ESTUDO DE TEMAS TOMISTAS Tomás de Aquino (1225-1274)

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José Francisco de Assis DiasLeomar Antonio MontagnaLorella Congiunti(Organizadores)ESTUDO DE TEMAS TOMISTASTomás de Aquino (1225-1274)I EdiçãoAutores:Prof. Danilo Xavier de MoraisProf. Lorella CongiuntiProf. Rodrigo Gabriel MatosEditora VivensO conhecimento a serviço da Vida!Maringá-PR2014

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  • 2 // Estudo de Temas Tomistas

    CAPA: So Toms de Aquino:

    http://www.dominicos.net/santos/santo_tomas_de_aquino/063b_pinacoteca_crivelli_carlo_the_demidov_altarpiece_detail_thomas_aquinas_.jpg

  • Apndice da Parte I // 3

    ESTUDO DE TEMAS TOMISTAS Toms de Aquino (1225-1274)

  • 4 // Estudo de Temas Tomistas

  • Apndice da Parte I // 5

    Jos Francisco de Assis Dias Leomar Antonio Montagna

    Lorella Congiunti (Organizadores)

    ESTUDO DE TEMAS TOMISTAS Toms de Aquino (1225-1274)

    I Edio

    Autores: Prof. Danilo Xavier de Morais

    Prof. Lorella Congiunti Prof. Rodrigo Gabriel Matos

    Editora Vivens O conhecimento a servio da Vida!

    Maring-PR 2014

  • 6 // Estudo de Temas Tomistas

    Copyright 2014 by Humanitas Vivens Ltda.

    EDITORES: Daniela Valentini

    Jos Francisco de Assis Dias CONSELHO EDITORIAL:

    Prof. Daniel Eduardo dos Santos Prof. Mariane Helena Lopes

    Prof. Reginaldo Aliandro Bordin REVISO GRAMATICAL E DE ESTILO:

    Prof. Antonio Eduardo Gabriel CAPA, DIAGRAMAO E DESIGN:

    Rogerio Dimas Grejanim Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)

    Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecria CRB/9-1610

    Todos os direitos reservados com exclusividade para o territrio nacional. Nenhuma parte desta obra pode ser

    reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou

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    http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

    Estudo de temas tomistas: Tomas de Aquino

    E79 (1225-1274) / Jos Francisco de Assis

    Dias, Leomar Antonio Montagna, Lorella

    Congiunti, organizadores; [autores] Prof.

    Danilo Xavier de Morais, Prof. Lorella

    Congiunti, Prof. Rodrigo Gabriel Matos.

    - 1. ed. Maring, PR: Vivens, 2014.

    176 p.; 14x21 cm.

    ISBN: 978-85-8401-017-2

    1. Filosofia medieval. 2. Tomismo. I. Tomaz, de Aquino, Santo, 1225-1274.

    CDD 22.ed. 189.4

  • Apndice da Parte I // 7

    SUMRIO

    APRESENTAO............................................................. PARTE I: DA RAZO F EM TOMS DE AQUINO...................... I - RAZO E F NO PENSAMENTO DE

    TOMS DE AQUINO.......................................... II - NATUREZA NO PENSAMENTO DE

    TOMS DE AQUINO......................................... III - A LEI E AS LEIS NA PERSPECTIVA DE

    TOMS DE AQUINO......................................... IV - CINCIA NO PENSAMENTO DE

    TOMS DE AQUINO.............................................. V - ARTE E BELEZA NO PENSAMENTO DE

    TOMS DE AQUINO............................................. VI - O ACASO NO PENSAMENTO DE

    TOMS DE AQUINO........................................... VII - A SAGRADA DOUTRINA SEGUNDO

    TOMS DE AQUINO............................................. VIII - A VERDADE EM TOMS DE AQUINO................ IX - A ALMA PARA TOMS DE AQUINO.................... X - O CORPO SEGUNDO TOMS DE AQUINO..............

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  • 8 // Estudo de Temas Tomistas

    XI - OS ANJOS NO PENSAMENTO DE

    TOMS DE AQUINO.............................................. XII - A AMIZADE SEGUNDO TOMS DE AQUINO.......... XIII - COMEAR DO PRINCPIO SEGUNDO

    TOMS DE AQUINO............................................. XIV - A CENTRALIDADE DE JESUS CRISTO NO

    PENSAMENTO DE TOMS DE AQUINO.............. XV - A DIVINA PROVIDNCIA NO PENSAMENTO

    DE TOMS DE AQUINO........................................ PARTE II: A LEI NO PENSAMENTO DE TOMS DE AQUINO......... I - O PENSAMENTO POLTICO DE

    TOMS DE AQUINO.............................................. II - O TRATADO DA LEI EM

    TOMS DE AQUINO.............................................. PARTE III: A PRUDNCIA EM TOMS DE AQUINO......................... I - O PENSAMENTO TICO DE

    TOMS DE AQUINO............................................. II - A VIRTUDE DA PRUDNCIA NO PENSAMENTO DE TOMS DE AQUINO......................... REFERNCIAS..................................................................

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  • APRESENTAO

    Com alegria indizvel, apresentamos aos amantes do pensamento de Toms de Aquino, esta obra que pe em harmonia os trabalhos dos professores Lorella Congiunti, autora da primeira parte, Danilo Xavier de Morais, autor da segunda parte e Rodrigo Gabriel Matos, autor da terceira parte.

    A primeira parte, DA RAZO F EM TOMS DE AQUINO, tem como objetivo trabalhar alguns dos mais relevantes temas, dentro do pensamento de Toms de Aquino.

    A Autora, atravs de reflexes profundas e, simultaneamente, simples, aborda temas de grande importncia para se conhecer o pensamento do Aquinate, partindo da ratio at chegar na fides.

    A segunda parte, A LEI NO PENSAMENTO DE TOMS DE AQUINO, tem por objetivo compreender a origem e a funo da lei no pensamento de Santo Toms de Aquino.

    No primeiro captulo, o Autor apresenta o pensamento poltico de Toms de Aquino, seu projeto de governo e organizao da sociedade. Apresenta tambm duas categorias necessrias para a compreenso da lei no pensamento tomista: a beatitude e as virtudes.

    No segundo captulo, o Autor apresenta a definio tomista de Lei e os tipos de leis apresentados por Toms de Aquino na Suma Teolgica: a lei eterna, a lei natural e a lei humana ou positiva.

    A terceira parte, A PRUDNCIA EM TOMS DE AQUINO, tem por objetivo compreender e explicitar o conceito de prudncia no pensamento de Toms de Aquino.

    Assim, no primeiro captulo, o Autor busca fornecer um panorama geral da tica tomista, apresentando inicialmente o projeto da Suma teolgica e elementos da

  • 10 // Estudo de Temas Tomistas

    antropologia de Toms de Aquino, ponto de partida para sua tica.

    Em seguida, o Autor trata dos elementos da tica como a moralidade dos atos humanos, as paixes, as virtudes e os vcios.

    No segundo captulo, o Autor apresenta o conceito de prudncia, que entendida como a reta razo aplicada ao, e o analisa de acordo com a sequncia apresentada na Summa Theologiae: a prudncia em si mesma, suas partes integrantes, subjetivas, potenciais, relacionada ao dom do conselho e considerada pelo seu vis oposto, a imprudncia.

    Como os Autores nos lembram, Toms de Aquino, herdeiro do pensamento aristotlico, concebeu o mundo dotado por uma ordem e finalidade e, nele, o homem como ser social. Em vista disso, a sociabilidade do homem condio inerente sua existncia tanto quanto o desejo de felicidade, sua finalidade ltima. Entretanto, por ser um ser de relaes, o homem no tem somente a sua finalidade ltima como objetivo, mas h antes uma finalidade que deve ser alcanada em comunidade: a tica. Tanto o fim ltimo e individual do homem quanto sua finalidade enquanto sociedade no podem ser alcanadas seno por meio das virtudes, que podem ser adquiridas atravs dos hbitos.

    Os Organizadores

  • Apndice da Parte I // 11

    PARTE I:

    DA RAZO F EM TOMS DE AQUINO

    Prof. Lorella Congiunti1

    1 Prof. Lorella Congiunti, professora de filosofia e Vice-Reitora da Pontifcia Universidade Urbaniana, Cidade do Vaticano Roma Itlia.

  • 12 // Estudo de Temas Tomistas

    essencial para a beatitude, ou felicidade, a perfeio da caridade, enquanto amor para com Deus, mas no enquanto amor para com o prximo. Pelo qual se existisse uma s alma admitida a gozar Deus, seria beata, mesmo no havendo o prximo para amar. Mas, suposto o prximo, o amor para com ele surge do perfeito amor para com Deus. Onde a amizade quase um elemento concomitante da perfeita felicidade ou beatitude.

    [Summa Theologiae, II-II, q. 4, a. 8, ad 3um]

  • - I -

    RAZO E F NO PENSAMENTO DE TOMS DE AQUINO

    Uma das questes fundamentais, para a

    contemporaneidade e para todos os tempos, consiste na impostao da relao entre razo e f. Uma impostao errada pode conduzir sua separao, at s posies contrapostas do cientificismo racionalista e do espiritualismo fidesta.

    O cientificismo racionalista ignora ou at mesmo nega todo valor cognoscitivo f, exaltando exclusivamente a razo, reduzindo-a unicamente funcionalidade cientfica. O espiritualismo fidesta, ao contrrio, critica a razo como estranha ou, at mesmo hostil f; delineando uma f abstrata e desencarnada.

    Em ambos os casos no s razo e f aparecem contrapostas, mas tanto a razo quanto a f aparecem reduzidas e, portanto, enfraquecidas; como magistralmente expressou Joo Paulo II na carta encclica Fides et Ratio, 14 de setembro de 1998:

    ilusrio pensar que, tendo pela frente uma razo dbil, a f goze de maior incidncia; pelo contrrio, cai no grave perigo de ser reduzida a um mito ou superstio. Da mesma maneira, uma razo que no tenha pela frente uma f adulta no estimulada a fixar o olhar sobre a novidade e radicalidade do ser. (n. 48).

    Somente a plena realizao de uma delas permite

    tambm a excelncia da outra: No h motivo para existir concorrncia entre a razo e a f: uma implica a outra, e cada qual tem o seu espao prprio de realizao. (Cf. n. 17). No contesto atual, uma grande ajuda pode vir da explicao do significado desses dois termos.

  • 14 // Estudo de Temas Tomistas

    A explicatio terminorum , de fato, o primeiro passo

    para impostar bem toda questo. Neste mbito, uma decisiva clarificao pode provir do pensamento de Toms de Aquino, definido pela mesma encclica Fides et Ratio como campeo da harmonia que existe entre a razo e a f (Cf. n. 43).

    1.1 A Razo A razo, do latim ratio, mesmo traduzindo apenas

    em partes a ampla gama de significados do termo grego logos, uma noo extremamente rica e frtil. Toms de Aquino teve a grande capacidade teortica de explicar todos os significados da razo.

    No comentrio ao De divinis nominibus, Toms distingue ao menos quatro modos principais de significao, cada um ulteriormente especificado2: a razo como faculdade cognoscitiva; a razo como causa; a razo como clculo; a razo como contedo conceitual3.

