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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UnU DE CIÊNCIAS SÓCIO - ECONÔMICAS E HUMANAS CURSO DE LETRAS ESTUDO COMPARATIVO SOBRE A FIGURA DO VAMPIRO NAS OBRAS DRÁCULA E CREPÚSCULO DANIELLE MOREIRA LOPES ANÁPOLIS, 2009

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS

UnU DE CIÊNCIAS SÓCIO - ECONÔMICAS E HUMANAS

CURSO DE LETRAS

ESTUDO COMPARATIVO SOBRE A FIGURA DO VAMPIRO NAS

OBRAS DRÁCULA E CREPÚSCULO

DANIELLE MOREIRA LOPES

ANÁPOLIS, 2009

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DANIELLE MOREIRA LOPES

ESTUDO COMPARATIVO SOBRE A FIGURA DO VAMPIRO NAS

OBRAS DRÁCULA E CREPÚSCULO

Artigo apresentado à Coordenação do Curso de Letras para fins de obtenção do grau de Licenciado em Letras com Habilitação em Língua Inglesa, Língua Portuguesa e Literaturas pela Universidade Estadual de Goiás. Orientador: Prof. Ms. Marcelo Pericoli

ANÁPOLIS, 2009

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Autora: DANIELLE MOREIRA LOPES

Título: ESTUDO COMPARATIVO SOBRE A FIGURA DO VAMPIRO NAS OBRAS

DRÁCULA E CREPÚSCULO

Data de Defesa: 08 de dezembro de 2009.

BANCA EXAMINADORA CONCEITO

________________________________________ _____________

Prof. Ms. Marcelo Pericoli

________________________________________ _____________

Profa. Espec. Virgínia Paiva Bueno Sakai

________________________________________ _____________

Profa. Ms. Euda Fátima de Castro

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AGRADECIMENTOS

A meus pais e irmãos que, em primeira instância, proporcionaram e incentivaram meu aprendizado durante toda minha vida; A meu esposo pelo incentivo aos meus estudos, por suas revisões e críticas e por sua paciência em meus momentos de estresse; A meu orientador e minha co-orientadora, pelos livros recomendados e por todo trabalho de orientação; Às minhas amigas Kelly Ferreira e Mariana Mattos maiores incentivadoras desse artigo, sonhamos juntas a realização de nossos trabalhos de conclusão de curso; Aos meus amigos Dark e Basy que me ajudaram com críticas e importantes contribuições sobre o assunto; A DEUS, por me dar força e coragem para concluir mais uma etapa de meus estudos.

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“Se alguma vez existiu no mundo uma história provada e digna de crédito, é a dos Vampiros. (...) Não falta nada: autos, certificados de homens notáveis, de cirurgiões, clérigos e juízes. A prova jurídica abarca tudo. Com tudo isto, quem acredita, pois, nos Vampiros?” (Rousseau, em uma carta ao Arcebispo de Paris)

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RESUMO

Este trabalho propõe um estudo comparativo da figura do vampiro nas obras Drácula (Bram Stoker) e Crepúsculo (Stephenie Meyer). Para tanto, realizamos primeiramente uma revisão bibliográfica acerca da histórica da literatura fantástica, gênero em que se inserem as obras citadas e, logo depois, um apanhado teórico sobre a construção da personagem de ficção no romance. Passamos, então, à descrição específica da personagem vampiro: seus mitos e histórias mais conhecidas ao longo do tempo. Enfim, chegamos à comparação desta personagem nas obras de Stoker e Meyer, verificando as semelhanças e diferenças de seus aspectos físicos, psicológicos e dos mitos referentes a ele. PALAVRAS-CHAVE: Fantástico. Gótico. Personagem. Vampiro.

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ABSTRACT

This work proposes a comparative study of the character of the vampire in the works Dracula (Bram Stoker) and Twilight (Stephenie Meyer). First, we made a review of the literature about the history of the fantastic literature, genre which the works fall into, and soon after, a theoretical construction of the fictional character in the novel. Then, we describe specifically the character of the vampire: its myths and best known stories over time. Finally, we compared the character of the works of Stoker and Meyer, noting the similarities and differences in their physical, psychological aspects and myths concerning him.

KEY WORDS: Fantastic. Gothic. Character. Vampire.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------------- 08

1 LITERATURA FANTÁSTICA ------------------------------------------------------------------ 09

1.1 O Fantástico do século XVIII ------------------------------------------------------------------ 09

1.2 O Fantástico do século XIX --------------------------------------------------------------------- 10

1.3 O Fantástico Contemporâneo ------------------------------------------------------------------ 12

2 A PERSONAGEM DE FICÇÃO NO ROMANCE ------------------------------------------ 12

1.4 A personagem de ficção na narrativa fantástica ------------------------------------------- 14

2.1.1 O Vampiro ---------------------------------------------------------------------------------------- 15

3 COMPARAÇÃO DA FIGURA DO VAMPIRO

EM DRÁCULA E CREPÚSCULO ---------------------------------------------------------------- 20

CONCLUSÃO ----------------------------------------------------------------------------------------- 26

REFERÊNCIAS --------------------------------------------------------------------------------------- 27

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INTRODUÇÃO

O presente artigo visa traçar um estudo comparativo sobre a figura do vampiro na

literatura fantástica de língua inglesa. Investigamos as características deste personagem nas

obras Drácula (Bram Stoker) publicado, pela primeira vez, em 1897 e Crepúsculo (Stephenie

Meyer) publicado em 2005, a fim de destacar semelhanças e diferenças em seus aspectos

físicos, psicológicos e das crenças a seu respeito.

Há pouca pesquisa nessa área, embora vejamos muitos escritores se dedicarem a

este assunto, além de percebermos um grande número de leitores que se identificam com esse

tipo de literatura. As mudanças percebidas na descrição do vampiro não são apenas

características vindas da visão pessoal do autor de cada obra, mas elas vêm sendo observadas

dentro da própria sociedade que, com o passar do tempo, ou com a variação de um local para

o outro, tem mudado sua forma de caracterizar e de pensar esta personagem.

Nosso objetivo geral consiste em fomentar a investigação e a reflexão em estudos

comparados, tendo como objeto os dois romances fantásticos da língua inglesa, corpus desta

pesquisa. Através da comparação de personagens desses romances, tentaremos descrever

alguns fatores relacionados ao contexto histórico das obras que contribuíram para que a visão

em relação à figura do vampiro se modificasse, passando de um monstro assustador para um

ser que se relaciona amigavelmente com o ser humano.

