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Estudos de Numária Portuguesa
Esmiuçando uma moeda
Anotações para caracterizar as moedas nos primórdios da cunhagem mecânica
Mário Sousa Matos
Estudos de Numária Portuguesa, nº 8, versão: 1 – Setembro de 2017
Índice
Prefácio 1
Introdução 2
1 A legenda 3
1.1 Variantes de legenda 3
1.2 Letras incompletas 4
1.3 Dimensão das letras na legenda 4
1.4 Letras ornamentadas com serifas 5
1.5 Elementos separadores nas legendas 5
1.6 Falta ou erro na colocação de elementos separadores nas legendas 6
1.7 Pontos ou quadrifólios no início e final das legendas 7
1.8 Erros no posicionamento da legenda 9
2 A Coroa 10
2.1 Coroas de príncipe e de rei 10
2.2 Coroas altas, médias e baixas 12
2.3 Pedúnculos, pedículos ou esporões 13
2.4 Diadema 14
2.5 Cruz que encima a coroa 16
3 Elementos no campo da moeda 17
3.1 Pontos no campo 17
3.2 Marquilha 18
3.2.1 Letra X invertida 18
3.2.2 Marquilha grande 19
3.2.3 Números da marquilha com desenho diferente 19
3.3 Escudo nacional 19
3.3.1 Posicionamento dos castelos inferiores 20
3.4 Data emendada 21
3.5 Outros elementos decorativos 22
3.5.1 Estrela de cinco pontas ou florão de cinco pétalas 24
3.5.2 Ponto e traço em vez de cruz – D. João V 24
3.6 Vinténs de esfera – uma moeda atípica 25
3.7 Elementos decorativos nas moedas de cobre 27
3.7.1 Grinalda invertida e número de tulipas 27
3.7.2 Número de cachos 28
3.8 Troca de 1 por I na data 28
4 Reversos 29
4.1 A Cruz 29
4.2 Quadrifólios 31
5 Eixo da moeda 33
6 Bordo da moeda 34
7 Conclusão 35
Bibliografia 36
Ficha técnica 37
- 1 -
Prefácio
Como diz o célebre poema de António Gedeão “…sempre que um homem sonha / o
mundo pula e avança…”, e a numismática, como ciência auxiliar da História, precisa dos
sonhos de cada um dos seus cultores.
O Mário Matos conseguiu tornar um dos sonhos em realidade, com a apresentação
deste
“Esmiuçando uma moeda”
A cunhagem mecânica nos seus alvores é riquíssima em pormenores que enriquecem
a numária portuguesa, e o autor ficou refém desta miríade de características achando
em cada moeda um mundo a descobrir. Tal como um Heinrich Schliemann, não
contente com as suas descobertas quis partilhá-las, e este é o último estágio de um
coleccionador, querer divulgar o seu conhecimento, e como? Simplesmente
escrevendo aquilo que gostaria de ter encontrado num guia quando estava a dar os
seus primeiros passos.
E o resultado é este “Esmiuçando” que ao ser percorrido nos apresenta uma longa lista
de legendas, coroas, cruzes, tipos de letras, ornamentos, eixos, bordos, em suma o que
se deve ter em atenção para se classificar uma moeda, tendo sempre presente que
uma peça bem classificada é a alma de uma colecção.
Não quero deixar de dar uma palavra de agradecimento ao autor por me ter honrado
com a sua escolha para prefaciar esse trabalho e desejar que este seja o primeiro de
muitos.
Vítor Almeida
Setembro de 2017
- 2 -
Introdução Como apaixonado pelo coleccionismo de moedas, em especial pelas primeiras
emissões de cunhagem mecânica, sempre senti a falta de algo que ajudasse a desbravar
caminho no adquirir de conhecimentos sobre esses pequenos objectos que fazem
parte do nosso quotidiano desde há muitos séculos. Pelo que se sabe, a primeira
moeda a ser feita em Portugal com recurso à cunhagem mecânica terá sido a célebre
Conceição, em Dezembro de 1649, durante o reinado de D. João IV. Não cabe aqui fazer
a história da cunhagem mecânica, outros terão a competência que me falta para esse
efeito. Serve esta referência como baliza temporal para nos inteirarmos de como este
tipo de produção mais mecanizada das moedas, era relativamente recente no nosso
país aquando do início do seu uso regular nas emissões comuns. Esse salto qualitativo
deu-se em 1677 durante a regência do Príncipe D. Pedro, futuro rei D. Pedro II, e é sobre
este período e os que se seguiram até ao reinado de Dª. Maria I que me vou debruçar
em especial, abarcando um intervalo de cerca de 122 anos, onde além dos já citados,
reinaram D. João V e D. José I.
