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volume 11 • número 2 • dezembro 2011 VOLUME 11 Número 2 Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização e gestão da inovação da Nokia Corporation no Brasil durante 2002 a 2012 Rodrigo Bahia Viana Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World: uma comparação entre brasileiros e norte-americanos Franklin de Souza Meirelles O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada Governança corporativa na gestão de empresas: estudo de caso do Magazine Luiza Marcela Lobato Bonisen e Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica Fernando Amaral de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia Rodrigues da Silva

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ESTRATÉGICAVOLUME 11 – NÚMERO 2

volume 11 • número 2 • dezembro 2011

Volume 11

Número 2

Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de

internacionalização e gestão da inovação da Nokia Corporation no Brasil durante

2002 a 2012Rodrigo Bahia Viana

Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço

na Disney World: uma comparação entre brasileiros e norte-americanos

Franklin de Souza Meirelles

O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada

Governança corporativa na gestão de empresas: estudo de caso do Magazine Luiza Marcela Lobato Bonisen e Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos

Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise críticaFernando Amaral de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia Rodrigues da Silva

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FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO

DiretorProf. Dr. Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos

ESTRATÉGICARevista da Faculdade de Administração FAAP e do FAAP-MBA

DIRETORIA EXECUTIVA

Diretor-PresidenteDr. Antonio Bias Bueno Guillon

Diretor-TesoureiroDr. Américo Fialdini Jr.

Diretor CulturalProf. Victor Mirshawka

ASSESSORES DA DIRETORIA

Área Administrativa e FinanceiraDr. Sérgio Roberto de Figueiredo Santos e Marchese

Área AcadêmicaProf. Rogério Massaro Suriani

EditorTharcisio Bierrenbach de Souza Santos

Editor AssociadoArmando Terribili Filho

Arte / Editoração EletrônicaAgência FAAP

PeriocidadeSemestral

Publicação

As correspondências, inclusive originais de artigos, devem ser endereçadas à

Revista EstratégicaRua Alagoas, 903 – Prédio 5 – 3º andarHigienópolis – São Paulo/SPCEP: 01242-902

ou pelo e-mail: [email protected]

www.faap.br

CONSELHO DE CURADORES

PresidenteSra. Celita Procopio de Carvalho

IntegrantesDr. Benjamin Augusto Baracchini Bueno

Dr. Octávio Plínio Botelho do AmaralDr. José Antonio de Seixas Pereira Neto

Sra. Maria Christina Farah Nassif FioravantiEmbaixador Paulo Tarso Flecha de Lima

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volume 11 / número 2/ dezembro de 2011ISSN 1519-4426

Rua Alagoas, 903 - HigienópolisSão Paulo, SP - Brasil

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Estratégica/ Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado.Vol. 11, n. 2 (2011) - São Paulo: FA-FAAP, 2011

Semestral1. Administração – Periódicos. I. Fundação Armando Alvares Penteado. Faculdade de Administração.

ISSN 1519-4426

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Prof. Dr. Alexandre Augusto Massote – FAAP

Prof. Dr. Angelo Palmisano – Faculdades Metropolitanas Unidas

Prof. Dr. Armando Terribili Filho – FAAP

Profa. Dra. Eloisa Helena de Souza Cabral – FAAP

Prof. Emerson Piovezan – FAAP

Prof. Msc. João Carlos Néto – SENAC São Paulo

Prof. MSc. Jorge Marinho de Araújo – FAAP

Prof. MSc. Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva – FAAP

Prof. MSc. Marcelo Lampkowski – Instituição Toledo de Ensino

Prof. MSc. Marcelo Rodrigues dos Anjos – Universidade Federal do Amazonas

Prof. MSc. Marco Aurélio Xavier Soares de Mello – FAAP

Profa. MSc. Marina Lindenberg Lima – FAAP

Profa. Dra. Noêmia Lazzareschi – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –Faculdade de Ciências Sociais

Profa. Dra. Raquel da Silva Pereira – Universidade Municipal de São Caetano do Sul

Profa. Dra. Suzana Bierrenbach de Souza Santos – FAAP

Prof. Dr. Sérgio Bairon – Universidade de São Paulo – Escola de Comunicações e Artes

Prof. Dr. Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos – FAAP

Prof. Dr. Walter Gomes da Cunha Filho – FAAP

Conselho Editorial

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volume 11 / número 2/ dezembro de 2011

Sumário

Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização e gestão da inovação da Nokia Corporation no Brasil durante 2002 a 2012Rodrigo Bahia Viana

11

Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World: uma comparação entre brasileiros e norte-americanos Franklin de Souza Meirelles

27

O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada

49

Governança corporativa na gestão de empresas: estudo de caso do Magazine Luiza Marcela Lobato Bonisen e Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos

69

Editorial 9

Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise críticaFernando Amaral de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia Rodrigues da Silva

85

Orientações para os autores 117

Orientações para a elaboração de artigos científicos 119

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9

Nesta edição apresentamos cinco artigos que abordam temas relevantes da administração e afins, com destaque para alguns estudos de casos quanto à estratégia de internacionalização e de governança corporativa, prestação de serviços, sustentabilidade e compliance, além de dis-cutir questões da administração pública na área de energia elétrica.

Iniciamos com o artigo “Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização e gestão da inovação da Nokia Corporation no Brasil no perí-odo de 2002 a 2012”, por meio do qual, Rodrigo Bahia Viana apresenta a estratégica da Nokia Brasil nos últimos dez anos, avaliando seu posicionamento mercadológico, a consolidação de capacidades locais e as ações recentes para recuperar o market share da empresa no mercado de smartphones.

Em seguida, o artigo “Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World: uma comparação entre brasileiros e norte-americanos” de Franklin de Souza Meirelles, que é produto de uma monografia de ex-aluno de pós-graduação da FAAP São Paulo, teve por base pesquisa de campo com 45 brasileiros e 28 norte-americanos que já vi-sitaram a Disney World. O autor discute os diferentes aspectos culturais, evidenciando por meio de pesquisa de opinião como são distintas as percepções do mesmo serviço.

O artigo de Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, intitulado “O desenvolvimen-to sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras”, discute a corresponsabi-lidade das instituições financeiras quando uma empresa comete infrações socioambientais utilizando recursos tomados em um banco, e que a integração com a área de compliance pode mitigador riscos.

“Governança corporativa na gestão de empresas: estudo de caso do Magazine Luiza” de Marcela Lobato Bonisen e Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, é um produto de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do curso de graduação em Administração da FAAP. O artigo aborda o processo de abertura de capital desta importante organização da área de va-rejo, mostrando as etapas para a primeira oferta de ações, as mudanças necessárias para que ela pudesse ocorrer, a situação atual e estratégias da companhia após a primeira oferta pública.

Fernando Amaral de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia Rodrigues da Silva, autores do ar-tigo “Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica”, debatem a quarta onda de reformas institucionais no setor elétrico dos últimos 20 anos, sobretudo quanto às novas regras associadas à renovação das concessões de hidroelétricas, linhas de transmissão e empresas de distribuição, efetuando uma avaliação dos prováveis impactos de curto e longo prazos.

Boa leitura!

Prof. Dr. Tharcisio Bierrenbach de Souza SantosDiretor da Faculdade de Administração da FAAPEditor da Revista Estratégica

Prof. Dr. Armando Terribili FilhoEditor Associado da Revista Estratégica

Editorial

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1111Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. 11-26

Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de

internacionalização e gestão da inovação da Nokia Corporation no Brasil no

período de 2002 a 2012

Rodrigo Bahia Viana*

* Engenheiro eletrônico pela UFMG, mestrando em Administração na PUC-SP, especialista em Gestão da Inovação pela UCLA Berkeley e Gerente de Sistemas (Mobility Group) da Juniper Networks Brasil. E-mail: [email protected].

Resumo: A proposta deste trabalho visa explorar a estratégica da Nokia Brasil du-rante o decênio de 2002 a 2012, avaliando aspectos como evolução do seu posicio-namento mercadológico, o processo de consolidação de capacidades locais e as ações recentes para recuperar o market share da empresa no mercado de smar-tphones (um importante mercado e cuja liderança foi perdida nos últimos anos para outros fabricantes). Utilizando-se a classificação de Mintzberg, Ahlstrand e Lampel, analisa-se como as iniciativas da empresa se enquadrariam frente às dife-rentes escolas estratégicas descritas por estes autores. Finalmente em relação ao processo de desenvolvimento de com-petências locais, entende-se que existam várias abordagens possíveis, sendo que algumas empresas optariam por um mo-delo em que há maior centralização do conhecimento tecnológico na matriz e realizar apenas pequenas adaptações lo-cais nos produtos, ao contrário de outras, que realmente procurariam agregar ca-racterísticas inovadoras aos produtos es-pecificamente desenhadas para atingir as necessidades dos mercados emergentes. Ao avaliar estes aspectos durante o perío-do, nota-se uma crescente independência tecnológica da matriz e a consolidação do

departamento de P&D da Nokia Brasil (o Instituto Nokia de Tecnologia). Por outro lado, ao se analisar a evolução estratégica do ponto de vista mercadológico e das capacidades dinâmicas, observa-se um movimento de reposicionamento peri-ódico, derivado do fato da empresa en-frentar constantes desafios competitivos e tecnológicos no mercado em que atua.

Palavras-chave: Gestão da Inovação. Es-tratégia. Internacionalização.

Abstract: The purpose of this study aims to explore the strategy of Nokia Brazil during the period from 2002 to 2012, as-sessing issues such as the evolution of its market position, the consolidation of local capacities and the recent actions to re-cover the company’s market share in the smartphone market (an important market and whose leadership has been lost in re-cent years to other manufacturers). Using the classification of Mintzberg, Ahlstrand and Lampel it s analyzed if the company’s initiatives would fit against various schools strategic described by these authors. Fi-nally in relation to the process of develop-ing local expertise, it s understood that there are several possible approaches and some companies would opt for a model

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Introdução

Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010) apresentam as inúmeras correntes e aborda-gens da literatura de estratégia empresarial e fazem uma tentativa de agrupá-las dentro de diversas “escolas estratégicas”. Assim, segundo estes autores, uma abordagem es-tratégica focada na obtenção do melhor posicionamento mercadológico em um am-biente altamente competitivo seria característica da “Escola de Posicionamento” e teria como foco a análise detalhada do ambiente competitivo no estilo da literatura origina-da por Porter (1989).

Já uma estratégia gradualista baseada na aquisição de conhecimentos sobre os me-lhores processos de produção e logísticos, ao mesmo tempo utilizando a inovação tec-nológica de forma incremental, seria classificada por estes autores como pertencente à “Escola de Aprendizado”. Esta visão estratégica estaria de acordo com as afirmações de Prahalad e Hamel (1990) de que as empresas teriam que evoluir conscientemente para formalizar e alavancar o processo de aquisição e geração de conhecimentos. Ainda se-gundo estes autores, mais do que o posicionamento frente aos competidores (pelo pre-ço ou valor percebido nos produtos e serviços), o que distinguiria as empresas seriam suas competências centrais e o conhecimento interno adquirido ao longo do tempo (um ativo “invisível” para os clientes, mas altamente importante para a sobrevivência da empresa). Estas ideias, segundo Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010), também deriva-riam de Hiroyuki Itami, um dos pioneiros a afirmar que a essência da estratégia consiste na adequação estratégica dinâmica, em que ativos “invisíveis” relacionados ao know how tecnológico e o conhecimento mercadológico seriam os grandes diferenciais da empresa no processo de reposicionamento.

Por outro lado, Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010) afirmam que se a estratégia deriva de um processo de mudança radical capitaneado por uma liderança forte e ca-rismática, esta estratégia poderia ser classificada como parte da “Escola Empreendedo-ra”, fortemente personalista, em que um líder empenhado em mudar a organização é essencial para a execução das mudanças planejadas, para o surgimento de inovações tecnológicas e para o lançamento de novos produtos no mercado.

in which there is greater centralization of technological knowledge in the matrix and make only small adjustments in local products, unlike others, who really seek to add innovative features to products specifically designed to meet the needs of emerging markets. In evaluating these aspects during the period, it s noted that there is a growing array of technological independence and the consolidation of the Nokia Brazil s R&D department (Nokia

Technology Institute). Moreover, when analyzing the evolution of strategic mar-keting point of view and dynamic capa-bilities, there is a movement to reposition periodical, derived from the fact the com-pany facing constant competitive chal-lenges and technological market in which it operates.

Keywords: Innovation Management. Strategy. Internationalization..

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Contudo, analisar o caso de uma empresa real (sobretudo as empresas globais) atra-vés das escolas estratégicas descritas por estes autores revela-se na prática como algo bastante difícil. O fato é que uma empresa global utiliza-se muitas vezes de diferentes abordagens estratégicas simultâneas, confirme Mintzberg (2009). Desta forma, é relati-vamente comum uma empresa buscar o melhor posicionamento mercadológico e ao mesmo tempo possuir uma ênfase profunda na aquisição de conhecimentos merca-dológicos e na gestão da inovação (assim utilizando elementos de escolas estratégicas distintas, como a de Posicionamento e a de Aprendizado).

Para Mintzberg (2009), a estratégia “real” muitas vezes apresenta-se como uma espé-cie de processo de transformação, permitindo a possibilidade, viabilidade ou mesmo a necessidade de que as organizações adotem a perspectiva de uma ou outra escola es-tratégica, conforme as circunstâncias e como se apresenta o seu contexto em dado mo-mento. Ainda segundo este autor, é patente em toda a literatura afim esta necessidade de transformação ou mudança organizacional como meio de garantir a sobrevivência e/ou o desenvolvimento das organizações, dado que o ambiente em que se inserem está em permanente evolução.

1 A trajetória da Nokia

1.1 A consolidação como empresa global

A Nokia é uma empresa de origem finlandesa, criada em 1865, quando o engenheiro de mineração Fredrik Idestam fundou uma fábrica de celulose na cidade de Tampere, no sudoeste da Finlândia. Esta fábrica seria transferida em 1867 para o município vizinho de Nokia e batizada como Nokia Wood Mills, localizada às margens do Rio Nokianvir-ta. Em 1871, ele associou-se ao seu amigo Leo Mechelin, transformando a empresa em sociedade anônima. Pouco mais de duas décadas depois, em 1898, a empresa expan-diu sua atuação com investimentos em borracha ao associar-se com a Finnish Rubber Works Ltd. O primeiro produto fabricado como resultado dessa associação foi uma bota de borracha (MARTTI, 2002).

Apenas com a chegada do século XX, a empresa deu uma guinada em direção às telecomunicações, associando-se em 1912 com a Finnish Cable Works Ltd. para produ-zir fios de cobre com camadas de borrachas impregnadas na estrutura. Esse também foi o início das atividades no segmento de eletrônica da empresa. Em 1967, depois da fusão de três empresas, surgiu a NOKIA CORPORATION, um conglomerado produtor de papel, bicicletas, pneus, botas de borracha, computadores, cabos, televisores e dezenas de outros itens. Os primeiros passos para uma grande mudança nos rumos da empresa tiveram início ainda nesta década, com o surgimento do departamento de eletrônica da Nokia, que tinha como principal objetivo pesquisar rádio transmissão (MARTTI, 2002).

Até o final dos anos 1970, a empresa se manteve envolvida no setor da área de in-fraestrutura de telecomunicações, atendendo ao mercado e às Forças Armadas da Fin-

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lândia. Na década de 1980 com o início do desenvolvimento da indústria de microinfor-mática, a Nokia se dedicou, com considerável sucesso, à produção de computadores, monitores e até televisores preparados para as transmissões em alta definição, incluindo ligações por satélite. Nesta década, a tecnologia da empresa para comunicação via rá-dio foi aproveitada para o desenvolvimento de telefones sem fio.

Em 1977, o CEO Kari Kairamo (que viria a se suicidar em 1988) toma as rédeas da empresa e começa seu processo de expansão internacional com especial foco na área de tecnologia. Em 1981, seria criada na Escandinávia a primeira rede internacional para telefones móveis, que seria o embrião tecnológico das atuais redes GSM e, inicialmente, a Nokia fabricou os primeiros telefones para uso apenas em automóveis.

Nesta época seus celulares eram muito grandes e desajeitados, sendo que apenas em 1987 a Nokia apresentou um telefone verdadeiramente portátil, o Cayman 200. Cin-co anos depois, foi introduzido o Moira Cayman 900, para muitos, o primeiro telefone realmente portátil: pesava 800 gramas (considerado um grande avanço em relação aos seus antecessores) e custava o equivalente a US$ 6.150 nos dias de hoje. Foi o bastante para que o aparelho se tornasse popular entre os consumidores escandinavos que po-diam pagar por ele e exibi-lo como símbolo de status.

Em 1986 foi criado o Nokia Research Center, em Espoo, cidade vizinha a Helsinki, fundindo diversos centros de pesquisa da empresa. Neste período a empresa começa a aportar somas consideráveis em desenvolvimento de pesquisas em telecomunicações e se consolida como uma das três maiores empresas europeias de tecnologia para co-municações, ao lado da sueca Ericsson e da alemã Siemens. Nos anos seguintes, seus produtos de infraestrutura dos telefones móveis e de telecomunicações da empresa chegaram a mais de 80 países e, nos anos 1990, a Nokia já era uma das líderes mundiais em tecnologia de comunicação digital.

Em 1993 foi a Nokia quem, pela primeira vez, transmitiu uma mensagem de texto via celular através do sistema GSM e, segundo Martti (2002), a liderança global no mercado de telefones celulares viria finalmente a se consolidar em 1998, quando a empresa ven-deu cerca de 40 milhões de telefones celulares e se tornou a empresa com maior ma-rket share no mercado mundial de telefones celulares, pela primeira vez ultrapassando a norte-americana Motorola.

Nesta década, após realizar pesquisas intensivas sobre interfaces gráficas e usabilidade, a empresa começou a desenvolver celulares bastante inovadores em termos de design, que passaram ser a referência do mercado, colocando a marca no topo das preferências dos clientes de maior poder aquisitivo. Era o começo da consolidação dos smartphones (celulares contendo recursos avançados de comu-nicação e acesso à Internet).

Novos celulares contendo recursos cada vez mais avançados seriam lançados du-rante toda a década de 2000, utilizando o sistema operacional Symbian e obtiveram bastante sucesso comercial no período.

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Contudo, a empresa passou a sofrer, a partir de 2008, forte competição das norte--americanas Apple, que se mostrou uma forte entrante no mercado mundial de smar-tphones com o lançamento do iPhone, aparelho que possuía um design mais moder-no (com tela sensível ao toque e outras novidades), além de oferecer uma gama muito maior de aplicações para os usuários. Por outro lado, a Google lançou neste período o sistema operacional Android, que viria a ler licenciado para operar em dezenas de smar-tphones de fabricantes como HTC, Samsung e Motorola.

A cronologia da trajetória da Nokia pode ser resumida no Quadro 1.

Quadro 1 - Cronologia da trajetória da Nokia

A cronologia da estratégia de Focalização e Globalização1994 Listagem no NYSE.

1995 Criação do Nokia Design Center em Los Angeles; Finlândia adere à Comunidade Europeia.

1996 Nokia pede ao INSEAD que investigue o que deve ser a "multinacional da nova era".

1998 Nokia alcança a liderança mundial.

1999 Define a estratégia de "Sociedade da Informação Móvel" .

2001Torna-se a 5ª marca mundial mais valorizada, depois da Coca Cola, Microsoft, IBM e GE; as suas vendas representam 25% do PIB finlandês; a sua valorização de mercado equivale a 76% do PIB finlandês.

2009 Estabelece parceria com a Intel para lançamento de smartphones baseados na plataforma MeeGo.

2010Fracasso da parceria com a Intel. A Nokia faz nova parceria, agora com a Microsoft, para lançamento do sistema operacional Windows Phone em seus smartphones.

2010 A Apple (iOS) e a Google (Android) assumem a liderança no mercado de smartphones.

2011 A Nokia lança na Europa os novos smartphones em parceria com a Microsoft para tentar reverter a perda da liderança neste segmento.

Fonte: Autor.

1.2 A empresa em crise: a perda da liderança no mercado de smartphones em 2010

De 2007 a 2009, segundo dados da consultoria Gartner (2012), a Nokia manteve a lide-rança nas vendas de celulares em todo o mundo (considerando não apenas os smartpho-nes) com uma fatia semelhante de participação de mercado: 37,8% (2007; 435,4 milhões de unidades comercializadas), 38,6% (2008; 472,3 milhões) e 36,4% (2009; 440,9 milhões).

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Ainda segundo esta consultoria, em 2010, esta participação teve forte queda, fi-cando em 28,9%, o que correspondeu 461,3 milhões de aparelhos comercializados em todo o mundo. De 2009 a 2011, quando caiu a fatia da Nokia, as plataformas Apple (iOS) e Google (Android) cresceram mais de 500%. Com isso, o Android tor-nou-se o segundo sistema operacional mais popular entre os smartphones comer-cializados no mundo (22,7%; 67,2 milhões de aparelhos), perdendo apenas para o Symbian, da Nokia (37,6%; 111,5 milhões de unidades).

Para reagir a esta perda significativa, a parceria com a Microsoft para trazer o sistema operacional Windows Phone foi realizada em 2010 e se tornou a grande aposta da empresa para recuperar a liderança perdida no segmento dos smar-tphones. Ambas as empresas sairiam ganhando, em teoria: a Nokia entraria com a escala, essencial para os objetivos ambiciosos da Microsoft no mercado móvel e a Microsoft entraria com um sistema operacional robusto e atraente (e que lhe renderia royalties vultosos, caso fosse bem sucedido). A mudança representa uma tentativa radical para a Nokia deixar de perder participação no mercado de smar-tphones (para então, possivelmente, voltar a ganhar participação).

2. Definição do problema

Este artigo visa analisar a evolução estratégica de uma empresa global (a Nokia Corporation) no Brasil, durante o período de 2002 a 2012. Neste sentido, são anali-sados basicamente estes aspectos:

a. Processo de internacionalização, avaliando:• a criação e consolidação da subsidiária; • a integração da gestão local com as diretivas da matriz; • a internacionalização de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) através

do Instituto Nokia de Tecnologia.

b. Desenvolvimento de capacidades tecnológicas dinâmicas, avaliando como se deu a consolidação destas capacidades por meio de políticas para a gestão da inovação.

c. Evolução mercadológica, avaliando como a empresa tem se posiciona-do no Brasil (quais seus principais produtos e em quais segmentos de mercado atua), além de avaliar quais as iniciativas recentes para com-bater os competidores, no segmento de smartphones (cuja liderança foi perdida em 2009).

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2.1 Processo de internacionalização

2.1.1 A criação e consolidação da subsidiária

A empresa encontra-se em um estágio avançado de internacionalização de suas ati-vidades produtivas no Brasil, com a fabricação local da maioria dos telefones comercia-lizados aqui.

A logística é um aspecto muito importante, pois a empresa integra peças de for-necedores de hardware locais e remotos (outros países) na produção de praticamente todos os aparelhos.

Os processos de produção e logísticos empregados na Europa se mostraram inadap-tados às restrições locais de infraestrutura de transportes, e, uma vez que a fábrica se situa em Manaus, distante dos principais mercados no Brasil, criou-se uma grande ope-ração logística na subsidiária brasileira, de forma a garantir o recebimento das peças vindas de outros países e a distribuição local dos produtos.

2.1.2 Integração da gestão local com as diretivas da matriz

Para desenvolvimento deste trabalho foram entrevistados quatro profissionais da Nokia Brasil, todos em nível gerencial: Gerente de Recursos Humanos (Nokia e Instituto Nokia de Tecnologia), Gerente de Projetos (Escritório de Projetos – PMO), Gerente de Integração de Sistemas e Gerente de Inovação. As entrevistas foram realizadas no trans-correr do segundo semestre de 2012.

Segundo os gerentes entrevistados, a empresa possui uma forte cultura interna ba-seada nos valores escandinavos, como igualdade, meritocracia e honestidade no rela-cionamento com clientes. A Finlândia, país de origem da empresa, é considerada no ranking da ONU o país menos corrupto do mundo e também um dos países europeus com menor nível de desigualdade social, conforme Martti (2002). Ainda segundo este autor, a empresa prioriza estruturas matriciais com poucos níveis hierárquicos, permi-tindo que os funcionários tenham acesso aos gerentes de forma informal - o feedback direto do funcionário sobre o gerente é, em geral, tolerado e até incentivado.

Estas observações são confirmadas nas entrevistas realizadas, onde verificou-se que a matriz finlandesa tem adotado uma abordagem pragmática, em que as capacidades locais são relativamente valorizadas, apesar das grandes diferenças culturais, pois se en-tende que estas capacidades locais seriam uma forma de atingir o mercado brasileiro.

Existiria assim um grau mediano de descentralização gerencial da subsidiária em re-lação à matriz. Esta descentralização seria maior nas áreas de Marketing e Vendas (que devem traçar suas próprias estratégias locais, adaptadas ao mercado brasileiro) embora áreas diretamente ligadas à Produção possuam um menor grau de autonomia e estão sujeitas a controles rígidos e globais.

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2.1.3 Internacionalização de P&D

Através das entrevistas realizadas, parece claro que o desenvolvimento da capacida-de de inovação local destaca-se como um fator importante para a estratégia da empre-sa. Assim, o Instituto Nokia de Tecnologia (braço local de P&D da empresa) encontra-se bastante consolidado e possui parcerias com muitas universidades e empresas locais. Este instituto, fundado em 2001, contava com cerca de 350 colaboradores no início de 2012, obtendo um número crescente de patentes para a Nokia Brasil (entre 15 e 30 pa-tentes geradas anualmente).

Por outro lado, segundo os gerentes do Instituto Nokia de Tecnologia, a empresa sempre buscou adaptar o processo de inovação de forma a integrá-lo às necessidades do mercado. Assim, a empresa conta no Brasil com seus próprios laboratórios de pesqui-sa e, eventualmente, pode também contratar pesquisa terceirizada, formada em geral por pequenas empresas que priorizam o desenvolvimento rápido de aplicativos móveis.

A subsidiária local da Nokia desfrutaria assim de um razoável grau de independência na área de pesquisa e implementação de aplicações para o mercado brasileiro, embora o design do hardware e do sistema operacional sejam ainda centralizados na Finlândia. Por outro lado, segundo a gerente de Recursos Humanos do Instituto Nokia de Tecno-logia, as pesquisas locais vêm ganhando mais importância dentro da estrutura global da empresa, devido à crescente importância do mercado brasileiro, embora o Instituto enfrente desafios relacionados ao alto turnover de pesquisadores e engenheiros jovens, frequentemente atraídos por ofertas atrativas no centro-sul do país e por empresas de tecnologia situadas nos EUA e Europa.

Conforme a classificação de Gassman e Von Zedwitz (1999) para a internacionaliza-ção de P&D, haveria cinco modelos possíveis: o centralizado etnocêntrico, o geocêntrico centralizado, o policêntrico descentralizado, o modelo concentrador e a rede de pes-quisa integrada. Nesta classificação, o Instituto Nokia de Tecnologia estaria próximo de rede de pesquisa integrada, já que, apesar de desfrutar de relativa independência, não atua autonomamente dos centros de demais P&D da Nokia.

2.2 Desenvolvimento de capacidades dinâmicas

Teece, Pisano e Shuen (1997) definem que a habilidade de adquirir novas formas de vantagem competitiva ou “capacidades dinâmicas” enfatizaria dois aspectos chave até então inexplorados pelas demais perspectivas sobre a relação entre a estratégia e as competências da empresa (tais como a visão baseada em recursos de Wernerfelt e as core competences de Hamel e Prahalad). Esses aspectos seriam:

• Capacidade da empresa para “renovar competências” para reagir aos desafios do ambiente;

• O papel da gestão estratégica, responsável por “reconfigurar” dinamicamente os recursos, e competências funcionais da empresa.

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1919Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. 11-26

A seguir, analisa-se como estas capacidades foram desenvolvidas, sobretudo no as-pecto tecnológico.

2.2.1 Gestão de competências

Uma estratégia gradualista para progressiva independência tecnológica, através da acumulação de competências técnicas pela subsidiária, parece ser utilizada pela em-presa. Assim, a Nokia Brasil, que até 2005 contava com grande número de expatriados (estrangeiros) em postos de liderança nas áreas tecnológicas, tem promovido consisten-temente a nacionalização do seu corpo gerencial técnico e de engenharia, contando em 2011 com uma grande maioria de brasileiros nestes postos. Assim, o desenvolvimento de capacitação técnica é frequentemente realizado por meio de treinamentos na Fin-lândia, através de workshops de transferência de conhecimentos ou pelo intercâmbio de profissionais entre países.

De acordo com Martti (2002), a empresa globalmente valorizaria o aprendizado e gestão do conhecimento, sendo uma das primeiras a criar uma Intranet sofisticada, em que se pode consultar a documentação de produtos, se realizar treinamentos, além de entender as políticas internas e muitos outros aspectos do funcionamento da empresa. Neste aspecto a estratégia global da empresa (e que seria aplicada ao Brasil) poderia ser classificada como pertencente à “Escola de Aprendizado”, onde, de acordo com au-tores como Prahalad e Hamel (1990), a empresas buscaria evoluir para formalização do processo de aquisição e geração de conhecimentos. Deste ponto de vista, os ativos “in-visíveis” de know how tecnológico e o conhecimento mercadológico seriam os grandes diferenciais da empresa, ou na definição de Prahalad e Hamel (1990), estas seriam as competências essenciais da Nokia.

Para expandir a forma como a empresa utiliza os recursos de outras empresas (par-ceiros tecnológicos), dentro da cadeia de valor, compartilhando e recebendo insumos e capital intelectual, no momento estão sendo realizadas parcerias com fornecedores locais de aplicações para o sistema operacional Windows Phone, aplicações estas que seriam incorporadas aos novos smartphones.

