
Dentre os relatórios que compõem o conjunto das demonstrações contábeis, está o RA, que
apresenta informações fundamentalmente qualitativas e de baixo caráter técnico. Essas características
possibilitam a divulgação de informações sociais e econômicas, perfazendo-se um relatório amplo de comunicação organizacional (Iudícibus et al., 2010). Nesse contexto, é necessário compreender as
razões que levam os administradores a divulgar informações voluntárias (Yamamoto & Salotti, 2006).
Esse fenômeno pode ser explicado, de acordo com Graham (2013), por meio do entendimento sobre como os significados são construídos a partir dos relatórios contábeis.
Lindblom (1994) identificou uso da divulgação de informações voluntárias como estratégia de
obtenção de legitimidade organizacional. Na mesma linha de análise, Lightstone e Driscoll (2008) observaram o gerenciamento da legitimidade organizacional realizado por empresas do Canadá, por
meio de divulgação de relatórios contábeis qualitativos e voluntários. Reverte (2009) buscou explicar a
divulgação da responsabilidade social de empresas com ações negociadas na Bolsa de Valores da Espanha, revelando a busca por legitimidade como o principal motivo para divulgações voluntárias.
Archel, Husillos, Larrinaga e Spence (2009) analisaram, por meio da análise do discurso dos relatórios
contábeis, a busca por legitimidade organizacional de uma empresa espanhola do setor automotivo, relacionando os discursos ao ambiente sociopolítico em que a organização estava inserida. Por sua vez,
Higgins e Walker (2012) pesquisaram os elementos retóricos presente nos relatórios contábeis sociais e
ambientais de empresas situadas na Nova Zelândia.
No cenário nacional, Fank e Beuren (2010) investigaram a evidenciação de estratégias de legitimação de acordo com as tipologias de Suchman (1995) nos RAs da empresa Petrobras. Beuren,
Hein e Boff (2011) analisaram a relação entre as estratégias de legitimidades propostas por Lindblom (1994) com a geração de administradores familiares em empresas brasileiras. Considerando as
estratégias de legitimação de Suchman (1995), Beuren, Gubiani e Soares (2013), investigaram a
evidenciação de estratégias de legitimidade nos RAs das empresas públicas do setor elétrico brasileiro, constatando que as organizações estão em estágio de manutenção e ganho de legitimidade.
Metodologia
A metodologia empregada foi qualitativa, caracterizada como documental e, quanto ao tempo de
análise, classifica-se como longitudinal (Cooper & Schindler, 2003), abrangendo o período entre 1986
a 2012, no qual o número de peças regulatórias direcionadas à indústria tabagista teve evolução
crescente, como pode ser constatado por meio de consulta às páginas eletrônicas da empresa Souza Cruz S/A e da Secretária da Receita Federal do Brasil.
Os RAs da empresa Souza Cruz S/A referentes ao período de 1986 a 1997 foram localizados no
Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, por meio de pesquisa no acervo microfilmado da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ). Na sequência, esse material foi disponibilizado aos pesquisadores
pela BNRJ em arquivos digitais. Os RAs referentes ao período de 1998 a 2012 foram coletados via site
da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBOVESPA, Recuperado de https://www.dropbox.com/sh/k4t5cbktcgj3y87/F0mHC3ThHL).
A metodologia de análise de conteúdo, proposta por Bardin (2004), foi utilizada como protocolo de análise de dados neste trabalho. Portanto, os pesquisadores seguiram as seguintes etapas: (a) pré-
análise, composta pelas atividades de leitura flutuante, seleção do corpus de análise e formação de
indicadores; (b) exploração do material, que consiste na execução das regras definidas na etapa de pré-
S. C. D. Raffaelli, P. M. Garcias, M. M. dos S. B. Espejo, H. Portulhak 292
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análise, sendo nela realizada a codificação do corpus; (c) tratamento de resultados e interpretação dos
dados, em que ocorre a atribuição de sentido para os achados.
Os autores trabalharam conjuntamente em todas as etapas da análise de dados e utilizaram o software NVIVO10® como instrumento de análise. Assim, inicialmente, os 26 Relatórios da
Administração foram inseridos no programa mencionado. Na sequência, os autores definiram, com base
nos trabalhos de Green et al. (2008) e Higgins e Walker (2012), questões norteadoras para identificarem os trechos que apresentavam elementos retóricos: (a) a narrativa busca explicar algum fato por meio de
argumentos que qualifiquem a imagem ou a opinião da empresa sem que seja possível comprovar os
argumentos expostos?; (b) a narrativa descreve a posição de destaque da empresa (premiações, pioneirismo, liderança, etc.)?; (c) a narrativa apresenta afirmações que coloquem a empresa como capaz
de superar cenários adversos inviáveis de confirmação?; (d) as afirmações ou a argumentação da
empresa revelam preocupação com a capacidade de gerar benefícios sociais e econômicos para terceiros?; (e) as afirmações expressam relação de amizade da empresa com outras organizações e
grupos sociais através de expressão pessoal de sentimentos (expectativas, medos, alegria, confiança,
etc.), do destaque das características ou das ações de terceiros e da demonstração da aceitação de ideias
de outros atores sociais?
