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XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017 Estudo sobre o Centro Histórico-Cultural Santa Casa: O Contemporâneo no Antigo Ana Carolina De Bona Becker Mestranda no PPAU UniRitter/Mackenzie UniRitter/Mackenzie [email protected] Maria Paula Recena (orientadora) Drª Arquitetura (UFRGS 2013); Me Poéticas Visuais (UFRGS 2005) UniRitter/Mackenzie [email protected] Resumo: Com a criação do Centro Histórico-Cultural - CHC Santa Casa, Porto Alegre ganhou mais um espaço para a cultura, abrigando teatro, museu, biblioteca, arquivo histórico, espaços de convivência e salas de múltiplos usos. O projeto foi implantado sobre um conjunto de casas em fita do início do século XX, últimas remanescentes desta tipologia na quadra da Santa Casa, que foram construídas com a finalidade de gerar renda para o hospital. A intervenção/re-arquitetura sobre a edificação pré-existente preservou a paisagem urbana remanescente e possibilitou soluções arquitetônicas contemporâneas para adequar os espaços residenciais ao novo uso, institucional. A análise deste projeto possibilita reflexões acerca das atuais teorias de intervenção sobre o patrimônio edificado, em especial, os escritos de Ignasi de Solà-Morales e de José Arthur D’Aló Frota, e sobre os elementos arquitetônicos contemporâneos que caracterizam o Centro Histórico- Cultural. Diante da necessária reflexão sobre estratégias que possam contribuir para futuras intervenções na cidade, a pesquisa se alinha como uma pequena contribuição. O presente estudo está em desenvolvimento e suas conclusões serão apresentadas na dissertação do Mestrado UniRitter/Mackenzie em Arquitetura e Urbanismo da autora. 1 Introdução O Centro Histórico-Cultural - CHC Santa Casa foi implantado sobre um conjunto de casas em fita do início do séc. XX. A análise deste projeto contemporâneo sobre o conjunto de pré-existências suscita questões relativas ao patrimônio o conjunto de residências foi inventariado como imóvel de estruturação pelo Município de Porto Alegre, bem como às novas teorias sobre intervenções em especial os escritos de Ignasi de Solà-Morales e de José Arthur D’Aló Frota. O presente artigo apresenta o estudo que está sendo desenvolvido pela autora em sua dissertação no Mestrado Associado UniRitter/Mackenzie em Arquitetura e Urbanismo.

Estudo sobre o Centro Histórico-Cultural Santa Casa: O ... · estabelecer regra, mas analisar e interpretar estratégias típicas do ofício arquitetônico, em que a recuperação

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XIII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 27 de novembro a 01 de dezembro de 2017

Estudo sobre o Centro Histórico-Cultural Santa Casa:

O Contemporâneo no Antigo

Ana Carolina De Bona Becker Mestranda no PPAU UniRitter/Mackenzie UniRitter/Mackenzie [email protected] Maria Paula Recena (orientadora) Drª Arquitetura (UFRGS 2013); Me Poéticas Visuais (UFRGS 2005) UniRitter/Mackenzie [email protected]

Resumo: Com a criação do Centro Histórico-Cultural - CHC Santa Casa, Porto Alegre ganhou mais um espaço para a cultura, abrigando teatro, museu, biblioteca, arquivo histórico, espaços de convivência e salas de múltiplos usos. O projeto foi implantado sobre um conjunto de casas em fita do início do século XX, últimas remanescentes desta tipologia na quadra da Santa Casa, que foram construídas com a finalidade de gerar renda para o hospital. A intervenção/re-arquitetura sobre a edificação pré-existente preservou a paisagem urbana remanescente e possibilitou soluções arquitetônicas contemporâneas para adequar os espaços residenciais ao novo uso, institucional. A análise deste projeto possibilita reflexões acerca das atuais teorias de intervenção sobre o patrimônio edificado, em especial, os escritos de Ignasi de Solà-Morales e de José Arthur D’Aló Frota, e sobre os elementos arquitetônicos contemporâneos que caracterizam o Centro Histórico-Cultural. Diante da necessária reflexão sobre estratégias que possam contribuir para futuras intervenções na cidade, a pesquisa se alinha como uma pequena contribuição. O presente estudo está em desenvolvimento e suas conclusões serão apresentadas na dissertação do Mestrado UniRitter/Mackenzie em Arquitetura e Urbanismo da autora.

1 Introdução O Centro Histórico-Cultural - CHC Santa Casa foi implantado sobre um conjunto de casas em fita do início do séc. XX. A análise deste projeto contemporâneo sobre o conjunto de pré-existências suscita questões relativas ao patrimônio – o conjunto de residências foi inventariado como imóvel de estruturação pelo Município de Porto Alegre, bem como às novas teorias sobre intervenções – em especial os escritos de Ignasi de Solà-Morales e de José Arthur D’Aló Frota.