A cadeia de valor, portanto, parece estar sendo redesenhada para o lançamento dos novos smartphones (considerados essenciais para a sobrevivência da empresa), a que poderá inclusive afetar o modelo de negócios atualmente utilizado, além de impactar o relacionamento com parceiros tecnológicos, fornecedores locais, operadoras móveis e clientes finais.

2.2.2 Cadeia de valor

As seguintes atividades foram identificadas como parte do processo de gestão de competências, de acordo o modelo estabelecido por Chesbrough (2011) para cadeias de valor:

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20112020

• Ligações próximas com fornecedores primários locais: reduz custos e aumenta a velocidade de desenvolvimento: parte dos componentes de hardware é adquiri-da localmente no Brasil;

• Banco de dados de componentes atualizado: contêm características de novos componentes de materiais, bem como sua disponibilidade no estoque e fornece-dores preferidos, de forma a facilitar o início da concepção e reduzir o ciclo global do projeto;

• Envolvimento de usuários avançados (leading users) de clientes (operadoras mó-veis): a Nokia utiliza usuários fortes tecnologicamente e demandantes de inova-ção como lead users, para assim poder acelerar o desenvolvimento e reduzir os custos de redesenvolvimento das aplicações incluídas em cada versão, pois estes usuários, ao participarem do projeto desde a concepção, podem auxiliar na cus-tomização do software embutido no celular, além de adaptá-lo para as necessi-dades da operadora;

• Acesso a conhecimento tecnológico (know how) externo (parceiros tecnológicos locais): os fornecedores locais de aplicações são estratégicos e auxiliam a Nokia através das parcerias desenvolvidas pelo Instituto Nokia de Tecnologia.

A partir do mapeamento destas atividades, a cadeia de valor para produção de smartphones na Nokia Brasil é esboçada no Quadro 2.

Quadro 2 - Cadeia de valor da produção de novos smartphones

Identificação do segmento

Usuários de maior poder aquisitivo, aptos a usar smartphones, ex-clientes da Apple e/ou Google.

Proposição de valor

Melhor interface gráfica, melhores aplicações, mais integração a serviços externos (ex. editores).

Elementos da cadeia de valor

Focado em fornecer um ecossistema com aplicações mais sofisticadas e úteis que as dos atuais concorrentes (Apple e Google); hardware e software com design apurado e atraente.

Custos e margens

Custos altos, margens ainda altas, mas decrescentes (devido à concorrência).

PosicionamentoDiferenciadores: melhor desempenho que os rivais; possuir recursos mais avançados para usuários corporativos e heavy users de tecnologia.

Estratégia competitiva

Retomar a liderança entre os smartphones por meio de nova interface gráfica e aplicações mais sofisticadas (ex. que integrem MS-Office ou XBOX ao celular).

Fonte: Autor, utilizando modelo de Chesbrough (2011).

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2121Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. 11-26

2.2.3 Processo de inovação local

Como se trata de uma empresa cujos principais ativos estariam relacionados ao de-senvolvimento de produtos de cunho altamente tecnológico, o processo de inovação é um processo importantíssimo para a sobrevivência da empresa e ao crescimento das vendas. Este processo, no Brasil, envolveria as seguintes que etapas citadas por Tidd, Bessant e Pavitt (2009):

• Prospectar o ambiente (interno e externo) para identificar e processar sinais rele-vantes sobre ameaças e oportunidades relacionadas à mudança;

• Decidir (com base numa visão estratégica de como empresas pode melhor se desenvolver) a quais destes sinais deve-se responder;

• Obter os recursos que possibilitem a resposta (seja criando algo novo através de pesquisa e desenvolvimento, seja adquirindo algo externo através de transferên-cia de tecnologia);

• Implementar o projeto (desenvolver a tecnologia e o mercado interno ou exter-no) para responder efetivamente.

Verifica-se ainda na Nokia Brasil que o processo de inovação tem evoluído de uma visão estritamente sequencial para uma abordagem mais iterativa. Os modelos sequen-ciais refletiam uma visão simplificada da inovação: originada nos laboratórios científi-cos e “empurrada” para o mercado ou demandada (“puxada”) clientes (mercado) e de-senvolvida a posteriori. Assim, algumas vezes a inovação apresenta-se de uma forma “empurrada” (push) e outras de uma forma “puxada” (pull), embora, na maioria das ve-zes, gerenciar a inovação com sucesso requer a interação entre essas duas abordagens (Tidd; Bessant; Pavitt, 2009).

Neste aspecto, os seguintes fatores gerenciais, organizacionais e tecnológicos foram identificados na Nokia como tendo contribuído para maior velocidade e efi-ciência na inovação:

• Estratégia baseada no tempo: ser um rápido e inovador torna-se vantagem competitiva;

• Compromisso e suporte da alta gerência: envolvimento da direção desde o início do projeto para evitar mudanças e retrabalho;

• Adoção de uma estrutura horizontal com menores níveis hierárquicos: auto-nomia dos gerentes e menor número de níveis implicam em menos atrasos na aprovação de providências;

• Emprego de equipes integradas (multifuncionais) durante o desenvolvimento e a prototipagem: interação interfuncional;

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• Compromisso para controle de qualidade: aumenta eficiência do desenvolvi-mento e reduz o tempo de projeto;

• Estratégia de desenvolvimento incremental: diminui o salto tecnológico entre cada passo;

• Adotar estratégias de reutilização (carry-over): usar componentes de modelos an-teriores nos projetos atuais;

• Desenho de produto combinando o velho com o novo: reutilização de design;

• Flexibilidade projetada: criação de projetos que contenham flexibilidade ineren-te possibilitando que sejam estendidos como variantes de uma família de proje-tos (design robusto);

Por outro lado, nota-se uma crescente movimentação para a adoção de uma plata-forma de Inovação Aberta com a participação de desenvolvedores locais e um crescen-te envolvimento dos fornecedores locais no design das aplicações e produtos a serem comercializados localmente. Neste aspecto, a Nokia atualmente está trabalhando, em conjunto com a Microsoft, para levar os desenvolvedores brasileiros da plataforma Sym-bian a desenvolverem aplicativos também para Windows Phone.

Entre os desafios tecnológicos enfrentados pelo Instituto Nokia de Tecnologia, está o fato de que a maioria dos pesquisadores está especializada em tecnologias mais antigas, como aplicações para celulares baseadas no sistema operacional Symbian e, desta forma, o Instituto tem buscado se capacitar rapidamente na pla-taforma Windows Phone, através do desenvolvimento de projetos piloto de aplica-ções dedicadas a este sistema operacional.

3. Estratégia mercadológica

3.1 A evolução do mercado brasileiro de telefonia celular

Segundo Neri (2008), entre 2002 e 2008 aumentou de 44,19% para 51,89% a participação da classe média no total da PEA (População Economicamente Ativa) nas seis principais regiões metropolitanas do país. O economista chegou a esta conclusão por meio de dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, realiza-dos neste período (2002 a 2008). De acordo com esta pesquisa, este crescimento esteve fortemente associado ao aumento do número de empregos com carteira assinada e com a manutenção de fatores favoráveis à criação e formalização de empregos. Estes dados apontariam para uma interessante mudança social, pois segundo a pesquisa, neste período, pela primeira vez na história o País se torna majoritariamente de classe média (classe C com 51,89% do total e as classes D/E com cerca de 35%).

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2323Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. 11-26

No Brasil, o crescimento da classe média tem mantido o mercado de telefonia celular em constante crescimento e em 2011, segundo a Anatel, ultrapassou-se a barreira dos 100 celulares para cada 100 habitantes (sendo que cerca de 80% são pré-pagos). Portan-to, o foco da Nokia não é a aquisição de novos usuários, mas o mercado de reposição de aparelhos, em que crescentemente usuários das classes C e D adquirem smartphones substituindo aparelhos antigos.

3.2 Posicionamento

A importância do mercado local foi ressaltada por Stephen Elop, CEO da Nokia, veio ao Brasil pela primeira vez recentemente, em Outubro de 2011, para anunciar a fabrica-ção local, enfatizando que o mercado brasileiro é considerado um dos cinco mercados mais importantes para o futuro da empresa.

No Brasil, diferentemente da Europa e EUA, a Nokia segue como líder de merca-do. De fato, nos países do BRICS (os emergentes Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) sua liderança parece inabalável. Uma série de fatores contribui para isso: perfil de mercado diferente de Europa e EUA, portfólio de aparelhos extenso e para todos os tipos de usuários e, por fim, uma longa tradição no mercado móvel para os segmentos mais populares.

Portanto, nos países emergentes, a inclusão digital se faz principalmente através de dispositivos móveis e notebooks de baixo custo. Mas a oferta de smartphones ainda é exígua para os consumidores emergentes: o iPhone da Apple, diferente de outros mer-cados, é um aparelho de nicho, um produto de luxo, com custo superior a US$ 1.000. Os celulares baseados em sistema operacional Android, da Google, apesar de estarem cres-cendo com robustez, ainda são tímidos fora das classes mais altas por causa do preço e do alto consumo de dados.

Desta forma, muitos fabricantes asiáticos como a HTC, Samsung e LG tem lan-çado smartphones “light” no Brasil, com menos recursos e preço mais acessível. A Nokia tem tentado preencher esta lacuna foi com o Nokia C3, o smartphone mais vendido do país em 2010. Este aparelho oferece um design bonito e sólido, sem aquele aspecto “barato” de celulares de baixo custo, um excelente teclado QWER-TY, redes sociais integradas e personalizadas ao gosto brasileiro – por exemplo, além do Twitter e Facebook, incluiu-se o Orkut — e um consumo de dados espar-tano, complementado pelo acesso a redes wi-fi.

Assim, a oferta da Nokia Brasil buscaria balancear smartphones mais simples e apa-relhos mais complexos, de forma a conseguir concorrer em todos os segmentos, ofere-cendo aparelhos com diversos sistemas. Estes celulares vão da linha básica, baseada no sistema Symbian e que trazem poucos extras como tocador de MP3 ou câmera.

Para conseguir posicionar celulares de um sistema operacional já defasado tecno-logicamente como smartphones, a empresa enfatiza nas suas campanhas que estes

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20112424

possuem um leque interessante de funcionalidades: navegador, e-mail, redes sociais, mensagens instantâneas, música, rádio FM e fotos, embora esteja claro que estes não têm tantas funcionalidades quanto o iPhone da Apple e os modelos mais avançados da Samsung, baseados em Android.

Finalmente, a parceria com a Microsoft para trazer o Windows Phone aos aparelhos é a grande aposta no segmento dos smartphones “topo de linha”. A meta é já em 2013 alcançar a 2ª posição no ranking de presença dos sistemas operacionais móveis (atrás apenas do Android, da Google).

Contudo, segundo o Gartner (2012), os resultados globais da empresa no primeiro semestre de 2012 são decepcionantes e permanecem as dúvidas sobre a viabilidade da união com a Microsoft, o que, sem dúvida, impactará as próximas iniciativas estratégicas da empresa, local e globalmente.

Considerações finais

Este artigo utiliza visa entender a evolução estratégica da Nokia nos últimos anos no Brasil e supõe que a estratégia da empresa neste período deve ser entendida como um constante processo de transformação, frente aos desafios competitivos, incorporando elementos de diversas escolas estratégicas de forma sucessiva ou mesmo, em alguns períodos, simultânea.

Em resumo, pode-se concluir que durante um longo período (da sua fundação no Brasil até 2008), as estratégias da empresa seriam fruto da cultura organizacional da matriz finlandesa e em grande parte se identificam como um reflexo das premissas da Escola Cultural, que é assim descrita por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010):

• A formulação da estratégia como um processo de interação social baseado nas crenças comuns das pessoas na organização;

• Um indivíduo adquire estas crenças por meio de um trabalho de socialização, em grande parte tácita e não verbal, embora às vezes doutrinado pela empresa de forma mais formal. Os membros da organização podem descrever estas ca-racterísticas e crenças de forma apenas superficial: as origens e explicações mais profundas são obscuras;

• A estratégia surge como uma perspectiva enraizada em intenções coletivas, se refletindo na forma em que os recursos ou capacidades da organização são pro-tegidos e usados como vantagem competitiva.

Entretanto, desde 2008 e devido ao recrudescimento da competição, a Nokia Brasil experimenta um crescente movimento gerencial em direção a se tornar uma empresa de perfil comercial mais arrojado (no estilo mais americano que europeu), com metas de vendas mais agressivas e grande ênfase nas áreas de Marketing e Vendas, acarretando

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2525Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. 11-26

significativas reduções de custos com P&D e nas áreas operacionais (através da terceiri-zação de atividades).

Este movimento de reengenharia se intensificou em 2012 por meio de uma reestru-turação relativamente profunda e que poderá de alguma forma impactar sua cultura interna. Diversas áreas foram atingidas por cortes no Brasil e se adotou uma estratégia para fortalecimento da marca, por meio de lojas próprias em shopping centers nas princi-pais capitais brasileiras. Busca-se, assim, combater-se a marca Apple, cuja popularidade tem crescido no mercado local, nos últimos anos, mesmo com o custo elevado dos seus aparelhos.

Desta forma, as premissas gerenciais da empresa parecem estar se movendo em di-reção à Escola Empreendedora, na definição de Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010), em que passaria a haver mais centralização gerencial na elaboração estratégica, com estas características estratégicas:

• Geração de estratégia passa a ser dominada pela busca ativa de novas opor-tunidades;

• Poder é mais centralizado nas mãos dos principais executivos;

• Geração de estratégia em grandes saltos para frente, face à incerteza;

• Crescimento passa a ser a meta dominante.

Finalmente, ao se analisar a Nokia Brasil ao longo dos últimos anos, verifica-se que a empresa esteve inserida em períodos de estabilidade interrompidos por saltos cons-cientes para novos estados - confirmando assim a periódica necessidade de reconfigu-ração de capacidades como meio de se garantir a sobrevivência da empresa em um mercado extremamente competitivo e em que impera a “destruição criativa” de valores, tecnologias e produtos, prevista de forma visionária por Shumpeter (1942).

Referências

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GARTNER GROUP. Disponível em: <http://www.gartner.com/it/page.jsp?id=2017015>. Acesso em: 11 out. 2012.

GASSMAN, O.; VON ZEDWITZ, M.. New concepts and trends in international R&D, New York: Research Policy, v. 28, 1999.

MARTTI, Haikio. Nokia: the inside story. New York: Pearson, 2002.

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20112626

MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL J.. Safari de estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2010.

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NERI, Marcelo. A nova classe média brasileira, 2008. Fundação Getúlio Vargas, São Paulo. Dis-ponível em: <www.fgv.br/ibre>. Acesso em: 10 ago. 2012.

PORTER, M.. Vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1989.

PRAHALAD, C. K.; HAMEL, G.. The core competence of the corporation. Harvard Business Re-view, v. 90, n. 3, p.79-91, May/June, 1990.

SCHUMPETER, J. A.. Capitalism, socialism e democracy. New York: Harper Brothers, 1942.

TEECE, D. J.; PISANO, G.; SHUEN, A. Dynamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, v. 18, n. 7, p. 509-533, 1997.

TIDD, J.; BESSANT, J.; PAVITT, K.. Gestão da Inovação. Porto Alegre: Bookman, 2009.

ARTIGO RECEBIDO EM: 13/09/2012ARTIGO APROVADO EM: 29/10/2012

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2727Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47

Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço

na Disney World: uma comparação entre brasileiros e norte-americanos

* Formado em Administração de Empresas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (FEA-RP-USP), possui pós-graduação em Gestão de Marketing de Serviços pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). O autor agradece as ponderações e sugestões da Profa. Dra. Eloisa Helena de Souza Cabral da Faculdade de Administração da FAAP (São Paulo) na elaboração deste artigo. E-mail: [email protected]

Franklin de Souza Meirelles*

Resumo: Este artigo apresenta a análi-se da influência cultural na percepção do serviço de uma das maiores empre-sas de entretenimento do mundo. Por meio deste estudo, conclui-se que a Disney World também é influenciada pela cultura dos seus visitantes, conse-guindo ser uma referência para as duas diferentes culturas estudadas.

Palavras-chave: Cultura. Percepção. Pres-tação de serviço. Disney World.

Abstract: This article analyses cultural influences on the perception of the ren-dering of services on one of the largest entertainment companies in the world. Through this study, one can conclude that Disney World is also influenced by the cul-ture of its visitors, providing a reference to the two different studied cultures.

Keywords: Culture. Perception. Service supply. Disney World.

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20112828

Introdução

Características culturais e comportamento do consumidor são dois temas que possuem alto grau de correlação, desde os estudos pioneiros de marketing. A in-dústria do entretenimento é um vasto campo para pesquisa sobre o entendimento do consumidor relacionado à prestação de serviço, já que pode ser considerada provedora de produtos e serviços de necessidade secundária, o que torna o consu-midor mais exigente no que tange aos aspectos de qualidade e preço.

Este artigo é produto de monografia apresentada, em junho de 2012, como trabalho de conclusão da Pós-graduação em Gestão de Marketing de Serviços, da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), que colocou os três temas aborda-dos (Cultura, Comportamento do Consumidor e Indústria do Entretenimento) em um mesmo problema e analisou a influência das características culturais de deter-minados povos na percepção do serviço prestado na Disney World, o maior com-plexo de parques temáticos do mundo, segundo a TEA/AECOM (2010).

A escolha do tema se deu pela oportunidade de produzir um trabalho que comple-mentasse o abrangente estudo de serviços e, principalmente, da influência cultural na percepção e nas decisões de compra, com diversos trabalhos de autores conceituados, como Clotaire Rapaille; Michael R. Solomon, dentre outros citados ao longo deste artigo.

Como o estudo que deu origem ao presente artigo teve como foco os parques Walt Disney, que atua no mercado de entretenimento infantil e adulto, fez-se ne-cessário a análise conceitual do Marketing de Serviços, com o objetivo de contex-tualizar as características e peculiaridades desse tipo específico de marketing, de estudo mais recente do que o tradicional, voltado a bens e serviços.

Segundo Kotler e Keller (2006, p. 397), serviço é “qualquer ato ou desempenho, essencialmente intangível, que uma parte pode oferecer a outra e que não resulta na propriedade de nada. A execução de um serviço pode estar ou não ligada a um produto concreto”.

De maneira mais simplificada, Zeithaml e Bitner (2003) conceituam serviços como ações, processos, atuações, que não têm como produto final algo físico, mas é consumido no momento em que é produzido e proporciona valor agregado em formas intangíveis.

Quando se analisam serviços, é importante que os conceitos de expectativas sejam abordados, uma vez que influenciarão na avaliação pelos clientes. Segundo Zeithaml e Bitner (2003), os clientes possuem dois níveis de expectativas em relação aos serviços. O primeiro é o desejado, e pode ser definido como o nível de serviço que o cliente gostaria de receber, com base em conceitos preexistentes em sua memória. O segundo nível de expectativa é o serviço adequado, que é considerado abaixo do desejado, mas aceito de acordo com as possibilidades existentes. A lacuna de expectativa entre um serviço desejado e um serviço adequado é conhecida como zona de tolerância.

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2929Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47

As expectativas dos clientes são influenciadas por diversos fatores, alguns contro-láveis e outros incontroláveis. Esses fatores variam desde experiências anteriores até o momento da prestação de serviço, ou seja, o mesmo serviço ou oferta de serviço pode gerar expectativas diversas em duas pessoas (ZEITHAML; BITNER, 2003).

Em relação aos serviços desejados, as duas principais influências são as necessi-dades pessoais, ou seja, condições essenciais para o bem-estar, e os intensificado-res permanentes de serviços, fatores que aumentam a sensibilidade dos clientes, como é o caso da influência de outras pessoas e a filosofia pessoal do serviço (ZEI-THAML; BITNER, 2003).

Para as expectativas de serviços adequados, as principais influências são o au-mento da sensibilidade relacionado ao senso de urgência, a existência de múltiplas opções de escolha, os fatores situacionais, o serviço esperado e a atuação do pró-prio cliente no seu papel na prestação de serviço (ZEITHAML e BITNER, 2003).

Segundo Zeithaml e Bitner (2003), não apenas experiências anteriores com a prestação de serviço, mas também o estado psicológico dos clientes, no momento da prestação, influencia a expectativa dos clientes acerca dos serviços. Isso significa que as organizações devem tornar as ofertas e a prestação do serviço, em si, tão diversificadas quanto os valores e as experiências dos potenciais clientes. Já a satisfa-ção é influenciada pela percepção do indivíduo tanto acerca da qualidade dos servi-ços como relacionada a fatores situacionais e individuais (ZEITHAML; BITNER, 2003).

1 O conceito de percepção e a influência do fator cultural

A percepção é outro conceito que mereceu atenção especial no estudo. Tal análise ofereceu subsídios para o entendimento do conceito que foi base para o estudo da in-fluência cultural na percepção do serviço na Disney World, já que se buscava entender se os parques Walt Disney apresentam característica diferenciada, em relação à maioria das organizações, de influenciar igual, ou diferenciadamente, culturas variadas.

As pessoas são expostas a uma infinidade de sensações, selecionando-as de

acordo com a “visão” que cada um coloca sobre tais exposições. Essa visão, que gera interpretações aos estímulos, é derivada de experiências, concepções e dese-jos e é resumida como percepção. Desta forma, a percepção pode ser entendida como um processo de seleção, organização e interpretação de sensações - visuais, olfativas, sonoras, ou seja, dar-lhes significados (SOLOMON, 2002).

A Figura 1, extraída de Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007), mostra o processo de decisão dos consumidores a partir da exposição a algum estímulo. No processo, é possível perceber que a exposição a um estímulo gera a atenção do receptor, ou seja, o estímulo é processado pelo cérebro. A partir desse momento, atribuem-se signifi-cados a esse estímulo, que é interpretado, de acordo com variáveis diversas, como a cultura. São esses três passos (exposição, atenção e interpretação) que constituem a

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20113030

percepção. Por fim, é utilizada a memória para a tomada de decisão no curto prazo ou retenção das interpretações para tomadas de decisão no longo prazo.

É importante salientar que tal processo é dinâmico e interativo, uma vez que as etapas ocorrem praticamente ao mesmo tempo, nem sempre de forma linear.

Figura 1 - Processamento de informação para a tomada de decisão do consumidor

Fonte: Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007, p.114).

Em relação à influência do fator cultural na percepção, é importante notar duas características: a primeira é que a cultura, por ser abrangente, não fornece preceitos restritos, para serem seguidos, mas apenas um limite para atitudes e pensamentos dos indivíduos. A segunda característica é que as pessoas são tão influenciadas pela variável cultural que raramente a percebem, o que faz com que seus compor-tamentos e pensamentos sejam naturais, coerentes com os dos demais membros da mesma cultura (HAWKINS; MOTHERSBAUGH; BEST, 2007).

Exposição

Atenção

Interpretação

Memória

DECISÕES DE COMPRA E CONSUMO

Perc

epçã

o

Aleatória

Baixo envolvimento

Baixo envolvimento

Curto prazo

Solução de problemas ativa

Deliberada

Alto envolvimento

Alto envolvimento

Longo prazo

Experiências, valores, decisões, regras e

sentimentos armazenados

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3131Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47

Fonte: Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007, p. 30).

Um reconhecido estudioso do tema, Clotaire Rapaille (2007), afirma que a cultu-ra na qual as pessoas são criadas constitui um código cultural, o significado que se aplica a qualquer coisa, objeto ou experiência. Isso ocorre porque o aprendizado é diretamente ligado às emoções e, na cultura, desde a infância, as pessoas são moldadas pelas emoções que vivenciam.

Segundo Vinic, Proença e Aranovich (2010, p. 10), a cultura é um fator de in-fluência na decisão de compra dos consumidores e pode ser definida como: “a personalidade de uma sociedade. Pode-se também defini-la como o conjunto de valores, costumes, crenças e atitudes adotadas por determinada sociedade com o objetivo de regular o comportamento de seus membros”.

Relacionando a cultura ao consumo, Rapaille (2007) considera que entender as características culturais de seus potenciais clientes ajuda na adaptação das ideias e dos conceitos do produto ao serviço e à cultura na qual se deseja penetrar, pois o inverso certamente não funcionaria.

Sobre o tema, Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007) comentam que, assim como os fatores culturais influenciam o comportamento do consumidor e, consequentemente, moldam a estratégia de marketing das organizações, também podem ser modificados, com o passar do tempo, pelo caminho inverso, já que não são estáticos (Figura 2). Segun-do os autores, o conceito de cultura é muito abrangente, pois influencia a forma como os impulsos biológicos serão satisfeitos, por meio da influência nos processos mentais e comportamentos de um indivíduo. Além disso, a cultura tem um papel determinante na forma como se observa o mundo, no processo decisório e nas preferências pessoais.

Figura 2 - Fatores culturais afetam o comportamento do consumidor e a estratégia de marketing

Estratégia demarketing

Idioma

Comportamentodo consumidor

Fatoresdemográcos

Valores

Comunicaçõesnão verbais

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20113232

O fator cultural é importante para o estudo de marketing, pois não é possível com-preender as opções de consumo sem considerar o contexto cultural nas quais estão inseridas, uma vez que a forma como os produtos e serviços são enxergados pelos consumidores sofre influência direta dessa poderosa variável (SOLOMON, 2002).

Segundo Kotler e Keller (2006), a cultura não apenas influencia o comportamento de compra dos clientes como é considerada a principal variável determinante desse com-portamento, já que as pessoas adquirem valores, percepções, preferências e comporta-mentos das que estão mais próximas, ou seja, geralmente, da mesma cultura.

Pinheiro et al. (2006) acreditam que a função da cultura é orientar os indivíduos e estabelecer um horizonte de comparação de comportamento dos integrantes, além de estabelecer punições para condutas que desviem dos padrões. Portanto, a cultura tem como papel organizar as atividades sociais de uma comunidade, cons-tituir a identidade dos indivíduos e integrar os seus diversos componentes.

Segundo Zeithaml e Bitner (2003), a cultura influencia, além da maneira como as empresas e seus colaboradores interagem com o cliente, a forma como os clien-tes usam e percebem a prestação de serviço, ou seja, as diferenças culturais afetam o modo de avaliação dos serviços por parte dos clientes.

A Figura 3, extraída de Zeithaml e Bitner (2003), demonstra a influência da cul-tura nos estágios de compra por parte do consumidor.

Figura 3 - Categorias da tomada de decisão do consumidor e da avaliação de serviços

Fonte: Zeithaml e Bitner (2003, p. 60).

Busca de informação• Uso de fontes pessoais

• Risco percebido

Avaliação de alternativas

• Conjunto de alternativas levadas em consideração

• Emoção e humorCultura• Valores e atitudes

• Hábitos e costumes

• Cultura material

• Estética

• Instituições educacionais e sociais

Compra e consumo• Prestação de serviços

como dramaturgia

• Papéis e roteiros em serviço

• Compatibilidade de clientes

Avaliação pós-compra• Atribuição da satisfação

• Difusão da inovação

• Lealdade à marca

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3333Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47

Para alguns autores, a influência da cultura no comportamento do consumi-dor vai desde a definição das necessidades, passando pela busca de informações e avaliação de alternativas, até a decisão final de compra. E vai além, influenciando a forma como os consumidores consomem e até mesmo descartam os produtos (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2009).

A própria Disney viveu um exemplo de como a cultura pode influenciar a per-cepção de determinado produto ou serviço. O parque da Disney, na França, não obteve a receptividade esperada pela empresa, uma vez que foram mantidas as regras norte-americanas de proibição a cigarros e bebidas alcoólicas, além de pre-sença de animais de estimação. Como a cultura francesa valoriza os privilégios, a Disney só conseguiu fazer sucesso no país com a liberação nas regiões onde é permitido fumar, beber e levar animais de estimação (RAPAILLE, 2007).

Para tornar o estudo completo, buscou-se identificar algumas características culturais que descrevessem brasileiros e norte-americanos, a partir de um estudo, da Brigham Young University (2011a; 2011b), denominado Culturegrams. As princi-pais características foram agrupadas na Figura 4. Essas características serviram de base para comparação entre as culturas, bem como a identificação de valores que influenciariam a percepção dos pesquisados.

Figura 4 - Características de brasileiros e norte-americanos

Fonte: Adaptado de Brigham Young University (2011a; 2011b).

Brasileiros Norte-americanos

Características demográficas

•Populaçãourbanadeaproximadamente85%;•95%dapopulaçãocristã,sendo75%católica.

•Populaçãourbanadeaproximadamente80%;•79%dapopulaçãocristã,sendo51%

protestante.

Características gerais

•Divertidos,calorososeespirituosos;•Adaptabilidade;•Casuaisemrelaçãoaotempo.

•Francosediretosemopiniões;•Valorizaminovação,independênciae

integridade;•Individualismocomooposiçãoà

conformidade.

Costumes e hábitos

•Adoramconfraternizações,visitaseencontros.

•Gostamdesesocializar;•São,nogeral,informais,valorizandoa

consciência de tempo.

Estilo de vida

•Sociedade,nogeral,patriarcal;•Famíliastendemasermenoresdoquenas

gerações anteriores;•Hábitosalimentaresdiversos;•Costumamviajarparadentroeforadopaís

nas férias.

•Aforçadetrabalhoédivididapraticamentena metade entre homens e mulheres;

•Culturadefast food;•Ecléticosnapráticadolazer;•Confiamnasinovaçõesquefacilitamodia

a dia.

Economia

•MaioreconomiadaAméricadoSuleumadasmaiores do mundo;

•Economiaestável,apóslongohistóricodeinflação;

•Principaissetoresdaeconomiadesenvolvidos.

•Maioreconomiadomundo;•Desigualdadesocialatingealtosíndices;•Economiadiversificadacomsetordeserviços

altamente desenvolvido;•Desconfiançaeinstabilidadeapartirde2008.

