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Psicologia Ciência e Profissão ISSN: 1414-9893 [email protected] Conselho Federal de Psicologia Brasil Miranda, Lilian; Kratochwill de Oliveira, Thaíssa Fernanda; Batista Tavares dos Santos, Catia Estudo de uma Rede de Atenção Psicossocial: Paradoxos e Efeitos da Precariedade Psicologia Ciência e Profissão, vol. 34, núm. 3, julio-septiembre, 2014, pp. 592-611 Conselho Federal de Psicologia Brasília, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=282033510005 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Estudo de uma Rede de Atenção Psicossocial: Paradoxos e Efeitos

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Psicologia Ciência e Profissão

ISSN: 1414-9893

[email protected]

Conselho Federal de Psicologia

Brasil

Miranda, Lilian; Kratochwill de Oliveira, Thaíssa Fernanda; Batista Tavares dos Santos, Catia

Estudo de uma Rede de Atenção Psicossocial: Paradoxos e Efeitos da Precariedade

Psicologia Ciência e Profissão, vol. 34, núm. 3, julio-septiembre, 2014, pp. 592-611

Conselho Federal de Psicologia

Brasília, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=282033510005

Como citar este artigo

Número completo

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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Estudo de uma Redede Atenção Psicossocial:Paradoxos e Efeitos da

PrecariedadeStudy of a Psychosocial Care Network: Paradoxes

and effects of insecurity

Estudio de una Red de Atención Psicosocial:Paradojas y Efectos de la Precariedad

Lilian Miranda,Thaíssa Fernanda

Kratochwill de Oliveira &Catia Batista Tavares

dos Santos

Universidade Federal Ruraldo Rio de Janeiro

Artigo

http://dx.doi.org/10.1590 / 1982 – 3703001662013

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Resumo: Este estudo objetiva compreender a organização da assistência psicossocial em umacidade de médio porte. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa, baseada noparadigma construtivista e apoiada em produções teóricas do campo da saúde coletiva e saúdemental. As estratégias metodológicas foram grupos focais, entrevistas em profundidade e pesquisadocumental. Participaram 80 sujeitos, representados por profissionais da Estratégia de Saúde daFamília (ESF), do Núcleo de Apoio à Saúde da Família e do Centro de Atenção Psicossocial(CAPS), bem como por usuários deste último. Identificaram-se paradoxos e impasses produzidospela escassez de recursos, pelo lugar que o CAPS assume na atenção psicossocial da cidade e poruma incorporação da política nacional de saúde mental dissociada das reflexões críticas, dahistória e do constructo conceitual que a produziram. O CAPS assume lugar de referência econfiança para os pacientes, mas se mantém isolado e responsabilizado pelo mandato socialsobre a loucura e o louco. Na ESF, os pacientes são identificados por meio dos signos dapericulosidade e carência, enquanto que o remédio assume função de agente de apaziguamento,constituindo a principal estratégia terapêutica. Imersa no imaginário da precariedade, a redeestudada ilumina vários riscos para a consolidação da Reforma Psiquiátrica brasileira.Palavras-chave: Reforma Psiquiátrica. Saúde Mental. Centro de Atenção Psicossocial. Programade Saúde da Família.

Abstract: This study aims to understand the organization of psychosocial work in a medium-sized town. To this end, we developed a qualitative research, based on constructivist paradigmand supported by theoretical productions in the field of public health and mental health. Themethodological strategies were focus groups, in-depth interviews and documentary research.Eighty subjects participated, represented by Family Health Strategy (FHS) professionals, theNucleus of Support to Family Health and Psychosocial Attention Center (CAPS), as well as byusers of the latter. Paradoxes and production dilemmas were identified by the scarcity ofresources, by the place that CAPS takes on psychosocial care in the city and by incorporatingnational policy on mental health critical of dissociated from critical reflections, the history andconceptual construct that produced it. CAPS takes a place of reference and confidence forpatients, but remains isolated and is held responsible for social mandate on insanity and theinsane. In FHS, patients are identified by signs of dangerousness and need, while the medicinetakes on the function of appeasement agent, constituting the main therapeutic strategy.Immersed in the imaginary of precariousness, the network studied illuminates several risks toconsolidating the Brazilian Psychiatric Reform.Keywords: Psychiatric Reform. Mental Health. Center for Psychosocial Attention. Family HealthProgram.

Resumen: Este estudio objetiva comprender la organización de la asistencia psicosocial en unaciudad de medio porte. Para tanto, se desarrolló una pesquisa cualitativa, basada en elparadigma constructivista y apoyada en producciones teóricas del campo de la salud colectivay salud mental. Las estrategias metodológicas fueron grupos focales, entrevistas en profundidady pesquisa documental. Participaron 80 sujetos, representados por profesionales de la Estrategiade Salud de la Familia (ESF), del Núcleo de Apoyo a la Salud de la Familia y del Centro deAtención Psicosocial (CAPS), así como por usuarios de este último. Se identificaron paradojas eimpases producidos por la escasez de recursos, por el lugar que el CAPS asume en la atenciónpsicosocial de la ciudad y por una incorporación de la política nacional de salud mentaldisociada de las reflexiones críticas, de la historia y del constructo conceptual que la produjeron.El CAPS asume lugar de referencia y confianza para los pacientes, pero se mantiene aislado yresponsabilizado por el mandato social sobre la locura y el loco. En la ESF, los pacientes sonidentificados a través de los signos de la peligrosidad y carencia, mientras que el remedioasume función de agente de apaciguamiento, constituyendo la principal estrategia terapéutica.

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Lilian Miranda, Thaíssa Fernanda Kratochwill de Oliveira & Catia Batista Tavares dos Santos

* Estudo desenvol-vido com apoio fi-nanceiro da Faperj

(bolsa de Auxílio Ins-talação e bolsa deIniciação Científica)

e CNPq (bolsaPIBIC – Iniciação

Científica).

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Inmersa en el imaginario de la precariedad, la red estudiada ilumina varios riesgos para la con-solidación de la Reforma Psiquiátrica brasileña.Palabras clave: Reforma Psiquiátrica. Salud Mental. Centro de Atención Psicosocial. Programade Salud de la Familia.

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No Brasil, a atual política pública de saúdemental garante que a maior parte dos recursosfinanceiros seja destinada à estruturação deprogramas e serviços alinhados às propostasde desconstrução do modelo manicomial,como os Centros de Atenção Psicossocial(CAPS), as Residências Terapêuticas, dentreoutros (Brasil, 2007). Essa realidade se deveàs conquistas da Reforma Psiquiátrica (RP)brasileira, cuja continuidade e, sobretudo,consistência, requer permanente atençãopara grande quantidade de fatores, entre osquais se destacam seu caráter complexo e aexigência da consideração às dimensõesepistemológica, social, cultural, jurídica (Ama-rante, 2007) e clínica que o envolvem, assimcomo sua função instituinte, a qual deveimpor constantes questionamentos acercado lugar social designado ao louco (Furtado& Onocko Campos, 2005).

Pesquisas mostram que um dos maiores de-safios dos CAPS hoje se situa na sua articulaçãocom outros serviços e setores (Onocko Cam-pos et al., 2009). Ele deve ser um lugar dereferência e acolhida, onde os sujeitos en-contrem sustentação para criar uma existênciapessoal, situada em uma comunidade coma qual se relacionam de modo singular (Ri-beiro, 2005), mas ao substituir o manicômio,não pode se colocar no lugar dele, assumindoo mandato social pela loucura ou pela tota-lidade da vida de cada paciente (Dias, 2011).Para tanto, o CAPS precisa contar com par-cerias com outros equipamentos capazes decompreender as múltiplas facetas que com-põem as demandas dos usuários, caracteri-zadas por aspectos (inter) subjetivoas, psí-quicos, sociais, culturais, educacionais, dentreoutros, e dispostos a colaborar com o en-frentamento da complexa problemática quese impõe nesse cenário (Jimenez, 2011).

Essas parcerias exigem que o território sejabosquejado por pontes, construídas commateriais sólidos e, ao mesmo tempo, per-meáveis às diferentes formas de circulaçãoda população.