    A razo como faculdade cognoscitiva pode ser entendida em vrios modos: enquanto conhecer espiritual, ou seja, no ligado materialidade, no exclusiva posse do homem, mas pertence a cada inteligncia enquanto tal: anglica e divina4. Se vem entendida como capacidade discursiva ao invs, convm somente ao homem, enquanto implica a passagem do desconhecido ao conhecido, que tpico dos seres humanos5. Ainda, mesmo somente limitando o olhar ao homem, ratio pode ser entendida globalmente como oposta sensibilidade; e,

    2 Para uma eficaz anlise destes significados da razo, cf. G. BARZAGHI, La potenza obbedienziale dellintelletto agente come chiave di volta del rapporto fede-ragione, in Angelicum, 2, (2003), agora em IDEM, Lo sguardo di Dio. Saggi di teologia anagogica,

    Cantagalli editore, Siena 2003, sobretudo o pargrafo 1 Il significato del termine ragione in Tommaso dAquino, pp. 96 e sgg. 3 Cf. TOMS DE AQUINO, In Div. Nom, c. 7, l. 5. 4 Cf. IDEM, Summa theol., I, q. 29, a. 3, ad4um. 5 Cf. Ibidem, q. 79, a. 8, resp.

  • Razo e F... // 15

    neste caso, cobre todas as faculdades espirituais humanas e significa: intelecto agente, intelecto possvel, intelecto apetitivo (vontade)6.

    Ocorre sempre recordar que para Toms de Aquino o intelecto, isto , a capacidade de ver intelectualmente a verdade, e a razo, como passagem gradual rumo a novas verdades a partir daquilo que j se conhece, so dois atos diversos de uma nica faculdade7.

    Compreendemos, portanto, como a razo tenha um significado muito vasto e, mesmo somente limitando-nos quele de faculdade cognoscitiva humana, tambm ele riqussimo.

    Conhecer racionalmente indica, de fato, uma vasta gama de processos humanos, de que a metodologia cientfica, fundada sobre a hiptese e a deduo, e tipicamente caracterizada pela experincia e pela matemtica, somente uma parte.

    1.2 A F Para compreender o que seja a fides a f, antes

    de tudo importante repropor uma distino hoje frequentemente esquecida fundamental, impostada por Toms de Aquino com extrema clareza: a distino entre Religio e F.

    A Religio cai no mbito da justia8, que uma virtude cardeal; a Religio , de fato, a justia no exerccio do culto devido a Deus9. Portanto, a Religio a mais excelente das virtudes morais, mas no uma virtude teologal. A F, ao invs, virtude teologal, enquanto emanao da Graa santificante, havendo Deus como objeto direto e como motivo10.

    6 Cf. Ibidem, q. 5, a. 4, ad1um. 7 Cf. Ibidem, q. 79, a.8, resp. 8 Cf. Ibidem, II-II, q. 80, a. 1. 9 Cf. Ibidem, q. 81, a. 8. 10 Cf. IDEM, Super Boethii De Trin., q. III, a. 2, resp.

  • 16 // Estudo de Temas Tomistas

    As virtudes cardeais so o aperfeioamento natural

    da Pessoa Humana; as virtudes teologais constituem um aperfeioamento posterior, atuado pela Graa no homem que sabe acolh-la. Exatamente porque a Religio uma virtude moral, humana, h a prpria medida na mediedade; de fato, todas as virtudes humanas se realizam no justo meio, isto , na justa medida entre o excesso e o defeito (por exemplo, a coragem est no justo meio entre a covardia e a temeridade); existe, portanto, um vcio por defeito, ou seja, a no-religiosidade, e tambm um vcio por excesso, que Toms de Aquino distingue segundo o modo (idolatria) e segundo o objeto (idolatria, divinao, v observncia)11.

    Toms de Aquino especifica que nada excessivo para Deus, portanto, a natureza do excesso no est na proporo a Deus, que infinito, mas relativamente s realidades do culto, que podem cair no suprfluo12.

    As virtudes teologais, ao invs, no se deixam medir. Em relao F no se do excessos; se d negao, resistncia, rejeio, de uma parte, e possibilidade indefinida de crescimento de outra (a f, de fato, pode ser superior pelo nmero dos artigos cridos, pela firmeza do intelecto, pela prontido da vontade13).

    Isto estabelecido, ocorre esclarecer um outro termo muito importante, isto , crer. Na Quaestio disputata XIV De fide, Toms de Aquino, partindo da reflexo de Santo Agostinho, argumenta com preciso a natureza do crer como ato do intelecto. Ele explica que, s vezes, o intelecto no determinado pelos princpios ou pelas concluses conhecidas, mas pela vontade, que escolhe de dar o consentimento a uma proposio como motivo de qualquer coisa que suficiente a mover a faculdade apetitiva, mas no a faculdade cognoscitiva.

    11 Cf. IDEM, Summa theol., II-II, qq. 92-100. 12 Ibidem, q. 93, a. 2. 13 Ibidem, q. 5, a. 4.

  • Razo e F... // 17

    De fato, l onde o conhecimento intelectualmente

    seguro, no existe necessidade de crer para conhecer. s vezes, ao invs, se conhece um contedo crendo a um testemunho; no se trata de um ato cego, porque fundado sobre o conhecimento da testemunha e sobre a avaliao da sua credibilidade. Se conhece crendo, toda vez que o testemunho de um outro a fazer-me conhecer contedos que no posso acessar.

    Portanto, crer um ato do intelecto, cujo objeto o verdadeiro, mas movido ao assentimento (isto , afirmao: sim, isto verdadeiro) pela vontade.

    Esta disposio em relao s afirmaes dos homens muito mais forte em relao Revelao divina, onde a promessa da vida eterna constitui um fortssimo movente para a vontade. Na dinmica do crer humano, que implica seja o intelecto que a vontade, se enxerta o ato de F teologal, cujo princpio Deus mesmo. No intelecto, como Sujeito, reside o ato de crer, de que a F o prprio princpio. Portanto, a F implica um homem capaz de conhecer racionalmente.

    F e razo, corretamente entendidas, esto em recproca harmonia e se implicam reciprocamente.

  • 18 // Estudo de Temas Tomistas

  • - II -

    NATUREZA NO PENSAMENTO DE TOMS DE AQUINO

    A noo de natura natureza desempenha um

    papel fundamental na especulao filosfica e teolgica de todos os tempos. Na longa histria da noo de natureza, Toms de Aquino ocupa um lugar particularmente importante pela capacidade de desenvolvimento de todas as dimenses naturais na perspectiva integrada da Graa: enim gratia praesupponit naturam pois a Graa pressupe a natureza14.

    A este propsito, na Fides et Ratio, Joo Paulo II observa: Toms reconhece que a natureza, objeto prprio da filosofia, pode contribuir compreenso da revelao divina15.

    A reflexo de Toms, reveste ainda, particular importncia no mbito, hoje muito atual, da lei moral natural. Em numerosos textos ele rende razo da complexidade do termo que, ao lado do Ser, se diz em muitos modos. Fundamental , antes de tudo, a considerao etimolgica do termo.

    Toms sublinha como o termo grego physis tenha uma dupla dimenso, significando seja nascimento que princpio. Na elaborao da noo acontece uma extenso e tambm um uso metafrico do termo, que enfim significa todo princpio interno de movimento.

    A multiplicidade dos significados pode ser reunida em dois modos de expresso principais, uma de tipo

    14 S. TOMMASO DAQUINO, Summa Theologiae, I-II, 99, 2 ad 1um; Cum enim gratia non tollat naturam, sed perficiat, oportet quod naturalis ratio subserviat fidei; sicut et naturalis inclinatio voluntatis obsequitur caritati I, 1, 8 ad 2. . 15 GIOVANNI PAOLO II, Lettera enciclica Fides et Ratio, 14 settembre 1998,

    n. 43.

  • 20 // Estudo de Temas Tomistas

    extensivo extensive loquendo e uma de tipo intensivo intensive loquendo. O significado de tipo intensivo aquele predominante e indica a natureza enquanto essncia das coisas natura vel essentia natureza ou essncia, natura vel quidditas natureza ou quididade.

    Desde o jovem De ente et essentia, Toms precisa que a natureza essentia dinamice considerata, ou seja, a natureza a essncia considerada dinamicamente, isto , com referncia direta s operaes essenciais, ou naturais. A natureza h um significado quase sobreposto quele de essncia.

    A natureza como essncia da espcie ou quididade implica a multiplicao dos indivduos, nas substncias compostas, e daqui deriva a expresso, recorrente no texto de Toms, de rerum natura ou natureza (especfica) das coisas (individuais). Existe tambm uma modalidade de abordar extensive extensivamente a natureza, isto , a natureza enquanto conjunto das coisas naturais, ou seja, as coisas materiais no artificiais. Esta modalidade se encontra, na minha opinio, sobretudo na expresso res naturales coisas naturais que sendo plural uma modalidade extensiva.

    A expresso res naturales est presente na ilustre argumentao das cinco vias16, e precisamente em relao quinta via, sobre o governo das coisas. Deus aquela realidade inteligente que ordena ao fim todas as coisas naturais. As coisas naturais so o conjunto das realidades postas no ser, ordenadas segundo uma finalidade. Portanto, ordem e finalidade so duas caractersticas fundamentais da natureza na sua pluralidade. O significado de res naturales, ou seja, da natureza em sentido extensivo, vem por Toms expresso tambm com os termos mundus e universum.

    A natureza em sentido intensivo indica uma unidade na multiplicidade, enquanto a natureza em sentido extensivo alude a uma multiplicidade unitria, isto , no

    16 S. TOMMASO DAQUINO, Summa Theologiae, I, 2, 3.

  • Natureza... // 21

    equvoca. Trata-se sempre, em um modo ou em outro, de saber reconduzir unidade a multiplicidade dos significados e das realidades em que a natureza se d.

    A unidade da natureza, assim como a unidade do ser, encontra motivo na substncia: Natureza omnis substantia toda substncia afirma Toms de Aquino. E interessante sublinhar como no adjetivo omnis encontra fundamento a considerao extensiva da natureza, enquanto no substantivo substantia se funda, ao invs, a considerao propriamente intensiva.

    Por este uso mltiplo e no equvoco do termo natureza, Toms faz referncia especulao aristotlica e em modo especial no precioso lxico teortico constitudo pelo livro V da Metafsica. Esta raiz peculiarmente filosfica de matriz aristotlica se enriquece da reflexo especificadamente teolgica ligada definio dos mistrios do Smbolo cristo, com implicaes sobretudo trinitrias e cristolgicas; neste contexto a natureza em sentido intensivo que resulta implicada e enriquecida, e ao lado da influncia de Aristteles, se faz sentir forte a proximidade do pensamento dos pensadores cristos e, neste mbito, desempenha um papel particularmente importante a reflexo de Bocio.

    A natureza encontra uma maior definio em relao ao termo persona pessoa. Tal distino aparece particularmente fecunda: Pessoa divina aquela de natureza divina, pessoa humana o indivduo de natureza humana.

