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Grupo Hospitalar Conceição – Gerência de Ensino e Pesquisa Serviço de Saúde Comunitária Relatório de Pesquisa: ESTUDO DA CULTURA ORGANIZACIONAL COMO ESTRATÉGIA NA SISTEMATIZAÇÃO DE UMA METODOLOGIA GERENCIAL COM ENFOQUE NA APRENDIZAGEM EM SITUAÇÃO DE TRABALHO Pesquisadora: Bárbara Raupp Porto Alegre, maio de 2006

ESTUDO DA CULTURA ORGANIZACIONAL COMO … · visões, prestando atenção ao curso de ação correto que transcende e unifica todas as visões individuais”. Peter Senge (2002, p

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Grupo Hospitalar Conceição – Gerência de Ensino e Pesquisa

Serviço de Saúde Comunitária

Relatório de Pesquisa:

ESTUDO DA CULTURA ORGANIZACIONAL COMO ESTRATÉGIA NA

SISTEMATIZAÇÃO DE UMA METODOLOGIA GERENCIAL COM

ENFOQUE NA APRENDIZAGEM EM SITUAÇÃO DE TRABALHO

Pesquisadora:

Bárbara Raupp

Porto Alegre, maio de 2006

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Grupo Hospitalar Conceição – Gerência de Ensino e Pesquisa

Serviço de Saúde Comunitária

Bárbara Raupp

ESTUDO DA CULTURA ORGANIZACIONAL COMO ESTRATÉGIA NA

SISTEMATIZAÇÃO DE UMA METODOLOGIA GERENCIAL COM

ENFOQUE NA APRENDIZAGEM EM SITUAÇÃO DE TRABALHO

Pesquisa realizada no Serviço de Saúde

Comunitária, Grupo Hospitalar Conceição, Porto

Alegre/RS.

Porto Alegre, maio de 2006

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Dedico este trabalho às equipes e

comunidades do Serviço de Saúde

Comunitária, sujeitos de uma “cultura

organizacional” que vem se constituindo

em uma rica história de construção

compartilhada.

Dedico, de modo especial, o presente

trabalho à equipe da Unidade Jardim Itu

que se dispôs, com coragem, a “olhar”

para a própria cultura e, assim, contribuir

com a produção de conhecimento no

SSC.

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“A experiência sugere que visões genuinamente

compartilhadas exigem conversas constantes nas quais os

indivíduos não só se sentem livres para expressar seus

sonhos, como também aprendem a ouvir o sonho uns dos

outros. (...) É preciso permitir a coexistência de múltiplas

visões, prestando atenção ao curso de ação correto que

transcende e unifica todas as visões individuais”.

Peter Senge (2002, p. 245)

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APRESENTAÇÃO

Através deste Estudo de Caso de natureza qualitativo e abordagem

hermenêutico-dialética analisamos a cultura organizacional em uma unidade do

Serviço de Saúde Comunitária, Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre/RS, uma

unidade de atenção primária. Com apoio neste estudo, sistematizamos uma

metodologia gerencial que pretende contribuir na renovação cultural e organizacional

em serviços de atenção primária do SUS.

Com apoio em Rivera (2003), analisamos as categorias cultura técnica,

cultura gerencial e socialização dos sujeitos, refletindo sobre a relação entre elas em

uma perspectiva de mudança. A cultura organizacional, no contexto estudado, é um

processo contraditório que apresenta traços associados da cultura mais tradicional

em saúde e traços de novas concepções de saúde/doença/atenção/gestão que vem

se constituindo historicamente no contexto do SSC e do SUS.

Estudar a cultura é “perceber suas marcas e indícios” nos processos

intersubjetivos, na comunicação e no trabalho cotidiano da unidade de saúde. Foram

construídas “hipóteses sobre a cultura” que foram validadas junto ao próprio grupo e

que permanecem abertas a novas interpretações e aprofundamentos.

Quando um grupo se dispõe a aceitar a própria cultura com suas qualidades e

dificuldades, pode apoiar-se nela para viabilizar projetos mais legitimados e

consensuais. O “Estudo de Situação” em um processo de planejamento estratégico

deveria incluir o estudo da cultura.

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RELAÇÃO DE SIGLAS

APS – Atenção Primária à Saúde

MRSB – Movimento da Reforma Sanitária Brasileira

SUS – Sistema Único de Saúde

MS – Ministério da Saúde

GHC – Grupo Hospitalar Conceição

GEP – Gerência de Ensino e Pesquisa

HNSC – Hospital Nossa Senhora da Conceição

SSC – Serviço de Saúde Comunitária

PRMFC – Programa de Residência em Medicina de Família e comunidade

RIS/SFC – Residência Integrada em Saúde/ênfase Saúde da Família e Comunidade

SIG – Sistema de Informações Geo-referenciado

PES – Planejamento Estratégico-Situacional

NES – Núcleo de Educação e Saúde

CI – Currículo Integrado

GT – Grupo de trabalho

CLS – Conselho Local de Saúde

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2. O PAPEL DA CULTURA ORGANIZACIONAL EM UNIDADES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS 3. O PROCESSO DE PESQUISA

3.1 O problema de pesquisa 3.2 Os objetivos e questões de pesquisa 3.3 Tipo de estudo e abordagem teórico-metodológica 3.4 Local de realização da pesquisa 3.5 População e amostra 3.6 Análise e interpretação dos resultados 3.7 Aspectos éticos 3.8 Divulgação de resultados 3.9 Dificuldades encontradas no processo de pesquisa

4. ESTUDO DA CULTURA ORGANIZACIONAL EM UMA UNIDADE DO SERVIÇO DE SAÚDE COMUNITÁRIA 5. PROPOSIÇÃO METODOLÓGICA PARA A COORDENAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO EM UNIDADES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA DO SUS 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APÊNDICES Apêndice A: Instrumentos de pesquisa Apêndice B: Termo de consentimento informado

Apêndice C: “Coordenação do processo de trabalho: uma proposta metodológica para as unidades do SSC metodológica para as unidades do Serviço de Saúde comunitária”

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1 INTRODUÇÃO

Neste processo de pesquisa investigamos a cultura organizacional em uma

unidade do Serviço de Saúde Comunitária (SSC) como estratégia para a

sistematização de uma metodologia gerencial com potencial de promover a

renovação cultural e, assim, apoiar a implementação de projetos informados na

promoção e vigilância da saúde em serviços de atenção primária do Sistema Único

de Saúde (SUS).

A cultura organizacional é aqui definida de modo preliminar como as

referências simbólicas que sustentam o projeto real de uma organização e que se

constituem na história e nas interações entre os sujeitos organizacionais visando

enfrentar problemas no cotidiano de uma organização. Para Rivera & Artmann

(1999) a cultura organizacional é fator de viabilidade em projetos de mudança.

Para contextualizarmos a escolha deste tema e do problema de pesquisa em

nossa vivência profissional, passamos neste momento a uma breve apresentação e

resgate histórico do SSC centrada em aspectos mais diretamente relacionados com

o foco da investigação, admitindo a parcialidade, inconclusão e o viés de nossa

percepção desta história.

O SSC é um serviço de atenção primária que possui atualmente doze

unidades de saúde, um Programa de Residência em Medicina de Família e

Comunidade, um Programa de Residência Multiprofissional, setores de apoio técnico

em Epidemiologia e Educação & Saúde e de apoio administrativo. É administrado

pelo GHC, constituindo a “Gerência de Saúde Comunitária”. A política do SSC vem

se construindo em sua história e na dinâmica entre diferentes atores sociais, isto é,

profissionais de saúde, população, gestores do SSC, GHC e SUS. A “cultura

organizacional” defende hoje como finalidades a atenção à saúde da população em

áreas de adstritas, a formação de recursos humanos para o SUS e a produção de

conhecimento em APS.

A relação do GHC com o Sistema Municipal de Saúde vem evoluindo de uma

situação de total independência para uma aproximação progressiva e o SSC

permanece sob a administração do GHC. A primeira unidade de saúde do SSC foi

instalada em 1983, nas dependências do Hospital Nossa Senhora da Conceição

(HNSC), um dos quatro hospitais do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). O GHC é

um grupo hospitalar ligado ao Ministério da Saúde que atualmente atende 100% de

pacientes do SUS.

Em sua origem o serviço recebe influência da versão inglesa da Atenção

Primária à Saúde (APS), o que se expressou na denominação original de “Serviço

de Medicina de Família”. Dois objetivos motivaram a criação do SSC: adequar-se às

exigências da Comissão Nacional de Residência Médica para o credenciamento de

um Programa de Residência em Medicina de Família e atender às necessidades de

saúde dos moradores da área próxima ao hospital (referência).

A emergência de movimentos de âmbito nacional no campo da saúde pública,

comunitária e coletiva influencia o pensamento dos profissionais e gestores do SSC

e GHC, em especial o Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (MRSB), a VIII

Conferência Nacional de Saúde e os Iº e IIº Congressos Nacionais de Medicina

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Geral Comunitária. Como conseqüência das influências recebidas do ambiente

externo do sistema de saúde e das interações com a população, iniciam-se

movimentos internos no sentido de romper com o conceito mais restrito de Medicina

de Família e buscar estratégias para satisfazer mais amplamente as necessidades

de saúde das comunidades, famílias e indivíduos.

A expansão do SSC deu-se de modo progressivo e em resposta a

solicitações de comunidades vizinhas ao HNSC por serviço de saúde que mostrava

diferenciar-se em relação aos serviços básicos da época. A decisão pela abertura de

novas unidades respondeu também a interesses políticos e também institucionais do

GHC que buscou ampliar o número de pessoas atendidas no nível primário de

atenção para “desafogar a demanda” aos ambulatórios dos hospitais.

Atualmente, através das doze unidades de saúde o serviço atende cerca de

125.000 pessoas na cidade de Porto Alegre em territórios-área de abrangência com

perfis populacionais diversificados, onde existem desde situações de extrema

pobreza e carência social até grupos populacionais e famílias com situação mais

favorável de vida e saúde. As equipes, inicialmente constituídas quase

exclusivamente por médicos e auxiliares de enfermagem, começam a incorporar

profissionais de outras categorias para dar conta de um conceito mais ampliado de

atenção de saúde. Todas estas mudanças irão refletir-se na troca do nome do

serviço, em 1989, para “Serviço de Saúde Comunitária”.

Nossa primeira aproximação ao problema de pesquisa e a motivação para a

proposição do projeto de pesquisa foi suposição de que a “cultura do SSC vem

sendo renovada neste contexto complexo de múltiplas influências e que atualmente

co-existiriam traços culturais relacionados a diferentes modelos de atenção e

paradigmas, o que se traduz em dificuldades, conflitos, falta de diretrizes claras e

insatisfações entre os profissionais, equipes, residentes, população e gestores.

Desde a sua origem, o SSC apóia-se em metodologias e ferramentas de

avaliação e planejamento para definir e monitorar as ações e serviços que são

ofertados à população. Na implantação de cada unidade de saúde é realizado um

"Diagnóstico de Comunidade" que busca conhecer o perfil da população em seus

aspectos sociais, demográficos e epidemiológicos para apoiar a priorização das

ações e organização do processo de trabalho. Atualmente o SSC orienta-se nas

políticas do SUS e desenvolve ações de vigilância em saúde da gestante, criança,

mulher e adulto, com programas implantados nas doze unidades.

Em 1996 foi implantado e desenvolvido no SSC a tecnologia do “Sistema de

Informações Geo-referenciado” (SIG) como estratégia para promover uma mudança

na lógica do planejamento que contemplasse os princípios da territorialização e da

equidade. Algumas equipes incorporaram esta tecnologia e desenvolveram modos

de trabalho que vem sendo desenvolvidos em cada realidade. Em função das

mudanças propostas, a capacitação técnica e gerencial foi sendo, cada vez mais

necessária para apoiar e sustentar novos modos de pensar e fazer informados na

promoção e vigilância da saúde.

As experiências de planejamento e gerência do SSC e das unidades tem sido

influenciadas pelo desenvolvimento do pensamento neste campo na América Latina

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e no Brasil. Numa primeira fase, que vai da origem do serviço até 1993, as práticas

de planejamento eram marcadas pelo enfoque normativo baseado no método

CENDES-OPAS. A partir de 1994 iniciam-se experiências influenciadas pelo

planejamento estratégico-situacional (PES).

Na medida em que o serviço vai se tornando maior e mais complexo, a

questão do enfoque metodológico do planejamento vai se tornando um “problema a

ser revisto” visando responder a dificuldades que vão surgindo na organização e

gestão do SSC e das unidades. A partir da reflexão teórica e da experiência de

trabalho do Núcleo de Educação & Saúde do SSC será problematizado o método de

planejamento em uso no SSC com a intenção de superar dificuldades percebidas

nas experiências de planejamento desenvolvidas até então, principalmente de

ampliar a participação das equipes e comunidades, o comprometimento com as

decisões tomadas, sustentar os processos a longo prazo, alcançar consensos,

implantação efetiva das propostas, etc.

Em nossa dissertação de mestrado, defendida em 1999, estudamos a

questão do planejamento participativo em unidades de atenção primária, através de

um estudo de caso comparativo entre uma unidade do SSC e uma Policlínica

Comunitária de Montevidéu. Este estudo nos levou a uma opção teórica por

incorporar a dimensão comunicativa no planejamento estratégico-situacional,

seguindo a proposição de Rivera (1995) por entendermos que, com base nesse

enfoque mais ampliado, as ferramentas de planejamento e gerência teriam maior

potencial de superar as dificuldades percebidas em nosso cotidiano.

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A partir dessa reflexão teórica sobre a experiência vivida no SSC, nosso

próximo desafio foi como traduzir metodológica e operacionalmente esta

racionalidade ampliada no planejamento e gerência para responder às

problemáticas culturais específicas deste contexto e promover as mudanças

desejadas em termos do desenvolvimento de um modelo de atenção mais próximo

do preconizado pelo SUS. Uma questão também desafiante era buscar maior

coerência entre o modelo de atenção e gestão a ser implementado e o modelo de

formação dos residentes do SSC. Estes dois movimentos, entre outros, deveriam

articular-se para promover a renovação cultural necessária para o desenvolvimento

do projeto do SSC.

Em 1999, foi realizado no SSC um seminário de avaliação, que contou com a

participação de todos os profissionais e residentes que propiciou reflexões sobre as

práticas de saúde do SSC com referência nos princípios da APS. Como

encaminhamento deste seminário ficou definido desencadear um processo de

planejamento com uma metodologia que agregava uma dimensão comunicativa ao

enfoque estratégico-situacional. No ano de 2000 foram eleitas prioridades para o

SSC e iniciou-se o trabalho com estas prioridades. Em 2001 o processo teve

continuidade monitorando metas pactuadas para os indicadores de saúde e os

problemas priorizados.

Apesar das muitas dificuldades que significa romper com as formas mais

tradicionais de trabalhar, planejar e gerenciar, consideramos que este momento

tenha sido o início de um processo que teria implicações em outros processos que

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se desenvolveriam em continuidade, impulsionando mais algumas “mudanças

culturais”.

A proposta metodológica buscava, de modo bem geral, estabelecer um

"diálogo organizado e permanente" para planejar e coordenar ações/reflexões em

diferentes espaços organizacionais do SSC, tais como: colegiado de coordenação1,

unidades, Núcleo de Epidemiologia, Núcleo de Educação & Saúde. O início do

processo foi definir prioridades para o SSC e a elaboração de projetos de

intervenção nas mesmas. A continuidade em 2001 contemplou o monitoramento de

indicadores e a implementação dos projetos elaborados.

Como desdobramento desse processo, em 2002 foi iniciado um processo que

visava o desenvolvimento gerencial, que se apoiou em um diagnóstico dos desafios

a serem enfrentados pelo SSC em seu papel no sistema de saúde e o perfil

gerencial necessário neste contexto. O processo desenvolveu-se em quatro

momentos:

a) Primeiro momento: produção de textos de referência em planejamento e gerência

e proposição de uma metodologia gerencial para as unidades do SSC com

ferramentas para o planejamento, administração de recursos e coordenação do

processo de trabalho.

b) Segundo momento: realização de encontros de educação permanente com base

nestes textos com o colegiado de coordenação, com encaminhamentos para o

planejamento das unidades

�������������������������1 Existe tradicionalmente no SSC reuniões semanais de “chefias” ou coordenadores das unidades e dos setores do serviço. Atualmente a intenção da coordenadora geral do SSC vai no sentido de “transformar” este espaço em um efetivo “colegiado de coordenação do SSC”.

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c) Terceiro momento: construção de uma "pasta de informações" pelas doze

unidades do SSC, com dados sobre o território e a população, o processo de

trabalho e o processo gerencial.

d) Quarto momento: "discussões de caso gerencial" - experiências das Unidades do

SSC.

O perfil dos gerentes das unidades do SSC deve contemplar as seguintes

capacidades:

♦ Ter uma visão do todo: do SSC, do GHC, do SUS, da realidade do país

♦ Fazer a mediação entre as políticas do SSC, a gerência e a coordenação, e o

trabalho de sua equipe, tendo como norte os princípios e finalidades do SSC

♦ Participar na definição das políticas e rumos do SSC;

♦ Coordenar a construção de um projeto de trabalho para sua Unidade, tendo

como norte a realidade do território, da Unidade, da equipe;

♦ Ser facilitador do trabalho em equipe, promovendo a participação e contribuição

de todos e estimulando a criatividade de cada um;

♦ Promover e coordenar formas de trabalho interdisciplinar, buscando superar a

fragmentação do trabalho;

♦ Ajudar a equipe a superar dificuldades de relacionamento;

♦ Promover a educação permanente da equipe e das categorias;

♦ Promover e estimular o diálogo na equipe e a participação da comunidade na

gestão da Unidade de Saúde;

♦ Ter capacidade técnica gerencial, ser flexível, mas saber “manter o rumo”;

♦ Estar aberto para aprender e ser criativo.

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Para operacionalizar esta forma de trabalhar com o colegiado de coordenação

começamos a trabalhar com uma “agenda” que buscava articular processos de

avaliação, planejamento, educação continuada e permanente, além dos “assuntos

administrativos” cotidianos.

A avaliação deste processo de trabalho de três anos de trabalho continuado com

o colegiado de coordenação apontou os seguintes avanços organizacionais:

a) Definição de prioridades com ampla participação das equipes

b) Elaboração de projetos de intervenção nos problemas priorizados em Grupos

de Trabalho (GT)

c) Pactuação e acompanhamento de metas para ações programáticas

prioritárias;

d) Definição compartilhada de novas políticas de saúde no SSC;

e) Maior integração entre o serviço e a residência médica;

f) Desenvolvimento de experiências inovadoras de planejamento e gerência

compartilhada em algumas unidades do SSC;

g) Integração do trabalho do colegiado de coordenação com o trabalho das

equipes e Núcleos de Epidemiologia e Educação.

h) O espaço das “reuniões de coordenação” passou a ser entendido como um

"colegiado de gestão" com representantes de todos os segmentos do SSC e

que deveria definir rumos, planejar e coordenação o SSC.

i) Mudança em traços culturais negativos como “improvisação”, “não colocar em

prática as propostas do planejamento” e “comunicação dificultada”.

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Em 2003, ao assumir novo governo federal, a administração do GHC e gerência

do SSC trazem como prioridade a revalorização da participação popular. Como

estratégia para promover essa política foi formado um GT com a finalidade de

construir propostas para “reanimar” a participação popular no SSC e monitorar o

desenvolvimento dos processos participativos no serviço. Iniciou-se então um

processo em que comunidades e equipes foram convidadas a participar de “oficinas”

e “assembléias comunitárias” para eleger problemas prioritários em cada território,

criar e renovar Conselhos Locais de Saúde. Todas as unidades elegeram

prioridades em conjunto com participação popular e constituíram conselhos locais e

as equipes fizeram reflexões sobre o tema, o que significou uma certa renovação na

cultura em relação a este princípio organizativo do SSC.

Apesar de reconhecermos que este processo representou um avanço no

desenvolvimento do SSC, lamentamos a interrupção do trabalho que vinha sendo

realizado com o colegiado de coordenação, o que acabou tendo repercussões

negativas na gestão do SSC.

No que se refere à finalidade “Formação”, cabe destacar que em 2003 iniciou-se

de modo incipiente uma experiência que acabou por mudar a proposta pedagógica

de formação dos residentes, com base no enfoque de “Currículo Integrado”

(SSC/GHC, 2005) que vem sendo aprimorada desde então.

A criação da Residência Integrada em Saúde (RIS) pelo GHC em 2004 trouxe

uma residência multiprofissional para o SSC, na ênfase Saúde da Família e

Comunidade. O desenho deste projeto, enfatizando a multiprofissionalidade e a

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interdisciplinaridade para adequar-se aos princípios do SUS, principalmente o

princípio da integralidade, veio reforçar as reflexões e experiências acumulados na

história deste serviço. Desse modo, o foco da mudança organizacional e cultural no

SSC passa a ser a consolidação de um projeto pedagógico coerente com a

promoção e vigilância da saúde. A estratégia pedagógica do CI em síntese é estudar

diferentes perfis populacionais dos territórios-área de abrangência sob

responsabilidade do SSC para, com base nessa compreensão da realidade, eleger

problemas e temas para estudo, o que rompe com o currículo disciplinar (organizado

por módulos) em vigor até então no programa de residência médica.

