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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 6352
ESTUDO HISTORIOGRÁFICO SOBRE O ENSINO SECUNDÁRIO EM SANTA CATARINA (DÉCADA DE 1970-2015)1
Norberto Dallabrida2
O florescimento da historiografia da educação no Brasil, que vem se consolidando nas
últimas décadas, tem realizado uma excelente releitura do ensino primário e da escola
normal e com aportes teóricos diversificados, mas não tem dado a devida atenção ao ensino
secundário. Entre 1931 e 1971, o ensino secundário brasileiro tinha sete anos de duração,
sendo formado por dois ciclos e jogava um papel fulcral no sistema de ensino e,
particularmente, no acesso aos cursos superiores. A reforma Francisco Campos (1931)
estabeleceu, de forma inédita, dois ciclos para o ensino secundário: o ciclo fundamental, com
um período de cinco anos de duração, comum aos estudantes secundaristas e ministrava
formação geral; e o complementar, somente de dois anos, que preparava para o ingresso no
ensino superior e tinha três cursos paralelos: para os candidatos ao Curso de Direito, para os
candidatos aos cursos da área da saúde e para os candidatos para engenharia ou arquitetura
(DALLABRIDA, 2009). A Lei Orgânica do Ensino Secundário (1942), concebida pelo
ministro da educação Gustavo Capanema, reestruturou esses dois ciclos, de sorte que o ciclo
ginasial passou a ter quatro anos de duração, enquanto o colegial, com três anos, era formado
por dois cursos paralelos – o científico e o clássico. Essa estrutura seria quebrada pela
reforma educacional outorgada pela Lei 5.692, de agosto de 1971, no apogeu do regime
militar, que criou o 1º grau a partir da fusão do antigo curso primário e o ciclo ginasial, com
oito anos de duração, e o 2º grau com o mesmo número de anos do ciclo colegial. Assim,
durante quatro décadas, o ensino secundário tinha uma configuração próxima daquela dos
países europeus, especialmente da França.
Desta forma, o presente trabalho se propõe a realizar um estudo sobre os trabalhos de
conclusão de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado produzidas na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC), da década de 1970 até o ano de 2015, que versam sobre ensino secundário
existente no Estado de Santa Catarina de 1931 a 1971. Trata-se de uma análise historiográfica
1 Agradeço ao bolsista Tibério Souza pela ajuda na coleta de dados e à FAPESC pelo auxílio financeiro na minha pesquisa institucional.
2 Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Departamento de Pedagogia da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). E-Mail: [email protected]
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sobre a produção acadêmica nos cursos de graduação e de pós-graduação stricto sensu,
realizada nas duas universidades públicas localizadas em Santa Catarina durante o recorte
temporal elegido. Para tanto, é preciso considerar que na UFSC o curso de mestrado em
História iniciou em 1975, de modo que, no final da década de 1970, foram defendidas as
primeiras dissertações de mestrado e o curso de mestrado em educação iniciou em 1984, mas
ambos se verticalizaram em nível de doutorado na década de 1990. Ademais, em 2001 a
UFSC também passou a ter o Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e
Tecnológica (PPGECT), que contemplava a investigação das disciplinas científico-
matemáticas. Em 1996, a UDESC implantou o curso de mestrado em Educação e Cultura, que
teve vida curta, sendo, em boa medida, desdobrado nos cursos de mestrado em Educação e
em História em 2006 e ambos logo foram verticalizados em nível de doutorado. Considera-se
que esses cursos produziram estudos sobre a história da escolarização e, particularmente, do
ensino secundário. De outra parte, 2015 é o último ano completo anterior à realização da
coleta de dados deste trabalho, de sorte que foi escolhido para dar-lhe atualidade. Pelo fato
de não haver estudos dessa natureza sobre o ensino secundário, optou-se por iniciar o
trabalho historiográfico com a produção acadêmica das duas universidades públicas
enraizadas em Santa Catarina.