O presente artigo apresenta o estudo que está sendo desenvolvido pela autora em sua dissertação no Mestrado Associado UniRitter/Mackenzie em Arquitetura e Urbanismo.

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2 Breve Histórico

Com a finalidade de cuidar dos doentes e acolher os desvalidos, a Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre foi criada no início do séc. XIX, sendo o mais antigo hospital do Estado do Rio Grande do Sul. Mais de dois séculos depois, a instituição passa também a atuar como centro de ensino e pesquisa, destacando-se no cenário de desenvolvimento científico da medicina no Rio Grande do Sul.

Segundo Barroso (2009, p.26), a construção do primeiro prédio da instituição iniciou-se por volta de 1820. A primeira enfermaria do hospital e a Capela do Senhor dos Passos foram inauguradas em 1826. Ao longo das décadas foram construídos diversos prédios no quarteirão da Santa Casa, incluindo conjuntos de casas em fita destinadas ao aluguel, com a finalidade de gerar renda para a instituição.

As casas em fita contribuíram para configurar a paisagem urbana do quarteirão a partir de meados do século XIX até a década de 70 do séc. passado. Com a construção do Viaduto Loureiro da Silva e do Túnel do Conceição, as casas começam a ser demolidas. O último conjunto existente, situado entre o Hospital São Francisco e o prolongamento da R. Coronel Vicente, foi inventariado como prédio de estruturação pelo Município de Porto Alegre.

3 O Centro Histórico-Cultural Santa Casa

Com inauguração do Centro Histórico-Cultural em 2014, a Santa Casa proporcionou à cidade mais um equipamento urbano voltado para a cultura, abrigando teatro, museu, biblioteca, arquivo histórico, espaços de convivência e salas de múltiplos usos.

O projeto arquitetônico foi concebido pelos arquitetos Ceres Storchi, Laura Hagel (Tangram Arquitetura e Design) e Luiz Antônio Custódio; e a escultura sobre o acesso, pelo artista plástico e arquiteto Nico Rocha (Fig. 01).

Para que o conjunto de casas em fita pudesse acolher estes usos, que necessitam de espaços mais amplos do que os existentes em uma tipologia residencial do início do século passado, composta por quartos, salas, cozinha, etc., foi necessária uma significativa intervenção no existente.

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Utilizou-se uma operação de straventamento1, ou seja, a removeram-se as “vísceras” do edifício: as paredes internas de estuque - danificadas pela infestação de elementos biológicos e pelo incêndio em uma das unidades, conforme Storchi (2015, p.35); os pisos intermediários (de diferentes níveis); e foi rebaixado o piso do porão, unificando as casas em fita.

Figura 01: Fotografia do acesso por via interna.

Fonte: Acervo da autora.

É interessante observar que o estado de conservação dos elementos internos da edificação contribuiu para a definição dos critérios de intervenção. Custódio relata que uma das casas já havia perdido o entrepiso e a cobertura em um incêndio, e as demais estavam com condições precárias no interior dos prédios:

[...] isso ficou evidente pelo mau estado de conservação do madeiramento, dos pisos, dos forros, das paredes e das aberturas, com infiltrações generalizadas de telhado e calhas, causadas pelas modificações internas e pelas substituições de aberturas. [...] o grau de integridade dos interiores do conjunto arquitetônico estava muito comprometido, restando preservadas praticamente só as fachadas, que já haviam passado por um processo recente de recuperação, e estavam em bom estado (CUSTÓDIO:2015, p.26-27).

1 Conforme Polito (1996), Sventramento é um termo italiano que significa rasgar o ventre, estripar; é utilizado no campo do Urbanismo para descrever a prática de “rasgar” a cidade abrindo vias. No caso em tela, refere-se à operação de remover elementos internos da edificação.

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Ao enfrentar a questão do projeto com esta operação de significativas remoções, os autores buscaram maior liberdade para resolver o problema arquitetônico. O projeto do CHC Santa Casa (Fig. 02 a 05) pode ser entendido como uma operação de re-arquitetura, termo utilizado pelo professor José Artur D’Aló Frota para definir intervenções em pré-existências com maior liberdade criativa e que consideram a intervenção não apenas um problema de especialistas – como no caso do restauro, mas como problema do ofício arquitetônico.

Segundo D’Alò Frota (2004, p.110.): [A re-arquitetura] “Não busca estabelecer regra, mas analisar e interpretar estratégias típicas do ofício arquitetônico, em que a recuperação histórica é parte do problema, nunca seu objetivo final”.

Figura 02: Projeto CHC Santa Casa: Fachada Av. Independência.

Fonte: Acervo Arq. Ceres Storchi.

Figura 03: Projeto CHC Santa Casa: Fachada Acesso Interno.

Fonte: Acervo Arq. Ceres Storchi.

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Figura 04: Projeto CHC Santa Casa: Pavimento Térreo.