Em sintonia com essas questões, há algunsanos, o Ministério da Saúde brasileiro discutea necessidade de inclusão da Saúde Mentalna Atenção Básica à Saúde (AB), reconhe-cendo a necessidade de investimentos emcapacitação e viabilização de uma rede decuidados articulada ao território, que contacom o Núcleo de Apoio à Saúde da Família(NASF), para suporte às questões de saúdemais específicas e às relações entre serviços(Brasil, 2008).

A esse respeito, Nunes et al. (2007) ressaltamque a consolidação da RP em vários paísesdo mundo se deu com ênfase na construçãode uma rede de cuidados que contempla aAB, partindo-se do princípio que umagrande quantidade de problemas de saúdepode ser resolvida nesse nível, sem a neces-sidade de recorrer a especialistas. Os autoreslembram que, já nos anos de 1970 e 1980,a Organização Mundial de Saúde (OMS) re-conhecia a impossibilidade dos serviços desaúde mental ficarem a cargo exclusivo deespecialistas e preconizava a descentraliza-ção dos serviços, sua incorporação em uni-dades de cuidados gerais, a formação decuidadores não especializados e o aumentoda participação da comunidade. No con-texto brasileiro, levantamento feito em 2003,constatou que os profissionais da AB se de-param cotidianamente com problemas de“saúde mental”, sendo que 56% das equipesde Saúde da Família (ESF) investigadas refe-riram realizar “alguma ação” nesse campo(Brasil, 2008).

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Verifica-se, entretanto, que a maior parte daspesquisas em saúde mental investiga as redesdas grandes cidades (Onocko Campos et al.,2009; Kantorski et al., 2009), o que é proble-mático quando consideramos que mais dametade da população brasileira reside emmunicípios de pequeno e médio porte, comcaracterísticas sociodemográficas e políticasbastante distintas daquelas observadas nasmetrópoles (Luzio & L’Abbate, 2009). Con-trastando com essa realidade, o presente tra-balho apresenta um estudo sobre os serviçose estratégias de atenção em saúde mentaldesenvolvidos por um município de médioporte. Pretende-se apresentar o modo comoa atenção em saúde mental é organizadanessa cidade, bem como as representaçõesque profissionais dos diferentes serviços fazemdos pacientes, suas demandas e estratégiasadequadas de atenção. Destacar-se-á as ava-liações que os trabalhadores e usuários fazemda rede de saúde em que estão inseridos,apontando paradoxos, impasses e problemasproduzidos pela precariedade dos diversostipos de recursos disponíveis e as respostasque vêm sendo produzidas.

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, sus-tentada no paradigma construtivista (Denzin& Lincoln, 1994; Minayo, 2006). Desenvol-vido entre junho de 2012 e julho de 2013,o estudo envolveu cerca de 80 sujeitos, re-presentados por profissionais e usuários doCAPS, de oito unidades de Estratégia deSaúde da Família (ESF) e do NASF. As estra-tégias metodológicas desenvolvidas foram:(1) entrevistas preliminares com as coorde-nadoras do CAPS e da AB; (2) pesquisa do-cumental; (3) duas (2) seções de gruposfocais com a equipe do CAPS e oito (8) comequipes de ESF; (4) entrevista com duasprofissionais do NASF e com cinco pacientesdo CAPS.

A condução dos grupos focais e da entrevistacom profissionais do NASF baseou-se em umroteiro de questões semi-dirigidas que abordava

todo o processo de trabalho do CAPS, ESF eNASF, bem como questões concernentes àrelação com a rede, interação entre profissio-nais e formação. Já o roteiro das entrevistascom pacientes abordou as temáticas: vida fa-miliar e relacionamentos amorosos e sociais;vida laboral e sustento financeiro; vivênciasde crise, relação com sintoma e busca pelotratamento, avaliação do CAPS; relação comoutros serviços de saúde.

Para as seções de grupo desenvolvidas noCAPS, foram convidados todos os profissio-nais do serviço, havendo efetiva participaçãode dois (2) psicólogos, um (1) terapeuta ocu-pacional, um (1) nutricionista, duas (2)técnicas de enfermagem e uma (1) assistentesocial (coordenadora do serviço). Na ESF,foram realizados grupos com as equipes par-ticipantes do Programa Nacional de Melhoriado Acesso e da Qualidade da Atenção Básica(PMAQ-AB)1, já que se tratava daquelas queassumiram responsabilidade pela atenção àsdemandas de saúde mental. Solicitamos queparticipassem dos encontros todos os profis-sionais da equipe, mas na maioria delescompareceram apenas os agentes de saúde,o assistente de odontologia e a enfermeira,sob alegação de que os demais estavam emhorário de consulta ou ausentes da unidade.Em relação ao NASF, foram entrevistadas,conjuntamente, as profissionais responsáveispelo apoio em saúde mental, cuja formaçãoera em farmácia e nutrição.

Os pacientes entrevistados foram indicadospela equipe do CAPS, sendo previamentesolicitado que todos residissem em áreascom cobertura de ESF e que pelo menos umdeles fizesse tratamento em regime intensivoe um em regime não -intensivo2. Participa-ram do estudo três mulheres e dois homens,que possuíam entre 33 e 45 anos e se trata-vam no CAPS há mais de 05 anos. Umadelas possuía segundo grau incompleto e osdemais não concluíram o primeiro grauescolar. Dentre os cinco, apenas uma estavaem regime não intensivo e possuía diagnós-tico de transtorno do pânico. Os demais setratavam em regime intensivo, sendo que

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três (3) possuíam diagnóstico de esquizofre-nia e uma de transtorno mental orgânico,segundo a equipe que os acompanhava.

A análise documental teve como materialbásico o “Livro de Acolhimento”, no qualsão registradas informações de todos ospacientes que chegam ao serviço. Estudamosos registros dos usuários recebidos entre24/11/2010 e 22/03/2012 (16 meses). Pes-quisaram-se também os prontuários dospacientes, mas estes continham apenas infor-mações acerca da medicação destes.

O material empírico foi trabalhado a partirde análise de conteúdo, desenvolvida, pri-meiramente, por meio de sucessivas leiturasflutuantes de todas as transcrições e relatosdos procedimentos adotados. Em seguida,construímos categorias empíricas, pautadasna relevância, intensidade e recorrência dosargumentos dos sujeitos de pesquisa(Minayo, 2006; Bardin, 1977).

O referencial teórico utilizado na discussãodos resultados baseou-se na psicossociologiafrancesa, especialmente no que diz respeitoao conceito de imaginário, desenvolvido porEnriquez (1997; 1994). Entre outros aspectos,essa abordagem permite que as instituiçõessejam compreendidas em sua complexidade,já que tomadas como sistemas que envolvemdimensões simbólicas e imaginárias, ancora-das nas relações intersubjetivas eintrapsíquicas de seus membros. Outro refe-rencial utilizado foi a produção teórica doscampos da saúde coletiva e saúde mental.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê deÉtica da Universidade Federal Rural do Riode Janeiro (UFRRJ)UFRRJ (Protocolo nº181/2011) e cumpre todas as determinaçõesda Resolução nº 196/1996 do ConselhoNacional de Saúde. Os sujeitos receberaminformações acerca das fases da investigaçãoe seus objetivos e assinaram Termo de Con-sentimento Livre-Esclarecido.

Resultados

Com cerca de 80.000 habitantes, o municípioestudado situa-se na baixada fluminense, re-gião que vem passando por significativo cres-cimento no setor de serviços, mas que apre-senta os menores índices de desenvolvimentohumano do estado do Rio de Janeiro, alémde evidente precariedade de saneamentobásico, transporte público, habitação, segu-rança e saúde. Durante o desenvolvimentoda pesquisa, a rede de saúde era compostapor 19 postos de saúde, 01 hospital mater-nidade, 01 CAPS II, 01 residência terapêuticae 01 serviço móvel de emergência - (SAMU),sendo que 03 postos de saúde, bem como ohospital, oferecem atendimento 24 horas.Contava ainda com 16 equipes de saúde dafamília, entre as quais 8 oito (8) participavamdo PMAQ-AB.