Um outro espaço que se propõe a articular o trabalho nas unidades do SSC com

reflexões teóricas e metodológicas na formação dos residentes é o “Estágio de

Gerenciamento” que acontece no segundo ano de residência. Durante os dois

meses de estágio os residentes devem acompanhar o gerenciamento de suas

unidades e contribuir no desenvolvimento gerencial. Ao longo desta vivência os

residentes devem fazer um “Estudo de Caso Gerencial”, uma descrição analítica do

processo gerencial na unidade de saúde, tendo como referências os conteúdos

teóricos e metodológicos discutidos nos encontros com os coordenadores do

estágio. (SSC/GHC, 2006)

Consideramos toda essa experiência do SSC muito rica, reflexiva e criativa e

percebemos mudanças organizacionais e culturais que parecem fortalecer os

princípios da promoção e da vigilância da saúde. Entretanto, é possível identificar

também muitas dificuldades, conflitos e resistências que, supomos, expressem as

contradições de um cotidiano de trabalho ainda marcado pela cultura mais

tradicional do SSC e, por isso, a coexistência de referências simbólicas conflitantes

no que se refere ao modelo de atenção, gestão, formação e socialização dos

sujeitos.

A partir de nossa vivência desta realidade foram surgindo inquietações que

nos levaram à proposição de um projeto de pesquisa como forma de dar

continuidade e contribuir na consolidação dos avanços já alcançados na história do

SSC no que se refere ao modelo de atenção, de formação e de gestão pois

acreditamos no potencial deste serviço para colocar-se como um centro de

referência em atenção primária e contribuir no desenvolvimento do SUS. .

Uma revisão bibliográfica preliminar apontou a questão da cultura como uma

categoria fundamental a ser levada em consideração em todo processo de

mudança organizacional. RIVERA & ARTMANN (1999) definem cultura

organizacional como um conjunto de estruturas mentais que condicionam e

subordinam as práticas de saúde e suas derivadas formas organizativas,

destacando-a como recurso de viabilidade em projetos de mudança. Nossa

intenção, ao propor esta investigação foi a de “exercitar uma análise cultural” no

contexto do SSC e, com base no conhecimento produzido, sistematizar e propor

uma metodologia gerencial que contribua na renovação cultural tendo como

perspectiva a implementação de práticas informadas na promoção e vigilância da

saúde, no contexto do SSC e de outras unidades de atenção primária do SUS.

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No capítulo que segue fazemos uma discussão teórica com a finalidade de

sustentar a análise e interpretação dos resultados da investigação da cultura no

contexto do SSC.

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2 O PAPEL DA CULTURA ORGANIZACIONAL EM UNIDADES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA NA IMPLEMENTAÇÃO DO SUS

Neste capítulo discutimos a contribuição e os desafios dos serviços de

atenção primária na implementação de projetos informados na promoção e vigilância

da saúde, enfocando a problemática da cultura organizacional e da gerência em um

contexto de mudança.

RIVERA & ARTMANN (1999) reforçam a importância da cultura enquanto um

conjunto de estruturas mentais que subordina as práticas de trabalho e suas

derivadas formas organizativas. Consideram entretanto que o pensamento

matusiano encontra limites quanto às possibilidades de lidar com a cultura, já que

não aprofunda a análise em busca de uma proposta de intervenção eficaz neste

aspecto.

O atual momento histórico na implementação do projeto do Sistema Único de

Saúde (SUS) no país traz como desafio a constituição do sistema como um "espaço

da saúde" capaz de promover impacto positivo na situação de saúde da população e

de formar profissionais comprometidos com este projeto. Nesta perspectiva,

apresentam-se problemáticas que necessitam ser enfrentadas, entre elas a

necessidade de mudança nas concepções de processo saúde-doença, nas práticas

e nas modalidades organizativas dos serviços de saúde. Estas profundas mudanças

são certamente processuais, construídas socialmente e dependem de múltiplos

fatores de natureza política, econômica, ideológica, técnica e cultural. O desafio que

está colocado à sociedade brasileira e, mais especificamente ao setor saúde é,

assim, o de implementar estratégias que facilitem a transição do paradigma

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flexneriano ainda predominante para a Promoção da Saúde e do modelo Médico-

Assistencial Privatista para a para a Vigilância da Saúde (MENDES, 2001).

É reconhecido que um nível de atenção primária bem organizado constitui

pré-condição para o funcionamento de um sistema de saúde eficaz, eficiente e

eqüitativo e que o distrito sanitário, instituído no território-processo de uma

microrregião, deve organizar-se mediante a articulação de duas estratégias básicas:

a Saúde da Família e o Consórcio de Saúde. A primeira como estratégia de

organização da atenção básica e a segunda da atenção secundária e terciária.

Ainda segundo MENDES (2001), o desafio Saúde da Família e dos serviços

de atenção primária é complexo e, portanto, demorado, exigindo mudanças culturais

profundas na forma convencional de prestação dos serviços básicos. A construção

da Vigilância da Saúde como modelo de atenção do SUS implicaria, assim, bem

mais do que o desenho de um sistema de adscrição de famílias a uma equipe

médica atuando segundo a tradicional lógica medicalizadora.

Este processo de transição paradigmática e de construção de um novo

modelo de atenção no SUS vem se dando através da disseminação de múltiplas

experiências que tomam para si o desafio de recriar saberes e práticas orientadas

em novas referências conceituais e metodológicas. Os processos gerenciais no nível

primário de atenção jogam um papel estratégico, especialmente no que se refere ao

seu potencial de promoção e condução de processos de mudança organizacional e

de renovação cultural.

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Organização e complexidade

Neste momento nos parece fundamental explicitar nossa opção teórica para a

compreender o contexto institucional em que se desenvolve nosso estudo de caso.

Num plano mais geral nos apoiamos no macro-conceito de MORIN (2002) que

articula o conceito de organização com os de sistema e interação, como descrito

abaixo.

A organização é o conceito que dá coerência constitutiva, regra, regulação, estrutura, etc. às interações. De fato, com o conceito de sistema, tratamos com um conceito em três faces:

��sistema (que exprime a unidade complexa e o caráter fenomenal do todo, assim como o complexo das relações entre o todo e as partes);

��interação (que define o conjunto das relações, ações e retroações que se efetuam e se tecem num sistema);

��organização (que exprime o caráter constitutivo dessas interações – aquilo que forma, mantém, protege, regula, rege, regenera-se – e que á idéias de sistema a sua coluna vertebral)

Com base nesta teorização de Morin, pensamos ser possível conceber a unidade

de atenção primária como uma “organização” situada em organizações mais amplas

como o SSC, GHC e SUS, todos entendidos simultaneamente como sistemas

complexos. E aqui surge a necessidade de explicitarmos nossa compreensão do que

significa o ”complexo”. Para isso, nos apoiamos em MORIN (2001):

Complexus significa o foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a unidade e a multiplicidade.

Esta concepção teórica de organização baseada no pensamento complexo nos

parece possível de articular com a reflexão de RIVERA (2003) a partir de autores da

teoria organizacional, que apontam a constituição de um novo paradigma

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organizacional frente à crise das organizações contemporâneas. Este paradigma

estaria baseado no princípio da simplicidade das estruturas organizacionais, o que

implica a relativização da importância das estruturas e dos procedimentos como

elementos e procedimentos integradores. Baseia-se também este paradigma

organizacional no princípio da autonomia das pessoas e das unidades, de modo a

promover a criatividade no enfrentamento de problemas e, como consequência, no

princípio do governo da cultura.

Segundo GUIMARÃES & MEDEIROS (in: LIMA, 2003), a flexibilidade deve ser

considerada uma âncora da nova era das organizações, na medida em que o mundo

e, portanto, as organizações, estão em constante processo de mudança e de

adaptação. Com apoio em GONÇALVES (2000), os autores propõem que a

organização contemporânea, seja ela pública ou privada, seja entendida como um

“conjunto de processos em constante interação”.

Trabalhar na perspectiva de “governo da cultura” em organizações complexas

exigiria, assim, deixar de lado as tradicionais formas de gestão e gerência regidas

por regras de procedimento e ordens hierárquicas para buscar um mínimo de

restrições indispensáveis à coordenação de esforços que todo grupo humano com

objetivos comuns possui. A hipótese básica da reflexão de RIVERA (2003) é que,

para além da importância das metodologias racionalistas de gestão, características

do planejamento estratégico e da gestão pela qualidade, que não é negada, cresce

a relevância da compreensão de fatores como cultura, negociação e liderança,

consideradas alicerces de uma nova forma de condução baseada na “escuta”.

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A crítica aos enfoques racionalistas, a partir da teoria do agir comunicativo de

Habermas leva este autor a uma concepção de cultura organizacional como “mundo

da vida compartilhado”, o que inclui duas idéias centrais. A primeira, de que cultura

se constitui a partir do agir comunicativo dos agentes organizacionais em processos

de aprendizagem onde se destaca o componente busca de consenso como

fundamento do agir. A segunda é a idéia de que a cultura não é imutável, pois suas

configurações simbólicas podem ser questionadas em um nível discursivo sempre

que se tornam disfuncionais para o agir teleológico e normativo em uma

organização.

Diante dessa reflexão, consideramos que a tradição possui dupla possibilidade: é

constitutiva da cultura (o simbolismo que sustenta as organizações) e, ao mesmo

tempo, permite renovar a cultura partir de dentro dela própria. Este duplo potencial é

o que nos permitiria pensar as possibilidades de mudança organizacional e cultural

no contexto dos serviços e do sistema de saúde. Neste sentido, a cultura deve ser

compreendida como um recurso de viabilidade em todo processo de mudança

organizacional, cultural e sistêmica.

Algumas implicações da complexidade no contexto da saúde

A cultura em que estamos imersos influencia nossa concepção de serviços de

saúde e sistema de saúde e os modos de trabalhar e gerenciar a saúde neste

contexto. O pensamento social em saúde surge articulado à Técnica Científica e à

Medicina. Estruturadas com base nas ciências positivas e no paradigma cartesiano,

este tipo de pensamento opera com o conceito de doença e uma visão do corpo

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humano reducionista, como uma máquina desconectada das relações que

constituem os sentidos e significados da vida.

MORIN (2000) contribui para a problematização de uma compreensão

reducionista da realidade, ainda muito presente na ciência e na sociedade

contemporânea (pág. 25)

(...) os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles. (...) O paradigma é inconsciente, mas irriga o pensamento consciente, controla-o (...) determina conceitos, comanda discursos.

O mesmo autor (2002) destaca os princípios de inteligibilidade que esta visão

complexa nos propõe para buscar a superação do reducionismo da ciência

moderna, em que destacamos o que segue:

a) o princípio da causalidade complexa, isto é, de uma causalidade mútua

inter-relacionada que comporta inter-retroações, atrasos, interferências,

sinergias, desvios, reorientações

b) o princípio da endo-exocausalidade para fenômenos de auto-organização;

c) o princípio da integração entre organização e aleatoriedade

d) o princípio de distinção mas não separação entre objeto e o ambiente

e) a necessidade de introduzir o sujeito humano situado e datado cultural,

sociológica e historicamente em todo estudo antropológico ou sociológico.

O contexto institucional da saúde pública e, portanto, as concepções de

organização e de sistema de saúde necessitam incorporar esta crítica ao

pensamento reducionista da ciência positiva, o que nos remete à reflexão de

MINAYO (1996, p. 82-83) a respeito do objeto complexo da saúde pública.

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(...) a saúde e a doença envolvem uma complexa interação entre aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais da condição humana e de atribuição de significados. (...) importam tanto por seus efeitos no corpo como pelas suas repercussões no imaginário (...) Ao ampliar suas bases conceituais, as ciências sociais da saúde não se tornam menos ‘científicas’, (...) se aproximam com maior luminosidade dos contornos dos fenômenos que abarcam.

RIVERA (1996) contribui nesta reflexão ao descrever as características de

"organizações profissionais de saúde", para compreendermos a complexidade do

contexto de nosso objeto de estudo:

• Nestas organizações ninguém concentra todo o poder, ele está distribuído;

• Os processos de trabalho são coordenados com base no conhecimento

especializado dos profissionais de saúde, especialmente dos médicos;

• Os processos de trabalho são diversificados, envolvem vários setores e geram

produtos e resultados de difícil precisão;

• O corporativismo profissional dificulta a dinâmica de trabalho na equipe de

saúde, tão necessária a essas organizações;

• As organizações de saúde têm uma governabilidade relativa, pois dependem

de modo significativo da negociação de recursos controlados pelos níveis

superiores da administração pública;

• As relações produtivas são inseparáveis da relação interativa e

comunicacional com os clientes, que participam como co-responsáveis pelo

trabalho.

A partir destas discussões sobre a natureza do processo saúde-doença-

atenção e de uma concepção complexa de realidade, propomos que a unidade de

atenção primária seja compreendida como uma organização complexa, constituída

por múltiplos processos de trabalho em constante interação e cuja finalidade é

produzir ações e serviços de saúde que respondam às necessidades de saúde da

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população do território-área de abrangência sob sua responsabilidade, em

conformidade com os princípios e finalidades do SUS. Cada unidade de atenção

primária, assim concebida, possuiria uma história e cultura singulares, mas estaria

“imersa” na história e cultura setorial e societal, interagindo com as partes e com o

todo.

Cultura organizacional em contextos institucionais complexos

RIVERA (2003) assinala a possibilidade de uma correlação entre o conceito

de mundo da vida de HABERMAS (1987) e as “regras do jogo organizacional” da

teoria das macro-organizações do Planejamento Estratégico Situacional (PES) de

Carlos Matus.

Uma primeira área de correlação seria entre o conceito de direcionalidade do

PES e o conceito de cultura como componente estrutural do mundo da vida

organizacional. Fariam parte deste campo simbólico elementos como a percepção

do ofício, o saber técnico ou de ofício, o tipo de percepção do ambiente externo

(como recurso ou como ameaça) e o projeto real da empresa, visto como o ser

historicamente estruturado da organização ou a “missão”. Esta área corresponderia

à cultura técnica ou à simbologia ligada ao projeto tecnológico da organização,

referindo-se à relação da organização com o ambiente social e institucional em que

se situa.

Uma outra área de correlação está dada pelo conceito de governabilidade

do PES e de sociedade como estrutura normativa do mundo da vida organizacional.

O campo simbólico correspondente incorpora as representações sociais ligadas ao

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tipo de estrutura de poder e de condução da organização, ao grau de centralização e

descentralização da mesma, às formas de regulação das interações entre os sujeitos

organizacionais, aspectos inerentes a este campo simbólico no enfrentamento do

problema da coesão interna.

A terceira área de correlação estabelecida pelo autor corresponde ao conceito

de personalidade ou de socialização dos sujeitos, como uma estrutura do mundo

da vida organizacional, e também às regras de responsabilidade de Matus. Neste

campo simbólico, predominam atitudes e representações ligadas ao exercício da

liderança, à concepção de solicitação e prestação de contas e à capacidade de

socialização dos agentes organizacionais, incluindo processos educativos. A

responsabilidade é enfocada aqui como uma conduta interiorizada pelos indivíduos

no sentido de solicitar e prestar contas.

O autor reconhece que esta correlação possa ser um tanto forçada, mas a

considera útil para tornar claras as categorias da cultura que é necessário levar em

conta em um processo de auditoria visando à mudança organizacional. Estas três

categorias constituem estruturas e processos interdependentes, que se nutrem

reciprocamente, o que contribui para uma noção mais integradora do conceito geral

de cultura organizacional.

Com apoio nesta reflexão construímos nosso próprio conceito de cultura

organizacional direcionado para a situação e o contexto de nosso estudo, adaptando

as categorias propostas por RIVERA (2003).

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Cultura organizacional são as referências simbólicas compartilhadas que

subordinam e condicionam as práticas de trabalho e suas derivadas formas

organizativas na “organização-unidade de atenção primária”. Essa simbologia se

constitui historicamente em processos de aprendizagem inerentes ao enfrentamento

contínuo de problemas. A cultura organizacional possui três aspectos inter-

relacionados ou categorias analisáveis: a cultura técnica, a cultura gerencial e a

socialização dos sujeitos. A simbologia que constitui a cultura organizacional são

os valores, princípios, finalidades, atitudes internalizadas, crenças, sentimentos ...

que conformam o mundo da vida compartilhado de uma organização no que se

refere às três dimensões apresentadas acima.

Estudar a cultura organizacional no contexto de unidades de atenção primária

do SUS exige também refletir sobre a natureza do processo de trabalho neste

contexto e, para isso, nos apoiamos em Schraiber (1999) que define trabalho como

ação que visa alcançar finalidades e como interação social. A primeira dimensão se

refere a que todo trabalho é um processo que se justifica por suas finalidades,

visando a consecução de determinados produtos, mercadorias ou serviços que

respondam a necessidades socialmente identificadas. As finalidades do trabalho,

entretanto, se realizam através de interações entre sujeitos ou em relações

intersubjetivas para apoiar a tomada de decisão e a ação.

Diante disso, a mesma autora considera que seria preciso levar em conta

tanto finalidades quanto relações sociais entre os sujeitos envolvidos no processo de

trabalho e que estas podem adquirir um caráter mais comunicativo ou mais

estratégico, conforme a ação seja mais ou menos dependente da busca de

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consensos. A complexidade dos problemas e necessidades de saúde da população

implica a necessidade de articular dois movimentos: a divisão do trabalho e dos

saberes e também a sua recomposição em um todo coerente que faça sentido para

os sujeitos envolvidos no processo de trabalho.

Fazendo um paralelo com a realidade que nos interessa, poderíamos dizer

que o trabalho em Unidades de APS/SUS, apresenta duas dimensões: a) é processo

que tem a finalidade de produzir serviços e ações de saúde para impactar a situação

de saúde da população; b) é processo intersubjetivo, já que as ações e serviços são

realizados através da interação entre os profissionais de saúde e entre estes e a

população.

Como conseqüência desta análise, a abordagem do gerente aos profissionais

de saúde em situação de trabalho, além de buscar resultados deverá preocupar-se

em conhecer como as pessoas se expressam no trabalho e através dele e

reconhecer a sua dimensão intersubjetiva. Um esvaziamento de sentido ocorreria

caso o gerente se preocupa apenas com a operação do trabalho e seus resultados,

descuidando da necessidade de cada trabalhador de constituir-se como sujeito no

processo de trabalho e reconhecer-se nele.

O processo gerencial na unidade de atenção primária tem como papel

conduzir as mudanças organizacionais e promover a renovação cultural que lhe dê

sustentação. Se a cultura organizacional se constitui em processos de aprendizagem

no enfrentamento contínuo de problemas, ela pode renovar-se, especialmente

promovida por metodologias que trabalhem com as problemáticas culturais neste

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contexto. Neste sentido, reconhecemos a necessidade de criar e socializar formas

de trabalhar em equipe e com a população e de coordenar o processo de trabalho

de modo a tornar a situação de trabalho uma oportunidade permanente de

aprendizagem.

RIVERA & ARTMANN (1999) consideram que, para atuar sobre as estruturas

mentais o sistema de gerência deveria ser acompanhado por práticas educativas

permanentes, constituindo um sistema de gestão criativa que prioriza formas de

tomada de decisão e controle coletivas, consensuadas, baseadas na comunicação.

A única possibilidade de mudar a cultura a longo prazo residiria, para os autores, na

capacidade de construção legitimada de novas representações a partir da

participação dos atores em processos comunicativos de aprendizagem.

Como decorrência desta reflexão defendemos a importância de ampliar a

racionalidade os planejamento e da gerência através do emprego de metodologias

que agreguem dimensões comunicativas ao enfoque estratégico-situacional. Desse

modo as problemáticas culturais poderiam ser trabalhadas de modo concomitante

com a busca de resultados.

As ferramentas teórico-metodológicas para o gerenciamento de serviços de

atenção primária deverão, assim, considerar tanto os desafios relacionados à

coesão interna da organização, onde os processos comunicativos são fundamentais,

quanto os desafios da construção de “direcionalidades” que favoreçam um

desenvolvimento orientado nos princípios do SUS.

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Um dos desafios do desenvolvimento do SUS, segundo MENDES (2001)

seria superar a “cultura hospitalocêntrica” por uma cultura em que o sistema seja

percebido como rede integradora de diferentes pontos de atenção intercomunicantes

e complementares entre si a fim de viabilizar a oferta de atenção à saúde da

população com integralidade e eqüidade. Nesta perspectiva, também a cultura de

planejamento e gestão deverá mudar do tradicional método de dentro para fora,

focado exclusivamente no atendimento das demandas de pessoas doentes, para um

método de fora para dentro, que considera o conjunto da população adscrita,

identifica pessoas ou grupos em situação de risco e desenvolve ações para atender

às diferentes necessidades de grupos, famílias ou pessoas.