Desse modo, os recortes do texto poderiam ser uma frase, um parágrafo ou mais que
correspondessem positivamente a alguma das questões apresentadas, como ocorreu no seguinte exemplo:
A concorrência desleal no setor continua prejudicando os negócios da Companhia e gerando enormes prejuízos à sociedade como um todo. No ano em que a Companhia celebra 100 anos de
existência, renovam-se as nossas esperanças de que o efetivo combate a essa atividade predatória,
que tantos malefícios gera para o ambiente econômico e social, será objetivo perseguido ainda
mais intensamente (Souza Cruz S/A, 2002).
Ao analisar o trecho anterior, observando os questionamentos descritos, nota-se resposta positiva
para a questão e, pois a empresa se coloca próxima ao leitor quando descreve que sofre a mesma condição de risco que toda a sociedade pelas pressões da concorrência desleal, assim como ressalta sua
reputação, relatando os anos que está no mercado, destaca sua característica pessoal de esperança e
relata os efeitos da concorrência desleal à sociedade. Porém nota-se que as informações descritas não são facilmente provadas, o que legitima a escolha do trecho como exemplo de estratégia discursiva.
Nesta etapa foram obtidos 193 recortes textuais, os quais foram submetidos a uma nova análise
com o objetivo de identificar o elemento retórico preponderantemente presente (pathos, ethos ou logos), considerando, nesse processo de categorização, o sentido da mensagem, ou seja, o conteúdo latente. A
Tabela 1 descreve os sentidos atribuídos a cada categoria considerada nesse processo de classificação.
Tabela 1
Categorias de Análise Retórica
Categoria Sentidos latentes atribuídos
Pathos Gerar sentimento de medo ao explorar riscos e incertezas do mercado, de orgulho pela
organização, de lealdade e de amizade e despertar confiança.
Logos Ênfase na produção do valor esperado para indivíduos (lucratividade de ações, salários, etc.) e na
eficiência da organização (produtividade e eficácia) e argumentação com base em dados (numéricos, jurídicos e científicos).
Ethos Ênfase em resultados que a organização gera para a coletividade (geração de empregos, impostos e projetos sociais) e na capacidade da organização em realizar atividades adequadamente (estrutura
organizacional, premiações, certificações, etc.), destacando sua história, tradição, honra e futuro.
Nota. Fonte: Elaborada pelos autores.
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Na sequência, foi realizada a análise descritiva dessas informações, sendo evidenciada a frequência em que os apelos retóricos foram utilizados pela organização ao longo do período analisado.
Também foi analisado o conteúdo manifesto dos 193 trechos selecionados, emergindo desses dados as categorias expostas na Tabela 2.
Tabela 2
Categorias Temáticas Manifestas
Categorias Descrição Palavras-chave
Concorrência Desleal Cita a existência de um mercado informal de cigarros.
Concorrência desleal, contrabando, informal, ilegal, evasão fiscal e
falsificação.
Investimento Divulga os investimentos em estrutura física e em capital humano.
invest (ex: investimento e investindo), inauguração.
Mercado Apresenta aspectos relacionados à compra de matéria-prima ou à venda de produtos.
Importação, exportação, balança comercial, vendas, mercado, participação, crescimento
e preço.
Movimentos
Antitabagistas
Descreve a posição da empresa frente às
manifestações contra a indústria do cigarro.
Tabagismo debate, direito dos
consumidores, judicial, ações legais,
informação e propaganda.
Responsabilidade Social e Ambiental
Destaca a sustentabilidade socioeconômica da empresa.
Responsabilidade, sociedade, comunidade, emprego, treinamento, prêmio, práticas
sociais, ambiental, social e
sustentabilidade.
Resultado Divulga o desempenho operacional e financeiro da empresa.
Remuneração, lucro, resultado, custo, competitividade, eficiência, riqueza, valor
adicionado, valor agregado e
produtividade.
Tecnologia Divulga as inovações em produtos,
serviços e sistemas operacionais.
Inovação, sistema, tecnologia,
modernização e desenvolvimento produto.
Tributo Cita aspectos relacionados à tributação
(custo que gera para a empresa ou como
benefício que gera à sociedade).
Imposto e tributo.
Nota. Fonte: Elaborada pelos autores.
A partir desse processo, foram extraídos os argumentos que sustentaram as estratégias retóricas da organização frente às mudanças institucionais do campo da indústria do tabaco, como é apresentado
no item a seguir.