O trabalho desenvolvido pelo CAPS - carac-terização da demanda

Entre 2010 e 2012, em um período de 16meses, o CAPS recebeu 645 casos, reali-zando uma média de 40 atendimentos denovos pacientes por mês, sendo que a maio-ria deles (63%) procuraram o serviço pordemanda espontânea, enquanto os demaisforam encaminhados de Instituições Psiquiá-tricas ou Comunidades Terapêuticas,unidades da AB e outros serviços de saúde.

Como mostra a tabela abaixo, os profissionaisregistram que a maior parte dos pacientesapresentavam queixas relacionadas a vivên-cias depressivas e ansiosas, ou uso de subs-tâncias psicoativas. Há ainda registros desolicitações de atestados ou receitas médicas,ou de acompanhamento de crianças, cujospais se queixam de problemas comporta-mentais ou dificuldades de aprendizagem.Uma parcela menor dos registros aponta sin-tomas que sugerem quadros psicóticos ousíndromes orgânicas e demenciais. Não háregistro sobre a vida familiar, social ou laboraldas pesso recebidas.

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1 O PMAQ se estru-tura a partir da pac-tuação entre as trêsesferas de governode metas a serem

cumpridas pelaatenção básica,

com avaliação con-tínua, executada por

um grupo de pes-quisadores designa-dos pelo Ministérioda Saúde. Seu ob-jetivo principal é in-duzir a ampliação

do acesso e a me-lhoria da qualidadeda atenção básica.Entre as metas do

PMAQ estão oacesso e o acom-panhamento nas

unidades de aten-ção básica de pes-soas com deman-das relacionadas àsaúde mental. Paramaiores esclareci-mentos, ver: BRA-SIL. Saúde maisperto de você -

acesso e qualidade.Programa nacional

de melhoria doacesso e da quali-dade da atenção

básica (PMAQ-AB).Manual instrutivo.

Brasília/DF: Ministé-rio da saúde, 2012.

2. Regime intensivoconsiste em trata-mento diário, volta-do para casos maisgraves. Regime nãointensivo é oferecidoàs pessoas que nãoprecisam de supor-

te tão frequente,podendo contar

com o serviço atétrês vezes por mês

(Brasil, 2004).

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Tabela 1.

Distribuição dos agrupamentos de queixas/demandas do pacientes

Agrupamentos de queixas/demandas No. %

Síndromes Depressivas e/ou ansiosas 255 39%

Dependência Química (em uso e em abstinência de substâncias) 133 21%

Solicitação receitas médicas/ atestados diversos 107 17%

Síndromes Psicóticas 56 9%

Síndromes orgânicas 44 7%

Sem informação 28 4%

Síndromes relacionadas à infância 22 3%

Total 645 100%

Fonte: Miranda (2013), p. 6 Pesquisa intitulada “Estudo da rede de saúde mental de uma cidade daBaixada Fluminense: uma interlocução entre saúde mental, saúde coletiva e psicopatologia psica-nalítica”Organização do trabalho no CAPS, vivência da dinâmica institucional e suas repercussões para avida cotidiana dos pacientes

Reconhecendo que atendem mais pacientes do que é preconizado, os profissionais do CAPSexplicam que estes são sempre acolhidos, independentemente do dia e horário em que cheguem.Todos os membros da equipe se dividem nessa tarefa, com exceção dos médicos. Costumamconsultar uns aos outros sobre os encaminhamentos dos casos de que têm dúvida, entretanto nãohá discussões clínicas regulares nas reuniões de equipe. O serviço não trabalha com técnico ouequipe de referência e não formaliza, por escrito, os projetos terapêuticos dos pacientes. Comexceção da usuária que faz psicoterapia há 05 cinco anos e delega ao psicólogo a condução doseu percurso terapêutico, os demais pacientes não se referem a nenhum profissional emespecífico que os ajude a compreender como se estrutura seu tratamento.

A coordenadora do serviço informou que cerca de 30 pacientes frequentam o CAPS diariamente.A equipe diz que faz atendimentos individuais, “grupoterapia” e diversas oficinas, mas nãodescreve ou nomeia nenhuma delas, com exceção da oficina de teatro e do grupo de família.Também realiza festas e passeios e enfatiza a importância destes, na medida em que os poucoslocais de entretenimento da cidade costumam ser desconhecidos pelos pacientes. Entretanto, afrequência dessas atividades é pequena, em função da ausência de transporte e outros recursos,muitos dos quais acabam sendo providenciados por meio da “boa vontade” dos profissionais,que se organizaram, por exemplo, para fazer doações dos alimentos necessários para a festajunina. Nesse sentido, afirmam que “desistiram de pedir [recursos]” à secretaria de saúde, mas“não desistiram de fazer” festas e passeios.

De modo geral, a equipe considera que trabalha para a “melhoria da qualidade de vida dos pa-cientes”, nomeando sua função como um “trabalho muito assistencial”, que envolve aobservação do cotidiano dos usuários, a realização de orientações diversas, inclusive relacionadasà higiene pessoal e à alimentação. Os profissionais destacam que trabalham com as famílias,

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ajudando-as a reconhecer as necessidadesde autonomia e algumas potencialidadesdos usuários, além de se manterem atentosaos destinos dados aos benefícios recebidospor estes.

Em sintonia com essas considerações, emseus relatos, os pacientes parecem não con-seguir se imaginar menos dependente doCAPS, cujas representações estão mais asso-ciadas à prestação de cuidados do que deconstrução de possibilidades mais autôno-mas para a vida. Reconhecem que a pre-sença no serviço lhes proporciona melhorana forma de viver o cotidiano e criticam aspessoas que o denominam como “lugar delouco”. Tal melhora é associada, principal-mente, ao fato de o CAPS se mostrar comoo lugar onde podem passar o dia, sentindo-se à vontade e contando com suporte para arealização de afazeres básicos, como o auto-cuidado, sem as cobranças ou dificuldadesde relação que possuem com os familiares.Nesse sentido, uma delas diz:

“Elas [suas irmãs] diziam que o CAPS era umlugar de maluco. Ai eu dizia assim: Pô, se oCAPS é um lugar de maluco, aonde vive osmalucos então é pior que um troço de ma-luco, eu hein. Eu não acho que o CAPS é umlugar de maluco. Lá pra mim é um lugar detratamento, de recuperação... Como elesfalam. (...) é o único lugar onde me sintobem, por que aqui eu posso fazer minhas te-rapias [trabalhos manuais]. (...) E eles me tra-tam muito bem. Melhor do que minhafamília. Eu tenho certeza que do jeito que euestava com dor de cabeça lá em casa, se eutivesse aqui eles estariam dando atenção amim, não iam me deixar ficar sem tomarbanho. Iam me dar banho e também ia medar remédio pra melhorar”. (trecho da entre-vista feita com uma paciente).

Os pacientes valorizam bastante o aprendi-zado de alguns trabalhos artesanais, emborase queixem de que o serviço, no momentodas entrevistas, estivesse contando compoucas atividades, oficinas e grupos. Já aequipe não relata o desenvolvimento regular

de nenhuma atividade voltada à socializaçãoou vida laboral, mas destaca o caso de duasusuárias que conseguiram se organizar noCAPS para ter uma fonte de renda, por meioda venda de doces e salgados. Ressaltam odesejo de fazer uma barraquinha em frenteao serviço, para que contassem com umamelhor estrutura e pudessem oferecer outrosprodutos, porém afirmam que não contaramcom o apoio necessário e não têm recursopara viabilizar isso.

Com exceção de uma paciente, todos osentrevistados moram com algum membrofamiliar e dependem deste para seu sustento.Apenas um deles foi aposentado por invalidez,enquanto que os demais não têm qualquertipo de benefício financeiro concedido peloEstado. Tal dependência parece ser fonte desofrimento, na medida em que são raras assituações em que se sentem valorizados, oupodem contribuir com o sustento familiar.Uma paciente afirma: “Aí eu me sinto assimuma pessoa insegura (...), por que a pessoaquando não tem o direito de nada é como senão tivesse nenhum valor.”.

As instituições religiosas foram os únicos lu-gares citados como espaços de encontrocom amigos. A vida social de todos serestringe aos contatos com colegas da igreja,familiares, profissionais e pacientes do CAPS.Em relação aos últimos, os encontros são nopróprio serviço.