Descobrir uma variante não catalogada é um dos grandes prazeres que o numismata e
coleccionador almeja. Estes são objectos normalmente escassos e que demonstram os
erros a que o fabrico de moeda estava sujeito, tal como qualquer outro produto
proveniente de uma fabricação em série numa unidade industrial, que na prática é o
que é uma Casa da Moeda. Pela análise desses erros podem-se perceber melhor os
métodos de trabalho de há uns séculos atrás e ficar a conhecer melhor um pouco da
nossa história.
Com estas notas não pretendo conceber nada de novo, mas sim sistematizar uma série
de informações dispersas e dar-lhes uma estrutura lógica. Sendo assim, ao longo das
próximas páginas, irei tentar descrever o mais minuciosamente que me for possível os
elementos e características diferenciadoras presentes na gravura desse objecto que
conhecemos como sendo uma moeda. Este trabalho não pretende ser exaustivo e
esgotar todas as possíveis variantes e especificidades que uma moeda pode apresentar,
mas sim apresentar aquelas com mais proeminência e que permitem organizar uma
colecção que ao seu possuidor dará grande prazer a construir. Vou limitar-me aos
exemplares que mais circulavam pelas mãos da população, portanto os de mais baixo
valor e com o valor limite nos exemplares de Cruzado (prata) ou Pinto (ouro) que
circulavam com o valor de 480 réis.
Nota – O autor do presente trabalho não segue o denominado “Acordo Ortográfico” de 1990
- 3 -
1 A legenda A legenda é um dos principais elementos identificadores de uma moeda, permitindo-
nos determinar, entre outras coisas, quem a mandou cunhar e o país originário. Nas
moedas a que nos dedicamos nestes apontamentos, as legendas são em regra escritas
em latim, tendo por norma o nome do soberano no anverso.
1.1 Variantes de legenda
Dentro de um mesmo reinado e valor facial, existem por vezes variações na legenda,
característica relativamente comum no reinado de D. Pedro II, como os exemplos a
seguir demonstram:
PETRVS•II•D•G•REX•PORTVG PETRVS•II•D•G•POR•ET•ALG•REX
PETRVS•II•D•G•PR•ET•ALG•REX PETRVS•II•D•G•P•ET•ALGREX
Para identificarmos correctamente uma moeda temos que observar com atenção a
legenda para descobrir eventuais variantes e com o auxílio de um catálogo a podermos
classificar.
- 4 -
1.2 Letras incompletas
Existem legendas que devido a falha do abridor de cunho apresentam letras a que
faltam elementos, nomeadamente o A que aparece muitas vezes sem o traço central
(ᴧ) ou o G que aparece gravado como um C:
A de ALG sem traço central A letra que devia ser G em ALG e DG é um C
1.3 Dimensão das letras na legenda
Em algumas moedas da mesma data e valor facial, nomeadamente no reinado de D.
José I e de D. Maria I, existem exemplares que apresentam as legendas com letras de
dimensão maior e outros de dimensão menor, sendo fácil de distingui-los a olho nu
com as moedas lado a lado.
Letras pequenas na legenda Letras grandes na legenda
- 5 -
1.4 Letras ornamentadas com serifas
Existem exemplares do mesmo valor facial e com a mesma legenda, em que uns
apresentam algumas letras com serifas e outros não. No reinado de D. Maria I é
frequente aparecerem exemplares com essas características.
Letras S, C e G com serifas Letras S, C e G sem serifas
1.5 Elementos separadores nas legendas
As legendas apresentam normalmente elementos separadores entre as diversas
palavras que as compõem. Podem ser pontos ou quadrifólios e os quadrifólios podem
ter ou não âmago.