Educação •Vistacomoachaveparasuperardificuldadeseconômicas.

•Universidadeéopçãodiretade70%dosjovens que concluem o ensino médio.

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20113434

2 Walt Disney World – Um modelo a ser estudado

Connellan (2010), profundo admirador da Disney, afirma que esta é a mais po-derosa empresa de diversões do mundo, e revela quais são as razões para o su-cesso, por meio de sete lições, em um mercado em que a experiência do cliente é fundamental para os bons resultados.

A primeira lição, obtida na análise do sucesso, aponta que as grandes organiza-ções prestadoras de serviço devem considerar concorrente qualquer empresa exis-tente, pois são base de comparação para os clientes. Desta forma, o autor demons-tra que a prestação de serviço bem-feita, por parte de uma empresa do segmento bancário, por exemplo, ficará na memória do cliente, que passará a comparar os demais atendimentos e experiências, sejam estes no mesmo mercado ou em mer-cados diferentes, com a empresa na qual obteve um resultado que correspondeu e/ou superou suas expectativas (CONNELLAN, 2010).

A segunda lição que pode ser tirada do sucesso da Disney World está relacio-nada ao peso dado aos detalhes, ainda que em situações nas quais provavelmente o cliente não dará a devida atenção. Segundo Connellan (2010), a atenção aos de-talhes torna-se um diferencial competitivo, pois, além de impressionar clientes e garantir experiências únicas, cria nos colaboradores uma cultura em que cada um torna-se responsável por observar cada um dos mínimos processos existentes no dia a dia da organização, buscando bons exemplos e melhorias.

Todos os colaboradores demonstrando entusiasmo é a terceira lição a ser aprendida com as organizações Disney, validando a já conhecida relação entre funcionários motiva-dos e resultados atingidos. A preocupação com o bem-estar dos clientes somada à proati-vidade na resolução dos problemas e à encarnação do espírito de magia que paira no am-biente, são os fatores de sucesso da Disney relacionado a essa lição (CONNELLAN, 2010).

A quarta lição observada na Disney, como fator do reconhecido sucesso, refere--se à demonstração de entusiasmo em tudo, e não apenas nos colaboradores. Tal lição pode ser facilmente compreendida se for avaliada como o resultado das duas lições anteriores, que consideram pessoas entusiasmadas e sonhadoras que este-jam focadas nos mínimos detalhes da experiência do cliente. No caso da Disney, isso significa investir em detalhes que raramente são percebidos pelos clientes, mas que, quando observados, dão mais subsídios para a percepção de que tudo no ambiente parece perfeito, como no mundo dos sonhos (CONNELLAN, 2010).

A quarta lição pode ser comprovada também em um estudo de Reincke (1998). O autor conclui que a filosofia da empresa de promover uma experiência inesquecível aos visitantes é facilmente perceptível na nomenclatura utilizada para a definição dos parti-cipantes e atividades do dia a dia. Desta forma, os funcionários são “membros do elen-co”, os clientes são “convidados”, uma multidão é uma “plateia”, um turno de trabalho é “uma apresentação”, uma função é um “papel”, os uniformes são “o vestuário”, estar em serviço é ”entrar em cena” e estar de folga é “estar nos bastidores” (REINCKE, 1998).

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3535Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47

A quinta lição ratifica um dos pilares do marketing de serviços, que é o atendi-mento ao cliente. Na Disney, trata-se da existência de diversos pontos de escuta, ou seja, múltiplos canais para que o atendimento ao cliente seja imediato e, ao mesmo tempo, mantenha a magia do ambiente. Tal variável torna-se importante, para a Disney, uma vez que é necessário personalizar o processo de atendimento ao ambiente, utilizando a criatividade para fazer do contato com o cliente mais uma experiência diferenciada (CONNELLAN, 2010).

A sexta lição que se pode tirar do sucesso da Disney como organização refere--se ao feedback dado aos colaboradores, na forma de recompensa, reconhecimen-to e comemoração. Para a Disney, o sucesso do negócio certamente depende do bom trabalho realizado pelos colaboradores, e o ambiente de trabalho deve ser tão interessante para a equipe quanto o é para os clientes. Desta forma, a empresa considera que feedbacks, em sua maioria positivos, devem ser dados com certa frequência, não apenas como estímulo, mas também como exemplo e incentivo (CONNELLAN, 2010).

Embora a percepção de detalhes seja uma característica marcante na Disney, a capacitação de pessoal é vista pelos executivos da companhia como o principal fator de sucesso, e que coloca a empresa como uma das melhores no gerencia-mento de recursos humanos. Os funcionários - membros do elenco - são treinados não apenas para servir os “convidados”, mas para agir de acordo com as emoções percebidas em cada momento de contato com o cliente (REINCKE, 1998).

A última lição obtida na análise do sucesso da Disney como empresa também está relacionada à gestão de pessoas, com a crença de que todos são importantes para o andamento do negócio e para a satisfação dos clientes. De forma resumida, a última lição demonstra os valores da empresa, que busca a satisfação dos clientes a partir da empolgação e satisfação dos colaboradores (CONNELLAN, 2010).

Como visto, a Disney tem por princípio transformar o seu negócio em algo mágico, fazendo com que a experiência do cliente seja inesquecível. Para obter tais resultados, o segredo do sucesso é fazer com que os mínimos detalhes sejam considerados importantes, ao mesmo tempo em que torna os colaboradores os primeiros entusiastas desses valores.

Com colaboradores motivados, cientes da importância de proporcionar ao cliente uma experiência única, seja no atendimento ou em detalhes despercebidos dos parques, a Disney torna-se exemplo de benchmark para análise de prestação de serviço, para públicos de qualquer idade e qualquer local do mundo.

Na mesma direção de analisar a Disney como organização de sucesso, Capodal-gi e Jackson (2000) sugerem que a organização possui dez crenças, que simboli-zam sua cultura organizacional e que a torna um exemplo para outras empresas, abordando não apenas o atendimento ao cliente, mas outras esferas gerenciais. As dez crenças são:

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20113636

1. Liberar a criatividade dos membros da organização a partir das oportuni-dades de sonhar de cada um;

2. Manter as crenças e os princípios da organização em cada colaborador;3. Tratar os clientes como hóspedes;4. Dar poder, apoio e recompensa aos colaboradores;5. Construir relacionamentos duradouros com fornecedores e parceiros;6. Estimular a inovação a partir da ideia de que assumir riscos calculados

pode gerar ideias novas;7. Treinar e reforçar continuamente a cultura da organização;8. Alinhar visão de longo prazo com execução no curto prazo;9. Dar extremo valor aos detalhes;10. Utilizar a técnica de elaboração de storyboard para solucionar eventuais

problemas de planejamento e comunicação.

Embora o autor cite dez crenças e que todas resultem no que é a Disney para os consumidores, entende-se que a de maior relevância, para o presente trabalho, é a terceira, “tratar os clientes como hóspedes”, uma vez que é possível mensurá-la em pesquisa com os visitantes dos parques.

3 O desenvolvimento do estudo

Este artigo tem por objetivo encontrar a resposta para a seguinte pergunta: qual a correlação entre as características culturais de norte-americanos e brasileiros e a per-cepção que esses indivíduos têm em relação à prestação de serviços na Disney World?

A escolha da Disney World deu-se por razões de parametrização, ou seja, para comparar culturas diferentes em um mesmo ambiente, sem distinção de carac-terísticas geográficas (Disney Land, por exemplo) ou até mesmo culturais (Disney Tóquio, Euro Disney).

O objetivo geral do estudo foi descobrir se a cultura de um indivíduo é variá-vel com alta correlação com a percepção que é dada à prestação de serviço em uma organização considerada referência, nesse quesito. Além disso, o estudo teve como objetivos específicos:

• Observar se as variáveis que fazem dos parques Disney benchmark em pres-tação de serviço são universais ou se a experiência completa torna a organi-zação um case de sucesso;

• Analisar as percepções encontradas na pesquisa e buscar correlação com características culturais específicas, com base no referencial teórico;

• Identificar outras variáveis que influenciam a percepção que o indivíduo tem em relação à prestação de serviço e que possuam influência maior do que os fatores culturais.

Com base no problema apresentado, as possíveis hipóteses foram elaboradas:

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3737Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47

1. Brasileiros e norte-americanos tendem a ter percepção semelhante à pres-tação de serviço na Disney World. Ou seja, independentemente das pecu-liaridades culturais, a Disney consegue gerar sentimentos semelhantes em ambas as culturas;

2. Brasileiros e norte-americanos tendem a ter percepções distintas da pres-tação de serviço na Disney World, ou seja, é possível que os fatores cultu-rais influenciem a percepção em relação a Disney. Isso dependerá da análi-se, também, das percepções dentro da própria cultura;

3. A percepção quanto à prestação de serviço na Disney World é heterogênea, independentemente das culturas. Não há, portanto, semelhança considerável na percepção em relação a Disney, qualquer que seja a cultura do indivíduo.

Como o objetivo do estudo era comparar percepções, que é algo subjetivo, a forma de pesquisa aplicada foi a exploratória, com base em dados quantitativos. A metodologia de pesquisa baseou-se no estudo de caso de uma organização que é considerada benchmark de prestação de serviço e que possui clientes espalhados no mundo. As perguntas do questionário buscam agrupar indivíduos em grupos espe-cíficos, mas também detectar percepções que não estão predefinidas na pesquisa.

4 A coleta e a análise de dados

A amostra selecionada para aplicação do questionário englobou indivíduos da cultura norte-americana (nascidos e criados nos Estados Unidos da América) e brasileira (nascidos e criados no Brasil). O presente trabalho não tem pretensão estatística, ou seja, não se pode generalizar os resultados obtidos com a amostra pesquisada para o universo de brasileiros e norte-americanos. Com o objetivo de obter respostas consistentes, estabeleceu-se que os respondentes também deve-riam ser maiores de 18 anos (valores pessoais já formados) e ter, obrigatoriamente, visitado a Disney World pelo menos uma vez na vida. Estabeleceu-se também uma quantidade mínima de 25 respondentes, e máxima de 50.

A aplicação do questionário transcorreu da seguinte forma: a busca de respon-dentes brasileiros deu-se por divulgação na Internet, em listas de discussão. Os res-pondentes norte-americanos foram buscados através do site Pen Pal World (www.penpalworld.com), ferramenta de encontro de pessoas de outras culturas com o objetivo de manter correspondência virtual.

O questionário foi disponibilizado no site de pesquisa Survey Monkey (www.sur-veymonkey.com.br) em dois idiomas – inglês e português – de 10 de março até o dia 08 de maio de 2012, data da última resposta contabilizada na análise dos resultados.

No questionário, buscou-se, inicialmente, descobrir o perfil dos respondentes, como sexo e idade. Do total da amostra dos 45 brasileiros pesquisados, 60% eram do sexo feminino e os demais (40%) eram do sexo masculino. Quando analisada a faixa etária dos respondentes brasileiros, observou-se que há um predomínio

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20113838

(51%) de pessoas com idade entre 23 e 30 anos. Dos respondentes, 20% têm idade entre 31 e 40 anos; 18%, entre 41 e 55 anos; e 11% têm entre 18 e 22 anos. Não há respondentes com mais de 55 anos, na amostra brasileira.

Do total da amostra dos 28 norte-americanos pesquisados, 39% é do sexo feminino e os demais (61%) são do sexo masculino. Quando analisada a faixa etária, observa-se que há um predomínio (50%) de pessoas com idade entre 23 e 30 anos. Dos respon-dentes, 25% têm entre 31 e 40 anos; 11% têm entre 41 e 55 anos; e 14% têm mais de 55 anos. Não há respondentes com menos de 23 anos, na amostra norte-americana.

Em continuidade, o questionário buscou investigar o número de vezes que os respondentes haviam visitado à Disney World, em uma escala que variava de uma única visita até mais de cinco visitas. Para essa questão, 53% dos brasileiros res-pondentes estiveram nos parques apenas uma vez, enquanto 20% estiveram entre duas e três vezes; 18% dos respondentes estiveram nos parques entre quatro e cinco vezes, e os demais 9% figuram entre os que visitaram a Disney mais de cinco vezes. Na amostra norte-americana, 25% dos respondentes estiveram nos parques apenas uma vez, enquanto que 39% estiveram entre duas e três vezes; 11% dos respondentes estiveram nos parques entre quatro e cinco vezes, e os demais 25% figuram entre os que visitaram a Disney mais de cinco vezes. A quantidade de visi-tas de brasileiros e norte-americanos é apresentada no Gráfico 1.

Gráfico 1 - Quantidade de visitas à Disney World

Fonte: Respondentes da pesquisa.

A questão seguinte pretendia detectar com quem os pesquisados estiveram na Disney, considerando sempre a última visita para os que já haviam viajado mais de uma vez (apresentada no Gráfico 2). As opções variaram entre “sozinho”, “com os pais”, “com os filhos”, “com amigos”, “em excursão” e “outros”. Ao analisar a amos-tra brasileira, obteve-se que as companhias foram, em ordem de respondentes, respectivamente, com outros (32%), com os pais (24%), com os filhos (20%), com amigos (18%), em excursão (4%), e sozinhos (2%).

53%

20% 18%

9%

25%

39%

11%

25%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Apenas uma vez 2 ou 3 vezes 4 a 5 vezes Acima de 5 vezesBrasileiros Norte-americanos

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3939Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47

Fonte: Respondentes da pesquisa.

Essas quatro questões iniciais tiveram por objetivo não apenas introduzir a pes-quisa, mas também segmentar demograficamente os respondentes para facilitar a análise dos resultados.

Ao perguntar se algo havia surpreendido negativamente os brasileiros na esta-dia na Disney World, 89% alegaram que não, enquanto 11% alegaram que houve, sim, algo que não agradou. Na descrição dos motivos, viu-se que as “filas” foram a principal causa da insatisfação, além da “ausência de bebida alcoólica nos parques”.

Já entre os norte-americanos pesquisados, 75% responderam que não houve nada que causasse decepção, enquanto 25% alegaram ter algum tipo de experiên-cia negativa nos parques Disney. A descrição mostra que as “filas” foram a principal causa, enquanto o preço e o tratamento de alguns funcionários, em determinados parques, completam os comentários dos pesquisados.

Quando perguntados sobre as características que mais chamaram a atenção dos visitantes brasileiros, na Disney World, por ordem de relevância, foi possível observar que as variáveis de maior relevância para os brasileiros foram “limpeza e organização”, enquanto as variáveis de menor relevância foram, respectivamente, “souvenires” e “alimentação”. As demais variáveis apresentaram relevância média, com destaque para a “atuação dos funcionários”.

Ao analisar com quem os respondentes norte-americanos estiveram na Disney World, obteve-se que as companhias foram, respectivamente, com os pais (42%), com os filhos (21%), com amigos (21%) e outros (16%). Nenhum dos respondentes esteve sozinho ou em excursão.

Gráfico 2 - Com quem esteve presente na Disney World

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Brasileiros Norte-americanos

Outros

Sozinho(a)

Excursão

Amigos

Filhos

Pais

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20114040

Na análise das respostas da amostra norte-americana, foi possível observar que as de maior relevância foram “tecnologias” e “limpeza”, enquanto as características de menor relevância foram, respectivamente, “alimentação” e ”souvenires”. As de-mais características apresentaram relevância média, com destaque para a “atuação dos funcionários”. Vale destacar que os norte-americanos possuem opiniões opos-tas entre si, uma vez que muitas características apresentaram divisão semelhante de respondentes, que consideram a mesma variável com relevâncias diferentes.

Quando perguntados sobre qual palavra melhor definia o sentimento dos visi-tantes brasileiros, em relação ao tratamento recebido na Disney, observou-se que os respondentes sentiram-se como Hóspedes (47%), Clientes (38%), Estrangeiros (13%) e apenas 2% se definiram como Indiferentes. As respostas para ambas as culturas estão apresentadas no Gráfico 3.

Analisando as informações obtidas dos respondentes norte-americanos, obser-vou-se que 60% se sentiram como Clientes, Indiferentes, com 36%, enquanto 4% sentiram-se como Hóspedes. Nenhum respondente norte-americano considerou a opção Estrangeiro.

Gráfico 3 - Sentimento em relação ao atendimento

Fonte: Respondentes da pesquisa.

A questão seguinte objetivou entender as características que fizeram com que os visitantes se sentissem mais à vontade na Disney World. Os respondentes brasi-leiros consideraram a “estrutura física, limpeza e segurança” como de mais relevân-cia, seguida por “opções de lazer para todas as idades” e “atendimento e receptivi-dade”. As características de menor relevância foram, respectivamente, “diversidade de idiomas de atendimento e informação” e “diversidade de alimentação”. As de-mais características apresentaram relevância média.

Os respondentes norte-americanos consideraram o “atendimento e receptividade” como a características de maior relevância, seguida por “diversidade de idiomas de aten-

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Cliente Hóspede Estrangeiro IndiferenteBrasileiros Norte-americanos

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4141Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47

Fonte: Respondentes da pesquisa.

A Disney World é, sem dúvida, um paraíso para os brasileiros. Isso fica claro ao se analisar que mais de 75% da amostra de visitantes brasileiros define o local como “surpreendente e com atenção aos mínimos detalhes”. Tal característica pode ser explicada por diversos comportamentos culturais anteriormente abordados na análise de outras respostas.

Por fim, analisando-se os comentários livres dos brasileiros sobre a Disney World, foi possível observar que são, na maioria, elogios ao ambiente e à experiência vivida. Mui-tos falam em sonho, magia e experiência inesquecível, além de lembrar da organização e limpeza. Já os norte-americanos citaram a “magia do local”, registrando dicas sobre como aproveitar melhor a visita e comparando com outros parques da Disney.

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Brasileiros

Norte-americanos

Funcionários comprome�dos e atentos

Uma surpresa após a outra

Atenção aos minimos detalhes

Opções que agradam a todos

Superou minhas expecta�vas Esperava mais dessa experiência

dimento e informação” e “opções de lazer para todas as idades”. As características de menor relevância foram, respectivamente, “ruptura com o mundo real” e “possibilidade de integração/união familiar”. As demais alternativas apresentaram relevância média.

Os pesquisados também foram perguntados sobre qual expressão melhor define a Disney, dentre seis preestabelecidas, conforme o Gráfico 4. Para quase metade dos respondentes brasileiros (47%), a expressão que melhor define a Disney é “atenção aos mínimos detalhes”, seguido de “uma surpresa após a outra” (29%). Os itens “fun-cionários comprometidos e atentos” e “esperava mais dessa experiência” representa-ram, cada uma, 2% da opinião dos respondentes, enquanto “opções que agradam a todos” e “superou minhas expectativas” representaram, respectivamente, 11% e 9%.

Para metade dos respondentes norte-americanos, a expressão que melhor de-fine a Disney é “opções que agradam a todos”, seguido de “atenção aos mínimos detalhes” (25%). Os itens “uma surpresa após a outra” e “esperava mais dessa expe-riência” representaram, cada, 7% da opinião dos respondentes, enquanto “supe-rou minhas expectativas” representou 11%. Nenhum respondente definiu a Disney com a expressão “funcionários comprometidos e atentos”.

Gráfico 4 - Expressão que melhor define a Disney World

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20114242

Como o objetivo do estudo era comparar as duas culturas selecionadas (com foco na percepção da experiência na Disney World), elaborou-se dois gráficos cruzando as duas principais questões da pesquisa, obtendo um comparativo entre a percepção de ambas as culturas. Os Gráficos 5 e 6 foram gerados a partir da ponderação da escala de valor atribuída à variável (de 1 a 7, onde o 7 representava a maior importância para o pesqui-sado) pelo percentual de respondentes em cada um dos níveis da escala. Desta forma, obteve-se uma média ponderada para cada variável, nas duas culturas estudadas.

Gráfico 5 - Comparativo: características relevantes

Fonte: Respondentes da pesquisa.

Gráfico 6 - Comparativo: características que contribuem para se sentir à vontade

Fonte: Respondentes da pesquisa.

2,0

2,5

3,0

3,5

4,0

4,5

5,0

5,5

Lim

peza

Tecn

olog

ias

Org

aniz

ação

Atua

ção

dos

func

ioná

rios

Alim

enta

ção

Fant

asia

s/M

agia

Souv

enie

res

Brasileiros Norte-americanos

2,0

2,5

3,0

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Div

ersid

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Brasileiros Norte-americanos

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4343Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47

Considerações finais

A teoria sobre Comportamento do Consumidor aborda a cultura como um fator que influi na percepção do indivíduo em relação a um produto ou serviço, bem como em suas escolhas, principalmente por causa dos valores transmitidos por essa cultura.

O estudo dos principais valores que compõem a cultura mostrou que os norte--americanos apresentam características que podem tender ao individualismo e à valorização da competição, inovação e independência. Como visto nos resultados da pesquisa, a “tecnologia” existente na Disney World foi uma variável amplamen-te valorizada pelos respondentes norte-americanos, talvez por causa da atenção dada à inovação, por parte dos indivíduos.

Além disso, pôde-se observar que os norte-americanos deram pouca atenção para a possibilidade de união familiar que a Disney World proporciona, mesmo considerando que mais de 50% dos respondentes estiveram nos parques na com-panhia de pais ou filhos, demonstrando a influência do individualismo na valoriza-ção das variáveis. Da mesma forma, a escolha da expressão “opções que agradam a todos”, por metade dos respondentes, era, portanto, inesperada, se considerada a menor preocupação com a integração com outras pessoas.

Considerando os valores voltados ao ambiente, viu-se que os norte-americanos valorizam a limpeza, a mudança, o domínio da natureza e as recompensas baseadas no desempenho. O fato de a limpeza ter sido considerada variável de importância média pode significar que o costume com ambientes limpos é tão comum que se-quer chama a atenção dos indivíduos. Ademais, 61% dos respondentes disseram se sentir como Clientes, na Disney World, o que reforça a cultura como extremamente profissional e voltada ao desempenho, ou seja, o cliente paga e deve ter um bom atendimento como recompensa. Essa característica também foi confirmada pela alta valorização do atendimento e receptividade por parte dos respondentes.

Em relação aos valores voltados ao indivíduo, os norte-americanos possuem características relacionadas ao consumismo, conforme Brigham Young University (2011b), no sentido de pouparem pouco, o que pode explicar a alta importância dada por alguns indivíduos aos souvenires, na Disney World. Embora sejam eclé-ticos nas práticas de lazer, a baixa percepção de que a Disney proporciona uma ruptura com o mundo real pode ser explicada pela valorização do trabalho, carac-terística muito observada na população norte-americana.

Os brasileiros possuem uma característica que pode não ter sido traduzida nos resultados obtidos na pesquisa. Assim como nas culturas asiáticas, os brasileiros possuem um conceito de obrigação para com a família mais abrangente do que os norte-americanos. A pesquisa mostrou que menos de 50% dos respondentes estiveram na Disney com familiares (pais ou filhos). Além disso, a oportunidade de obter opções de lazer para todas as idades foi um quesito altamente percebido pelos brasileiros.

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A melhoria das condições econômicas do Brasil, ocorrida a partir de 2006, com o aumento da renda e do poder de compra, pode ser uma das explicações para que quase 50% dos brasileiros da amostra pesquisada já tenham ido à Disney World mais de uma vez. E esses dados podem também ser relacionados à característica dos brasileiros, que difere da apresentada pelos norte-americanos, no que tange à importância dada ao lazer e ao trabalho. Os brasileiros são voltados mais ao lazer, e esse fato pode explicar os resultados obtidos na pesquisa.

Além disso, viu-se também que os brasileiros costumam valorizar o tempo livre e costumam ter férias pelo menos uma vez por ano, aproveitando para viajar tanto para destinos nacionais como internacionais.

Viu-se também que os brasileiros possuem hábitos alimentares diversos, que varia de região para região, o que pode explicar a pouca importância atribuída, à variável alimentação, na pesquisa. Organização e limpeza figuraram como variáveis de alta percepção para os brasileiros, muito provavelmente como consequência do avanço da prestação de serviço existente nos EUA em relação ao Brasil. As respostas obtidas na análise de fatores que fazem os visitantes se sentirem à vontade, na Dis-ney World, também confirmaram essa tendência cultural, uma vez que a estrutura física, a limpeza e a segurança foram consideradas as principais características.

As referências que apresentam a Disney World como um benchmark em prestação de serviço, ficam mais evidentes, entre os brasileiros, do que para os norte-americanos. Qua-se metade dos pesquisados brasileiros (47%) manifestou a sensação que se tem, na Disney de ser um autêntico hóspede, que é, de fato, a missão da Disney, fato não observado entre os respondentes norte-americanos. A explicação pode estar, também, na crença de re-compensas por status, existente na cultura brasileira. Ou seja, o status que a Disney possui já influencia por si só a percepção dos brasileiros em relação ao serviço prestado.

Os brasileiros são vistos como um povo adaptável e flexível, o que pode ser a causa da despreocupação dos visitantes tanto com a diversidade alimentar quanto com a diversidade de idiomas para atendimento. De alguma forma, os brasileiros acreditam que conseguem se adaptar a qualquer situação adversa, seja de cunho alimentar, seja de cunho de comunicação e entendimento.

A influência cultural na percepção é nítida para ambas as culturas estudadas. Entretanto, ao comparar a percepção de brasileiros e norte-americanos, em rela-ção à Disney, observa-se que os brasileiros valorizam mais muitas características lá observadas do que os norte-americanos, por causa da diferença de oportunidades e desenvolvimento existente entre os países. Isso explica a lacuna na percepção de brasileiros e norte-americanos quanto à limpeza (ainda que os norte-americanos também valorizem tal característica) e organização.

Por outro lado, embora ambas as culturas não valorizem tanto as possibilidades de alimentação, na Disney World, tal característica apresenta maior valorização por parte dos norte-americanos, menos adaptáveis e informais que os brasileiros.

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4545Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47

No que tange às semelhanças na percepção de ambas as culturas, em relação às características analisadas, vale destacar que o fato de possibilitar lazer para todas as ida-des, faz da Disney World um local extremamente agradável para visitação, juntamente com o fato de ser um local em que o atendimento e a receptividade são notáveis.

O estudo abordou um tema de grande importância para o planejamento es-tratégico e de marketing. O entendimento da cultura pode significar o sucesso ou o fracasso para uma organização, uma vez que as variáveis culturais influenciam o comportamento de compra dos consumidores. Investimentos em desenvolvimen-to de produtos e serviços inovadores podem se dissipar sem gerar retorno algum se a inovação não estiver alinhada com a cultura do público-alvo.

Por essa razão, o estudo analisou, na prática, o funcionamento da relação cultura–percepção, a partir da utilização de uma empresa benchmark em prestação de serviço, e “consumida” por clientes de diversas culturas, de todas as partes do mundo. Buscou-se, assim, não apenas entender melhor o tema na prática, mas confirmar a existência de uma organização que é capaz de satisfazer, da mesma forma, culturas diferentes.

O problema apresentado no estudo era obter a correlação entre as características culturais de norte-americanos e brasileiros e a percepção dos indivíduos dessa cultura em relação ao serviço prestado na Disney World, o que significa dizer que se preten-deu relacionar variáveis comportamentais com respostas dadas na pesquisa. Os com-portamentos de brasileiros e norte-americanos foram estudados, e um questionário foi aplicado para pessoas de ambas as culturas, obtendo-se os dados para análise.

Os resultados mostraram que brasileiros e norte-americanos possuem percepções distintas, em relação ao serviço prestado na Disney World, quando se comparam as preferências, conforme sugerido na segunda hipótese. Foi possível notar tal afirma-ção quando comparadas as características mais valorizadas e também a palavra que define o sentimento que se tem do atendimento nos parques da Disney World. Den-tre os brasileiros, a maior parte se sentiu como “Hóspede”, enquanto o sentimento de ser “Cliente” foi o mais considerado dentre a amostra de norte-americanos.

Entretanto, ambas as culturas confirmaram a primeira hipótese, de que a Disney consegue proporcionar um serviço que gera sentimentos semelhantes independen-temente da cultura estudada. O sentimento obtido foi de satisfação, ainda que em maior grau entre brasileiros do que entre norte-americanos. Não apenas os resulta-dos numéricos, mas também os comentários obtidos nos questionários comprovam essa afirmação e endossam a fama da Disney na prestação de serviço de qualidade.

Para ambas as culturas, a experiência na Disney World é mágica e diferenciada, e em ambas há indivíduos que acreditam haver melhorias em alguma esfera da prestação do serviço.

A terceira hipótese, de que os indivíduos tinham comportamentos heterogêne-os, mesmo dentro da mesma cultura, também foi comprovada, principalmente no

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caso dos norte-americanos, que apresentaram lacunas estreitas, nas avaliações da importância de características, sem grandes oscilações entre as opiniões, indican-do heterogeneidade de opiniões.

Portanto, conclui-se que a Disney World também sofre influência da cultura dos seus visitantes, conseguindo ser referência para diferentes culturas, não de forma única e estática, mas por meio da busca pela perfeição, em vários “pontos de con-tato”, consegue se proteger das variações existentes entre culturas distintas e den-tro de culturas semelhantes. E é bem provável que esse seja o segredo do sucesso: formar, a partir de detalhes diversos, uma experiência única.

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ARTIGO RECEBIDO EM: 03/10/2012ARTIGO APROVADO EM: 05/11/2012

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4949O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68

O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em

instituições financeiras

Mauro Maia Laruccia*

Karen Junko Yamada**

Resumo: Este trabalho examina as instituições financeiras e seu envolvi-mento com a preocupação com o de-senvolvimento sustentável e o risco so-cioambiental que seus clientes podem apresentar, bem com a área de risco socioambiental e Compliance. Discute a corresponsabilidade das instituições fi-nanceiras quando uma empresa comete infrações socioambientais utilizando re-cursos tomados no banco, como exem-plo: desmatamentos, poluição dos rios, mares e lagos, incentivos ao trabalho escravo e infantil. Para minimizar e pre-venir este tipo de exposição negativa, as instituições criam áreas responsáveis pelo risco socioambiental integradas com a área de Compliance para mitigar os riscos de imagem e de inadimplência.