Recursos necessários ao trabalho no CAPS erelação entre serviços

A equipe descreve uma série de problemasde recursos, que se estendem desde a faltade espaço físico para atividades grupais e aausência de apoio de outras secretarias(como educação e esporte), até a precarie-dade dos vínculos trabalhistas. Para a coor-denadora, o problema mais grave é a falta deestabilidade profissional, pois as mudançasde governo costumam acarretar modifica-ções na estrutura da equipe. A maior partedos profissionais trabalha por meio de coo-perativas, sendo que os contratos estão su-

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jeitos a interrupções, provocadas por interes-ses políticos. Todos se mostram descontentescom essa realidade e enfatizam que ela é in-coerente com um tipo de trabalho que exigea construção de vínculo e relação de con-fiança com pacientes.

Quando interrogada acerca das relações doserviço com a AB, a equipe se mostra muitoressentida com o “grande preconceito” paracom os pacientes de saúde mental, advindo,inclusive de profissionais de saúde. Enfatizaa ausência de protocolos e fluxogramas queregulem encaminhamentos e afirma inexistirqualquer forma de trabalho sistemático emparceria com outros serviços de saúde. Re-clama que costuma enfrentar dificuldadespara conseguir vagas de internação para pa-cientes com intercorrências clínicas e que,por outro lado, muitas vezes o serviço pré-hospitalar e os postos de saúde encaminhampacientes ao CAPS sem fazer uma avaliaçãoprévia, obrigando-os a receber pessoas queprecisariam de outro tipo de intervenção.Porém, a coordenadora pondera que o NASFse estruturara há pouco tempo e está seaproximando do CAPS para estabelecer pro-tocolos de referência e contrar-referência.

Embora avaliem que a falta de parceria comoutros serviços é problemática, os profissionaisnão descrevem nenhum esforço para qualquertipo de aproximação com estes. Por outrolado, demonstram estranhamento diante dofato de o CAPS estar “tão isolado, numa ci-dade tão pequena”. Atribuem essa situaçãoàs dificuldades políticas e à precariedade dovínculo trabalhista, explicando que, “comonão são concursados, não se sentem àvontade em se expor”. O compartilhamentode trabalho é sentido como uma exposiçãoque pode gerar riscos.

Sobre a atenção aos pacientes em crise, aequipe se refere à internação psiquiátrica eao encaminhamento a dois serviços de prontoatendimento, onde os usuários podem passaralgumas noites ou fins de semana. As inter-nações costumam durar meses e são acom-panhadas pelos profissionais do CAPS, por

meio de ligações para o hospital. Não foimencionada nenhuma outra estratégia deatenção à crise, além desses encaminhamentose do uso da medicação.

O trabalho de saúde mental desenvolvidopelas equipes de ESF

No período do desenvolvimento dos gruposfocais, havia cerca de dois meses que as uni-dades de ESF estavam trabalhando comsaúde mental, o que consistia em uma mu-dança na rotina assistencial. Anteriormente,qualquer pessoa com dificuldades emocionaisou sofrimentos psíquicos, independentementeda qualidade ou intensidade destes, era en-caminhada para o CAPS. Tanto a farmacêuticado NASF, quanto a maioria das equipes deESF, relataram que o atendimento a pacientesde saúde mental foi acordado com a secretariade saúde, em função do excesso de usuáriosdo CAPS. Apenas em uma unidade, explici-tou-se a necessidade de adaptação às exi-gências do PMAQ-AB e em nenhuma delashouve referência à saúde mental como umtrabalho inerente à missão da ESF.

Foi pactuado que o CAPS encaminharia paraa unidade de ESF o prontuário dos pacientesestabilizados e, esta, após visita aos mesmos,se responsabilizaria pela dispensação dos re-médios, mediante a receita do psiquiatra doCAPS. Tal receita seria repetida por até seismeses pelo clínico da unidade, que passariaa atender os pacientes de saúde mentalmensalmente. Depois desse período, todosos pacientes voltariam a ser avaliados pelopsiquiatra do CAPS, reiniciando um novociclo. Os remédios psicotrópicos não ficamarmazenados na unidade, sendo encami-nhados para lá, mediante envio da receita.Segundo a farmacêutica do NASF, é de suaresponsabilidade orientar os profissionais daESF acerca dos medicamentos e dosagensde cada paciente.

Ela comenta que essa mudança gerou, ini-cialmente, resistência dos médicos e enfer-meiros, que alegavam não estarem preparadospara esse tipo de assistência. No seu enten-

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dimento, essa reação é compreensível, namedida em que a própria equipe do NASFtambém ficou temerosa com a ideia de aten-der a demanda de saúde mental. Nessenovo contexto de atendimento, para a far-macêutica, “o NASF está no meio”. Suafunção é fazer o “link” entre a ESF e oCAPS, ajudando em situações de crise, deabandono de tratamento ou casos especiais.

Na avaliação de algumas unidades, a mudançasó dificultou a vida dos pacientes, queestavam acostumados a pegar o remédio di-retamente no CAPS e gostavam de frequentaro serviço para participar das festinhas e ati-vidades artesanais. Já para outras equipes, arotina dos pacientes foi facilitada, pois nãoprecisam mais percorrer longa distância atéo CAPS, nem gastar dinheiro com o transporte.Além disso, sugerem que frequentar a ESFtende a gerar menos preconceito.

Uma profissional da ESF conta que os fami-liares dos pacientes têm dificuldade de en-tender a demora que, frequentemente, ocorrepara a chegada dos remédios na unidade,chegando a acusar a equipe de roubo deseus medicamentos. Já as profissionais doNASF comentam que tais famílias são, emgeral, “mal estruturadas” e sobrecarregadas,o que lhes deixa com “tolerância zero” paracom os agentes de saúde que, frequente-mente, encontram dificuldades para desen-volver seu trabalho (sendo impedidos deentrar nas casas, por exemplo). Elas conside-ram que esses familiares precisariam de “su-porte psicológico”, mas não têm nenhumplano para providenciá-lo.

Algumas equipes também comentaram queos médicos, muitas vezes, não se sentem àvontade para repetir a receita do psiquiatra.Já uma profissional do NASF entende que,embora sejam contratados como generalistas,eles têm certa resistência no atendimentoaos casos de saúde mental, assim como dePediatria, o que, no seu entendimento, sedeve à “falta de conhecimento” dos médicossobre questões ligadas à Psiquiatria. Nessescasos, afirma que precisa intervir para que o

paciente não fique sem sua medicação.Diante dessas dificuldades e da insegurançapara com casos mais complexos ou situaçõesde crise de pacientes, a principal intervenção,seja do NASF ou da própria equipe de ESF, é“chamar o CAPS”, o qual costuma responderprontamente.

Outras equipes afirmaram que a inclusãodos pacientes do CAPS não alterou em nadasuas rotinas, pois são pessoas já tratadas naunidade. Um dos enfermeiros afirmou, porexemplo, que o trabalho da unidade “é maisclínico” e as ações de saúde mental se res-tringem a “acompanhar a receita azul”. Umdesafio relatado por uma profissional dizrespeito à dificuldade de manter o controledo tratamento dos pacientes em casa, pois apreocupa-a muito a impossibilidade de tercerteza de que tomarão os remédios na horacorreta.

A maior parte das unidades realiza pouquís-simas atividades de promoção de saúde. Al-gumas enfermeiras alegam que preferem es-perar a passagem do ano eleitoral para iniciarqualquer trabalho novo, porque a mudançade governo costuma ser acompanhada detroca de profissionais, gerando grande frus-tração. Já a nutricionista e a farmacêuticajustificam que o NASF vem sofrendo certodesmonte - estão sem psicóloga, ginecologistae pediatra – o que lhes impede de incentivarnovas formas de trabalhos na ESF.

Principais representações que os profissionaisda ESF fazem sobre os pacientes de saúdemental

Foi consenso entre as equipes a avaliação deque a maior demanda dos pacientes de saúdemental é por “atenção”: são pessoas que“falam muito e às vezes choram”. Destacamque se trata de pessoas que exigem que osagentes lhes dispensem um momento paraouvi-las, não sendo possível passar por elasrapidamente, o que “compromete” a agendadas agentes de saúde. Mencionam também ointenso uso de medicação, mostrando-se as-sustadas com a quantidade de pessoas que

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tomam remédios para dormir e com o cres-cente número de pedido de receitas de an-siolítico. É unânime, ainda, a associação entrepericulosidade/ urgência/imprevisibilidade/for-ças demoníacas e doença mental.