Análise e Discussão dos Achados
A análise e a discussão de dados foram organizadas em três subseções: (a) análise descritiva; (b)
ênfase no argumento mercado – 1986 a 1994; e (c) resposta às leis antitabagistas – 1995 a 2012. A primeira apresenta aspectos gerais dos dados enquanto as duas últimas detalham os argumentos
defendidos pela empresa Souza Cruz S/A em diferentes momentos históricos.
S. C. D. Raffaelli, P. M. Garcias, M. M. dos S. B. Espejo, H. Portulhak 294
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Análise descritiva
Durante o período de 1986 a 2012, em 49% dos 193 recortes textuais obtidos nos Relatórios da
Administração – Ras – da empresa Souza Cruz S/A prevaleceu o discurso voltando para beneficiar a
imagem da empresa (ethos), seguido por argumentações com características logos (38%) e, por fim, foi verificado que 13% das mensagens possuíam características preponderantemente pathos.
A prevalência de elementos retóricos ethos demonstra a preocupação da empresa em manter sua
credibilidade com as partes interessadas em sua atividade, visto que esse elemento remete à capacidade de gerar benefícios à sociedade e à melhora da imagem empresarial (Green, Babb, & Alpaslan, 2008;
Higgins & Walker, 2012). A utilização desses elementos retóricos evoluiu no período citado de forma
crescente, como é possível notar por meio da Figura 1.
Figura 1. Evolução do Número de Observações de Elementos de Retórica (1986-2012) Fonte: Elaborada pelos autores.
Por meio da Figura 1, observa-se que o elemento ethos aparece com maior ênfase entre as abordagens, tendo sido superado por argumentações e apelos logos apenas entre 1994 e 1997. O
elemento pathos apresenta a menor participação no discurso da Souza Cruz S/A, sendo importante
observar que, antes de 1999, ele não foi identificado nos RAs, e que vem mantendo sua participação desde então.
O cenário exposto revela que, com base no conceito de retórica descrito por Burke (1966), a organização modificou a forma de argumentar e defender sua perspectiva da realidade. Os apelos
retóricos com base na manutenção da boa imagem da empresa (ethos) e na eficiência organizacional em
defender os interesses dos indivíduos (logos) deixaram, aparentemente, de ser suficientes para a
manutenção da legitimidade organizacional.
Com relação à temática observada por meio da análise latente dos trechos selecionados dos RAs,
notou-se que o tema Responsabilidade Social e Ambiental foi o mais recorrente, presente em 33% das mensagens. Na sequência, como pode ser observado na Figura 2, aparecem as categorias temáticas
Mercado, Resultado e Concorrência Desleal.
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Figura 2. Categorias Temáticas Observadas nos RAs da Empresa Souza Cruz S/A (1986-2012) Fonte: Elaborada pelos autores.
As temáticas apresentadas na Figura 2 fizeram parte de trechos do RA com característica de persuasão; desse modo, possuem conexão com um contexto específico que se modifica ao longo do
tempo. Por sua vez, a Figura 3 demonstra a distribuição dos quatro principais temas no período analisado.
Figura 3. Evolução das Categorias Temáticas nos RAs da Empresa Souza Cruz S/A (1986-2012) Fonte: Elaborada pelos autores.
Como é possível notar por meio da Figura 3, no período inicial da análise, o principal tema submetido à retórica foi o Mercado, tendo sido utilizado, ininterruptamente, entre 1986 e 1994, enquanto
os temas Responsabilidade Social e Resultado foram apresentados pontualmente.
Ainda no ano de 1994, a temática Concorrência Desleal foi introduzida, tornando-se constantemente presente nos RAs desde então. A partir de 1995, ocorreu um deslocamento do eixo
temático com redução à ênfase em Mercado e concentração em Responsabilidade Social, Resultado e Concorrência. Comparando a análise descritiva das Figuras 1, 2 e 3, nota-se que, também após 1995,
mais especificamente no ano de 1999, começaram a ser utilizados elementos retóricos pathos e, além
disso, ocorreu aumento quantitativo de partes dos textos dos RAs, com utilização de todos os elementos retóricos desde então.
As mudanças temáticas e de uso de elementos retóricos observadas tendo como pano de fundo a
evolução do ambiente legal. Primeiramente, foi sancionada a Portaria n.º 477 (1995), que recomenda às
5%
6%
6%
6%
13%
15%
16%
33%
Tecnologia
Investimento
movimentos anti-tabagistas
Tributo
Concorrência desleal
Resultado
mercado
Responsabilidade Social e Ambiental
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emissoras de televisão a restrição de conteúdos televisivos que favoreçam o hábito de fumar. Esse foi o
primeiro passo para a restrição das estratégias de marketing das indústrias de cigarros. Além disso, a Lei
n.º 9.782 (1999) definiu a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) como responsável pela regulamentação de produtos fumígenos, fato que potencializou o surgimento de peças regulatórias que
afetaram o setor de forma rigorosa. Depreende-se, assim, com base em Hoffman (1999), que os
legisladores utilizaram-se do canal jurídico para buscar desinstitucionalizar o hábito tabagista. Desse
modo, a partir de 1995, indo de encontro ao enunciado teoricamente, a empresa Souza Cruz S/A utilizou estratégias retóricas buscando bloquear essas transformações e manter sua legitimidade. Isto é, a
empresa modificou os conteúdos dos seus argumentos informacionais como forma de iniciar a defesa
do seu ponto de vista.