    A natureza, assim traada, resulta implicada em numerosas problemticas teolgicas. Os percursos em que o termo natureza resulta inserido e central so, de fato, inumerveis. Parece-nos que aqueles mais relevantes se referem relao natureza e Graa; a natureza de Deus e a Trindade; a natureza humana e divina na Pessoa de Jesus Cristo. Nestas problemticas a natureza em sentido intensivo a revestir um papel central. Outra problemtica teolgica importante aquela da Criao,

  • 22 // Estudo de Temas Tomistas

    que se refere intimamente natureza em sentido extensivo.

    Enfim parece que ambas as declinaes resultem importantes entre a natureza da lei moral natural. Este ltimo aspecto particularmente rico e atual, tendo tambm contas que, como sublinha Kaczyski, a universalidade e a imutabilidade dos preceitos da lei natural de So Toms fora confirmada pela Veritatis Splendor e pela Evangelium Vitae17.

    A lei moral natural a participao no ser humano da lex aeterna, isto , do projeto de Deus relativo inteira natureza em sentido extensivo, e consiste exatamente no conhecimento e no cumprimento daquilo que verdadeiramente humano.

    Hoje, no geral equvoco dos termos, bom recordar que no vasto mbito da natureza em sentido extensivo, cada espcie de substncia h a prpria natureza em sentido intensivo, assim que quando se define natural uma atitude ou uma situao ocorre reconhecer a modalidade de significado do termo mesmo.

    Portanto, aquilo que natural para um co no o para um gato, e aquilo que natural para uma planta no o para um animal. Aquilo que particularmente importante considerar que se pode definir natural para o homem somente aquilo que corresponde sua prpria especfica essncia de animal racional.

    17 E. KACZYNSKI, Legge naturale e diritti umani in Karol Wojtyla e Giovanni Paolo II, Pontificia Universit S. Tommaso dAquino, Roma 2004-2005, p. 9.

  • - III -

    A LEI E AS LEIS NA PERSPECTIVA DE TOMS DE AQUINO

    Lei uma noo analgica, de fato predicada

    em diversos modos, mas sem equvoco. Antes de tudo predicada de Deus e do homem e, portanto, no pode ser uma noo unvoca. Ainda vem predicada do homem e da natureza, do conhecimento e do Ser. A noo de lei se apresenta dotada pela riqueza prpria das noes analgicas. Mas qual o seu ncleo constitutivo?

    Reflitamos sobre a etimologia de Lei. O termo latino lex aparece de origem controvertida. Isidoro de Sevilha (560-636) prope um forte vnculo entre lei, leitura e escritura: Lex a legendo vocata, quia scripta est18, como se a lei encontrasse a prpria essncia em ser escrita e em ser, consequentemente, lida.

    No sculo XIII, So Bonaventura e So Toms, ao invs, mais prudentemente fazem derivar o termo lex de ligar: a lei, portanto, obriga a agir porque regra e medida.

    Em todos os usos da palavra lei recorre o aspecto da regularidade e da necessidade, ao menos de princpio: seja nos usos tcnicos e filosficos, que naqueles da linguagem corrente. Seja que se fale de leis do esporte, de leis do Cdigo Civil, de leis da fsica ou de leis do amor... sempre se entende veicular um significado que implica uma regra e a tendncia (natural e/ou voluntria) de segui-la.

    Esta regularidade e necessidade so explicveis melhor, se refletirmos sobre a definio da noo de lex proposta por Toms na Summa Theologiae, segundo o esquema das quatro causas aristotlicas: a lei quaedam rationis ordinatio ad bonum commune, ad eo qui curam

    18 ISIDORO DI SIVIGLIA, Etymologiae, II, 10.

  • 24 // Estudo de Temas Tomistas

    communitatis habet promulgata19- uma ordenao da razo para o bem comum, promulgada por quem tem o cuidado da comunidade.

    A causa formal da lei , portanto, a razo, enquanto o bem comum a causa final, a promulgao a causa material e o promulgador (aquele que detm a cura da comunidade) a sua causa eficiente.

    O aspecto particularmente rico de significado constitudo pela formalidade da lei que a razo: a lei indica uma recorrncia natural ou implica uma obrigao a agir porque racional. A regularidade e a necessidade encontram raiz exatamente na racionalidade.

    A finalidade sempre um bem: que seja o bem da sociedade, voluntariamente perseguido pelos cidados, ou que seja o bem da natureza, a que todos os entes naturalmente tendem. A promulgao implica que tal lei seja em algum modo conhecida: oficialmente desprendida, nas mesmas regularidades naturais ou em um cdigo dotado de oficialidade.

    Enfim, a causa eficiente remete pessoa do legislador, que pode ser um rei, um parlamento ou, no caso da natureza, o seu prprio Autor. Consideramos, ainda, que uma das estradas para chegar a conhecer que Deus existe a partir da existncia do criado, encontra o prprio ponto forte exatamente na ordem natural: se a natureza tem suas leis, quer dizer que existe um legislador supremo, quer dizer que a natureza obra racional de um Autor inteligente.

    De fato, todas as tentativas de explicar a ordem natural sem fazer referncia a alguma coisa que exceda a ordem mesma, so destinados ao fracasso. Uma ordem que se rege e se perpetua por si, sem causas ou fins externos, ou a Ordem absoluta da qual tudo deriva, ou ento resulta impossvel, inexplicvel.

    J Aristteles afirmava que o bem do universo consiste, seja na ordem mesma do universo, seja em um

    19 TOMMASO DAQUINO, Summa Theologiae, I-II, q. 90, a. 4, co.

  • Natureza... // 25

    Bem separado, em si e por si, assim como o bem do exrcito est na ordem, mas o bem est tambm no general20. A regularidade pressupe, portanto, uma finalidade interna mas tambm uma referncia final a uma realidade transcendente.

    Compreendido o ncleo comum da lei, ocorre investigar as distines; ajudados ainda por Toms de Aquino, consideramos que a lei se articula em cinco tipos: a lex aeterna, a lex naturalis, a lex humana e a lex nova.

    A lex aeterna o plano da ordem universal das coisas ao fim, a lei universal promulgada nas coisas mesmas por Deus criador. De tal lei no se pode haver conhecimento direto, se no nos seus efeitos. A criatura racional, mediante a razo, pode conhecer em algum modo a lei eterna.

    A lex naturalis , exatamente, a participao da lei eterna no ser humano.

    As leges humanae so as leis positivas, dadas pelos estados, que nunca deveriam contradizer a lei natural.

    A lex divina revelada se distingue em vetera, ou seja, do Antigo Testamento, e nova, ou seja, a lei do Evangelho, que em ltima anlise o prprio Esprito Santo. As leis so mantidas juntas em um nico divino projeto; como sintetiza Vendemiati: Tudo h origem na lex aeterna mas tudo tende lex nova.21

    A lei eterna, de fato, o plano de Deus escrito na prpria natureza (entendida em sentido extensivo, como conjunto ordenado dos entes materiais no artificiais) e na natureza mesma (em sentido intensivo, enquanto essncia) das coisas:

    20 ARISTOTELE, Metafisica, XII, 10, 1075a10 e ss. 21 A. VENDEMIATI, La legge naturale nella Summa Theologiae di S.

    Tommaso dAquino, edizioni Dehoniane, Roma 1995, p. 81.

  • 26 // Estudo de Temas Tomistas

    Deus com a sua sapincia criador de todas as coisas, rumo s quais ele h uma relao semelhante quela entre o arteso e os seus manufaturados [...]. Portanto, a razo da divina sapincia como h natureza de arte ou de ideia exemplar, enquanto princpio criador de todas as coisas; assim h natureza de lei enquanto move toda coisa ao devido fim. Eis porque a lei eterna outra coisa no que a razo ou plano da divina sapincia, relativo a toda ao e a todo movimento22.

    Toda coisa natural segue a prpria natureza, ou

    seja, se move ao devido fim segundo uma ordem geral e completiva, que deriva da mesma razo e vontade de Deus criador. O conhecimento da ordem natural exatamente o conhecimento dos efeitos da Lei Eterna. A Lei Natural, propriamente dita, se configura como participao consciente a tal plano geral, participao possvel somente para os seres humanos, que tm natureza racional.

    O homem racionalmente conhece em si certas inclinaes ao fim, algumas de ordem vegetativa, que necessariamente segue como todas as outras realidades naturais, outras de ordem sensitiva, compartilhadas com os animais, mas racionalmente dominveis; e outras de ordem especificamente racional e espiritual. Do conhecimento destas finalidades, o homem pode compreender como deve comportar-se para atingir aqueles bens que o podem render homem completo, isto , feliz.

    J Plato observava: E no talvez verdadeiro que ningum voluntariamente quer o mal ou aquilo que considera ser mal, e que isto, a quanto parece, no est na natureza humana, ou seja, o tender ao mal ao invs que ao bem, e ainda que, quando nos encontramos na necessidade de dever

    22 TOMMASO DAQUINO, Summa Theologiae, III, q. 93, a. 1. co.

  • Natureza... // 27

    escolher entre dois males, ningum escolher o mal maior, havendo a possibilidade de escolher o menor?23

    Este tender ao Bem, prprio da natureza humana,

    o ncleo da noo de Lei Natural. Porque a expresso Lei Natural sempre vem equivocada, hoje frequentemente completada na locuo lei moral natural24.

    A preciso necessria sobretudo para distinguir a lei moral natural das leis fsicas naturais; trata-se de dois mbitos legislativos completamente diversos: a lei natural se refere somente o homem, capaz de pensar e de querer, as leis da natureza ou fsicas se referem ao invs todo ente (e, portanto, tambm o homem enquanto pertencem natureza).

    Podemos, portanto, chamar de leis fsicas naturais ou leis de natureza aquelas recorrncias reais que acontecem nos fenmenos naturais, aquele explicar-se da natureza das coisas que seguem o seu fim e explicitam o prprio especfico comportamento, feito de propriedades, de tendncias, de relaes.

    Tambm os seres humanos so submetidos s leis de natureza, segundo a sua natureza de substncias animais racionais, mas enquanto racionais tm a exclusividade de poder racionalmente conhecer e livremente observar os preceitos da lei natural. Faz parte da natureza do homem o seu ser profundamente inserido na complexidade dos seres naturais, com uma peculiaridade inassimilvel a outros.

    Sem dvidas existem leis s quais respondem todos os seres (o princpio de no contradio constitui a lei que tem junto todo o Ser e todos os seres), mas cada espcie possui suas prprias leis especficas: assim que aquilo que natural para um co, no de modo algum natural para um homem, e vice-versa. As leis de natureza

    23 PLATONE, Protagora, 358 C-D. 24 Cos per esempio nella lettera enciclica di Giovanni Paolo II, Veritatis Splendor, 6 agosto 1993.

  • 28 // Estudo de Temas Tomistas

    so comuns natureza em sentido extensivo, mas tambm distintas, segundo as respectivas naturezas em sentido intensivo. A lei moral natural se refere propriamente somente ao ser de natureza racional.

  • - IV -

    CINCIA NO PENSAMENTO DE TOMS DE AQUINO

    Hoje, com cincia no singular se identifica, na

    maioria das vezes, o campo das cincias particulares, matemticas e experimentais. Na verdade, as cincias particulares no esgotam o campo das cincias. Elas no so a cincia. Consider-las como tais pode ser o indcio de um perigoso reducionismo.