Algumas agentes de saúde chegaram a co-mentar que se surpreenderam ao saber quecertos usuários eram “Pacientes CAPS”, poissempre os viam convivendo tranquilamenteno bairro. Nesse sentido, é interessante notarque a representação de periculosidade coe-xiste, paradoxalmente, com a avaliação deque os pacientes costumam ser “tranquilos”(desde que medicados), sentindo-se aliviados“só de conversar” com as agentes. Relatosde situações mais graves, como crises e sui-cídio, são feitos com certo distanciamentoafetivo e a explicação de que o CAPS se res-ponsabilizou-se por lidar com estas.

Por outro lado, houve agentes que chegarama se emocionar diante de alguns relatos, de-sabafando que, às vezes, é angustiante nãosaber como ajudar os pacientes. De todomodo, o afeto mais referido foi o medodiante de possíveis episódios de agressividadeou urgência. É notável ainda a denominaçãoque os profissionais atribuíram às pessoasque fazem uso de medicação psicotrópica(independentemente do tipo e da quantidadeda mesma): são chamados de “PacienteCAPS”, embora já estejam inseridos na ESF,sob responsabilidade desta.

Estratégias de capacitação para o trabalhoem Saúde Mental nas equipes de ESF

Somente o médico e o enfermeiro passarampor um processo de capacitação para o tra-balho de saúde mental. Este consistiu numaem uma conversa com as coordenadoras doCAPS e da ESF acerca da necessidade eforma de encaminhamento de alguns pa-cientes. As equipes não contaram com ne-nhum tipo de suporte para expressar e ela-borar representações e sentimentos desper-tados pela possibilidade de contato compessoas que vivem graves sofrimentos psí-

quicos. A demanda do trabalho lhes foi apre-sentada de forma objetiva, destacando o ex-cessivo número de pacientes do CAPS e osuporte que este daria por meio das consultaspsiquiátricas e do envio das receitas.

Em alguns grupos, as agentes de saúde mos-traram grande interesse em contar com umprocesso de capacitação. Perguntaram sobrecomo lidar com pessoas que vivem quadrosde depressão e ansiedade, bem como sobreos motivos das crises, o que as pessoasdoentes podem continuar fazendo e o quedevem parar, quais são os cuidados familiaresmais adequados, como “funciona a mentede pessoas com problemas”, noções básicasde Psicologia e Psiquiatria. Uma enfermeiracomentou que, muitas vezes, a equipe sesente desesperada porque percebe que “algoestá errado” com o paciente, mas não sabeo que fazer. Uma agente ressaltou quegostaria de saber como identificar os sinaisde uma crise e preveni-la, lembrando que aprevenção é parte da missão do ESF e pon-derando que costuma perguntar sobre a car-teira de vacinação e marcar consultas com opediatra, mas não sabe o que fazer emrelação à saúde mental.

Discussão

Função e lugar do CAPS

A realidade estudada é complexa e exige adiscussão de uma gama de fatores que seentrelaçam, mantendo o CAPS numa emuma posição central. Este tem cumprido umde seus papeis garante o acesso à população,o que se verifica pelo grande contingente denovos pacientes recebidos mensalmente,pela atenção aos chamados de urgência emesmo pela manutenção das consultas psi-quiátricas semestrais aos pacientes encami-nhados à ESF. Os pacientes entrevistados,embora se queixem da falta de atividadesno cotidiano institucional, reconhecem oCAPS como um espaço de acolhimento,onde gostam de passar o dia.

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Essa realidade não nos exime, entretanto,de lembrar que a ampliação da coberturade serviços e o acesso a eles, não garante,por si mesma, a superação de práticascalcadas no modelo “queixa-conduta” que,em geral, privam os sujeitos da possibilidadede acesso a cuidados baseados no vínculo ena participação da construção de seus projetosde tratamento, o que gera dependência aosserviços e inchaço destes. Portanto, coloca-se em questão a qualidade da assistênciaprestada por esses equipamentos e sua com-petência para ajudar os pacientes a ampliarpossibilidades de auto-cuidado (OnockoCampos & Campos, 2006).

Tal questionamento se faz contundente quan-do partimos da ideia de saúde como capaci-dade normativa, potencial para resignificaçãodo vivido e realização de trocas mútuas como meio social, de modo que o sujeito se mo-difique ou realize algumas adaptações, mastambém possa interferir em processos detransformação de elementos que o circundam(Canguilhem, 1978; Coelho & Almeida Fi-lho,1999). Nessa perspectiva, a função doCAPS não é proporcionar a seus pacientesuma terapêutica capaz de restabelecer certanormalidade, ou ajudá-los a submeterem-sea um padrão sócio-sociocultural preé-esta-belecido, mas sim disponibilizar suporte erecursos diversificados para lidarem com seusofrimento, podendo aumentar a capacidadenormativa ou restabelecê-la, sempre em re-lação com o social, mas garantindo certasingularidade.

No CAPS estudado, vários elementos denotama predominância do modelo “queixa-con-duta”, pautado pela ideia de que cada sofri-mento pode ser corrigido por uma medicação.Entre eles estão a inexistência de projetosterapêuticos singulares registrados e discutidospela equipe e a escassez de dispositivos clí-nicos que envolvem algum tipo de organizaçãocoletiva. Diante de realidades semelhantes,alguns autores alertam para o risco de que aReforma Psiquiátrica brasileira se restrinja àdesospitalização, assinalando que ainda pre-cisamos superar práticas que esquadrinham

o sujeito e seu sofrimento no modelo bio-médico, cuja forma legitimada de tratamentoé a medicamentosa, permanecendo em se-gundo plano uma abordagem integral daqueleque procura cuidados (Dalla Vecchia & Fer-reira, 2009; Rodrigues & Moreira, 2012).

No estudo que aqui apresentamos, encon-tramos problemas no delineamento dissoque seria uma visão integral também nos re-gistros sobre as primeiras demandas dos pa-cientes, na medida em que estes são cons-truídos, predominantemente, a partir da des-crição de sintomas que conformam transtornosmentais. A esse respeito, vale destacar refle-xões propostas por Leal (2007) acerca dapsicopatologia comumente utilizada nosCAPS que, sendo principalmente descritiva,culmina em concepções que tomam a ideiade adoecimento mental como “(...) umevento que acomete o sujeito demandandocorreção imediata e rápida, e nada disso[sustentado] sobre o seu modo de ser e estarno mundo (...)” (p. 75). Tais concepçõesgeram práticas disciplinares, padronizadas enormatizantes, que pouco dialogam com aexperiência vivida pelos sujeitos, deixando-lhes de oferecer suporte para provocar mo-dificações não só no modo como percebemo mundo, mas também em alguns elementosda realidade vivida.

Esse problema parece se acentuar no con-texto estudado, já que os pacientes reclamamda falta de atividades no dia- a -dia do CAPS,indicando que o serviço, embora seja sentidocomo um local de acolhimento, tem contri-buído pouco para alguma mudança em suasrelações sociais. Nestas, ocupam, predomi-nantemente, o lugar de doente, com poucasoportunidades de trocas afetivas e materiais.Dias (2011) chegou a resultados semelhantesem seu estudo sobre a experiência social dapsicose junto a pacientes de um CAPS, mos-trando que o tratamento contribuiu para queas famílias dos pacientes passassem a consi-derá-los “inofensivos, livres de alguns aspec-tos da doença”, mas sem destituí-los do lugarde doente, ainda que “sob controle”. Para oautor, a inserção no CAPS ainda é vivida

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como “desqualificação social”, o que pode-mos comparar com a nomeação de “lugar delouco”, de que os pacientes que entrevista-mos tanto se ressentem.