Fonte: Acervo Arq. Ceres Storchi.

Figura 05: Projeto CHC Santa Casa: 2º Pavimento e Mezanino.

Fonte: Acervo Arq. Ceres Storchi.

Essas ideias parecem estar em consonância com os escritos do teórico espanhol Ignasi de Solá-Morales, para quem a intervenção envolve a reflexão e a interpretação crítica sobre o existente. Refere-se ao conjunto de ideias que irá

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nortear a ação sobre o edifício, seja como restauração, conservação, reabilitação, etc.

Na verdade, todo problema de intervenção é sempre um problema de interpretação de uma obra de arquitetura já existente, porque as possíveis formas de intervenção que se consideram sempre são formas de interpretar o novo discurso que o edifício pode produzir. Uma intervenção tenta que o edifício volte a dizer algo e o diga em uma determinada direção. [Tradução da autora] (SOLÁ-MORALES: 1982, p.13)

Apesar das demolições, o projeto mantém as características que motivaram o Inventário da edificação como patrimônio, isto é, seu “valor de ambiência, de conjunto e de volumetria externa”2. Foram preservadas a volumetria e as fachadas frontal e lateral leste; e, desta forma, preservou-se a paisagem urbana. Observa-se que não se trata de imóvel tombado.

Figura 06: Fotografia do átrio interno e vista da exposição permanente (Museu).

Fonte: Acervo da autora.

Internamente, junto ao museu, foi revelada a estrutura da fachada ao tornar aparentes os tijolos, mostrando a técnica construtiva da época (Fig. 07).

2 Fonte: Expediente Único nº 002.262252.00.1.03, parecer EPAHC de 18/09/2000. Protocolo Setorial do Município de Porto Alegre.

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Serão também objeto de análise desta pesquisa os elementos contemporâneos que se destacam no projeto e conferem qualidade à obra, como a escada em balanço no grande hall central - com pé-direito duplo, a pele de vidro interna que separa (ao mesmo tempo que revela) o museu (Fig. 06), a janela arqueológica protegida por um piso de vidro, a cobertura e claraboia sobre o átrio, o espelho d’água e a obra de arte no acesso.

Figura 07: Fotografia de detalhe interno da fachada original e cenários do Museu.

Fonte: Acervo da autora.

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3 Considerações Finais: Desdobramentos

Este trabalho investiga as intervenções contemporâneas, que vão além do mínimo (defendido pelas teorias do restauro) e marcam presença de uma nova época na história da edificação, a partir dos conceitos de intervenção e re-arquiteturas.

Parece-nos relevante, como contribuição para a documentação de área tão rica em significados para a cidade, desenvolver um estudo que possa apontar possibilidades dentro do campo do patrimônio com a articulação entre a preservação e a inserção de um equipamento de caráter contemporâneo.

Diante da necessária reflexão sobre estratégias que possam contribuir para futuras intervenções na cidade, já iniciada por outros pesquisadores, a pesquisa se alinha como pequena contribuição.

São objeto de análise, além das relações entre o novo e o pré-existente, as características mais significativas do projeto atual, que conferem qualidade à obra. Os desdobramentos desta pesquisa serão apresentados na dissertação de Mestrado da autora.

Referências

BARROSO, Vera Lúcia Maciel; COMPANY, Zeli Teresinha. (org.) A Arqueologia vai ao Hospital: pesquisa arqueológica para implantação do Centro Histórico-Cultural Santa Casa. Porto Alegre: FAPA; ISCMPA, 2009.

CUSTÓDIO, Luiz Antônio Bolcato. A criação do Centro Histórico-Cultural: Memórias. In: CENTRO HISTÓRICO CULTURAL SANTA CASA. As casinhas da Misericórdia de Porto Alegre: Memórias. Porto Alegre: Ed. da ISCMPA,

2015. cap., p.23-29.

FROTA, Arthur D'Aló. Re-arquiteturas. ARQTEXTO (UFRGS), Porto Alegre, v.5,

p.110-141, 2004. Acesso em: 23 mai. 2014. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/propar/publicacoes/ARQtextos/PDFs_revista_5/10>

POLITO, André Guilherme. Michaelis: minidicionário italiano-português, português-italiano. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1996.

SOLÁ-MORALES, Ignasi de. Teorias de la Intervención Arquitectonica. Quaderns d’arquitectura i urbanisme (Colegio de Arquitectos de Cataluña), Barcelona, nº 155, p. 13-22, 1982. Acesso em: 10 ago. 2017. Disponível em: <cuatrocuadernos.wordpress.com/teorias-de-la-intervencion-arquitectonica>

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STORCHI, Ceres. Pequenas em dimensão, enormes como memória. In: CENTRO HISTÓRICO CULTURAL SANTA CASA. As casinhas da Misericórdia de Porto Alegre: Memórias. Porto Alegre: Ed. da ISCMPA, 2015.

cap., p.31-68.