A historiografia é o estudo da produção da história-conhecimento, considerada uma
representação construída a partir de diversas fontes que registram o passado. Usa-se o
conceito de representação cunhado por Roger Chartier, que lhe confere dupla dimensão, qual
seja: a presentificação de um objeto ausente seja ele coisa, conceito ou pessoa e o processo de
sua construção, isto é, “re-apresentação mais ou menos adequada de algo já dado,
apresentado e conhecido como ‘o real’” (CARVALHO e HANSEN, 1996, p.12). No primeiro
sentido, “la representación hace ver el ‘objeto ausente’ (cosa, concepto o persona)
substituyéndolo por uma ‘imagem capaz’ de representarlo adequadamente. Representar es
pues dar a conocer las cosas indirectamente [...]” (CHARTIER, 2000, p.75). Representação é
também a construção social de uma coisa ou de uma pessoa, como esclarece Chartier (2000,
p.85):
Más allá de este primer uso, historicamente localizado, la noción de representatión se há cargado de uma pertinência más amplia, al designar al conjunto de las formas teatralizadas y ‘estilizadas’ (según las palabras de Max Weber) gracias a las cuales los indivíduos, los grupos sociales, los poderes, construyen y proponen una imagen de ellos mismos. [...] Entendido de este modo, el concepto de representación lleva a pensaren el mundo social o en el ejercicio del poder como un sistema de relaciones. Las modalidades de presentación de un grupo social o de una autoridad están, ciertamente,
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gobernadas por las propiedades sociales de este grupo social o los recursos propios de este poder.
No campo historiográfico, o ausente é o passado, que é representado, a partir de
documento/s transversalizado/s por jogos de poder, pelas histórias-conhecimento. As fontes
dessa investigação são de cunho bibliográfico, sendo constituídas por trabalhos de conclusão
de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre o ensino secundário
catarinense de 1931 a 1971, isto é, durante a existência desse nível de escolarização com dois
ciclos. O trabalho está dividido em duas partes: inicialmente serão analisados trabalhos
vinculados à chamada historiografia “tradicional”; e, na segunda parte será colocado o foco
sobre trabalhos de história do ensino secundário fundamentados nas novas tendências
historiográficas, particularmente a partir dos anos 1990.
Historiografia “tradicional”
Em meados da década de 1970, o Curso de Mestrado em História da UFSC foi
implantado tendo como área de concentração a história quantitativa nos campos demográfico
e econômico, mas estava aberta a outras possibilidades de investigação científica. Assim, nas
primeiras duas décadas de existência, foram elaborados dois trabalhos acadêmicos que
tinham como objeto escolas católicas localizadas no território catarinense. A dissertação de
mestrado “O Colégio Catarinense, um marco na história da educação de Santa Catarina”, de
Pick (1979) lança um olhar de longa duração sobre o colégio dos padres jesuítas sediado em
Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina. Nesse trabalho o Colégio Catarinense é
abordado desde a sua criação, ocorrida em 1905, até os anos 1970, de sorte que apresenta
uma visão panorâmica oficiosa do educandário considerado de excelência e, por isso, formou
boa parte das elites catarinenses. Neste sentido, pode ser considerado um escrito enquadrado
na historiografia “tradicional” de Santa Catarina, que buscava dar visibilidade aos homens e
instituições de relevo social, cujo locus gerador era o Instituto Histórico e Geográfico de
Santa Catarina. No entanto, a confecção dessa dissertação de mestrado usou depoimentos de
ex-professores e alunos egressos desse estabelecimento de ensino, que revela um
procedimento metodológico inovador na historiografia brasileira e catarinense na década de
1970. Isso se deve à dissertação de mestrado sobre história oral, de Carlos Humberto Corrêa,
defendida no Curso de Mestrado da UFSC e logo transformada em livro (CORRÊA, 1978),
disseminando essa metodologia em Santa Catarina.