Vale lembrar que os CAPS realmente sãouma espécie de “carro- chefe” da RP, tendoa incumbência não apenas de tratar das pes-soas com transtornos mentais graves, mastambém regular a rede no que se refere aosatendimentos de saúde mental e oferecersuporte para que os serviços desenvolvamações psicossociais (Brasil, 2004). Entretanto,tal como Leal e Delgado (2007) ressaltam, ocumprimento dessas funções exige a consi-deração de que o sofrimento e o próprio su-jeito que sofre sempre se constituem na re-lação com o social. Nessa perspectiva, oque diferencia o CAPS do manicômio é aqualidade das suas respostas, inevitavelmentedependente da configuração de redes.

Um dos problemas que se acenam no con-texto estudado é a pobreza de serviços desaúde, educação e cultura que possam con-figurar uma rede de promoção de saúde.Assim, o lugar de centralidade do CAPS seconfigura não apenas em função das suas di-ficuldades em compartilhar trabalhos e esta-belecer relações com outras instituições, maspela escassez destas. Assim, se concordamosque o CAPS não pode se isolar, responsabi-lizando-se, sozinho, pelo mandato social daloucura, há que reconhecermos que ele tam-bém não pode ser isolado e superdimensio-nado pela gestão municipal.

A esse respeito, é interessante notar aindaque as profissionais do NASF reconhecemque sua função é de fazer a ligação entreCAPS e Atenção Básica. Porém, todos osexemplos dados se referem aos momentosem que o CAPS fora chamado a intervir ouapoiar a ESF. O CAPS parece ser representadocomo o detentor do saber sobre a loucura,ocupando o lugar daquele que pode sempreprover, sem nunca precisar. Nesse cenário,ele responde enclaustrando-se e buscandoautossuficiência, traduzida pela expressão“desistimos de pedir, mas não desistimos de

fazer”. Os profissionais se assustam com oisolamento e ressentem-se da falta de recursospara fazer atividades importantes à ressocia-lização dos pacientes, mas parecem imobili-zados, impotentes, vitimados pelo precon-ceito. A impotência se alterna com a onipo-tência: o serviço tenta responder sozinho atodas as necessidades dos pacientes e taisrespostas reforçam a sensação de impotênciae imobilização.

Efeitos da precariedade

Para compreender esse cenário de aparenteprostração, é necessário lembrarmos que asinstituições se configuram como um sistemacomplexo, marcado não apenas por ele-mentos racionais, alinhados à missão assis-tencial, como também por pilares culturais,simbólicos e imaginários (Sá & Azevedo,2010). Por meio de Enriquez (1994), enten-demos que todo grupo se forma em tornode um projeto compartilhado, o qual seapoia num em um sistema de valores que,por sua vez, para existir, precisa estar ancoradonum em um “imaginário social comum”.

O imaginário comum representa “(...) aquiloque somos, aquilo que queremos vir a ser,aquilo que queremos fazer e em que tipode sociedade ou organização desejamos in-tervir (...) (Enriquez, 1994, p. 57). Ele não éracionalmente estruturado, constituindo-secomo um conjunto de representações quesão afetivamente construídas e investidas.Assim, “(...) Não se trata unicamente dequerer coletivamente, trata-se de sentir co-letivamente, de experimentar a mesma ne-cessidade de transformar um sonho ou umafantasia em uma realidade cotidiana (...)”(Enriquez, 1994, p. 57). Segundo Enriquez(1997), nenhuma organização pode existirsem um sistema imaginário, sobre o qual seproduzem os sistemas simbólico e cultural. Esse conceito nos leva a questionar quais se-riam os sonhos compartilhados pelos profis-sionais do CAPS. As narrativas de pacientese trabalhadores expressam muito mais a faltade recursos, a inércia e o preconceito, doque uma causa comum, um desejo mobili-

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zador. A precariedade de recursos estaria sesobrepujando e dominando todo o imaginárioinstitucional?

A essa pergunta, somam-se indagações acercados efeitos da Reforma Psiquiátrica. A regula-rização dos serviços substitutivos teria institu-cionalizado o próprio movimento, despro-vendo-o de sua força instituinte, de sua ca-pacidade de questionar e transformar (Furtado& Onocko Campos, 2005)? Na realidade pes-quisada, o discurso reformista se restringe àidentificação do preconceito para com a lou-cura, sendo pouco potente para agenciar osonho comum, o anseio pela sociedade semmanicômio, que implicaria na conquista dodireito a cuidados dignos e ao exercício plenoda cidadania. Assim, perguntamo-nos se, aodesistir de pedir recursos à prefeitura, a equipetambém teria desistido de sonhar.

Enriquez (1997) explica que o sistema ima-ginário se divide em dois: o “imaginário en-ganador” e o “imaginário motor”. O primeirodeles se constrói a partir da tentativa deocupar a totalidade do espaço psíquico dosmembros da organização, à medida que res-ponde aos apelos narcísicos desses membros,bem como às suas mais arcaicas angústias edesejos. Por meio do imaginário enganador,a organização

(...) se exprime, assim, de um lado, comouma organização-instituição divina, todo-poderosa, única referência que nega otempo e a morte, de um lado mãe englo-badora e devoradora e ao mesmo tempomãe benevolente e nutriz, de outro lado,genitor castrador e ao mesmo tempo paisimbólico (...). (Enriquez, 1997,: p. 35)

O imaginário enganador provê às pessoascerta segurança não apenas em relação àinstituição, como também a elas mesmas.Ele transmite à organização e a seus membrosa sensação, ainda que ilusória, de estabilidadee firmeza, sendo graças a ele que um gruposocial pode se reconhecer como uma co-munidade e assim se mostrar ao outro (Enri-quez, 1997).

O preço da segurança e da estabilidade quese ancoram no imaginário enganador é a im-possibilidade de mudança. Tendo em vistaque ocupa todo o espaço psíquico de seusmembros, a organização os impede de pensare sonhar, o que inviabiliza a constituição deprojetos de transformações da vida institucional.Trata-se de um “(...) excesso de sentido, quetem como efeito matar a invenção e a criati-vidade. Tal contexto engendraria o confor-mismo e a negação da autonomia dos sujeitos(...)” (Azevedo, 2010, p. 979).

Esse cenário se mostra diferente quando aorganização não funciona exclusivamentesob a égide do imaginário enganador, po-dendo, em alguma medida, permitir que aspessoas exerçam sua imaginação criativa notrabalho, sem se sentirem reprimidas pelasregras institucionais. Enriquez (1997) con-trapõe ao imaginário enganador um imagináriomotor, aquele que:

(...) oferece às pessoas a possibilidade decriar uma fantasmática comum que au-toriza uma experiência com os outros,continuamente reavaliada e refletida enão caindo jamais no inerte e no com-pacto. Ele preserva pois a parte do sonhoe a possibilidade de mudança (...). (Enri-quez, 1997,: p. 36)

Apoiado no conceito de espaço transicionalda psicanálise winnicottiana, Enriquez (1997)esclarece que essa forma de imaginário exigeque a organização conte com espaços per-meáveis à troca intersubjetiva e à criatividade,dispositivos que facilitem a expressão dasdiferenças e a criação que advém do embateentre elas.

Cada serviço deve criar os espaços transicio-nais que mais sintonizam com suas caracte-rísticas. Entretanto, vale ressaltar que algunsdispositivos vêm sendo experimentados comêxito pelos CAPS, tais como reuniões deequipe, supervisões clínico-institucionais, ela-boração e monitoramento contínuo de pro-jetos terapêuticos singulares para os pacientes,

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assembleias, oficinas de planejamento, dentreoutros destinados a colocar em cena e análiseos mais diferentes e conflitantes desejos, in-tenções e necessidades de todos os atoresque compõem o serviço (Onocko Camposet al., 2009, e Albert & Palombini, 2012).Não é uma tarefa fácil sustentar o funciona-mento desses dispositivos e a consequenteexigência de se lidar com diferenças, embatese contato com demandas bastante arcaicas.Mas, como sabemos, quando não falados eanalisados, os sintomas tendem a nos adoecer.

A valorização de encontros mobiliza a equipedo CAPS em alguns momentos, como naelaboração de festas e passeios. Nestes, certaforça criativa parece emergir, levando osprofissionais a se organizarem para garantirque o evento coletivo seja prazeroso. Entre-tanto, não identificamos nenhuma instânciaque funcionasse regularmente, catalisandodiscussões sobre a dinâmica institucional, asnecessidades e projetos dos diferentes pa-cientes ou as questões inerentes às relaçõesinterprofissionais.