Como metodologia, utilizamos a pesquisa bibliográfica, passando pelos seguintes

procedimentos que resultaram neste artigo: 1) Leitura das obras; 2) Levantamento do corpus

(seleção de trechos das duas obras); 3) Comparação entre os trechos selecionados.

Este trabalho se divide em três etapas. Na primeira, expomos um breve histórico

da literatura fantástica, desde o século XVIII até o XXI. Na segunda, traçamos um apanhado

teórico sobre a construção da personagem de ficção no romance, seguido da caracterização da

personagem de ficção na narrativa fantástica. Ainda dentro do tópico sobre personagem,

mostramos uma descrição específica da figura vampiresca: sua história e mitos mais

conhecidos. A terceira e última etapa, trata da comparação propriamente dita dos trechos das

obras que revelam os aspectos físicos, psicológicos e os mitos referentes ao vampiro.

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1 LITERATURA FANTÁSTICA

O fantástico se faz presente na literatura através de elementos sobrenaturais, de

personagens e situações que expressam o que vai além da realidade. Ferreira define o

fantástico como algo “só existente na fantasia ou imaginação; fantasmagórico; extravagante;

incrível, extraordinário, prodigioso; falso, simulado, inventado.” (FERREIRA, 1988, p. 290).

A primeira definição do termo “fantástico” foi elaborada pelo filósofo e místico

russo Vladimir Soloviov, que argumenta: “No verdadeiro campo do fantástico, existe sempre,

a possibilidade exterior e formal de uma explicação simples dos fenômenos, mas, ao mesmo

tempo, esta explicação carece por completo de probabilidade interna” (1965 apud

TODOROV, 1981, p.16). Tempos depois, Montague Rhodes James, especializado em

histórias de fantasmas afirma que “é às vezes necessário ter uma porta de saída para uma

explicação natural, mas teria que adicionar que esta porta deve ser o bastante estreita como

para que não possa ser utilizada” (1924 apud TODOROV, 1981, p.16). Outra contribuição foi

elaborada pela alemã Olga Reiman: “O herói sente em forma contínua e perceptível a

contradição entre os dois mundos, o do real e o do fantástico, e ele mesmo se assombra ante

as coisas extraordinárias que o rodeiam” (1926 apud TODOROV, 1981, p.16).

1.1 O Fantástico do século XVIII

A partir do século XVIII, as narrativas consideradas fantásticas possuíam obras

com temáticas ligadas a fantasmas e seres sobrenaturais. Todorov (1981) argumenta que a

literatura fantástica nasce neste século com a publicação de “O diabo apaixonado” de Jacques

Cozotti e “O manuscrito encontrado em Saragoça” de Jan Potocki. Segundo ele, o fantástico é

o momento de vacilação de um ser que só conhece as leis naturais, frente a um acontecimento

sobrenatural, é o período da incerteza do personagem ou do leitor, entre saber se esse

acontecimento sobrenatural é ou não uma mera ilusão. Esse momento de hesitação, comum ao

leitor e à personagem, é a condição primeira do fantástico. Quando ao final de uma obra o

fenômeno irreal é explicado através das leis da realidade, dizemos que ele deixa o terreno do

fantástico e passa a pertencer ao gênero estranho. Se for necessário admitirem-se novas leis da

natureza para a explicação do fenômeno, entramos no gênero maravilhoso.

O fantástico implicará, ainda segundo Todorov (1981), não apenas na existência

de um acontecimento irreal, mas também numa maneira de ler que não deve ser nem poética,

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nem alegórica. Dessa forma, o fantástico não deve ser lido para uma possível interpretação

dos fatos ocorridos, como se eles tivessem outro sentido, ou como se representassem algo

diferente do que está escrito. O fantástico deve ser lido de forma que os fatos sejam

interpretados como são e não como poderiam ser.

1.2 O Fantástico do século XIX

No século XIX, a literatura fantástica surge como forma de reação frente a uma

frustração fruto da infalibilidade de leis postuladas pela ciência. Ferraz (2005) afirma que

neste século, o fantástico se manifesta principalmente através de uma tendência literária

conhecida como literatura gótica. Esse movimento literário apresenta seu auge num contexto

inglês, conhecido como época Vitoriana, em oposição às idéias iluministas, em que o

racionalismo e o cientificismo iam contra o sentimentalismo das trevas medievais. Segundo

Sandra Guardini Vasconcelos, a literatura gótica,

[era a] reação aos mitos iluministas, às narrativas de progresso e de mudança revolucionária por meio da razão, o gótico surge para perturbar a superfície calma do realismo e encenar os medos e temores que rondavam a nascente sociedade burguesa. (VASCONCELOS apud ROSSI, 2008, p. 61)

Os autores dessa época retomam um sentimentalismo pessimista aliado a

elementos como a morte, o medo, o horror e o sombrio, na tentativa de expressar suas

inquietações interiores e sua revolta frente à contradição do momento histórico vigente, em

que os avanços científicos aconteciam de forma acelerada ao mesmo tempo em que traziam

consigo uma série de problemas sociais, tais como grande parte da população trabalhar em

regime semi-escravo nas indústrias, incluindo crianças e idosos, e uma vida intensa de miséria

permeada por surtos de doenças devido à falta de condições básicas de sobrevivência. A

ciência avançava rapidamente nesse período, mas não conseguia solucionar os conflitos da

alma e da mente.

Rossi define o gótico presente na literatura da seguinte maneira:

O gótico são as histórias que nos causam medo, ou são as histórias de terror e de horror, ou ainda são as histórias que se passam em lugares sombrios e aterrorizantes, normalmente castelos medievais abandonados e cemitérios mal-assombrados. (ROSSI, 2008, p. 55)

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Para ele, a Literatura Inglesa, sem sombra de dúvida, atuou como precursora deste

gênero literário e manifestou-o em sua plenitude, devido à exposição em menor escala do

povo inglês a cultura greco-romana comparada ao restante dos países europeus, e

conseqüentemente à maior exposição à cultura dos vikings. Os povos escandinavos,

conhecidos como vikings, em busca da expansão de seus territórios, invadiram regiões

dominadas pelo Império Romano e implantaram sua cultura, língua e costumes. Eles eram

povos nômades e guerreiros, acostumados a viver sob inverno constante e rigoroso. Suas

construções não se preocupavam em demonstrar beleza, mas sim, proporcionar proteção

contra o frio. Todos os elementos sombrios que caracterizam os povos escandinavos

configuraram a estética gótica. Segundo Rossi,

A palavra gótico vem dos godos, um dos povos escandinavos que invadiram a Europa dominada por Roma, e indica basicamente, na arquitetura, um estilo muito específico de construção surgido na França no século XII, normalmente utilizado em catedrais medievais, em que se constata a presença de torres lanceoladas (inspiradas nos tetos das casas vikings), gárgulas (estátuas de criaturas monstruosas que eram colocadas nos quatro cantos das construções com o objetivo de escoar a água das chuvas e de espantar espíritos ruins), abóbadas, cúpulas e arcos em ogiva que se sustentam por si mesmos (cujo segredo de construção originou e foi o motivo da existência da Maçonaria por muitos séculos). São exemplos do gótico arquitetônico as catedrais de Saint Denis (a primeira de todas as catedrais góticas), de Notre-Dame (Paris) e de Colônia (Alemanha). (ROSSI, 2008, p. 60)