O outro trabalho é a dissertação de mestrado “O Instituto Maria Auxiliadora 1928-
1992”, de Neide Maria de Souza Moreira Areco (1993), localizado em Rio do Sul e dirigido
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pela Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora – braço feminino dos salesianos. O
propósito desse trabalho é “[...] mostrar a evolução do Instituto Maria Auxiliadora de Rio do
Sul, colégio confessional católico, fundado em 1928 pela Congregação das Filhas de Maria
Auxiliadora, com o nome de Colégio Sagrado Coração de Jesus, até o ano de 1992 (ARECO,
1993, p.xviii). Trata-se também de uma história de longa duração de um colégio feminino
católico, estudado em três longos períodos – o “missionário” (1928-1942), o “institucional” e
aquele “de formação da consciência crítica” –, tendo como fio condutor a congregação
religiosa que o dirigia. Essa história oficiosa do Colégio Sagrado Coração de Jesus foi
elaborada a partir de farta documentação escrita em português e em italiano, bem como pela
coleta de depoimentos realizados de acordo com a técnica da história oral, sendo duas de
irmãs salesianas e duas de leigas vinculadas ao colégio em tela. Enfim, a dissertação de
mestrado de Neide Areco não tem propriamente uma questão específica anunciada na sua
introdução, mas a confecção de um arrolamento de fatos divididos de forma tripartite e
cronológica e apresenta uma forma linear que vai do geral para o particular.
Embora elaborados em diferentes momentos históricos, os trabalhos de Pick (1979) e
de Areco (1993) sobre educandários católicos têm uma modalidade historiográfica
“tradicional” em comum, qual seja: a construção de uma história panorâmica, linear,
cronológica e encomiosa que vai da criação do colégio até o momento da elaboração da
dissertação de mestrado. Trata-se de uma modalidade da história tradicional, mas que recebe
um certo sopro de inovação na medida em que usa depoimentos de agentes educacionais
coletados a partir da metodologia da história oral, que quebra o chamado fetiche das fontes
escritas do tradicionalismo historiográfico. Desta forma, esses dois trabalhos acadêmicos se
convertem em escritos importantes porque fornecem documentos escritos e excertos de
depoimentos de ex-alunos e ex-professores das escolas estudadas.
Novas tendências historiográficas
No mínimo desde os anos 1990, a história da educação vem passando por um
deslocamento marcado pelo foco de análise das práticas no interior da escola. No campo
historiográfico brasileiro, o texto fundador dessa nova forma de ler a escolarização em
perspectiva histórica é “A cultura escolar como objeto histórico” (JULIA, 2001), que vem
sendo usado, de forma ostensiva, nas últimas décadas. Nesse artigo, cultura escolar é
considerada “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a
inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
incorporação desses comportamentos” (JULIA, 2001, p.10). A cultura escolar é pensada em
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uma dupla dimensão: a prescrita, formada por textos normativos que recortam e didatizam
saberes escolares e condutas a estimular; e a praticada, ou seja, a apropriação do prescrito na
tessitura do fazer educativo nas escolas e, particularmente, nas salas de aula. Essa nova clave
de análise prioriza a caixa preta da escola, mas procura compreender as conexões umbilicais
entre a instituição escolar e o mundo social. O olhar micro-histórico para a escola é
multifacetado, mas, grosso modo, contempla especialmente a conformação dos saberes
escolares ou disciplinas-saber, os modos de disciplinamento corporal dos alunos ou a
disciplina-corpo e as clientelas ou os grupos sociais que frequentam as escolas, levando em
conta os marcadores sociais como gênero, etnia, fração de classe social e idade.
Na historiografia da educação brasileira, na década de 1990, emergiram trabalhos sobre
a cultura escolar no curso primário e na escola normal, mas, em seguida, o ensino secundário
também passou a ser analisado a partir desse conceito. Em Santa Catarina, em meados da
primeira década do século XXI, aparecem os primeiros estudos sobre o ensino secundário,
que se desdobraram e se diversificaram. Assim, o trabalho de conclusão de curso “Varões
para o futuro: o Ginásio Diocesano e a reafirmação das elites da Serra Catarinense (1931-
1942)” (SILVA, 2005), procura relacionar a cultura escolar e a clientela do Ginásio
Diocesano, localizado em Lages, cidade-polo do Planalto Serrano Catarinense e dirigido por
freis franciscanos alemães. Trata-se de um educandário localizado em uma região de
latifundiários e, por isso, marcado por fortes desigualdades sociais e escolares. Nesta direção,
no ano seguinte, Tridapalli (2006) produziu o trabalho de conclusão de Curso “Bons cristãos
e virtuosos cidadãos: cultura escolar marista no Ginásio Aurora (1938-1945)”, que procurou
compreender o funcionamento interno de um colégio dirigido pela Congregação dos Irmãos
Maristas em um cidade menor do Planalto Serrano Catarinense. A cultura escolar
diagnosticada nessa escola era de timbre marista e, por isso, afrancesada, mas não menos
rigorosa que a dos franciscanos alemães.