Assim, a observação primária dos RAs da Souza Cruz S/A leva a análise a ser dividida em dois
períodos: o primeiro, entre 1986 a 1994, intitulado como a ênfase no argumento mercado, e o segundo período, entre 1995 a 2012, como resposta ao antitabagismo.
Ênfase no argumento mercado – 1986 a 1994
A análise dos RAs da empresa Souza Cruz S/A aponta que o ambiente macroeconômico
brasileiro, entre 1980 e 1990, caracterizado por elevados índices de inflação e pelos decorrentes planos
econômicos de controle à inflação, influenciou fortemente sua estratégia retórica, que teve como
principal argumento retórico o Mercado. Denota-se como principal afirmação defendida pela empresa no período a de que ela era uma empresa economicamente eficiente e capaz de superar as adversidades
do desfavorável cenário econômico brasileiro. O seguinte excerto de seu RA referente a 1986
exemplifica essa afirmação:
Com a introdução do Plano Cruzado em 28 de fevereiro, os preços ficaram congelados em níveis perto de 95% abaixo dos seus custos reais, visto que estes haviam sofrido os efeitos da elevada
inflação dos meses de janeiro e fevereiro. Esta situação perdurou até 16 de setembro, data em que o IPI foi reduzido de 54,64% para 50%, esta redução foi equivalente a um aumento, para a
indústria, de 27,5%, sem, contudo, afetar o consumidor. Em função desses fatores, a
Companhia foi obrigada a tomar uma série de providências para fazer face à redução de rentabilidade do setor de cigarros: a suspensão, a partir de agosto, de toda a propaganda; a
retirada do mercado de diversas marcas de baixo volume de contribuição; a reorganização da
distribuição e a racionalização dos estoques de matérias-primas. Embora algumas dessas
medidas tenham implicado certos riscos, foi possível administrar a Empresa durante esse período sem que tivessem sido comprometidas suas funções básicas (Souza Cruz S/A, 1987,
p. 13, grifo nosso).
O discurso retórico centrado na capacidade de vencer as adversidades ainda continuou sendo observado até a década de 1990, como ressalta o seguinte trecho do RA referente a 1991: “A participação
da Souza Cruz no mercado total foi de 83,7%, superior em 1,8 pontos percentuais em relação de 1990, refletindo uma presença crescente mesmo em um mercado conjunturalmente em queda” (Souza Cruz
S/A, 1992, p. 9). Deste modo, observa-se que os elementos retóricos ethos e logos foram utilizados com
maior ênfase durante o período, evidenciando, de acordo com Green (2004), o uso de estratégia retórica
voltada para a manutenção da legitimidade e busca de apoio para iniciar mudança no ambiente de negócios organizacional.
Em resumo, o cenário exposto evidencia que, da década de 1980 a 1994, a inflação se apresentou como um dos maiores desafios para a empresa Souza Cruz S/A. As estratégias discursivas realizadas
pela empresa nos RAs buscaram demonstrar a qualidade ética e de eficiência da empresa apesar do
cenário macroeconômico encontrado.
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Resposta às leis antitabagistas – 1995 a 2012
Conforme descrito anteriormente, entre 1995 e 2012, as leis passaram a exercer maior impacto
no setor tabagista, especialmente a partir da criação da ANVISA. Destaca-se que, entre 2000 e 2005, foi
criado um conjunto de regras direcionadas para as operações de marketing, produção e de vendas da indústria do tabaco, que objetiva cercear o consumo deste produto. Com relação às estratégias de
marketing, a principal peça regulatória é a Lei nº 10.167 (2000), que proibiu a veiculação de comerciais
de produtos derivados de tabaco. No ano subsequente, as empresas também foram obrigadas a divulgar,
além das advertências sobre os males do fumo, imagens ilustrando tais consequências. O processo de produção da indústria do tabaco também foi influenciado pela ANVISA, como observado pela
determinação de quantidades máximas de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono contidas no cigarro
por meio da Resolução - RDC n° 46 (2001). A temática relacionada a vendas de cigarro foi afetada pela Resolução - RDC n° 15 (2003), emitida pela mesma agência, que proíbe a negociação do tabaco e seus
derivados por meio da Internet. Em 2011, foi sancionada a Lei Federal nº 12.546, que criou ambientes
de uso coletivo livres de produtos fumígenos, restringindo assim os ambientes de consumo do tabaco.