A influência cultural dos celtas, os primeiros a habitarem as ilhas britânicas,

também contribuiu para a manifestação do gótico em maior escala na cultura britânica. Por

esses e outros fatores, o imaginário dos ingleses sempre esteve permeado por seres

sobrenaturais como monstros, fadas, bruxos e bruxas, e a literatura tem demonstrado essas

características, desde o primeiro texto escrito em língua inglesa, Beowulf (séc. VIII).

Walpole inaugurou em 1764 o gênero gótico, com a publicação de O castelo de

Otranto. Ann Radcliffe, considerada uma das mais importantes autoras desse período,

também fez publicações de grande relevância, dentre elas The Mysteries of Udolpho (1794) e

The Italian (1797). Já no século XIX, encontramos diversos autores e obras que representam

os ideais góticos: “The Rime of the Ancient Mariner”, poema de Samuel Coleridge,

Frankestein de Mary Shelley, O Morro dos Ventos Uivantes de Emily Brontë, O retrato de

Dorian Gray de Oscar Wilde e Drácula de Bram Stoker

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1.3 O Fantástico Contemporâneo

O fantástico do século XX, segundo Rezende (2008), preocupa-se com temas

ligados à inquietação do homem frente aos avanços científicos e tecnológicos modernos ainda

maiores que os ocorridos no século XIX. Dessa forma, permanecem nesse período as

narrativas que tratam da condição humana e não apenas de temas transcendentais. Os

elementos fantásticos dessas narrativas deveriam criar no leitor sentimentos de surpresa,

estranhamento, aversão ou encantamento. É Jean Paul Sartre que estabelece uma divisão entre

o fantástico tradicional e o fantástico do século XX, denominado fantástico contemporâneo.

Segundo Severina Rezende,

Com a definição de Sartre, podemos dizer que surgiu um novo modo de enxergar o fantástico, diverso daquele do século XIX, quando os contos fantásticos tradicionais eram aqueles de terror ou de horror e medo. Para ele o ‘fantástico contemporâneo’, apresenta um homem ‘às avessas’, exatamente como ele vê o indivíduo e o mundo contemporâneo. (REZENDE, 2008, p. 36)

A manifestação do fantástico se dá pela ocorrência de fatos inusitados que, ao

invés de provocarem vacilação ou medo no leitor, se tornam aceitáveis, por mais que sejam

irracionais. O leitor passa a fazer parte do fantástico a partir do momento em que aceita como

natural um fato insólito. O homem normal é o ser fantástico e o real passa a ser o fantástico,

que se torna regra e não exceção. Rezende (2008) lembra que como se está no campo literário,

é nele que consideramos um fato estranho como verossímil, sem que nosso universo se

transforme também em um universo fantástico.

O fantástico adentra o século XXI, ainda com obras contendo as características

adquiridas no século XX, mescladas a elementos góticos adaptados aos novos padrões

culturais, mas sem perder sua essência, o medo, o terror, o sombrio, a escuridão. Como

representantes desse período podemos citar Viagens no Scripitorium de Paul Auster, Anjos e

Demônios de Dan Brown, a continuação da saga Harry Potter de J. K. Rowling e a saga

Crepúsculo de Stephenie Meyer.

2 A PERSONAGEM DE FICÇÃO NO ROMANCE

A personagem constitui um dos elementos primordiais de uma obra. Trataremos

especificamente, nesta parte do artigo, sobre as personagens de ficção presentes nos

romances, fazendo-se, pois, necessária, a definição do termo romance. Chevalley afirma ser o

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romance inglês “uma ficção em prosa de uma certa extensão [...] essa extensão não deve ter

menos de cinqüenta mil palavras” (1921 apud FORSTER, 2004 p. 29)

Para Candido (1968), é o aparecimento da personagem que torna patente a ficção

com maior nitidez, pois, é através dela que os elementos imaginários irão se concretizar. A

personagem é a manifestação de certo tipo de relação entre o ser vivo e o ser fictício. Forster

(2004) já estabelecia a diferença entre o homo fictus e o homo sapiens. Estes dois não se

equivalem, pois, vivem em proporções diferentes. O homo fictus, por exemplo, come e dorme

pouco, mas vive intensamente as relações humanas, principalmente as amorosas. Apesar de se

diferenciarem dessa forma, o homo fictus não deixa de ser uma representação, ainda que

modificada, do homo sapiens, por isso a relação entre eles resultar na personagem do

romance.

Acerca da construção de personagens humanos, Forster afirma,

Ele é criado na mente de centenas de romancistas diferentes, que têm métodos contraditórios de gestação, de modo que não podemos fazer generalizações. Ainda assim, podemos dizer alguma coisa a seu respeito. Geralmente ele nasce de repente, é capaz de morrer aos poucos, não precisa de muito alimento nem de sono, e se ocupa incansavelmente de relacionamentos. (FORSTER, 2004, p. 74)

As personagens ainda podem ser classificadas em planas e redondas.

“Personagens planas eram chamados no século XVII de ‘humours’ (“humor”, no sentido de

índole ou temperamento), e são ora chamados de tipos, ora de caricaturas” (FORSTER, 2004,

p.85). As personagens planas são facilmente identificáveis e permanecem na lembrança do

leitor com facilidade. “As personagens redondas foram feitas para atuar tragicamente por

qualquer extensão de tempo, e só elas podem despertar em nós quaisquer sentimentos que não

sejam o de humor e o de adequação” (FORSTER, 2004, p. 90). Para sabermos se realmente

uma personagem é redonda, basta analisarmos se ela é capaz de nos surpreender

convincentemente.

Candido (1968) argumenta que o romancista, ao compor as personagens, é

incapaz de reproduzir a vida real, ele cria um mundo próprio, acima e além da ilusão de

fidelidade. As personagens obedecem a uma lei própria, são mais nítidas e conscientes, ao

contrário do caos que permeia a vida humana real. Contudo, segundo Mauriac, há uma relação

estreita entre personagens e autor, pois, a criação depende dos limites do criador. O

romancista, conhecendo seus limites, deve criar dentro deles.