Também em meados da primeira década do século XXI, a cultura escolar foi analisada
a partir da variável gênero, colocando o foco sobre as alunas de colégios católicos, que
estavam em sintonia com a emergência dos estudos da mulheres. Com a dissertação de
mestrado “A inserção das mulheres no Colégio Catarinense, 1967-1973”, Marçal (2005)
procura compreender a introdução das mulheres como professoras, alunas e funcionárias no
Colégio Catarinense, que, até 1966, era dirigido e frequentado somente por homens. Trata-se
do principal educandário formador de elites, localizado em Florianópolis e dirigido por
jesuítas alemães. De outra parte, com o trabalho de conclusão de curso “Sobre mulheres
distintas e disciplinadas: práticas escolares e relações de gênero no Ginásio Feminino do
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Colégio Coração de Jesus (1935-1945)”, Garcia (2006) estuda a cultura escolar no primeiro
ginásio feminino do Estado de Santa Catarina, parte integrante do Colégio Coração de Jesus,
também localizado na capital catarinense e gestionado pela Congregação das Irmãs da Divina
Providência, cujas freiras também eram de ascendência alemã. Aqui a atenção é colocada
sobre a generificação das práticas escolares, de sorte que as adolescentes alunas eram
submetidas a uma cultura escolar com conhecimentos menos intelectualizados e com
exercícios físicos mais amenos, visando a preparação da futura mulher burguesa que se
dedicava preferencialmente à esfera privada como esposa, mãe, sogra. Esse mesmo
educandário foi investigado por Martini (2008) na dissertação de mestrado “Curso Científico
do Colégio Coração de Jesus: cultura escolar e socialização das elites femininas em Santa
Catarina (1947-1961)”, mas no segundo ciclo do ensino secundário e na conjuntura da
redemocratização da sociedade brasileira iniciada em meados da década de 1940. As moças
que concluíram o científico não tinham a mesma perspectiva social daquelas que fizeram o
curso ginasial nos anos 1930, mas flertavam com o ingresso no ensino superior.
A cultura escolar também foi analisada a partir do disciplinamento do corpo discente
como é o caso da dissertação de mestrado “Sólida instrução e educação esmerada: as
estratégias disciplinares no Colégio Santo Antônio - Blumenau - SC (1932-1942)”, de Rogéria
Rebello Diegoli (2006). Os dispositivos disciplinares flagrados no cotidiano do Colégio Santo
Antônio, também dirigido por franciscanos alemães e voltados às elites regionais, são
fundamentados no conceito de disciplina e de resistência de Michel Foucault. As estratégias
disciplinares como o controle do tempo, o esquadrinhamento do espaço, a avaliação regular e
espetacularizada que gera o trabalho regular, a organização das forças escolares e as punições
morais, voltadas para adolescentes homens, são analisadas com a seleção e organização dos
saberes escolares. Procurando ler as diferenças e desigualdades de gênero, Martins (2009)
produziu a dissertação de mestrado “Coeducação, cultura escolar e seus limites: Ginásio
Barão de Antonina (1942-1952)”. O Ginásio Barão de Antonina era uma instituição privada
de ensino secundário, localizado em Mafra, ao norte do Estado de Santa Catarina, mantida
por uma associação privada e laica chamada Associação Mafrense de Ensino, que oferecia o
curso ginasial para adolescente homens e mulheres. A coeducação é analisada nas práticas
escolares no Ginásio Barão de Antonina, mas as diferenças mais marcantes foram
constatadas nas disciplinas-saber Educação Física, Trabalhos Manuais e Economia
Doméstica, segregadas por gênero, de sorte que os alunos eram preparados para atividades
públicas, enquanto as alunas eram formadas para atividades domésticas. Deve-se levar em
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conta que a própria Lei Orgânica do Ensino Secundário (1942), prescrevia explicitamente a
segregação entre alunos e alunas nos dois ciclos do ensino secundário.
