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487 Estudo de perfis de meteorização do granito de Terras de Bouro (Minho) na envolvente de uma nascente sulfúrea. Study of Terras de Bouro (NW Portugal) granite weathering profiles surrounding sulphur spring. M.F.Lima e M.A.Sequeira Braga Departamento de Ciências da Terra, CIG-R, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 BRAGA [email protected] e [email protected] SUMÁRIO Foram estudados três perfis de meteorização do granito de Terras de Bouro (NW Portugal), relacionados com uma nascente sulfúrea. Clorite, ilite, interestratificados C-E e I-E, esmectite, caulinite, gibsite, lepidocrocite, goethite, calcite e pirite são os minerais secundários de alteração do granito. A caracterização destes minerais, a sua origem e evolução em ambiente hidromineral são os objectivos deste trabalho. Palavras-chave: nascente sulfúrea, meteorização, minerais argilosos, hidróxidos de Fe e Al, pirite, calcite. SUMMARY Three weathering profiles of the Terras de Bouro (NW Portugal) granite, related to a sulphur spring, were studied. Chlorite, illite, C-S and I-S mixed-layers, smectite, kaolinite, gibbsite, lepidocrocite, goethite, calcite and pyrite are the secondary minerals of granite alteration. The characterization of these minerals, its origin and evolution, in a hydromineral occurrence, are the main aims of this work. Key-words: sulphur spring, weathering, clay minerals, Fe-Al hydroxides, pyrite, calcite. Introdução A mineralogia e a geoquímica das alterações do granito de Terras de Bouro, associadas a uma ocorrência sulfúrea, bem como a sua relação com o quimismo das águas subterrâneas locais, foram estudadas anteriormente [1]. A área de estudo, envolvente à ocorrência hidromineral, situa-se na região de Terras de Bouro, onde predominam os granitos porfiróides de grão grosseiro, essencialmente biotíticos, sin a tardi - F3, cortados por abundantes filões de rocha básica e, com menor expressão, filões de quartzo e filões pegmatíticos. A fácies de meteorização afasta-se do padrão regional conhecido nos granitos do NW de Portugal por apresentar, em afloramento, uma forte argilização [1]. A arenização no NW de Portugal caracteriza-se por baixos teores (7%, em média) da fracção <2 μm e pelo tipo de meteorização ser esquelética [2]. Segundo [1], o local da ocorrência hidromineral é definido por um corredor de cisalhamento NNW- SSE tardi-varisco, responsável pela génese de uma estrutura distensiva em échelon direita, cuja reactivação gerou um sistema Riedel (N8º/50ºE). Na caixa de falha do local da emergência sulfúrea ocorrem argilas e calcite como preenchimentos das principais fracturas. A nascente sulfúrea localiza-se na bacia hidrográfica do Ribeiro da Devesa, na margem esquerda deste afluente do Rio Homem. A recarga daquele hidrossistema deverá ocorrer a partir da precipitação em áreas situadas a cotas acima da nascente e a circulação subterrânea ocorre, principalmente, através da rede de fracturação e no granito arenizado, admitindo que estes sistemas

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Estudo de perfis de meteorização do granito de Terras de Bouro

(Minho) na envolvente de uma nascente sulfúrea.

SSttuuddyy ooff TTeerrrraass ddee BBoouurroo ((NNWW PPoorrttuuggaall)) ggrraanniittee wweeaatthheerriinngg pprrooffiilleess

ssuurrrroouunnddiinngg ssuullpphhuurr sspprriinngg.. M.F.Lima e M.A.Sequeira Braga Departamento de Ciências da Terra, CIG-R, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 BRAGA [email protected] e [email protected]

SUMÁRIO Foram estudados três perfis de meteorização do granito de Terras de Bouro (NW Portugal), relacionados com uma nascente sulfúrea. Clorite, ilite, interestratificados C-E e I-E, esmectite, caulinite, gibsite, lepidocrocite, goethite, calcite e pirite são os minerais secundários de alteração do granito. A caracterização destes minerais, a sua origem e evolução em ambiente hidromineral são os objectivos deste trabalho. Palavras-chave: nascente sulfúrea, meteorização, minerais argilosos, hidróxidos de Fe e Al, pirite, calcite.