Apesar das personagens de ficção nos romances não serem capazes de

representarem a vida real, os leitores quase sempre se identificam com elas no decorrer da

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história. Esse sentimento de realidade produzido ou não pelas personagens depende, segundo

Antonio Candido (1968), da organização do contexto. Ela “é o elemento decisivo da verdade

dos seres fictícios, o princípio que lhes infunde vida, calor e os faz parecer mais coesos, mais

apreensíveis e atuantes do que os próprios seres vivos” (CANDIDO, 1968, p.61). A seguir,

passaremos a descrever a personagem de ficção nas narrativas fantásticas.

2.1 A personagem de ficção na narrativa fantástica

Nas narrativas fantásticas, a personagem possui papel importantíssimo no

desenvolvimento e desfecho do enredo. Todorov (1981) já afirmava que além do leitor, a

própria personagem poderia sentir a vacilação entre o real e o imaginário de uma obra

fantástica e assim, portanto, seria capaz de decidir se as leis da realidade seriam o caminho

para explicar o fenômeno sobrenatural ou se simplesmente teria de aceitar outras leis da

natureza a fim de explicar o fenômeno.

Uma das constantes neste tipo de literatura é a presença de personagens

sobrenaturais, que podem se metamorfosear, voar, deslocar seres e objetos no espaço etc.

Estes seres sobrenaturais vão desde fadas e bruxas a fantasmas, vampiros e lobisomens.

Todorov (1981) argumenta que além de simbolizarem um sonho de poder, estes personagens

suprem uma casualidade deficiente. Ao supri-la, eles se tornam parte de um determinismo

generalizado que rejeita a idéia de um acontecimento diferente no curso da vida ser

meramente um fruto do azar. Assim, se “postulamos uma causalidade generalizada, uma

relação necessária de todos os fatos entre si, devemos admitir a intervenção de forças ou seres

sobrenaturais (até então ignorados por nós)” (TODOROV, 1981, p. 59).

Neste artigo trataremos sobre um dos personagens sobrenaturais mais conhecidos

das narrativas fantásticas: O vampiro. Aidar e Maciel (1986) admitem que este personagem

adquiriu maior fama em nossa sociedade a partir do século XX com os filmes sobre Drácula,

que assustavam e arrepiavam espectadores nos anos 1930 e 1940. Porém, essa figura já era

descrita na literatura gótica européia desde o século XIX, por volta de 1800 e, com o passar

do tempo, percebemos que as descrições sobre vampiros estavam relacionadas a diversos

mitos espalhados em várias culturas.

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2.1.1 O Vampiro

Um dos personagens da narrativa fantástica gótica que mais chama a atenção de

leitores em todo o mundo é o vampiro. Este ser sobrenatural aborda preocupações humanas

relativas à crueldade, violência, morte e vida após a morte, quase sempre ligadas ao tema do

amor. A suposta existência do vampiro sempre se fez presente através de lendas em diversas

culturas, e, as literaturas a seu respeito procuraram relatar essas lendas que, mesmo se

diferindo em vários aspectos, continuaram a possuir muitos pontos em comum.

O termo “vampiro” é relativamente novo. Segundo Aidar e Maciel,

Passou a ser utilizado no século XVIII. (...) Há, por exemplo, quem reivindique sua ascendência no termo turco uber que significa bruxo ou ainda no termo polonês upire que significa sanguessuga. Sem dúvida, há ligação com a palavra húngara vampir; mas o que importa é o horror ao bicho, uma vez que o conceito está associado a criaturas de terrível espectro (...). (AIDAR e MACIEL, 1986, p. 9)

O mito1 vampiresco permeia nossa sociedade desde os tempos anteriores a Cristo.

Através de histórias contadas no decorrer dos anos e, especialmente, nos tempos modernos,

através de filmes e livros, esse personagem tem ganhado fama e notoriedade.

O vampiro possui lendas a seu respeito desde os tempos das civilizações da

Assíria e da Babilônia (2000-1000 a.C.). A maioria de suas histórias provém da Boêmia,

Morávia, Sérvia, Transilvânia e Hungria. Melo (2006) afirma que o mito do vampiro não tem,

logicamente, uma única origem. Cada povo possui em sua cultura uma associação a esse ser

“sugador de sangue”.

Uma das primeiras histórias a esse respeito, segundo Melo (2006), pode ser

encontrada em uma fábula judaica. Conta-se que antes de Eva, Adão possuía outra mulher,

chamada Lilith, que por recusar-se a ser submissa a ele, foi expulsa por Deus do Éden e

transformada em uma criatura da noite. Ela, em vingança, matava os filhos de Adão e Eva e

alimentava-se de sua carne e sangue.

Para Vox (2009), a origem dos vampiros pode estar ligada, segundo outras lendas,

à história de Caim, o primeiro assassino da bíblia. Por causa da morte de Abel, seu irmão,

Deus o amaldiçoou, dizendo que ele se tornaria um errante na terra (característica dos

vampiros, que evitam se revelar para não serem caçados e mortos), e que a própria terra seria

amaldiçoada por causa dele. Assim, Caim não mais se alimentaria dos frutos da terra, somente 1 Consideramos “mito”, “uma forma de compreensão daquilo que, à primeira vista, nos é completamente estranho e indizível” (AIDAR e MACIEL, 1986, p.19).

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de sangue de animais ou de homens. Para que não fosse perseguido, Deus colocou uma marca

nele: seus caninos se alongaram e seus olhos ganharam uma cor amarelada, mas felizmente os

descendentes de Caim não carregavam a mesma maldição de seu pai. Conta-se que em

determinado dia, Caim foi atacado por um homem e, que para se defender, ele o mordeu.

Lembrou-se, então, do sangue de seu irmão, e prometeu nunca mais colocar

sangue humano em sua boca. Caim viveu assim até o dia de sua morte. O homem que foi

mordido por ele, no entanto, se tornou um vampiro. Este novo vampiro se alimentava de

sangue humano, e a maioria de suas vítimas morria. As que sobreviviam se tornavam outros

vampiros. O castigo para quem perseguisse Caim era o de sofrer sete vezes mais a maldição

dele, por isso, quem fosse mordido passaria a maldição para suas póstumas sete gerações

antes da maldição se desfazer. Esses novos vampiros, diferentemente de Caim, eram mortos

vivos, o coração deles não batia e ainda podiam se misturar à multidão escondendo seus

caninos e voltando a cor de seus olhos àquelas anteriores à transformação.