    A cincia (scientia, episteme) etimologicamente significa aquilo que prprio de quem sabe. Podemos genericamente considerar a cincia como um conjunto de conhecimentos criticamente avaliados e sistematicamente organizados25, um saber distinguido pela objetividade, certeza argumentativa, rigor metdico, enriquecimento do conhecimento26.

    Trata-se de um conceito anlogo, isto , que engloba diversas modalidades, cada uma distinta por um prprio, objetividade, mtodo e argumentao, que dependem do objeto estudado.

    A diferenciao dos saberes, que a Filosofia foi delineando a partir da especulao platnico-aristotlica, o quadro de referncia onde inscrever a questo da cincia e das cincias dentro da reflexo de Toms de Aquino: distinguem-se um saber terico, isto , especulativo, ou seja, que tem como finalidade o conhecimento mesmo; um saber prtico, voltado prxis, ao agire, portanto, a moral e a poltica; e um saber poitico, produtivo, ou seja, finalizado produo de alguma coisa, como a arte.

    25 F. RIVETTI BARB, Dubbi, discorsi, verit, Jaca Book, Milano 1985, p. 15. 26 A. LIVI, Filosofia del senso comune. Logica della scienza & della fede, Ares, Milano 1990, p. 157.

  • 30 // Estudo de Temas Tomistas

    A questo da cincia se refere intimamente aos

    saberes teorticos, especulativos que so trs: a Matemtica, a Fsica e a Teologia.

    Dentro de tal dimenso especulativa, a diferenciao vem magistralmente fundamentada por Toms de Aquino, na Questo V do comentrio ao De Trinitate de Bocio.

    A cincia pode existir somente porque podemos prescindir da matria (da singularidade) e do movimento (da contingncia); as cincias especulativas se do exatamente em relao sua distncia da matria e do movimento.

    Como Toms de Aquino argumenta no Art. 3 da Questo V, na operao do intelecto, com que o intelecto se adequa s realidades, se distingue uma trplice distino: a Metafsica ou Teologia que se institui mediante a capacidade do intelecto de compor e dividir, portanto, de pensar sem matria aquilo que realmente separvel ou separado da matria; a cincia matemtica que se institui em virtude de uma abstrao capaz de prescindir da matria sensvel; enfim, mais em baixo, porque mais prxima matria e contingncia, existe a physica, ou seja, a filosofia da natureza, que se institui graas capacidade de abstrair da matria singular.

    Particularmente importante sublinhar que a metafsica uma cincia de objetos que so realmente separveis ou separados da matria, isto , que podem existir ou existem, sem ela (sempre, como Deus e os anjos, ou em alguns casos como, por exemplo, a substncia e a qualidade).

    Configura-se tambm o particular estatuto da Matemtica, cincia que se institui sobre a possibilidade de pensar sem matria aquilo que de fato existe na matria, como a figura geomtrica e o nmero. A Matemtica constitui-se, portanto, em um nvel totalmente diverso em relao quele da Fsica. A Matemtica e a Fsica correspondem a diversos graus de abstrao,

  • Cincia... // 31

    enquanto os seus objetos mantm uma diversa relao com a matria: os objetos da Fsica dependem da matria em ser e em ser pensados, aqueles da Matemtica dependem da matria em ser, mas no em pensamento.

    A diversidade das disciplinas teorticas ligada tambm diversidade de mtodo.

    Nesta estrutura do saber no falta a considerao dos saberes de confim, ou seja, das cincias intermdias que esto entre a Matemtica e a Fsica; do-se de fato trs ordens de cincias que estudam entidades naturais e matemticas: puramente fsicas; puramente matemticas; cincias mdias que aplicam os princpios matemticos s realidades naturais, tais como a Msica, e a Astronomia, por exemplo.

    Toms de Aquino nota que estas disciplinas so mais afins Matemtica, porque no seu estudo aquilo que fsico funciona como matria e aquilo que matemtico funciona como forma.

    No espao aberto por esta mediao, coloca-se de fato a questo das cincias modernas e contemporneas que, enquanto fsicas e matemticas, tm precisamente este estatuto intermedirio, porm, tm-no universalizado, isto , tornado extenso tanto quanto a physica27.

    Toms de Aquino tinha presente o erro de quem punha a Matemtica no lugar da Metafsica, e no da Fsica, por isto sublinha os limites do saber matemtico.

    A questo das cincias modernas se pe, ao contrrio, no nvel da Matemtica sobreposta fsica, problema que Toms no se punha enquanto tal, mas que

    27 Cfr. L. CONGIUNTI, Dalla physica alla fisica. Galileo e i gradi di astrazione, in Umanesimo cristiano nel III millennio: la prospettiva di Tommaso dAquino, Atti del Congresso Internazionale, Pontificia Accademia di San Tommaso, Citt del Vaticano 2005, vol. II.

  • 32 // Estudo de Temas Tomistas

    legitimamente pode ser abordado tambm a partir da sua reflexo28.

    28 Sulla possibilit di leggere le scienze moderne e contemporanee, grazie alla riflessione teoretica di Tommaso, cfr. per esempio, una convincente disamina della nozione di astrazione nelle scienze contemporanee, cfr. F. BERTEL, A. OLMI, A. SALUCCI, A. STRUMIA, Scienza, analogia, astrazione. Tommaso dAquino e le scienze della complessit, Il Poligrafo, Padova 1999.

  • - V -

    ARTE E BELEZA NO PENSAMENTO DE TOMS DE AQUINO

    O termo arte , hoje, particularmente equvoco;

    muito difcil circunscrever a arte, porque est ligada a qualquer objeto e a qualquer sujeito, indistinta e indiferentemente: a arte parece estar em naufrgio deriva do relativismo.

    Tambm neste mbito a clara e profunda reflexo de Toms pode auxiliar-nos. preciso dizer que ele no mostrou interesse particular pela dimenso esttica e artstica, porm, dentro do complexo organismo do seu pensamento, arte e beleza aparecem de um modo ou de outro delineadas com profunda clareza.

    Toms de Aquino oferece uma definio real de Ars arte, segundo o gnero e a diferena: ars est recta ratio factibilium29, ou seja, a arte a correta razo das coisas a serem feitas. Portanto, o gnero a recta ratio correta razo, e a espcie vem diferenciada pela referncia aos factibilia, s coisas a serem feitas, a serem produzidas.

    Em outros lugares a Arte vem definida ordinatio rationis30 ordenao da razo. A Arte , assim, posta entre as virtudes dianoticas, isto , entre as perfeies da alma racional; entretanto, estreitamente ligada ao conhecimento e fabricao de objetos; poderemos exemplificar que Arte um saber fazer.

    Trata-se de uma definio ampla, que mantm juntas todas as modalidades de saber fazer: desde construir mesas a escrever poesias, desde pintar a cozinhar, desde que sejam bem feitos, com recta ratio correta razo. Dentro deste conceito to vasto, facilmente

    29 TOMMASO D AQUINO, S. Theol., I-II, q. 57, a. 3, ad 3um. 30 IDEM, I Anal., I, a.

  • 34 // Estudo de Temas Tomistas

    se pe uma distino entre as artes caracterizadas principalmente pela beleza e as artes caracterizadas principalmente pela utilidade.

    A arte um produto do esprito, um fazer racional, seja ela arte liberal e/ou arte mecnica31. Escreve R. Papa:

    Esta racionalidade consente ao artista imprimir uma forma na matria. A isto pode ser sinteticamente reconduzida a ao criativa do artista: a um saber informar, em certo modo, a matria. Isto implica, a meu ver, uma sria considerao da premeditao do fazer artstico que no nunca, e nunca deveria ser, uma mistura com a matria, sem projetualidade, sem finalidade, sem cultura32. A arte se confronta com o particular e com o

    universal, como afirma o F. Olgiati: Quando se consegue imitar a forma (o universal) mediante a matria (o particular) e bem este o verdadeiro conceito da mimesis aristotlica ns temos a arte, cuja nota essencial consiste na claritas, diferentemente do verdadeiro cuja natureza est na evidncia.33 Na Idade Mdia, as artes figurativas eram

    excludas do hall mais nobre, das artes liberais, e eram definidas artes servis: Toms de Aquino distingue as artes mecnicas e as artes liberais; as primeiras ordinantur ad opera per corpus exercita ordenadas obra exercida pelo corpo; as segundas, ordinantur ad opera rationis

    31 Para um maior desenvolvimento destas questes: cf. R. PAPA, Lo statuto epistemologico dellarte. Riflessioni teoretiche in margine a Leonardo, in Euntes docete (2001), I, pp. 159-173. 32 IDEM, Bellezza ed arte alla luce di san Tommaso, in L. CONGIUNTI-G. PERILLO (a cura di), Studi sul pensiero di San Tommaso dAquino nel XXX anniversario della SITA, LAS, Roma 2009. 33 F. OLGIATI, La simplex apprehensio e lintuizione artistica, in Rivista di filosofia neoscolastica, XXV (1933), 4, p. 529.

  • O Acaso... // 35

    ordenadas obra da razo; e as primeiras so serviles servis, inquantum corpus serviliter subditur animae, et homo secundum animam est liber enquanto corpo servilmente submetido alma, e o homem segundo a alma livre; e nelas se figuram a pintura e a escultura, conforme cultura medieval.

    Toms de Aquino, no entanto, acrescenta: Nec oportet si liberales sunt nobiliores, quod magis eis conveniat ratio artis E se as artes liberais so mais nobres, nem por isto lhes convm mais a razo de arte e como j sublinhamos Ars nihil aliud est quam recta ratio factibilium34 A arte outra coisa no que a correta razo das coisas a serem feitas.

    Mesmo se as artes eram consideradas servis, tambm o agir do artifex (artifex creatus) artfice criador por analogia era usado para falar do Artifex divino. F. Olgiati sublinha que este uso anlogo do termo testemunha como redutivo traduzir o artifex medieval exclusivamente com arteso, reduo que tambm vem costumeiramente usada para negar a consistncia teortica e a atualidade da esttica medieval e tomasiana em particular:

    No precisa admirar-se se para os nossos velhos no existissem abismos entre o arteso e o artista. Arteso tinha sido Jesus, o Mestre; e tambm a propsito de Deus, podia-se e devia-se falar de ars no sentido geral supra descrito: Eorum omnium ensinava So Toms quae a Deo in esse procedunt ratio propria in divino intellectu est... Ratio autem rei fiendae in mente facientis ars est; unde Philosophus dicit (Ethic., VI, c. 5) quod ars est recta ratio factibilium. Est igitur proprie ars in Deo. Palavras, que eu gostaria que fossem meditadas, quando se confunde ars com profisso! So Toms

    34 TOMMASO D AQUINO, S. Theol., I-II, q. 57, a. 3, ad 3um.

  • 36 // Estudo de Temas Tomistas

    nunca teria dito que Deus, propriamente falando, exercita uma profisso!35 A Arte, enquanto atividade superior humana, no

    ligada somente ao mundo sensvel os animais, de fato, mesmo havendo um riqussimo conhecimento sensvel, no produzem arte), sempre em um certo modo abstrata, ou seja, implica sempre uma abstrao. Para recorrer ainda s lmpidas explicitaes da filosofia tomasiana operadas por F. Olgiati:

    tambm para So Toms o abstrato, enquanto abstrato, no arte, ou seja, a simplex apprehensio simples apreenso, enquanto simplex apprehensio, no ainda atividade esttica; todavia a atividade esttica no seria possvel se no existisse a ideia a ser exprimida.36

    A peculiaridade da Arte, est no modo com que

    exprime o universal, descendo na individualidade da obra: na Arte vem expresso

    o abstrato mediante o concreto, a forma mediante a matria, o universal mediante o individual, a simplex apprehensio simples apreenso intelectiva mediante a imagem sensvel.37

    Nesta operao, to rica, na qual o homem, por

    assim dizer, parte de uma realidade individual a 35 F. OLGIATI, S. Tommaso e larte, in Rivista di Filosofia Neoscolastica, XXVI (1934) 1, p.. 97. A citao de Toms de Aquino tirada da S. Theol. I-II, q. 58, a. 5, ad 2um. NOTA DO EDITOR: Alm disso, como acima foi demonstrado (c. LIV),

    ao intelecto divino no pode faltar o conceito prprio das coisas que procedem de Deus quanto ao ser. Ora, na mente do autor, o conceito das coisas a serem feitas chama-se arte, donde o Filsofo dizer que a arte a reta ideia do que ser feito (VI tica 4, 1140a; Cmt 3, 1153-1160). Logo, h propriamente arte em Deus. Da afirmar a Escritura: O artfice me ensinou todas as coisas (Sb 7,21). 36 F. OLGIATI, S. Tommaso e larte, cit ,.p. 528. 37 Ibidem, p. 529.