A cultura existente em cada serviço e unidade de saúde, se entendida como

recurso e fator de viabilidade em processos de mudança organizacional e transição

paradigmática, poderá tanto favorecer quanto dificultar a construção do futuro

desejado. Para além das receitas prontas e de um projeto fechado de futuro,

defendemos a busca de processos que promovam a reflexão crítica, a criatividade,

valorizem a mudança, a inovação, o risco e a habilidade coletiva para gerir

processos de construção compartilhada.

Diante da tarefa atribuída à rede de atenção primária do SUS, caberia nos

perguntarmos sobre as dificuldades culturais encontradas em processos de

mudança em um contexto onde predominam valores, concepções e práticas

identificadas com o modelo tradicional de atenção à saúde. A interação que se dá na

equipe multiprofissional e com a população é um processo complexo, contraditório e

muitas vezes conflituoso. A simples constituição de equipes multiprofissionais e

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intencionalidade político-administrativa não é suficiente para que os sujeitos passem

a atuar conforme os preceitos desejados. A aprendizagem permanente na situação

de trabalho e a criação de sentido subjetivo no trabalho dos profissionais torna-se

imprescindível. O papel dos gestores, gerentes e lideranças para criar essas novas

possibilidades torna-se fundamental.

Entendemos que todo projeto de mudança organizacional deva apoiar-se no

conhecimento e reconhecimento da cultura, na valorização dos traços positivos de

cada cultura e das suas fragilidades para, assim, criativamente, propiciar as

condições de viabilidade e legitimidade para as mudanças projetadas.

O papel da liderança na condução da mudança organizacional

O papel exercido pelo gerente da unidade de atenção primária e sua

capacidade como liderança é fundamental para desencadear, conduzir e sustentar

os processos de mudança. Por isso, também os gerentes devem adotar novas

concepções sobre a organização de saúde e seu papel no desenvolvimento do

sistema de saúde. Apropriar-se de metodologias e ferramentas gerenciais que

facilitem o exercício deste papel é da maior importância.

RIVERA (2001) contribui neste sentido ao problematizar a categoria de

liderança. Para o autor: a) o líder deve colocar-se como projetista dos ideais e

propósitos de uma organização, construídos coletivamente, o que implica conceber o

processo de planejamento como um processo de aprendizagem organizacional

amplo; b) o líder como mentor, guia e facilitador do trabalho coletivo; c) o líder como

responsável por trazer à tona e problematizar os modelos mentais e as visões de

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realidade vigentes, promovendo um pensamento sistêmico e voltado para as causas

mais profundas dos fenômenos; d) o líder como o regente da missão organizacional

se compenetraria dos ideais de alta responsabilidade de uma "organização que

aprende"; e) o líder como alguém que “presta serviços”, em oposição ao conceito de

liderança egocêntrica.

RIVERA (1996) considera imprescindível um plano de comunicação que

impacte a cultura, reconhecendo a necessidade de reconstrução do pensamento

matusiano com base no agir comunicativo de Habermas. Quanto à

operacionalização deste enfoque de planejamento e gestão, propõe uma conexão

com trabalhos que pensam a mudança cultural a partir da própria cultura, em

processos comunicativos.

Esta concepção de liderança pressupõe a capacidade individual ou coletiva

de atuar sobre as condições básicas para a aprendizagem coletiva, solidária,

compartilhada, participativa e sobre os fatores propulsores do potencial de

crescimento das pessoas e desenvolvimento da organização.

Discussão semelhante é desenvolvida por CAMPOS (2000) ao fazer uma

crítica aos enfoques de gerência tradicionais e propor um método que amplia o

potencial de direção dos grupos, aumenta a capacidade de análise e operação sobre

a instituição e o contexto em que esta se situa. O Método da Roda ou Paidéia opera

com conceito de “coletivos organizados para a produção”, entendendo-os como

"agrupamentos humanos articulados com alguma finalidade produtiva, seja de bens,

seja de serviços". Propõe-se a articular metodologicamente a produção de bens e

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serviços com a produção das organizações e constituição de sujeitos, apoiando-se

em um conceito ampliado de gestão que envolve dimensões gerenciais, políticas,

pedagógicas e terapêuticas.

ARTMANN et al. (1997) estudam a problemática da mudança organizacional

em serviços básicos do SUS, destacando as possibilidades e limites da utilização do

método matusiano de planejamento neste contexto. Dizem as autoras:

• as resistências às mudanças devem ser considerados com a devida

importância; Matus não oferece elementos teóricos suficientes para a análise

e intervenção neste âmbito, sendo importante buscar o aporte de outros

autores, como Habermas;

• admitindo-se que a mudança organizacional tem caráter social/cultural, é

importante reconhecer que uma das condições para que ela ocorra reside na

possibilidade do processo de planejamento ser permeado pelos problemas e

prioridades vividos no cotidiano, não sendo apenas a expressão de uma

formalidade;

• ainda que seja necessária a manutenção de certo grau de sistematicidade e

rigor metodológico, é importante que os participantes não se deixem

aprisionar pelos aspectos formais do método, pois isso seria inversamente

proporcional à autonomia e capacidade propositiva dos participantes;

• deve ser considerada como inerente à introdução de processos de mudança

de forma participativa nas organizações a sobrecarga real advinda da

necessidade de compatibilizar a continuidade do funcionamento da

organização com as novas demandas oriundas do processo de mudança;

• dificuldades com relação ao aumento do nível de responsabilidade para com

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o processo, ritmo e cumprimento das tarefas acordadas, bem como

dificuldades quanto à explicitação e até mesmo a formulação dos diferentes

projetos em jogo no interior das organizações;

• a adesão ao projeto/plano não pode ser construída com base apenas na

participação dos profissionais nos momentos de discussão mais sistemática

do plano/projeto, mas deve expressar-se também no seu envolvimento

cotidiano com a realização das operações/ações e com a busca dos

resultados.

Como decorrência deste estudo, as autoras destacam a necessidade de

buscar a simplificação do método matusiano de planejamento a fim de ampliar as

possibilidades de apropriação pelos sujeitos deste contexto e, assim, ampliar e

aprofundar a capacidade de análise e formulação estratégica das equipes.

Destacam também que esta simplificação metodológica deveria passar pela

ampliação da comunicação interna para possibilitar a construção de projeto coletivos

e estratégicos.

Cultura e estratégias de mudança organizacional

THÈVENET (apud RIVERA, 2003) considera que, mais estratégico do que

afrontar, mudar ou enfraquecer uma dada cultura, seria utilizá-la como recurso para

o projeto de mudança. A idéia de cultura como recurso comporta, assim, a

necessidade de discernir no interior da cultura aqueles traços positivos que podem

apoiar um projeto de mudança, já que a cultura é de difícil manipulação no sentido

de uma mudança direta, mas não é imutável.

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Para o autor, a importância da abordagem cultural tem dois aspectos: a

adaptação dos projetos organizacionais – neste caso, a cultura opera como fator de

condicionamento da viabilidade operacional dos projetos - e o emprego de valores-

chave da cultura que possam potencializar um projeto de mudança, o que implica

comunicar sobre a cultura, trazer à tona e explorar propositivamente a mensagem

profunda dos bons valores culturais da tradição complexa de uma organização.

RIVERA (2003) defende que a renovação cultural deva sustentar-se em um

projeto de comunicação ampliada, em coerência com o princípio habermasiano da

correlação entre mundo da vida e agir comunicativo. A abertura de canais de

comunicação ampliada, propiciados por reformulações gerenciais criaria, segundo

ele, as condições e a oportunidade para o questionamento e a reciclagem cultural,

sempre que necessário. Mais comunicação seria a estratégia genérica para a

mudança cultural, pois comunicação e cultura se interpenetram de maneira

imanente, uma dependendo da outra.

Inaugurar novas possibilidades e buscar a renovação cultural em unidades de

atenção primária do SUS necessita, em meu modo de ver, de processos gerenciais

que se apóiem em ferramentas metodológicas capazes de potencializar uma

racionalidade ampliada nas práticas de e de gerência, o que significa associar

dimensões estratégicas e comunicativas para dar conta tanto das finalidades quanto

dos processos de aprendizagem intersubjetivos. E neste ponto, surge a necessidade

de problematizar as metodologias gerenciais (ou a falta delas) nos serviços de

atenção primária, questionando suas potencialidades e fragilidades no sentido de

facilitar a renovação cultural que se faz necessária.

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Ao gerente da unidade de atenção primária caberia o desafio de conduzir

processos de trabalho de modo a realizar finalidades (ações e serviços de saúde) e,

simultaneamente, criar possibilidades de interação produtiva entre os sujeitos, seja

na equipe, seja com a população Aqui, a cultura coloca-se como pressuposto e

como consequência: as metodologias necessitam apoiar-se na cultura para renovar

a cultura.

Acreditamos que a dimensão de coordenação do processo de trabalho – uma

das dimensões da gerência poderia distinguir e fazer comunicar trabalhos parciais e

facilitar a construção compartilhada de projetos que promovam a saúde da

população. Coordenar um processo de trabalho com esta tarefa pressupõe

reconhecer a cultura como recurso que deve ser respeitado mas também

tensionado, trabalhando pedagogicamente com sujeitos para que aa mudanças

culturais se dêem de modo mais legitimado. Conhecer a própria cultura é processo

difícil porque envolve perceber as fragilidades, conflitos e contradições, mas pode

também ser fator de crescimento e amadurecimento individual e coletivo.

No capítulo que segue detalhamos todo o processo de pesquisa pois

consideramos que não apenas os resultados, mas também o processo de estudo da

cultura pode contribuir com a busca de alternativas para melhorias organizacionais

no SSC.

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� O PROCESSO DE PESQUISA

A suposição motivadora da realização desta pesquisa foi de que a cultura

organizacional em uma unidade do SSC expressaria uma particularidade da cultura

organizacional do SSC e também as suas generalidades e que a cultura

organizacional seria um fator de viabilidade em processos de mudança. Neste

sentido, a gerência local necessitaria apoiar-se em metodologias que se apóiem na

cultura para possibilitar a sua renovação.

2.1 O problema de pesquisa

O problema de pesquisa ficou assim definido:

Como se configura a cultura organizacional em uma unidade do SSC/GHC

tendo como perspectiva a implementação de um projeto informado na Promoção e

Vigilância da Saúde, isto é, quais os traços culturais que facilitariam e quais

dificultariam um processo de mudança organizacional com essa perspectiva? Que

características deve apresentar uma metodologia gerencial para favorecer a

renovação cultural neste contexto?

2..2 Local de realização da pesquisa

A pesquisa foi realizada na Unidade Jardim Itu (UJI), cuja escolha levou em

considerações “recomendações” de MINAYO (1996). Segundo a autora, a escolha

do local da pesquisa deve levar em conta principalmente a sua adequação prática

ao delineamento do objeto teórico. Com base nisso, utilizamos os seguintes

critérios para a escolha da unidade a ser investigada:

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a) interesse do assistente de coordenação em participar de um estudo desta

natureza;

b) motivação da equipe em participar da pesquisa e discutir seus resultados;

c) interesse do assistente de coordenação em apropriar-se de um método de

gerencial com enfoque na aprendizagem em situação de trabalho;

d) experiência da equipe com metodologias de trabalho informadas na

promoção e vigilância da saúde;

e) experiência de participação da população local no planejamento e gestão

da unidade

2.3 Objetivos

O objetivo geral desta investigação foi estudar a cultura organizacional em

uma unidade do Serviço de Saúde Comunitária/GHC e sistematizar uma

metodologia gerencial com potencial de contribuir na renovação cultural e

organizacional necessária ao desenvolvimento de um projeto informado na

Promoção e Vigilância da Saúde e nos princípios do SSC e do SUS.

Os objetivos específicos foram:

1- Estudar a cultura organizacional na unidade Jardim Itu/SSC/GHC, Porto

Alegre/RS, nos anos de 2004 e 2005;

2- Construir hipóteses sobre a cultura com a participação dos sujeitos

3- Fazer sugestões para o aprimoramento do processo gerencial na UJI

4- Sistematizar uma metodologia gerencial com potencial de contribuir na

renovação cultural das unidades e do SSC;

5- Produzir um manual de gerenciamento com uma estética familiar à cultura

do SSC.

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2.4 Tipo de estudo

Na definição do tipo de estudo, tomamos como referência preliminar as

recomendações de RIVERA (2003), que se apóia em estudos do campo

organizacional para propor uma grade de análise cultural. Os autores postulam que

no estudo dos fenômenos culturais é necessidade vários observadores do mesmo

objeto, aplicação de várias teorias e implementação de vários métodos ou técnicas,

procurando-se identificar sua congruência e consistência, a capacidade de gerar

dados comparáveis, a complementaridade entre as informações e a validade externa

dos enfoques.

Com este entendimento de análise de cultura, a “triangulação” - definida como

a combinação de métodos para estudar um mesmo fenômeno – nos pareceu ser

uma boa alternativa na coleta de dados. Planejamos abordagem teórico-

metodológica que contemplou tanto o olhar externo (da pesquisadora) quanto

olhares internos (dos sujeitos pesquisados), usando o recursos do debate e da

reconstrução compartilhada das hipóteses, o que caracterizou um processo

participativo de devolução de resultados. Segundo RIVERA (2003, p. 197):

Thévenet recomenda que a auditoria de cultura seja participativa. Uma das contribuições mais importantes e imediatas que uma auditoria pode ensejar (e que implica uma mudança) é a possibilidade de que os agentes reforcem sua capacidade de compreensão da organização e seu nível de compartilhamento de visões e representações.

O estudo da cultura foi realizado através de Estudo de Caso de natureza

qualitativa e abordagem hermenêutico-dialética. TRIVIÑOS (2001) destaca que o

estudo de caso, uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se

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analisa em profundidade, permite explorar um fenômeno em toda a sua

complexidade, sendo o maior ou menor aprofundamento determinado pelos

enfoques teóricos adotados pelo investigador. STEIN (1987) analisa a perspectiva

teórico-metodológica que associa estes dois enfoques destacando que seria a

afirmação extrema do significado prático da razão humana, não simplesmente

porque esses dois métodos têm a práxis como objeto, mas porque não haveria

práxis no sentido pleno sem que se pressuponha os horizontes do pensamento

dialético e hermenêutico.

A intenção de superar os reducionismos da ciência hegemônica nos também

a uma tentativa de considerar a compreensão complexa da realidade, apoiada em

MORIN (2001, 2002) na interpretação das informações para o estudo do fenômeno

cultura no contexto organizacional. Consideramos que esta abordagem nos

permitiria apreender o fenômeno cultural em sua complexidade e integrar

movimentos de descrição, explicação, interpretação, compreensão e retorno à

prática.

Na sistematização da metodologia realizamos uma análise “crítica e criativa”

de documentos produzidos por profissionais do SSC, à luz dos resultados do estudo

da cultura. A produção do manual será feita em colaboração com a Dra. Maria Lúcia

Lenz, profissional deste serviço e artista plástica cujos trabalhos são reconhecidos

como “produtos culturais” deste serviço. Deste modo pretendemos facilitar a

aceitação do material e despertar maior interesse dos profissionais para o mesmo.

2.5 A coleta de informações

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Foram empregadas as seguintes técnicas de pesquisa

a) Entrevistas semi-estruturadas

b) Observações semi-dirigidas

c) Grupos Focais

As observações foram realizadas no primeiro momento e constituíram uma

estratégia de aproximação ao campo de pesquisa. Foram feitas observações de: a)

reuniões de equipe (de planejamento e educação continuada); b) reuniões do

Conselho Local de Saúde; c) assembléia comunitária para eleição de prioridades.

A seguir, passamos para as entrevistas. Após uma análise preliminar de

observações entrevistas, elaboramos “hipóteses sobre a cultura” THÉVENET (apud

Rivera, 2003), propõe uma metodologia indiciária e hipotética, de natureza falibilista

no sentido de um permanente questionamento participativo da cultura.

Foi realizada uma análise preliminar dos dados e a seguir planejamos e

realizamos 4 grupos focais. A seleção dos sujeitos para as entrevistas foi realizada

após a realização das observações e assim pudemos escolher informantes-chave

que nos interessavam entrevistar.

O grupo focal 1 teve como objetivos:

a) Aprimorar “hipóteses sobre a cultura organizacional”;

b) Primeira devolução de resultados à equipe.

Os grupos focais 2, 3 e 4 tiveram como objetivo:

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Analisar de modo compartilhado a sistematização da metodologia gerencial

através do documento “Coordenação do processo de trabalho: uma proposta

metodológica para as unidades do SSC” (apêndice 3)

2.6 A população e a amostra

População: constituiu-se pelos seguintes estratos:

1. Profissionais da equipe de saúde

2. Coordenadores (da unidade e do SSC)

3. População usuária da unidade de saúde

Amostra:

MINAYO (1996) defende que o fundamental na seleção de uma amostra

qualitativa é que ela seja capaz de refletir a totalidade do fenômeno a ser estudado

em suas múltiplas dimensões e que esta seleção considere tanto os grupos para

observação quanto para a comunicação direta.

Com base nas considerações da autora, escolhemos a seguinte amostra para

as entrevistas:

- coordenador unidade de saúde (1 sujeito);

- gerente ou coordenador do SSC (1 sujeito)

- profissionais contratados - de diferentes categorias profissionais que

integravam a equipe há mais de cinco anos (4 sujeitos);

- lideranças comunitárias participantes da história do posto (3 sujeitos).

A seleção da amostra para os grupos focais empregou os critérios:

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a) coordenadora da unidade de saúde em 2004 e 2005, que não

havia participado das entrevistas;

b) profissionais da equipe que não haviam participado das

entrevistas, de diferentes categorias profissionais, com mais de

cinco anos na unidade de saúde;

c) residentes que haviam concluído o Estágio de Gerenciamento e

realizado uma análise sobre o processo gerencial da unidade.

2.7 Análise e interpretação das informações

As observações foram registradas por escrito, as entrevistas gravadas em

fitas cassete e os grupos focais registrados por escrito e gravados em fitas cassete.

Num primeiro momento, trabalhamos com as entrevistas, separando todo o material

em dois grandes “corpus”: informações da equipe e informações da população. A

seguir, organizamos todo este material segundo as questões de pesquisa e as

categorias teóricas propostas por RIVERA (2003) (ver quadro abaixo). Realizamos,

então, leituras extensivas deste material para construir categorias empíricas. Com

apoio nesta análise preliminar construímos “hipóteses” sobre a cultura

organizacional que foram compartilhadas e aprimoradas no grupo focal 1.

Nossa proposta de análise sustentou-se em uma compreensão de cultura

como fenômeno não transparente e não passível de ser evidenciado de modo claro.

A análise cultural deve comportar, por isso, uma metodologia complexa que se utiliza

da triangulação e associa diferentes técnicas de pesquisa. A análise deve registrar

fatos, informações e eventos orientados a representar a cultura, aqueles sobre os

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quais se supõe que a cultura deixa marcas. Todo o problema se reduz a saber onde

se situam essas marcas, que seriam os domínios analisáveis. A análise dinâmica

das marcas, sinais e indícios da cultura supõe, por outro lado, a organização dessas

informações em hipóteses sobre a cultura, que requerem validação permanente

pelo próprio grupo cultural estudado. (THÈVENET apud RIVERA, 2003)

A análise e interpretação dos materiais coletados em campo nos apoiamos numa

abordagem hermenêutico-dialética que MINAYO (1996, p.237) descreve da seguinte

forma:

Entender o texto, a fala, o depoimento como resultado de um processo

social (trabalho e dominação) e de um processo de conhecimento (expresso

em linguagem), resultantes de múltiplas determinações, mas com

significado específico. O texto é a representação social de uma realidade

que se mostra e se esconde na comunicação, onde o autor e o intérprete

são parte de um mesmo contexto ético-político e onde o acordo subsiste ao

mesmo tempo em que as tensões e perturbações sociais. (...) coloca a fala

em seu contexto, para entendê-la a partir de seu interior e no campo da

especificidade histórica e totalizante em que é produzida

���

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Componentes básicos da cultura organizada (RIVERA, 2003, p.196)

Categoria Tipo de informação possível

Cultura Técnica

(projeto).

tecnológico)

- Relação com o ambiente (dominador, passivo, harmonia)

- Continuidades/descontinuidades das atividades e tecnologias

- Tipo de relação com a atividade (orientação a partir da pessoa ou da

tarefa)

- Identidade empresarial (focalização na atividade, liderança ou

comportamento)

- Razão de ser das atividades (especialmente em situações de crise e de

mudança)

- Valorização diferencial das áreas de atividades

- Percepção valorativa dos produtos e benefícios da atividade

- Conhecimento sobre a identidade do ofício

Governabilidade

(ou normatividade)

- Tipo de comunicação e formas de coordenação

- Vivência de ordem interna: grau de autoritarismo ou de participação do

sistema de condução/orientação relacional predominante – individualismo

(o bem-estar pessoal predomina sobre o grupo); orientação colateral (o

grupo predomina); hierárquica ou linear (relação colateral mais ênfase na

continuidade temporal)/ordem baseada na tradição, autoridade legal ou

carisma

- Percepção da relação entre os atores: contrato social ou relação de força

Socialização dos

sujeitos

- Importância da capacitação

- Formas de treinamento e ascensão predominantes (de ajustamento

social)

- Responsabilização – nível de formalidade e grau de crença na prestação

de contas; Concepções valorativas predominantes na avaliação (o que é um

bom produto, um bom resultado, um bom funcionário); percepção dos

direitos e deveres das pessoas e da empresa

- Tipo de liderança dos portadores da cultura – análise da especificidade

dos fundadores em relação ao contexto

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A validação das “hipóteses sobre a cultura” deu-se no grupo focal 1 e em oficina

de trabalho com toda a equipe, constituindo o primeiro momento de devolução de

resultados e oportunidade de aprofundamento de nossa compreensão do objeto de

pesquisa.