Palavras-chave: Compliance. Ética. So-cioambiental. Sustentabilidade.

* Bacharel em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em Administra-ção e Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é profes-sor Faculdade de Administração da FAAP e Avaliador ad hoc do INEP/MEC e do CEE/SP. E-mail: [email protected].

** Bacharelado em Administração pela PUC-SP, estagiou na área de Compliance do Banco Credit Agricole no Brasil e atualmente é analista de Compliance em outra Instituição Financeira. E-mail: [email protected].

Abstract: This paper examines finan-cial institutions and their involvement concerning sustainable development and environmental risk which custom-ers may experience, as well as areas concerned with risk and environmen-tal Compliance. It also discusses fi-nancial institutions´ responsibilities in cases such as when a company com-mits socio environmental infractions using borrowed funds from the bank, for example: deforestation, pollution of rivers, lakes and seas, incentives for slave and child labor. To minimize and prevent this kind of negative exposure, institutions create responsible areas for social and environmental risks integrat-ed with the Compliance area in order to mitigate risks of default and image.

Keywords: Compliance. Ethics. Socio-environmental. Sustainability.

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Introdução

O assunto apresentado informa como o desenvolvimento sustentável nas em-presas atualmente irá afetar a área de Compliance nas Instituições Financeiras. De acordo com o Relatório de Brundtland e intitulado Nosso Futuro Comum publica-do em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (BRUN-DTLAND, 1991).

Para o World Wildlife Fund (WWF), a definição de desenvolvimento sustentá-vel é “o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro” (WWF BRASIL, 2012). Declara que para que se alcançar o desenvolvimento sustentável, “depende do planejamento e do reconhecimento de que os recursos naturais são finitos”. Ainda segundo o WWF BRASIL (2012):

Muitas vezes, a palavra desenvolvimento é confundida com crescimento econômico, que depende do consumo crescente de energia e recursos naturais. Esse tipo de desen-volvimento tende a ser insustentável, pois leva ao esgotamento dos recursos naturais dos quais a humanidade depende.Atividades econômicas podem ser encorajadas em detrimento da base de recursos na-turais dos países. Desses recursos depende não só a existência humana e a diversidade biológica, como o próprio crescimento econômico.O desenvolvimento sustentável sugere, de fato, qualidade em vez de quantidade, com a re-dução do uso de matérias-primas e produtos e o aumento da reutilização e da reciclagem.

O conceito de desenvolvimento sustentável, segundo a declaração da Confe-rência da ONU (conhecida também como Conferência da Terra), ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, sobre o Meio Ambiente e desenvolvimento teve como resultado a Agenda 21 que é um documento que estabeleceu a importância de cada país a se comprometer a refletir, global e localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não-governamentais, e todos os setores da sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas socioambientais. A Agenda 21 se constitui num poderoso instrumento de reconversão da sociedade industrial rumo a um novo paradigma, que exige a reinterpretação do conceito de progresso, contemplando maior harmonia e equilíbrio holístico entre o todo e as partes, promovendo a qualidade, não apenas a quantidade do crescimento.

Sustentabilidade está intimamente relacionada ao conceito de responsabilida-de social das organizações. Além disso, a ideia de “sustentabilidade” adquire con-tornos de vantagem competitiva. Isto permitiu a expansão de alguns mercados, nomeadamente o da energia, com o surgimento das energias renováveis. Segundo Porter (1980), em geral as empresas desenvolvem uma estratégia competitiva e uma estratégia de responsabilidade social, no entanto devem ter é uma estratégia.

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Uma consciência sustentável, por parte das organizações, pode significar uma vantagem competitiva, se for encarada como única estratégia da organização, tal como defende Porter, e não como algo que concorre a parte apenas como parte da política de imagem ou de comunicação. A ideia da sustentabilidade, como estraté-gia de aquisição de vantagem competitiva, por parte das empresas, é refletida, de uma forma expressamente declarada, na elaboração do que as empresas classifi-cam como “Relatório de Sustentabilidade”.

Nos últimos anos, em meio às crises financeiras que abalaram os mercados mun-diais, aumentou a necessidade de se conhecer melhor os serviços e produtos, se pos-suem padrões de qualidade e o grau de riscos que podem ser oferecidos ou mesmo minimizar a preocupação, e é para isto que existe a área de Compliance nas empresas.

A palavra Compliance vem do verbo em inglês “to comply”, que significa “cumprir”, “satisfazer”, “executar”. Assim, quando uma empresa está em Compliance, significa que ela está em conformidade, ou seja, cumprindo as leis e regulamentos internos e ex-ternos. Para que isso ocorra, todos os colaboradores da instituição devem se envolver, sempre executando suas tarefas dentro dos mais altos padrões de qualidade e ética.

A missão da área de Compliance em uma instituição está voltada a assegurar a existência de políticas e normas, pontos de controle nos processos para mitigar riscos, relatórios que visem melhorias nos controles internos e práticas saudáveis para a gestão de riscos operacionais.

Tudo isso para garantir credibilidade frente a clientes, fornecedores, acionistas e colaboradores, de forma transparente, assegurar que a estrutura organizacional e os procedimentos internos estão em conformidade com os regulamentos externos e internos, além de permitir que a companhia mantenha suas finanças saudáveis, minimizando riscos de perdas.

Tendo em vista os conceitos de sustentabilidade e Compliance, e a importância deste dois para as instituições, a pesquisa realizada irá mostrar como o desenvol-vimento sustentável afetará a gestão de Compliance nas instituições financeiras. O problema de pesquisa é como o desenvolvimento sustentável afetará a gestão de Compliance nas instituições financeiras?

O desenvolvimento sustentável vem sido tratado com mais atenção e preocu-pação. Em principal foco estão as instituições financeiras que são tidas como cor-responsáveis, no caso de uma empresa que tenha cometido uma infração perante as leis socioambientais, como exemplo: desmatamentos, poluição dos rios, mares e lagos, incentivos ao trabalho escravo e infantil; e tiveram que responder a proces-sos pelo financiamento a estas práticas.

Esse trabalho se justifica, pois ainda é um tema emergente que necessita de mais pesquisas, artigos e discussões, pois uma estrutura de Governança deveria contemplar uma estrutura de suporte à gestão obtendo um gerenciamento de

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risco, por isso os bancos estão se adaptando para adoção de boas práticas e com a participação de alguns sociólogos, biólogos e profissionais para a avaliação de risco estão criando a área de risco socioambiental visando atender ao Protocolo Verde onde os bancos reconhecem que podem cumprir um papel indutor funda-mental na busca de um desenvolvimento sustentável que pressuponha a preser-vação ambiental e uma contínua melhoria no bem estar da sociedade.

A pesquisa visa o estudo das instituições financeiras brasileiras e seu en-volvimento com a preocupação com o desenvolvimento sustentável e o risco socioambiental que seus clientes ou possíveis clientes podem apresentar, mas principalmente as áreas interessadas como a área de risco Socioambiental e Compliance, entrando em sinergia para uma sugestão de uma estratégia orga-nizacional para que elas estejam em conformidade com as leis socioambientais nos processos internos que envolvem a gestão sustentável, que é a capacidade para dirigir o curso de uma empresa seja ela qual for, comunidade ou país, atra-vés de processos que valorizam e recuperam todas as formas de capital, humano, natural e financeiro.

O objetivo pode ser dividido em geral e específico. Geral é pesquisar se as ins-tituições atualmente estão preocupadas em realizar uma gestão sustentável e vinculá-la com o planejamento estratégico estando em conformidade com as leis e regras já existentes. O objetivo específico é analisar como as instituições estão conceituando estes assuntos internamente e de que forma elas estão fazendo isso.

1 Definições de Compliance

Sem aqui expor de forma detalhada um longo processo evolutivo do processo hoje denominado Compliance. O marco inicial ocorreu em 1930 e que concebeu a fundação do BIS – Bank for International Settlements, sediado em Basiléia, na Suíça, cujo principal objetivo foi buscar a cooperação entre os bancos centrais.

Em 1960, a “SEC - Secutities and Exchange Commission” passou a insistir na con-tratação de “Compliance Officers” para criar procedimentos internos de controles, treinar pessoas e monitorar, com o objetivo de auxiliar as áreas de negócios a ter a efetiva supervisão.

Em 1988 se inicia a era dos controles internos e surge o “Acordo de Basiléia”, constituído pelo Comitê de Basiléia, no âmbito do BIS, publicando os 13 princípios concernentes à supervisão pelos administradores e cultura/avaliação de Controles Internos, tendo como fundamento a ênfase na necessidade de Controles Internos efetivos e a promoção da estabilidade do Sistema Financeiro Nacional (SFN).

Na década de 1990 com a abertura comercial incrementada nacionalmente, o Brasil buscou alinhar-se com o mercado mundial e a alta competitividade e simul-taneamente os órgãos reguladores, também, aumentaram sua preocupação em

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implementar as novas regras de segurança para as instituições financeiras e regu-lar o mercado interno em aderência às regras internacionais.

A aceleração da competição de mercado foi um dos fatores que contribuiu para a falência de instituições, concentrada nos anos 2000, em que as instituições fi-nanceiras tiveram que iniciar um ciclo de mudanças cada vez mais radicais, com reestruturações estratégicas, organizacionais e tecnológicas, para construir uma imagem forte da instituição financeira perante seus clientes e fornecedores.

Pesquisa realizada em 2004 pela Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN)

menciona os exemplos de como o Compliance agrega valor: (1) Qualidade e velo-cidade das interpretações regulatórias e políticas e procedimentos de Compliance relacionados; (2) Aprimoramento do relacionamento com reguladores, incluindo bom retorno das revisões dos supervisores; (3) Melhoria de relacionamento com os acionistas; (4) Melhoria de relacionamento com os clientes; (5) Velocidade dos novos produtos em conformidade para o mercado; (5) Disseminação de elevados padrões éticos/culturais de Compliance pela organização; e (6) Acompanhamento das correções e deficiências (não-conformidades).

Uma das responsabilidades da função é identificação, medição e avaliação do risco que está bem definido como “Compliance deve, de maneira pró-ativa, identi-ficar, documentos e avaliar os riscos associados à conformidade das atividades da instituição, ao de criação de novos negócios ou do relacionamento com clientes.” (CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, p. 32)

Outra questão é o respeito às normas para evitar punições de órgãos regulado-res e para que a relação entre eles seja harmônica, portanto, o sentido das normas gerais está ligado ao fato de que elas são concretizações e materializações de prin-cípios éticos, jurídicos e democráticos, então

O primeiro compromisso ético dos cidadãos, inclusive das organizações, entre as quais se incluem as empresas (cidadania empresarial), reside no cumprimento da lei. Não simplesmente para evitar a imposição de alguma sanção, mas como um dever cívico (COIMBRA; MANZI; 2010, p. 15-16).

Não esquecendo que faz parte das responsabilidades de Compliance zelar pelo comportamento ético de todas as pessoas de uma instituição e, portanto de sua conduta, é muito comum que as instituições redijam seu código de ética e conduta sempre visando às missões, valores e visão da empresa ou instituição financeira, devido aos valores morais que cada indivíduo traz consigo e que po-dem ser prejudiciais.

Dessa forma, “o comportamento moral de cada indivíduo está sujeito a normas, princípios e valores estabelecidos por determinada sociedade em determinada época; ele depara com o conjunto de normas já estabelecido e aceito pela socie-dade na qual está inserido” (CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, p. 78).

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A ética, por ser um conjunto de valores na qual

diz respeito a olhar para determinadas normas, valores e comportamentos e julgá-los, analisando, em princípio, se estas normas e valores são contraditórias entre si e avaliando quais fazem mais sentindo de serem aplicados em determinadas situações. Não se trata apenas e tão somente de expressão uma opinião sobre como as pessoas deveriam se comportar, mas de tentar identificar uma unidade nas diversas crenças morais. Traduzin-do, essa filosofia em termos práticos, ética significa estabelecer uma justificativa racional para as escolhas e comportamento do grupo. (CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, p. 79).

Ainda de acordo com os autores, a expressão “Good Compliance is Good Busi-ness” descreve o Compliance para nortear as instituições na condução dos negó-cios, na proteção dos interesses dos clientes e na preservação da reputação empre-sarial (CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012).

O risco de Compliance é definido como sendo

um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e legais, que, uma vez definido e implantado, será a linha mestra que orientará o comportamento da instituição no mer-cado em que atua, bem como as atitudes de seus funcionários; instrumento capaz de controlar o risco de imagem e o risco legal (CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, p. 30).

E como não existe solução que elimine todos os riscos, eles devem ser monitorados objetivando acompanhar a exposição a riscos, mitigá-los e reduzir os seus impactos.

A gestão de riscos de Compliance envolve basicamente três fases: Mensuração do risco: iden-tificação e avaliação dos riscos e dos impactos dos riscos, com a indicação de medidas cor-retivas; Mitigação do risco: definição de prioridades, implementação e gestão das medidas indicadas na fase 1; e Avaliação contínua e revisão do processo (COIMBRA; MANZI, 2010, p. 92).

2 Desenvolvimento Sustentável

As atividades econômicas têm como base o uso e a transformação de recursos naturais para a realização dos negócios, portanto, quando se discute a sustentabi-lidade, se discute o futuro da humanidade. Há uma dependência mútua entre as pessoas, o planeta e as atividades econômicas.

Uma vez que a sociedade depende dos recursos naturais, é importante lembrar que a Terra é um sistema fechado. Isso quer dizer que todos os recursos disponí-veis, com exceção da energia solar, possuem limites de utilização.

As atenções do mundo para com a crise ambiental se iniciaram em Estocolmo em 1972 e atinge seu ápice no Rio de Janeiro em 1992, quando foram lançadas no-vas concepções de desenvolvimento, e vive um momento de frustração em 2002 em Johannesburgo, dez anos depois.

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No ano de 1992, geravam-se condições para fortalecer um novo momento de cooperação internacional. A Cúpula da Terra contribuiu para consolidar a percep-ção da sociedade para as relações entre as dimensões ambientais, sociais, culturais e econômicas do desenvolvimento, obtendo um consenso em torno da questão ambiental por meio da Agenda 21.

Em 2002, na RIO+10 e atualmente com a RIO+20, as conclusões foram de poucas decisões e muita frustração pela concretização de poucas metas e pela falta de prazos precisos, para a solução dos problemas que cresceram e reduziram o avan-ço nas políticas globais que promovam o desenvolvimento sustentável.

Apesar das críticas de que tem sido alvo, o conceito de desenvolvimento sustentável re-presenta um importante avanço, na medida em que a Agenda 21 global, enquanto plano abrangente de ação para o desenvolvimento sustentável no século XXI considera a com-plexa relação entre o desenvolvimento e o meio ambiente numa grande variedade das áreas. Isso marca a afirmação de uma filosofia do desenvolvimento que combina eficiên-cia econômica com justiça social e prudência ecológica, como premissas da construção de uma sociedade solidária e justa. (DEMAJOROVIC, 2003, p. 9).

O desenvolvimento sustentável não é um problema limitado às adequações ecológicas de um processo social, mas a uma estratégia ou modelo para a socie-dade, já que deve levar em conta tanto a viabilidade econômica como a ecológica.

Num sentido abrangente, a noção de desenvolvimento sustentável relaciona--se com a necessidade de redefinição das relações da sociedade humana-natureza e, portanto, em uma mudança do próprio processo civilizatório.

O fato de os problemas ambientais e os riscos decorrentes terem crescido a passos agigan-tados e a sua lenta resolução ter se tornado de conhecimento público pelo seu impacto aumenta a importância da educação ambiental nas suas diversas dimensões. O desafio, então, é criar as condições para se não reduzir, pelo menos atenuar o preocupante quadro de riscos existente, que afeta desigualmente a população. Os riscos estão diretamente re-lacionados com a modernidade reflexiva e os ainda imprevisíveis efeitos da globalização. Isso implica a necessidade da multiplicação de práticas sociais pautadas pela ampliação do direito à informação e de educação ambiental numa perspectiva integradora. Trata-se de potencializar iniciativas a partir de suposição de que maior acesso à informação e trans-parência na gestão dos problemas ambientais urbanos podem levar a uma reorganização de poder e autoridade. (DEMAJOROVIC, 2003, p. 11).

Dessa forma, o desenvolvimento sustentável também deve se preocupar

Para reverter os problemas citados é necessário mais do que garantir pessoas ou departa-mentos e equipamentos para tratar dos problemas socioambientais. Com efeito, as faltas de profissionais mais bem qualificadas na área ambiental ou as deficiências em sua forma de atuação constituem uma explicação parcial e simplificada do problema, que se apre-sentam dimensões bem mais complexas. (DEMAJOROVIC, 2003, p. 60).

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20115656

Estas preocupações passaram pelos órgãos de grande visibilidade internacio-nal como Banco Mundial e as Nações Unidas que criaram iniciativas próprias como a International Finance Corporation (IFC), The United Nations Environment Program-me Finance Initiative (UNESP-FI), o Protocolo Verde e Princípios do Equador. Des-tacando-se como objetivo de estudo o Protocolo Verde, Princípios do Equador, Agenda 21 e RIO+20.

3 Protocolo Verde

O Protocolo Verde foi criado por um Grupo de Trabalho (GT) instituído pelo Go-verno brasileiro através de decreto em 29 de maio de 1995. O Grupo de Trabalho foi formado por representantes do Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA); Ministério da Fazenda; Ministério da Agricultura e do Abastecimento e da Reforma Agrária; Ministério do Planejamento e Orçamento; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA); Banco Central do Brasil (BACEN); Banco do Brasil (BB); Banco da Amazônia S.A. (BASA); Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB); Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O Protocolo Verde tem como objetivo de incorporar a variável ambiental na gestão e concessão de crédito, empréstimos e financiamentos dos bancos federais, e assim “[...] impedir que o crédito oficial e os incentivos fiscais fossem utilizados de maneira prejudicial ao meio ambiente e à sociedade [...]” (RIBEMBOIM, 1996, p. 165). Dessa forma o governo brasileiro estaria adotando formas preventivas e de controle de danos ambientais vindos de projetos financiados com recursos oficiais.

O crédito que financia a produção e consumo fica atrelado à moralidade e a legalidade de quem os financia, principalmente quando se tem consciência da finitude dos recursos, portanto as instituições financeiras tornam-se corresponsáveis por financiamentos que possam resultar em danos ambientais (MACHADO, 1996).

Pelo artigo 12 da Lei 6.938/81 as instituições financeiras eram obrigadas a exigir o licenciamento ambiental dos projetos que fossem financiados. O critério ainda não é bem aceito, pois veem este conceito como um entrave para os negócios e não como um instrumento a seu favor, que está auxiliando na prevenção de danos ao meio ambiente e de possíveis processos ambientais.

Na Figura 1 constam as recomendações do Protocolo Verde às instituições fi-nanceiras federais.

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5757O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68

O Protocolo Verde deve ser visto como uma iniciativa e não como um mode-lo definitivo que pretende aliar a economia e meio ambiente a fim de inserir o desenvolvimento sustentável no País. O Protocolo pode parecer um pouco novo para as instituições financeiras e o público, mas com os Princípios do Equador, re-sumidamente detalhado a seguir, e a aderência por parte de algumas instituições financeiras brasileiras privadas e estrangeiras para o financiamento de projetos de empresas que possam agredir o meio ambiente de alguma forma.

Figura 1 - Recomendações do Protocolo Verde às instituições financeiras federais

Fonte: Protocolo Verde (1995).

1

Explicitar seu compromisso com a variável ambiental, por intermédio de uma Carta de Princípios, que serviria tanto como guia interno para suas operações, como de estímulo aos clientes sobre a relevância do meio am-biente na elaboração e gestão de projetos. Essa atitude tem sido tomada por vários bancos públicos e privados em todo o mundo, ao aderirem à Declaração Internacional dos Bancos para o Meio Ambiente e Desenvolvi-mento Sustentável, patrocinada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

2

Constituir unidades ou grupos de técnicos que se dediquem especialmente para identificar a relação entre meio ambiente e as atividades econômi-cas, atuando internamente para promoção e coordenação de atividades estratégicas quanto ao tema e participando de atividades externas com outras instituições. Tal providência é necessária para a plena incorporação da variável ambiental nas estruturas das instituições financeiras federais e executar os compromissos firmados pela diretoria na Carta de Princípios. As instituições financeiras poderão buscar apoio para o treinamento dessas unidades junto a fontes internacionais ou nacionais privadas.

3

Promover a difusão de conhecimentos sobre o meio ambiente para os empregados, por intermédio de treinamento, intercâmbio de experiências, elaboração e análise de projetos ambientais etc. Seria também desejável a utilização da rede de agências para complementar as iniciativas de edu-cação ambiental.

4

Adotar sistemas internos de classificação de projetos, que levem em conta o impacto sobre o meio ambiente e suas implicações em termos de riscos de crédito. Este procedimento facilitará a análise dos projetos nas diversas áreas operacionais dos bancos e permitirá priorizar propostas que utiliza-rem técnicas e procedimentos ambientalmente sustentáveis.

5Identificar mecanismo de diferenciação nas operações de financiamento, em termos de prazos e taxas de juros, com base na mensuração dos custos decorrentes de passivos e riscos ambientais.

6 Promover a criação de linhas de financiamento para as atividades de reci-clagem, recuperação de resíduos e recuperação das áreas de disposição.

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20115858

4 Princípios do Equador

Os princípios, primeiramente, são voltados para as instituições financeiras pri-vadas e para financiamentos na modalidade de Project Finance, a adoção dos Prin-cípios do Equador é vista pelos bancos signatários como uma atitude que pode garantir o financiamento de projetos com desenvolvimento socioambiental e as-sim, consequentemente, trazer benefícios para a instituição, os clientes e todas as partes envolvidas.

Os Princípios foram revisados em 2006 e atualmente é composta pelos dez

princípios apresentados na Figura 2.

Os projetos categorizados como “A” têm possibilidade de apresentar significa-tivos impactos ambientais adversos diferentes ou sem precedentes. Os projetos de Categoria “B” têm potencial de causar impactos ambientais adversos em áreas ambientalmente importantes ou populações humanas, todavia menos adversos que os projetos categorizados como “A”. Os projetos na Categoria “C” apresentam mínima possibilidade ou nenhum impacto ambiental adverso.

Figura 2 - Os 10 Princípios do Equador

Continua...

1Revisão e categorização - Os projetos estarão sujeitos a uma revisão e serão categorizados com base na magnitude do impacto ou risco que rep-resentam, de acordo com os critérios socioambientais estipulados pelo IFC.

2

Avaliação socioambiental - Os projetos da categoria A e B devem conduzir uma avaliação socioambiental apropriada e satisfatória para as instituições financeiras signatárias, apresentando aspectos possíveis impactos e riscos so-cioambientais do proposto projeto; medidas mitigadoras e de gerenciamento.

3

Padrões socioambientais aplicáveis - Os projetos devem apresentar a Avaliação de Impactos Socioambientais baseada nos documentos Perfor-mance Standards do IFC e Industry Specific EHS Guidelines do Banco Mundial e de acordo com a legislação, regulamentação e licenças locais.

4

Plano de ação e sistema de gerenciamento - Para projetos que estão nas categorias A e B é imprescindível apresentar um plano de ação que deverá descrever e priorizar ações necessárias para a implementação de medidas mitigadoras, corretivas e de monitoramento a fim de gerenciar os impactos e riscos socioambientais identificados na avaliação.

5

Consultas e esclarecimentos - O tomador ou um especialista terceirizado deverá consultar, através de audiências públicas, as comunidades afetadas pelo projeto de maneira estruturada e culturalmente adequada. A consulta deverá ocorrer de forma livre, ou seja, isenta de manipulação, interferência ou coerção.

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5959O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68

6

Mecanismo de reclamações - Os projetos que estão na categoria A e, em alguns casos, na B deverão criar um mecanismo de reclamações em seu sis-tema de gerenciamento para assegurar a continuidade das consultas públi-cas e dos esclarecimentos de informações para as comunidades afetadas.

7Revisão Independente - A avaliação e o plano de ação dos projetos da categoria A e, em alguns casos, da B deverão ser analisados por um con-sultor socioambiental independente.

8

Convenções/ Pactos/ Convênios - Para os projetos das categorias A e B se faz necessário cumprir toda a legislação, regulamentações e licenças socio-ambientais do País em todos os aspectos materiais; cumprir o plano de ação durante a construção e operação do projeto em todos os aspectos materi-ais; providenciar relatórios preparados por especialistas terceirizados e que estejam de acordo com o plano de ação e com a legislação vigente.

9

Monitoramento e reporte de informações independentes - A fim de assegurar o contínuo monitoramento e o reporte de informações será solicitado para todos os projetos da categoria A, e em alguns casos da B, verificação de um especialista socioambiental independente das infor-mações que serão compartilhadas com as instituições financeiras.

10

Relatório das instituições financeiras signatárias - Todas as instituições financeiras signatárias dos princípios do Equador devem divulgar um relatório anual seu processo de implementação e experiências com as principais, levando em conta as considerações confidenciais apropriadas.

Fonte: The Equator Principles Association (2006).

Segundo Kono (2006), o BankTrack analisa os Princípios do Equador como vagos, deixando a responsabilidade para os bancos de desenvolverem e implementarem processos e estruturas internas. Além disso, a sua aplicação é limitada a transações que configurem na modalidade de Project Finance; assim não se levaria em conta a natureza e escala do empreendimento e sim o tipo de financiamento.

5 Agenda 21

Agenda 21 é o principal resultado da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – UNCED/Rio-92. O documento foi negocia-do e debatido entre as centenas de países presentes, sendo, portanto, um produto diplomático contendo consensos e propostas.

É um documento estratégico, um programa de ações abrangente para ser ado-tado global, nacional e localmente, objetivando fomentar em escala mundial, a partir do século XXI, um novo modelo de desenvolvimento que modifique os pa-drões de consumo e produção para que se reduzam as pressões ambientais e aten-der as necessidades básicas da humanidade. Este novo padrão, que concilia justiça

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social, eficiência econômica e equilíbrio ambiental, convencionou-se chamar de Desenvolvimento Sustentável.

A Agenda 21 Global é atualmente o documento mais abrangente e de maior alcance no que se refere às questões ambientais, contemplando em seus 40 capí-tulos e quatro seções temas que vão da biodiversidade, dos recursos hídricos e de infraestrutura, aos problemas de educação, de habitação, entre outros. Com isso, tem sido utilizada na discussão de políticas públicas no mundo inteiro, tendo em vista a sua proposta de servir como um guia para o planejamento de ações locais que fomentem um processo de transição para a sustentabilidade.

Significa que se deve melhorar a qualidade de vida no futuro, adotando iniciativas sociais, econômicas e ambientais que levem a um planejamento justo, com vistas a atender às necessidades humanas enquanto se planeja cuidadosamente os diferentes usos dos recursos naturais, possibilitando assim, o mesmo direito às gerações futuras.

Em 1994, o Senado Federal publicou a versão deste documento em português e estruturado em quatro dimensões como mostra a Figura 3.

Figura 3 – Estrutura da Agenda 21

1Dimensões sociais e econômicas

Seção onde são discutidas, entre outras, as políticas internac-ionais que podem ajudar a viabilizar o desenvolvimento sus-tentável nos países em desenvolvimento; as estratégias de combate à pobreza e à miséria; a necessidade de introduzir mudanças nos padrões de produção e consumo; as inter-relações entre sustentabilidade e dinâmica demográfica; e as propostas para a melhoria da saúde pública e da qualidade de vida dos assentamentos humanos.

2

Conservação e gestão dos recursos para o desenvolvimento

Diz respeito ao manejo dos recursos naturais (incluindo solos, água, mares e energia) e de resíduos e substâncias tóxicas de forma a assegurar o desenvolvimento sustentável.

3

Fortalecimento do papel dos principais grupos sociais

Aborda as ações necessárias para promover a participação, nos processos decisórios, de alguns dos segmentos soci-ais mais relevantes. São debatidas medidas destinadas a garantir a participação dos jovens, dos povos indígenas, das ONGs, dos trabalhadores e sindicatos, dos representantes da comunidade científica e tecnológica, dos agricultores e dos empresários (comércio e indústria).

4 Meios de implementação

Discorre sobre mecanismos financeiros e instrumentos jurídicos nacionais e internacionais existentes e a serem cria-dos, com vistas à implementação de programas e projetos orientados para a sustentabilidade.

Fonte: AGENDA 21.

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6161O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68

No ano de 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desen-volvimento ou Rio-92, foi o maior evento realizado no âmbito das Nações Unidas até então. Havia 172 países participantes e 108 chefes de Estado reuniram-se no Fórum Global, no Aterro do Flamengo. A Conferência do Rio consolidou o conceito de desen-volvimento sustentável, no proposto pelo Relatório “Nosso Futuro Comum”, de 1987, que buscava superar o conflito aparente entre desenvolvimento e proteção ambiental.

Em 2002 as Nações Unidas decidiram realizar na África do Sul, uma Conferência para marcar os dez anos do Rio-92, analisar os resultados alcançados e indicar o caminho a ser seguido para implementação dos compromissos. A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável reuniu mais de 100 Chefes de Estado e reafir-mou metas relativas à erradicação da pobreza, à promoção da saúde, à expansão dos serviços de água e saneamento, à defesa da biodiversidade e à destinação de resíduos tóxicos e não-tóxicos.

A agenda de debates incluiu energias renováveis e responsabilidade ambiental das empresas, bem como a necessidade de que todos os atores sociais somem esforços na promoção do desenvolvimento sustentável.