  • O Acaso... // 37

    realidade conhecida para depois voltar a uma outra realidade individual por ele mesmo produzida, o homem age segundo a imagem de Deus Criador.

    Deus cria do nada, a criao um puro ato perfeito do seu perfeito conhecimento e vontade. O homem, portanto, propriamente falando no cria, ao mximo recria, enquanto o operar artstico humano parte sempre das obras de Deus, do Criador. A novidade do operar artstico uma novidade parcial; somente Deus um artista global: a novidade das suas obras , de fato, uma real inovao ontolgica.

    A reflexo de Toms consente de compreender a realidade da Arte, inserindo-a nas complexas atividades humanas e radicando-a, como toda realidade boa, em Deus.

  • 38 // Estudo de Temas Tomistas

  • - VI -

    O ACASO NO PENSAMENTO DE TOMS DE AQUINO

    comum a todos, a experincia de acontecimentos

    casuais. Frequentemente o acaso aparece tambm nas explicaes cientficas como se fosse uma causa. O argumento muito importante e requer um esclarecimento.

    O termo latino casus um nome abstrato masculino derivado por sua vez de casum (kadtum antigo supino do verbo cadere), com o significado primrio de queda, seja no sentido literal, seja naquele translado de declnio, fim, destruio. Esta relao entre cair e acaso dever ser considerada durante toda a nossa reflexo.

    O significado de acaso se estende a evento, acidente, eventual, imprevisto, etc. tambm no Latim clssico, como testemunham Ccero, Cornlio Nepote e Virglio.

    O ablativo cas continua semanticamente nas locues conjuntivas ou adverbiais, como a-caso, por acaso, em caso de. Do Latim e, mais decisivamente, nas lnguas modernas o casus significa principalmente evento fortuito, imprevisto, acidental; causa misteriosa, irracional.

    Notemos que a imprevisibilidade englobada na ideia de queda, como ruptura da ordem das coisas, ruptura das sequncias previstas. H, por isto, um tom proeminente de significado negativo, ou ao menos problemtica, exatamente como o cair fsico.

    O acaso , para Toms de Aquino, a natureza que opera sem intencionalidade ao fim; isto , acontecem dos eventos dependentes do encontro no-entendido, no querido, fortuito, de causas eficientes e finais, nenhuma

  • 40 // Estudo de Temas Tomistas

    das quais, por si, teria produzido aquele efeito. Por exemplo, o choque casual entre uma folha movida pelo vento e o rosto de uma pessoa que vai em bicicleta: duas trajetrias que se encontram.

    Muito frequentemente, na nossa prpria vida, acontecem eventos no previstos, que reconhecemos como casuais. Por exemplo, duas pessoas, por motivos diversos se dirigem Estao de trem: uma para viajar, a outra por curiosidade de contar quantos sejam os trilhos, e se encontram. Pois bem, este encontro, enquanto no procurado, no causado, pode dizer-se casual. Compreendamos bem que se trata de um evento casual e nem mesmo nos surpreendemos que acontea com frequncia. Sabemos bem que o entrelaar-se das causas e dos fins produz constantemente eventos no queridos, no entendidos, no previstos.

    Na natureza, o acaso se liga contingncia do operar das coisas fsicas; de fato, o operar e o agir natural so falveis, expostos ao erro, ao imprevisvel; ainda a natureza extremamente complexa, e nenhum evento acontece em modo isolado; tudo se encontra e se entrelaa, de modo que todo evento produz no s o prprio efeito, mas muitos outros no pretendidos, no previstos, exatamente pelo interagir constante dos eventos e das causas.

    A casualidade real, enquanto na ordem contingente natural, alguns efeitos no vm atingidos, por fraqueza da causa, por indisposio da natureza, por interveno de outras causas.

    Os eventos casuais podem ser contra naturam, praeter naturam, secundum naturam, ou seja, contra a natureza, indiferente ou segundo a natureza; em palavras mais simples, podem ser positivos, neutros ou negativos. Os eventos casuais, no entanto, nunca podem ir alm da possibilidade da natureza.

    O acaso no constitui uma negao da ordem, de fato o caso no existiria na desordem geral, porque

  • O Acaso... // 41

    exatamente um evento margem da lei geral: o caso remete ordem. Ns reconhecemos aquilo que acontece por acaso, exatamente porque aparece como diverso daquilo que tem uma razo prpria na ordem geral das coisas.

    O intelecto humano procura dominar o acaso, por exemplo, com o clculo das probabilidades, com as estatsticas globais, que todavia consentem somente uma aproximao muito geral aos eventos casuais. O progresso dos saberes e das cincias conduz normalmente a compreender quais causas se escondem atrs daquilo que parece casual. Mas o acaso no aparece eliminvel da realidade da natureza e da vida das pessoas: no conseguimos, nem logicamente poderemos nunca, dominar todas as variveis e prever todos os efeitos.

    Antes, o progresso da Fsica, normalmente conduz conscincia de quo pouco podemos prever e dominar o curso da natureza. Os eventos casuais no mundo microscpico e tambm macroscpico no se subtraem a esta anlise: certamente l onde no se manifesta a liberdade do homem aparecem mais fortes as opostas tentaes de pensar que tudo acaso ou, vice-versa, que tudo necessidade. S uma compreenso adequada da noo de causa, anula esta alternativa e consente de abraar a realidade na sua complexidade, feita de necessidade e de liberdade, de ordem e de contingncia.

    De fato, somente a compreenso que a ordem natural complexa e contingente, dinmica e sempre instvel, finalizada e no mecnica, pois bem, somente tal compreenso consente de admitir o acaso dentro da natureza, sem renunciar compreenso da sua racionalidade.

    Aparece logicamente implicado que somente para uma inteligncia fora do tempo e onisciente o acaso no existe. Deus, de fato, conhece todo indivduo, cada evento singular e em cada aspecto. De modo que somente a nvel propriamente teolgico, o acaso resulta radicalmente

  • 42 // Estudo de Temas Tomistas

    resolvido: o imprevisto no perde o seu grau de mistrio, mas adquire um significado dentro de um horizonte providencial.

    Escreve agudamente Toms de Aquino na Summa contra Gentiles: Divinae providentiae exigit quod sit casus et fortuna in rebus38, ou seja, A Divina Providncia exige que exista o acaso e a sorte nas coisas.

    Portanto, se o acaso aquilo que vai alm das intenes do sujeito, ento exigido pela Divina Providncia. O acaso , em certo sentido, garantia de uma ordem contingente em que pode agir a liberdade dos homens e na qual se exprime a Providncia de Deus.

    Em uma viso global de f e razo, o acaso no se anula, mas se torna compreensvel, um pouco como se compreende quanto os incidentes e as catstrofes faam parte da beleza da terra.

    Escreve ainda Toms de Aquino na Summa Theologiae:

    Sendo, portanto, Deus o provedor universal de todo o ser, pertence sua providncia o permitir alguns defeitos em alguma coisa em particular, para que no seja impedido o bem perfeito do Universo. Se de fato fossem impedidos todos os males, muitos bens viriam a faltar no Universo: como no existiria a vida do leo se no existisse a morte de outros animais, nem existiria a pacincia dos mrtires se no existisse a perseguio dos tiranos.39 Analogamente, no seria igual a ordem natural sem

    o acaso, que torna divertidos os jogos (os jogos confiados somente habilidade seriam cansativos) e que deixa espao ao imprevisto que nos interpela, que se dirige a ns e ns estamos certos, por f, que nada escapa ao Provedor universal de todo o ser.

    38 TOMMASO DAQUINO, Summa contra Gentiles, libro 3, cap. 74, n. 6. 39 IDEM, Summa theologiae, I, q, 22,a, 2, ad2um.

  • - VII -

    A SAGRADA DOUTRINA SEGUNDO TOMS DE AQUINO

    Na Questo I, da Parte I, da Summa Theologiae,

    Toms de Aquino se interroga se seja necessria uma outra doutrina, alm das disciplinas filosficas, isto , conseguidas com a razo humana; ou seja, se seja necessria uma doutrina que proceda da divina Revelao.

    A sua resposta afirmativa e resulta bem motivada: a Sagrada Doutrina necessria em relao ao fim do homem, que a salvao; e necessria em relao aos limites do conhecimento racionalmente conseguvel, pelo qual resulta necessria a Revelao tambm referente quelas verdades sobre Deus que a razo pode atingir, mas da parte de poucos, com longo tempo e com muitos erros:

    Era necessrio para a salvao do homem que, alm das disciplinas filosficas, objeto de indagao racional, existisse uma outra doutrina procedente da Divina Revelao. Antes de tudo porque o homem ordenado a Deus como a um fim que supera as capacidades da razo, segundo o dito de Isaas [64, 3]. Olho no viu, exceto tu, o Deus, que coisa preparastes para aqueles que te amam. Ora, necessrio que os homens conheam precedentemente este seu fim, para que lhe direcionem as suas intenes e suas aes. E assim, para a salvao do homem, foi necessrio que mediante a Divina Revelao lhe fossem reveladas coisas superiores razo humana. Antes, mesmo sobre aquilo que sobre Deus o homem pode indagar com a razo foi necessrio que fosse admoestado pela Revelao Divina, porque um conhecimento racional de Deus no teria sido acessvel se no a poucos, depois de longo

  • 44 // Estudo de Temas Tomistas

    tempo e no sem erros; e, no entanto, sobre o conhecimento de tais verdades depende a salvao do homem, que posta em Deus. Portanto, para prover salvao dos homens em modo mais conveniente e mais certo, foi necessrio que sobre as realidades divinas eles fossem instrudos por Divina Revelao. Daqui a necessidade, alm das disciplinas filosficas, objeto da investigao racional, de uma doutrina

    conseguida por Divina Revelao.40 Muito interessante tambm a motivao

    metodolgica, que pe a distino, mas tambm a relao entre o plano racional e aquele ulterior da Revelao:

    A diversidade de princpios ou de pontos de vista causa a diversidade das cincias. Uma mesma concluso cientfica pode ser demonstrada, de fato, seja por um astrnomo que por um fsico: por exemplo, a circularidade da terra; mas o astrnomo parte de critrios matemticos, isto , faz abstrao das qualidades da matria, enquanto o fsico a demonstra tendo conta da concretude da matria. Portanto, nada impede que dos objetos tratados pela filosofia com a luz da razo natural trate tambm uma outra cincia que proceda luz da Revelao. E assim a teologia que faz parte da doutrina sagrada difere, segundo o gnero, da teologia que faz parte das disciplinas filosficas.41

    Toms de Aquino afirma que uma mesma

    concluso pode ser demonstrada, com diversos mtodo e motivao, por diversas cincias; por exemplo, pelo astrnomo por meio de argumentaes matemticas (a astronomia cincia mdia, materialmente fsica e formalmente matemtica) e pelo filsofo natural por meio de consideraes ligadas matria fsica. Mas nada impede que destas coisas, cognoscveis por meio do lume

    40 S. Tommaso dAquino, S. Theol., I, q. 1, a. 1, resp. 41 Ibidem, ad 2 um

  • A Verdade... // 45

    da razo natural, uma outra cincia possa tratar mediante o lume da Divina Revelao.