Esse contexto demonstra que, apesar do cigarro ser lícito no Brasil, a legislação para o desincentivo desse hábito foi crescente, em quantidade e rigor. Com isso, evidencia-se que a atividade
das empresas do setor passou a ser questionada, isto é, a empresa passou a perder a legitimidade cognitiva, descrita por Suchman (1995) como o nível mais profundo de legitimidade.
No período entre 1995 e 2012, foram identificados diferentes eixos temáticos dispostos concomitantemente ao longo do tempo, especialmente sobre os temas Responsabilidade Social e
Ambiental, Resultado e Concorrência Desleal, compondo um conjunto de argumentações em resposta
ao antitabagismo. Desse modo, para compreender a evolução desses itens dispostos nos fragmentos dos RAs da Souza Cruz S/A, a análise deu início por meio da interpretação dos seus conteúdos latentes.
Com isso, no período de 1995 a 2012, foi possível notar que os argumentos que sustentam a
resposta da Souza Cruz S/A ao antitabagismo se assentam em torno de três afirmações: (a) fumar é uma escolha racional adulta; (b) a regulação restringe apenas empresas formais, que geram resultados
positivos para toda a sociedade, e favorece o comércio ilegal de cigarros, que gera malefícios para esta;
(c) as atividades da empresa geram benefícios para a sociedade como um todo e para os indivíduos. A construção desses argumentos ao longo do tempo é apresentada a seguir.
Afirmação (a): fumar é uma escolha racional adulta
Para expressar a perspectiva dessa afirmação, a empresa formou argumentos tendo a categoria
temática Movimento Antitabagista como eixo principal para sustentar esse argumento entre 1995 e 2002,
prevalecendo o elemento retórico logos; entre 2004 e 2012, a temática foi deslocada para
Responsabilidade Social e Ambiental e, paralelamente, os elementos retóricos ethos e pathos foram utilizados com maior frequência, como evidenciado na Tabela 3.
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Tabela 3
Conteúdos Temáticos e Elementos Retóricos que Formaram a Afirmação A, com Base nos
Relatórios da Administração da Souza Cruz S/A (1995-2012)
Ano Temas Elementos Retóricos
Movimento
Antitabagista
Responsabilidade Social e Ambiental
Tecnologia Logos Ethos Pathos
1995
1996
1998
1999
2000
2001
2002
2004
2006
2007
2009
2010
2012
Nota. Fonte: Elaborada pelos autores.
Os argumentos que sustentam a afirmação da Souza Cruz S/A iniciam com a primeira menção
sobre o tema Movimento Antitabagista verificada no RA referente a 1995, quando a empresa relata que:
A Souza Cruz adotou novo posicionamento frente aos movimentos antitabagistas, com o
objetivo de melhor esclarecer a opinião pública e defender os direitos dos consumidores de
seus produtos. Dentro deste novo enfoque, foi ampliada a participação da Companhia no debate de questões controversas, assim como foram desenvolvidas campanhas de mídia, dentre as quais
se destaca a da “convivência, a menor distância entre dois pontos de vista”, divulgada nos
principais veículos, de comunicação a nível nacional (Souza Cruz S/A, 1996, p. A9, grifo nosso).
O trecho grifado revela postura de defesa dos interesses dos consumidores e dos produtos
ofertados pela empresa. Desse modo, a justificativa da Souza Cruz S/A exemplificada enquadra-se ao elemento retórico logos, pois, à luz de Green et al. (2008) e Higgins e Walker (2012), nota-se a busca
em transmitir preocupação e capacidade em atender os interesses individuais. No RA referente a 1996,
além de manter a posição mencionada, ela ressalta a liberdade de escolha exercida pelo consumidor:
Ainda em 1996, a Souza Cruz iniciou a divulgação, de forma pioneira na América Latina, dos teores de alcatrão e nicotina de seus cigarros, tanto na embalagem como na publicidade de suas
marcas, objetivando oferecer cada vez mais informações ao consumidor, aprimorando o
exercício de sua liberdade de escolha (Souza Cruz S/A, 1997, p. A7, grifo nosso).
A empresa salienta que o consumidor, dotado de capacidade de escolha, precisa de informação para decidir entre consumir ou não o produto. Assim, a Souza Cruz S/A apresenta-se como uma
organização que auxilia os consumidores a alcançarem o seu bem estar, por meio da defesa de seus
direitos. Essa forma de aceitação social é definida por Suchman (1995) como legitimidade pragmática.