Nesse aspecto, a precariedade de recursosnovamente se impõe: o CAPS nunca teveum supervisor clínico-institucional que, comosabemos, corresponde a um apoio externofundamental para a sustentação de processosde análise das relações dos profissionais entresi e com os pacientes, bem como para aconstrução coletiva dos casos (Figueiredo,2004). Mas esse não é o problema de quese queixam, pois o que lhes sobressai nodiscurso é a precariedade dos vínculos tra-balhistas, que impõe, sobretudo à gestora,as seguintes questões: Como apostar emprojetos coletivos quando não se sabe quempermanecerá na instituição em médio prazo?Como exigir a presença nas reuniões quandoa carga horária contratada é restrita, assimcomo os salários pagos?

De fato é bastante difícil pensar na sustentaçãode espaços que exigem a conformação deuma grupalidade, forte o suficiente para lidarcom diferenças e embates, quando não se

pode contar com alguma estabilidade dosvínculos formais. Diante desse cenário, a so-brepujança da precariedade novamente secoloca, parecendo imobilizar os profissionais,impedindo-os de arriscar a construção deparcerias, sustentadas por algum tipo de so-nho, como o seria, por exemplo, a construçãode um projeto terapêutico singular. É possívelsupormos que o medo de acordar na reali-dade precária e insegura esteja impedindoos profissionais de sonharem, de modo queo imaginário motor parece agonizar nesseserviço, encontrando poucas brechas parase fazer atuante.

Entre tais brechas, destacamos os projetosde geração de renda que a equipe construiupara duas das pacientes que entrevistamos.Para elas, a venda das guloseimas no CAPSpermite a aquisição de algum dinheiro. Jápara os profissionais, expressa a possibilidadede fazer algo diferente, ainda que a alusãoaos limites permaneça salientada quando sequeixam da dificuldade em conseguir uma“barraquinha” para que as vendas sejamfeitas fora do serviço.

Sair do CAPS parece ser o grande desafiopara usuários e profissionais. Houve, porém,um gesto de ruptura com esse isolamentoquando se buscou equipes de ESF para en-caminhar os pacientes estabilizados, sem sedesresponsabilizar por eles. Poderíamos vis-lumbrar nesse processo a emergência de umimaginário motor, cujas marcas principaisseriam a busca pela integralidade do cuidado,pela parceria e pelo aumento das ofertas as-sistenciais.

Nesse sentido, Jimenez (2011) defende quea ESF e a RP possuem em comum umacompreensão da doença que abarca tambémfatores sociais, culturais, políticos e econô-micos, requerendo abordagens terapêuticasque não se centram na medicalização e,tampouco, reduzem-se à busca pela remissãodos sintomas, já que colocam o sujeito, seusfamiliares e a comunidade como agentesfundamentais do processo de tratamento.

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A aproximação entre CAPS e ESF, entretanto,não se deu nessa direção e acabou por refor-çar a centralidade do primeiro, expressa, porexemplo, no fato de os agentes de saúdedenominarem todos os usuários de medica-mentos psicotrópicos de “Pacientes CAPS”.Não é difícil de encontramos a principalcausa desse paradoxo: o CAPS busca parce-ria, mas o faz regido exclusivamente pelosaber biomédico, representado pelademanda de que as equipes de ESF se res-ponsabilizassem pela distribuição dosremédios dos pacientes. Não houve discussãocomum sobre a psicodinâmica dos sujeitosencaminhados ou da realidade socioculturalque os envolve, a qual, em tese, seria bas-tante conhecida da ESF. Se o CAPS sai umpouco do centro, o faz-se dando o lugarquase que exclusivo ao remédio. Esse lugar éreforçado pelo apoio matricial realizado poruma farmacêutica, cuja principal atividade éelucidar questões ligadas às receitas médicase acionar o CAPS nas emergências. Nova-mente, o imaginário motor parece agonizar,nesse momento adormecido pelo poder sim-bólico da medicação.

O trabalho de saúde mental na ESF

O CAPS estudado encaminhou os prontuáriosdos pacientes e suas demandas por medica-ção, mas não levou consigo as discussõesacerca da loucura e seu lugar social. Contudo,considerando os princípios que regem a ESF,poderíamos esperar que fossem desenvolvidasabordagens do sofrimento psíquico pautadasem outras dimensões, além da médica, oque não se verificou no momento da reali-zação dos grupos. Como vimos, além de“acompanhar a receita azul”, entre as poucasações de saúde mental predominam as con-versas entre agentes e usuários. Estas, porém,não são discutidas ou planejadas. Não oforam quando a parceria com o CAPS se ini-ciara e continuam não o sendo. Consequen-temente, o instrumento terapêutico mais uti-lizado são as vivências pessoais dos traba-lhadores, muitas vezes, sustentadas em umacultura que adjetiva a loucura como perigosae imprevisível.

Problemas semelhantes foram encontradospor outros estudos que identificaram restritainclusão da saúde mental enquanto campode ação da ESF. Entende-se que tal restriçãose deve ao desconhecimento da RP pelosprofissionais da AB, bem como carência derecursos operacionais e teóricos para lidarcom o sofrimento psíquico e falta de entro-samento com os serviços de saúde mentalexistentes. Além disso, foram percebidas di-ficuldades em lidar com problemas mentaismais graves e realização de práticas morali-zantes, de cunho discriminatório, ou apoiadasno modelo biomédico e hospitalocêntrico.Nesse contexto, formas de abordagem ba-seadas na escuta e no acolhimento são es-cassas (Tanaka & Ribeiro, 2006; Brêda &Augusto, 2009; Silveira & Vieira, 2009;Nunes, Jucá, & Valentim, 2007).

Em consonância com tais observações, nonosso campo de pesquisa, diante da criseou das expressões de agressividade dos pa-cientes, o CAPS é chamado e intervém. Mas,o faz levando o paciente consigo e, emgeral, internando-o num em uma hospitalfora da cidade. A irrupção mais intensa dosofrimento não tem lugar no território. Note-se que não apenas o paciente é levado, mastambém a própria situação, que não é dis-cutida com a equipe de ESF, ou por ela.

Dalla Vecchia e Ferreira (2009) nos ajudam adiscutir essas questões advertindo que a inci-dência da RP na AB exige a discussão críticaacerca do compromisso dos profissionais coma loucura enquanto um processo vivido porpessoas concretas. O reconhecimento dessecompromisso tende a ser difícil em funçãodas representações que o louco foi adquirindoao longo dos últimos três séculos. Entretanto,parece-nos que o modo como o processoaqui estudado se dera, acentua grandementetal dificuldade, na medida em que as equipesda ESF foram levadas a assumir o cuidadocom a medicação e não com os sujeitos.

A medicação, e não o sujeito, foi colocadano centro da cena assistencial. Apenas ela éalvo de alguma discussão ou apoio do NASF

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e é com seu controle que os agentes sepreocupam, manifestando desconforto pornão poder garantir que os pacientes a tomemcorretamente em casa. Apenas ela tambémparece ser garantia de que “Pacientes CAPS”sejam “pacatos”, precisando apenas de “aten-ção”. Esse cenário nos indica que a ESF,contrariando seus próprios princípios, acaboupor contribuir para o que alguns autores ad-vertem, como o “risco de psiquiatrização docuidado em saúde mental”, representadopela medicalização como estratégia assistencialisolada e pela desconsideração dos complexosproblemas sociais e dos conflitos subjetivosque envolvem o sofrimento psicossocial (DallaVecchia & Ferreira, 2009).

É interessante notar o quão paradoxal é essequadro, na medida em que os mesmos pro-fissionais que exibem a medicação como re-curso terapêutico exclusivo, também dizempreocupar-se com o excesso de psicotrópicosutilizados pela população e reconhecem quea maior necessidade dos pacientes de saúdemental é por atenção. Inevitavelmente, somoslevados a supor que, para além do descom-promisso com os sujeitos que vivenciamgraves sofrimentos psíquicos, os trabalhadoresda ESF expressam a carência de capacitaçãoe recursos para compreenderem esse sofri-mento e com ele lidarem.