Na sistematização da metodologia gerencial partimos de uma análise

critica de textos de planejamento e gerência elaborados por profissionais do SSC em

uso por equipes e residentes e, à luz dos resultados da pesquisa, elaboramos o

texto “Coordenação do Processo de Trabalho: uma proposta metodológica para

as unidades do Serviço de Saúde Comunitária”.

Para chegarmos à versão final deste texto empregamos 3 grupos focais,

constituídos da seguinte forma:

a) profissionais e residentes da Unidade Jardim Itu;

b) colegiado de gestão da Unidade Divina Providência/SSC

c) preceptores da RIS/SFC.

Estes grupos focais tiveram como objetivo analisar a adequação da

metodologia (conteúdo e forma) para o contexto organizacional e cultural do SSC.

No que se refere à forma, foi sugerido que o manual fosse ilustrado pela Dra. Maria

Lúcia Lenz que tem tradição em ilustrar relatórios e manuais do SSC.

2.7 Aspectos éticos

Inicialmente submetemos o projeto à apreciação do colegiado de

coordenação do SSC para avaliar o interesse e obter aprovação formal do gerente e

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da coordenadora do SSC. Foram discutidos objetivos, estratégias de coleta de

dados e os possíveis benefícios para o serviço através da devolução de resultados.

Foram propostos critérios para seleção da unidade de saúde que deveria participar

do estudo e, com base nos mesmos, escolhemos a UJI como locus da pesquisa.

Posteriormente, foi realizado processo semelhante com a equipe e Conselho

Local de Saúde (CLS) da UJI. Antes das entrevistas e grupos focais os participantes

foram esclarecidos sobre a pesquisa e solicitados a assinar o termo de

consentimento pós-informado.

2.8 Devolução e divulgação de resultados

Os resultados até o momento, foram devolvidos e divulgados nos seguintes

espaços:

a) Grupos Focais e Oficinas com a equipe da unidade de saúde estudada

b) Seminário de Gestão do SSC (novembro de 2005)

c) Comunicação coordenada no “2o. Fórum Gaúcho de Saúde Coletiva”

(outubro de 2005)

d) Uso da metodologia produzida como referência em: aulas dos residentes,

assessoria a unidades e ao colegiado de coordenação do SSC

A devolução de resultados deverá ainda acontecer através de:

a) Oficina com o CLS da unidade de saúde estudada

b)Assessoria à equipe para constituição de um colegiado de gestão e

implementação da metodologia gerencial

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c) Educação permanente e planejamento no colegiado de coordenação do

SSC

d) Artigo para revistas: Momentos & Perspectivas/GHC e outras de circulação

nacional

e) Apresentação no Congresso da Abrasco em agosto de 2006 (aceito)

2.8 Dificuldades encontradas no desenvolvimento do projeto de pesquisa

O projeto de pesquisa foi submetido à apreciação pelo Comitê de Ética da

GEP/GHC em 2003 e aprovado mas sem a verba do Fundo de Fomento à Pesquisa

que havia sido cancelada pela direção do GHC naquela ocasião. Em vistas disso,

não conseguimos cumprir o cronograma previsto, já que não havia recursos para o

pagamento de serviços de transcrição de fitas. Em 2004 o projeto foi novamente

encaminhado ao Comitê de Ética e desta vez aprovado com recursos do Fundo de

Fomento à Pesquisa.

Fomos autorizada a destinar um turno semanal para trabalhar neste projeto

pelo gerente e coordenadora do SSC, entretanto, em função da criação da RIS em

2004, não prevista na época do encaminhamento do projeto surgiram inúmeras

demandas de trabalho e foi necessário usar os horários destinados à pesquisa com

outras atividades. Como consequência disso, novamente não nos foi possível

cumprir os prazos previstos no cronograma e solicitamos prorrogação de prazo.

Outro problema que tivemos de contornar foi o pagamento de horas de

consultoria para a prof. Dra. Elisabeth Artmann da ENSP-Fiocruz. Estava prevista a

vinda da consultora na ocasião do Seminário de Gestão do SSC, em novembro de

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2005. Quando solicitamos os recursos para passagem estadia e horas de

consultoria, nos foi informado que os recursos não seriam liberados. A alternativa foi

incluir o pagamento de passagem e estadia para a consultora no projeto do

seminário, porém as horas de assessoria não foram pagas, o que prejudicou e

atrasou nosso trabalho.

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4 ESTUDO DA CULTURA ORGANIZACIONAL EM UMA UNIDADE DO SERVIÇO

DE SAÚDE COMUNITÁRIA

O estudo da cultura foi realizado em uma unidade de saúde (US) do SSC e

orientou-se na conceituação de cultura como o conjunto de referências simbólicas

que sustenta o projeto real da US que, num contexto de mudança considera três

categorias fundamentais, segundo Rivera (2003): direcionalidade, governabilidade e

personalidade. Como apontado anteriormente, estes componentes da cultura foram

“traduzidos” para o contexto investigado como cultura técnica, cultura gerencial e

socialização dos sujeitos.

A constatação de que a cultura organizacional se constitui através da história de

uma organização remete à necessidade de um breve resgate da história desta

comunidade, onde o posto de saúde foi uma entre muitas conquistas. Nossa

suposição é de que este movimento de perceber a história já aponta indícios da

cultura que nos interessa conhecer.

História da comunidade e a “conquista” da unidade de saúde

O bairro localiza-se na zona norte de Porto Alegre e denomina-se Jardim Itu-

Sabará, segundo o IBGE. A área de abrangência é de 947.400 m2, com muitas

belezas naturais, como árvores centenárias e frutíferas, em terreno plano. Possui

uma hidrografia generosa, sendo atravessado pelo arroio Passo da Mangueira,

conhecido pela comunidade local como Paula Soares.

O bairro possui várias praças e um parque e seus moradores costumam dizer

que é um bairro “jovem de moradores antigos”. Surgiu em 1951, o que lhe confere

pouco tempo na história urbana da cidade de Porto Alegre. É um bairro

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fundamentalmente residencial e seus moradores costumam passar muito tempo no

local, criando fortes laços de vizinhança.

Esta área era antigamente uma fazenda de arroz com 160 hectares e os sonhos

de progresso e urbanização do antigo proprietário incluíram o loteamento da terra

com a intenção de criar uma vila urbanizada para trabalhadores. No início chamado

de Vila Jardim Itu, o loteamento se deu em três fases. Na primeira, por volta de

1955, vieram os trabalhadores da “Valig”, os “desbravadores” do bairro. A

urbanização foi chegando aos poucos, caracterizando a segunda fase. Primeiro veio

a luz, depois o esgoto e só depois água encanada. O lazer era restrito, mas o bairro

teve um cinema de lona no início dos anos 60, que marcou muitos moradores de

então.

A Vila Jardim itu foi se desenvolvendo e virou bairro. Desde sua origem, existem

grupos organizados, uma característica da vida do bairro, entre eles a “Sociedade

Amigos Jardim Itu” que passou a ser um clube recreativo no início dos anos 70 e

posteriormente, em julho de 1972, evoluiu para Associação de Moradores do Bairro

Jardim Itu (AMBAJAI).

Esta associação de moradores realizava discussões para buscar melhorias para

o bairro e promovia atividades festivas para levantar fundos para a associação. Os

moradores organizavam-se em comissões e assim foram conquistando aos poucos

calçamento para as ruas, semáforos, iluminação nas ruas, a 6a. série e o segundo

grau na escola.

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Outra característica desta associação é a freqüência com que o executivo e o

legislativo municipal são chamados para discutir os problemas do bairro. A AMBAJAI

também se faz representar em fóruns da cidade e vinculou-se a outras organizações

buscando ampliar seu poder reivindicatório. Existem reuniões periódicas da

associação com a população local e a comunidade continua mobilizando-se na

busca de melhorias para a qualidade de vida no bairro. A unidade de saúde foi uma

entre as muitas conquistas desta comunidade e seus movimentos organizados. Foi

inaugurada em 16 de janeiro de 1992.

A população e a equipe

Mais de 80% moradores da área estão cadastrados na unidade de saúde. 46%

da população usuária cadastrada possui mais de 40 anos, o que caracteriza uma

população mais idosa. Aproximadamente 60% dos moradores reside em casas de

alvenaria ou apartamentos; 30 % em casas mistas. Em média, existem 4 moradores

por domicílio, sendo que 3% dos moradores residem em cortiços ou pombais,

habitações coletivas e/ou multi-familiares. A equipe tem feito identificação de outras

habitações coletivas no bairro.

A água encanada está presente em 80% dos domicílios e a rede de esgoto em

98%. A energia elétrica é abastecida pela CEEE em 100% dos domicílios. A coleta

de lixo é regular em todas as residências, para o lixo comum e para o seletivo. A

grande maioria da população reside no bairro há mais de cinco anos e 77% são

proprietários dos seus imóveis. A maioria da população desempenha funções de

escritório e trabalhos manuais semi-especializados.

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As causas de morte mais importantes entre esta população são as doenças do

aparelho circulatório, as neoplasias e as doenças do aparelho respiratório. Segundo

um diagnóstico de demanda realizado no SSC, os principais motivos de consulta na

unidade de saúde foram: hipertensão, atestados, receitas, depressão, coleta de

citopatológico ou “ver resultados de exames” (GHC-SSC, 1998).

A equipe da Unidade Jardim Itu é uma equipe multiprofissional e está formada

por enfermeiras, médicos, dentista, técnicos de enfermagem e de odontologia,

assistente social, terapeuta ocupacional, agentes de saúde e auxiliares

administrativos/recepcionistas e residentes de medicina, enfermagem e serviço

social. Todos os médicos têm especialidade em medicina de família e comunidade e

alguns fizeram sua formação neste serviço. A maioria dos profissionais de nível

superior tem no mínimo especialização e alguns possuem mestrado em áreas afins

com a saúde comunitária.

Ao apresentar a discussão sobre os resultados desta pesquisa é importante

esclarecer que a coleta de dados iniciou em 2004 e em 2005 houve eleições para a

coordenação das unidades e do SSC. Assumiu a coordenação da unidade Jardim Itu

outra profissional da equipe e a coordenadora desta unidade foi eleita coordenadora

geral do SSC. O coordenador da unidade de saúde, como vimos no capítulo

referente ao processo de pesquisa deveria compor a amostra. Para dar conta desta

mudança resolvemos incluir a nova coordenadora da UJI no grupo focal que discutiu

as hipóteses sobre a pesquisa. Assim, é preciso levar em conta que ao longo do

processo de pesquisa a equipe mudou, como costuma acontecer em todas as

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unidades do SSC e, principalmente, foi criada a RIS que trouxe novas configurações

e desafios para todas as equipes, inclusive para esta.

Consideramos que, pela natureza do objeto desta pesquisa, as mudanças

que ocorreram ao longo do processo investigativo não chegam a prejudicar e o fato

de termos prolongado o cronograma previsto inicialmente nos permitiu apreender as

mudanças que foram acontecendo. Além disso, a cultura é um fenômeno que muda

muito lentamente. Como ressalta Thèvenet (apud Rivera, 2003, p. 198) “a cultura (...)

muda nos tempos longos, sempre muda em função do projeto da empresa, mas esta

mudança é indeterminada”.

Organizamos o presente capítulo de modo a apresentar e discutir nossa

compreensão sobre os três componentes da cultura organizacional - e interação

entre os mesmos - procurando refletir sobre os traços culturais facilitadores para

apoiar um projeto de trabalho informado na promoção e vigilância da saúde e os

traços culturais que necessitariam ser trabalhados buscando uma renovação cultural

que apóie as mudanças desejadas.

A dinâmica que acontece na “cozinha” da unidade de saúde poderia ser

interpretada como uma expressão da cultura desta equipe, onde acontecem

discussões de caso, trocas produtivas, combinações, acertos sobre o trabalho,

conversas afetivas, brincadeiras, mas também posicionamentos e conversas que

não surgiram nas reuniões de equipe ou até mesmo as famosas “fofocas”.

“Cultura Técnica” na Unidade Jardim Itu

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Para fins desta pesquisa definimos cultura técnica, num sentido amplo,

como o projeto real da unidade de saúde no contexto institucional e social em que

se situa. Para estudarmos esta categoria procuramos identificar “indícios e marcas

culturais” relativos aos aspectos da cultura técnica propostos por RIVERA (2003),

que foram “traduzidos” para o contexto desta investigação conforme o quadro

abaixo:

Aspectos da categoria Cultura Técnica

Denominação de

Rivera (2003)

Denominação para o contexto da pesquisa

Relação com o ambiente externo

(dominador, passivo, harmonia)

Percepção dos sujeitos sobre o ambiente

institucional e social

Continuidades e descontinuidades das

atividades e tecnologias

Continuidades e descontinuidades dos

processos, ações e atividades da unidade de

saúde

Tipo de relação com a atividade Tipo de relação dos sujeitos com a natureza

do trabalho desenvolvido

Identidade empresarial

Identidade da unidade de saúde

Razão de ser das atividades, especialmente

em situações de crise e mudança

Razão de ser dos processos, ações e

atividades

Valorização diferencial das áreas de

atividades

Valorização diferencial das atividades

desenvolvidas

Percepção valorativa dos produtos e

benefícios da atividade

Percepção valorativa dos produtos (serviços e

ações) do trabalho da equipe de saúde

Conhecimento sobre a identidade do ofício

Conhecimento dos sujeitos sobre a identidade

do trabalho nas unidades de saúde do

SSC/GHC/SUS

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A percepção dos sujeitos sobre o ambiente institucional e social

Com relação a este aspecto chama a atenção o traço cultural que denominamos

medo da municipalização, presente tanto na equipe quanto na comunidade. Esse

medo nos parece estar relacionado com a suposição de que a passagem para a

administração municipal poderia significar “perda de qualidade” e “perda da

identidade”. Isso poderia ser explicado pelo fato de os sujeitos perceberem a UJI e o

SSC como “diferenciados” (positivamente) em relação ao hospital e aos serviços de

saúde do município de Porto Alegre. Uma das lideranças comunitárias entrevistadas

considera que “o SSC é pioneiro em tudo” e que “o PSF é diferente”.

A municipalização seria percebida como um futuro desconhecido, incerto e,

associada a um sentimento de pessimismo também presente na cultura, levaria a

essa percepção do ambiente como ameaçador. Em relação ao ambiente institucional

do GHC e SSC, percebemos um sentimento de perda e saudosismo em relação a

momentos anteriores da história em que as coisas eram mais fáceis. A

coordenadora da unidade de saúde expressa seus sentimentos sobre a relação

entre a unidade de saúde e o SSC na ocasião:

“Existe um distanciamento entre a coordenação e as equipes, tudo é difícil, quem

está na chefia fica devendo para a coordenação e para a equipe”

Uma das entrevistadas considera que este medo estaria relacionado com “falta

de análise da conjuntura e da história”, já que as ameaças não se concretizam e o

serviço permanece vivo e forte. Apesar disso, reconhece que, no início, os

trabalhadores eram mais valorizados, inclusive no que se refere ao salário. A

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entrevista analisa assim a queda de qualidade que vem acontecendo no SSC nos

últimos anos:

“a qualidade caiu porque a expansão da formação veio sem a contrapartida de

infra-estrutura”

Apesar da carência de recursos humanos, destacada por todos os profissionais e

explicada pela progressiva desvalorização do SSC pelas instâncias institucionais,

existe o reconhecimento de que somos "bons de pensar" e que muitos processos

acontecem por iniciativa das pessoas e não da instituição (GHC) ou mesmo da

coordenação do SSC.

Quando questionada sobre os princípios que orientam as práticas profissionais

do SSC, a mesma entrevistada expressa:

“É difícil trabalhar na lógica da vigilância (...) nossa identidade está mudando e,

na coordenação, não conseguimos sustentar o processo de reflexão”.

A entrevistada percebe que o SSC foi desenvolvendo nesta história a capacidade

de desenvolver tecnologias em APS, superando a centralização na assistência e na

formação, característica das origens do serviço. Destaca também que “só mais tarde

é que começamos a organizar as ações, planejar e avaliar”. Esta incorporação tardia

de profissionais de outras categorias, (a entrevistada lembra que 1993 houve um

“bum multiprofissional”), trouxe como desafio aprender a trabalhar em equipe e com

o enfoque de promoção e vigilância da saúde.

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A percepção do ambiente externo como uma ameaça poderia estar relacionada,

como já mencionado, à percepção dos sujeitos de uma identidade bastante

diferenciada positivamente em relação aos demais postos de saúde pelo pioneirismo

quanto ao modelo de atenção na origem do SSC, há mais de 20 anos atrás quando

o SUS não existia. Atualmente, esta identidade já não se configura tão diferenciada,

na medida em que a atenção primária é referência para a reorganização do modelo

de atenção do SUS. Além disso, a manutenção do SSC ligado ao GHC tem sido

constantemente discutida pelas instâncias político-administrativas, o seria percebido

como “igualar-se aos demais serviços da prefeitura”, perder o “status” original do

SSC, como discutimos a seguir.

Continuidades e descontinuidades das atividades e projetos

A equipe nos parece ter capacidade reflexiva e ser altamente criativa no sentido

de propor inovações apoiadas em novos conceitos de atenção e gestão. Entretanto,

percebemos dificuldades, reconhecidas pelos profissionais, em “colocar em prática”

os novos projetos e, principalmente, em sustentar a mais longo prazo novas

propostas de ação relacionadas ao processo de trabalho e à gestão da unidade de

saúde. O discurso predominante destaca a importância de organizar o processo de

trabalho apoiado em um conceito ampliado de saúde, mas no cotidiano é sempre

difícil organizar e desenvolver atividades comunitárias, educação permanente,

grupos, visitas domiciliares, trabalho nas micro-áreas, pois o tempo dos profissionais

é ocupado predominantemente com as atividades clínicas de atendimento individual

no posto.

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Este conflito entre o que a equipe deseja fazer e o que consegue efetivamente

concretizar nos parece refletir uma cultura técnica informada por discursos

associados a diferentes modelos de atenção, principalmente um modelo médico-

assistencial e um modelo de promoção e vigilância da saúde. A dificuldade de criar o

“tempo para sair do posto”, como é relatado pelos entrevistados talvez seja

explicada pela real impossibilidade de sobrepor o funcionamento tradicional da

unidade de saúde com a incorporação de inovações informadas por novos

paradigmas e modelos de atenção.

A relação dos sujeitos com o trabalho desenvolvido

Todos os profissionais entrevistados demonstram gostar do trabalho que

realizam e parem sentir-se orgulhosos por pertencerem a esta unidade de saúde e a

esse serviço. Os aspectos do trabalho mais valorizados são o “comprometimento da

equipe com o bem-estar do paciente” e a “capacidade de acolhimento e

resolutividade no atendimento à população”.

Os profissionais referem que uma característica desta equipe seria o

compromisso em atender bem aos pacientes e o esforço por desenvolver um

trabalho com resolutividade. As exigências e reclamações da comunidade sobre a

falta de consultas acontecem no dia-a-dia da unidade de saúde e em espaços mais

formais, como as “assembléias comunitárias” ou o Conselho Local de Saúde.

Para tentar lidar com este conflito percebemos que a estratégia encontrada é

continuar a trabalhar do modo tradicional e “acrescentar novas atividades”, o que

nos parece acarretar o sentimento de “sobrecarga”, estresse, desgaste no

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trabalho e nas relações da equipe e com a comunidade. Conhecer o território,

identificar grupos mais vulneráveis, trabalhar com problemas, planejar, avaliar,

buscar a participação da comunidade, desenvolver atividades educativas e

preventivas, reorganizar as relações de trabalho, trabalhar com os residentes e “dar

conta da demanda” é realmente bastante difícil.

De modo geral a equipe gosta de trabalhar com a comunidade, mas parece

existir diferenças entre os profissionais na compreensão de seu papel no trabalho

comunitário, o que se reflete em diferentes posturas e níveis de motivação para este

tipo de atividade.

Identidade e conhecimento sobre a identidade do trabalho

Identidade será aqui entendida como as características que, na percepção dos

sujeitos, diferenciariam esta unidade de saúde das demais unidades de saúde do

SSC e do sistema de saúde.

Tanto os profissionais quanto da população percebem no trabalho desta equipe

aspectos positivos que os diferenciariam dos serviços da prefeitura, do hospital e de

outras unidades do SSC. Entre os aspectos positivos destacamos o trabalho

humano, o compromisso com os pacientes, a capacidade de estabelecer

vínculos com os pacientes e famílias, a prevenção, o trabalho comunitário e a

autonomia da equipe e comunidade na definição de objetivos, prioridades e formas

de organizar o trabalho.