As Nações Unidas definiram como temas para a Conferência: (1) Economia ver-de no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e (2) Estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável. Com relação à

Estrutura Institucional para o desenvolvimento sustentável, insere-se a discussão so-bre a necessidade de fortalecimento do multilateralismo como instrumento legítimo para solução dos problemas globais. Busca-se aumentar a coerência na atuação das instituições internacionais relacionadas aos pilares social, ambiental e econômico do desenvolvimento (RIO+20, 2012).

Os resultados do RIO+20 devem garantir que todos os países possam ser capa-zes de programar as decisões adotadas no Rio de Janeiro com base na criação de condições adequadas, ou seja, recursos necessários de natureza financeira, tecno-lógica e de treinamento.

Para programá-las, seria construir uma visão compartilhada de sustentabilidade válida, que prevaleça durante as próximas décadas. Destaca-se que a RIO+20 é uma Conferência sobre desenvolvimento sustentável, e não apenas sobre o meio ambiente.

O desafio da sustentabilidade, portanto, representa uma oportunidade excep-cional para transformar em um modelo de desenvolvimento econômico que ainda precisará incluir plenamente as preocupações com o desenvolvimento social e a proteção ambiental.

Para o Brasil, as discussões na Rio+20 devem servir para incrementar a conexão entre os objetivos gerais expressos no conceito de desenvolvimento sustentável e a realidade econômica, tornando-se, assim, um instrumento para implementar compromissos com

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20116262

o desenvolvimento sustentável. Para aprimorar e disseminar o conceito de “economia verde”, o Brasil propõe que a Rio+20 examine a “economia verde inclusiva”, destacando a importância do pilar social e resumindo o propósito da Conferência (RIO+20, 2012).

6 Responsabilidade socioambiental

Normalmente as pessoas costumam confundir o conceito de risco socioam-biental para a responsabilidade socioambiental das empresas. A responsabilidade socioambiental pode ser conceituada como um conjunto de ações que promovam o desenvolvimento sem comprometimento com o meio ambiente e as áreas so-ciais, como exemplos, a fome e o direito de lazer.

As empresas e instituições devem atuar externa e internamente no sentido de disseminar e aplicar metodologias que configurem a responsabilidade socioam-biental de diversas formas como: o combate à fome; incentivo à educação; apoio na inclusão social; reciclagem; estabelecimento de princípios ambientalistas; redu-ção da poluição e adesão a novas tecnologias envolvendo sustentabilidade, reuti-lização de recursos naturais; e a otimização do uso de energia.

Dessa forma as instituições terão benefícios como redução de custos e aumento da receita, potencial melhoria de imagem perante a opinião pública e dos consumi-dores, desenvolvimento de capital humano, desenvolvimento de novos modelos de negócios envolvendo parcerias entre os diversos setores da sociedade e o desenvol-vimento para as pesquisas de novas tecnologias ecologicamente corretas.

É possível falar que a evolução da Responsabilidade Socioambiental é marcante no início da década de 70, A grande depressão econômica e os efeitos do pós-guerra são fatos marcan-tes para o capitalismo, demonstram as fragilidades do sistema e um dos maiores impactos sentidos pelos próprios capitalistas. Mudanças provocam alterações no modelo de desen-volvimento econômico fazendo grande número de desemprego. Por tantas transforma-ções ocorridas no século vinte (XX), a década de 90 foi preconizada com organizações orga-nizadas e estrategicamente voltadas ao tema Responsabilidade Social Empresarial (RSE). A noção de Responsabilidade Social Empresarial atrelada ao mundo Empresarial como forma de Gestão pode ser considerado recentemente visto que, o que havia antes destas incorpo-rações de conceito ao mundo dos negócios era a prática da filantropia que se diferencia em vários aspectos das práticas de “RSE”, outro momento histórico importante para a dissemi-nação do conceito de “RSE” foi a década de 60. Os movimentos Jovens e Estudantis dessa época questionavam com veemência o capitalismo excludente (PEDRO, 2012).

É possível perceber que algumas empresas estão confundindo o conceito “so-cioambiental” com “social”, e a responsabilidade social é outra área totalmente fora deste contexto.

Responsabilidade Socioambiental diz respeito a muito mais do que as pessoas que precisam efetivamente daquilo que é amparado ou oferecido por lei.

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6363O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68

Uma empresa ou instituição Socioambiental resumidamente é uma empresa ou instituição que busca o bem-estar dos indivíduos ou de grupos cujo conceito denominou-se “Responsabilidade Social” que quase sempre é voltado a projetos de âmbitos educacionais, ambientais ou de outra natureza.

As instituições possuem uma relação diferente das sociedades, nas ações de Responsabilidade Social. É exigência básica a condução de ações de forma ética através de práticas que apresentem uma cultura organizacional focada nos princí-pios de solidariedade e compromisso social.

Dessa forma, “empresários e empresas divulgam sua participação através projetos sociais, apoio cultural e doações. A gestão de responsabilidade social abrange muito mais do que simples doações materiais ou financeiras. As ações de responsabilidade social precisam atender a todas as partes envolvidas com a organização: sócios, acionistas, proprietários, di-retores, funcionários, fornecedores, clientes, prestadores de serviço, meio ambiente e comu-nidade. A organização tem que desenvolver a capacidade de ouvir os diferentes interesses de todas as partes envolvidas para incorporá-los no planejamento de suas atividades me-lhorando como um todo a qualidade de vida, ou seja, responsabilidade social é um requisito indispensável para obter níveis bons efetivamente por parte da organização.” (PEDRO, 2012).

7 Risco Socioambiental

Nos últimos anos as instituições financeiras e os órgãos reguladores vêm se adaptando e trabalhando para o desenvolvimento sustentável visando os “clientes do amanhã”. Por exemplo: o Itaú Unibanco que mostra que tem como essência da sustentabilidade a: a) Transparência e Governança; b) Satisfação dos clientes; c) Critérios socioambientais; d) Diversidade; e) Mudanças climáticas; f) Educação financeira; g) Micro finanças; e h) Engajamento de stakeholders. Possui produtos como o Fundo Itaú de Excelência Social. E outros fundos de investimentos voltados para o mesmo propósito. (informação retirada do site).

O Banco Bradesco que desenvolve vários produtos e serviços voltados para a sustentabilidade como o Cartão de Crédito Amazonas Sustentável, o Banco do Bra-sil que trabalha com um programa de desenvolvimento regional Sustentável.

Periodicamente estes bancos emitem relatórios com o tema de sustentabili-dade informando o risco socioambiental, tendo também um Comitê que debate assuntos voltados ao tema e aos produtos ofertados pela instituição, participando também de investimentos sociais privados e de doações.

O Banco Santander, também, possui uma preocupação com o desenvolvimento sustentável iniciado desde 2001, e entre os anos de 2001 e 2002 foram criados as superintendência e diretoria de responsabilidade social e a partir de então vem desenvolvendo a área visando uma gerência de responsabilidade social integrada à diretoria de desenvolvimento sustentável.

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20116464

As normas são bem claras quando se tratam de Direitos Humanos, direitos das relações de trabalho, proteção das relações de consumo, meio ambiente, ética e transparência e governança corporativa para essas instituições.

As questões básicas nas áreas mais envolvidas que as instituições têm para cria-ção de novos negócios preocupando-se com a sustentabilidade que são apresen-tadas na Figura 4.

Figura 4 – Preocupações com a sustentabilidade

Fonte: Reis (2007).

A BM&FBovespa foi a primeira bolsa de valores no mundo a se tornar signatária do Pacto Global em 2004. Em 2010, foi a primeira no mundo a se tornar uma orga-nization stakeholders da GRI, rede que faz indicações e recomendações estratégicas com o objetivo de aprimorar cada vez mais os mecanismos de relatórios de susten-tabilidade. No material emitido pela BM&FBovespa chamado Novo Valor divulgado descreve que as empresas, sociedade e planeta precisam evoluir para se obter um futuro promissor. A BM&FBovespa atua como promotor do desenvolvimento susten-tável do mercado de capitais, envolvendo investidores, empresas e corretoras. Com isso, contribui para ampliar a reflexão sobre o futuro do Brasil e do mundo.

O Novo Valor publicou também 13 passos rumo à sustentabilidade, para que as instituições possam incorporar a agenda de sustentabilidade ao seu negócio; a empresa logo perceberá que a cada dia novas demandas irão surgir, levando a um processo de evolução permanente.

Portanto, a sustentabilidade corporativa pode gerar vantagem competitiva ou, pelo menos, mitigar riscos e melhorar a reputação, gerando maior valor em longo prazo.

Crédito Como prestar serviços de financiamento para as comuni-dades de baixa renda?

Investimentos Como estimular o investimento em empresas compro-metidas com a sustentabilidade?

Risco

Somos corresponsáveis pelo modo como nossos clientes usam o dinheiro?Como podemos promover a sustentabilidade por meio dos nossos produtos e serviços?

Custos Quando definimos critérios de sustentabilidade na con-tratação de fornecedores os preços vão aumentar?

Gestão de Pessoas

Como lhe dar com questões históricas e promover a igual-dade de oportunidades?

Processos e Operações

Como podemos reduzir os impactos de nossas atitudes no meio ambiente?

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6565O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68

Os bancos são corresponsáveis pelas atividades econômicas que financiam e consequen-temente podem ser responsabilizados por emprestar dinheiro a um cliente poluidor. Para evitar isso, as instituições financeiras passaram a adotar a variável ambiental como uma van-tagem competitiva na avaliação da concessão de crédito. A inserção da variável ambiental e o reconhecimento da corresponsabilidade no setor finan-ceiro surgiram gradualmente com ações pontuais e posteriores, globais. (RABELO, 2008, p. 9).

Depois que decisões judiciais responsabilizaram bancos pela reparação de da-nos ambientais causados pelos destinatários de seus créditos, entidades do setor financeiro dos Estados Unidos e países da Europa incorporam como medidas de prevenção, na concessão de crédito, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Rela-tório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA).

Considerações Finais

A preocupação com os riscos socioambientais são cada vez mais aparentes prin-cipalmente nas instituições financeiras devido aos serviços prestados como emprés-timos e créditos que financiem a degradação do meio ambiente e da sociedade.

O risco socioambiental não é mensurável e sim preventivo para as instituições financeiras, pois é difícil quantificar quantos clientes foram atraídos pelo fator da preocupação com sustentabilidade que a instituição possui e também informar quantos processos e exposições negativas à mídia foram evitadas.

A atenção com o risco socioambiental também previne que as instituições financeiras sofram prejuízos por inadimplência de seus clientes devido a multas elevadas pelos órgãos responsáveis ao atendimento e melhores práticas das leis e normas de prevenção ao meio ambiente e da sociedade.

Outro risco que a instituição estará se prevenindo será o risco de imagem e integridade, pois durante muito tempo elas se empenham em tornar suas marcas sólidas no mercado transformando em confiáveis na visão do público. Porém pode ser destruída facilmente com notícias negativas na mídia expondo a instituição in-formando que a mesma foi corresponsável devido a queimadas nas matas, desma-tamento, poluição de rios e lagos, vazamentos de produtos químicos, incentivan-do o trabalho escravo e infantil, com os empréstimos, financiamentos e créditos concedidos as empresas que efetivamente realizaram o trabalho.

Como uma das responsabilidades da área de Compliance em uma instituição financeira é de mantê-la sempre em conformidade com as leis e normas vigentes prezando pela imagem e integridade de seus serviços, envolvendo a ética adotada pela empresa, a tendência é de que na estrutura da instituição seja criada uma área de risco socioambiental ou departamento ligado direta ou indiretamente com a de Compliance, pois na essência as duas áreas possuem as mesmas preocupações.

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20116666

Atualmente, bancos como Santander já possui a área de Risco Socioambiental ligada à área de Compliance para captação de clientes e manutenção de relaciona-mentos, até mesmo para concessão de créditos e empréstimos realizando diligên-cias necessárias, incluindo visitas aos clientes, evitando que sejam envolvidas em projetos que apresentem grande potencial de envolvimento com problemas de degradação a natureza e a sociedade.

Há também Comitês institucionais chamados de “Comitês Verdes” que realizam

debates de projetos, concessões de créditos e empréstimos de grandes portes entre os diretores executivos para tomar a melhor decisão e também para aprovar novos produtos/serviços que possam ser oferecidas ao setor de agronegócios entre outros.

São realizadas campanhas educativas e treinamentos dentro e fora das insti-tuições com o intuito de aconselhar clientes e funcionários nas melhores práticas para que não incentivem ou tenham qualquer ação ou atitude, mesmo que sem intenção, que degradem ao meio ambiente ou a sociedade e, portanto não preju-diquem a imagem de boa conduta da instituição.

É importante que as instituições tenham a preocupação com o fator sustentabi-lidade, pois é de interesse de todas continuarem tendo clientes durante anos e caso não haja este envolvimento mais tarde não haverá pessoas que tenham capital para investir, não haverá a intenção de poupança sem perspectiva de um futuro, não have-rá terras férteis que se possam ser cultivadas e, portanto o mercado de commodities se tornará menos interessante, entre outros fatores que movimentam a economia.

As instituições que adotaram estas práticas, também desenvolveram produtos para o incentivo de adesão das empresas ao Protocolo Verde e aos Princípios do Equador oferecendo menores taxas nas concessões de créditos e empréstimos, al-gumas até solicitando que as empresas tenham as certificações ambientais corre-tas como selos de qualidade.

Estão disponíveis para o público e funcionários um canal de denúncias de em-presas que tenham uma prática suspeita infringindo as leis e normas vigentes de prevenção à degradação do meio ambiente e da sociedade.

Portanto se faz e fará cada vez mais necessária que as áreas de Compliance e de Risco Socioambiental trabalhem juntas na prevenção de fatores que provoquem a degradação do meio ambiente e da sociedade, e também, auxiliem na melhoria de processos e procedimentos já existentes.

Referências

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ARTIGO RECEBIDO EM: 18/09/2012ARTIGO APROVADO EM: 24/10/2012

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6969Governança corporativa nas empresas: estudo de caso do Magazine Luiza, Marcela L. Bonisen e Tharcisio B. de Souza Santos, p. 69-84

Governança corporativa nas empresas: estudo de caso do Magazine Luiza

Marcela Lobato Bonisen*

Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos**

Resumo: A Governança Corporativa é um tema que vem crescendo cada vez mais no Brasil e no mundo. A adoção das boas práticas de governança hoje é es-sencial para que a empresa possa alcan-çar o espaço desejado no mercado, con-quistando a confiança de investidores, tanto internos quanto externos. Inicial-mente, são apresentadas questões teó-ricas como os conceitos de governança, seus principais modelos e conflitos de agência. Na sequência, é apresentado, de forma cronológica, dentro de qual contexto surgiu a governança e como ela se desenvolveu no mercado de ca-pitais e na gestão das empresas brasilei-ras. É feita uma descrição da aplicação das práticas de governança no Brasil, através dos níveis diferenciados de Go-vernança Corporativa, o Novo Mercado e o IBOVESPA MAIS, e suas dificuldades. Discute-se, por fim, o processo de aber-tura de capital de uma empresa do setor do grande varejo, Magazine Luiza, mos-trando as etapas para a primeira oferta

* Graduada em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da FAAP e cursando MBA Executivo na FAAP. E-mail: [email protected].

** Doutor em Ciências – História Econômica (USP), economista (USP), com cursos de especialização na SUNY - State University of New York. Professor Titular Doutor das Faculdades de Administração e de Economia da FAAP- Fundação Armando Alvares Penteado desde 1981. Professor do FAAP-MBA desde 1998. Diretor do FAAP-MBA desde 1998. Foi Vice-Diretor da Faculdade de Administração da FAAP entre 1996 e 2010. Foi também Visiting Schollar nas Anderson Schools of Management, The University of New México, Estados Unidos, entre 2002 e 2007. Desenvolve atividades de consultoria em estratégia, economia e finanças desde 1975, tendo ocupado cargos executivos e em órgãos colegiados, em instituições governamentais e empresas privadas desde 1970. E-mail: [email protected].

Este artigo tem por base o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Marcela Lobato Bonisen do curso de Admi-nistração de Empresas da Faculdade de Administração da FAAP São Paulo, tendo sido orientada pelo Prof. Dr. Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos.

de ações, as mudanças necessárias para que ela pudesse ocorrer, a situação atual e estratégias da companhia após a pri-meira oferta pública.

Palavras-chave: Governança Corporati-va. Mercado de Capitais brasileiro. Con-flitos de Agência. Magazine Luiza.

Abstract: Corporate Governance is a topic that is rapidly growing in Brazil and worldwide. Today, the adoption of good governance is essential for the company to achieve the desired posi-tion in the market, earning the trust of investors, both domestic and foreign. Initially, theoretical issues are presented such as concepts of governance, its main models as well as agency conflicts. In se-quence, it is presented, in a chronologi-cal order, in which context governance emerged and how it developed both in the financial market and the manage-ment of Brazilian companies. A descrip-tion is made of the implementation of

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20117070

Introdução

Vários acontecimentos ocorridos nos anos 1990 determinaram mudanças nas relações entre acionistas e gestores das empresas abertas. Ao mesmo tempo, nas empresas fechadas, a governança corporativa (GC) passou a ter maior importância, na medida em que o crescimento do nível de atividade dos fundos de venture ca-pital (VC) e de private equity (PE) passou a representar uma alternativa importante para a consolidação das empresas e para seu acesso ao mercado de capitais.

Diversos escândalos em grandes empresas, no final da década de 1990 e início deste século, enfatizaram a importância da GC. Uma delas foi a ENRON, que falsifi-cou contas e acobertou uma perda de 2,1 bilhões de dólares americanos. Diversas empresas, porém, foram alvo de grandes escândalos, como a Parmalat, Tyco, World Comm, Banco Real e Banco Panamericano.

A GC proporciona o uso de estratégias na administração da empresa. Ao optar, porém, pela adoção de princípios rígidos, é preciso destacar que é necessário ele-ger um Conselho de Administração, que funciona como um instrumento de con-trole dos conflitos de agência.

O crescimento das empresas passa a depender da decisão voluntária dos inves-tidores, que devem confiar nas empresas em que forem investir. E quanto mais rígi-das forem as regras de GC, os investidores se sentem mais incentivados a aplicarem seu dinheiro no mercado.

Considerando o quadro expositivo do presente artigo, foi realizado um estudo de caso da aplicação do conceito de GC em empresa do setor de grande varejo. Como exemplo, será estudado o caso do Magazine Luiza que abriu capital no Bra-sil, no Novo Mercado da Bovespa, no início do mês de maio de 2011, mostrando todo o processo de reestruturação que a empresa teve que passar.

A primeira parte explica o que é GC desde o seu surgimento, os modelos, seu desenvolvimento e aplicação até os dias de hoje. A segunda aborda um estudo de caso do Magazine Luiza, objetivando conhecer as diferentes nuances que podem ser assumidas pela GC e sua importância no estágio em que se dá a abertura de capital de empresas.

governance practices in Brazil, through the different levels of Corporate Govern-ance, the New Market and IBPOVESPA MAIS, and their difficulties. In closing, it is discussed the process by which occurred the opening of the capital of a company in the industry for large retailers, Maga-zine Luiza, showing the steps for the first

offering, the necessary changes so that this could occur, the current situation and the company strategies after the ini-tial public offering.

Keywords: Corporate Governance, Bra-zilian Capital Market, Agency Conflicts, Magazine Luiza.

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1. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é um órgão regulador cuja missão é desenvolver, regular e fiscalizar o mer-cado de valores mobiliários, como instrumento de captação de recursos para as empresas, protegendo os interesses dos investidores e assegurando a ampla divulgação das informações sobre emissores e valores emitidos (CVM, 2002).

1 Marco teórico

1.1 Governança Corporativa

De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM)1:

Governança corporativa é o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o de-sempenho de uma companhia, ao proteger todas as partes interessadas, tais como inves-tidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas de governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente, trans-parência, equidade de tratamento dos acionistas e prestação de contas (CVM, 2002, p. 2).

A governança corporativa (GC) é um tema recente, podendo ser interpretada de pontos de vista diferentes e apresenta vários modelos. Por isso, passam a existir diversos conceitos de GC. A GC faz com que as companhias tenham maior acesso às instituições financiadoras de seu desenvolvimento, além de um menor custo de capital e menor risco, podendo-se dizer que influencia desde os mercados de capitais até a economia do país como um todo.

Especialistas dizem que existe um caminho para chegar às melhores práticas de GC e que são cinco os princípios para isso. O primeiro deles é a transparência (disclousure), que se trata da transparência das informações, principalmente as de alta relevância. O segundo deles, equidade (fairness), refere-se ao tratamento justo de todas as partes interessadas (acionistas, credores, funcionários, clientes e forne-cedores e sócios). O terceiro, prestação de contas (accountability), trata dos agentes da GC que não devem omitir suas ações, mas sim assumi-las, responsabilizando--se por qualquer consequência das decisões tomadas. O quarto princípio, cumpri-mento das leis (compliance), refere-se ao cumprimento das leis impostas, zelando pela longevidade das organizações e valorizações de suas ações. O quinto e último princípio, responsabilidade empresarial, faz referência à adoção de uma gestão empresarial que garanta o cumprimento da missão e objetivos da empresa. Estes princípios listados visam assessorar e facilitar o trabalho de órgãos que controlam e fiscalizam a GC em seus respectivos países.

Segundo Andrade e Rossetti (2004, p. 34), existem diversos modelos de GC. Es-tes são decorrentes das diferentes condições culturais e históricas dos países. Como melhor pode exemplificar Becht, Bolton e Röel (apud Andrade e Rossetti, 2004, p. 30)

[...] As empresas têm múltiplos grupos de interesse e há múltiplas negociações e com-pensações que se entrelaçam na definição de sua estratégia e em suas operações. Como consequência, diferentes soluções podem ser necessárias em função da origem

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20117272

do controle, do âmbito geográfico das operações e do tipo de atividade produtiva a ser governada. [...] Não há, portanto, um único conjunto de regras universalmente aplicáveis a todas as empresas em todos os lugares, até porque a cultura, as instituições e as pres-sões variam muito entre as nações.

Por meio do Quadro 1, apresenta-se as principais características dos modelos de Governança Corporativa.

Quadro 1 – Modelos de Governança Corporativa

Modelo Shareholder Modelo StakeholderOrigem anglo - saxônica Origem nipo-germânica

Ativismo e grande poder dos investidores institucionais

Baixo ativismo e menor poder dos investidores institucionais

Foco: maximização de retorno para o acionista Foco: interesses múltiplos

O mercado orienta os processos Permanecem as forças internas de controle

Conselhos de administração mais rigorosos

Demonstrações econômico – financeiras, balaço social e ambiental

Fonte: Adaptado de IBGC (2009).

Verifica-se que se trata de dois modelos bem definidos que são extremamente opostos. O modelo certo sempre será aquele que atende aos direitos dos acionis-tas, tanto majoritários quanto minoritários, e as partes interessadas, tanto em seu desempenho quanto em suas ações.

O primeiro avanço da GC se deu em 1989 com Robert Monks. Sua atenção este-ve voltada para os direitos dos acionistas e seu trabalho incentivou os acionistas a exercerem um papel ativo nas organizações, focando fairness e compliance.

O primeiro código de melhores práticas de GC surgiu na Inglaterra em 1992, com Adrian Cadbury, focando os princípios de accountability e disclousure. Em 1997 é publicada a revisão do código2. Em seguida, em 1998, a Organização para a Co-operação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estipulou os princípios a serem seguidos: mobilização do mercado de capitais, crescimento das organizações e desenvolvimento das nações.

Em julho de 2002 foi aprovada nos Estados Unidos a lei Sarbanes Oxley, cujo objetivo era resgatar a credibilidade do mercado norte-americano. A principal rea-

2. Segundo o IBGC (2009), hoje existem mais de cinquenta códigos de Governança Corporativa espalhados pelo mundo.

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lização da nova lei foi atribuir responsabilidades e punições aos dirigentes de com-panhias de capital aberto.

A evolução dos mercados de capitais, por sua vez, deu origem aos conflitos de agência, conflito que resulta da separação da propriedade e gestão, passando a gestão das companhias dos acionistas para gestores profissionais. O problema co-meça quando acionistas e gestores objetivavam buscar resultados máximos, mas fundamentados em propósitos diferentes. Andrade e Rossetti (2004, p. 100) dizem que dois tipos de decisões podem ser tomadas: as que maximizam a riqueza dos acionistas ou as que maximizam a riqueza dos gestores.

Logo, existem dois tipos de conflitos: o gestor oportunista e o acionista opor-tunista. Segundo Andrade e Rossetti (2004, p. 31), o Gestor Oportunista se refere ao grande problema de agência visto como o conflito entre administradores e acionistas. A boa governança empresarial significaria a adoção de mecanismos que forcem os administradores a proteger os interesses dos acionistas. O conflito do Acionista Oportunista existe quando a propriedade é concentrada nas mãos de poucos acionistas majoritários. Segundo Andrade e Rossetti (2004, p. 31), os acionistas minoritários começam a ver seus direitos e retornos serem engolidos pelos majoritários. Este conflito ocorre mais em países onde a propriedade do mundo corporativo é concentrada e o mercado de capitais é imaturo, como por exemplo, no Brasil.

1.2 Governança Corporativa no Brasil

Segundo Ventura (2006, p. 237) o primeiro marco importante no sistema brasi-leiro, referente à Governança Corporativa (GC) foi no ano de 1976, quando se intro-duziu a primeira Lei das S.A. pela CVM, cujo objetivo foi regulamentar a estrutura básica que as empresas deveriam seguir.

O início dos anos 1990 foi marcado por muita instabilidade, crescente globaliza-ção, abertura de mercados, fusões e aquisições, que fizeram com que as empresas brasileiras começassem a repensar o seu modo de estrutura de propriedade e con-trole, mudando assim a configuração do mercado e os padrões da GC.

Em 1995 foi criado o Instituto Brasileiro de Conselhos de Administração (IBCA), cujo principal objetivo era discutir as melhores práticas para os Conselhos de Ad-ministração. Em 1999 o IBCA mudou seu nome para IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), com o objetivo principal de contribuir para melhores práticas de GC no Brasil.

Em 1997, a Lei das S.A. (BRASIL, 1976) sofreu uma reforma, passando a ter como principal objetivo o de favorecer a transparência e proteção de acionistas minori-tários no mercado.

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20117474

O IBGC lançou em 1999, segundo Lodi (2000, p. 17), o Código das Melhores Prá-ticas de Governança Corporativa cujo principal objetivo era ser referência nacional no assunto.

Com o objetivo de garantir o tratamento igualitário entre acionistas, foram cria-das em 2001, inovações como o Tag Along3. Em 2004, o código do IBGC foi editado novamente incluindo temas como responsabilidade corporativa, conselho de fa-mília, Free Float4, maior detalhamento dos atributos e escopo da atuação dos con-selheiros independentes e da comissão do comitê de auditoria. A terceira edição aconteceu em 2009, abrangendo novos temas decorrentes da crise de 2008.

Andrade e Rossetti (2004, p. 345) resumem o modelo de GC brasileiro em cinco características principais:

a. A alta concentração da propriedade acionária;b. A sobreposição propriedade-gestão; c. Fraca proteção aos acionistas minoritários;d. A expressão ainda diminuta do mercado de capitais; e. A pequena parcela das companhias listadas em bolsa nos níveis diferencia-

dos de governança corporativa.

Essas características, segundo Steinberg (2003, p. 124-127) são históricas do país e só conseguirão ser reestruturadas num longo prazo. Mesmo sabendo das vantagens que as práticas de uma boa governança trazem, as empresas brasileiras ainda não estão motivadas a adotá-las. A falta de transparência das empresas faz com que as ações sejam subavaliadas, pois os administradores preferem fechar a empresa a ter de dividir a administração ou revelar alguma informação estratégica. Outro motivo é o alto custo de manutenção da empresa aberta, sendo necessário montar uma grande estrutura para cumprir todas as exigências. O fato de algumas empresas terem aberto capital no passado devido à facilidade da legislação, mas nunca terem realmente se financiado no mercado, faz com que essas empresas não se interessem em ingressar nos níveis diferenciados.

Com a intensa globalização, o mercado de capitais vem adquirindo cada vez mais importância em âmbito internacional. Isso faz com que países abram seus mercados, conquistando um market share cada vez maior e um mercado mais ati-vo. O movimento vem acontecendo desde 1990, quando o país abriu sua econo-mia e começou uma onda de privatizações, possibilitando o surgimento de gran-des empresas cujo controle passou a ser compartilhado entre grupos nacionais e

3. O Tag Along na legislação brasileira representa o direito de o acionista, que não faz parte do bloco de controle, vender suas ações por quantia igual ou superior a 80% do valor pago por ação com direito a voto, quanto da venda de bloco de controle (BRASIL, 1976, Art. 254-A).

4. Free Float - quantidade de ações de uma companhia que está livre, ou seja, está cotada em bolsa, mas não se encontra fixa nas mãos de acionistas estáveis.

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internacionais, promovendo o crescimento do mercado brasileiro. Assim, as em-presas começaram a ter contato com investidores mais sofisticados e exigentes, acostumados a investir em mercados com boas práticas de GC.

Segundo Souza Santos (2011) o mercado brasileiro cresceu muito em 2007, ten-do seu crescimento sido interrompido apenas durante a crise em 2008 e sendo retomado posteriormente. As etapas preliminares para este crescimento foram o Venture Capital (VC) ou Capital de Risco e Private Equity (PE) ou Fundos de Ativos Pri-vados. De uma forma geral, enquanto o VC está relacionado a empreendimentos em fase inicial, o PE está relacionado a empresas mais maduras. Ambos os investi-mentos podem ser direcionados para qualquer setor da economia que apresente grande perspectiva de crescimento no longo prazo. Alguns exemplos de empresas que abriram capital com a ajuda desses recursos foram: Submarino, Natura, Gol Linhas Aéreas, UOL e Localiza.