Pontos a intercalar a legenda Quadrifólios com âmago a intercalar a legenda
- 6 -
Quadrifólios sem âmago a intercalar a legenda Quadrifólios com e sem âmago
1.6 Falta ou erro na colocação de elementos separadores nas
legendas
Existem casos em que o abridor de cunhos, por erro ou falta de espaço, não colocou
um ou mais elementos separadores ou os colocou em locais errados, originando
variantes muito procuradas pelos coleccionadores devido à sua singularidade.
Falta de ponto entre ET e ALG Falta de ponto antes e depois do D de DG
- 7 -
Ponto a mais colocado no meio da palavra PETRU.S
1.7 Pontos ou quadrifólios no início e final das legendas
As legendas dos anversos poderão ou não ter pontos a iniciá-las ou a finalizá-las. Nos
reversos, além de pontos também são usados quadrifólios e trifólios para esse efeito.
A análise destes elementos é mais um detalhe a observar para a devida classificação
de um exemplar. Seguem-se diversos exemplos de moedas com as variadas
combinações possíveis.
Anverso e reverso sem pontos no início e final da legenda
- 8 -
Ponto no final da legenda do anverso Pontos no início e final da legenda anverso
Ponto no início e final da legenda do reverso Quadrifólios no início e final da legenda do reverso
Pinto inédito de 1725 com trifólios no início e final da legenda do reverso
- 9 -
1.8 Erros no posicionamento da legenda
Devido a cálculos errados por parte do abridor de cunhos, a legenda fica por vezes com
sobreposições, originando assim variantes.
REX da legenda em conflito com a coroa Letra L de ALG sobreposta ao G
- 10 -
2 A Coroa A coroa real é o símbolo da autoridade monárquica e está presente na gravura da
generalidade das moedas cunhadas no período a que nos dedicamos nestas notas.
Como iremos ver existem uma quantidade apreciável de elementos que compõem essa
mesma coroa e que pela sua variedade, tanto no grafismo como na presença ou
eventual ausência dos mesmos, originam a existência de diversas combinações a que
os coleccionadores devem prestar a máxima atenção, pois para um mesmo tipo
monetário podem existir inúmeras variantes.
Coroa real portuguesa com a caracterização dos diversos elementos que a compõem
(Gomes, 2007)
2.1 Coroas de príncipe e de rei
No período a que nos dedicamos, existem dois tipos de coroa que foram usados: a
coroa de príncipe e a coroa de rei. A coroa de príncipe foi usada durante a regência de
D. Pedro (1667-1683) e em algumas das primeiras cunhagens já como rei (D. Pedro II).
É caracterizada por ter um desenho mais simples composto por apenas dois arcos.
- 11 -
Coroa de príncipe
A coroa de rei é composta por quatro ou cinco arcos, normalmente perolados:
Coroa de quatro arcos simples perolados
Coroa de cinco arcos duplos perolados
Como vimos acima, os arcos podem ser simples ou duplos e ainda existem coroas em
que são visíveis os arcos posteriores, pormenor muitas vezes negligenciado:
Coroa de cinco arcos simples perolados e arcos posteriores visíveis
- 12 -
Concluindo, temos as seguintes variações na composição dos arcos da coroa:
Coroa com dois arcos lisos ou perolados (coroa de príncipe)
Coroa com quatro arcos simples ou duplos perolados (coroa de rei)
Coroa com cinco arcos simples ou duplos perolados (coroa de rei)
Coroa com cinco arcos e arcos posteriores visíveis (coroa de rei)
As coroas têm na maioria das vezes um formato arredondado, mas existem alguns
casos em que foram desenhadas com os lados rectos, outro pormenor que não deve
ser esquecido ao classificar uma moeda.
Coroa de lados rectos
As coroas podem ainda ser classificadas quanto à sua largura, pois existem exemplares
com uma configuração de coroa mais larga e outros com coroa mais estreita, pormenor
que muitas vezes se identifica melhor através de comparação entre vários numismas.
2.2 Coroas altas, médias e baixas
Não se sabendo ao certo a razão, mas podendo-se especular que seria uma maneira
de os diversos gravadores da Casa da Moeda se distinguirem entre si, existem coroas
consideradas altas, médias ou baixas. Muitas vezes torna-se difícil distinguir entre umas
e outras a não ser por comparação entre os diversos exemplares.