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A temática Responsabilidade Social e Ambiental foi o argumento empregado com maior frequência após 2004 para sustentar a posição defendida pela empresa. Essa temática adentra a discussão
a partir da evidenciação de encontro promovido para estabelecer diálogo com a sociedade, como apresentado no RA do referido ano:
Em 2004, a Souza Cruz publicou seu Relatório Social Corporativo 2003/04, dando
continuidade ao seu processo de diálogo com os principais segmentos da sociedade brasileira
que afetam direta ou indiretamente os seus negócios. O Relatório segue o mais rigoroso padrão
ético – a norma internacional AA 1000, que regula o desempenho social das organizações. Na
preparação deste segundo relatório, participaram 38 representantes de entidades
governamentais e não governamentais, da comunidade médica e científica, de entidades de
classe, de investidores, de produtores de fumo, legisladores. Os temas que mais se destacaram
nestas discussões foram o do acesso de menores de 18 anos aos produtos de tabaco e o de
riscos e informações aos consumidores. Respondendo às expectativas legítimas dos
participantes, a Souza Cruz se comprometeu com uma série de atividades e ações que estão
sendo desenvolvidas por diferentes áreas da companhia. O Relatório foi acompanhado pelo
Bureau Veritas Quality International (BVQI), entidade especialmente contratada para verificar a conformidade do processo à norma AA 1000 (Souza Cruz S/A, 2004, p. 4, grifo nosso).
O texto acima sugere que, na ocasião, a empresa iniciou um processo de reconhecimento das demandas do seu público, destacando as expectativas dos participantes como legítimas, com isso,
caracterizando o uso de técnica retórica para aproximar o leitor da empresa. Observa-se que os temas
abordados, implicitamente, favorecem a posição da empresa com relação ao consumo adulto de cigarros e à necessidade de informação aos consumidores sobre os riscos desse produto, denotando maior uso de
elementos ethos e pathos na busca por legitimidade moral e pragmática, conforme descrito por Green
(2004).
Afirmação (b): a regulação restringe apenas empresas formais que geram resultados
positivos para toda a sociedade
Os argumentos que sustentam essa afirmação foram paulatinamente construídos com base no
tema Concorrência Desleal, que abrange o impacto negativo do mercado ilegal de cigarros para a
economia brasileira e para a saúde dos consumidores. Em 1999, a empresa demonstrou em seu RA a
preocupação em auferir maior credibilidade ao seu argumento por meio da contratação de instituto para o fornecimento de informações estatísticas sobre a participação do mercado informal dos cigarros:
A partir do ano 2000, a Empresa aprimorará a sua sistemática de apuração de participação no mercado, utilizando Instituto especializado para conferir maior precisão estatística, tendo em vista
as mudanças ocorridas neste mercado e em especial o crescimento da informalidade (Souza Cruz
S/A, 1999, p. 4).
Inicialmente a retórica que envolveu a argumentação da Souza Cruz S/A teve base no elemento retórico logos, voltada para justificar questões relacionadas aos resultados financeiros gerados pela
companhia; porém, a partir de 2000, os apelos pathos passaram a prevalecer na discussão e outras temáticas foram conectadas ao eixo central deste debate. A Tabela 4 ilustra a relação entre o foco
temático e o elemento retórico predominante ao longo do tempo.
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Tabela 4
Conteúdos Temáticos e Elementos Retóricos que Formaram a Afirmação B, com Base nos
Relatórios da Administração da Souza Cruz S/A (1995-2012)
Ano Temas Elementos Retóricos
Concorrência
Desleal
Movimentos
antitabagistas
Resultado Mercado Tributo Responsabilidade
Social e Ambiental
Logos Pathos Ethos
1994
1995
1996
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Nota. Fonte: Elaborada pelos autores.
A partir do ano 2000, além de maior acurácia estatística ao tema Concorrência Desleal, foram
incorporadas aos textos observações sobre o impacto do mercado ilegal de cigarros, como demonstra o excerto retirado do RA do referido ano:
O crescimento do mercado ilegal continua prejudicando a evolução dos negócios da Companhia. Estima-se que, do consumo total de cigarros no Brasil, cerca de 35% são produtos
comercializados ilegalmente. Além de provocar os negativos efeitos sobre a sociedade
ocasionados pela não arrecadação de aproximadamente R$ 1,3 bilhão de impostos, amplia-se, também, o consumo de produtos fabricados fora do controle estabelecido pelas autoridades, em
especial a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), recentemente criada (Souza Cruz
S/A, 2000, p. 1).
A empresa destaca o impacto negativo do mercado ilegal para a sociedade e para os interesses da companhia. Observa-se a incorporação em seu discurso de uma crítica velada ao Estado ao afirmar que
esse não consegue controlar uma parte do mercado do tabaco. Os argumentos sobre malefícios da ilegalidade no comércio dos cigarros são reforçados nos RAs subsequentes, sendo expressos valores
nominais deixados de serem arrecadados pelo Estado devido ao não recolhimento de tributos e descritos
os riscos à saúde do consumidor que faz uso de produtos ilegais. A empresa se coloca, a partir de então, como defensora da sociedade, atuante na mobilização contra os males causados por esse mercado e apela
por apoio das autoridades competentes para alcançar tal objetivo.