A percepção das lideranças comunitárias entrevistadas sobre a identidade da

unidade de saúde se aproxima da visão dos profissionais e destaca o papel do posto

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de fazer prevenção, grupos, tratamento, trabalho de qualidade, preocupação

com o ser humano, visão ampla de saúde.

Ao serem questionados sobre que tipo de atividades que caracterizam o modo

particular de trabalhar da equipe os profissionais destacam as interconsultas,

redes de atendimento e a supervisão dos residentes e avaliam que, de modo

geral, a “equipe trabalha bem, mas os conflitos pessoais atrapalham”.

Embora os usuários reconheçam que a maioria dos residentes são bons

profissionais, desejam ser atendidos pelo seu médico, o que demonstra a

existência de fortes vínculos entre os pacientes e os profissionais mais antigos da

unidade de saúde, aspecto valorizado por ambas as partes. Esta percepção poderia

ser interpretada como decorrente da influência de um discurso ainda presente nas

origens do SSC que defendia o atendimento dos pacientes e famílias sempre pelo

mesmo profissional, especialmente o médico, que representava o foco central do

processo de trabalho das equipes. O fato de a formação de profissionais ser também

finalidade do SSC (o serviço surge para viabilizar um projeto de formação médica)

traz como decorrência dificuldades em conciliar a expectativa criada entre os

pacientes com a provisoriedade da inserção dos residentes nas equipes.

Esta identidade diferenciada parece ser associada também ao tipo de relação

que os profissionais percebem estabelecer com os pacientes, que é definida como

uma “relação ampliada”, uma forma de trabalho que enfatiza a prevenção, a

educação em saúde e o “atendimento das pessoas perto do lugar onde moram”.

Também aqui podemos perceber a influência de um discurso presente na origem do

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SSC em que se justificava a abertura de postos comunitários para “não acumular no

hospital”, isto é, para desafogar a demanda de pacientes ao HNSC.

Os profissionais e a comunidade referem características desta unidade que os

diferenciaria das demais unidades do SSC, principalmente pela experiência histórica

desta equipe de integração com a comunidade que, como vimos, tem uma história

importante de mobilização comunitária. A participação da comunidade no posto de

saúde é bastante valorizada também pelas lideranças comunitárias que destacam a

existência de ricas e produtivas experiências de trabalho conjunto ao longo desta

história.

A importância da participação da comunidade no posto de saúde e do “trabalho

comunitário” é ressaltada tanto pela equipe quanto pela população. Alguns

destacam que a relação da equipe com a comunidade e o trabalho conjunto pode

trazer crescimento para ambos os “lados” e que isso possibilitaria aos profissionais

conhecer melhor a realidade de vida das pessoas com quem trabalham. Esta

valorização do trabalho comunitário, entretanto, entra em conflito com a dificuldade

de sair do posto, mencionada por todos os profissionais e com a pressão da

demanda por atendimento por parte da população. As explicações para este

paradoxo entre o preconizado e o efetivamente realizado vão no sentido de

reconhecer dificuldades em responder à demanda por atendimento e também à falta

de interesse de alguns profissionais pelo trabalho comunitário.

De modo geral, percebemos a identidade da Unidade Jardim Itu como

multifacetada, contraditória, em processo permanente de transformação. Vem se

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constituindo ao longo da história desta unidade de saúde e está permeada por

múltiplas influências, internas e externas. Acreditamos que a singularidade deste

contexto interativo e intersubjetivo entre os diferentes sujeitos, o contexto

institucional e a comunidade local vai constituindo um discurso em que coexistem

idéias da cultura mais tradicional do SSC com conceitos do discurso sanitário

brasileiro mais atual.

Razão de ser e valorização diferencial das atividades

Ao refletir sobre o papel de uma unidade de atenção primária no SUS, a

coordenadora da unidade de saúde ressalta a importância de organizar a vida do

paciente no sistema de saúde e considera que a universalidade e a equidade são

importantes avanços do SUS.

As lideranças comunitárias entrevistadas percebem que muitos usuários não

conseguem entender a importância de “fazer grupos” e que valorizam mais as

consultas e o atendimento médico. Esse traço cultural de maior valorização do

atendimento individual e assistencial, principalmente o atendimento médico,

embora o atendimento pelo dentista e psicólogo também seja motivo de

reivindicações, em detrimento de outras atividades de natureza mais coletiva,

educativa e preventiva ficou evidente em uma assembléia comunitária para eleição

de prioridades, onde o problema principal foi a falta de consultas, especialmente

médicas.

Alguns profissionais reconhecem que atualmente estão fazendo mais “medicina

curativa” e referem a falta de tempo em função da “demanda” grande e que exige

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atendimento imediato. Parece existir bastante dificuldade de conciliar as exigências

da organização de atividades preventivas e educativas e de um trabalho mais

coletivo junto à comunidade com a “falta de tempo” para planejar, preparar, realizar e

avaliar” este tipo de atividade no cotidiano atribulado e agitado pelas exigências e

necessidades da população.

Percepção valorativa dos produtos e serviços

Com relação a esse aspecto, percebemos que o trabalho, de modo geral, é

positivamente valorizado tanto pela equipe quanto pela população e isso contribui na

constituição da “identidade diferenciada”. Tanto as atividades clínicas onde aparece

a humanização, respeito e comprometimento com as necessidades dos pacientes

como qualidades do trabalho desenvolvido quanto as atividades preventivas e o

trabalho comunitário são mencionadas como de alto valor pelos sujeitos.

A organização global do processo de trabalho, entretanto, parece valorizar

predominantemente uma orientação a partir das necessidades percebidas pelos

usuários que buscam atendimento, embora a equipe também trabalhe com

microáreas de risco. As dificuldades em incorporar a lógica da vigilância da saúde -

que significa orientar-se pelo conjunto de necessidades e problemas da população

que vive no território - parece sugerir resistências culturais e organizacionais quanto

a mudanças na forma tradicional de trabalho.

Um aspecto que chama a atenção na cultura da UJI – e que não é exclusivo

desta equipe – é o distanciamento entre a organização da odontologia e o trabalho

da equipe. A odontologia como algo à parte poderia ser um indício da organização

processo de trabalho orientada por especialidades e não a partir das necessidades

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integrais das pessoas, grupos familiares ou populacionais característica da

promoção e vigilância da saúde. Este fato poderia ser explicado também a partir de

uma história deste serviço em que a conformação original das equipes enfatizava

bastante a figura do médico. A odontologia surge no SSC para atender a

reivindicações e necessidades sentidas a partir do atendimento médico e não como

um princípio orientador da organização das equipes. Um “sintoma” desse traço

cultural é que até o momento presente não existe uma política de saúde bucal clara

para o SSC, não existem indicadores de avaliação e os recursos humanos são

escassos. Com a criação da residência integrada e incorporação de residentes de

odontologia e a contratualização com o município de Porto Alegre que prevê a

similaridade com o PSF a tendência é valorizar mais a odontologia e promover maior

integração de ações de saúde bucal no processo de trabalho das equipes.

“Cultura Gerencial” na Unidade Jardim Itu

Esta categoria corresponde ao que Rivera (2003) denomina de

governabilidade e foi definida por nós, num sentido geral, como o estilo da

condução do processo de trabalho na unidade de saúde. Para estudarmos esta

categoria buscamos identificar “indícios e marcas culturais” relativos aos aspectos

propostos pelo autor que foram “traduzidos” para o contexto desta investigação,

conforme o quadro abaixo:

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Aspectos da categoria Cultura Gerencial

Denominação segundo

Rivera (2003)

Denominação para o contexto da pesquisa

Tipo de comunicação e formas de

coordenação

Tipo de comunicação e formas de

coordenação do processo de trabalho da

unidade de saúde

Vivência da ordem interna

Grau de autoritarismo ou de participação do

sistema de condução e orientação

relacional predominante: individualismo (o

bem-estar pessoal predomina sobre o grupo);

orientação colateral (o grupo predomina);

hierárquica ou linear (relação colateral mais

ênfase na continuidade temporal)/ordem

baseada na tradição, autoridade legal ou

carisma

Vivência da ordem interna

Percepção dos sujeitos sobre o sistema de

“condução” da unidade de saúde (poder

administrativo)

Formas de manter a coesão interna

Orientação das relações entre os profissionais

da equipe

Percepção da relação entre os atores:

contrato social ou relação de força

Percepção dos sujeitos sobre o tipo de relação

equipe-comunidade

�Tipo de comunicação e formas de coordenação do processo de trabalho

A comunicação e as formas de condução do processo de trabalho, como se

poderia esperar, apresentam traços contraditórios, ora mais próximas de um

modelo de gestão comunicativa, criativa, participativa e descentralizada, ora

apresentando características de modos mais tradicionais de gerência.

O tipo de comunicação predominante poderia ser caracterizado como ampliada,

discursiva, participativa, horizontalizada, mas “truncada, pouco clara”, prolixa, às

vezes, desorganizada ou pouco sistematizada. Na comunicação interna da equipe,

aspecto inerente ao desenvolvimento do trabalho em saúde, especialmente em

atenção primária, as relações pessoais parecem interferir bastante, tanto no sentido

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positivo e motivador, quanto no sentido negativo, dificultando as relações de

trabalho, a comunicação, a busca de consensos e a coordenação do processo de

trabalho.

A coordenadora geral do SSC, ao refletir sobre a comunicação neste serviço,

ressalta que existe um “modo desorganizado de funcionamento, uma avalanche de

coisas desorganiza”. Diz que, algumas vezes toma decisões “por conta e risco” pois

aprendeu a olhar o serviço como um todo e o contexto externo, mas que as

decisões mais significativas deveriam provir de um colegiado de gestão. Reconhece,

entretanto, a dificuldade de concretizar essa idéia, principalmente devido a lutas de

poder e resistências e dificuldades dos integrantes da coordenação na tomada de

decisão. Isso, segundo a entrevistada, explicaria a imagem negativa da coordenação

do SSC por parte das equipes, que não acreditam no poder decisório da

coordenação e a perda de identidade que percebe no serviço.

“Qual é, hoje, a identidade do SSC? Cada unidade é diferente, são doze

serviços...”

A dificuldade de estabelecer uma comunicação clara e ágil entre a coordenação

e as equipes certamente tem repercussões negativas na renovação cultural do SSC

e deveria ser encarada como um “nó crítico” do SSC que merece atenção. A

realização de reuniões de equipe (duas por semana) está incorporada na cultura

deste serviço, desde a sua origem, o que institui possibilidades para a construção

coletiva com envolvimento das equipes na reflexão sobre o trabalho e na tomada de

decisão.

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Em função disso, consideramos fundamental, no estudo da cultura, buscar

conhecer a dinâmica interativa que se dá nas reuniões de equipe rotineiras através

de observações e da percepção dos sujeitos que as vivenciam.

Para os profissionais entrevistados as reuniões de equipe deveriam servir para

traçar objetivos comuns e organizar o trabalho da equipe, mas reconhecem que a

equipe apresenta dificuldades na comunicação no espaço das reuniões.

“muitos não se posicionam nas reuniões e depois ficam falando pelos

corredores”.

Como consequência, parece ser difícil alcançar “acordos reais” e as combinações

feitas nas reuniões muitas vezes não são colocadas em prática. Os profissionais

sentem desconforto e insatisfação com este tipo de funcionamento.

“cada um trabalha do jeito que quer”

As lideranças comunitárias manifestam suas expectativas sobre o tipo de relação

que desejam que se estabeleça entre a equipe e população e valorizam a “boa

comunicação” e o respeito mútuo. Existem críticas quanto à postura dos

profissionais que, segundo eles, não conseguem interagir adequadamente com os

pacientes e com a comunidade.

“Alguns se comunicam bem, outros nem tanto (...) algumas pessoas têm

desconfianças dos profissionais que ficam trancados lá dentro".

���

���

As lideranças comunitárias percebem diferenças entre os profissionais desta

equipe no que tange ao comprometimento e ao interesse com o trabalho comunitário

e destacam que alguns possuem bom nível de conhecimento sobre “participação

popular” e “trabalho comunitário” e que a relação equipe-comunidade é uma relação

democrática. Consideram também que estas características, vistas como qualidades

desta equipe, diferenciaria esta unidade da maioria das unidades do SSC. Relatam

também que os usuários em geral reconhecem essas qualidades e valorizam o

vínculo que a maioria dos profissionais estabelece com os pacientes.

Quando questionados sobre o planejamento, organização e coordenação do

processo de trabalho, os profissionais reconhecem problemas como:

desorganização da equipe, dificuldade de sistematizar e sintetizar as discussões,

falta de priorização dos problemas, dificuldade de “sair da discussão e ir para a

ação”. A equipe tem tradição em fazer planejamento com a participação da

comunidade e a maior dificuldade parece estar mais relacionada com o

funcionamento cotidiano da unidade de saúde em que é difícil sustentar os

processos a mais longo prazo.

A falta de tempo, a pressão da demanda, as múltiplas atividades, a falta de

estrutura física, de recursos humanos e de equipamentos de informática são

relacionadas pelos profissionais a essas dificuldades que implicam a não

incorporação de ferramentas de trabalho que poderiam efetivamente contribuir para

a melhoria dos resultados e das relações de trabalho. São mencionadas também a

���

���

dificuldade de manter registros confiáveis, monitorar indicadores e fazer avaliações

periódicas do conjunto de atividades desenvolvidas pela equipe.

Estas dificuldades poderiam estar relacionadas à não apropriação por parte da

equipe e da coordenadora da unidade de uma metodologia capaz de integrar a

avaliação, o planejamento e a educação permanente da equipe para facilitar a

coordenação do processo de trabalho, o que constitui um traço da cultura do SSC

em geral: improvisação, “apagar incêndios”, não fazer planejamento global e

estratégico, dificuldade de coordenação dos trabalhos parciais, reuniões sem

objetivos e metodologia claros.

“a gente discute sempre a mesma coisa nas reuniões de equipe”

O registro das atividades realizadas, especialmente nas “ações programáticas” é

reconhecido como importante para possibilitar a avaliação do trabalho e caracteriza

uma diferença entre o que idealiza e o que se consegue fazer. Para além das

dificuldades mais imediatamente percebidas pelos sujeitos é possível perceber

traços da cultura tradicional em saúde – em que o planejamento não é valorizado –

provocando conflitos com as necessidades organizativas trazidas por um novo

modelo de atenção, onde a informação, a avaliação, o planejamento e a educação

permanente são imprescindíveis.

A coordenadora da unidade de saúde, ao ser solicitada a avaliar seu “modo de

gerenciar” ressalta que sua maior qualidade seria a “capacidade de conciliar

diferenças na equipe e com comunidade”.

���

���

“Tenho habilidade para resolver problemas pessoais, deixo todos fazerem sua

catarse e pontuo, de cada um, o que considero aproveitável (...) minha maior

contribuição é a integração com a comunidade”.

Questionada sobre seu “método de gerenciar”, reconhece dificuldades quanto à

organização e caracteriza seu “método” como:

“O ontem revela o hoje e constrói o amanhã. Sempre trabalho com a equipe - o

planejamento não está sistematizado, mas sempre fizemos.

Sobre suas dificuldades como gerente, expressa:

“Lido mal com críticas, tenho medo da rejeição, medo do poder relacionado ao

saber que não domino, mas tento aprender...”

A coordenadora relata também que desejaria “completar a equipe”, pois isso

contribuiria para desestabilizar o poder tradicional e melhorar o ambiente de

trabalho.

“(...) a criatividade vem ao natural, todos produzem”.

Uma alternativa que surge no contexto da discussão sobre a problemática

gerencial na unidade é a proposta de constituição de um “colegiado de gestão”,

embora a equipe ainda não tenha conseguido se debruçar efetivamente sobre ela.

���

���

Alguns entrevistados defendem esta proposta como uma saída para o acúmulo de

atividades que o coordenador da unidade de saúde precisa assumir e que torna o

tempo para as atividades gerenciais sempre insuficiente. Na verdade, a equipe

reconhece que informalmente já existe um compartilhamento de responsabilidades

com o coordenador da unidade, principalmente nas situações e questões mais

difíceis. Segundo um dos entrevistados:

“(...) é muita coisa para uma só pessoa

(...) as pessoas tem de se sentir incluídas no processo, a gente não consegue se

organizar”

A respeito da participação da comunidade no planejamento e na gestão da

unidade de saúde, a coordenadora ressalta:

“Na minha gestão a comunidade entrou para dentro, sempre planejamos com a

comunidade (...). A comunidade deveria apropriar-se mais das coisas do posto”

Ao serem convidados a avaliarem a coordenação do trabalho do posto de saúde,

as lideranças comunitárias valorizam especialmente a relação que a equipe

estabelece com a comunidade local e reconhecem competência e abertura para o

diálogo com a população por parte de todos os profissionais que já coordenaram

esta unidade de saúde. Elogiam especialmente o trabalho da coordenadora na

ocasião da realização desta pesquisa, destacando sua abertura para o diálogo,

acolhimento às demandas da população e respeito à comunidade.

���

���

Aprendi tudo aqui, é muito rico (...) sempre tem acolhimento, uma postura

diferente da prefeitura.

“Conversar com a população é importante

Vivência da ordem interna pelos sujeitos

Há coisas que não conseguimos conversar na equipe, porque as pessoas se

ofendem ... mas a gente se dá super bem

As contradições que surgem nas falas parecem expressar a co-existência de

conflitos e solidariedades nas relações pessoais e de trabalho e, concomitantemente

o desejo de superar formas inadequadas de comunicação, melhorar as relações e o

cotidiano de trabalho.

“Há muita fofoca pelos corredores...”

Os profissionais reconhecem que muitas vezes a comunicação nas reuniões de

equipe “não funciona” como deveria, o que acaba por prejudicar a continuidade dos

projetos, ações e processos que envolvem o trabalho e o comprometimento de

todos.

“Há boicote na equipe, quando alguém não concorda, simplesmente não faz”

“Se um falha atrapalha o trabalho de todos”

���

���

As dificuldades de comunicação, de coordenação do processo de trabalho global

e de alcançar consensos são explicadas pelos profissionais pelo fato de ser uma

“equipe grande” e também da coordenadora não ser médica e ter dificuldades em

lidar com as “coisas da categoria médica”.

Com relação ao grau de autoritarismo/horizontalização das relações existem

diferentes percepções entre os profissionais. Alguns consideram que existem

hierarquias entre as categorias profissionais, onde os médicos estão “no topo”, mas

outros percebem as relações de trabalho “horizontalizadas”. Estas diferentes

percepções poderiam estar relacionadas ao “lugar” que o sujeito ocupa na equipe: a

tendência entre os “não-médicos” é perceber as relações mais hierarquizadas.

Todos reconhecem a existência de diferenças entre os profissionais da equipe

quanto a concepções, modos de proceder e atitudes no trabalho e isso parece

provocar conflitos nas relações de trabalho e pessoais que acarretam dificuldades no

desenvolvimento do trabalho cotidiano. Este aspecto é visto por todos os

entrevistados da equipe como uma das maiores dificuldades da equipe e que vem

acarretando estresse progressivo entre profissionais.

Entretanto, muitos referem que também existem cumplicidade, confiança,

respeito ao outro, troca de saberes e relações horizontais.

“É difícil conviver com as diferenças”.

“A gente briga muito, há conflitos, mas também somos muito amigos”

���

���

A questão da “saúde mental da equipe” é percebida como um problema que vem

piorando e muitos atribuem ao “episódio da intoxicação” que provocou danos à

saúde física e mental dos profissionais, dificultando os relacionamentos pessoais e

de trabalho.

“Os problemas são da equipe ou da intoxicação?”

O estresse é também atribuído ao desgaste de trabalhar com a população, com

tantos problemas e pressão excessiva da demanda. Alguns profissionais pensam

que seria importante o trabalho terapêutico individual e não com toda a equipe.

“Trabalhar com a população não é fácil; (...) as pessoas precisam de

acompanhamento individual, não em grupo”

A co-existência nas relações desta equipe de conflitos e diferenças, mas também

atitudes de colaboração e de solidariedade parece evidenciar o esforço de uma

equipe que se sente comprometida com seu trabalho, que encontra sentido no

trabalho, que deseja incorporar mudanças para adaptar-se melhor a novas

exigências do modelo de atenção preconizado para o SSC e SUS, mas se encontra

em um contexto desfavorável para realizar estas mudanças.

A relação entre os atores na UJI

Desde a origem do SSC existem eleições para a coordenação das unidades,

das residências e do SSC e o espaço das “reuniões de coordenação” visto como

espaço decisório do SSC, o que caracterizaria um estilo “democrático” de gestão. As

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relações entre as equipes e a população é preconizada como princípio do SSC e

está previsto em regimento a formação de Conselhos Locais de Saúde nas doze

unidades. O modo como essas relações efetivamente se dão, entretanto, depende

das possibilidades que cada situação de gestão possibilita.

Na UJI a relação da equipe com a comunidade local se dá em espaços mais

formais, como seminários de integração, assembléias comunitárias, reuniões com a

Associação de Moradores e Conselho Local de Saúde e também no cotidiano, modo

mais informal, em que a equipe vai buscando conciliar as necessidades da

população com as possibilidades da equipe de responder a elas. A intenção

democrática, uma postura respeitosa com a população e a busca de “construção

compartilhada” ficam explícitas no discurso dos profissionais e das lideranças

comunitárias entrevistadas. Esse traço cultural fica claro ao resgatarmos a história

desta unidade de saúde que, em inúmeras oportunidades, possibilitou desenvolver

ricas experiências e projetos de trabalho em conjunto.