Um dos métodos que se usa para tentar distinguir as diversas coroas é ver se o espaço
existente entre os arcos no topo da coroa é maior ou menor, pois ao ser maior será
- 13 -
coroa alta e ao quase não existir será coroa baixa, ficando a coroa média entre estes
dois estados. As coroas altas também costumam ter o interior da base da coroa visível,
enquanto as baixas não.
Coroa alta Coroa baixa
(Gomes, 2007)
Coroa alta com interior da base visível Coroa baixa
2.3 Pedúnculos, pedículos ou esporões
As coroas possuem diversos elementos decorativos, entre eles os pedúnculos. Os
coleccionadores antigos chamavam-lhes esporões e no Brasil usa-se o termo pedículos,
sendo três designações para um mesmo elemento que se encontra logo acima do
diadema e entre os arcos da coroa. Os pedúnculos são uma espécie de apêndices
verticais e podem ser simples, perolados (diz-se embolados no Brasil) ou lanceolados,
existindo também pedúnculos altos e baixos. Não é obrigatória a presença destes
elementos, por isso nem todas as coroas possuem pedúnculos.
Apresentam-se de seguida alguns exemplos de pedúnculos, tanto em termos
esquemáticos como nas próprias moedas.
- 14 -
Pedúnculo simples Pedúnculo perolado Pedúnculo lanceolado
Existem moedas do mesmo ano, mas de cunhos diferentes, em que umas são variantes
das outras devido às dimensões em altura dos pedúnculos, existindo pedúnculos altos,
médios ou baixos.
2.4 Diadema
O diadema é mais um componente da coroa e através do qual se podem classificar as
moedas devido aos diferentes elementos gravados no seu interior. O diadema fica na
base da coroa e é uma espécie de adorno que vai assentar na cabeça do monarca,
sendo constituído nas coroas reais por diamantes e outras pedras preciosas. Nos
diademas das coroas das moedas são usados pequenos elementos geométricos como
pontos, rectângulos ou losangos, intercalados ou não entre si. É através desses diversos
elementos que se podem distinguir as diferentes variantes.
Os diademas foram evoluindo ao longo dos reinados, tendo começado por possuir uns
desenhos muito simples constituídos só por pontos ou rectângulos em Pedro II e vindo
a tornar-se mais elaborados nos reinados de D. João V e D. Maria I.
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Diadema constituído só por pontos
Diadema constituído só por rectângulos
Diadema constituído por rectângulo e ponto
Diadema constituído por losango ponto
Diadema constituído por losango dois pontos
Diadema constituído por losango quatro pontos
Esta amostra é representativa da variedade de diademas existentes e comprova a
atenção que é necessário ter na análise de uma moeda para a poder classificar bem.
- 16 -
Os diademas podem ainda apresentar-se com uma configuração mais larga ou mais
estreita, tal como a coroa, sendo outra característica a levar em conta.
2.5 Cruz que encima a coroa
A coroa é encimada por uma cruz que pode ser representada de várias maneiras: cruz
simples, perolada, potentada, raiada, etc. Este é mais um elemento a ter em atenção
ao analisar uma moeda, pois para um mesmo valor facial podem existir coroas
encimadas por cruzes diferentes:
Simples Perolada Raiada Potentada Ponto e traço (João V)
A cruz pode, nalguns exemplares, apresentar dimensões maiores ou menores, sendo
outro elemento a levar em consideração quando se classifica a moeda.
Cruz perolada baixa Cruz perolada alta
- 17 -
3 Elementos no campo da moeda No campo da moeda, além da coroa que acima caracterizámos, existem normalmente
muitos outros elementos que nos permitem diferenciar e individualizar cada espécime
numismático.
3.1 Pontos no campo
Existe um elemento diferenciador das moedas que só se encontra no período da
regência de D. Pedro e também no período seguinte enquanto rei D. Pedro II. Trata-se
da inclusão de pontos no campo da moeda, sem que se vislumbre outra utilidade que
não a decoração ou talvez a distinção entre diferentes gravadores. Existem, portanto,
moedas com o mesmo ano, valor facial e legenda, mas que se diferenciam por terem
ou não pontos no campo.