A dissertação de mestrado “Cultura escolar no Ginásio de Aplicação da Universidade
Federal de Santa Catarina na década de 1960” (ANDRADE, 2009) investiga experiências
pedagogicamente inovadoras no curso ginasial do Colégio de Aplicação da universidade
federal localizada em Florianópolis. Apoiando-se em teóricos como Dominique Julia, André
Chervel, Jean-Claude Forquin e Antônio Vinão Frago, esse trabalho explora as seguintes
estratégias renovadoras do ensino: desenvolvimento da pesquisa, experimentação de
integração de disciplinas, formação regular de professores e ensaios de autogoverno dos
alunos. Essas novas práticas educativas circulavam nos colégios de aplicação das
universidades federais inspiradas nas chamadas classes secundárias experimentais que foram
colocadas em marcha no Brasil desde a década de 1950. As fontes utilizadas foram
documentos escritos e iconográficos, mas também foram usados depoimentos de ex-alunos e
ex-professores que vivenciaram essas experiências ginasiais de vanguarda. A dissertação de
mestrado “No compasso do moderno: o Curso Normal do Instituto de Educação de Santa
Catarina (anos 1960)”, Karin Sewald Vieira (2014) tem o mesmo recorte temporal que o
trabalho de Andrade (2009). Depois de fazer considerações sobre o prédio escolar do
Instituto Estadual de Educação, esta pesquisa debruça-se sobre os aspectos da sua cultura
escolar como “a emergência de diferentes protagonismos como elementos constitutivos da
configuração do Curso Normal, tais como a autonomia administrativa, didática e financeira,
instituída em 1964, os rituais de formatura e a organização do concurso A mais bela
normalista” (VIEIRA, 2014, p.5). Ademais, reflete sobre o estágio do curso normal em
articulação com a criação e instalação do curso primário de aplicação, como uma escola
laboratório. Por fim, o trabalho de conclusão de curso de Will (2013) sob o título “O ensino
secundário no internato do Ginásio e Colégio Catarinense de Florianópolis: a prática jesuítica
alemã do Colégio Catarinense na 1ª Era Vargas” discute a excelência do ensino ginasial e
colegial – este a partir de 1943 – no colégio dos jesuítas da capital de Santa Catarina, bem
como os seus arranjos nacionalistas de 1930 a 1945, particularmente no seu internato.
Os estudos de cultura escolar se pulverizaram e, forjaram um novo subcampo de
investigações – as disciplinas-saber. Nesta direção, dois trabalhos acadêmicos foram
produzidos no Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC.
No primeiro, sob o título “História da Disciplina Escolar Química: o caso de uma instituição
de ensino secundário de Santa Catarina 1909-1942”, Joanez (2006) estuda a disciplina-saber
Química ministrada no Ginásio Catarinense. Vinculada na chamada História das Disciplinas
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Escolares (HDE) e estribada nos trabalhos curriculares de Ivor Goodson, ela conclui que na
primeira metade do século XX, estudos químicos secundaristas nesse educandário tinham
excelente atualização europeia devido à formação científica consistente de seus professores,
padres jesuítas de ascendência alemã. Na dissertação de mestrado “Práticas e discursos:
análise histórica dos materiais didáticos no ensino de geometria”, de Rocco (2010) investiga o
ensino de Geometria, nos anos 1960 e 1970, a partir dos tipos de materiais utilizados, os
conteúdos programáticos e as orientações teórico-metodológicas. Para tanto, constata o
impacto do Movimento da Matemática Moderna (MMM) na didática do ensino ginasial de
matemática, sendo mais acentuado na metodologia do ensino de Geometria. Esses trabalhos
acadêmicos trataram das disciplinas de Química e Matemática (Geometria) no curso ginasial,
analisando a cultura escolar de forma mais específica e pontual.