Os gregos também relataram através do poeta Hesíodo (800 a.C.) a presença das

“queres”, consideradas precursoras dos vampiros modernos. Em sua mitologia:

As queres eram divindades infernais e vorazes, seres negros alados, com dentes brancos e unhas pontiagudas que se apoderavam do mortal designado, insuflando-lhe pavor e debilitando-lhe o corpo e o espírito. Enterravam impiedosamente as garras na carne do escolhido, despedaçavam-no, sugavam-lhe todo o sangue e mandavam sua alma para o fundo da terra, sombrio reino de Hades onde reinava Plutão, o soberano dos infernos, senhor absoluto dos mortos (AIDAR e MACIEL, 1986, p. 21).

Aidar e Maciel (1986) descrevem que, por muitos anos, era costume dos gregos

cortarem em pedaços o cadáver daqueles que não apresentavam decomposição depois de

sepultados e jogá-los no fogo como forma de proteção contra possíveis vampiros. Os chineses

quando suspeitavam que algum cadáver pudesse ser um vampiro, o deixavam exposto ao ar

livre para se decompor ou o queimavam, como faziam os gregos. Os feiticeiros búlgaros

também exorcizavam alguns cadáveres, colocando a imagem de um santo acima do morto,

obrigando o vampiro que estava nele a entrar numa garrafa cheia de sangue, que depois seria

queimada.

Melo (2006) afirma que o deus do tempo na Mongólia, o senhor da morte no

Nepal e o demônio tibetano, são outros exemplos do mito vampiresco. Os povos africanos

também têm em sua cultura o mito de seres sobrenaturais possuidores de dentes de ferro, que

tomavam sangue de recém-nascidos e devoravam a carne de pessoas que atravessassem seu

caminho. Ainda na África, eram colocadas na fronte de pessoas mortas por meios violentos ou

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por suicídio, placas de chumbo com textos conjuratórios, para exorcizarem os vampiros.

Aidar e Maciel (1986) descrevem que, na Idade Média, esses sugadores de sangue eram

representados sob a forma de um morcego ou diabo. Eles eram associados à figura dos

morcegos por esses animais se esconderem durante o dia, e por algumas espécies se

alimentarem do sangue de pessoas e de outros animais.

No Brasil também podemos encontrar alguns mitos relacionados aos vampiros.

Oliveira (1930) relatou a crença na existência do “Cupendipe”, indígena de asas que os

Apinajés (jê) diziam existir no Alto Tocantins. Segundo a mitologia indígena, ele possuía asas

como o morcego e saía de sua gruta apenas durante a noite para matar as pessoas com um

machado, porém, não é caracterizado por sugar o sangue de suas vítimas. Nina Balle (1992)

afirma existir no nordeste brasileiro, a história do “Encourado”, um homem que usa traje de

couro preto, possui hábitos noturnos e ataca animais e seres humanos para sugar-lhes o

sangue. Em Manaus, existem relatos da “Vampira do Amazonas” que atacava as pessoas

sugando o sangue de suas jugulares e deixando a marca de dentes nas suas vítimas. Após

atacá-los, segundo a lenda, a vampira corria para o rio, se transformava em uma sereia e

desaparecia na água.

Melo (2006) argumenta que provém dos povos americanos e ingleses a parte mais

sensual e provocante da imagem do sugador de sangue. Ele representa o mal, a doença e a

morte, características ultra-românticas presentes na literatura e no cinema de língua inglesa.

Porém, o mito eslavo é, com certeza, o que mais se difundiu no mundo, e o que mais ajudou a

criar nosso estereótipo de vampiro. O vampiro eslavo foi uma figura do folclore pagão que

conseguiu sobreviver à Igreja Católica e que chegou à Romênia, região dominada pela

Eslováquia.

Segundo Costa (2004), uma das maiores referências ao mito vampiresco é Vlad

Tepes ou Vlad III (1431-1476). Ele realmente existiu na Transilvânia e era príncipe da

Valáquia. A palavra “Dracul”, traduzida do romeno para “Drácula” (dragão ou demônio), foi

associada a esse príncipe, também conhecido como “o empalador”. Ele fazia suas refeições ao

pé de suas vítimas empaladas e molhava o pão no sangue delas para depois comê-lo. Bram

Stoker se utilizou da fama de Vlad Tepes para compor o talvez mais conhecido vampiro de

todos os tempos: Drácula.

Na literatura e no cinema, vemos todos esses mitos se misturarem e darem luz a

uma figura vampiresca que transparece características ora semelhantes ora diferentes, de

acordo com o autor de cada história. A seguir, passaremos a descrever algumas dessas

características.

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Os vampiros são considerados, pela maioria dos autores, perigosos seres noturnos,

que se alimentam de sangue. Sua pele é sensível à luz do sol, podendo se queimar quando em

contato com ele, como percebemos neste trecho da obra Dead until Dark de Charlaine Harris:

“Pequenos fragmentos se desgastaram e sopraram na brisa, ou desapareceram em pequenas

nuvens de fumaça, onde os raios de sol começaram a tocar seu corpo.” 2 (HARRIS, 2001,

p.118). Outros relatos apontam que a pele dos vampiros, em contato com o sol, pode brilhar

como pequenos diamantes, revelando sua verdadeira identidade. Constatamos essa

característica no vampiro Edward de Crepúsculo,

Na luz do sol, Edward era chocante, eu não conseguia me acostumar com aquilo, embora o tivesse olhado a tarde toda. Sua pele, branca apesar do rubor fraco da viagem de caça da véspera, literalmente faiscava, como se milhares de diamantes pequenininhos estivessem incrustados na superfície. (MEYER, 2009, p. 192)

Não há dúvidas acerca da super força e da grande velocidade alcançada por esses

seres, “Ele é muito mais forte, e sendo mais forte, tem também um maior poder de

desencadear o mal. O vampiro que vive entre nós é por si só tão forte quanto vinte homens

reunidos.” (STOKER, 1979, p.296). Duas características marcantes neste personagem são os

dois caninos pontiagudos que os vampiros possuem para serem cravados em suas vítimas e o

fato de dormirem em caixões. Podemos destacar essas descrições na fala de uma personagem

em Dead until Dark: “Como qual o tamanho de nossas presas, e em qual tipo de caixão

dormimos?” (HARRIS, 2001, p. 74).

Outra característica física acentuada é a pele pálida que possuem: “Ela olhou para

ele, uma figura estranhamente elegante entre as lápides, seu rosto pálido na luz do luar”

(SMITH, 1991, p. 48). Muitos vampiros são descritos com aparência bizarra, mas outros são

dotados de extrema beleza, capaz de seduzir qualquer ser humano.