½ Cruzado com pontos no campo junto à data e marquilha
½ Cruzado sem pontos no campo
- 18 -
3.2 Marquilha
A marquilha é o elemento que nos permite saber qual o valor com que a moeda
circulava, existindo alguns valores que não a possuíam como os 3 e os 6 vinténs. Nos
reinados a que nos dedicamos, a marquilha era normalmente constituída por
numeração romana nas moedas de mais baixo valor e pela análise da mesma também
é possível identificar variantes.
3.2.1 Letra X invertida
Uma das variantes que existe é a inversão do desenho da letra X, letra esta que é
normalmente desenhada com um dos braços mais largo que o outro.
Letra X da marquilha com desenho normal
Letra X da marquilha com desenho invertido
Estão identificadas moedas com estas características nos reinados de D. João V e D.
José I. Muitas vezes, quando a marquilha tem o X invertido, na palavra REX da legenda
o X também se encontra invertido.
- 19 -
3.2.2 Marquilha grande
Num mesmo tipo de moeda com características semelhantes, existe algumas vezes
uma única diferença que é a dimensão da marquilha, apresentando alguns exemplares
uma marquilha de dimensões maiores que a maioria dos seus pares.
Marquilha normal Marquilha grande
3.2.3 Números da marquilha com desenho diferente
Existem casos, nomeadamente nos meios cruzados, em que os números da marquilha
apresentam um desenho diferente da maioria dos exemplares, sendo outra
característica diferenciadora do exemplar.
Marquilha com o 2 com o traço inferior curto Marquilha com o 2 com o traço normal
3.3 Escudo nacional
O escudo pode ser outro elemento diferenciador na hora de classificar uma moeda,
pois existem exemplares provenientes de cunhos que foram abertos com diferentes
dimensões do escudo, nomeadamente a largura do mesmo. No reinado de D. João V
existem variações nas larguras dos escudos das moedas de 6 vinténs que permitem
classificar com referências diferentes exemplares desse mesmo valor facial, sendo
necessário o recurso a uma medição (largura exterior) para melhor se identificar a
variante.
- 20 -
Escudo com 9 mm Escudo com 10 mm
Os escudos podem ainda apresentar uma ponta (bico inferior) muito pronunciada,
relativamente à maioria dos seus pares, sendo outro elemento classificativo:
Escudo com ponta muito pronunciada
3.3.1 Posicionamento dos castelos inferiores
Foram referenciados, recentemente, exemplares de 3 vinténs dos reinados de D. João
V e de D. Maria I em que os dois castelos inferiores do escudo nacional se encontram
numa posição inclinada, ao contrário do que é mais comum que é a posição vertical. É
mais um dado a ter em conta ao classificar uma moeda.
- 21 -
Castelos inferiores na posição vertical Castelos inferiores inclinados
3.4 Data emendada
Acontece por vezes, por aproveitamento de cunhos de anos anteriores que estão em
boas condições, que se emende a data para que o cunho volte a ser usado na produção
de moedas numa data posterior. Este procedimento origina moedas onde se nota esse
aproveitamento de cunho, pois coexistem vestígios da data anterior. Estes vestígios vão
originar uma referência nova, pois num mesmo ano podem existir moedas de cunho
emendado e de cunho novo.
6 Vinténs com aproveitamento de cunho de 1696 para 1698
- 22 -
Tostão do Porto com aproveitamento do cunho de 1696 para 1697
3.5 Outros elementos decorativos
Existem diversos elementos que são usados para preencher o campo da moeda, para
a embelezar e também para que seja mais difícil de falsificar. É a diversa combinação
desses elementos e a sua existência ou falta que permitem a classificação de inúmeras
variantes dentro de um mesmo valor facial e reinado. As moedas são decoradas com
quadrifólios, pontos ou cruzetas, a ladear a coroa ou por baixo da marquilha. É
necessária uma boa capacidade de observação por parte do coleccionador para
identificar todas as variadas combinações desses elementos. Colocamos a seguir uma
série de exemplos de um mesmo valor facial e de um mesmo reinado em que devido a
essa combinação se originam diversas referências.