SUMMARY Three weathering profiles of the Terras de Bouro (NW Portugal) granite, related to a sulphur spring, were studied. Chlorite, illite, C-S and I-S mixed-layers, smectite, kaolinite, gibbsite, lepidocrocite, goethite, calcite and pyrite are the secondary minerals of granite alteration. The characterization of these minerals, its origin and evolution, in a hydromineral occurrence, are the main aims of this work. Key-words: sulphur spring, weathering, clay minerals, Fe-Al hydroxides, pyrite, calcite.

Introdução A mineralogia e a geoquímica das alterações do granito de Terras de Bouro, associadas a uma ocorrência sulfúrea, bem como a sua relação com o quimismo das águas subterrâneas locais, foram estudadas anteriormente [1]. A área de estudo, envolvente à ocorrência hidromineral, situa-se na região de Terras de Bouro, onde predominam os granitos porfiróides de grão grosseiro, essencialmente biotíticos, sin a tardi - F3, cortados por abundantes filões de rocha básica e, com menor expressão, filões de quartzo e filões pegmatíticos. A fácies de meteorização afasta-se do padrão regional conhecido nos granitos do NW de Portugal por apresentar, em afloramento, uma forte argilização [1]. A arenização no NW de Portugal caracteriza-se por baixos teores (7%, em média) da

fracção <2 μm e pelo tipo de meteorização ser esquelética [2]. Segundo [1], o local da ocorrência hidromineral é definido por um corredor de cisalhamento NNW-SSE tardi-varisco, responsável pela génese de uma estrutura distensiva em échelon direita, cuja reactivação gerou um sistema Riedel (N8º/50ºE). Na caixa de falha do local da emergência sulfúrea ocorrem argilas e calcite como preenchimentos das principais fracturas. A nascente sulfúrea localiza-se na bacia hidrográfica do Ribeiro da Devesa, na margem esquerda deste afluente do Rio Homem. A recarga daquele hidrossistema deverá ocorrer a partir da precipitação em áreas situadas a cotas acima da nascente e a circulação subterrânea ocorre, principalmente, através da rede de fracturação e no granito arenizado, admitindo que estes sistemas

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hidrogeológicos são de carácter essencialmente local, como sugere [3]. Estudaram-se três perfis de meteorização por difracção de raios X (DRX), na rocha total e na fracção <2 μm, e por microscopia óptica e electrónica de varrimento (MEV) com espectrómetro dispersivo de energia (EDE). Neste trabalho pretende-se caracterizar os minerais secundários de alteração do granito de Terras de Bouro e discutir a sua origem e evolução associadas a uma emergência sulfúrea. Perfis de meteorização Os perfis estudados (Fig.1) localizam-se na zona da emergência mineral, num pequeno talude com cerca de 2.5 m de altura, a uma cota de 133 m. O granito meteorizado e/ou argilizado constitui o horizonte C de um antrossolo cumúlico dístrico.

Fig.1: Representação esquemática dos perfis na zona da nascente. 1-granito argilizado; 2-filão básico argilizado; 3-bolsada de granito argilizado; 4-veios de ferruginização; 5-granito meteorizado a argilizado; 6-veios de argila e calcite; 7-granito cataclasado; • 160-amostragem. Perfis 1 e 2 As características macroscópicas das fácies de meteorização dos perfis 1 e 2 manifestam-se por bolsadas decimétricas de coloração cinzento-azulada (5B 6/2). Estas bolsadas de granito argilizado são contornadas por veios de ferruginização com estrutura ondulante e de cor alaranjada (10YR 6/6). Assiste-se a mudanças de cor e de textura da matriz do granito ao longo dos perfis e, em particular, nas proximidades de um filão básico, também argilizado, que contacta com a fácies argílica do granito a muro e com o granito alterado e cataclasado a tecto (Fig.1). Os teores de minerais de argila (estimados por DRX) são de 24% e de 29% (em média), nos perfis 1 e 2, respectivamente.