    Sublinha-se que diversa a teologia que pertence Sagrada Doutrina e que haure, portanto, luz da divina Revelao e procede da razo e da f; e diversa a teologia que parte da Filosofia. Trata-se de uma diferena de gnero, que no implica diversidade de objeto: de fato, no se d nem poderia dar-se contradio entre a teologia revelada e a teologia natural.

    Algumas cincias do homem, procedem dos princpios conhecidos luz do intelecto natural, como a aritmtica e a geometria. Outras, ao invs, procedem de princpios tornados conhecidos pela aritmtica. A Sagrada Doutrina uma cincia que procede dos princpios conhecidos luz de cincias superiores, que so a cincia de Deus e dos benditos:

    A Doutrina Sagrada uma cincia. Precisa porm, saber que existe um duplo gnero de cincias. Algumas, de fato, procedem de princpios conhecidos atravs do lume natural do intelecto, como a aritmtica e a geometria, outras, ao invs, procedem de princpios conhecidos luz de uma cincia superior: por exemplo, a perspectiva se embasa sobre princpios de geometria e a msica sobre princpios de aritmtica. E deste modo a Doutrina Sagrada uma cincia: enquanto se apoia sobre princpios conhecidos luz de uma cincia superior, isto , da cincia de Deus e dos benditos. Como, portanto, a msica admite os princpios que lhe fornece a matemtica, assim a Doutrina Sagrada aceita os princpios revelados por Deus.42 Portanto, tambm a Sagrada Doutrina cincia, e

    cincia subalterna como a msica e a perspectiva; a peculiaridade que a Sagrada Doutrina subalterna de uma cincia no humana, isto , da cincia de Deus e dos benditos.

    42 Ibidem, q. 1, a. 2, resp.

  • 46 // Estudo de Temas Tomistas

    Tudo isto resulta em um magnfico edifcio do

    saber, onde as cincias do homem podem encontrar a luz da cincia de Deus. A Sagrada Doutrina, aquela que hoje chamamos teologia revelada ou teologia tout court, o horizonte em que fides et ratio encontram ntima conexo: trata-se de um saber cientfico que epistemologicamente requer a f na Revelao, porque vive de princpios que haure na cincia de Deus e dos benditos.

    Esta fundamental diferena que no barreira de separao, mas fronteira de comunicao, no muro, mas ponte implica um tipo de percurso metodologicamente inverso43: as criaturas as mesmas criaturas que luz da razo natural so consideradas por primeiras e que podem conduzir a Deus, ao invs, so consideradas a partir de Deus no saber revelado.

    Entre as cincias que se ocupam primeiro da criatura, poderamos colocar em destaque tambm as cincias particulares experimentais-matemticas, tambm estas cincias humanas, porque so saberes do homem e sobretudo porque, corretamente entendidas e justamente colocadas, podem contribuir cultivatio animi, que a verdadeira essncia da cultura humanista.

    A justa colocao de cada cincia no grande edifcio hierrquico das cincias (humanas, dos benditos, de Deus) consente de evitar invases e equvocos, fruto de uma incorreta impostao metodolgica.

    43 IDEM, C. Gent., lib. II, cap. IV.

  • - VIII -

    A VERDADE EM TOMS DE AQUINO Sabemos bem como um dos grandes males do

    mundo contemporneo seja constitudo pelo relativismo. Uma explicao muito clara do que seja o relativismo foi dada pelo ento cardeal Joseph Ratzinger na homilia da Missa Pro Eligendo Romano Pontifice, do dia 18 de abril de 2005, na qual o definiu como o deixar-se levar c e l por qualquer vento de doutrina e nos mostra o violento perigo: Vai se constituindo uma ditadura do relativismo que no reconhece nada como definitivo e que deixa como ltima medida somente o prprio eu e as suas vontades.

    Vrias vezes no curso do seu magistrio, Bento XVI insistiu sobre estes aspectos. Por exemplo, no Discurso sobre F, razo e universidade, pronunciado na Universit de Regensburg, em 12 de setembro de 2006, o Papa descreve a situao do mundo relativista:

    O sujeito decide, em base s suas experincias, o que lhe parece religiosamente sustentvel, e a conscincia subjetiva se torna definitivamente a nica instncia tica. Deste modo, porm, o thos e a religio perdem a sua fora de criar uma comunidade e caem no mbito da discrio pessoal.

    E ainda, por exemplo, na Encclica Caritas in

    veritate, 29 junho de 2009, Bento XVI mostra os perigos nsitos em uma viso relativista do homem; em modo particular na delicada questo da educao:

    Com o termo educao no se refere somente instruo ou formao ao trabalho, ambas so causas importantes de desenvolvimento, mas formao completa da pessoa. A este propsito vai sublinhado um aspecto problemtico: para educar precisa saber quem

  • 48 // Estudo de Temas Tomistas

    a pessoa humana, conhecer a sua natureza. O afirmar-se de uma viso relativista de tal natureza pe srios problemas educao, sobretudo educao moral, prejudicando a sua extenso a nvel universal. Cedendo a semelhante relativismo, todos se tornam mais pobres, com consequncias negativas tambm sobre a eficcia da ajuda s populaes mais necessitadas, as quais no tem somente necessidade de meios econmicos ou tcnicos, mas tambm de caminhos e de meios pedaggicos que auxiliem as pessoas na sua plena realizao humana (n. 61).

    O verdadeiro problema a questo da verdade,

    que envolve a razo e a f. Na Encclica Fides et Ratio, 14 de setembro de 1998, Joo Paulo II escreveu:

    A f e a razo so como as duas asas com as quais o esprito humano se eleva rumo contemplao da verdade. E Deus ao haver posto no corao do homem o desejo de conhecer a verdade e, definitivamente, de conhec-lo porque, conhecendo-o e amando-o, possa chegar tambm plena verdade sobre si mesmo.

    Toms de Aquino, na mesma encclica, vem

    proposto como modelo pelo grande mrito de pr em primeiro plano a harmonia que intercorre entre a razo e a f. (n. 43)

    Como recorda ainda a Fides et Ratio: Intimamente convencido que omne verum a quocumque dicatur a Spiritu Sancto est toda verdade dita vem do Esprito Santo, So Toms amou em maneira desinteressada a verdade. Ele a buscou por toda parte ela se pudesse manifestar, evidenciando ao mximo a sua universalidade. (n. 44)

    Mas o que a verdade para Toms de Aquino?

    Queremos nos limitar anlise de uma passagem bem precisa da sua reflexo, ou seja, a primeira Questo

  • A Verdade... // 49

    Disputada De veritate, na qual no corpus do Artigo I, a verdade vem definida adaequatio rei et intellectus adequao da coisa e o intelecto. Antes de tudo notemos que se trata de uma relao dinmica de conformidade (na adequatio aparece a finalidade desta ad-aequatio) entre o intelecto e a coisa.

    No corpus do Artigo II, Toms precisa que ocorre distinguir entre intelecto divino e intelecto humano (no qual se distinguem os intelectos especulativo e prtico).

    O homem no faz as coisas (exceto aquelas artificiais, que obtm por transformao); para o homem conhecer a verdade significa esforar-se de compreender como so as coisas, adequar-se verdade das coisas. Deus, ao invs, cria a realidade; o seu pensamento criativo, portanto, as coisas so como Deus as pensa. Existe uma verdade ontolgica da realidade, enquanto criada por Deus. Isto quer dizer que no se pode manipular a bel prazer a verdade. Podemos at afirmar que a gua fervente no fervente, mas sempre fervente ela ser; assim como podemos tambm afirmar que o homem somente matria, mas ele permanecer aquilo que ontologicamente , sntese de alma e de corpo; ainda, pode-se afirmar que matar uma pessoa humana seja um bem, mas isto permanece sendo um mal.

    Como escreve limpidamente Toms de Aquino, no mesmo Artigo II, o intelecto divino mensurante no mensurado, ou seja, a medida do verdadeiro, do bom, do belo e no submetido a nenhum vnculo: as coisas naturais so mensuradas enquanto respondem racionalidade de Deus, tm uma identidade ontolgica dada (o ouro ouro e no prata, a gua gua e no fogo, o homem homem e no fera); mas elas so tambm mensurantes, isto , elas so o termo do conhecimento humano, impem-se ao pensamento que quer conhecer a verdade. Enfim o intelecto humano no mensurante, mas mensurado, ou seja, no medida das coisas, mas

  • 50 // Estudo de Temas Tomistas

    medido pelas coisas: se quisermos conhecer a realidade, devemos nos esforar de reconhec-la assim como ela .

  • - IX -

    A ALMA PARA TOMS DE AQUINO A pessoa humana uma realidade muito

    complexa: fsica e espiritual. s vezes, pensa-se o homem em termos dualistas, como se fosse composto de duas substncias separadas, o corpo e a alma, caindo-se frequentemente em concepes reducionistas, ou de tipo materialista considerando que no homem tudo reduzvel a elementos fsicos; ou ento espiritualistas, pensando o homem como se fosse um puro esprito. Ao invs, a pessoa humana fortemente unitria; uma nica substncia psicofsica, dotada de uma complexa vida vegetativa, sensitiva e racional.

    Para compreender bem a profunda unidade da alma e do corpo; e ao mesmo tempo para garantir tanto a dignidade do corpo quanto a espiritualidade da alma, fundamental fazer referncia reflexo de Toms de Aquino.

    Toms sabe dar razo profunda do ser humano, explicando-o em toda a sua complexa riqueza. Ele se vale da filosofia aristotlica, mas a enriquece de uma reflexo mais profunda, tornada mais forte pela luz da F.