Quadrifólio isolado por baixo da marquilha Dois quadrifólios a ladear a coroa e um debaixo da marquilha
- 23 -
Quadrifólios a ladear a coroa e debaixo da marquilha ladeado por pontos
Quadrifólios a ladear a coroa e ponto debaixo da marquilha
Pontos a ladear a coroa e quadrifólio debaixo da marquilha
Pontos a ladear a coroa e um debaixo da marquilha
Pontos a ladear a coroa e quadrifólio entre pontos por baixo da marquilha
Pelos exemplos acima se vê como a combinação de diversos elementos numa moeda
com a mesma denominação e a mesma legenda dá origem a várias referências. Tem de
se ter em atenção, como se falou no capítulo 1.4, a existência de quadrifólios com e
sem âmago, o que por si só origina a multiplicação de referências, pois podem existir
moedas com a mesma disposição espacial dos quadrifólios, mas em que umas possuem
quadrifólios com âmago e outras quadrifólios sem âmago. Por vezes os quadrifólios são
- 24 -
substituídos por cruzetas, sendo este mais um elemento diferenciador de uma moeda.
Esta pormenorização depende só do nível de especialização a que o coleccionador quer
levar a sua colecção.
3.5.1 Estrela de cinco pontas ou florão de cinco pétalas
No reinado de D. João V foram cunhados exemplares de meio tostão, nos quais em vez
de ter sido colocado um quadrifólio por baixo da marquilha foi usado um florão de
cinco pétalas (o catálogo AG chama-lhe estrela de cinco pontas). Estes exemplares são
escassos e passam despercebidos a muitos coleccionadores menos atentos. Aqui se
colocam as fotos de alguns dos exemplares.
Meio tostão com florão de 5 pétalas debaixo da marquilha e coroa ladeada por quadrifólios
verticais
Meio tostão com florão de 5 pétalas debaixo da marquilha e coroa ladeada por
quadrifólios oblíquos
3.5.2 Ponto e traço em vez de cruz – D. João V
No reinado de D. João V foi executado um cunho para produzir moedas de meio tostão
em que a cruz que encima a coroa foi representada por um ponto e um traço. Estes
exemplares são muito escassos e aqueles que existem passam muitas vezes
despercebidos pois não são identificados pelos coleccionadores. Existe um único cunho
de anverso com esta característica, mas há três variantes de reverso das quais se
colocam fotos para um melhor conhecimento destes numismas.
- 25 -
IN•HOC+SIGNO+VINCES
•IN+HOC+SIGNO+VINCES•
•IN•HOC•SIGNO•VINCES•
3.6 Vinténs de esfera – uma moeda atípica
Os vinténs de esfera podem-se considerar um tipo de moeda atípica, se levarmos em
linha de conta que não tinham legenda nem data e que foram cunhados a partir do
reinado de D. Pedro II e até à regência do Príncipe D. João, sendo que o único elemento
da gravura da moeda que alternava entre reinados era a posição do zodíaco na esfera
- 26 -
armilar. Colocam-se fotos de exemplares de cada reinado, incluindo os cunhados na
Casa da Moeda do Porto, que tal como nas moedas de outros valores aí produzidas
levavam a cruz da Ordem de Cristo cantonada por quatro letras P. Existem variantes,
entre elas a existência de pontos a ladear a esfera ou o serem encordoadas ou
serrilhadas. Nestas moedas, e ao contrário do encordoamento, a existência de serrilha
levanta-me dúvidas, pois o que nalguns exemplares parece serrilha penso que seja o
estriado do rebordo (que é diferente do conceito de bordo1), sendo apenas visível nos
exemplares melhor conservados, já que nos mais fracos a circulação provocou o
desgaste e consequente alisamento desse efeito.
Vintém de D. Pedro II – Lisboa Vintém de D. Pedro II – Porto
Vintém de D. João V – Lisboa Vintém de D. João V – Esfera ladeada por pontos
Vintém de D. José I Vintém de D. João Príncipe Regente
Vintém encordoado
1 O bordo é a chamada terceira face da moeda e corresponde à espessura do disco da mesma, enquanto o
rebordo é a saliência circular na extremidade do disco e que protege a gravura da moeda.