O estudo por DRX da fracção <2 μm destes perfis permitiu a identificação dos seguintes minerais secundários: clorite, ilite, interestratificados irregulares clorite-esmectite, ilite-esmectite, esmectite, caulinite, gibsite, lepidocrocite e goethite. Perfil 3 O perfil 3, localizado junto à emergência hidromineral, foi definido horizontalmente, de modo a intersectar as estruturas venulares subverticais, preenchidas por minerais de argila e calcite, que ocorrem no corredor de cisalhamento NNW-SSE. É ao longo daquelas estruturas (designadas, neste trabalho, por veios de argila e calcite) que emerge a água sulfúrea. A Oeste dos veios de argila e calcite o granito encontra-se meteorizado e fortemente cataclasado, enquanto que a Este apresenta-se desde levemente meteorizado a argilizado, particularmente no contacto com aqueles veios. A matriz do granito meteorizado caracteriza-se por uma textura granular grosseira de cor cinzento-azulada. A composição mineralógica obtida por DRX na rocha total é caracterizada pela presença de quartzo, microclina, biotite, minerais de argila, gibsite, calcite e pirite. O teor de minerais de argila e de gibsite é de 9%, em média, nas amostras mais afastadas dos veios de argila e calcite, enquanto que próximo daqueles veios o teor em minerais de argila aumenta para 40%. Na fracção <2 μm identificaram-se os seguintes minerais: ilite, abundante caulinite e gibsite, rara esmectite e interestratificados clorite-esmectite e vestígios de clorite. Minerais secundários: origem e evolução O granito de Terras de Bouro é afectado por processos de metassomatismo alcalino que se manifesta pela albitização dos feldspatos e, principalmente, pela sua moscovitização, além da cloritização da biotite. A alteração propilítica e filítica, representada por epídoto + clorite e moscovite II + rútilo, são os tipos de alteração hidrotermal que afectam o granito. Além disso, a alteração argílica também se manifesta na zona da nascente, através da presença de ilite, interestratificados ilite-esmectite ± esmectite + caulinite ± clorite. A meteorização é o mecanismo de alteração dominante nos três perfis estudados, sendo responsável pela presença de gibsite, goethite, lepidocrocite e caulinite. A meteorização sobrepõe-se claramente à alteração hidrotermal. As soluções diluídas (água de precipitação) desestabilizam, por exemplo, a clorite e o interestratificado clorite-esmectite por lixiviação do Mg e do Fe2+ e oxidação do Fe2+, que fica na estrutura. A perda dos iões

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ferromagnesianos, acompanhada do ligeiro aumento relativo de Al, contribui para a formação de caulinite e de hidróxidos de ferro. Na Fig.2 observam-se alguns aspectos relacionados com a alteração da clorite, que ocorre nos veios de ferruginização do granito argilizado, e a sua relação com o plasma envolvente, rico em caulinite.

Fig.2: Microfotografia por MEV-EDE mostrando o estado de meteorização e deformação da clorite (amostra 161-Fig.1). FK-microclina; 17 a 20 - pontos de análise química projectados na Fig.3. A projecção da composição química de biotites, biotites cloritizadas e clorites, no diagrama M+- 3R2- 2R3, mostra a evolução das biotites e clorites da rocha mãe (amostra G4.B) no sentido da cloritização e caulinização, respectivamente (Fig.3).

20

60 40

80

60

20

80

40

20406080

M+

2R3 3R2

Biotite (G4.B)

Clorite (165)

Biotite (165) Clorite (G4.B)

Clorite (161-A)

caulin ização

cloritização

Fig.3: Projecção da composição química de biotites, biotites cloritizadas e clorites, no diagrama M+- 3R2- 2R3 [4], em que M+ = 2Ca2+ + Na+ + K+; 3R2 = (Fe2+ + Mg2+ + Mn2+)/2; 2R3 = (Al3+ + Fe3+ + Ti4+ - M+)/3. O padrão de DRX da caulinite, a presença de Fe na sua composição química e a sua associação com hidróxidos de ferro, explicam a origem meteórica daquele mineral 1:1. A lepidocrocite, como normalmente é metaestável, transforma-se em goethite. A presença de

lepidocrocite, assim como a sua distribuição espacial associada aos veios de ferruginização, que cortam o granito argilizado (perfis 1 e 2), podem ser explicadas por um curto transporte, provavelmente pelo fluido mineral, do Fe2+ resultante da meteorização da biotite e da clorite, ou até da ilmenite. O transporte deste ferro termina com a precipitação de hidróxidos de ferro. A disposição irregular dos veios de ferruginização parece sugerir flutuações do nível freático associadas à emergência sulfúrea. A presença significativa de gibsite no perfil 3 mostra que a drenagem é intensa, não favorecendo, por isso, a formação de lepidocrocite neste perfil. A relação morfológica entre a biotite e a pirite, observada por microscopia óptica e MEV-EDE (Fig.4), e a localização da pirite, apenas no perfil 3 e nos veios de argila e calcite, podem explicar a ocorrência pontual da pirite e a sua relação genética com a alteração biotite. Na Fig.5 apresenta-se o espectro químico da biotite (ponto de análise 1). O espectro mostrado na Fig.6 (ponto de análise 2) representa uma etapa de alteração da biotite, com perda total de K e Ti e diminuição considerável de Mg e Fe.