As lideranças comunitárias reconhecem o estilo participativo, democrático

e humano do trabalho da equipe e do gerenciamento da UJI e valorizam a história

de parcerias, aprendizagem e crescimento mútuo. Destacam a formação dos

residentes que primaria por desenvolver entre os profissionais uma visão

humanizada da profissão. Uma das entrevistadas destaca o crescimento que

aconteceu através desta relação com a equipe:

���

���

“Às vezes há estranhamento, outras vezes entrosamento entre a equipe e a

comunidade. No início as reuniões eram de queixas, depois aprendemos, houve

crescimento da comunidade... sou fruto desta unidade”.

A mesma entrevistada relata que foi “formada como liderança” na relação com

esta equipe. Considera que todos os profissionais que já ocuparam o cargo de

coordenação da unidade de saúde possuem qualidades positivas, mas destaca as

qualidades especiais da então coordenadora da unidade de saúde:

“a chefe abraça, se comunica, escuta a comunidade, é responsável, positiva,

franca, lutadora, acolhedora e humana (...) na sua ausência as pessoas ficam sem

pai. Ela tem coragem de tomar decisões difíceis quanto aos funcionários, quando é

necessário (...)

Segundo ela, a comunidade “faz críticas para construir” e a visão da

comunidade é diferente da visão da equipe. Para resolver problemas, considera que

seja necessário tanto o conhecimento técnico quanto a pressão organizada da

comunidade e que equipe tem de dar espaço para a comunidade participar.

“Às vezes parece que cada um faz o seu trabalhinho e deu (...) a gente

sempre tem o que melhorar”.

Uma das lideranças comunitárias que integra o Conselho Local de Saúde

valoriza a relação que se estabelece neste espaço entre os profissionais e a

população, ressaltando que “todos podem dar opinião”, que estabelecem metas

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conjuntas e avaliam os resultados. Sua fala parece expressar diferentes concepções

de participação em saúde, tais como “construção compartilhada”, “colaboração”

e “controle” da comunidade sobre o funcionamento do posto de saúde.

“Existem programações conjuntas posto e associação. (...)

“No conselho local, discutimos a marcação de consultas e o cadastramento

(...) a implantação das propostas é mais complicado

"Eles" estavam precisando de nós (...)

“Quando queremos saber o horário dos profissionais, eles respondem”

Apesar dos elogios, a comunidade faz críticas sobre questões administrativas

como a “saída de profissionais para seminários sem substituição”. Como aspectos

negativos do funcionamento do posto, referem os atrasos de alguns profissionais e

as “reuniões, que tem muita discussão e pouca ação”. Falam também de “falta

abertura de alguns profissionais”, mesmo reconhecendo que a maioria deles são

abertos, o problema das “filas” e dos “fora de área”. Apesar disso, parecem

reconhecer a boa vontade da equipe em atender bem a população, apesar das

dificuldades de falta de pessoal.

Os conflitos entre discurso dos profissionais, que valoriza a capacitação para

o trabalho e um cotidiano que dificulta integrar efetivamente o planejamento e a

educação permanente como ferramentas para aprimorar e facilitar o trabalho da

equipe expressa traços culturais relacionados ao modelo tradicional de organização

de serviços de saúde onde o fazer é orientado predominantemente pelo atendimento

das demandas percebidas pela população.

���

���

A Liderança como capacidade de “Socialização dos Sujeitos”

Esta categoria foi definida por nós, em um sentido geral, como o estilo e o

valor dado pela liderança à responsabilização, à capacitação e à aprendizagem

em situação de trabalho. O estudo desta categoria envolveu identificar “indícios e

marcas culturais” relativos aos aspectos propostos por Rivera (2003), que foram

“traduzidos” para o contexto desta investigação, conforme o quadro abaixo:

Aspectos da categoria Socialização dos Sujeitos

Denominação segundo

Rivera (2003)

Denominação para o contexto da pesquisa

Importância da capacitação Importância dada pela liderança à capacitação,

educação continuada e permanente

(formação para o trabalho)

Formas de treinamento e ascensão

predominantes (ajustamento social)

Formas de treinamento para o trabalho e de

ascensão

Enfoques pedagógicos na aprendizagem na

situação de trabalho

Responsabilização:

Nível de formalidade e grau de crença na

prestação de contas;

Concepções valorativas predominantes na

avaliação (o que é um bom produto, um bom

resultado, um bom funcionário);

Percepção dos direitos e deveres das

pessoas e da empresa

Responsabilização:

Nível de formalidade e valorização da

solicitação e prestação de contas

Concepções e valorização de avaliação

Usos da avaliação no processo de trabalho

Percepção sobre direitos e deveres das

pessoas e da instituição

Tipo de liderança dos portadores da

cultura

Análise da especificidade dos fundadores em

relação ao contexto

Análise do tipo de liderança dos “fundadores”

e/ou portadores da cultura – especificidade em

relação ao SSC/GHC/SUS

���

���

Liderança, socialização e importância da capacitação

Comentando sobre este aspecto, a coordenadora da unidade de saúde fala de

dificuldades relacionadas ao papel da coordenação do SSC:

“ a coordenação influencia na equipe, não conseguimos juntar planejamento e

educação permanente (...) sou meio anárquica”.

Percebe seu compromisso como coordenadora de unidade de saúde como o

de “fazer as pessoas participarem sabendo os porquês” e destaca a necessidade

dos profissionais de atenção primária estarem sempre aprendendo, principalmente

com a população. Demonstra orgulhar-se de haver participado da formação de

lideranças comunitárias que iniciaram sua vida participativa na relação com o posto

de saúde e que hoje se destacam em espaços municipais de gestão do SUS:

“As pessoas aprendem aqui a participar na saúde”

Os profissionais, ao serem questionados sobre o modo como costuma

acontecer a capacitação da equipe ressaltam que consideram a educação

continuada muito importante principalmente pela necessidade de preparar os

profissionais que são contratados “sem vivência em APS” e para inserir os

residentes no trabalho da equipe.

Alguns profissionais consideram que “educação continuada com toda a

equipe não existe”, outros dizem que “existe, mas é desorganizada”. Referem que os

temas de educação continuada costumam ser escolhidos a partir de dificuldades

���

���

identificadas pelos profissionais no cotidiano de trabalho e que “aqueles que trazem

o assunto se encarregam de preparar”.

A coordenadora da unidade de saúde reconhece que “na educação

continuada, a equipe está desestruturada”, mas ressalta que em espaços informais

existem as discussões de caso e as interconsultas. A educação continuada da

equipe se dá principalmente em espaços promovidos pelo SSC e SUS e algumas

categorias são desfavorecidas, como os auxiliares de enfermagem, que têm maiores

dificuldades pois quando saem os “outros ficam sobrecarregados”.

A coordenadora lamenta o baixo aproveitamento das reuniões que explica

pela postura de "ouvintes" de muitos integrantes da equipe. Considera que, para

melhorar seria necessário promover “coisas criativas, lúdicas e integrativas” que

tragam novos conhecimentos, promovam a interdisciplinaridade, a cooperação e

ajudem a lidar com as dificuldades nos relacionamentos, tudo ao mesmo tempo.

A dificuldade, entretanto, de conciliar múltiplas demandas e encontrar tempo

para organizar “outras atividades” além do atendimento dos pacientes interfere nas

possibilidades de fazer educação continuada. Um dos profissionais queixa-se da

“descontinuidade da educação continuada e do planejamento” e da falta de um

trabalho para integrar a equipe que solucione os conflitos das relações de trabalho.

”A gente não consegue passar as coisas para os residentes.

“A gente não termina as coisas (...)

“Quando a psicóloga começou a mexer nos calos, a coisa parou”

���

���

A respeito da dinâmica das reuniões de equipe, os profissionais consideram

que existem dificuldades de transpor da discussão para a operacionalização na

prática:

“É difícil redirecionar o trabalho a partir das discussões (...) as pessoas se

desestimulam”.

A dificuldade de articular a educação permanente da equipe com planos de

ação que efetivamente redirecionem o processo de trabalho como um todo parece

resultar de um modo de gerenciar e realizar reuniões de equipe sem apoio em uma

metodologia clara. Entretanto, isso é explicado pelos profissionais e pela

coordenadora em função da “falta de tempo para a organização”, o que é lamentável

já que nesta equipe existem profissionais que dominam metodologias de trabalho

em equipe, trabalho comunitário e planejamento.

A “Responsabilização” na Unidade Jardim Itu

“Só alguns grupos conseguem planejar e avaliar, mas não são discutidos na

equipe, deveriam ser mais socializados”

“Falta interesse e tempo para se apropriar de tudo, a organização das

atividades fica sempre para a última hora”

A existência da residência integrada no SSC vem tensionando as equipes no

sentido da importância de incorporar a avaliação, o planejamento e a educação

���

���

permanente. Mas como fazer essa mudança se estas atividades são vistas como

“algo a mais que se tem de fazer” em um cotidiano de trabalho já sobrecarregados?

Atualmente está sendo implantada uma proposta de avaliação de

desenvolvimento no GHC que teria potencial para revalorizar a avaliação das

equipes e a avaliação individual e começar a romper com o traço cultural tão comum

em todo o sistema de saúde que é a “baixa responsabilização”. Entendemos,

entretanto, que esta proposta teria de ser adaptada criativamente à cultura deste

serviço para que possa superar as dificuldades e resistências inerentes a uma

concepção negativa e a uma visão persecutória de avaliação.

Tipo de liderança dos portadores da cultura

O tipo de coordenação e de condução do trabalho nos parece depender muito da

personalidade da pessoa que ocupa o cargo de coordenador da unidade de saúde e

da influência de outros integrantes da equipe com perfil de liderança, já que não

existe uma metodologia clara incorporada como traço cultural nesta unidade de

saúde. O estilo de liderança da coordenadora na ocasião da coleta de dados da

pesquisa poderia ser caracterizado como participativa, agregadora, aberta e

acolhedora.

“Ela não faz nada sozinha”.

“Ela sempre discute com a equipe, é acolhedora, agregadora, tenta incluir todos”

���

���

Refletindo sobre as características da coordenadora da unidade de saúde, um

dos profissionais considera que o fato de ela ser “tão aberta” levaria a que algumas

pessoas “abusem”. Mas ressalta que, quando isso acontece, “ela puxa a corda”.

Sobre o perfil esperado do coordenador da unidade de saúde surge a idéia de

alguém que “saiba se impor e fazer com que as combinações sejam cumpridas” e

também a capacidade de “resolver conflitos” e problemas nos relacionamentos

pessoais e de trabalho. Reconhecem também a dificuldade de administrar uma

unidade de saúde em uma instituição que não assume como responsabilidade a

capacitação de gerentes.

Uma das entrevistadas da comunidade, reconhece as qualidades da

coordenadora da unidade de saúde como uma “pessoa corajosa para tomar

decisões muitas vezes difíceis” especialmente quando se trata da adequação de

funcionários para o tipo de trabalho desenvolvido neste serviço. Os profissionais

parecem aceitar bem que a coordenadora possa errar, equivocar-se e até mesmo

“cometer suas burradas”, ressaltam que “as pessoas confiam nela” e que isso é

fundamental. Consideram também que a pessoa que ocupa este lugar deva ter um

“conhecimento do macro” e que esta é também uma qualidade da coordenadora.

Estas falas parecem expressar uma expectativa por parte dos profissionais de

poder contar com uma liderança forte e carismática, que saiba mostrar saídas e

alternativas especialmente em situações de crise e dificuldades, na relação interna

da equipe, com a comunidade ou com o contexto institucional. Estas expectativas

representariam traços culturais de estilos de gerência mais tradicional, centralizada e

paternalista, que reforçaria uma tendência à baixa responsabilização, falta de

���

���

autonomia e dependência da equipe em relação à liderança. Neste sentido, a

coesão interna da equipe ficaria excessivamente dependente da presença de

lideranças que possuam essas características pessoais, o que não favoreceria a

promoção da co-responsabilidade em processos efetivamente compartilhados e o

desenvolvimento de maior autonomia dos sujeitos.

Algumas idéias a título de síntese do capítulo

Entendemos que seja importante começar a romper com “ciclos viciosos e

negativos” no funcionamento da equipe e que isso passa por um claro

posicionamento principalmente da pessoa responsável pela coordenação da

unidade de saúde e também de outras lideranças da equipe no sentido de criar

estratégias para a circulação dos saberes e para a criação de novas formas

organizativas. Um dos ciclos que necessita urgentemente ser rompido, não apenas

nesta unidade, tem a ver com uma visão de que “não se planeja por falta de tempo”.

É preciso ter em mente que também “não se tem tempo por falta de planejamento”.

O não rompimento desse ciclo explicaria a dificuldade identificada pela equipe

de “transpor do discurso para a prática”, que provoca muita frustração tanto entre os

profissionais quanto entre a comunidade. Uma concepção de planejamento

associada a enfoques mais normativos de que “primeiro se planeja, depois se faz”,

entra certamente em conflito com o comprometimento dos profissionais de

responder às necessidades e expectativas da população, dos residentes e da

coordenação do SSC. Este tipo de percepção do planejamento poderia também

acarretar distanciamento e disputas entre “os que pensam e os que fazem”, Os

“fazedores” reclamam daqueles que desejam planejar, acusando-os de “não

trabalhar” e os que acreditam na importância de planejar reclamam dos que “fazem

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sem refletir” por impedir e resistir às mudanças que se percebem como necessárias.

Esse discurso parece esconder as reais diferenças entre projetos de saúde e que

acabam sem ser explicitadas, nem enfrentadas, acarretando em perda progressiva

de identidade, de motivação, do “idealismo do início”, e em muitas frustrações na

relação interna da equipe, com a comunidade e com o SSC.

Entendemos que deveria ser promovido nesta unidade e neste serviço um

estilo “comunicativo de liderança”, como defendido por Rivera (2003), que promova a

capacidade de pensar estrategicamente, trabalhar construtivamente com as

diferenças existentes, promover a aprendizagem e sustentar projetos de mudança

organizacional a mais longo prazo. De outro modo, a falta de tempo, resultado da

real sobrecarga de trabalho e da multiplicidade de atividades cotidianas pode

justificar um “ativismo” sem espaço para a reflexão e a criatividade que dificulta o

desenvolvimento de projetos mais compartilhados e legitimados, a renovação

cultural, a superação dos conflitos, maior motivação dos profissionais para o trabalho

e satisfação da população.

O estudo da cultura na UJI constituiu uma rica experiência, pois contribuiu

para aprofundarmos o conhecimento da realidade cultural em que nos construímos.

Apesar de reconhecermos como familiares em outras unidades e espaços do SSC, a

pesquisa, por seu delineamento teórico-metodológico não permite extrapolar

resultados, mas possibilita novas reflexões, proposições e suposições.

O estudo nos leva a supor que a cultura organizacional de cada unidade do

SSC expressaria uma particularidade da cultura organizacional deste serviço,

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apresentando traços comuns ao todo e também traços singulares, conferindo

“identidades” diferenciadas entre as mesmas. Conhecer a própria cultura, com suas

qualidades e possibilidades e suas dificuldades e aceitá-la seria, em nosso

entendimento, o primeiro passo para renová-la e fortalecê-la. Os processos

gerenciais em uma unidade de atenção primária deveria apoiar-se em “ferramentas

gerencias” com potencial de trabalhar com a cultura entendida como recurso a ser

mobilizado em processos de mudança, o que significa cuidar concomitante da

“cultura técnica”, da “cultura gerencial” e da “socialização dos sujeitos”, pois estas

três categorias encontram-se intimamente interligadas.

4 PROPOSIÇÃO METODOLÓGICA PARA A COORDENAÇÃO DO PROCESSO

DE TRABALHO EM UNIDADES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA DO SUS

A partir deste estudo da cultura em uma das unidades do SSC e da

reflexão sobre o papel estratégico a ser assumido pelos serviços de atenção

primária no SUS em um contexto cultural ainda marcado pela influência do

paradigma flexneriano e modelo médico-assistencial privatista, identificamos traços

culturais positivos e possibilidades, mas também muitas dificuldades que necessitam

ser superadas. A cultura é processo contraditório, por um lado, ela tende a

reproduzir a tradição, por outro, possuiria potencial para a auto-renovação, já que se

constitui na história em processos intersubjetivos que buscam consensos para o

enfrentamento de problemas.

A cultura muda, mas é necessário apoiar e “direcionar” a renovação

cultural e organizacional e, neste sentido, os processos gerenciais nas unidades de

atenção primária devem apoiar-se em metodologias que contribuam efetivamente

para lidar com a dupla dimensão do processo de trabalho em saúde (finalidade e

interação) e com a complexidade do contexto em que nos encontramos.

A proposta metodológica aqui apresentada oferece subsídios para um

trabalho com as problemáticas culturais e organizacionais inerentes aos serviços de

atenção primária no contexto do SUS, do qual o SSC faz parte. É preciso ter

presente entretanto que, ao elaboramos uma síntese, sempre perdemos em riqueza

de conteúdo, mas consideramos importante oferecer uma “olhar global e

abrangente” da mesma a fim de facilitar a sua apreensão por parte dos profissionais

��

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de atenção primária. Nossa intenção foi de não apenas os gerentes ou

coordenadores das unidades de atenção primária, mas todos os profissionais

possam apoiar-se em uma metodologia que opera simultaneamente com a produção

de ações de saúde, respondendo às necessidades de saúde da população, quanto

com a constituição de sujeitos mais críticos, criativos e comprometidos com os

processos de mudança.

Através desta proposta metodológica procuramos responder a problemáticas

como: como promover a participação de todos os integrantes da equipe no

planejamento e avaliação das ações? como lidar com as diferenças de saber e de

poder existentes na equipe? como melhorar as relações pessoais e de trabalho na

equipe? como alcançar consensos a partir das diferenças entre os integrantes da

equipe? como articular a tomada de decisão e a condução do processo de trabalho

para alcançar resultados com a educação permanente da equipe? como aumentar o

comprometimento individual e coletivo da equipe com as propostas de ação

definidas no planejamento? ...

A metodologia, por motivos didáticos será apresentada através de itens, com

a ressalva que os diferentes “momentos” podem acontecer simultaneamente.

��O primeiro momento seria construir um projeto para a Unidade de saúde, o

que significa definir claramente como a equipe pretende trabalhar naquele

território, com aquela população e que resultados pretende alcançar a médio

e longo prazo. É importante que desde o início seja discutida uma “visão

compartilhada” e definidas "imagens-objetivo", o que permitirá nortear a

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priorização de problemas e a definição das ações a serem desenvolvidas. Da

construção deste projeto devem participar a equipe e a comunidade.

��Construir este projeto e a “visão compartilhada” pressupõe, em primeiro lugar, ter

claros os princípios orientadores do SUS e da APS e, a seguir, conhecer a

“situação”, isto é, a população, a realidade em que esta vive e sua situação de

saúde. Existem diferentes métodos e técnicas que ajudam a conhecer a

realidade, o fundamental é que os sujeitos interessados (equipe e população)

devem reunir, coletar e interpretar coletivamente as informações.

��Uma “visão compartilhada” é ...

��A partir do conhecimento da realidade desencadear um processo de

planejamento, produzir um plano de ação com objetivos a serem alcançados no

curto e médio prazo, visando a "aproximação à imagem-objetivo" e concretização

da visão compartilhada.

��O plano de ação orienta as ações do gerente na condução do processo de

trabalho de sua equipe. Conduzir o processo de trabalho significa acompanhar,

avaliar, e redefinir permanentemente, junto com a equipe e a comunidade, as

ações e atividades previstas, dentro dos prazos combinados.

��Para desencadear este processo é fundamental fazer uma agenda que organize

as reuniões de equipe e com a comunidade e garantir o tempo necessário para

fazer avaliação, planejamento, educação permanente com a equipe e trabalhar

junto com a comunidade local.

��As reuniões de avaliação encaminham para a revisão dos objetivos, metas e

processos, sempre que necessário; desse modo o planejamento é incorporado

no cotidiano de trabalho da unidade de saúde.

��

��

��A avaliação e o planejamento, se conduzidos com uma perspectiva reflexiva e

criativa tornam-se educação permanente articulada ao fazer cotidiano; a prática

estará sendo reconstruída permanentemente através do diálogo e da

problematização

��Esta dinâmica constitui um processo de educação permanente que tem o

cotidiano e a prática como fonte da reflexão e da identificação dos problemas e

temas que necessitam ser trabalhados visando a socialização e capacitação dos

sujeitos no trabalho.

��O gerente deve aprender a delegar responsabilidades e promover um

"gerenciamento compartilhado do plano de ação".

��É fundamental que o gerente atente para as questões subjetivas e individuais e

às relações interpessoais na equipe. Conciliar as necessidades subjetivas e os

desejos individuais com a construção de um trabalho coletivo é fundamental

para garantir legitimidade aos processos de mudança organizacional.