Em segundo lugar, o ensino secundário catarinense foi estudado a partir das clientelas
de alguns de seus ginásios e colégios e de trajetórias sociais de uma ex-professora e de
alunos/as egressos/as, fundamentados nas sociologias de Pierre Bourdieu e de Bernand
Lahire. A dissertação de mestrado “O Ginásio Estadual Pedro II e o ensino secundário para as
classes médias (1946-1956)”, de Degelane Córdova Duarte (2007), estudou a formação social
dos alunos/as de um curso ginasial localizado na cidade de Blumenau. Ela conclui que o
Ginásio Estadual Pedro II escolarizava, sobremaneira, frações das classes médias, já que as
elites regionais dividiam-se entre entre o Colégio Santo Antônio (para homens) e o Colégio
Sagrada Família (para mulheres). O foco no estudo do perfil discente também foi realizado
por Luciano Júnior (2008), na dissertação de mestrado intitulada “O Colégio de Aplicação da
UFSC e diferenças sociais e escolares”. A partir do uso dos conceitos bourdieusianos de
capital cultural, capital social e habitus e de aplicação de questionário com ex-alunos, esse
trabalho diagnostica que a clientela do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de
Santa Catarina nos anos 1970 era formada sobretudo por filhos de professores universitários,
que tem uma atmosfera familiar favorável à cultura escolar e geralmente reforça o
aprendizado sugerido e cobrado pela escola. Neste sentido, esse trabalho constatou uma
clientela bastante homogênea no Colégio de Aplicação da UFSC, diferente daquelas dos
últimos anos em que a vaga nessa escola pública de excelência é feita por meio de sorteio
público.
De outra parte, três trabalhos acadêmicos investigam trajetórias de ex-alunos de
colégios católicos de elite e de uma professora de colégio público, considerando as suas
origens sócio-familiares, o percurso escolar e a carreira profissional. Na dissertação de
mestrado “Mulheres destinadas ao êxito: trajetórias escolares e profissionais de ex-alunos do
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Curso Científico do Colégio Coração de Jesus de Florianópolis (1949-1960)”, Martini (2011)
estuda a trajetória de três egressas do colégio das Irmãs da Divina Providência de
Florianópolis, sendo duas de classe abastada e uma bolsista de origem popular. Em
“Herdeiros da Escola: trajetórias sociais de egressos do Colégio Catarinense (1951-1960)”,
Melo (2012) investiga a trajetória social de três alunos bolsistas do colégio dos jesuítas da
capital catarinense dos anos 1950, que têm diferentes origens sociais desfavorecidas. No
léxico bourdieusiano, esses alunos egressos são considerados trânsfugas porque fogem da sua
condição de fração de classe social imposta pelo pertencimento familiar mediante esforço
redobrado, particularmente na escolarização. Na dissertação de mestrado “Rompendo
normas: trajetória social e prática docente de Eglê Malheiros no Colégio Estadual Dias Velho
(Florianópolis, 1947-1964)”, Rosa (2013) estuda o percurso escolar e as práticas educacionais
de uma professora de história do Instituto de Educação de Florianópolis a partir da sua
ideologia comunista e, literariamente, modernista, que era oriundas de uma família abastada.
Nesses trabalhos de corte sociológico, portanto, pode-se constatar o efeito da origem social
privilegiada na suas vidas profissionais, bem como a conclusão do ensino secundário para os
alunos/a trânsfugas.
Ademais, constata-se a existência de dois trabalhos que lançam um olhar mais externo
sobre o ensino secundário catarinense de 1931 a 1971. O primeiro é a dissertação de mestrado
”A democratização do acesso ao ensino secundário pela expansão do ciclo normal em Santa
Catarina (1946-1969)”, de Juliete Schneider (2008), que explora o crescimento significativo
do curso normal ginasial conformado na Lei Orgânica do Ensino Normal (1946) até a
instituição do Plano Estadual de Educação de Santa Catarina (1969). Constatando a
dualidade estrutural do curso normal materializada nos nível ginasial e colegial, afirma que
“reconstituimos o processo de ampliação das oportunidades educacionais, particularmente
em relação ao Ensino Normal, através do mapeamento do número de estabelecimentos que
ofereciam estes cursos e o movimento de matrículas” (SCHNEIDER, 2008, p.vi). Já Cobério
(2009) na dissertação “A racionalização das carências: estado desenvolvimentista e o ensino
secundário da rede estadual em Santa Catarina (1961-1965)” explora o ensino secundário no
1º Plano de Metas do Governo, implantado na Gestão Estadual de Celso Ramos na primeira
metade da década de 1960 (AURAS, 1998). Trata-se da discussão sobre o lugar do ensino
secundário na rede pública catarinense numa época de grande expansão de prédios escolares
viabilizada pelo Governo Celso Ramos e que respondia ao crescimento expressivo do número
de matrículas. O ensino secundário é entendido neste trabalho como um ramo do ensino
médio, de acordo com a definição ampla dada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
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Nacional (1961). Os dois trabalhos exploram a democratização quantitativa do ensino
secundário catarinense.