- 27 -
3.7 Elementos decorativos nas moedas de cobre
Nos capítulos atrás temos falado principalmente de exemplares em prata, embora
muitas das características se apliquem a qualquer moeda cunhada no período a que se
dedica este trabalho. Vamos agora abordar aspectos que apenas se aplicam às moedas
de cobre (exceptuam-se os exemplares de prata cunhados para o Brasil, que este
trabalho não aborda) e que têm a ver com o tipo de desenho que foi usado nos
exemplares de mais baixo valor facial. Devido ao elevado número de exemplares
cunhados, por serem os de mais baixa denominação facial e os mais necessários ao uso
pelo povo, existem também muitas variantes de cunho, mesmo em exemplares da
mesma data.
3.7.1 Grinalda invertida e número de tulipas
Nos exemplares de cobre de Pedro II e de João V a marquilha é rodeada por uma
grinalda. Essa grinalda tem as tulipas com um determinado sentido a que se
convencionou chamar grinalda direita, mas existem exemplares, normalmente mais
escassos, em que essas folhas estão no sentido contrário sendo chamada de grinalda
invertida. Colocamos fotos de exemplares com um tipo e outro de grinalda para que o
coleccionador os consiga identificar:
Grinalda direita Grinalda invertida
Este tipo de moedas pode ser classificado, também, pelo número de tulipas que
compõe a grinalda, pois é variável conforme os cunhos usados.
- 28 -
3.7.2 Número de cachos
A partir do reinado de D. João V as moedas de cobre começaram a ter a marquilha
rodeada por uma coroa de louro, podendo cada ramo dessa coroa de louro ser
composto por mais ou menos “cachos”. É a partir do número de “cachos” que cada um
dos dois ramos possui que se identificam possíveis variantes. Colocam-se fotos de
exemplares da mesma data, mas com número de “cachos” diferente em cada ramo.
Seis cachos em cada ramo Sete cachos no ramo esquerdo, seis no direito
3.8 Troca de 1 por I na data
Um erro que aparece algumas vezes em moedas de cobre é a troca do número 1 na
data pela letra I. É mais uma característica diferenciadora e a que os coleccionadores
devem estar atentos, não só a esta como a outras eventuais trocas de números na data.
Colocam-se fotos de exemplares do mesmo ano com a data correcta e com o número
trocado por letra.
Data correcta com 1 Data com a letra I
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4 Reversos Embora no capítulo 1.4 já se tenham abordado as legendas dos reversos, é necessário
desenvolver um pouco mais uma série de dados que são mais específicos do chamado
lado B de uma moeda que é o Reverso. O reverso é considerado o lado da moeda com
menos importância e que traz cunhados os dados secundários, ao contrário do anverso
onde poderá vir gravada a identificação do soberano e todos os dados relevantes.
Existem excepções a esta definição e para um coleccionador tanto o anverso com o
reverso têm a mesma importância para classificar uma moeda.
4.1 A Cruz
No período temporal a que nos dedicamos nestas anotações, a grande maioria dos
exemplares de prata possuem uma cruz no reverso, que pode ser a cruz de S. Jorge ou
a cruz da Ordem de Cristo
Cruz de S. Jorge Cruz da Ordem de Cristo
A cruz apresenta-se normalmente cantonada por quadrifólios nas cunhagens de Lisboa
e por quatro letras P nas cunhagens efectuadas na Casa da Moeda do Porto.
Cruz de S. Jorge vazada e cantonada por quatro P
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A cruz pode-se apresentar com a configuração de cruz cheia ou cruz vazada e pode ser
ou não ladeada por pontos. Apresentam-se fotos das diversas variações que a mesma
apresenta.
Cruz cheia Cruz vazada
Cruz vazada e ladeada por pontos
Existem ainda variações no tamanho da cruz para um mesmo valor facial e ano de
emissão, sendo uma característica a levar em conta aquando da classificação da
moeda.
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6 vinténs Pedro II com cruz grande 6 vinténs Pedro II com cruz pequena
4.2 Quadrifólios
Como atrás se disse, as moedas cunhadas em Lisboa apresentam cruzes que são
cantonadas por quadrifólios. Estes quadrifólios podem ter ou não ter âmago, mas isso
já foi explicado em capítulos anteriores, e é um dado a levar em conta na classificação.