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Desse modo, observa-se a utilização do argumento elaborado a partir 1995 como forma de responder a diversos contextos, e o uso do elemento pathos denota, conforme descrito por Green (2004),
a busca por iniciar mudança. Isso sugere que a temática Concorrência Desleal mostrou-se como o argumento discursivo de maior força para enfrentar os debates antitabagistas e buscar reverter o cenário
de alta pressão regulatória que gradativamente foi construído.
Da mesma forma, a Souza Cruz S/A utilizou o argumento pathos como forma de sensibilizar as partes interessadas em seu negócio que o hábito de fumar existe independentemente da companhia.
Destarte, as ações que prejudicam a empresa não elevam o bem-estar, mas, justamente ao contrário,
prejudicam-no. Nesse ponto, a empresa começa a argumentar sobre sua capacidade de gerar benefícios à sociedade.
Afirmação (c): as atividades da empresa geram benefícios para a sociedade como um todo e
para os indivíduos
A descrição de que uma organização atende ao valor esperado pelos indivíduos está fortemente
relacionada com a característica logos do discurso que permeia a estratégia retórica, enquanto a categoria ethos remete aos benefícios gerados à sociedade como um todo e, desse modo, favorece a credibilidade
do emissor da mensagem que constitui uma característica fundamental para o sucesso da persuasão.
Assim, desde 1996, a empresa vem destacando essas características, como ilustrado na Tabela 5.
Tabela 5
Conteúdos Temáticos e Elementos Retóricos que Formaram a Afirmação C, com Base nos
Relatórios da Administração da Souza Cruz S/A (1995-2012)
Ano Temas Estratégia Retórica
Investimento Mercado Responsabilidade Social
e Ambiental
Resultado Tecnologia Tributo Logos Pathos Ethos
1995
1996
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Nota. Fonte: Elaborada pelos autores.
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A categoria temática mais representativa, conforme se observa por meio da Tabela 5, foi a Responsabilidade Social e Ambiental, o que denota a busca da empresa em demonstrar por meio dos
RAs sua capacidade de gerar benefícios à sociedade.
Em 2000, a empresa criou o Instituto Souza Cruz com a justificativa de melhorar a qualidade das
suas práticas sociais empreendidas; em 2007, divulgou em seu RA que o Instituto consolida “sua
imagem como ator relevante nos processos de desenvolvimento sustentável dos territórios rurais brasileiros, através do estímulo de experiências educativas voltadas ao protagonismo e ao
empreendedorismo juvenil no campo” (Souza Cruz S/A, 2007, p. 12).
Na sequência, o foco no tema Resultado está relacionado, na maior parte dos RAs da Souza Cruz S/A, à capacidade da empresa em atender as expectativas das partes interessadas no seu negócio. Nessa
abordagem, prevalece a lógica da eficiência, voltada para as características técnicas da organização. Nesse sentido, a Souza Cruz S/A destaca sua relação com acionistas em diversas passagens do RA do
ano de 2004, como no seguinte exemplo: “Estamos interessados, principalmente, em agregar valores
para os acionistas em longo prazo, buscando compreender e considerar as necessidades de todos os
segmentos com os quais nos relacionamos” (Souza Cruz S/A, 2004, p. 5).
Assim, nota-se sua preocupação em manter uma imagem positiva de suas atividades por meio de
ações sociais estratégicas, também exploradas de forma discursivas nos RAs. Outras questões importantes, a produtividade e a lucratividade, foram destacadas como obtidas da maneira que a
sociedade compreende como correta. Portanto, as estratégias ethos e logos foram utilizadas
constantemente para evidenciar, por meio da lógica e da credibilidade empresarial, que as atividades da empresa são positivas para a sociedade.
A intensificação do uso dos três elementos retóricos (ethos, logos e pathos) denota a intenção
organizacional de recuperar a legitimidade taken-for-grantedness, que, segundo Suchman (1995), é alcançada quando as esferas da legitimidade moral, pragmática e cognitiva são conquistadas. Porém,
conforme salientado no quadro de análise teórico, apesar da legitimidade ser um recurso organizacional
e haver a possibilidade de a organização interferir nesse processo por meio de diversas estratégias, os resultados nem sempre são aqueles projetados inicialmente.
Conclusões
A análise dos RAs por meio da retórica demonstrou que as mudanças institucionais afetaram a
forma de utilização dos relatórios pela empresa Souza Cruz S/A, tanto no que se refere à temática
inserida no conteúdo dos relatórios quanto à estratégia retórica utilizada, corroborando as afirmações de
Hoffman (1999) e Scott (2008) sobre a inclinação das organizações adotarem estratégias de legitimidade em momentos de mudanças provocadas por nova regulamentação.