��Saber ouvir e ser sensível às demandas da equipe e individuais é fundamental.

Promover e estimular a expressão autêntica dos profissionais e da população é

um caminho difícil, mas gratificante. Ajudar os mais calados a se expressarem,

mostrando que a opinião de todos é fundamental na construção coletiva, pode

contribuir na resolução de conflitos

��Os conflitos são inerentes, mas precisam ser superados para que se constituam

relações mais saudáveis e construtivas; isso faz com que as pessoas se sintam

parte de um projeto coletivo, encontrem mais sentido no trabalho e possam

comprometer-se com ele.

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Através desta estratégia pensamos ser possível articular a avaliação, o

planejamento e a educação permanente e construir projetos de saúde mais

legitimados entre os sujeitos.

A seguir apresentamos alguns aspectos que necessitam ser garantidos para

viabilizar a coordenação de processos de trabalho com esta perspectiva.

Todas as reuniões, especialmente as de avaliação, planejamento e educação

permanente - com a equipe e com a comunidade - necessitam ser planejadas e

preparadas com antecedência. Os objetivos devem ficar muito claros, tanto para

quem coordena, quanto para quem participa; a dinâmica e as técnicas empregadas

deverão favorecer o alcance dos objetivos.

As reuniões devem ter três momentos: a) explicitação dos objetivos; b)

desenvolvimento das discussões de modo organizado, seguindo a dinâmica

planejada; c) síntese, destacando as conclusões e encaminhamentos.

Os objetivos, as sínteses e os encaminhamentos necessitam ficar muito claros e

ser registrados adequadamente. Os registros necessitam ser guardados em local a

que todos tenham acesso. É importante que a equipe e a comunidade tenham

retornos e sínteses das discussões realizadas e encaminhamentos, pois este é o

"produto" da reunião de equipe ou com a comunidade. Estas sínteses precisam ser

divulgadas, para que todos se apropriem do processo.

As reuniões necessitam ter dinâmicas que favoreçam a participação de todos os

envolvidos. Perguntar diretamente a opinião dos "calados" é uma forma de mostrar

��

��

interesse pela opinião de todos. Um formato geral que facilita a participação e a

negociação das diferenças na busca de consensos é o que segue:

Momento individual � Pequenos Grupos � Momento em Grande Grupo

� �

O momento individual é o de posicionamento de cada um, através de seu

saber, suas opções e sua subjetividade, contribuindo para uma construção coletiva,

colaborativa e solidária. Este é o espaço em que criamos consciência e

incorporamos os conhecimentos necessários à discussão nos pequenos grupos.

O momento de pequenos grupos é o momento de seleção, organização,

esclarecimento e troca de idéias; é o momento da decisão quanto aos rumos, mérito

e conteúdo das propostas. É o momento de problematizar, questionar, negociar,

explicitar as diferenças e buscar os acordos possíveis.

O momento de grande grupo (com toda a equipe) é o momento em que

buscamos a totalização e a organização das propostas e re-encaminhamos

métodos, técnicas e processos, se necessário. É o espaço onde cada pequeno

grupo apresenta a sua contribuição, a fim de que novas sessões de pequenos

grupos ou individuais possam valer-se de toda a riqueza que aí aparece.

As reuniões devem ser coordenadas pelo gerente ou coordenador da unidade

de saúde, mas este pode solicitar que outros integrantes da equipe se envolvam na

��

��

preparação, coordenação e sistematização das reuniões. O gerente não precisa

fazer tudo, mas deve “integrar as partes e buscar a unidade do todo”.

Coordenar reuniões de trabalho com a equipe ou com a comunidade pressupõe:

a) Conduzir o grupo na busca dos objetivos propostos; b) Ter método e flexibilidade;

c) Dominar e ter uma posição clara sobre o tema; d) Integrar e animar o grupo; e)

Desencadear e propiciar a participação de todos; f) Saber perguntar, o que

perguntar e quando perguntar; g) Explorar as causas e buscar relações não-visíveis

a um primeiro olhar; h) Saber opinar, saber calar, saber ouvir; i) Ser um "parceiro" na

construção de um projeto comum; j) Garantir o registro do processo e a avaliação

(ALFORJA,1993)

É importante ter clareza sobre as possibilidades e limitações do emprego de

técnicas e dinâmicas de grupo no trabalho com a equipe. Elas facilitam a

participação, a reflexão coletiva, a construção do conhecimento e a definição de

propostas de trabalho de consenso. São importantes especialmente quando se trata

de grupos com conhecimentos e experiências muito diferentes, como é o caso de

uma equipe de atenção primária. Existem muitos livros que tratam do assunto e é

importante que elas sejam utilizadas com critérios claros.

��Elas favorecem a criação coletiva do conhecimento

��Ajudam a construir propostas de trabalho de consenso

��São ferramentas que devem ser utilizadas dentro de um processo mais

amplo de ação e formação: por si mesmas não têm caráter pedagógico

��Ao escolher uma técnica, é importante ter claro que objetivos desejamos

alcançar e conhecer as suas possibilidades e limitações

��

��

��Para empregar uma técnica é preciso conhecê-la bem, saber utilizá-la no

momento oportuno e saber conduzi-la.

��Elas devem ser utilizadas com criatividade

O campo da saúde é um espaço de conflitos, diferenças e contradições.

Quando trabalhamos em unidades de atenção primária do SUS, identificamos

diferentes formas de agir e de pensar que expressam este contexto contraditório.

Vale lembrar, entretanto, que também neste contexto existem objetivos comuns,

onde os mais fundamentais são a construção de um sistema de saúde mais justo e

eqüitativo, a melhoria das condições de saúde da população e a realização dos

trabalhadores de saúde através de seu trabalho.

Esta tarefa coletiva necessita da contribuição de todos e gerente da unidade

de saúde deve assumir seu papel de facilitador na realização de um projeto

coletivamente construído. É preciso ter em mente que as organizações de saúde são

construções coletivas, sociais e históricas, culturais e, portanto, concretizam-se

através do trabalho cotidiano das equipes de saúde em sua relação com a

população.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES

Implementar projetos informados na promoção e vigilância da saúde no

espaço de serviços de atenção primária pressupõe identificar as necessidades de

saúde da população dos territórios-área de abrangência, priorizar os grupos

populacionais mais vulneráveis, trabalhar com problemas complexos, organizar

processos de trabalho coletivos com abordagens interdisciplinares e estratégias

intersetoriais, trabalhar em conjunto com a população, monitorar e avaliar

permanentemente as ações e atividades desenvolvidas. Isto pressupõe assumir a

coordenação do processo de trabalho com uma racionalidade ampliada, isto é,

articular dimensões estratégicas com dimensões comunicativas, apoiando-se na

cultura para renovar a cultura e, assim, viabilizar as mudanças que se fazem

necessárias na unidade de saúde, entendida como uma organização complexa.

Vários traços da cultura estudada nos pareceram familiares, o que confirma

nossa suposição inicial de que uma unidade do SSC poderia ser tomada como uma

“parte representativa do todo” no sentido do pensamento complexo, isto é, a “parte

manifesta e contém o todo”. O delineamento teórico-metodológico desta pesquisa

não nos permite generalizar os resultados, mas sim aprofundar nossa capacidade de

reflexão sobre a realidade em que nos situamos e fazer proposições para trabalhar

com as problemáticas encontradas neste contexto.

Na cultura estudada chama a atenção a coexistência de traços culturais

informados em diferentes modelos de atenção, o que interpretamos como

expressão das mudanças que foram acontecendo ao longo da história do SSC,

influenciadas pelo contexto institucional e social, ainda não consolidadas em uma

���

���

identidade mais compartilhada. A influência da versão inglesa da APS e da

residência médica (o serviço surgiu para viabilizar um programa de residência

médica) na origem deste serviço teria criado uma cultura técnica, gerencial e de

socialização dos sujeitos centrada no trabalho médico, mas isso vem mudando:

"No início, quem mandava era o médico, hoje, este poder parece estar

relativizado, pois outras categorias também assumem postos de coordenação. (...)

Há lutas pelo poder”.

Segundo um dos entrevistados, o poder médico é hoje “mais velado”, mas muitos

profissionais ainda pensam que as equipes e o SSC deveria ser “comandada pelos

médicos” e ressalta que muitos residentes médicos ainda são formados com esta

visão. Isso caracterizaria uma contradição em relação ao discurso da promoção e

vigilância da saúde e os princípios do SUS e esta é, em nossa opinião, a justificativa

para a necessidade de mudanças, no sentido de maior adaptação ao sistema de

saúde.

Caracterizar a cultura organizacional da UJI como um “conjunto de referências

compartilhadas” nos pareceu uma tarefa difícil, já que o que nos chamou a atenção

foi a coexistência de traços culturais contraditórios, que interpretamos como

“marcas” ou “indícios” de uma cultura técnica e de gerencial em processo de

mudança.

A existência contradições é natural neste contexto e não deve ser vista como

algo negativo, pois possibilitaria um futuro aberto a várias possibilidades, cuja

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direcionalidade dependerá também do protagonismo que os sujeitos puderem

assumir. A mudança poderia, assim, ser fruto de um trabalho produtivo a partir das

contradições, através de abordagens que valorizem e se apóiem nas qualidades

positivas desta cultura buscando renová-la e adequá-la às necessidades de um

contexto em permanente mudança. As diferenças e os conflitos delas decorrentes

são inerentes, mas se perduram por tempo demasiado sem soluções podem ser

bastante destrutivos, fragilizando a cultura, os sujeitos, as relações intersubjetivas e

inviabilizando os projetos de saúde.

A cultura organizacional nesta unidade de saúde apresentar traços em comum

com outras unidades do SSC, mas também traços próprios e singulares, constituídos

nas relações intersubjetivas desta equipe com esta comunidade e com outros atores

sociais do contexto institucional e social em que se situam. A pesquisa reforça nossa

suposição inicial de que existiriam na cultura de uma atenção de atenção primária

indícios de um simbolismo associado a novos paradigmas e modelos de atenção,

mas igualmente traços do simbolismo das formas mais tradicionais de trabalho e

organização de serviços de saúde.

Reconhecemos a riqueza e a singularidade cultural desta unidade de saúde,

seus traços positivos como capacidade criativa, reflexiva, de trabalho construído em

parceria com a comunidade, ludicidade, comprometimento com a população, entre

muitos outros. Entendemos que estes traços necessitam ser reforçados através de

um processo gerencial que efetivamente conduza o processo de trabalho global

visando a consolidação e renovação permanente do seu projeto de saúde.

���

���

Entendemos que a cultura desta unidade de saúde expressa a complexidade do

desafio que o SSC necessita enfrentar no contexto do desenvolvimento do SUS. A

particularidade da história e das influências recebidas constitui uma simbologia

singular que possui muitas qualidades, mas também problemas a serem superados.

Entre as primeiras destacamos o sentimento de orgulho por trabalhar neste serviço,

a capacidade de estabelecer vínculos importantes com indivíduos e famílias, o

comprometimento dos profissionais com a atenção à saúde da população e com a

formação de profissionais de saúde, o desejo de aprimoramento, capacidade

reflexiva e criativa.

Entre os desafios e dificuldades destacamos a problemática da comunicação

que, em nosso modo de ver, necessita ser melhor trabalhada e desenvolvida. As

dificuldades de lidar construtivamente com as diferenças no cotidiano refletem talvez

divergências mais profundas que não são suficientemente explicitadas. Isso

explicaria as resistências em aceitar metodologias de trabalho comunicativa em que

é necessário explicitar as diferenças para poder negociá-las e buscar consensos?

Talvez.

Novos traços culturais parecem estar surgindo no SSC a partir de movimentos

internos das equipes, grupos de trabalho, colegiado de coordenação e dos

tensionamentos político-institucionais e comunidades. Um “sintoma” da cultura em

processo de mudança no SSC tem sido percebido como um distanciamento entre

ensino e serviço, isto é, diferenças entre o método empregado na formação dos

residentes e as formas de trabalhar das equipes.

���

���

O SSC vem se construindo há mais de 20 anos em contextos institucionais

muitas vezes desfavoráveis e mesmo assim tem contribuído no desenvolvimento do

SUS, dentro dos limites e possibilidades de sua cultura e organização peculiar. A

cultura apresenta possibilidades de renovação, sim, mas também resistências ao

novo e uma tendência à reprodução do tradicional. Entendemos que a identidade

do SSC necessita ser renovada e que isso seria fundamental para definir e

implementar um projeto que legitime e fortaleça o SSC no contexto do SUS,

reforçando as reconhecidas qualidades, mas trabalhando com as dificuldades para

desenvolver seu potencial.

A problemática cultural ainda nos parece em segundo plano, “esquecida”,

desvalorizada, como se, ao negá-la, pudéssemos nos livrar da responsabilidade de

nos ocuparmos dela e das dificuldades que ela nos traz. Por outro lado, ao

deixarmos a cultura de lado, corremos o risco de que ela atue como um “fantasma”

que impede a realização das possibilidades que cada organização apresenta.

A implementação mais efetiva do projeto do SUS pressupõe um olhar atento e

estratégias de intervenção efetivas nos serviços de atenção primária, no que se

refere à sua direcionalidade, governabilidade e socialização dos sujeitos, pois

cada uma dessas categorias da cultura organizacional tem influência sobre o

desenvolvimento das demais e constituem recursos que necessitam ser mobilizados

em projetos de mudança sistêmicos e complexos, como é o caso do SUS. A

imagem-objetivo do projeto do SUS é contraditória com relação ao simbolismo

cultural mais tradicional do setor saúde e, por isso, urge enfrentar efetivamente as

���

���

problemáticas culturais presentes neste contexto, especialmente em serviços de

atenção primária, considerados estratégicos neste processo.

Acreditamos no potencial construtivo do trabalho com a cultura em contextos de

mudança através de ferramentas gerenciais apropriadas. A possibilidade de

perceber, compreender e aceitar a própria cultura, com suas qualidades e

dificuldades representa um primeiro movimento que facilita o trabalho com a cultura.

Os atores sociais com poder político e administrativo necessitam criar as condições

de viabilidade para esses movimentos, investindo na formação permanente de

gestores e de equipes de saúde para que estes possam apropriar-se de

ferramentas gerenciais que integrem avaliação, planejamento e educação

permanente a partir de problemas, em contextos de complexidade.

A promoção de processos de avaliação e planejamento entendidos como

“apredizagem permanente em situação de trabalho” seria uma estratégia

facilitadoras da renovação cultural, se apoiados em metodologias que respeitem a

cultura presente para construir compartilhadamente os futuros desejados e, portanto,

renovar a cultura.

Este estudo trouxe um pouco mais de “luz” na compreensão do cotidiano em que

nos situamos como profissional e para refletirmos sobre as possibilidades de

concretizar um projeto informado na promoção e vigilância da saúde no contexto do

SSC. Reconhecemos a necessidade de respeitar profundamente cada traço cultural

como uma “marca” da história que nos construiu do modo como somos hoje, com

���

���

nossas qualidades, possibilidades, limitações e desafios. Mas entendemos que é

preciso renovar a cultura e a identidade deste serviço.

O desafio de todos aqueles que se sentem comprometidos com a reforma da

saúde no Brasil é 'transitar por territórios ainda por construir', onde a incerteza, a

complexidade, o desconhecido e o risco permanente estão presentes. Se os

gerentes apropriarem-se de metodologias e ferramentas que potencializem e

qualifiquem a interação comunicativa, a aprendizagem, a reconstrução permanente

das práticas e conhecimentos, poderá desempenhar-se com maiores chances de

sucesso neste contexto.

Mudanças culturais são sempre lentas e difíceis, mas condição indispensável

do desenvolvimento organizacional e sistêmico. Cultura se muda a partir de dentro,

no cotidiano, em processos de aprendizagem articulados integrada à avaliação, ao

planejamento e à gestão.

Sugestões para a equipe da Unidade Jardim Itu

- Instituir o “GT” para apoiar a coordenação da unidade e “administrar o tempo”

considerando as prioridades do processo de trabalho;

- Usar o conhecimento disponível na equipe e no SSC para aprimorar o processo

de trabalho e gerencial

�� Apoiar-se em metodologias que fortaleçam: o respeito às diferenças, a

comunicação, o diálogo e a busca de consensos, a construção de uma “visão

compartilhada de futuro”, o trabalho colaborativo e organizado, a aprendizagem a

partir de problemas; o planejamento articulado com a educação permanente; a

���

���

organização do presente e o planejamento do futuro; o trabalho com “agendas”; a

sistematização do produto das discussões, fazer planos de ação, promover a

avaliação no cotidiano, apoiar-se nas reflexões e na criatividade.

- Acreditem e não desistam, vocês estão criando o caminho ...

- A metodologia sistematizada nesta pesquisa pode facilitar o enfrentamento das

dificuldades e revalorizar as qualidades da cultura da UJI

- Incorporar novas metodologias não deve significar o acrescentamento de “mais

uma demanda” no já atribulado cotidiano e, sim, apoiar-se nela para “reorganizar

o todo”

- Valorizem o que já construíram nesta história e enfrentem as dificuldades

- Decidam juntos o que é necessário mudar e tenham coragem: o esforço vale a

pena!

Sugestões para o SSC

- Trabalhar com “agendas integradoras” como estratégia para superar a

fragmentação entre o trabalho das equipes, o programa das residências e o trabalho

do colegiado de coordenação do SSC

- Redefinir um projeto global para o SSC, buscando uma “visão compartilhada de

futuro”, definindo missão e uma estratégia global

- Fazer planejamento global articulado com planejamento setorial de modo

continuado e articulado com uma estratégia de educação permanente no colegiado

de coordenação, nas equipes e nos núcleos (categorias profissionais)

- Transformar as reuniões do colegiado de coordenação em “oficinas de

planejamento e educação permanente” com orientação no projeto do SSC

���

���

- Prever estratégias para a apropriação e uso com criatividade da metodologia

gerencial sistematizada neste projeto de pesquisa pelos coordenadores das

unidades, equipes e residentes, como forma de facilitar os processos de trabalho e

gerenciamento tendo a renovação cultural e organizacional como perspectiva.

���

���

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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��

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��

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em ciências sociais. Idéias gerais para a elaboração de um projeto de

pesquisa. Cadernos de Pesquisa Ritter dos Reis. Vol. IV, 2001.

APÊNDICE 1: INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

ENTREVISTA COM GERENTES

ENTREVISTADO:

DATA:

QUESTÕES ORIENTADORAS

1. Desde quando estás na coordenação (da Unidade, do SSC)? Trabalhas também

em outros lugares, além daqui? Poderias me falar um pouco sobre tua

caminhada profissional, isto é, sobre como foi tua formação, as opções que foste

fazendo, as motivações principais, tuas experiências profissionais, enfim, como

foste te construindo como profissional e como pessoa.

2. Como esta caminhada profissional foi influenciando o trabalho que desenvolves

aqui? Tua formação foi suficiente para o trabalho que desenvolves aqui? Que

aspectos do teu trabalho mais valorizas? Que aspectos são mais difíceis para ti?

3. Poderias descrever um dia típico de trabalho, desde o momento em que chegas

até o momento em que vais para casa?

4. Na tua forma de ver, quais são as principais finalidades do SSC? E do GHC? E

do SUS? E do trabalho da/s equipe/s? Que princípios, idéias, valores são mais

marcantes no trabalho desta equipe/SSC? Percebes diferenças entre grupos na

forma de conceber e desenvolver o trabalho? Quais diferenças?

5. Como percebes e avalias o trabalho de tua equipe? Quais são suas maiores

qualidades e quais suas principais dificuldades? Existem diferenças entre

grupos? Quais?

6. Como descreverias o “teu jeito” de gerenciar/coordenar o trabalho nesta

Unidade/serviço? Como se dá a tomada de decisão nesta Unidade? E no SSC?

��

��

Como avalias teu trabalho como gerente? Quais são, em tua opinião, os

principais avanços alcançados em tua gestão? Que tipo de dificuldades vens

encontrando? Como interpretas estas dificuldades? Se fosses gerente do

SSC/GHC, que tipo de atitudes tomarias para melhorar os processos de trabalho

das equipes?

7. Como percebes a relação entre o trabalho realizado nesta Unidade e a história

do SSC? Qual a sua principal contribuição para o SSC e para o SUS? Como

interpretas as mudanças que foram acontecendo na história do SSC e desta

equipe?

8. São desenvolvidas atividades de capacitação e educação continuada com a

equipe? Como se definem os temas? Quem organiza e coordena estas

atividades? Como descreverias as metodologias empregadas? Como avalias

estas atividades? O que necessita ser melhorado para promover o

desenvolvimento da tua equipe?

9. A equipe costuma avaliar o trabalho desenvolvido? Costuma planejar? Que

metodologias são empregadas? Como avalias estas atividades? Em que medida

estes processos influenciam o trabalho da equipe? O que necessita ser

melhorado para promover o desenvolvimento da tua equipe?

10. Que tipo de apoio consideras importante obter do SSC para melhorar o trabalho

da equipe em seu processo e resultados?