Nunes et al. (2007) auxiliam-nos a entenderessa situação lembrando que a área de saúdemental desenvolveu teorias e métodos decompreensão e abordagem do sujeito, asquais raramente foram incorporadas poroutras clínicas. Pode-se supor que, atual-mente, as consequências desse exílio recaemsobre a AB, campo de necessária confluênciadas diversas disciplinas da área da saúde.Consequentemente, as autoras verificam queos profissionais da AB já lidam no seu coti-diano com os “portadores de transtornomental”, mas desejam se qualificar para essetrabalho, pois, em sua maioria, sentem estardescumprindo uma “ética de cuidado”, semsaber como agir de modo diferente, ou perce-bendo-se angustiados e despreparados paralidar com situações afetivamente exigentes.

No contexto pesquisado, todos os agentesde saúde falaram da necessidade de capaci-tação técnica. Porém, vale ressaltar, que talcapacitação exige, além dos conhecimentosacerca da crise ou da depressão, como elesrequerem, o reconhecimento e a legitimaçãodas dimensões (inter)subjetiva e sócio-so-ciocultural do processo saúde-doença, bemcomo a discussão crítica do lugar dado aosfamiliares no cuidado do doente mental.Diante das representações que os sujeitosde nossa pesquisa fazem das famílias dospacientes, vale lembrar a advertência deDalla Vecchia e Ferreira (2009), para osquais é necessário superar concepções queculpam as famílias pelos problemas dos pa-cientes, qualificando-as como “desestrutu-radas”, sem considerar as características so-cioculturais do território, e depositando nessasuposta desestruturação a responsabilidadepor um problema, cuja complexidade épouco refletida.

Outro aspecto que deve envolver o processode capacitação é uma leitura histórica acercada forma como a loucura foi sendo com-preendida e tratada, de modo que repre-sentações a ela associadas possam ser discu-tidas e, talvez, desconstruídas. Ao pesquisaras representações associadas ao sofrimentomental entre agentes de saúde, Jucá, Nunese Barreto (2009) identificaram material se-melhante ao nosso: os signos mais recorrentesforam periculosidade, risco, urgência, com-portamentos bizarros, violência, retraimentoe isolamento. Desprovida de discussão críticae descontextualizada de sua história de pro-dução, representações como essas podemser mais um dos elementos que contribuempara que as abordagens ao sofrimento mentaldesconsiderem o sujeito que expressa ossintomas.

Nesse sentido, vários autores defendem aformação técnica permanente e lembramque o tema saúde-–doença envolve grandemobilização de questões emocionais no pro-fissional que, sem capacitação técnica ade-quada, muitas vezes, realiza diagnósticosapressados e condutas extremamente técnicas

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e desumanas. Por outro lado, tendem tambéma proporcionar uma abertura muito grandeao sofrimento vivenciado pelo usuário, deforma a deixar-se invadir pelo problema,não conseguindo manter uma distância quelhes permita certo discernimento a respeitoda situação. Nesse caso, perdem a potênciade sua intervenção, evidenciando não con-seguirem desenvolver uma clínica: tendema dispensar um “cuidado” parecido comaquele que um parente angustiado poderiaoferecer (Valentini et al., 2004, OnockoCampos & Gama, 2008).

Conforme mostramos, muitas dessas ques-tões são vislumbradas em nossa pesquisa,seja pelo medo que os agentes possuem dospacientes e a associação dos mesmos com“forças demoníacas”, seja pela angústia cau-sada pela dificuldade de ajudá-los, ou pelacrença de que “apenas conversar” os alivia.O distanciamento afetivo também se fezpresente nos detalhados relatos de crises,cuja solução foi acionar o CAPS, sem que osprofissionais se corresponsabilizassem ou seimplicassem com as pessoas envolvidas nes-sas situações, fossem os pacientes ou seusfamiliares.

Acerca da corresponsabilização, vale lembrarque o CAPS é o serviço de referência, masos dispositivos de gestão também devemcumprir seu papel, levando a discussão sobrea integralidade da assistência aos diferentesequipamentos e oferecendo-lhes suportepara a compreensão e intervenção sobre assituações vividas pelos pacientes. Cabe aquidestacar que a gestão não deve ser entendidaapenas como administração de pessoas, bense processos, mas, sobretudo, como formade produzir articulações clínico-políticas na-quilo que, cotidianamente, escapa ao controledas equipes, não funciona, surpreende oufrustra (Onocko Campos, Massuda, Valles,Castano & Pellegrini, 2012).

Nesse sentido, Jucá et al. (2009) asseveramque o trabalho de saúde mental na AB, paraalém da capacitação técnica, exige que agestão invista no desenvolvimento de habili-

dades para conformação de parcerias, de tra-balho conjunto, seja dentro das próprias equi-pes, seja entre serviços. Como sabemos, par-ceria não se prescreve ou indica, mas seconstrói por meio de encontros, comparti-lhamento de problemas, responsabilidades econvivência. Na realidade que estudamos, odesenvolvimento da habilidade para parceriascarece, antes de tudo, da construção de es-paços de confiança, para que estas não sejamsentidas como riscos de exposição. A nossover, essa é função mais urgente a ser exercidapela gestão, com protagonismo do NASF.

Conclusões

A realidade estudada apresenta problemasbastante complexos e vastos. De modo geral,podemos afirmar que o imaginário institu-cional, sobretudo no que diz respeito aoCAPS, está dominado pelo símbolo da pre-cariedade. Este parece fortalecer o imaginárioenganoso, que impera no funcionamentodo serviço, amortecendo a capacidade criativados profissionais e perpetuando a sensaçãode imobilização e cronificação entre todosos sujeitos envolvidos.

Entretanto, não podemos nos deixar dominarpor tal imperativo simbólico. Acreditamosque processos de capacitação acerca de sofri-mento psíquico e tudo o que o envolve,necessariamente, levariam os profissionais apesquisarem sobre o território de vida de seuspacientes, bem como sobre as limitações epotencialidades inerentes às estratégias queadotam para lidar com as dificuldades davida. Voltar a atenção para os sujeitos e os ter-ritórios pode ressuscitar o desejo de sonhar,aparentemente adormecido, e, por conse-quência, deve despertar práticas depromoção de saúde destinadas a toda acomunidade e não apenas aos ditos “Pacien-tes CAPS”.

É que se espera na aproximação do CAPS ouda saúde mental com a AB: mobilização deprocessos de resignificação acerca do sofri-mento psíquico e da loucura, mas uma

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resignificação que traga para o centro dacena o sujeito e todo o arcabouço social noqual se sustenta, uma mobilização que pro-duza possibilidades de aumento dacapacidade normativa das pessoas e, dealgum modo, cause impacto sobre a própriaorganização comunitária. Acreditamos que aloucura, desde que vista em sua complexi-dade, tem o efeito do encanto, dafertilização, podendo gerar desvios em traje-tórias marcadas pela inércia e a impotência,vividas por pacientes e também pelosprofissionais.

Seja no CAPS, nas equipes de ESF ou entreesses serviços, não é possível supor que taisprocessos de ressignificação e aproximaçãoda complexidade que envolve o sofrimentohumano se desenvolva por “geração espon-tânea”. Há que se ter dispositivos que seconstruam na base da confiabilidade, podendofacilitar, estimular e sustentar possibilidadesde encontros entre profissionais e destescom os pacientes. Isso requer um esforço decontínua criação e recriação, a ser protago-nizado por profissionais, gestores, educadorese sociedade civil em geral.

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Lilian MirandaPsicóloga. Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas(Unicamp). Profª Drª do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Rural doRio de Janeiro (UFRRJ).

Thaíssa Fernanda Kratochwill de OliveiraGraduanda do Curso de Psicologia da UFRRJ. Bolsista de Iniciação Científica – Programa PROIC da UFRRJ

Catia Batista Tavares dos SantosGraduanda do Curso de Psicologia da UFRRJ. Bolsista de Iniciação Científica – Faperj.

Endereço para envio de correspondência Instituto de Educação. Departamento de Psicologia. Universidade Federal Rural do Riode Janeiro (UFRRJ). Br.465/Km.07. Seropédica. RJ.Fone: 21-34951463E-mail: [email protected]

Recebido 02/08/2013, 1ª Reformulação 03/11/2013, Aprovado 12/12/2013.

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