    Toms retoma de Aristteles a concepo da alma como forma do corpo. Toda substncia corprea vem explicada, na perspectiva de Aristteles, nos termos de uma composio unitria de dois princpios, um de atualidade, que confere identidade, e um de potencialidade, que possibilita de mudana. Ele chamou o princpio de atualidade morphe, ou seja, forma substancial, e o princpio de mudana, yle, ou seja, matria.

    Todas as substncias corpreas tm uma identidade estvel mesmo mudando; tm uma individualidade i-repetvel e, ao mesmo tempo, pertencem

  • 52 // Estudo de Temas Tomistas

    a uma espcie, em virtude de tal composio. Sem a forma substancial, a matria seria pura possibilidade, ao invs, a forma d ato matria, realiza-a como corpo.

    O ato em sentido filosfico uma perfeio atuada e adquirida estavelmente. Na substncia, o ato primeiro exatamente a forma substancial, o ato que d identidade a toda a substncia; nos viventes o ato primeiro da substncia corprea a alma.

    A forma substancial no pode ser identificada com um princpio material de informao (como o DNA, por exemplo) mas aquele princpio que explica todas as possveis informaes que rendem a matria uma coisa e no outra.

    Pois bem, tal composio il-mrfica que distingue todos os corpos, h nos viventes uma relevncia especial. De fato nos viventes, a forma substancial, ou seja, o princpio unificador e atuante, sempre um princpio de vida, ou seja, uma alma.

    Os corpos viventes so animados, ou seja, tm uma forma substancial capaz dos atos tpicos da vida: dos atos mais simples prprios de todos os viventes (como gerar, nutrir-se, crescer), aos atos mais complexos prprios dos animais (como sentir, ter instintos) at aos riqussimos atos prprios somente do animal racional, ou seja, do homem (pensar e livremente querer).

    Seguindo a impostao de Aristteles, Toms de Aquino afirma que a alma vegetativa a forma substancial dos vegetais e atua as funes vegetativas (nutrio, crescimento e reproduo), a alma sensitiva a forma substancial dos animais e atua as funes vegetativas e aquelas sensitivas (reproduo sexuada, conhecimento sensitivo, instinto).

    A alma racional a forma substancial dos seres humanos e atua as funes vegetativas, aquelas sensitivas e racionais (conhecimento racional e intelectual; livre vontade, espiritualidade, etc.).

  • A Alma... // 53

    Ocorre sublinhar, junto com Toms de Aquino, que

    toda substncia individual h uma s forma substancial, porque seria contraditrio um indivduo com mais formas substanciais: pertenceria, simultaneamente, a mais espcies e no teria nenhuma individualidade, mas seria composto; seria si mesmo e outra coisa.

    Em virtude de uma e nica forma substancial, pode-se sustentar que quando um homem reduzido vida vegetativa ainda um homem vivente e no um vegetal, porque nos seres humanos as funes vegetativas so atuadas pela nica alma racional.

    Na natureza encontramos somente substncias hilemrficas, isto , compostas de matria e forma, mas no se exclui que existam substncias sem matria, como os Anjos (aos quais Toms dedica belssimas reflexes).

    Entre as substncias hilemrficas, isto , compostas de matria e forma, a pessoa humana possui um valor peculiar, no imersa na matria como as outras coisas, a sua vida no exclusivamente material e no termina como todas as coisas materiais.

    J Aristteles havia levantado a hiptese da separao da alma racional, mas Toms pensa mais a fundo a questo, conseguindo a explicar, com um verdadeiro golpe de gnio, a peculiaridade do ser humano que ser psquico-fsico e espiritual.

    De fato, ele afirma que a alma a forma substancial do corpo, mas tambm substncia, isto , h uma capacidade de subsistir, no depende do corpo para ser.

    Isto se pode argumentar, partindo da experincia interna dos atos prprios de uma alma racional, isto , ns podemos nos render conta da possibilidade de pr atos em si imateriais, como pensar e tudo aquilo que dele resulta.

    Escreve Toms de Aquino: necessrio que a alma intelectiva aja por conta prpria, havendo uma operao prpria sem a ajuda de um rgo corpreo. E porque cada um age enquanto em

  • 54 // Estudo de Temas Tomistas

    ato, ocorre que a alma intelectiva tenha o ser por si no dependente do corpo.

    Da imaterialidade da alma, da sua espiritualidade,

    do seu poder pr atos que no implicam necessariamente um rgo corpreo, compreendemos a possibilidade que a alma humana subsista tambm depois da morte do corpo, enquanto o seu ser no depende do corpo. Esta a particularidade da alma humana em relao a todas as outras formas substanciais: a alma humana forma substancial.

    A imortalidade da alma vem, neste modo, explicada com argumentaes racionais; a esta verdade atingida racionalmente se acrescenta a F na Ressurreio da carne, verdade inatingvel pela razo pura: em modo misterioso a unidade da pessoa ser recomposta; escreve Toms:

    a alma no permanecer sempre dividida do corpo. Ela imortal e por isto, um dia, dever religar-se ao seu corpo. Isto no outra coisa que a ressurreio.

  • - X -

    O CORPO SEGUNDO TOMS DE AQUINO A concepo do corpo proposta por Toms de

    Aquino responde com coerncia s dificuldades teolgicas presentes no seu tempo, ou seja, a certa tendncia platonizante que via a verdadeira essncia do homem somente na alma, no corpo via uma condio degradada de priso; e tambm a certa tendncia a conceber a unio de alma e corpo como sendo acidental.

    Estas concepes eram sustentadas, tambm com certo equilbrio, por muitos telogos contemporneos de Toms, mas frequentemente degeneravam em concepes totalmente desequilibradas, nas quais o corpo e toda a atividade corporal eram consideradas como negativas, malignas, que deviam ser reprimidas. Por exemplo, a heresia ctara (ctaro significa puro) buscava na vida uma impossvel pureza angelical, condenando at mesmo o Matrimnio.

    Toms de Aquino responde com grande coerncia no s s degeneraes herticas, mas tambm s impostaes teolgicas espirituais, inspirando-se na filosofia de Aristteles, mas renovando-a profundamente e vivificando-a com a viso superior da Revelao.

    A concepo tomasiana do homem, fortemente unitria, baseia-se em uma slida reflexo racional e sobre uma profunda meditao crist. Enquanto solidamente fundada, tal concepo capaz de responder tambm s dificuldades atuais; na nossa contemporaneidade, de um lado se respira excessivo espiritualismo, de outro lado se respira temerrio materialismo; e em geral se incapaz de conceber a profunda unidade de alma e corpo e, consequentemente, a profunda dignidade do corpo. Recordemos, de fato, que a relevncia moral da

  • 56 // Estudo de Temas Tomistas

    corporeidade diretamente proporcional ao reconhecimento da sua importncia.

    Desde o seu opsculo juvenil De ente et essentia, Toms de Aquino toma logo uma decisiva posio. A essncia do homem est na composio de alma e corpo. O homem alma e corpo. Certamente a alma, enquanto forma substancial, enquanto ato primeiro do corpo, enquanto racional e espiritual, possui prevalncia ontolgica e valorativa sobre o corpo, mas o corpo parte substancial e essencial da pessoa humana.

    A alma sozinha no pode ser dita pessoa (Summa Theologiae, I, q. 29, aq. 1, ad 5). O ser humano proposto como exemplo de substncia composta: no se pode dizer que o corpo sozinho seja a sua essncia e nem mesmo que a alma sozinha o seja.

    O que , portanto, o corpo? O corpo uma realidade unitria, um composto material tornado uno pelo ato da alma, que o faz corpo vivo e sensvel, animado. Toms de Aquino escreve: enquanto forma espiritual, a alma dispe de um prprio ato de ser, e enquanto forma do corpo, comunica o seu ato de ser (Contra Gentiles, II, q. 68).

    A unio de alma e corpo natural, no contra a natureza da alma, antes natural alma ser unida ao corpo humano (De an., a. 8). A pessoa humana, como composio de alma e corpo, extremamente harmoniosa: a disposio do corpo ao qual unida a alma racional deve ser um complexo muito harmonioso (De an., art. 8).

    O corpo uma realidade unitria; as vrias partes e as vrias atividades funcionam juntas e com coordenao porque o corpo animado por uma s alma, que d vida, estrutura, movimento, atividade. A unidade do corpo exclui que ele seja um agregado de partes, antes, as partes no tm significado se separadas do corpo. Uma mo uma mo verdadeira somente se est unida ao corpo, diversamente, um pedao de carne incapaz de

  • O Corpo... // 57

    agir, destinado a corromper-se, e no pode nem mesmo ser dita mo.

    Recordemos que a imagem da unidade do organismo, enquanto unidade complexa animada por uma nica vida, frequente e importante por exemplo, na teologia paulina. O corpo no , portanto, intrinsecamente negativo, nem est em oposio ou em contraste alma. Escreve, de fato, com muita clareza Toms de Aquino: Se o corpo pesa a alma, isto no acontece em fora da sua natureza, mas porque se corrompe (De pot., q. 3, a. 10, ad 7).

    A importncia da unidade de alma e corpo resulta confirmada e exaltada pela Revelao do mistrio da Ressurreio dos corpos. Trata-se de um mistrio inatingvel para a razo humana, e todavia responde a uma expectativa da razo.

    Escreve Toms de Aquino: Vimos que as almas dos corpos so imortais; portanto, permanecem separadas dos corpos depois da morte. Mas sabemos tambm que a alma tem a tendncia natural a ficar com o corpo, porque forma do corpo; por isto, o estar separada dele contrrio sua natureza. Ora, nada que contrrio natureza pode durar em perptuo; portanto, a alma no permanecer para sempre dividida do corpo. Ela, de fato, imortal, e por esta prerrogativa dever um dia reunir-se ao seu corpo (Contra Gentiles, IV, q. 79).

  • 58 // Estudo de Temas Tomistas

  • - XI -

    OS ANJOS NO PENSAMENTO DE TOMS DE AQUINO

    Faz parte de nossa f crer na existncia dos anjos.

    A Sagrada Escritura prope as criaturas celestes que se colocam como mensageiros entre Deus e os homens. Sobretudo, nos Evangelhos os anjos tm um papel bem definido. O grande anncio da Encarnao do Verbo levado a Maria por um Anjo.

    Hoje, assistimos a duas atitudes opostas: de um lado, uma ctica desconfiana em relao existncia real dos anjos; como se os anjos fossem figuras inventadas, adequadas psicologia das crianas. De outro lado oposto, existem tendncias esotricas que pretendem de saber tantas coisas sobre os anjos, os seus nomes, a sua identidade particular, etc.

    Os anjos existem verdadeiramente, no uma fbula para crianas, mas dos anjos sabemos pouco: a Sagrada Escritura nos diz sobriamente somente aquilo que precisamos saber sobre eles, e a reflexo racional muito rica sobre as criaturas espirituais ajuda-nos a compreender, sem exageraes msticas.

    Toms de Aquino oferece uma reflexo muito profunda sobre os anjos, que pode ser til para combater o ceticismo racionalista, mas tambm o esoterismo irracional. Os anjos so criaturas, portanto, so seres existentes, dependem de Deus para ser. Eles so substncias espirituais, portanto, no tm os limites da matria. So substncias que subsistem na sua plena identidade em uma condio puramente espiritual. A essncia de tais substncias anglicas somente forma substancial: poderemos defini-los substncias intelectuais.