Quando as mudanças institucionais do campo eram nascentes, o RA apresentava temas em torno da lógica econômica e prevalecia a escrita técnica, focada para informar a posição econômica da
empresa. A retórica estava presente como forma de valorizar a imagem da empresa junto aos acionistas
e de apelar ao Estado por melhoras na estrutura macroeconômica para que a eficácia da empresa fosse
ainda maior. O elemento retórico ethos foi utilizado fortemente pela Souza Cruz S/A, evidenciando, conforme os estudos de Green (2004) e Suchman (1995), a busca por manter a legitimidade moral já
conquistada perante a sociedade.
As mudanças ocorridas do campo institucional organizacional, sobretudo devido à crescente legislação para o desincentivo do hábito tabagista, desencadearam o questionamento sobre as atividades
das empresas do setor, isto é, a empresa passou a perder a legitimidade cognitiva, descrita por Suchman (1995), como o nível mais profundo de legitimidade.
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Desse modo, observou-se que o RA foi utilizado como ferramenta de estratégia discursiva, pela qual foram defendidas as seguintes afirmações: (a) fumar é uma escolha adulta e racional; (b) a regulação
afeta os resultados apenas de empresas que geram benéfico para sociedade enquanto o mercado ilegal de cigarro é favorecido; e, por fim, (c) coloca-se como empresa que gera benefícios à sociedade. Essa
mudança pode ser interpretada, à luz de Burke (1966), como os argumentos organizacionais necessários
para defender a perspectiva da realidade do comunicador da mensagem.
Para defender esses argumentos, a empresa passou a utilizar de forma diferenciada os elementos retóricos, por meio de apelos à emoção (pathos). No mesmo período, foi dado maior foco para os
elementos ethos e logos, enfocando as temáticas em torno dos debates explicitados por meio das mudanças institucionais no campo. Assim, por meio dos RAs, foi possível observar o esforço da
organização em bloquear as mudanças institucionais que se acenavam e, ao mesmo tempo, adaptar-se
às mudanças que não puderam ser detidas. Assim, a intensificação do uso dos três elementos retóricos (ethos, logos e pathos) denota a estratégia da empresa Souza Cruz S/A para recuperar a legitimidade
taken-for-grantednes, alcançada quando as esferas da legitimidade moral, pragmática e cognitiva são
conquistadas (Suchman, 1995).
Diante do exposto, este estudo corrobora as conclusões das pesquisas de Lindblom (1994), Lightstone e Driscoll (2008), Archel et al. (2009), Fank e Beuren (2010), Beuren et al. (2011) e Beuren
et al. (2013), que confirmaram o uso dos RAs como estratégia orientada para alcançar legitimidade organizacional. Além disso, os achados desta pesquisa permitem avançar na reflexão sobre o papel da
contabilidade enquanto ciência social, já que as práticas contábeis se transformam de acordo com as
mudanças sociais.
A presente pesquisa também apresentou novas perspectivas que colaboram para o avanço
metodológico e teórico dos estudos organizacionais, uma vez que evidenciou os relatórios contábeis
como possíveis fontes de dados para compreensão do comportamento organizacional, destacando sua capacidade de revelar mais que informações puramente técnicas. Ademais, a inserção dos conceitos
teóricos de retórica em análise de conteúdos organizacional oportuniza uma nova abordagem de
pesquisa para esse campo do conhecimento.
Os resultados apresentados revelam limitações, sendo a principal delas decorrente da natureza da
análise qualitativa que está sujeita à subjetividade de interpretação do pesquisador. No entanto, a utilização da teoria como direcionador das análises e do roteiro metodológico estabelecido resguarda a
validade dos achados apresentados. Destaca-se também que os resultados desta análise estão restritos
ao RA, pois, apesar de serem inúmeros os canais de comunicação possíveis para utilização de estratégias
discursivas, o recorte analítico deste trabalho foi conduzido para essa fonte de dados.
Por fim, ao longo da realização desta investigação, perceberam-se as seguintes oportunidades de
pesquisas: estudos que aprofundem a discussão em torno da construção do campo institucional da indústria do tabaco, ampliando a fonte de pesquisa para além da análise documental; avaliações dos
impactos das mudanças institucionais por meio da Teoria Institucional Econômica, observando os
impactos nos custos de transação causados pela mudança institucionais, uma vez que há indícios de que a estrutura de governança da empresa Souza Cruz S/A sofreu transformações importantes durante o
período analisado e o presente estudo para outros setores econômicos, para comparação de resultados e
confirmação do uso de relatórios de administração como possibilidade de estratégia discursiva.
Agradecimentos
Os autores agradecem o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por apoiarem a pesquisa referente a Chamada MCTI/CNPq/MEC/Capes n. 07/2011.
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Dados dos Autores
Susana Cipriano Dias Raffaelli Av. Prefeito Lothário Meissner, 632, 83408-330, Curitiba, PR, Brasil. E-mail: [email protected] Paulo Mello Garcias
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