Ponto comum entre os autores é a alimentação vampírica: sangue humano ou de

animais, como descrito por Hagen: “Sangue, oh sim, o sangue. Posso subsistir com o sangue

de animais (com exceção dos mais antigos de nossa espécie, a maioria de nós pode), mas esta

dieta é desagradável. Insípida” (HAGEN, 1998, p. 4). Alguns desses seres têm a capacidade

de assumir outras formas, como a de um morcego ou de uma névoa: “Dentro de determinadas

limitações, ele pode metaforsear-se à vontade, quando e onde quiser, em qualquer das formas

que lhe são peculiares.” (STOKER, 1979, p. 296)

2 Todas as traduções da obra de Charlaine Harris são minhas

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Para que um humano se torne vampiro, alguns acreditam que basta ser mordido

por um deles. Outros afirmam que o vampiro deve drenar o sangue da vítima e depois dar do

seu próprio sangue para ela beber. Após esse processo a pessoa morre e renasce na forma

vampiresca. Os vampiros novos são conhecidos por não conseguirem controlar muito bem

seus impulsos como descrito por uma das personagens de Meyer na obra Eclipse, quando

surge uma onda de assassinatos de seres humanos: “__ Completamente descontrolado. Isso

não pode ser obra de apenas um vampiro recém-criado” (MEYER, 2009, p. 169).

Eles podem se curar rapidamente e, apesar de parecerem indestrutíveis, há

algumas formas de combatê-los. Acredita-se que os vampiros sejam sensíveis ao alho, à rosa

silvestre, ao arsênio, à prata, à água benta e ao crucifixo, porém, as obras mais recentes

apontam o contrário, como se essas fossem lendas a seu respeito. Em Entrevista com

Vampiro, a autora Annie Rice exemplifica: “— Absurdo, meu amigo, puro absurdo. Posso

olhar o que quiser. E gosto bastante de olhar para crucifixos, em particular.” 3 (RICE, 1997,

p.12). Para serem mortos, é preciso enfiar-lhes uma faca no coração e decepar-lhes a cabeça,

como descrito por Stoker,

Mas, neste preciso instante, flamejou um sibilante golpe da cortante lâmina empunhada por Jonathan [...] quando a vi mergulhar em sua garganta. E como numa perfeita sincronização, o aguçado facão do Sr. Morris trespassou o coração do monstro [...] seu corpo já inerte se desfez em pó e desapareceu de minha vista. (STOKER, 1979, p. 460).

Outros afirmam que para morrerem, os membros de seu corpo devem ser

esquartejados e depois queimados, Meyer afirma essa hipótese na obra Crepúsculo: “__ Como

se pode matar um vampiro? [...] __ A única maneira de ter certeza é dilacerá-lo, e depois

queimar os pedaços.” (MEYER, 2009, p. 286).

Esses e outros mitos deste ser tão fascinante têm permeado a mente de famosos

escritores ou de simples admiradores ao longo do tempo. Com certeza, uma das formas mais

utilizadas a fim de perpetuar a figura do vampiro é a literatura. O irlandês Joseph Sheridan em

1847 retratou muito bem esse personagem em seu conto intitulado “Carmilla”. Lord Byron,

escritor da segunda geração romântica, também escreveu sobre o vampiro em seu poema “The

Giaour”. “O Vampiro” de John Polidori e “Drácula” de Bram Stoker marcaram sua época,

inspiraram filmes e até hoje influenciam leitores e escritores por todo o mundo.

3 Tradução minha

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3 COMPARAÇÕES DA FIGURA DO VAMPIRO EM DRÁCULA E CREPÚSCULO

A obra Drácula de Bram Stoker, um dos principais romances vampirescos de toda

história, constrói a personagem do vampiro de uma forma fascinante, que por sua vez foi

seguida por outros autores posteriores a ele. Várias características deste personagem, descritas

em “Drácula”, se originaram nos mitos mais antigos acerca dos vampiros, que já destacamos

anteriormente.

Por outro lado, encontramos na obra de Stephenie Meyer, Crepúsculo, uma nova

roupagem para este personagem. A autora mantém algumas características de Bram Stoker,

porém, desconstrói alguns mitos, acrescentando outras características aos vampiros de sua

história.

Ambas as obras, com relação aos aspectos físicos deste personagem, o descrevem

como um ser extremamente forte, possuidor de pele fria e pálida e dentes afiados. Porém,

essas mesmas características fazem do vampiro de Stoker um ser horrivelmente bizarro e do

vampiro de Meyer um ser maravilhosamente perfeito.

Em Drácula, o vampiro do sexo masculino, em especial, é descrito como um ser

de aparência aterrorizante, sem quaisquer traços de beleza sobrenatural,

Seu conjunto facial era do tipo fortemente – aliás, muito fortemente – aquilino, emprestando um destaque muito característico à arcada nasal, que era bastante fina, em contraste com os orifícios das ventas, peculiarmente arredondados. A testa apresentava uma sensível proeminência e os cabelos, que eram muito profusos nas demais partes visíveis do seu corpo, mostravam-se particularmente escassos em torno das têmporas. As sobrancelhas formavam um traçado compacto, encobrindo virtualmente a convergência do nariz e delas sobressaíam muitos fios mais ásperos que pareciam enroscar-se em sua própria profusão. A boca, até onde permanecia visível sob a densidade do bigode, era dura e de aspecto cruel e fazia as vestes de uma moldura forçada a dentes estranhamente brancos e aguçados. Estes pareciam à espreita ao se debruçarem sobre os lábios, o que imprimia uma selvagem rudeza e inusitada vitalidade a um homem de sua idade. Quanto ao resto, suas orelhas eram extremamente descoradas e de formato pontiagudo no lóbulo superior. A mandíbula era larga e forte e a contextura da face mostrava-se firme, mas pouco encorpada. O efeito geral causava a impressão de uma profunda e extraordinária palidez. (STOKER, 1979, p. 27).

Já em Crepúsculo, todos os vampiros são descritos como possuidores de uma

beleza estonteante, capaz de hipnotizar qualquer ser humano: “Fiquei olhando porque seus

rostos, tão diferentes, tão parecidos, eram completa, arrasadora e inumanamente lindos.”

(MEYER, 2009, p. 22).

Stoker nos traz a visão do vampiro como um monstro a ser combatido, mas,

Meyer, mostra um vampiro mais humanizado, apesar de suas características sobrenaturais.