    A espiritualidade total dos anjos implica algumas coisas: os anjos no tm corpo, portanto, no esto

  • 60 // Estudo de Temas Tomistas

    ligados s funes do corpo; no tm conhecimentos sensitivos, no tm instintos. No so masculinos ou femininos. A sua individualidade no procede da corporeidade. No existem tantos indivduos anjos da mesma espcie, mas como se cada anjo fosse uma espcie em si mesma.

    A espiritualidade deles mais ou menos perfeita em dependncia da sua proximidade ao Criador. Tanto mais esto prximos a Deus, quanto mais so perfeitos. A perfeio dos anjos, porm, nunca total; nunca coincide com a perfeio divina: eles so criaturas. Portanto, tm certos limites, certas carncias; no se fizeram por si mesmos, mas receberam o seu ser de Deus.

    Toms de Aquino escreve com muita clareza: O ser deles no , portanto, absoluto, mas recebido, e por isto limitado e finito segundo a capacidade da natureza receptora; mas a sua natureza ou quididade absoluta, no recebida em alguma matria. Portanto, diz-se no livro Sobre as causas que as inteligncias so infinitas em baixo, e finitas em alto: de fato so finitas em relao ao ser que recebem daquilo que superior; mas no so finitas em baixo, porque as suas formas no vm limitadas segundo a capacidade de alguma matria em grau de receb-las. (De ente et essentia, n. 5)

    Enquanto tais, os anjos no so eternos. Eles tm

    um incio no tempo. No necessrio que tenham um fim, enquanto no sendo compostos de alma e corpo no incorrem na decomposio, mas poderiam ser aniquilados por Deus. A sua durao , porm, igual perfeita eternidade de Deus, exatamente porque no so perfeitos. A maior ou menor perfeio dos anjos, a sua proximidade a Deus, explica as diversas hierarquias. A distino hierrquica se baseia sobretudo no grau da sua elevao sobrenatural e na sua viso beatfica, doada a eles por Deus.

  • Os Anjos... // 61

    Recordemos, enfim, que os anjos so pessoas.

    No pessoas compostas de alma e corpo, como as pessoas humanas, mas pessoas puramente espirituais, intelectuais, todavia, subsistentes na sua personalidade.

  • 62 // Estudo de Temas Tomistas

  • - XII -

    A AMIZADE SEGUNDO TOMS DE AQUINO A amizade constitui uma das relaes humanas

    mais importantes. A filosofia sempre dedicou muita ateno anlise desta relao afetiva. Por exemplo, Aristteles na tica a Nicmaco dedica muito espao amizade, afirmando, no livro VIII, que ningum poderia querer viver sem amigos.

    Particularmente importante a distino dos tipos de amizade em base aos motivos: a amizade pode ser motivada pelo til, pelo prazer e pelo bem.

    Os primeiros dois tipos de amizade duram pouco, enquanto no apenas decai a utilidade ou cessa o prazer elas terminam. Ao invs, somente a amizade fundada sobre o bem recproco verdadeira e duradoura, enquanto experimentam este sentimento por aquilo que os amigos so por si mesmos, e no acidentalmente (tica a Nicmaco, VIII, 1156 b 10-15).

    Toms de Aquino tambm dedica profundas anlises amizade, iluminando a reflexo filosfica com a superior perspectiva da Sagrada Doutrina. Neste contexto, importante o confronto com a caridade que, em modo particular, ele prope na Questo 23, da Parte II-II, da sua Summa Theologiae, no Artigo 1, onde se pergunta se a caridade seja uma amizade. No Respondo, Toms parte exatamente da reflexo aristotlica:

    Como ensina o Filsofo, no um amor qualquer, mas somente aquele acompanhado da benevolncia h natureza de amizade: isto , quando amamos algum em modo a desejar-lhe o bem.

    Toms esclarece que bem diversa a situao do

    amor de concupiscncia para com as coisas; antes,

  • 64 // Estudo de Temas Tomistas

    esclarece que ridculo dizer que algum h amizade pelo vinho ou pelo cavalo.

    Ainda especifica que o amor requer uma reciprocidade: requer-se o amor recproco: porque um amigo amigo para o amigo. Porque existe uma mtua benevolncia necessria uma comunho entre os amigos, e certa comunho existe entre Deus e o homem porque Deus nos rende partcipes da sua beatitude, assim como afirma So Paulo: Fiel Deus, por obra do qual fostes chamados comunho do Filho seu. Sobre esta base, Toms reconhece que a caridade uma amizade do homem para com Deus44.

    Esta importante afirmao, em que a Revelao ilumina e realiza a reflexo filosfica, implica profundos esclarecimentos. De fato, primeira objeo, relativa exatamente comunho, Toms responde distinguindo dois gneros de vida humana: uma fundada sobre a natureza sensvel e material, a outra, ao contrrio, espiritual, fundada sobre a alma. Pois bem, a comunho e o consrcio com Deus so consrcio de vida espiritual, comum, que nesta vida imperfeita, mas que se aperfeioar na ptria celeste:

    esta convivncia se aperfeioar na ptria, quando, segundo a expresso do Apocalipse, os seus servos serviro Deus e vero a sua face. Por isto, aqui temos uma caridade imperfeita, que se tornar perfeita na ptria.45 Na resposta segunda objeo, Toms especifica

    que o amor pode acontecer tambm por causa de outra pessoa, como quando amando um amigo se ama tambm todos aqueles que esto a ele unidos,

    44 TOMS DE AQUINO, Summa Theologiae, II-II, q. 23, a. 1, resp. 45 Ibidem, II-II, q. 23, a. 1, ad 1um.

  • A Amizade... // 65

    e o amor pode ser to grande a abraar pelo amigo aqueles que lhe pertencem, mesmo se nos ofendem e nos odeiam. E assim que a amizade da caridade se estende tambm aos inimigos, os quais so amados por ns por caridade em ordem a Deus, que o objeto principal desta amizade.46 A caridade, portanto, amizade, antes, a

    verdadeira e mais alta amizade; e a nica amizade verdadeiramente necessria, o fim ltimo do homem. Escreve a propsito Toms de Aquino:

    essencial para a beatitude, ou felicidade, a perfeio da caridade, enquanto amor para com Deus, mas no enquanto amor para com o prximo. Pelo qual se existisse uma s alma admitida a gozar Deus, seria beata, mesmo no havendo o prximo para amar. Mas, suposto o prximo, o amor para com ele surge do perfeito amor para com Deus. Onde a amizade quase um elemento concomitante da perfeita felicidade ou beatitude.47

    O filsofo italiano Umberto Galeazzi, grande

    conhecedor do pensamento de Toms de Aquino, assim comenta:

    Somente a amizade com Deus, bem no faltante e livre mesmo do limite temporal, que, por isto, nunca deixa de ser e nem desilude jamais, pode satisfazer o desejo profundo do corao do homem, cuja dimenso racional (com a vontade, que apetite racional), aberta e propensa rumo ao infinito, insatisfeita pela realidade finita. Deus a nica resposta verdadeira exigncia humana no s de perfeio e de plenitude, mas tambm de realizao da obrigao moral com o

    46 Ibidem, II-II, q. 23, a. 1,ad 2um. 47 Ibidem, II-II, q. 4, a. 8, ad 3um.

  • 66 // Estudo de Temas Tomistas

    reconhecimento e a adeso ao bem, e uma resposta superabundante, inexaurvel, alm de toda espera48.

    48 U. GALEAZZI, Il coraggio della ragione, Tommaso dAquino e lodierno dibattito filosofico, Armando, Roma 2012, p. 95.

  • - XIII -

    COMEAR DO PRINCPIO SEGUNDO TOMS DE AQUINO

    Nos anos de 1252-1256, quando tinha menos de

    trinta anos (tendo nascido em 1224 ou 1225), Toms de Aquino escreve um opsculo tradicionalmente recordado como De ente et essentia.

    Toms o oferece aos confrades e companheiros do convento dominicano de Saint Jacques (Paris) como subsdio de estudo, como esclarecimento de termos; durante a sua vida, espesso escrever textos que so verdadeiras obras de caridade intelectual.

    O opsculo uma obra prima, e desde o incio se apresenta precioso por indicaes de mtodo: como precisa organizar o caminho do pensamento?

    Os primeiros pargrafos do opsculo constituem, de fato, um prlogo programtico. Comea com os Porque um pequeno erro no incio, grande no final, como diz Aristteles.... A primeira citao dedicada a Aristteles, sempre chamado Philosophus, porque considerado por Toms o quanto de mximo a razo humana pode atingir sem a iluminao da F, porque Aristteles era um pago.

    Toms faz referncia passagem em que Aristteles escreve: o afastar-se em partida mesmo de pouco da verdade, multiplica-se ao infinito, medida que se procede (De caelo, I, 5, b-10).

    A citao interessante para a obra da qual extrada e pelo teor metodolgico. O texto do qual tirada , de fato, o De coelo, faz parte daquelas obras fsicas e metafsicas que chegaram ao pensamento medieval europeu no sculo XII. Toms escreve um comentrio a esta obra aristotlica, Sententia super librum De caelo et mundo, provavelmente em Npoles, em 1272-1273.

  • 68 // Estudo de Temas Tomistas

    O contexto da citao a possibilidade de um

    corpo infinito, mas vem tomada pela sua implicao no procedimento cognoscitivo. Aristteles afirma que o erro pequeno no incio, torna-se grande no final, porque o princpio grande em potncia e esta potncia vai atualizando-se at ao final. Portanto, em um pequeno erro inicial so potencialmente contidos enormes erros finais.

    Neste sentido gnosiolgico, a frase tinha sido citada por Averris. Toms, portanto, recorda que um erro pequeno no princpio, torna-se grande no final. Pode parecer uma banalidade, mas no o se refletimos sobre o que seja o princpio e o que seja o fim neste percurso aludido por ele.

    Toms comea do princpio. Em princpio uma expresso que reevoca o

    incio das Sagradas Escrituras, em hebraico be-reshit, e in grego en arch. Aqui estamos em um percurso filosfico, e evidentemente Toms est se referindo quilo que conhecido em princpio, o ponto de partida melhor para o aprendizado do conhecimento. De fato, sbito depois explica o que venha conhecido em princpio, ou seja, o ente e, depois, a essncia. A este propsito, Toms se refere Metafsica de Avicena.

    Avicena um pensador persa, de religio muulmana, que viveu entre 980 e 1077. O seu pensamento se nutre da Metafsica de Aristteles, do neoplatonismo de Plotino e de razes mais propriamente rabes. O De ente et essentia talvez seja o texto em que Toms demonstra maior proximidade a Avicena, ao qual se refere muitas vezes, explicitamente ou implicitamente.

    Toms afirma que em princpio os homens conhecem os entes e as essncias, portanto, bem que sobre eles no se cometam erros que poderiam ser causados exatamente pela ignorncia do significado dos termos (o erro coisa diversa da ignorncia: a remoo da ignorncia pode impedir o erro).

  • Comear do Princpio... // 69

    O homem, de fato, primeiro conhece as realidades,

    depois conhece a si mesmo como aquele que conhece e aquilo que conheceu como conhecido. Portanto, o homem o nico animal (enquanto racional) capaz de refletir, de voltar-se sobre s