ENTREVISTA COM PROFISSIONAIS

ENTREVISTADO:

DATA:

QUESTÕES ORIENTADORAS

��

��

1. Desde quando trabalhas nesta Unidade? E no SSC? Trabalhas também em

outros lugares, além daqui? Poderias me falar um pouco sobre tua caminhada

profissional, isto é, sobre tua formação, motivações principais, as opções que

foste fazendo, outras experiências profissionais, enfim, como foste te construindo

profissionalmente e como cidadão/ã.

2. Tua formação profissional foi suficiente para o trabalho que desenvolves? Que

aspectos do trabalho que desenvolves aqui mais gostas? Que aspectos te

desagradam?

3. Poderias descrever um dia típico de teu trabalho, desde o momento em que

chegas até o momento em que vais para casa?

4. Quais são, na tua opinião, as finalidades deste serviço? do GHC? Do SUS? E as

finalidades do trabalho desta equipe? Que princípios orientam a organização das

práticas de saúde nesta Unidade?

5. Como percebes o trabalho de tua equipe? Quais são suas qualidades e

dificuldades?

6. Como descreverias o “jeito” da atual chefia de coordenar o trabalho nesta

Unidade? Como costuma se dar a tomada de decisão? Quais são, em tua

opinião, os principais avanços alcançados nesta gestão? E em gestões

anteriores? Quais são suas principais dificuldades? Que tipo de atitude tomarias,

se fosses chefe da Unidade, para melhorar o processo de trabalho na Unidade?

7. Como percebes a relação entre o trabalho desta Unidade e o projeto do SSC ao

longo da história? E com o projeto do SUS? Como interpretas as mudanças que

foram acontecendo?

8. São desenvolvidas atividades de capacitação e educação continuada com a

equipe? Como são definidos os temas? Quem organiza e coordena estas

��

��

atividades? Como descreverias as metodologias empregadas? Qual a tua

avaliação sobre estas atividades?

9. A equipe costuma avaliar o trabalho que desenvolve? Costuma planejar as

atividades a serem desenvolvidas? Que metodologias são empregadas? Como

avalias estas atividades? Em que medida estes processos influenciam o trabalho

da equipe?

10. Em tua opinião, que tipo de apoio esta equipe necessitaria a fim de melhorar o

processo de trabalho e seus resultados no que se refere à saúde da população?

ENTREVISTA COM A COMUNIDADE

ENTREVISTADO:

DATA:

QUESTÕES ORIENTADORAS

1. Desde quando és morador desta comunidade? Poderias contar um pouco de sua

vida, sua família, interesses e motivações principais, as opções que foi fazendo, as

experiências profissionais e de vida, enfim, como você foi se tornando a pessoa que

é hoje.

2.Desde quando você utiliza o posto de saúde? Como tem sido sua participação na

comunidade? E no posto? Que aspectos do trabalho desta Unidade você mais

valoriza? Que aspectos desagradam-no?

3.Poderia falar um pouco sobre como acontece quando você vem ao posto de

saúde? Por e motivos costuma procurar o posto, como é a recepção da equipe,

como costumam resolver seus problemas (ou não)

4.Quais são, na sua opinião, as finalidades do trabalho nesta Unidade de Saúde?

Que princípios orientam a organização do trabalho nesta Unidade?

��

��

5.Como você avalia o trabalho realizado pela equipe? Quais são suas maiores

qualidades? E suas dificuldades?

6. Como você descreveria o “jeito” da atual chefia da Unidade de administrar o posto

de saúde e coordenar o trabalho? Como são decididas as coisas - o que fazer e

como fazer a atenção à saúde da população? Como você percebe a participação da

equipe nas decisões? E a participação da população? Quais são, em sua opinião, os

principais avanços alcançados por esta gestão? E nas gestões anteriores? Quais

são as principais dificuldades? Que tipo de atitude você tomaria, se fosse chefe da

Unidade, para melhorar o trabalho da equipe e os serviços prestados à população?

7. Como você percebe a relação deste serviço com o SUS? Como interpreta as

mudanças que foram acontecendo ao longo do tempo?

8. O que você conhece sobre os serviços e atividades que a equipe desenvolve? De

quais atividades você participa? Como avalia o trabalho desenvolvido pela equipe?

9. A equipe costuma avaliar o trabalho que desenvolve? A comunidade costuma

participar das avaliações e do planejamento? Em que medida estes processos

influenciam o trabalho da Unidade? Quais as vantagens e dificuldades deste

trabalho conjunto?

10. Em tua opinião, que tipo de apoio esta Unidade e equipe necessitaria para que

possa melhor responder às necessidades de saúde da população?

ROTEIRO DAS OBSERVAÇÕES

REUNIÕES DE EQUIPE

ASPECTOS FORMAIS E METODOLÓGICOS

Quais são os objetivos da reunião observada? Em que contexto ela se insere?

Como e quem definiu a pauta da mesma? Quem coordena a reunião? Existe um

��

��

método claro na condução da reunião? Qual? Existe um método claro na

coordenação da reunião? Qual? A reunião foi planejada, preparada? Existem

registros adequados e acessíveis à equipe? Existe devolução dos resultados da

discussão aos participantes? São utilizados materiais de apoio didático para

subsidiar e facilitar o processo de discussão? O material parece adequado?

Contribui para a dinâmica da reunião?

O PROCESSO INTERSUBJETIVO:

Como as pessoas expressam suas idéias? A metodologia e linguagem favorecem a

compreensão dos assuntos tratados por toda a equipe? Como são trabalhadas as

diferenças e conflitos de opinião? Existe diálogo? Existe questionamento e

problematização dos temas? As pessoas parecem ouvir umas às outras e aprender

em umas com as outras? Parecem abrir-se para novas formas de perceber, pensar e

fazer como decorrência da interação na equipe? Como é a postura dos participantes

em relação aos colegas? Como parecem ser as relações pessoais? Como parecem

ser as relações entre as categorias profissionais? E da equipe em relação à gerente

da Unidade? Que tipos de questões são problematizadas (técnicas, normativas,

subjetivas)? Como se dá o processo de tomada de decisão? Existe um “projeto de

saúde construído de modo compartilhado?”

A LIDERANÇA:

Como o coordenador conduz a reunião? Em que momentos oferece sua opinião?

Contribui para que o grupo alcance os objetivos propostos? Sabe desencadear e

estimular a participação de todos? Como faz? Sabe promover e desencadear o

diálogo? Como faz? Como é sua postura em relação à equipe? Respeita as opiniões

de todos? Como lida com as opiniões diferentes das suas? Como lida com os

conflitos e diferenças de opinião? Consegue fazer sínteses adequadamente? Ajuda

��

��

o grupo a aprofundar criticamente a discussão? Sua linguagem parece ser bem

compreendida por todos? Promove a reflexão crítica sobre os temas? Faz conexões

com outros temas ou com temas mais gerais?

ROTEIRO DAS OBSERVAÇÕES

REUNIÕES COM A POPULAÇÃO

ASPECTOS FORMAIS/METODOLÓGICOS

Quais são os objetivos da reunião observada? Em que contexto ela se insere?

Como e quem definiu a pauta da mesma? Quem coordena a reunião? Existe um

método claro na condução da reunião? Qual? Existe um método claro na

coordenação da reunião? Qual? A reunião foi planejada, preparada? Existem

registros adequados e acessíveis aos participantes? Existe devolução dos

resultados da discussão aos participantes? São utilizados materiais de apoio

didático para subsidiar e facilitar o processo de discussão? O material parece

adequado? Contribui na dinâmica da reunião?

O PROCESSO INTERSUBJETIVO:

Como as pessoas expressam suas idéias? A metodologia e linguagem favorecem a

compreensão dos assuntos tratados por todos – profissionais e população? Como

são trabalhadas as diferenças e conflitos de opinião? Existe diálogo? Existe

questionamento e problematização dos temas? As pessoas parecem ouvir umas às

outras e aprender umas com as outras? Parecem abrir-se para novas formas de

perceber, pensar e fazer como decorrência desta interação? Como é a postura dos

profissionais em relação à população? E desta em relação aos profissionais? Como

parecem ser as relações interpessoais? Como parecem ser as relações entre os

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profissionais? Aparecem relações de poder entre pessoas e grupos da comunidade?

Que tipos de questões são problematizadas (técnicas, normativas, subjetivas)?

Como se dá o processo de tomada de decisão? Existe um “projeto de saúde

compartilhado”?

A LIDERANÇA:

Como o coordenador conduz a reunião? Em que momentos oferece sua opinião?

Contribui para que o grupo como um todo alcance os objetivos propostos? Sabe

desencadear e estimular a participação de todos? Como faz? Sabe promover e

desencadear o diálogo? Como faz? Como é sua postura em relação aos

profissionais e à população? Respeita as opiniões de todos? Como lida com

opiniões diferentes das suas? Como lida com os conflitos e diferenças de opinião?

Consegue fazer sínteses adequadamente? Ajuda o grupo a aprofundar criticamente

a discussão? Sua linguagem parece ser bem compreendida por todos? Promove a

reflexão crítica sobre os temas? Faz conexões com outros temas ou com temas

mais gerais?

GRUPO FOCAL COM A EQUIPE

Coordenação: profissional da equipe

Observação e registro: pesquisadora

OBJETIVOS:

1. Apresentar as hipóteses sobre a cultura organizacional, elaboradas

pela pesquisadora.

2. Discutir, aprimorar e validar as hipóteses construídas.

DINÂMICA

Introdução: clarear os objetivos da reunião

Todos: leitura das hipóteses sobre a cultura elaboradas pela pesquisadora

Roda – cada participante coloca sua contribuição pessoal a partir da leitura das

hipóteses e das seguintes questões norteadoras (5min./participante):

Você considera que estas hipóteses expressem adequadamente a realidade

da equipe e da UJI? De quais hipóteses ou aspectos você discordaria?Em que

sentido? Como você percebe e explica o aspecto em análise? Existem pessoas na

equipe que pensam de modo semelhante? Como explicaria a existência dessas

diferenças na forma de pensar, sentir, pensar ou agir entre os profissionais da

equipe?

Coordenador: explicitação dos consensos e diferenças de opinião entre os presentes

e promoção de um diálogo para buscar consensos em relação às hipóteses,

aprofundá-las e aprimorá-las. Estimular o grupo a questionar e argumentar através

da exposição dos pressupostos que sustentam opiniões divergentes

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Fechamento – pesquisadora: proposta de encaminhamento para a devolução à

equipe – elaboração de uma proposta para apresentar os resultados da pesquisa

por um grupo de trabalho.

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HIPÓTESES SOBRE A CULTURA ORGANIZACIONAL NA UNIDADE DE SAÚDE

HIPÓTESE 1 – SENTIDO DO TRABALHO PARA OS PROFISSIONAIS

A equipe gosta do trabalho que realiza e percebe um sentido social no

mesmo. Entretanto, os profissionais sentem que o trabalho está se tornando cada

vez mais pesado e desgastante, que o idealismo do início está esmorecendo e, em

função disso, se sentem desmotivados. Há medo do futuro e não acreditam que as

coisas no SSC possam mudar para melhor.

HIPÓTESE 2 – FINALIDADE DO TRABALHO PARA OS PROFISSIONAIS

A equipe entende que principal finalidade de seu esforço cotidiano é

responder às necessidades de saúde das pessoas e buscar o bem-estar dos

pacientes.

HIPÓTESE 3 – PROJETO DA UNIDADE DE SAÚDE

O trabalho do posto visa tanto o atendimento das pessoas que procuram o

posto quanto a prevenção, educação e promoção da saúde na comunidade.

HIPÓTESE 4 – VISÃO DOS PROFISSIONAIS SOBRE O SSC, GHC E SISTEMA DE

SAÚDE

O trabalho no SSC se diferencia em relação ao hospital e à prefeitura,

principalmente no que se refere à relação profissional-paciente e à qualidade e

resolutividade do atendimento.

HIPÓTESE 5 – TRABALHO COMUNITÁRIO

O trabalho comunitário apresenta altos e baixos pois depende bastante da

iniciativa individual de alguns profissionais que têm mais afinidade com este tipo de

trabalho. De modo geral a equipe gosta da comunidade e entende que a

participação da população é importante na construção da história da unidade de

saúde e que esta interação traz crescimento a ambos e qualifica as ações, serviços

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e organização do trabalho da unidade. Percebem que o trabalho comunitário e a

participação popular nesta unidade se diferenciam positivamente em relação às

demais unidades do SSC. Atualmente muitos profissionais não conseguem “sair do

posto”. Existem diferenças com relação ao entendimento do papel da equipe em

relação à comunidade.

Quem mais se envolve com a participação popular eram E. e R., não por terem sido

chefias, mas por suas características pessoais (interesse e história pessoal, ser

assistente social, integrar o núcleo de educação,...) que sempre investiram na

formação de lideranças e para participarem critica e criativamente nas questões da

saúde e do serviço de saúde, entendendo a participação em saúde como um

permanente aprendizado, tanto por parte da população quanto dos profissionais.

Existem problemas com em relação à divulgação dos trabalhos comunitários e

grupos realizados pela equipe e isso dificulta o acesso aos mesmos.

HIPÓTESE 6 – TRABALHO EM EQUIPE

Os profissionais acreditam no trabalho em equipe; no cotidiano de trabalho,

os profissionais interagem de modo espontâneo e informal (em interconsultas e

redes de atendimento) para buscar soluções e encaminhar problemas dos pacientes

que demandam ao posto.

HIPÓTESE 7 – RELAÇÕES DE TRABALHO

As pessoas valorizam as relações de amizade e o coleguismo que

estabelecem entre si e costumam fazer festas juntos, mas existem também muitos

conflitos, fruto das diferenças na forma de pensar, de organizar e desenvolver o

trabalho. Existem também rivalidades pessoais. As pessoas costumam “falar pelos

corredores” sobre as dificuldades e problemas que acontecem no dia-a-dia de

trabalho.

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HIPÓTESE 8 – PLANEJAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

As reuniões são o espaço em que a equipe busca traçar objetivos e

estratégias de ação comuns, conduzir “democraticamente” o processo de trabalho e

buscar alternativas para as dificuldades da organização do trabalho. Algumas

pessoas contribuem bastante nas discussões mas outros ficam calados ou não se

posicionam claramente. Há dificuldade em transpor da discussão e deliberações das

reuniões para a prática. É difícil aceitar mudanças nas formas de trabalhar. As

discussões são às vezes improdutivas e muitos não gostam das reuniões. As

conclusões não ficam claras e as combinações não são colocadas em prática.

Algumas pessoas não se posicionam nas reuniões e depois falam pelos corredores.

HIPÓTESE 8 – REGISTROS E AVALIAÇÃO

As pessoas têm dificuldades para registrar as ações realizadas e sentem que

a sobrecarga no atendimento as impede de realizar registros adequados. Outra

dificuldade é avaliar e acompanhar as ações que desenvolvem. Assim, muitos não

conseguem olhar o “todo” do processo de trabalho e as informações não são

analisadas de modo a provocar mudanças.

HIPÓTESE 9 – VISÃO DA POPULAÇÃO SOBRE A POSTURA DOS

PROFISSIONAIS

A população percebe diferenças entre os profissionais, que alguns são mais

“abertos” do que outros e mais envolvidos com o trabalho comunitário. Mas sentem

que a atitude do posto é de democracia nas decisões, sempre buscando o

envolvimento da população. A qualidade da formação dos profissionais, tanto para o

trabalho clínico quanto para o trabalho comunitário é reconhecida pelas comunidade,

especialmente as lideranças com maior proximidade do posto. Reconhecem também

o esforço e boa vontade da maioria dos profissionais em atender bem de modo

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respeitoso a população e as dificuldades que a equipe enfrenta em função da

carência de recursos humanos. Não concordam com a saída de profissionais para

cursos e atividades fora sem a sua substituição. Dizem haver desconfianças em

relação aos profissionais que se atrasam ou que ficam “lá dentro e não se

comunicam com a população”. Sabem que existem conflitos e diferenças na equipe

e pensam que as reuniões são improdutivas, com muita discussão e pouca ação.

HIPÓTESE 10 – VISÃO DA POPULAÇÃO SOBRE OS PROBLEMAS DO POSTO

O maior problema é visto como as filas e a falta de consultas. Dizem também ter

medo que a municipalização desqualifique a atenção. Têm dificuldades para aceitar

os residentes em função de não serem profissionais permanentes na equipe e

desejarem ser atendidos sempre pelo mesmo médico. Vêem problemas com em

relação à divulgação dos trabalhos comunitários e dos grupos realizados pela equipe

e que isso dificulta o acesso aos mesmos.

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OFICINA I – (DEVOLUÇÃO DE RESULTADOS PARA A EQUIPE)

OBJETIVO:

1.Fazer a devolução dos resultados da pesquisa apresentando as hipóteses sobre a

cultura organizacional;

2.Aprimorar as hipóteses sobre a cultura, com a participação de toda a equipe

DINÂMICA:

13:00 RODA – Introdução e “Compromisso Ético” entre os participantes.

13:15 TRABALHO EM SUBGRUPOS

Formar 6 subgrupos. Cada 2 subgrupos recebem as hipóteses sobre uma das

categorias da cultura organizacional.

ORIENTAÇÃO AOS COORDENADORES

Ler em conjunto as hipóteses, discutir a sua validade e preparar uma

apresentação ao grande grupo.

14:15 RODA: CULTURA ORGANIZACIONAL

Apresentação dos seis subgrupos (5 min./cada).

Diálogo a partir das apresentações.

15:15 ENCAMINHAMENTOS

ORIENTAÇÕES PARA O RELATOR: acompanhar a discussão do grupo, registrando

os pontos consensuais e os pontos de divergência.

OFICINA II – (DEVOLUÇÃO DE RESULTADOS PARA A EQUIPE)

OBJETIVOS:

1. Retomar os resultados da primeira oficina, destacando, na cultura

organizacional da unidade, os traços facilitadores e os dificultadores na

construção de um projeto de promoção/vigilância da saúde no território.

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2. Construir uma “visão compartilhada de futuro” para a unidade de saúde,

como exemplo do emprego de uma ferramenta da Coordenação de

Processo de Trabalho.

3. Apresentar a Metodologia de Coordenação do Processo de Trabalho em

seu delineamento geral.

DINÂMICA:

13:00 RODA – Introdução e “Compromisso Ético” entre os participantes.

13:15 COMO É A CULTURA ORGANIZACIONAL NA UNIDADE DE SAÚDE?

Cada participante fala uma ou mais palavras-chave sobre o que lembra da

oficina I, onde trabalhamos com as hipóteses sobre a cultura.

Destacar os traços positivos que favorecem a implementação de um projeto

de promoção e vigilância da saúde.

13:30 Apresentação do conceito de “visão compartilhada de futuro” (cartaz)

TRABALHO INDIVIDUAL - “AS VISÕES INDIVIDUAIS” de futuro.

Questão orientadora: Que futuro EU desejo CONSTRUIR na unidade de

saúde?

13:45 TRABALHO EM SUBGRUPOS

Divisão da equipe em 6 grupos, trabalho orientado por roteiro

14:15 RODA: A VISÃO COMPARTILHADA DE FUTURO DA EQUIPE

Apresentação dos subgrupos (5 min./cada), construção de um CARTAZ com

palavras-chave. Diálogo sobre a visão compartilhada de futuro.

15:00 METODOLOGIA DE COORDENAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO.

Apresentação de um cartaz com uma visualização do método em seu

desenvolvimento. Encaminhamentos.

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ROTEIRO PARA TRABALHO EM SUBGRUPOS

“Que futuro desejamos construir na unidade de saúde?”

Escolher um coordenador e um relator. O grupo tem 30 min. para este trabalho.

ORIENTAÇÕES PARA O COORDENADOR:

a) Cada participante lê em voz alta a sua contribuição pessoal;

b) Facilitar um dialogo em que as pessoas possam simplesmente “ouvir e

compreender” os desejos, expectativas e “visões” dos colegas;

c) Identificar pontos de consenso e diferenças entre as visões dos

participantes;

d) Discutir as diferenças existentes, questionando os pressupostos e as

implicações dos diferentes posicionamentos.

ORIENTAÇÕES PARA O RELATOR: acompanhar a discussão do grupo, registrando

os pontos consensuais e os pontos de divergência.

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ROTEIRO PARA ANÁLISE DA PROPOSIÇÃO METODOLÓGICA

(Texto: “Coordenação do processo de trabalho: uma proposta metodológica para as

equipes do SSC”

Fazer uma leitura "corrida" do texto, globalmente, do início ao fim e, a seguir,

uma segunda leitura, mais atenta, anotando as partes e/ou palavras que não ficam

claras para você. Considerando sua percepção sobre a realidade e a “cultura” do

SSC:

1. Qual a sua impressão geral sobre a adequação desta metodologia como uma

ferramenta gerencial que poderia contribuir na aproximação entre o trabalho das

equipes e a formação teórico-prática dos residentes?

2. Como vê a linguagem usada na apresentação do método? E o conteúdo? A

organização dos conteúdos?

3. Que partes deveriam ser retirados? Que conteúdos faltaria acrescentar?

4. Outras considerações para aprimoramento do texto e sugestões de estratégias

para a sua apropriação pelas equipes

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APÊNDICE 2: Consentimento informado

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APÊNDICE 3: Metodologia de Coordenação do Processo Trabalho