Conclusões
Este estudo historiográfico sobre o ensino secundário em Santa Catarina, tendo como
corpus documental os trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado e teses de
doutorado defendidos na UFSC e na UDESC, da década de 1970 até 2015, indicam
inicialmente que a história “tradicional” é representada por duas dissertações de mestrado
vinculadas ao Curso de Mestrado em História da UFSC. Esses dois trabalhos acadêmicos
produzem uma história panorâmica, lineal e cronológica de colégios católicos e têm um
caráter oficioso porque usam precipuamente documentos institucionais e tecem elogios à
escolarização desses educandários. Todavia, além das fontes escritas, coligidas em
abundância, as dissertações de mestrado de Pick (1979) e de Areco (1993) usam depoimentos
de ex-professores/diretores e de alunos/as egressos/as produzidos a partir da metodologia da
história oral em voga no Curso de Mestrado em História da UFSC livro ao trabalho pioneiro
de Carlos Humberto Corrêa. Deve-se considerar que os depoimentos colhidos são de agentes
educativos que tem uma relação de afeto com o colégio investigado – o Colégio Catarinense e
o Colégio Sagrado Coração de Jesus. Desta forma, esses estudos são importantes mais pelo
volume expressivo de documentos – escritos e orais – do que pela capacidade de
interpretação das instituições educativas elegidas. São, portanto, considerados uma
modalidade de história tradicional do ensino secundário catarinense.
De outra parte, no limiar do século XXI emergem os primeiros trabalhos históricos
sobre o ensino secundário catarinense que estão ligados às chamadas novas tendências
historiográficas. Em primeiro lugar, colocam-se trabalhos de conclusão de cursos e
dissertações de mestrado que focalizam o interior dos colégios a partir do conceito de cultura
escolar de Dominique Julia e de outros autores franceses e espanhóis. A maioria desses
estudos investigam a apropriação dos saberes escolares nas culturas escolares específicas,
mas, particularmente, dois destoam porque um trata de disciplinamento corporal dos alunos
e outro da coeducação. Em segundo lugar, há um conjunto de trabalhos acadêmicos que
lançam um olhar sociológico de perspectiva bourdieusiana, que estuda clientelas de
educandário secundaristas, levando em conta os marcadores sociais de gênero, etnia, fração
de classe social e idade. Este conjunto divide-se em aqueles que pesquisam o perfil do corpo
discente de turmas do curso ginasial, usando questionários para coleta de dados, e os que se
debruçam sobre trajetórias de ex-alunos/as e uma professora a partir de realização de
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entrevistas. Em terceiro lugar, radiografou-se a existência de uma tese de doutorado e uma
dissertação de mestrado que investigam disciplinas-saber. Por fim, identificou-se duas
dissertações de mestrado que fazem uma análise externa do ensino secundário porque
estudam a expansão de um dos seus ciclos, especialmente o curso ginasial da rede pública de
ensino.
Em relação à vinculação dos trabalhos acadêmicos levantados e estudados, verifica-se
que o grupo que investiga a cultura escolar e os perfis sociológicos de ex-alunos e ex-
professora concentram-se no Programa de Pós-Graduação em Educação da UDESC. Os dois
trabalhos que se concentram na análise de disciplinas-saber foram defendidos no Pós-
Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC. E, tanto o PPGH da UDESC como
o PPGE da UFSC têm apenas um trabalho que versa sobre o ensino secundário, indicando
que esses dois programas de pós-graduação promovem pouco a pesquisa desse nível de
ensino. Ademais, acredita-se que este primeiro levantamento historiográfico, restrito à UFSC
e à UDESC, oferece a sinalização de tendências, mas precisa ser desdobrado e aprofundado
com dados de outras instituições de ensino superior, bem como por publicação de trabalho
históricos sobre o ensino secundário catarinense, particularmente em momentos de
celebração como centenários e cinquentenários.
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