O conflito de interesses existente no mercado brasileiro tem origem na constitui-ção das empresas nacionais, onde a maioria das empresas de capital aberto é fami-liar. No século passado, as empresas contavam com uma estrutura de capital pouco alavancada e eram quase sempre administradas por seu proprietário. Esse controle familiar gera no acionista majoritário um sentimento de propriedade, fazendo com que tome decisões que possam prejudicar os acionistas minoritários, gerando um ambiente de incerteza e enfraquecendo o mercado. Ao terem seus interesses deixa-dos de lado, os acionistas minoritários adquirem total insegurança, migrando seus investimentos para aplicações financeiras de baixo risco e especulativas.

A solução para o problema exposto se da através da alteração das regras da bol-sa de valores brasileira, garantindo segurança jurídica. O primeiro passo foi a cria-ção do Novo Mercado da Bovespa e dos níveis diferenciados de GC, que surgiram em Dezembro de 2000. Segundo a BOVESPA, o que deu iniciativa a estas medidas foi a percepção de que a adoção de melhores práticas de GC diminui as incertezas. Logo, o Novo Mercado surgiu com os objetivos de valorizar as ações e atrair novas empresas, garantindo assim, um ambiente mais confiável para negociação dessas ações através das práticas de GC.

Qualquer empresa que esteja disposta a seguir as restrições impostas, pode fazer parte deste mercado. Dentre as restrições destacam-se: proteção ao mino-ritário, boas práticas de governança, disclousure5 e adesão às regras de listagem6.

Segundo Steinberg (2003, p. 178-180), mesmo com fundamentos semelhantes, o Novo Mercado é mais voltado para listagem de empresas que venham a abrir ca-pital, enquanto os Níveis Diferenciados de GC foram desenvolvidos para empresas já listadas na BOVESPA.

5. Disclosoure - transparência e divulgação das informações.6. Regras de listagem - adesão a um conjunto de regras de “boas práticas de governança corporativa”.

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20117676

O Quadro 2 apresenta um comparativo dos aspectos abordados em cada tipo de sistema adotado pelo mercado de capitas brasileiro.

Quadro 2 – Comparativo das características dos sistemas

Aspectos abordados

Sistema tradicional

Nível 1 de governança

Nível 2 de governança Novo Mercado

Free float - % mínima Não há regra Mínimo de 25% Mínimo de 25% Mínimo de 25%

Características das ações emitidas

Ações ON e PN Ações ON e PNAções ON e PN

com direitos adicionais

Somente ações ON

Conselho de Administração

Mínimo de 3 membros

Mínimo de 3 membros

Mínimo de 5 membros, 1

independente

Mínimo de 5 membros, 1

independente

Concessão de tal along 80% para ON 80% para ON 100% para ON

e 80% para PN 100% para ON

Câmara de arbitragem do

mercadoFacultativo Facultativo Obrigatório Obrigatório

Fonte: Adaptado de BOVESPA (2009).

VOs novos sistemas trazem grandes vantagens para o desenvolvimento das práticas de GC no Brasil. Segundo Steinberg (2003, p. 186), as empresas terão suas ações valorizadas e um maior volume negociado, e os investidores, maior proteção e transparência em seus investimentos.

1.3 Desafios e tendências da Governança Corporativa no Brasil

Segundo Souza Santos (2011), o Novo Mercado apresenta ainda desafios a se-rem enfrentados como:

a. Funcionamento do Conselho de Administração (os conselhos não são fortes, independentes ou bem ajustados);

b. Relacionamento do Executivo Principal (CEO) com o Conselho;c. Regras para os sistemas de remuneração e avaliação do desempenho de ad-

ministradores (executivos conseguem controlar o conselho, de modo com que obtenham altos níveis de remuneração);

d. As Poison Pills7 – artigos que complicam a troca de controle acionário;

7. Poison Pills - estratégia usada pelas corporações norte-americanas para desencorajar as tomadas hostis de controle, ao tornar suas ações menos ativas aos adquirentes. Garante ao administrador que a estratégia adotada pela empresa não sofrerá grande alteração no curto prazo.

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e. A implantação de sistemas de gestão de riscos, que vem ganhando maior relevância em virtude das dificuldades sofridas após a crise de 2008;

f. A questão do relacionamento das auditorias interna e independente (é co-mum se verificar tentativas de redução de custo dos serviços de auditoria externa por meio do oferecimento de serviços de auditoria interna, normal-mente vinculada ao diretor financeiro).

Existem quatro possíveis tendências que a GC pode tomar: convergência, dife-renciação, adesão e abrangência. Com o passar dos anos, todos os códigos de GC passarão a enfatizar os mesmos pontos, fazendo com que as práticas de GC sejam convergidas para os mesmos princípios, a partir do momento em que todos os sis-temas tendem a ser comparados no que se diz respeito à alta eficácia, abrangendo interesses das corporações, dos mercados e das economias como um todo.

Com o entendimento dos benefícios que a adesão às boas práticas de GC tra-zem para as empresas, as resistências serão gradualmente vencidas e muitas com-panhias passarão a adotá-las. Cada vez mais, a boa GC será vista como sinônimo de um bom negócio. Assim, será visível a adesão de novas empresas às práticas, fazendo com que elas se tornem um elemento diferenciador para cada organiza-ção. A tendência à diferenciação, porém, é pressionada por forças externas a com-panhia como, por exemplo, pela criação dos níveis diferenciados de GC.

Logo, a boa GC propicia a maximização de resultados assim como outros inte-resses. Isso tende a abrangência, que se refere à harmonização dos interesses dos acionistas com as partes interessadas.

Os desafios, assim como as tendências, têm seu movimento pressionado mais por forças externas do que internas. Isso acontece, pois o mercado, devido ao seu alto grau de crescimento e profissionalização, possui maiores exigências, que mui-tas vezes obrigaram as organizações a mudarem sua gestão, visto que a estrutura não suporta mais o crescimento.

2 Estudo de caso: caracterização da empresa e resultados da pesquisa

2.1 Metodologia de pesquisa

O método utilizado na pesquisa foi o estudo de caso, sustentado com base nos princípios desenvolvidos por Yin (2005). Conforme Yin (2005, p. 19-35), o estudo de caso se torna adequado quando o pesquisador deseja compreender fenômenos so-ciais mais complexos. Afirma ainda que é ideal em situações em que se tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se dirige a um fenômeno con-temporâneo dentro de um contexto natural. A aplicação do Estudo de Caso se tor-nou adequada a partir do momento em que o foco se da num fenômeno contempo-

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râneo inserido no contexto da vida real, cujo principal objetivo é esclarecer e explicar a decisão de uma companhia do setor do grande varejo de ter aberto capital.

Foi necessário um plano de pesquisa para que o projeto pudesse ser concluído. O plano de pesquisa, segundo Yin (2005, p. 41) trata-se da sequência lógica que co-necta os dados empíricos às questões de pesquisa iniciais do estudo e, em última análise, às suas conclusões, abrangendo etapas como a coleta de dados e análise de dados relevantes.

O plano de pesquisa é composto por cinco componentes, segundo Yin (2005, p. 42): as questões de um estudo, as proposições, unidades de análise, lógica que une os dados às proposições e critérios para interpretar as descobertas. Adotando como base as teorias de Yin no que se diz respeito à elaboração de um Estudo de Caso, seguiu-se as etapas anteriormente indicadas. No caso, as questões de estudo se referem ao desenvolvimento da GC no Brasil e as dificuldades e normas que uma empresa deve seguir para abrir capital. As proposições fazem referência aos principais acontecimentos na história da GC, indicando os tópicos que deviam ser abordados, facilitando a pesquisa. A unidade de análise trata-se do Marco Teórico, que foi extremamente importante para a realização do trabalho, visto que o obje-tivo deste era testar a aplicação da teoria numa grande empresa do setor varejista. A lógica que une os dados às proposições e os critérios para interpretar as desco-bertas referem-se à comparação da teoria com a prática, ou seja, a aplicação das práticas de GC por parte de uma empresa que abriu capital recentemente.

Segundo Yin (2005, p. 105-106), a coleta de dados para o estudo pode se base-ar em seis fontes: documentação, registros em arquivos, entrevistas, observação direta, observação participante e artefatos físicos. Para a realização do presente trabalho foram pesquisados documentos (através de relatórios administrativos e jornais); registros em arquivos, através de registros organizacionais e realizadas en-trevistas com especialistas na área de governança corporativa.

Posteriormente, os dados coletados foram analisados através de um estudo da situação atual da companhia. Em relação aos princípios teóricos desenvolvidos, apresenta-se o desdobramento das respectivas fases do estudo de caso.

2.2 Histórico da companhia

Uma empresa familiar que leva o nome da dona. Foi assim que o Magazine Lui-za atingiu um posicionamento de destaque no mercado nacional e se tornou a terceira maior no varejo brasileiro.

A história da rede começou em 1957 quando o casal Luiza Trajano e Pelegrino José Donato adquiriu uma loja de presentes na cidade de Franca, localizada no in-terior de São Paulo. Desde 1992, o Magazine atua sem nenhum prejuízo, é marcada por investimentos arrojados: foi pioneira na abertura das lojas virtuais, é conhecida

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por campanhas promocionais que levam milhões de clientes às suas lojas e fez grandes aquisições, como por exemplo, as Lojas Mercantil em 1976. A partir de 1993 começou a expansão para outros estados.

No ano de 2000, a empresa levou a experiência para o e-commerce, criando o

site magazineluiza.com, que é hoje um dos maiores sites brasileiros do setor. Em 2001 foi feita uma associação com o Unibanco, criando o Luizacred.

A partir do ano de 2003 começou uma grande expansão, com a aquisição de grandes lojas. Em 2004 a empresa já contava com 253 lojas, e em 2005, com 350. No ano de 2005 foram criados alguns veículos de comunicação interna, a empre-sa recebeu aporte de capital de fundos de privaty equity (PE) e ainda se associou à Cardif, empresa do Grupo BNP Paribás, para a criação do Luizaseg (seguradora responsável pelos produtos de garantia estendida).

Em 2008 foram abertas 46 lojas na cidade de São Paulo. Com mais aquisições em 2010, o Magazine Luiza passou a ser presente em 16 estados brasileiros. Hoje, a em-presa conta com 604 lojas, que estão distribuídas pelas principais regiões do país.

A rede dispõe, hoje, de quatro canais de vendas distintos. Um deles são as lojas de rua, responsáveis pela maior parte dos canais de vendas da empresa. São foca-das num público de classes C e D. Já as lojas de shopping, são focadas num público com maior poder aquisitivo.

As lojas virtuais são de pequeno porte e localizadas em bairros de alta densida-de em grandes cidades. As televendas se tratam de um comércio on-line criado em 1999, que objetiva proporcionar comodidade aos clientes que queiram realizar suas compras com facilidade e rapidez, sendo a maior fonte de rentabilidade da empresa.

Com uma das formas mais inovadoras de administrar, o Magazine Luiza ganhou reconhecimento nacional. Os segredos do sucesso da empresa são: profissionalis-mo, velocidade, qualidade e agilidade, tendo o cliente como centro do negócio e nunca esquecendo a responsabilidade social8.

2.3 Informações relativas à oferta

Início de negociação das ações no BM&F Bovespa no dia 2 de maio de 2011. Informações básicas (IPO..., 2011, Caderno de Economia):

a. Negociação no Novo Mercado: congrega os níveis mais altos de Governança Corporativa;

8. As informações da seção “Histórico da Companhia” foram retiradas do “perfil da empresa”, no seu site, cujo endereço é www.magazineluiza.com.br.

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b. Preço inicial da ação: R$16,00;c. Valor de mercado da companhia na data: R$3 bilhões;d. Participação no varejo;e. Incentivo aos trabalhadores;f. Campanha histórica: foco na clareza, transparência e educação;g. Pedido para realização do IPO: final de fevereiro;h. Coordenadores da oferta: Itaú BBA (líder), BTG Pactual e BB Investimentos;i. Distribuição pública primária de 33.750.000 ações;j. Código da ação: MGLU3. A aprovação da oferta aconteceu no dia 21 de fevereiro de 2011, em Assembleia

Geral Extraordinária da Companhia. O preço por ação foi fixado apenas após a con-clusão do procedimento de Bookbuilding9.

2.4 Preparação e procedimentos da oferta

Conforme Sousa (2011), companhias iniciantes, como o Magazine Luiza, devem ser preparadas por seus consultores e pelo coordenador da operação, para evitar erros ou enfrentar diversidades durante ou imediatamente depois da operação de abertura de capital.

A abertura de capital da varejista Magazine Luiza ocorreu com três anos de atra-so, visto que se pretendia realizar o IPO em 2008, mas a empresa foi atropelada pela crise econômica mundial. Luiza percebeu que seria necessário preparar o Ma-gazine para capitalização em bolsa, após ter fracassado na negociação das Casas Bahia, perdendo para seu rival, o Pão de Açúcar.

A empresa, até então familiar, começou a ser profissionalizada. O processo du-rou dois anos. Desde então, práticas de Governança Corporativa (GC) passaram a ser adotadas e foi feita a listagem no Novo Mercado.

2.5 Situação atual da companhia

De acordo com publicação de 29/05/2011 do jornal O Estado de S. Paulo, os re-cursos adquiridos com o IPO foram usados para abertura de novas lojas, reformas e aquisições no setor de varejo e comércio eletrônico, além de reforçar o capital de giro. O primeiro destaque feito pela empresa em apresentação aos investidores foi o crescimento da marca em São Paulo e sua consolidação na região Nordeste.

O Magazine Luiza segue os procedimentos da rígida governança corporativa (GC). A empresa emite apenas ações ordinárias, assegurando direito de voto aos

9. Bookbuilding - procedimento que reflete o valor pelo qual os investidores institucionais apresentaram suas intenções de investimento no contexto da oferta.

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acionistas nas assembleias gerais, os relatórios são divulgados de maneira transpa-rente e, além disso, os membros do Conselho de Administração têm acesso a qual-quer dado da companhia, facilitando a tomada de decisão. A companhia trabalha com uma equipe de auditoria externa da Deloitte e no mínimo 20% dos conselhei-ros devem ser independentes, evitando que interesses familiares possam entrar em conflito com os profissionais.

Qualquer conflito que possa surgir entre os acionistas é obrigatoriamente re-

solvido por meio de arbitragem que se caracteriza pela manifestação explícita da vontade das partes, que tentarão conciliação diante de um árbitro (pessoa de con-fiança nomeada pela empresa). Não havendo negociação, o árbitro quem decide pelo conflito. A oferta de compra de ações deve ser destinada a cada um dos só-cios, resultando na transferência de controle societário a todos eles, e não apenas aos majoritários. A companhia adota ainda o conceito do Tag Along.

O principal objetivo da varejista, segundo documento oficial de divulgação de resultados do primeiro trimestre de 2011, é adotar estratégias para crescer, porém que agreguem cada vez mais valor aos acionistas. Dentre elas: abrir novas lojas e expandir a cobertura geográfica por meio de crescimento orgânico e aquisições; aumentar a eficiência das operações, visando o aumento da receita, rentabilida-de e redução de estoque; fortalecer e expandir a oferta de serviços e produtos financeiros; e, aperfeiçoar a experiência de compra por meio da multi-canalidade e aumentar as vendas dos canais virtuais.

A abertura de capital trouxe vantagens para o Magazine como: maior possibi-lidade de investimentos e acesso a capital, liquidez patrimonial, capitalização da empresa a custos menores, gestão profissionalizada, mais transparente e respon-sável, permitiu crescimento em um país de juros tão altos, novo relacionamento com funcionários e prestígio pessoal e corporativo.

Isso acontece, pois uma companhia de capital aberto é menos afetada pelas

volatilidades da economia e, com a gestão profissionalizada, os executivos têm maior capacidade de planejar, sem que criatividade e energia sejam consumidas nas atividades diárias. Além disso, a empresa de capital aberto tem muito mais reconhecimento e projeção dos públicos com os quais se relaciona, passando a ser mencionada na mídia e acompanhada por entidades financeiras.

O sucesso de se tornar uma empresa aberta dependeu também das ações to-madas após a oferta. O bom relacionamento com a CVM, BOVESPA e com o mer-cado foram fatores relevantes para o sucesso. Não se pode esquecer de indicar, porém, os desafios que surgiram posteriormente ao IPO. A pressão para crescimen-to e resultados em curto prazo aumentaram, mais informações tiveram que ser divulgadas ao público, fazendo com que a empresa ficasse mais exposta à con-corrência, introdução do custo inicial de preparação, maiores restrições e perda de benefícios pessoais. Contudo, o desempenho mensal das ações do Magazine Luiza foi positivo.

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Existe uma tendência de deslocamento entre o IBOVESPA e o IGC, existe desde 2001, com a criação do IGC. Segundo a BOVESPA (2009), o Índice IBOVESPA é o mais importante indicador de desempenho médio das cotações do mercado de ações brasileiro. O IGC, conforme a BOVESPA (2009), tem como objetivo medir o desem-penho de uma carteira teórica composta por ações de empresas que apresentem bons níveis de GC, negociadas nos Níveis 1 ou 2 e Novo Mercado. Comparando-se o desempenho do IGC e IBOVESPA, durante o ano de 2011, o IGC conseguiu um retorno superior, e nos meses de agosto e setembro, únicos em que o IBOVESPA teve melhor desempenho, a superioridade foi muito pequena.

Nesses últimos 10 anos, as ações negociadas pelo IGC apresentam altas maio-res e quedas menores do que as do IBOVESPA. Isso acontece, pois empresas que seguem as práticas de GC sofrem menos com as mudanças no cenário econômico. Durante o ano de 2011, em momentos que a bolsa brasileira recuou, os papéis das empresas que seguem à risca a GC começaram a se destacar.

De acordo com a Bovespa, a estreia do Magazine Luiza na Bolsa foi feita em um período turbulento, de constantes quedas, mas a rede estava bem melhor posicio-nada do que o Índice Bovespa, apresentando quedas menores. A varejista estreou em alta no mercado acionário no dia 2 de maio de 2011, reforçando o otimismo no setor de varejo. Conforme o Relatório de Administração divulgado pela empresa, o lucro foi fraco no terceiro trimestre. O fato foi visto como positivo para os analistas, que consideraram um destaque o forte ritmo das vendas dentro de um cenário de grande competição. Já o mercado não recebeu bem o resultado, mas mesmo assim as ações sofreram valorização.

Considerações Finais

O artigo procurou demonstrar a importância e a atualidade do estudo da go-vernança corporativa para o aperfeiçoamento e desenvolvimento do mercado de capitais no país e a relação que as boas práticas de governança têm com o desem-penho das corporações.

O estudo de caso apresentado, mostra que uma boa administração aliada a

uma política de transparência e prestação de contas gera valor e se torna um di-ferencial competitivo para a companhia, como aconteceu com o Magazine Luiza.

No caso brasileiro merece destaque o fato de grande parte das empresas se-rem familiares, não tendo uma gestão profissionalizada, o que contribui para um curto tempo de vida útil. Contudo, o Magazine Luiza é uma exceção, a partir do momento que adotou um modelo de gestão transparente, com princípios éticos e englobando o interesse de todas as partes. A companhia adotou as mais rígidas práticas de governança, aderindo ao Novo Mercado, e desde que realizou sua pri-meira oferta, no mês de maio do presente ano, só vem obtendo sucesso.

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Evidentemente, o desafio não acabou, pois a maioria das empresas ainda não adotou esse tipo de gestão.

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8585Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica

Fernando Amaral de Almeida Prado Jr.* Ana Lúcia Rodrigues da Silva**

* Engenheiro civil, mestre e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela UNICAMP. Professor Doutor da Escola Politécnica da USP, onde realizou seu pós-doutorado. Sócio da Sinerconsult Consultoria e Treinamen-to. E-mail: [email protected].

** Física, mestre, doutora e pós doutora em Planejamento de Sistemas Energéticos pela UNICAMP, autora dos li-vros “Monografia Fácil: ferramentas e exercícios”; “Marketing Energético” e “Comportamento do Grande Consu-midor de Energia Elétrica”. Sócia da Sinerconsult Consultoria e Treinamento, Professora da Fundação Armando Alvares Penteado. E-mail: [email protected].

Resumo: O Brasil, neste final de ano de 2012, está enfrentando, desde 1993, a sua quarta onda de reformas institucionais no setor elétrico, agora com a mudança de regras associadas à renovação das con-cessões de hidroelétricas, linhas de trans-missão e empresas de distribuição. Nesses 20 anos, a indústria brasileira se moderni-zou, transformando-se em um sofisticado ambiente de negócios da ordem de R$ 150 bilhões ano. No entanto, o governo que abdicou de parte de seu controle com privatizações nos anos 1990 (mais por necessidade financeira do que por moto próprio) frequentemente atua redi-recionando as regras do jogo. Este artigo analisa a intensidade de cada conjunto de medidas e questiona se a excessiva in-tervenção governamental não criaria um ambiente hostil para futuros investimen-tos. No curto prazo, as últimas decisões que cristalizam este ambiente de frequen-tes intervenções tem impactos positivos, o que gerou apoio da sociedade, mas no longo prazo podem comprometer a saú-de da expansão da infraestrutura associa-da aos serviços de energia elétrica.

Palavras-chave: Regulação. Concessões. Tarifas. Políticas Públicas.

Abstract: Brazil, by the end of this year of 2012, is facing, since 1993, its fourth wave of institutional reforms in the power sector, and currently changes are relative to the renewal of rules for hydro power plants concessions, transmission lines and operating licenses in defined areas for distribution services. During these last 20 years, the Brazilian in-dustry has been modernized and became a sophisticated business environment ex-ceeding the rate of US $ 75 billion/year. How-ever, the government that abdicated part of its control with privatization in the 1990’s (more by financial need than by political is-sues) frequently acts redirecting the rules of the game. This article analyzes the intensity of each one of these sets of measures (laws and regulations) and questions whether ex-cessive government intervention would not be creating a hostile environment for future investments. In a short period, the last set of decisions which crystallize this environment of frequent interventions, ended up having positive impacts and obtained support from the society, but in long run, they may harm the health of the infrastructure related to ren-dering of services in the electricity industry. Keywords: Regulation. Concessions. Tar-iffs. Public policy.

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Introdução

Como se sabe, o início dos anos 1990 no Brasil foi caracterizado por uma su-cessão de crises econômicas e institucionais. Após o longo período da ditadura militar e de um governo civil eleito por regras não democráticas (1964-1988), o país teve seu primeiro presidente eleito democraticamente em 25 anos, destituído pelo Congresso Nacional por envolvimento direto em corrupção.

No plano econômico enfrentava-se um agravamento do processo inflacionário endêmico desde meados dos anos 1960. Quando em julho de 1994, por ocasião da edição do quinto plano de reformas monetárias de combate à inflação, o Brasil acumulava, desde julho de 1964 uma desvalorização da moeda de 1 quatrilhão e 302 trilhões por cento (LEITÃO, 2011).

No setor elétrico, a crise financeira refletia com vigor, em decorrência da ten-tativa vã do Governo de controlar a inflação pelo reajuste das tarifas abaixo da inflação. A escassez de receitas promoveu entre 1985 e o início de 1993, uma dívida não honrada entre concessionárias, de cerca de US$ 27 bilhões (GREINER, 1994). Ainda mais, em 1993, existiam 23 usinas em construção com obras paralisadas e 33 hidroelétricas com concessões outorgadas que ainda não tinham iniciado sua construção (SILVA, 2011). Este era o contexto quando foi publicado o primeiro con-junto de medidas das quais se trata neste artigo.

1 Primeira Onda de reformas – A Lei Eliseu Resende

Na tentativa de corrigir os rumos do setor, Itamar Franco, o novo presidente da Republica, após o impeachment de Collor, designou o senador Eliseu Resende, ex-ministro de Minas e Energia, para desenvolver um conjunto de medidas que viessem reestabelecer as condições para atrair os investimentos necessários. Estas iniciativas resultaram na Lei 8.631/93, que pode ser considerada o divisor de águas da indústria de eletricidade no Brasil.

Este primeiro conjunto de medidas, ainda de baixo impacto regulatório, reconhe-ceu as dívidas setoriais não honradas e promoveu um aporte do tesouro para seu saneamento, visando propiciar um novo começo para as concessionárias, quase que em sua totalidade de propriedade do governo federal e, em alguns casos, de gover-nos estaduais. Outras medidas foram tomadas, sendo as mais relevantes: a obriga-toriedade da assinatura de contratos entre Geradores e Distribuidores, a eliminação das tarifas unificadas em todo o Brasil e também o término da garantia de tarifas que redundassem em retornos sobre o ativo em serviço, de pelo menos 10% ao ano1.

1. Esta regra tinha sido tão sistematicamente descumprida durante o período de alta inflação que este descum-primento justificou politicamente e, também, legalmente, o aporte de recursos para o saneamento financeiro das empresas.

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8787Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

A inexistência de contratos era suprida por regras de preço e de operação, deter-minadas por grupos de trabalhos, acordadas, na maior parte das vezes, sob o contro-le da Eletrobrás, holding de empresas de propriedade governamental. Obviamente a não existência de contratos facilitava a inadimplência entre as empresas estatais.

As tarifas unificadas facilitavam o desequilíbrio econômico financeiro das con-cessionárias de distribuição, pois não guardavam nenhuma relação com o custo de operação e com o custo de suprimento junto às geradoras. Finalmente, uma garantia legal de 10% de retorno mínimo sobre os investimentos na prestação do serviço indicava o caminho para o fracasso, pois asseguravam um benefício sem contrapartida da boa performance empresarial das estatais.

O conjunto de medidas implementadas pela Lei Eliseu Resende determinou: (i) a eliminação do retorno garantido sobre investimentos realizados; (ii) a diferencia-ção de tarifas para cada área de concessão, que deveriam espelhar suas condições de custo de produção; e, (iii) a assinatura de contratos criando responsabilidades formais pelos compromissos comerciais. Complementando estas reformas, foi fei-to um aporte do tesouro para sanear as finanças e realizar um grande encontro de contas que permitiria um novo recomeço das empresas.

2 Segunda Onda de reformas – Projeto RE-SEB e as consequências do racionamento

As medidas provenientes da Lei Eliseu Resende não foram suficientes para a retomada dos investimentos, pois a inflação permanecia em níveis muito elevados e tramitava, no Congresso, a regulamentação de um artigo da Constituição Federal (GOVERNO DO BRASIL, 1988) que determinava sobre a necessidade de licitações públicas para outorgas de concessões de serviço público.

Desde 1934, o aproveitamento dos recursos hídricos em usos múltiplos tinha passa-do a ser regulado pelo governo federal, sendo considerados como uso de bem públi-co e facultada sua exploração sob regime de concessões, cuja outorga normalmente tinha conotações políticas. Na prática, a concessão de aproveitamentos hidroelétricos era sempre feita para empresas com sede na região onde fisicamente se localizava a queda d’água e apenas empresas federais do grupo Eletrobrás atuavam em múltiplos Estados. O artigo 175 da Constituição determinava, assim, a necessidade que todas as concessões de serviços públicos passassem a ser licitadas, o que, no entanto, somente ocorreria quando fosse publicada sua regulamentação pelo Congresso.

Assim existiam dois empecilhos para a regularização da expansão da infraestru-tura de energia elétrica no país: as condições inadequadas da inflação descontro-lada (em 1993 a inflação medida pelo Índice Geral de Preços do Mercado - IGPM foi de 2.567,3%) e a indefinição sobre regras futuras das concessões. Assim, entre 1988 e 1995, por falta de norma legal regulamentadora, nenhuma nova concessão para geração ou transmissão de energia elétrica foi outorgada.

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Como resultado, a expansão da capacidade instalada em geração declinou for-temente. Esta situação é mostrada na Figura 1.

Figura 1 - Evolução da capacidade instalada no Brasil

Fonte: Ministério de Minas e Energia (2007).

Por coincidência, o novo governo que se instalara em 1995, tinha como presi-dente eleito o ex-senador Fernando Henrique Cardoso (FHC), que tinha sido o re-lator do projeto de lei que tratava da regulamentação das concessões2. Durante o primeiro mandado de FHC foi feito um esforço político para a promulgação da Lei 8.987/95, a Lei das Concessões. Ainda neste primeiro ciclo do governo FHC, outra lei3, mais detalhada sobre as concessões, foi publicada, inclusive criando a possibi-lidade de mercados competitivos para eletricidade.

O novo governo tinha necessidade de implementar investimentos privados para atendimento à demanda de energia, especialmente depois de 1994 quando a estabilidade monetária foi alcançada, o que promoveu um aumento significativo da atividade econômica, em especial pela renda extra gerada na prática pela elimi-nação da corrosão inflacionária. Em 1994 e 1995, a economia cresceu 10,2% de for-ma acumulada no período. Apesar desta situação mais favorável, outras demandas impediam o investimento direto do governo no setor elétrico.

2. FHC durante o período que exerceu o cargo de ministro das Finanças coordenou um grupo de jovens econo-mistas que, pela quinta vez, tentava controlar a inflação com medidas consideradas heterodoxas. O sucesso deste Plano, denominado Plano Real, guindou FHC à Presidência da República.3. Lei 9.074 de 7 de julho de 1995.

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8989Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

4. No Brasil, pela elevada predominância de hidroelétricas, o despacho centralizado pelo ONS independe do propri-etário de cada usina. A otimização é promovida por meio de sistemas computacionais que levam em conta, além das condições operacionais (disponibilidade operacional e dos custos variáveis) das usinas térmicas, também a hidr-ologia futura das usinas hidroelétricas, visando compatibilizar o custo presente com expectativas de custos futuros.