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Em Drácula, encontramos vampiros que possuem como prioridade, se alimentarem do sangue

de humanos,

Pareceu-me, não obstante, que um vulto negro se postara de pé por trás do banco onde eu julgava ter reconhecido Lucy, toda vestida de branco, dando-me a impressão de que se curvava sobre ela [...] de onde me encontrava consegui ver um rosto branco e dois terríveis olhos que expeliam um fulgor rubro e selvagem. (STOKER, 1979, p.111).

Entretanto, encontramos, na obra de Meyer, alguns vampiros que se alimentam

somente de sangue de animais apenas por não quererem machucar um ser humano,

__Me conte porque vocês caçam animais em vez de gente – sugeri, a voz ainda tingida de desespero. Percebi que meus olhos estavam úmidos e lutei contra a tristeza que tentava me dominar. __Eu não quero ser um monstro. - Sua voz era muito baixa. (MEYER, 2009, p.141).

Dessa forma, percebemos que os vampiros das duas obras se diferem

psicologicamente quando se trata do contato com seres humanos. O vampiro de Bram Stoker

se mostra detentor de aguda astúcia, e quase sempre se aproxima dos humanos para se

aproveitar de alguma forma deles, para retirar informações, como na relação de Drácula e

Jonathan: “Espero que o senhor possa permanecer por um período bem maior em minha

companhia, a fim de que, através da nossa conversação, eu adquira a correta entonação na

língua inglesa.” (STOKER, 1979, p. 30) ou simplesmente para se alimentar de seu sangue.

Edward, vampiro da obra de Stephenie Meyer, por outro lado, possui uma família de

vampiros, e a todo o momento no romance, percebe-se um destaque ao seu relacionamento de

amor com Bella, uma humana,

__Eu te amo – disse ele. __É uma desculpa ruim para o que estou fazendo, mas ainda é verdadeira. Foi a primeira vez que ele disse que me amava – com todas as letras. Ele podia não perceber isso, mas eu sem dúvida percebi. (MEYER, 2009, p. 264)

Além dos aspectos físicos e psicológicos, ambas as obras apresentam uma

abordagem diferente com relação aos mitos vampirescos. Stoker faz questão de conservar os

mitos que faziam parte do imaginário da população de sua época, enquanto Meyer os

desconstrói, trazendo uma nova roupagem para a figura do vampiro contemporâneo.

Uma das crenças mais famosas se trata da relação dos vampiros com o sol.

Drácula, na maioria das vezes, descansa no período diurno, pois tem sua força diminuída

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nesse período, e concentra suas ações no período noturno: “__Mas como!... Aí vem

novamente a manhã! Como posso me descuidar a ponto de mantê-lo acordado até agora? [...]

– E com um breve cumprimento, ele me deixou e saiu rápido.” (STOKER, 1979, p. 35).

Edward, o principal vampiro de Crepúsculo, por sua vez, pode sair durante o dia, desde que

não seja um dia ensolarado. Em contato com o sol, sua pele brilha como já mencionamos

anteriormente.

Acredita-se que elementos como alho e crucifixos podem combater os vampiros.

Stoker descreve em sua obra, a utilização do alho como forma de impedir a ação do vampiro,

“Depois, apanhando um punhado de flores, as esfregou sobre os respectivos caixilhos pela

face externa, de forma que qualquer sopro de ar que penetrasse no aposento ficasse

impregnado com o odor do alho.” (STOKER, 1979, p. 161). Em outra passagem, podemos

observar: “Desviei-me instintivamente e seus dedos apenas tocaram nas contas do rosário, de

onde pendia o crucifixo. O toque operou nele uma transformação instantânea e sua fúria

desapareceu com tamanha rapidez que eu mal posso acreditar no que se passou.” (STOKER,

1979, p. 36). Embora a obra de Meyer não faça alusão à sensibilidade dos vampiros ao alho,

encontramos uma passagem que mostra a relação deles com o crucifixo, diferente daquela

observada na obra de Stoker:

Minha mão se ergueu automaticamente, um dedo esticado como que para tocar a grande cruz de madeira, sua pátina escura formando um contraste com o tom mais leve da parede. [...] __Por que vocês mantêm isso aqui? – perguntei. __Nostalgia. Pertenceu ao pai de Carlisle. (MEYER, 2009, p. 240)

Outro mito corrente na época de Stoker era que os vampiros dormiam em caixões

durante o dia: “Ali, a um passo, diante dos meus pés, dentro de uma das caixas, entre outras

cinqüenta, [...] estava estendido o Conde! [...] Ao lado do seu caixão estava também a tampa,

a qual apresentava vários orifícios, abertos aqui e ali.” (STOKER, 1979, p. 62). Sobre este

mito, encontramos uma descrição totalmente diferente em Crepúsculo: “__Dormir em

caixões? __Mito. – Ele hesitou por um momento e um tom peculiar entrou em sua voz. __Não

posso dormir.” (MEYER, 2009, p. 139).

As duas obras apresentam algumas peculiaridades acerca de poderes sobrenaturais

“extras” que os vampiros possuem. Segundo Stoker, os vampiros podiam se metamorfosear,

Tem, além disso, a faculdade de transformar-se num lobo, como o podemos deduzir de sua chegada a Whitby, onde eviscerou um cão. Pode ainda apresentar-se sob a forma de um grande morcego [...]. Querendo, é-lhe possível surgir envolto numa nuvem de denso nevoeiro, criado por ele mesmo, circunstância sob a qual o viu o

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nobre capitão a bordo, em alto-mar [...]. Sob a incidência direta de raios de luar tem ainda a opção de apresentar-se como um pó sutil e elementar, segundo outro fato testemunhado por Jonathan. (STOKER, 1979, p. 299)

Apesar de os vampiros descritos por Meyer não possuírem essa mesma

característica, ela atribui outros tipos de poderes especiais a eles, como por exemplo, a leitura

de mentes: “__Como é que funciona... O negócio de ler mente? Pode ler a mente de qualquer

um, em qualquer lugar? Como faz isso? Toda sua família pode...? [...] __Não, só eu. E não

posso ouvir todo mundo, em qualquer lugar. Tenho que estar bem perto.” (MEYER, 2009,

p.135).

Há ainda muitas outras diferenças entre os personagens das duas obras, porém,

através destas já percebemos o quanto as visões sobre um único personagem podem mudar ao

longo do tempo. Através do contexto histórico em que estão inseridos os romances, podemos

buscar entender essas diferenças e o efeito que elas causam em sua determinada época.

A literatura fantástica do século XIX, na qual incluímos a obra Drácula, se

manifestou através de elementos góticos como o terror e o medo, como já exposto

anteriormente, e o vampiro de Stoker demonstra claramente as características deste

movimento literário, além de denunciar as inquietações da sociedade inglesa da época, que

enfrentava sérios problemas sociais.