Fig.4: Aspectos petrográficos da associação pirite + biotite (amostra 166 - Fig.1) observados por MEV. B-biotite; P-pirite; A-argila; 1 e 2-pontos de análise.

100 μm

Clorite

Plasma

B A

50 μm

P

1

2

P

B

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Fig.5: Espectro químico da biotite (ponto de análise 1 - Fig.4) obtido por MEV- EDE.

Fig.6: Espectro químico obtido por MEV- EDE no ponto de análise 2 - Fig.4).

É nos microssítios de alteração da biotite (Fig.4) que ocorre a pirite. As análises obtidas por MEV-EDE, nas zonas esfoliadas da biotite, confirmaram a existência de um material com uma composição rica em Al, Si e Fe, correspondente a um cristaliplasma caulinítico, contaminado por enxofre (Fig.6). A percolação do fluido mineral portador de enxofre, transportado na forma reduzida (H2S e HS-

), terá sido facilitada pela rede múltipla de microfracturas que caracterizam a zona de cisalhamento associada à nascente sulfúrea. A estrutura lamelar da biotite terá favorecido a difusão lenta do enxofre que reagiu com o Fe2+ exsolvido das camadas octaédricas da biotite precipitando, assim, a pirite. Conclusões Os dados mineralógicos e geoquímicos mostraram uma intensa alteração dos minerais primários da

rocha mãe (granito de Terras de Bouro), responsável pelo elevado teor de minerais de argila. Este padrão de alteração afasta-se da meteorização regional, devido ao seu elevado teor em argila (27%, em média) e ao tipo de meteorização ser, localmente, plásmica. Os minerais secundários, característicos deste ambiente hidromineral, são: clorite, ilite, interestratificados C-E e I-E, esmectite, caulinite, gibsite, lepidocrocite, goethite, calcite e pirite. As colorações observadas nos perfis são atribuídas ao transporte do ferro resultante da meteorização, principalmente, das biotites e clorites. Nas zonas de cor cinzento-azulada o ferro foi total ou parcialmente removido dos minerais primários e secundários, enquanto que nas zonas de cor alaranjada (veios de ferruginização) o ferro, no estado oxidado, encontra-se sob a forma de lepidocrocite e de goethite. Além disso, algum ferro está retido na estrutura dos minerais de argila (esmectites e caulinites). O baixo teor de gibsite ou mesmo a sua ausência no perfil 2, aliado à presença de minerais indicadores de baixa relação água-rocha, como o interestratificado clorite-esmectite, sugerem que no granito argilizado a lixiviação não foi significativa. Pelo contrário, no perfil 3, junto à emergência mineral, no granito meteorizado e cataclasado, encaixante dos veios de argila e calcite, principalmente no contacto com estas estruturas, a lixiviação causada pela infiltração das águas pluviais é intensa. Este facto justifica os elevados teores de gibsite na fracção <2 μm deste perfil 3. A complexidade das estruturas relacionadas com um corredor de cisalhamento NNW-SSE, e a presença de um filão básico, que possivelmente constitui uma barreira hidrogeológica naquele local, parecem justificar a alteração argílica pervasiva, a baixas temperaturas, associada à ascensão do fluido mineral, a água sulfúrea. Referências bibliográficas [1] Lima, M.F. (2004) As alterações do granito de Terras de Bouro associadas a uma nascente sulfúrea. Tese de Mestrado, Universidade do Minho, Braga, 158 pp. [2] Sequeira Braga, M.A., Paquet, H. & Begonha, A. (2002) Weathering of granites in a temperate climate (NW Portugal): granitic saprolites and arenization. Catena, 49, pp. 41-56. [3] Lima, A.S. (2001) Hidrogeologia de terrenos graníticos. Tese de Doutoramento, Universidade do Minho, Braga, 451 pp. [4] Velde, B. (1985) Clay Minerals: A Physical-Chemical Explanation of their Occurrence. Developments in Sedimentology, 40, Elsevier, 427 pp.