Foi decidido então que seria implementada uma profunda revisão do modelo institucional, sob coordenação do Ministério de Minas e Energia, que contou com a ajuda de uma consultoria internacional, em um consórcio composto pelas em-presas Coopers & Lybrand; Ulhoa Canto, Rezende e Guerra advogados e Engevix/Main Engenharia. Este projeto, denominado Projeto RE-SEB, Reestruturação do Se-tor Elétrico Brasileiro, durou cerca de três anos e foi desenvolvido com a elite dos técnicos das concessionárias e envolveu mais de 200 gerentes dessas empresas. Nas palavras do gerente do Projeto, Lindolfo Paixão, ele deveria ser desenvolvido “com os ingleses e não pelos ingleses” (PAIXÃO, 2000).

Se a reforma de 1993 tivera como principal objetivo o saneamento econômi-co financeiro das empresas, as reformas do primeiro governo FHC, além de uma nova concepção organizacional, visavam criar as condições para a privatização do setor. Deve-se inclusive registrar que as primeiras concessionárias de distribuição a serem privatizadas não contavam com a existência de regras e nem mesmo com uma agência de regulação estabelecida. A privatização no Brasil, na opinião dos autores, não foi ideológica e sim premida por necessidades financeiras.

O arcabouço das reformas teve como principais objetivos:

• Assegurar a continuidade do fornecimento, em curto prazo, durante o pro-cesso de transição e assegurar a atração de investimentos para o longo prazo;

• Reduzir as despesas públicas, atraindo capital privado para financiar novos in-vestimentos e refinanciar a dívida pública com os resultados da privatização;

• Criar mercado competitivo de geração de energia elétrica;• Criar obrigações de compra para as empresas de distribuição de energia elétri-

ca visando a criação de um mercado que fomentasse a expansão da geração;• Criação de mercado competitivo no varejo para unidades conectadas em ní-

veis de tensão igual ou superior a 69kV, sendo previsto que este poderia ser expandido com o passar do tempo;

• Promover a desverticalização das empresas ou pelo menos sua separação contábil.• Permitir o livre acesso à rede;• Construir referencial regulatório de consolidação das atividades de transmis-

são e distribuição como monopólios naturais;• Criação de novas entidades: Operador Nacional do Sistema (ONS) para operar

as atividades de Transmissão e Geração e formar preços, sem que isso promo-vesse prejuízo à otimização do sistema4; Mercado Atacadista de Energia (MAE) para funcionar como agente de liquidação de contratos comerciais e a Agên-cia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), entidade reguladora independente;

• Consolidação do conceito que a atividade de expansão da oferta de geração constituía uma oportunidade de investimento a ser suprida pelo mercado.

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As palavras de ordem do projeto RE-SEB eram “Tanta competição quanto possí-vel, tanta regulação quanto necessária” (PAIXÃO, 2000).

Com bases no estabelecido nas diretivas do Projeto RE-SEB, iniciou-se o proces-so de privatização das empresas de Distribuição, que foi praticamente completa-do, sendo que apenas umas poucas empresas permaneceram no controle do Esta-do5. Já na atividade geração, ocorreram muitas resistências políticas à privatização, sendo que foram terminados apenas os processos da empresa federal da região sul e da Companhia Energética de São Paulo (CESP).

Para se evitar uma “explosão” de preços e assimetrias de mercado (acesso diferen-ciado à geração mais barata) foi determinado que as Distribuidora deveriam manter seus contratos nos mesmos moldes do regime estatal sendo que, a partir do quinto ano dessa obrigação, paulatinamente o mercado se desregulamentaria com “des-contratações” anuais de 20% ao ano. A este procedimento se deu o nome de contra-tos iniciais. Como se veria depois, a primeira “descontratação” seguiu-se ao primeiro ano do racionamento, cujos efeitos estão descritos a seguir, o que resultou na efetiva redução dos contratos, sem que houvesse busca de reposição dessas quotas, redun-dando em grandes “sobras”, na maior parte, nas empresas geradoras estatais.

Assim os anos 1990 se encerraram, com aproximadamente 80% das empresas distribuidoras privatizadas, enquanto na geração este número era da ordem de 25% da capacidade então instalada.

O racionamento de 2001 foi imputado como consequência da privatização e, como consequência, encerraram-se as condições políticas para novas privatiza-ções. Como exceção digna de registro, no Estado de São Paulo, uma importante empresa de transmissão de propriedade do governo estadual foi privatizada em junho de 2006, sendo hoje a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulis-ta (CTEEP) a principal transmissora privada do Brasil.

O racionamento de grandes proporções (o mercado deixou de ser atendido em 20% do consumo histórico) ocorrido em 2001, durante o segundo mandato de go-verno do presidente FHC, evidenciou problemas gerais na modelagem desenvol-vida pelo projeto RE-SEB.

As condicionantes regulatórias, quer por insuficiência de regras claras, quer por imperfeições do modelo adotado, não foram capazes de produzir os investi-mentos necessários que poderiam ter evitado a crise de abastecimento. Embora o governo tivesse, na prevenção, articulado ambicioso plano de metas para um conjunto de termoelétricas a gás natural, proveniente de importação da Bolívia, o plano praticamente não foi além do planejamento, em especial pelas indefinições do preço do Gás Natural (GN).

5. Seis empresas do N/NE tiveram performance econômica inadequada e foram federalizadas sob gestão da Eletrobrás.

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A Comissão de Investigação (KELMAN, 2001), que estudou as causas do racionamen-to, concluiu que este ocorrera pela combinação de três fatores: (i) dois anos subsequen-tes desfavoráveis hidrologicamente; (ii) falta de investimentos e atrasos em obras de geração; e, (iii) falta de coordenação e ausência de regulamentos a respeito da respon-sabilidade das entidades para a gestão do risco de desabastecimento do setor.

Vencido o racionamento, cujas consequências políticas e econômicas se mate-rializaram na campanha política das eleições presidenciais de 2002, com a eleição do principal opositor ao governo FHC, novas questões importantes passaram a fa-zer parte da agenda do setor.

Entre as mais relevantes estavam a de se dar estabilidade regulatória que per-mitisse investimentos de longo prazo. Foram identificados também: aspectos re-gulatórios insuficientes relacionados com o planejamento dos inventários para projetos futuros, insuficiência de definição da participação de empresas de gover-no em grandes empreendimentos na região amazônica e a ausência de definições sobre os usos múltiplos das bacias hidrográficas.

Ainda, em relação à atratividade de investimentos, podiam ser elencados pro-blemas relacionados à complexidade para obtenção de licenças ambientais de hidroelétricas, sobre a capacidade de se facilitar os financiamentos de projetos e critérios para alocação dos riscos hidrológicos.

Também ficou em evidência o questionamento sobre a necessidade de con-tratação de energia, em longo prazo, pelas distribuidoras. Esta questão tinha re-levância pelo fato de que, sendo um país com predominância absoluta de usinas hidráulicas e com o mercado alterado pelo aprendizado do racionamento6, o preço da energia no mercado spot tinha ficado muito baixo durante longos períodos de tempo, o que representava um incentivo para a não contratação de longo prazo.

A Figura 2 apresenta o mercado de energia elétrica no Brasil nos anos seguin-tes ao racionamento, evidenciando uma redução substantiva das necessidades de suprimento. A Figura 3 mostra os preços do mercado spot no Brasil, em uma pers-pectiva de longo prazo. Como se vê, os preços são muito baixos em boa parte do tempo e, ocasionalmente, atingem valores muito altos.

Dois efeitos combinaram-se quando do encerramento do racionamento: a “sobra” conjuntural de energia no mercado provocada pelo aprendizado já citado e a possibi-lidade regulatória que permitia que as distribuidoras não contratassem a totalidade de suas necessidades energéticas, podendo fazer aquisições pontuais, à medida que o con-sumo fosse ocorrendo, inclusive com acertos contratuais “ex post”. Este último aspecto, além de não facilitar a expansão pela facilitação do financiamento com recebíveis de

6. Os consumidores foram forçados a reduzir seu consumo em média em 20%. A dificuldade em atender este req-uerimento permitiu que aprendizado e ações emergenciais de eficiência energética ficassem perenizados depois de encerrado o período de restrição de consumo.

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longo prazo, ainda colocava em risco os consumidores regulados na distribuidora, uma vez que a exposição ao risco de preço de curto prazo aumentava o risco de preços sazo-nais muito elevados, que eram transferidos às tarifas no sistema “pass through”.

Até o período do racionamento, era possível comprar apenas 85% das neces-sidades previstas nas projeções de mercado pelas Distribuidoras, sendo que esta regra se alterou para 95%, uma vez terminado o racionamento (PESSANHA, 2007). Estes efeitos contribuíam para a pequena demanda por energia a ser contratada no longo prazo e, consequentemente, falta de direcionadores para a expansão.

Finalmente, entre as criticas ao modelo do projeto RE-SEB, estava a possibili-dade de contratação de compra de energia com parte relacionada, normalmente com preços elevados, procedimento este facilitado pela possibilidade de repasses “pass through” o que comprometia a modicidade das tarifas.

Figura 2 – Mercado de eletricidade no Brasil em GWh/ano

Fonte: Construída pelos autores com base em EPE (2012).

Figura 3 - Preços spot no Brasil - Região Sudeste R$/MWh

Fonte: Canal Energia (2012).

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1994 1996 1998 2000 2002 2004

PLD semanal do período de 1/2001 a 10/2012. Patamar de Carga: Media

Grá�co gerado pelo Canal Energia Corporativo - Origem dos dados: CCEE

R$ 700,00

R$ 560,00

R$ 420,00

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SE/CO

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3 A Terceira Onda – Reformas da Ministra Dilma Rousseff

Os desgastes políticos do racionamento, popularmente apelidado de “apagão”, tiveram influência, embora não se possa afirmar que esta tenha sido decisiva na eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, ou popularmente, Lula.

Ao assumir a presidência pela primeira vez, Lula nomeou a economista, até en-tão desconhecida do grande público, Dilma Rousseff, como Ministra de Minas e Energia. Com estilo gerencial coerente com sua personalidade forte, a ministra ini-ciou seu mandato com críticas ao modelo institucional do setor, ao mesmo tempo que se reunia com representantes da cadeia de produção.

As críticas tinham quatro vertentes que explicavam porque o modelo precisava ser alterado:

• Ocorrera um grande racionamento;• Não existia suficiente aporte de investimentos no setor;• As tarifas tinham subido acima da inflação7;• Existia cerca de 15 milhões de brasileiros sem acesso à rede elétrica.

Embora se reconhecesse a correção das críticas, o anúncio de um novo modelo novamente paralisou investimentos. O ano de 2003 foi marcado pela discussão do novo modelo institucional. Em dezembro, foi encaminhado, ao Congresso Nacio-nal, um conjunto de medidas que viriam a se transformar no arcabouço daquilo que se convencionou como sendo o modelo Dilma e que representa, neste arti-go, a terceira onda de reformas. Embora tenha recebido mais de 800 emendas no Congresso, seus princípios foram pouco alterados e, em fevereiro de 2004, foram promulgadas as Leis 10.847 e 10.848 que tratam dessas reformas.

Entre as principais decisões estavam a da criação de uma Empresa de Planeja-mento para retomada do determinismo no planejamento da expansão da geração e da transmissão. As empresas Distribuidoras passaram a ter atividade exclusiva-mente de distribuição, ou seja, recebem remuneração pelo serviço de disponibi-lização de ativos (capital) e operação e manutenção da rede e bilhetagem. Estas empresas passaram a não mais ter riscos associados ao preço do suprimento de energia, mas receberam a obrigatoriedade de comprar 100% das suas necessida-des energéticas, com cinco anos de antecedência. Com estas medidas foi separado o mercado regulado com tarifas definidas pela ANEEL e o mercado livre (no qual as distribuidoras passaram a ficar impedidas de atuar). Toda a energia necessária para atendimento ao mercado regulado das Distribuidoras passou a ser obrigato-riamente adquirida através de leilões organizados pelo regulador.

7. Deve-se registrar que as tarifas subiram muito acima da inflação, pois o Governo FHC passou a utilizar a es-trutura arrecadadora do setor elétrico como eficiente agente recolhedor de impostos e encargos destinados a subsídios cruzados. Deve-se registrar que o governo Lula, em que pese suas criticas, manteve esta situação.

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O MAE, que enfrentara problemas de risco moral em sua gestão, teve suas atividades substituídas pela criação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), basi-camente com as mesmas funções, mas com uma estrutura de governança mais robusta.

A Figura 4 apresenta, de forma esquemática, o modelo comercial que passou a vigorar na contratação de energia. No ambiente competitivo, apenas geradores e comercializadores podem atuar.

Dada a dificuldade da correta previsão da demanda futura de energia, pelo me-nos para os próximos cinco anos, existem leilões de ajustes que são realizados com antecedência de três anos, um ano ou no mesmo ano de realização do mercado, com antecedência média de seis meses, de tal forma que as distribuidoras possam ajustar seu portfólio de contratos ao mercado previsto. Eventuais desvios são liqui-dados ao preço do mercado spot, mas diferenças a menor ficam sujeitas a penali-dades elevadas. Desvios superiores ao mercado, limitados a 3% carga da Distribui-dora, podem ser repassados às tarifas dos consumidores finais. Esta característica indica que o modelo teve um objetivo de incentivar a contratação de energia nova para suprir as deficiências de captação de novos investimentos.

Os leilões são organizados para que a carga seja atendida, inicialmente, por meio de hidroelétricas a serem ainda construídas e que ainda não tiveram suas concessões outorgadas. Caso o volume de energia requerido pelas Distribuidoras seja superior à disponibilidade de usinas planejadas que já tenham seu inventário e licenças ambientais concluídas, realiza-se um leilão de usinas térmicas para com-plementar o atendimento ao mercado.

Figura 4 - Ambientes de contratação de energia elétrica

Fonte: Cyrino (2011).

Os contratos firmados entre os empreendedores que irão construir usinas para entre-ga futura (cinco anos) são de 30 anos, enquanto que os prazos dos contratos das usinas

contratos bilaterais regulados – leilões públicos compra de energia em regime de livre contrataçãoGj empresa geradora j

Di empresa distribuidora iCn empresa comercializadora nCLk consumidor livre k

ACRAmbiente de Contratação Regulada

ACLAmbiente de Contratação Livre

Compra de Energia em Leilões

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CL1 CL2 CL3 CLkD1 D2 D3 D4 Di

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9595Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

8. Este índice é utilizado apenas para ranquear as propostas durante o leilão, podendo a empresa futuramente ser chamada a despachar como frequência diferente, cabendo a ela gerenciar os riscos de volatilidade do preço do com-bustível. O indicador de probabilidade de despacho de cada combustível é associado a este preço unitário de tal for-ma que combustíveis de custos muito diferentes podem competir pelo direito a estes contratos de disponibilidade.9. Em alguns leilões, as concessões de hidroelétricas permitem que parte da energia não seja direcionada ao mercado regulado.

térmicas variam de 15 a 20 anos. A modalidade dos leilões é feita com preços reversos, sendo que as usinas hídricas possuem um preço de referência (R$ /MWh) e um volume fixo de energia a produzir a cada ano em função das previsibilidades estocásticas de vazões (consequentemente, de energia) na bacia hidrográfica onde a usina se situará. O projeto preliminar e as licenças ambientais iniciais são providenciadas pela Empresa de Planejamento do governo federal.

Caso a oferta de projetos com estes requisitos atendidos não seja suficiente para o atendimento à carga projetada, iniciam-se leilões de energia provenientes de usinas tér-micas, nas quais a competição pela venda se dá por meio do menor preço resultante de um valor fixo (disponibilidade da usina) e de um valor variável (custo do combustível). Considerando-se que não se sabe, a priori, qual será o despacho das usinas no futuro, pois este irá depender da hidrologia futura, a empresa de planejamento governamental estabelece um índice de probabilidade de despacho futuro, atrelado ao custo unitário variável8, ponderando-se assim os custos fixos e variáveis também em R$/MWh.

Nos leilões de ajustes, normalmente três ou um ano antes do momento do consu-mo, usualmente não existe espaço para entrada de usinas hidroelétricas, pois o prazo de construção e obtenção das licenças ambientais não é viável. Assim, nestes leilões usual-mente a energia é contratada por disponibilidade (custo fixo e custo variável associado ao despacho) ou por quantidade para usinas (eventualmente hidroelétricas) já prontas que não tenham sua produção totalmente comercializada9.

Uma análise detalhada da legislação e dos fatos posteriores à publicação do modelo Dilma indicam que foi feita uma opção preferencial pela segurança energética em de-trimento a qualquer outro condicionante. Afinal, o governo não poderia correr o risco político de um novo racionamento.

Do ponto de vista de investimentos, pode-se afirmar que o modelo apresentou ele-vada dose de sucesso. As Figuras 5 e 6 apresentam a capacidade instalada acrescida no sistema de geração e transmissão.

Embora as leis tenham sido publicadas em fevereiro de 2004, apenas em julho foi publicado um decreto regulamentador que estabelecia, de forma mais clara, os deta-lhes da complexa reforma.

Mesmo este não conseguiu esclarecer muitos detalhes regulatórios sobre como im-plementar as medidas, de tal forma que a ANEEL publicou centenas de resoluções nor-mativas nos anos seguintes, tentando colocar os esclarecimentos que os investidores e consumidores necessitavam.

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Figura 5 – Acréscimo da capacidade instalada de geração em MW

Fonte: Construída pelos autores com base em Canal Energia (2012b).

A Figura 7 apresenta, ano a ano, o número de resoluções normativas publicadas pela ANEEL. Embora não se possa atribuir ao modelo à totalidade destas diretivas, fica claro que o regulador brasileiro tem publicado, em média, uma norma que estabelece regras ou detalha procedimentos a cada semana, durante os últimos oito anos. Esta incidência exige esforço muito grande dos participantes do merca-do para seu acompanhamento e para o gerenciamento das informações. Ainda na linha do aumento da complexidade do modelo, Lima (2012) relata o aumento das atividades da CCEE que cresceram substancialmente nos últimos anos.

Figura 6 - Expansão de linhas de transmissão em Km

Fonte: Construída pelos autores com base em Governo do Brasil (2012b) e Pires e Holtz (2011).

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9797Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

O modelo Dilma pode ser considerado bastante vitorioso em muitos aspectos, como afastando riscos iminentes de novas crises de suprimento com investimentos em geração e uma substancial redução do preço da energia por meio dos leilões de energia para as Distribuidoras. Também foi bem sucedida a redução da população sem acesso à rede elétrica, com inclusão, até setembro de 2011, de 14,2 milhões de brasileiros com luz elétrica em suas moradias (GOVERNO DO BRASIL, 2011).

No entanto, em uma diretiva, o modelo Dilma fracassou, pois não conseguiu reduzir os preços de energia, muito influenciados por carga tributária muito ampla e por encargos setoriais que em muitos casos vigoram desde muito tempo. Assim, apesar da base de gera-ção brasileira ser quase que em sua totalidade hídrica, por pressuposto devendo ter preços módicos, o Brasil possui hoje uma das tarifas mais caras do mundo. As Figuras 8 e 9, res-pectivamente, apresentam um ranking de tarifas industriais e residenciais (SANTANA, 2012).

Os preços elevados das tarifas de energia elétrica brasileira são influenciados pelos encargos e tributos, como evidenciado em palestras proferidas por representantes da ANEEL em recente evento patrocinado pela Federação Patronal das Indústrias do Esta-do de São Paulo (FIESP), em São Paulo (COELHO, 2012; SANTANA, 2012). Uma das pales-tras (COELHO, 2012) proferida por um diretor daquela Agência, relata a evolução dos encargos de R$ 2,9 bilhões (2002) para R$ 13,9 bilhões (2011). Este último ainda mostra na Figura 10 que tributos e encargos setoriais10 conjuntamente representam 43% do dispêndio médio de uma conta de energia (COELHO, 2012).

Dois destes encargos vinham causando grande contestação por parte de entidades de defesa de consumidores e de empresas em geral (SALLES, 2011a; SALLES, 2011b). O primeiro, a Reserva Geral de Reversão (RGR), que constituí um fundo indenizatório para uma eventual cassação de concessões e para indenização de ativos não amortizados ao final de um período de contrato de concessão. Este encargo deveria ter sido encerrado em 2002 e depois em 2010, sendo sucessivamente prorrogado pelos governos FHC e Lula. Em 2010, a Eletrobrás empresa holding do governo federal para energia elétrica in-formou o Senado que existiam R$16,9 bilhões aplicados em projetos diversos. Os oposi-tores, além de contestarem a qualidade da gestão desses recursos, ainda questionavam o fato que a RGR, criada em 1957, nunca antes tinha sido utilizada para os fins de sua destinação. O valor previsto para ser despendido pelos consumidores no encargo RGR, em 2012, é da ordem de R$ 1,6 bilhão (SALLES, 2011a).

Já o segundo encargo, a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) deveria ser utilizado para subsidiar o custo de combustíveis nas regiões mais inóspitas do Brasil, ainda sem conexão ao sistema interligado. Este encargo foi revisto em 2009, com aumento de quase 100% e foi eliminado qualquer prazo para sua extinção. Este en-cargo em 2012 implicará em R$ 3,2 bilhões (PSR, 2012).

10. CCC - Conta de Consumo de Combustíveis; CDE - Conta de Desenvolvimento Energético; CFURH - Con-tribuição Financeira pelo Uso dos Recursos Hídricos; EER - Encargo de Energia de Reserva; ESS - Encargos do Serviço do Sistema; P&D - Programa de Pesquisa e Desenvolvimento; PROINFA - Programa de Incentivo a Fontes Alternativas; RGR - Reserva Geral de Reversão; e, TFSEE - Taxa de Fiscalização do Serviço de Energia Elétrica.

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.20119898

Figura 7 - Resoluções normativas publicadas pela ANEEL

Nota: o ano de 2012 contempla apenas resoluções publicadas até 10 de outubro Fonte: Construída pelos autores com base em Canal Energia (2012a).

Figura 8 - Ranking de tarifas industriais US$/MWh

Fonte: Santana (2012).

Destaque importante deve ser dado ao tratamento que as reformas promovi-das por Dilma dedicaram à questão das concessões.

Na Constituição vigente no Brasil (GOVERNO DO BRASIL, 1988) está estabeleci-do, no artigo 175, que: “Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação (grifo nosso) a prestação do serviço público. A lei disporá sobre:

Artigo I – O regime das empresas concessionárias e permissionárias do serviço público, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação.”

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9999Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

Fonte: Santana (2012).

Figura 10 - Participação percentual dos custos em uma fatura de energia elétrica

Fonte: Adaptada de Coelho (2012).

Posteriormente, a Lei das Concessões já analisada neste texto, regulamentou o fato de que uma vez vencida as concessões, seria necessária uma nova licitação. Posteriormente à Lei 8.987/95, o que se observou foi um verdadeiro “zig zag legal” (WALTENBERG, 2009). Ainda em 1995, na Lei 9.074/95 que detalhava as concessões para o setor elétrico, foi ad-mitida uma única prorrogação para as concessões em andamento anteriores a este pro-cesso legal. Assim, em 2015 seria necessária uma nova licitação. A mesma lei, no entanto, admitia exceções a esta situação para casos onde ocorresse um processo de privatização. Nesse caso, seria concedido um novo prazo de 35 anos. Obviamente, esta medida já fazia parte da agenda de privatizações do governo FHC e visava valorizar as empresas.

Em 1996 (Lei 9.427/96) nova alteração foi feita e se passou a admitir sucessivas prorrogações. No entanto, o pacote de reformas desenvolvido sob a tutela de Dil-ma Rousseff, em 2003/2004, revogou o artigo que tratava das sucessivas prorroga-ções e estabeleceu a necessária licitação como anteriormente definido.

Figura 9 - Ranking de Tarifas Residenciais US$/MWh

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Tributos

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Distribuição

Transmissão

Geração

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.2011100100

Novamente, com a obrigatoriedade de licitações e considerando-se a elevada concentração de ativos11 com concessões vincendas entre 2015 e 2017, uma clara definição de como o governo enfrentaria a questão marcou fortemente a agenda de discussões do setor, nos últimos quatro anos. Exatamente esta questão foi o pivô da quarta onda de reformas, anunciadas, ultimo dia 11 de setembro de 2012.

4 Quarta Onda – Reformas da Presidente Dilma Rousseff

Dilma Rousseff foi eleita presidente da República depois de dois governos su-cessivos de Lula. Com características mais executivas que seu antecessor, que po-liticamente adiara algumas decisões importantes em seu último ano de governo, a nova presidente viu-se, durante seu primeiro ano de governo, com sucessivas crises políticas envolvendo denúncias de corrupção em vários ministérios, que re-sultaram em demissões de sete ministros.

Entre as providências adiadas por Lula estavam as renovações de concessões. A matéria se refletia de importância ainda maior, porque em 2012 se encerravam contratos de fornecimento de energia estabelecidos entre empresas de geração e distribuidoras, decorrentes do primeiro leilão de energia do modelo Dilma que, excepcionalmente, (conforme previsto na lei) permitiu que fossem ofertadas ener-gias provenientes de usinas já em operação e que não dispunham de contratos. É conveniente recordar que, em 2004, o mercado ainda estava bastante deplecio-nado, em virtude da retração provocada pelo racionamento e que a maior parte das empresas geradoras de então pertencia ao próprio governo. A energia hídrica produzida por essas unidades era remunerada ao preço do spot, chegando a ser avaliada em menos do que R$ 10/MWh em muitos meses, razão pela qual o gover-no incentivou e promoveu sua comercialização a preços baixos, mas substancial-mente superiores ao mercado de curto prazo.

Assim, estes leilões realizados em final de 2004 e outro realizado em 2005 co-mercializaram 17.000 MWmed de energia assegurada, com preços muito baixos que refletiam a conjuntura de mercado de então. Popularmente estes leilões fo-ram apelidados de leilões de energia velha. Com o vencimento desse importante bloco de contratos, as concessionárias de Distribuição deveriam repor os volumes contratados. Destaca-se que não existia previsão legal para a renovação desses contratos, o que viria a ocorrer apenas por interesse comercial.

Assim, novamente se combinavam dois efeitos, o vencimento de grande volu-me de contratos baratos (2012-2013) e, ao mesmo tempo, o vencimento de con-cessões, de usinas, muitas das quais com os chamados contratos de energia velha.

11. As concessões no Brasil não são feitas por empresa, mas por ativo. Assim, uma empresa pode ter várias usinas hi-droelétricas com datas diferentes de vencimento de suas concessões.

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101101Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

Considerando-se as condições de mercado, vigentes em 2012, seria pouco prová-vel que as geradoras detentoras dessa energia se interessassem por renovação nas mesmas condições pactuadas em 2004/2005. A recontratação da energia “velha” por preços de mercado poderia impactar as tarifas, já duramente criticadas, na ordem de 10%, podendo chegar a 20% nos casos, sempre se considerando valores corrigidos pela inflação. Reportagem sobre o tema, indicava que os preços desses leilões, já corrigidos pela inflação, importavam em R$ 87/MWh em 2011 (CAMAZIO, 2011).

A não renovação das concessões, portanto, causava uma indefinição importan-te do lado dos consumidores e também por parte dos geradores que ficavam im-pedidos de comercializar energia, por prazos longos, em mercados competitivos, para períodos além da data de vencimento das concessões.

Em 2011, a FIESP, passou a discutir, publicamente, inclusive com campanhas pu-blicitárias na grande imprensa, a necessidade de licitações, conforme a lei estabe-lecia, visando o barateamento das tarifas de energia.

De outra parte, outros movimentos de grupos de interesse passaram também a discutir o assunto. Associações de empresas geradoras e transmissoras passaram a rei-vindicar a prorrogação das concessões, no que era acompanhado pelos movimentos sindicais de empregados de empresas estatais. Já as associações de grandes consumi-dores de energia e clientes livres do mercado competitivo identificaram a necessida-de de exigir que o tratamento que fosse dado a esta energia potencialmente barata, fosse também direcionada de forma proporcional ao mercado competitivo12.

O ano de 2012 apresentou novos desafios políticos ao governo federal, na figu-ra de importantes eleições para prefeitos em cada um dos municípios brasileiros, com indicadores de um segundo ano com baixa performance na economia (2,7% em 2011 e projeções de 1,9% em 2012) e o julgamento pelo Supremo Tribunal Fe-deral de várias lideranças políticas, praticamente coincidindo com as eleições. Esta agenda e, também, é claro, a necessidade premente de resolução das indefinições que pairavam sobre o tema das concessões levaram a Presidente da República a anunciar, em 11 de setembro, um amplo conjunto de medidas, visando desonerar o custo de energia elétrica para a sociedade brasileira.

Considerando-se o ambiente legal já discutido, qualquer providência que não fosse o de organizar leilões para licitação dessas concessões teria que ser feita com mudanças na lei. O caminho escolhido pelo Governo Federal foi o das Medidas Provisórias (MP)13.

12. Palestra de diretor da CCEE (LIMA, 2012) informava que, em maio de 2012, o Ambiente de Contratação Livre correspondia a 27% de todo o consumo de energia elétrica do Brasil.13. Medidas provisórias são “providências (como o próprio nome diz, provisórias) que o Presidente da República poderá expedir, em caso de relevância e urgência, e que terão força de lei, cuja eficácia, entretanto, será eliminada desde o início se o Congresso Nacional, a quem serão imediatamente submetidas, não as converter em lei dentro do prazo - que não correrá durante o recesso parlamentar - de 120 dias contados a partir de sua publicação”.

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.2011102102

O conjunto de medidas que causou grande impacto foi apelidado jocosamente de “11 de setembro do setor elétrico” pela coincidência da data de seu anúncio. As medi-das consistiram em admitir a prorrogação das concessões vincendas em 2015, imedia-tamente a partir de 1º. de janeiro de 2013, por 30 anos sob determinadas condições.