As mazelas da era vitoriana, não podendo ser contornadas pela razão e pela

ciência, são solucionadas por Bram Stoker “[ao criar] um monstro, o conde Drácula, que se

alimenta do sangue humano e se dirige para a Inglaterra onde existe uma super população,

pronta para ser devorada.” (FERRAZ, 2005, p. 1). Sua natureza noturna ia contra toda uma

civilização atingida pela luz da razão (iluministas).

Movido por intensa maldade, o vampiro Drácula pode ser considerado uma

representação de tudo o que assolava a sociedade no século XIX, exploração do trabalho

operário, epidemias, miséria etc. O medo, o horror e a impotência das pessoas frente aos

problemas sociais foram transferidos à figura do vampiro, um monstro que só esperava a

oportunidade certa para sugar sangue da vida humana. Talvez aí esteja a causa da descrição

aterrorizante de sua aparência e a distância evidente entre o personagem sobrenatural

(vampiro Drácula) e o ser humano. O fato ainda de ele dormir em caixões e ter aversão a

elementos da igreja, como o crucifixo, acentua mais a repulsa do ser humano por essa

criatura.

Com o passar do tempo, os temas do fantástico se modificaram, dando luz ao

fantástico contemporâneo, agora com foco na descrição das condições humanas em meio à

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ocorrência de fatos inusitados. A obra Crepúsculo manifesta essa representação das condições

humanas através de Bella, personagem principal do romance que, por mais que seja descrita

como uma moça normal, deixa transparecer características incomuns às adolescentes de sua

idade. Seu comportamento maduro, as decisões difíceis e inusitadas que tem que tomar e seu

relacionamento com uma família de vampiros confirmam a idéia de que o homem normal

passa a ser o ser fantástico e que o real também passa a ser o fantástico. No entanto, as

características humanas passam a pertencer a personagens sobrenaturais, como o vampiro

Edward e sua família, “__Sou novo nisso; Você está revivendo o que há de humano em mim e

tudo parece mais forte porque é novo.” (MEYER, 2009, p. 222). Há uma inversão de papéis: o

humano é o ser fantástico e o fantástico é o ser humano. Os elementos fantásticos e os reais se

aproximam de tal forma a confundir o leitor e a fazê-lo considerar, dentro do campo literário,

fatos irreais como verossímeis.

Presenciamos também, uma mesclagem de valores, fruto de uma sociedade pós-

moderna que tem questionado elementos contraditórios como a maldade e a bondade. O que

a sociedade considerava ser o “mau” passa a ser questionado. A fusão do mal e do bem, faz

com que tenhamos tal aproximação dos dois, que já não há possibilidade de concebermos ou

considerarmos, até certo ponto, algo completamente bom ou completamente ruim. Os

vampiros que antes causavam medo e pânico às pessoas, agora se esforçam para resgatar sua

antiga humanidade e para serem aceitos pelos humanos, “__Tenho instintos humanos...

Podem estar enterrados no fundo, mas estão presentes.” (MEYER, 2009, p. 204).

A desconstrução dos mitos vampirescos feita por Meyer acentua ainda mais a

humanização deste personagem. O fato dele poder sair durante o dia, não ter problemas com

alho e crucifixos e não dormir em caixões, atenuam as outras características sobrenaturais que

ele possui, fazendo-as parecer praticamente inofensivas.

O maior exemplo de aceitação recebido pelo vampiro Edward é a paixão que

Bella, uma humana, sente por ele. A temática do amor retoma um dos assuntos mais comuns

relativos à condição humana que encontramos na literatura e, em meio a essa temática,

percebemos que os elementos que antes causavam horror, agora fascinam os seres humanos –

eles próprios desejam possuir características sobrenaturais “__É com isso que você sonha?

Em ser um monstro? __Não exatamente – eu disse [...] __Sonho principalmente em ficar com

você para sempre.” (MEYER, 2009, p. 355).

Os questionamentos de valores, as indecisões e elaborações de novos conceitos

que permeiam nosso século, fazem com que essas inquietações se reflitam de forma palpável

no campo literário. Um exemplo é percebermos que em todo tempo durante a narrativa, o

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vampiro Edward se pergunta se sua presença é algo bom ou ruim para Bella, por acreditar que

num momento de vacilação ele pode machucá-la ou atrair outros que o podem fazer, mesmo

que ele a ame e que ela já tenha deixado clara a preferência por sua companhia, “__Não é só

sua companhia que anseio! Jamais se esqueça disso. Jamais se esqueça de que sou mais

perigoso para você do que para qualquer outra pessoa.” (MEYER, 2009, p. 196).

Contudo, as características físicas vampirescas que se assemelham nas obras

Drácula e Crepúsculo, por mais que sejam idênticas, não conseguem aproximar os dois

vampiros, pois, não trazem consigo a mesma conotação. Numa, a velocidade, a palidez da

pele, os caninos pontiagudos e a sede por sangue são vistos como elementos horríveis e

aterrorizantes, mas na outra, são elementos que causam admiração e fascinação. Assim,

apesar de apresentarem um mesmo personagem, e terem em si elementos góticos, as temáticas

das obras se diferem bastante, considerando o momento histórico em que estão inseridas.

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CONCLUSÃO

Este artigo visou traçar um estudo comparativo sobre a figura do vampiro na

literatura fantástica de língua inglesa. Investigamos as características deste personagem nas

obras Drácula (Bram Stoker) e Crepúsculo (Stephenie Meyer), a fim de destacar semelhanças

e diferenças de seus aspectos físicos, psicológicos e das crenças a seu respeito.

Percebemos através das comparações das duas obras que a figura vampiresca

passou por diversas mudanças com o decorrer do tempo. Constatamos que essas mudanças

podem ser consideradas fruto de um reflexo da sociedade em que estão inseridas as obras e,

consequentemente, da maneira de pensar os elementos fantásticos de cada época. O lugar que

os seres humanos ocupam nas obras se diferencia, ora representam personagens coadjuvantes

e vítimas do vampiro, como em Drácula, ora representam personagens principais, que

ocupam uma posição almejada pelos vampiros, como em Crepúsculo.

Consideramos apenas o contexto histórico como possível causa para a mudança

na maneira de pensar a figura do vampiro. Porém, futuramente podem ser constatados outros

fatores causadores dessa mudança. Os estudos comparativos acerca deste personagem não

acabam aqui, assim como também não se encerram as produções literárias sobre ele. Cada vez

mais têm surgido autores que se dedicam a esse tema, e que acabam trazendo novas

características e mitos ao vampiro, esta fascinante figura do universo fantástico.

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