Foram envolvidas Empresas de Geração constituindo em 22.341 MW de potên-cia instalada, 18,7% da capacidade instalada total do Brasil (119.332,8 MW em se-tembro de 2012). Empresas de Transmissão: 85.326 km (sendo 68.789 km da rede básica com tensão superior a 230kV) e empresas de Distribuição envolvendo pe-quenas empresas federalizadas e três grandes empresas de propriedade de gover-nos estaduais, correspondendo a 35% da área de atendimento nacional.

Para cada uma das usinas será calculado um valor de energia correspondente ao seu custo de operação e manutenção e a totalidade de sua produção será dire-cionada para o mercado regulado em um regime de participação de quotas para as empresas de distribuição.

Usinas com concessão vincenda e que eram destinadas à autoprodução podem ser prorrogadas, mas vão ter que pagar contribuição pelo uso do bem público. Neste caso, precisam ser menores do que 50MW e destinar 100% da produção para uso próprio.

Cada linha de transmissão terá calculado um valor correspondente ao seu custo de O&M e terá direito a uma receita assegurada, compatível com os custos apurados.

Não foram definidas as regras para a prorrogação das concessões das empresas Distribuidoras. Apenas genericamente foi estabelecido que serão definidas condi-ções que aperfeiçoem a qualidade do serviço. A MP estabelece que, posteriormen-te, serão publicadas regras sobre o assunto.

Os objetivos anunciados referem-se à redução expressiva das tarifas que será obtida pela contratação de longo prazo pelas Distribuidoras da energia, com pre-ços associados a custos operacionais, o mesmo para o custeio do transporte da energia e pela eliminação de encargos por parte do Governo (CCC, RGR e 75% da CDE). Parte dos recursos retirados dos encargos eliminados será realizado por meio de aporte do tesouro, estimado na MP em R$ 3,3 bilhões.

A princípio, foi considerado que as Distribuidoras que vem sofrendo processos de revisão tarifária e redefinição do fator X e do custo de capital não devem sofrer im-pactos tarifários, mas apenas maior exigência nos padrões da qualidade do serviço.

Foi também estabelecido que a juízo de auditoria a ser encaminhada pela ANEEL, ativos ainda não depreciados seriam indenizados à vista, de tal sorte que, em janei-ro de 2013, não remanescessem ativos em serviço que precisassem remuneração. Os ativos não depreciados devem ser indenizados pelo Valor Novo de Reposição. O Governo ainda anunciou que, pelas suas expectativas, os recursos existentes da RGR seriam mais do que suficientes para esta indenização. Alguns analistas, no entanto,

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103103Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

questionam a suficiência de recursos (PIRES; HOLTZ, 2012), o que foi endossado por algumas das concessionárias, por exemplo, pela presidência da Eletrobrás, que indi-cava uma expectativa de ressarcimento de até R$ 28 bilhões, cifra da ordem de R$ 9 bilhões acima da disponibilidade total dos fundos da RGR (CANAL ENERGIA, 2012b).

Outra providência metodológica diz respeito à alocação da energia proveniente das usinas a terem seu regime de custeio alterado. A MP estabelece que a ANEEL estabele-cerá um sistema de quotas. No entanto, não existem maiores detalhes sobre o assunto. Considerada a experiência brasileira de alocação de quotas da energia provenientes da Usina de Itaipu (empreendimento binacional com o Paraguai) que indica compra com-pulsória na proporção dos mercados das empresas da região Sul/Sudeste, com reavalia-ção periódica, considera-se que a metodologia seja similar, mas não restrita a determi-nismos geográficos, mas sim, a todo o Sistema Interligado Nacional (SIN).

Finalmente, a medida estabeleceu um rígido cronograma para todas as pro-vidências, no qual o primeiro marco representa a adesão formal ao programa do governo, no prazo de 35 dias depois da publicação da MP. Caso estas não aceitem as condições estabelecidas, serão mantidas as regras atuais e, posteriormente, por ocasião do vencimento (sendo a maior parte em 2015), ocorrerá uma nova licitação. É importante destacar que esta adesão pelo cronograma publicado deverá ocorrer antes das datas nas quais a ANEEL se manifestará sobre a indenização dos ativos não depreciados, da alocação das quotas e das novas tarifas que serão praticadas.

Finalmente, como impacto técnico relevante, foram incluídas, entre as usinas atingidas pelas medidas, algumas que teriam seu vencimento ainda passível de uma prorrogação por 20 anos. Embora este detalhe seja de tecnicidade jurídica, as empresas mais afetadas, CESP e CEMIG, manifestaram-se considerando que existi-ria ilegalidade nesta inclusão.

Os resultados esperados indicam uma redução de tarifas que pode ultrapassar 20% das tarifas reguladas. O governo, durante seu anúncio, publicou expectativas, mas sobre as quais não foram dados maiores detalhes. A consultoria PSR, que as-sessorou o governo na preparação das medidas, publicou estudo exemplo para as tarifas da CPFL, companhia distribuidora do Estado de São Paulo, admitindo as reduções anunciadas para os encargos e assumindo custos médios de geração res-tritos a O&M de apenas R$ 30,1/ MWh e receitas da transmissão reduzidas para 1/3 dos valores atuais. Com base nestas premissas, os resultados deste estudo (PSR, 2012), comparados com o anúncio do governo, estão expressos na Figura 11.

Muitos impactos foram identificados com o anúncio destas medidas. Os princi-pais foram: redução expressiva do valor das ações das empresas de energia, propo-sição de reestruturação dos quadros de recursos humanos das empresas afetadas, avaliação da legalidade das medidas, perda de impostos arrecadados pelos Estados, redirecionamento de montantes de energia já contratados pelo mercado livre para o mercado regulado (o que vai alterar as condições do equilíbrio competitivo vigente) e, por fim, a curta disponibilidade de tempo e ausência de detalhes para a tomada de

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.2011104104

decisão por parte das empresas envolvidas. Na sequência, apresentam-se questiona-mentos e avaliações desenvolvidos pelas empresas e por analistas. Ressalta-se que a maioria perdura, sem ainda uma definição de solução aos problemas indicados.

Figura 11 - Estudo comparativo de redução de tarifas para a CPFL14

Fonte: (PSR, 2012).

O primeiro impacto evidente diz respeito ao valor de mercado das empresas listadas na Bolsa de Valores. As Figuras 12 a 16 apresentam resultados das cotações na Bolsa de Valores no Brasil (UOL, 2012).

Mesmo as empresas não afetadas pelas medidas, tais como a Tractebel Energia (maior gerador privado do Brasil) e a AES Tietê, foram afetadas em seu valor de bolsa, dando claras indicações de que o mercado considerou muito complexas as intervenções realizadas pelo governo. As Figuras 17 e 18 apresentam os valores de cotação destas empresas cujas concessões vão vencer apenas em 2028.

No total, a perda de valor em cotações de bolsa foi superior a R$ 20 bilhões, coincidentemente, um valor muito próximo do valor que será usado, segundo ex-pectativa do Governo, com a RGR para indenizar os ativos ainda não depreciados.

Nos dias que se seguiram ao anúncio, o BTG PACTUAL, em correspondência aos investidores, recomendou a imediata venda das ações da CESP e da Transmissão Pau-lista, reduzindo suas expectativas de preço para a Copel e indicando maior necessi-dade de tempo para uma correta avaliação sobre uma decisão sobre o investimento em ações da CEMIG, embora tenha retirado esta ação de seu portfólio. Na mesma correspondência, o banco assume que, para a Transmissora Paulista, a melhor de-cisão seria não aderir ao pacote de medidas governamentais (BTG PACTUAL, 2012).

14. A2 refere-se a consumidores conectados entre 88 e 138 kV; A3 para conexões de 69 kV e A4 conexões entre 2,3 e 25 kV.

Estimativa PSR para 17 DiscosEstimativa do Governo26% 25%

A2 A3 A4 B-Res

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22% 22%

19%

16% 16%

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105105Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

Fonte: UOL (2012).

Figura 13 - Cotações de ações ordinárias da CESP

Fonte: UOL (2012).

Figura 14 - Cotações das ações ordinárias da Companhia Paulista de Transmissão

Fonte: UOL (2012).

Figura 12 - Cotações de ações preferenciais da CEMIG42.5

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37.5

35

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20Ago Set Out

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Estratégica, vol.11(02), dezembro.2011106106

Fonte: UOL (2012).

Figura 16 - Cotações das ações ordinárias da Eletrobrás

Fonte: UOL (2012).

Figura 17 - Cotações das ações ordinárias da Tractebel Energia

Fonte: UOL (2012).

Figura 15 - Cotações das ações ordinárias da Copel40

37.5

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107107Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

Fonte: UOL (2012).

Efeito indesejado pelo governo diz respeito à reestruturação do quadro de em-pregados das empresas afetadas. Considerados os efeitos em muitas dessas em-presas, parece evidente que estruturas destinadas à comercialização de energia ao mercado competitivo deixam de fazer sentido. Mesmo empresas de propriedade do governo federal já antecipam os ajustes.

Analistas ouvidos pela Imprensa (GERADORAS..., 2012) afirmam ser “necessário um dramático ajuste no excesso de pessoal e de outras distorções herdadas de admi-nistrações anteriores, muitas marcadas por influência política”. Já a empresa Furnas, subsidiária da Eletrobrás, já anunciou um plano de demissões voluntárias que deverá reduzir seu quadro em 28% até julho de 2013 e a CELESC, empresa de propriedade do governo estadual de Santa Catarina, fez o mesmo com meta de redução do qua-dro de empregados de 20,2% (CONCESSÃO..., 2012a).

Outro efeito de importância diz respeito à legalidade das medidas. Algumas em-presas e analistas jurídicos questionam se o conjunto de medidas anunciadas atende a todos os requisitos de legalidade. Os principais pontos indicam que, por se tratar de legislação que regulamenta um dispositivo constitucional, precisaria ser feito por meio de emenda constitucional (o que exige maioria de 2/3 no Congresso Brasileiro). Outro questionamento indica que não existiria a urgência que é exigida para uma medida provisória, uma vez que sempre se soube que o vencimento das concessões, em sua maioria, aconteceria em 2015. No entanto, este posicionamento não é unâni-me, uma vez que outros analistas identificam que a MP atendeu a todos os requisitos constitucionais, conforme palestra realizada na Associação Brasileira de Concessio-nárias de Energia (LUSTOSA, 2012).

No plano da governança, outras críticas foram dirigidas ao governo pela não rea-lização de audiências públicas prévias sobre o tema e também pelo fato do anúncio ter coincidido com os mercados de ações em funcionamento, sem que houvesse tempo hábil para compreensão das medidas afetando os investimentos.

Figura 18 - Cotações das ações ordinárias da AES Tietê26

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16Ago Set Out

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Finalmente, no plano da legislação, foram encaminhadas ao Congresso 431 pro-postas de emendas legislativas15 propondo alterações à MP do governo, sendo que apenas um deputado pelo Estado de São Paulo propôs 91 alterações.

Estas emendas dos congressistas que, potencialmente, podem alterar alguns pontos da MP no Congresso levaram o Secretário Executivo do Ministério de Mi-nas e Energia (MME) a antecipar problemas relacionados à assinatura dos contratos que, pelo cronograma do governo, irá acontecer antes da conclusão da tramitação legislativa. O secretário Zimmermann comentou (ELÉTRICAS..., 2012) que o governo precisará fazer malabarismos jurídicos para que os contratos tenham flexibilidade suficiente para se adaptarem às emendas que ocorrerão.

No plano dos governos, a perplexidade se deu pela perda potencial da receita associada ao imposto sobre valor agregado, denominado ICMS de destinação aos Estados. Apenas o Estado de São Paulo avalia que perderá receita em tributos asso-ciados à energia elétrica da ordem de R$ 1 bilhão por ano, conforme estimativas do Secretario de Energia daquele Estado (COM LUZ..., 2012).

Outro ponto polêmico relaciona-se à destinação exclusiva da energia dessas usinas para o mercado regulado. Grande parte das emendas apresentadas ao Congresso es-tabelece que deveria existir uma proporcionalidade da destinação da energia entre os mercados regulado (ACR) e o mercado competitivo (ACL). A Associação Brasileira das Empresas de Comercialização de Energia Elétrica (ABRACEEL) argumenta que, como os grandes consumidores (em especial os das classes tarifárias A3 e A2) já optaram, em sua absoluta maioria, pelo mercado livre, os benefícios apontados pelo governo seriam apenas virtuais. Outro argumento favorável a uma isonomia para o destino da energia barata seria que, os consumidores livres, de certa maneira como parte da sociedade, também teriam contribuído para a amortização das usinas com concessões vincendas.

Os efeitos das medidas no mercado competitivo não se restringem, no entanto, ao fato da energia ser destinada exclusivamente a consumidores regulados. Nos dias que se seguiram ao anúncio das medidas, o governo alterou o prazo de permissão para retornar ao mercado cativo para clientes que adquiriam energia de fontes in-centivadas (fontes de baixo impacto ambiental e de pequeno porte) de seis meses para cinco anos de aviso prévio, igualando o prazo requerido para fontes de grande porte e ou com maiores impactos ambientais.

Ainda em relação ao mercado competitivo, muitas das usinas envolvidas no pla-no de medidas já tinham comercializado sua produção junto ao mercado livre, para os anos de 2012 até 2015. Como as medidas estabelecem que a totalidade da energia produzida será direcionada ao mercado regulado, a energia já comercializada deverá ser objeto de contratação junto a outros fornecedores, para substituição dos com-promissos assumidos. Por um efeito perverso, as condições hidrológicas no Brasil,

15. Como já discutido anteriormente o dispositivo das MPs precisa ser aprovado no Congresso, mas pode receber con-tribuições dos congressistas, que também precisam ser aprovadas pelos pares.

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109109Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

neste final de ano de 2012, são adversas, fazendo com que o preço do mercado spot, que ajuda a formar preços de contratos mais longos, seja o maior desde janeiro de 2008. A Figura 3 apresentada anteriormente ilustra esta situação.

O impacto financeiro, portanto, pode ser relevante, dependendo do montante de energia já comercializada pelas geradoras que possuem usinas afetadas pelas medi-das e dos preços de reposição de contratos que estas empresas vierem a conseguir para honrar contratos previamente firmados.

Parece claro que os efeitos benéficos das medidas não atingirão, como um todo, o mercado livre, pois parte das economias virá da energia mais barata dos empreendi-mentos já amortizados. A redução dos encargos, no entanto, beneficiará igualmente clientes livres ou regulados. O mesmo se aplica aos efeitos advindos da redução do custeio da transmissão que afeta, da mesma forma, os consumidores regulados e aqueles no mercado competitivo.

Deve-se registrar que nos mercados concorrenciais, exceção feita a mercados dire-cionados a energia limpa (produtos “verdes”), o direcionador do tomador de decisão é o preço final, assim o Governo, ao reduzir a base de comparação das tarifas reguladas, reduziu a margem da comercialização. Outras medidas recentes, também relacionadas ao mercado livre, como o impedimento de contratação “ex-post” e o aumento do prazo de retorno ao mercado livre, dão indicativos da pouca importância do governo em in-centivar, ou mesmo proteger, esta alternativa de contratação de eletricidade.

Finalmente, um dos maiores efeitos que o conjunto de medidas vem provocando, relacionam-se aos poucos detalhes disponíveis para a tomada de decisão. Por exemplo, não se conhecem ainda os critérios que irão nortear as quotas de energia e nem se a ANE-EL irá se preocupar com um eventual aumento da sobre contratação das Distribuidoras.

Explicando melhor, como a legislação estabelece que os agentes de Distribuição de-vem estar sempre com uma carteira de contratos que reflita a totalidade de seu mercado e que o não cumprimento desta obrigação regulatória redunda em penalidades expres-sivas, não raro as Distribuidoras preferem o risco de super contratação16 do que eventual necessidade de contratação no mercado spot associado a pagamento de multas.

Neste quadro, a alocação de quotas pode agravar uma situação de super oferta de contratos. Não se sabe ainda se a ANEEL pretende ou não utilizar quotas para cor-rigir assimetrias das carteiras de compra decorrentes da diversidade de estratégias das Distribuidoras nos últimos oito anos em múltiplos leilões. Ressalte-se que a MP não estabelece diretivas sobre a constituição das quotas e também não define se estas poderão vir a sofrer ajustes periódicos.

16. Até o limite de desvio de 103% do mercado de vendas efetivamente ocorrido, a Distribuidora pode repassar eventuais prejuízos à tarifa. Caso esta sobre contratação produza lucros inesperados por conta de preços do spot superiores aos do contrato, estes lucros também são considerados na próxima revisão de tarifas. Desvios de contratação que suplantem 3 % acima do mercado correm por conta e risco da Distribuidora.

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É claro que a MP 579 não apresenta apenas problemas. A redução de preços cer-tamente levará à redução das taxas de inflação e a um aumento da competitividade de todos os usuários de energia na modalidade produtiva, mesmo que para isso par-te dos benefícios tenham decorrido do ônus do contribuinte, uma vez que o tesouro irá arcar com parte dos recursos decorrentes da extinção de encargos.

Outro benefício importante está no fato de que uma solução esteja encaminha-da, uma vez que a indefinição, neste caso, pode ser tão danosa quanto más escolhas na formação das políticas.

A possibilidade de renovação das concessões foi considerada positiva pelo pes-quisador de Harvard, Ashley Brown, uma vez que a sua não renovação penalizaria os bons concessionários, introduzindo novas dimensões de risco por questões não conhecidas de novos investidores que viessem a assumir velhas concessões (“esque-letos no armário”).

Destaca ainda o pesquisador que a possibilidade de renovação introduz, de for-ma virtuosa, maior controle sobre os destinos dos investidores, promovendo a segu-rança regulatória de longo prazo (BROWN, 2012).

Considerações Finais

Cada uma das reformas descritas apresentou características de forte intervenção do Estado nas atividades industriais do setor elétrico, inclusive porque, nos âmbitos das ondas, primeira e segunda, de reformas, as empresas eram, em sua maioria ab-soluta, de propriedade do próprio Estado.

No terceiro bloco, de modo geral, foram afetadas todas as empresas privadas (pri-vatizadas ou não) e as estatais, uma vez que este conjunto de medidas estabeleceu um novo modelo comercial, afetando a maneira como os negócios se estabelece-riam daí por diante.

Finalmente, nesta quarta onda de reformas, embora a maioria das empresas envol-vidas diretamente seja de propriedade estatal (uma vez que as empresas privatizadas ti-veram suas concessões prorrogadas por 30 anos), deve-se destacar que todas as empre-sas, inclusive aquelas não afetadas pelas renovações de concessão, foram impactadas.

As Distribuidoras terão à disposição de suas necessidades para atendimento ao mercado um bloco significativo de energia a preços, provavelmente, muito baixos e aquelas cujas concessões encontram-se vincendas terão novas exigências de quali-dade por parte do Poder Concedente. As suas tarifas aos consumidores finais serão revisadas e os padrões de qualidade dos serviços alterados.

As Transmissoras também terão suas receitas reduzidas e as tarifas dos sistemas de transmissão afetadas da mesma maneira.

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111111Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

Finalmente, as Geradoras foram influenciadas diretamente pela redução de sua receita em troca da prorrogação das concessões ou indiretamente pelas alterações do market share da energia proveniente das hidroelétricas, modificando as relações das forcas competitivas entre o Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e o Am-biente de Contratação Livre (ACL). No caso das geradoras, ainda como se viu, forte impacto no valor de mercado dessas companhias foi registrado.

A grande questão conceitual envolvendo as medidas governamentais nesta quar-ta onda de reformas, e que pela sua importância ensejam este artigo, diz respeito à renda que poderia ser auferida pelas usinas depreciadas, caso as concessões fossem prorrogadas sem nenhuma alteração às regras. Como se sabe, usinas hidroelétricas são intensivas em capital e, portanto, uma vez passados os prazos razoáveis para que sua depreciação tenha sido contabilizada, faz sentido um tratamento especial regulatório.

Aliás, não se pode esquecer que em dois momentos no passado, algum tratamen-to discriminatório já tinha sido empregado, visando-se evitar esta renda adicional.

O primeiro, durante o Governo FHC, quando o ambiente de empresas totalmente estatais foi substituído por empresas privadas (segmento de geração) e foram es-tabelecidos os chamados “contratos iniciais”, que estabeleciam um prazo de cinco anos, antes de uma desregulamentação paulatina dos contratos, dando-se tempo considerado adequado para que a competição se estabelecesse.

O segundo, quando foram realizados os primeiros leilões de energia no Governo Lula e foram separados os blocos em energia “velha” e empreendimentos já em ope-ração, mas relativamente novos, que o mercado ironicamente apelidou de energia ”botox”. Esta separação, assim como a contratação de energia de usinas ainda a se-rem construídas, visava confinar empreendimentos de preços de mesma ordem de grandeza, condizentes com o grau de depreciação implícito.

Na sequência da análise dos impactos espera-se que dado o prazo exíguo para manifestação da adesão ao programa, espera-se que a maioria absoluta venha sina-lizar, positivamente, embora este aceno não possa ser considerado como definitivo, uma vez que os contratos somente deverão ser assinados em dezembro, parecendo ser possível algum retrocesso de posição. Não se espera, no entanto, que isso possa ocorrer com as empresas controladas pelo Governo Federal. Esta convicção decorre da firmeza com que o Governo vem desenvolvendo o relacionamento com os agentes e pelo empenho que vem dando à condução da pressão política no Congresso, visando evitar que emendas parlamentares desconfigurem o modelo, tal qual proposto.

Em posição bastante criticada, o Diretor Geral da ANEEL acenou, ameaçadora-mente, que a não adesão ao plano, na expectativa de melhores condições em um processo de licitação futuro (2015) poderia sofrer a retaliação, com a exclusão do di-reito de participar à frente. Esta posição foi duramente criticada por analistas e pela imprensa, em geral, inclusive questionando-se se o Governo teria instrumentos le-gais para impor esta restrição (CONCESSÃO..., 2012b; BORGES, 2012). No entanto, em

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termos práticos, um leilão posterior poderia simplesmente ter preços ainda menores do que os de hoje, na medida em que a depreciação ainda seria maior.

Perduram ainda muitas dúvidas a respeito de como serão tratadas as questões rela-cionadas aos investimentos necessários durante o novo período de concessão e sobre critérios de gestão do risco hidrológico associado à operação de cada uma das usinas.

Ponto ainda pouco discutido diz respeito à renovação das concessões de Dis-tribuição onde não existe nenhuma indicação de qual será a contrapartida exigida pelo governo para as empresas envolvidas.

De todo o impacto, pode-se afirmar que as concessionárias não estão confortá-veis com as reformas anunciadas. Pode-se afirmar ainda, que parte do desconfor-to registrado entre os investidores diz respeito não só às medidas anunciadas, mas também à falta de transparência do seu encaminhamento e ausência de diálogo no momento subsequente ao anúncio das medidas. Preocupa mais a ausência de orien-tação do que o remédio prescrito pelo médico.

Os investidores estariam também preocupados com o excesso de intervencio-nismo governamental no setor, identificado também nas políticas de Gás e Petróleo.

Assim, resta saber se a renda reprimida das usinas que, evidentemente, tem o aplauso do setor produtivo e da população em geral, não se refletirá em afastamen-to de novos investimentos e perda da qualidade do serviço em prazos médios.

Reguladores (governos aqui se incluem nessa definição) devem zelar pelo equilí-brio de suas decisões.

Em setores da economia onde o interesse público se mistura com condições es-tratégicas para o adequado funcionamento da sociedade, surge o dilema do regu-lador: equilibrar tarifas reguladas, que a sociedade deseja e pode pagar, com incen-tivos para a expansão da infraestrutura evitando-se que os benefícios de hoje sejam devolvidos no futuro pela escassez de oferta.

Assim, para que esta equação seja equilibrada, as tarifas precisam ser reduzidas (e a sociedade aplaude os passos dados nesta direção), mas o regulador/governo precisa dosar e reequilibrar suas iniciativas para que uma ação virtuosa não promova um grande desincentivo na capacidade de investimento no setor.

Este é o dilema do regulador.

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113113Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

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115115Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-115

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Orientações para os autores

1) Foco da Revista

A Revista Estratégica publica artigos inéditos nas áreas de Estratégia, Adminis-tração, Gestão e temas afins, em português, espanhol e inglês, de autores brasi-leiros e do exterior e que foram devidamente aprovados pelo Conselho Editorial da Revista. Excepcionalmente, publica também artigos não inéditos, mas ainda não divulgados em português ou espanhol, e que a Revista considere importantes para publicação nestas línguas, conforme avaliação dos editores ou de membros do Conselho Editorial.

2) Conteúdo do artigo

Os artigos devem conter: resumo, palavras-chave, abstract, keywords, introdu-ção, desenvolvimento, considerações finais e referências. A escrita deve ser acessí-vel ao público em geral.

3) Formato dos originais

Os textos devem ser submetidos no formato de arquivo eletrônico, enviados por e-mail, no programa Word, em fonte Arial, 10. Considerando os gráficos e tabe-las, cada artigo deve conter entre 8 e 25 páginas, tamanho A4, com espaço simples entre linhas. Deve existir uma linha entre parágrafos.

As tabelas e gráficos não preparados originalmente pelo autor e retirados de ou-tras fontes não poderão ser colocados no artigo no formato de figuras, necessitando ser refeitos, e sempre escritos no mesmo idioma do texto em que estão inseridos.

4) Remessa de originais

Para o e-mail [email protected]. Além do arquivo texto em Word deverão ser encaminhados os demais arquivos contendo gráficos e tabelas, a fim de facilitar a edição do artigo e garantir a fidelidade na reprodução.

5) Avaliação dos artigos

Os artigos passarão por uma pré-avaliação do Editor ou do Editor Associado. Após a aprovação inicial, os artigos serão submetidos a dois pareceristas do Con-

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selho Editorial. Para aprovação de um artigo há necessidade de pelo menos um parecer positivo. O processo de avaliação é na modalidade double blind, ou seja, autores não sabem quem são os pareceristas e vice-versa.

6) Exemplares para os autores

Os autores recebem 3 (três) exemplares da revista.

7) Assinaturas

Informações sobre assinatura ou permuta da revista poderão ser obtidas pelo e-mail [email protected]

AVISO IMPORTANTE

A responsabilidade dos artigos publicados é exclusivamente dos autores, não expressando qualquer opinião ou posicionamento da revista ou da FAAP.

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1) Cabeçalho do artigo

Título do artigo (fonte Arial, 20, negrito).

Nome do autor (fonte Arial, 12, negrito, itálico).

Breve currículo (até 5 linhas) indicando a titulação acadêmica, a ocupação atual e o e-mail para contato (fonte Arial, 9).

2) Resumo e palavras-chave

Apresentar em até 150 palavras, um resumo do trabalho, em texto conciso e sem parágrafos, contendo necessariamente os seguintes elementos: problema objeto da pesquisa, justificativa, objetivos, método adotado, resultados obtidos e considerações finais, incluindo a contribuição do trabalho para o conhecimento ou enfrentamento do problema selecionado.

Palavras-chave: apresentar de 3 a 5 palavras. (fonte Arial, 10).

3) Abstract e keywords

Tradução do resumo para o inglês, inclusive com as palavras-chave.

4) Introdução

Apresentar o trabalho, contemplando os seguintes aspectos: a. Relevância do tema escolhido e contexto (época e lugar) em que se insere;b. Descrição do problema de pesquisa;c. Apresentação dos objetivos da pesquisa;d. Apresentação, quando necessário, do público-alvo e localização geográfica.

5) Desenvolvimento

Criar subtítulos do tipo: método adotado (descrever o método que foi adotado para atingir o objetivo da pesquisa).

Orientações para a elaboração de artigos científicos

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Apresentar os Referenciais Teóricos para dar sustentação ao artigo e elaborar um debate com o pensamento já produzido sobre os temas.

Informar em que região geográfica foi realizada a pesquisa, no caso de pesquisa de campo. Para uma pesquisa puramente bibliográfica, deve ser informado o que foi feito, a fim de elucidar questões que diversos teóricos tenham pensado sobre o tema. Descrever o período de tempo dedicado à coleta de dados e apresentar a amostra (participantes) que selecionou.

Apresentar os dados que coletou, lembrando que um conceito expresso por algum teórico ou um pensamento colhido durante uma entrevista, são dados. In-formar qual foi “a referência teórica” adotada para realizar a análise dos dados.

Uma pesquisa puramente bibliográfica indica que os dados são “conceitos” co-

lhidos na literatura que serão igualmente comparados, de acordo com “o proble-ma” da investigação.

6) Considerações Finais

Apresentar as descobertas de maneira lógica (ou seja, isso é consequência da-quilo; isso causou aquilo), com vocabulário claro e conciso.

Devem estar fundamentadas nos resultados e na discussão anteriormente abordadas. Oferecer respostas sobre o problema investigado; informar se cada ob-jetivo foi alcançado; se elaborou hipóteses, informar quais foram confirmadas e quais foram infirmadas (negativadas).

Convém informar sobre as limitações encontradas e com as quais não foi possí-vel lidar, entretanto, poderiam ser exploradas por outros pesquisadores, por outros trabalhos. Nenhuma citação de outros autores deve ser feita na fase de conclusão. A conclusão é do autor(es) da pesquisa.

7) Referências

A lista de Referências deve ser ordenada pelos sobrenomes dos autores consul-tados, não devendo ser numeradas. O padrão a ser utilizado é o da ABNT.

Todas as fontes de informações citadas no texto devem constar em Referências.

Nas Referências só devem constar as obras mencionadas no artigo.

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8) Citações

Diretas ou indiretas devem ser apresentadas no padrão ABNT.

9) Apêndices / Anexos

Devem vir ao final do trabalho. Vale salientar que os apêndices e os anexos, ao serem inseridos, são contados como páginas.

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