Os âmagos dos quadrifólios, quando existem, podem ser grandes ou pequenos e as
pétalas dos quadrifólios podem estar abertas ou fechadas, também se devendo dar
relevo a esse facto.
Quadrifólios com âmago pequeno Quadrifólios com âmago grande
Quadrifólios com pétalas fechadas Quadrifólios com pétalas abertas
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Os quadrifólios são normalmente representados em posição vertical, mas existem pelo
menos duas excepções: em D. Pedro II numa moeda de tostão e em D. João V em
moedas de meio tostão em que se encontram oblíquos ou posição de X. Colocam-se as
fotos dos exemplares.
Quadrifólios oblíquos em tostão de Pedro II e dois meios tostões de João V
- 33 -
5 Eixo da moeda Vamos agora abordar uma característica das moedas que ainda não focámos, que é o
eixo que as mesmas possuem, ou explicando melhor, a posição relativa que cada face
da moeda apresenta em relação à outra. Para identificar o eixo da moeda deve-se
colocar a moeda com a face do anverso virada para nós em posição direita, colocando
o dedo indicador na posição das 12 horas e o polegar nas 6 horas. Com a outra mão
roda-se a moeda até ver a outra face (reverso).
- Se o reverso ficar direito, tem eixo vertical.
- Se ficar invertido, tem eixo horizontal.
- Se ficar com a parte de cima a apontar para a direita, tem eixo a 90º (3 h).
- Se ficar com a parte de cima a apontar para a esquerda, tem eixo a 270º (9 h).
No início da cunhagem mecânica, quando D. Pedro era Príncipe Regente, existem
moedas com todos os tipos de eixo - vertical, horizontal, 90º e 270º - ainda hoje não se
sabendo o motivo, mas podendo-se especular que seria para identificar lotes aquando
do fabrico. A partir de D. João V já são mais raros os eixos a 90º ou 270º, sendo o mais
comum o eixo horizontal. A identificação do eixo da moeda é fundamental para a sua
classificação, pois eixos incomuns são sinónimo de raridade do exemplar.
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6 Bordo da moeda O bordo da moeda é muitas vezes esquecido, quando na prática acaba por ser a terceira
face da moeda. As moedas do período a que nos dedicamos foram na sua grande
maioria encordoadas, que é um tipo de acabamento que permite verificar se a moeda
foi cerceada. Esse acabamento é um meio de evitar esse mesmo cerceio que era uma
prática muito em voga até ao reinado de D. Afonso VI e que D. Pedro com a introdução
desta técnica procurou acabar.
Existem moedas que não foram encordoadas, apresentando o bordo liso, facto esse
que pode derivar de algum tipo de falha aquando do fabrico ou por urgência em colocar
em circulação os exemplares, já que a execução do encordoamento era um processo
posterior à cunhagem da moeda, atrasando a entrada em circulação do numerário.
Moeda com bordo encordoado
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7 Conclusão O presente trabalho analisa de forma detalhada os vários elementos que caracterizam
uma moeda cunhada nos primórdios da cunhagem mecânica.
Outros trabalhos por certo existirão que podem complementar o que aqui
apresentamos, mas constatando a falta de literatura na área do coleccionismo
numismático, que seja de fácil consulta e acessível financeiramente, pretende-se com
este pequeno opúsculo auxiliar os coleccionadores na leitura completa de uma moeda,
podendo avaliar em detalhe todos os elementos que servem de base a uma correcta
identificação e classificação dos exemplares que vão entrando na sua colecção.
Para cada elemento, detalhamos vários exemplos e explicamos as diferenças de
detalhe, sem a pretensão de se ser exaustivo, existido com certeza falhas e aspectos a
melhorar em futuras revisões. Caso existam propostas de melhoria e críticas
construtivas, as mesmas poderão ser enviadas para o endereço abaixo apresentado.
Setembro de 2017
Mário Matos
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Bibliografia Gomes, A. 2007. Moedas Portuguesas e do território que hoje é Portugal. 5ª Edição.
ANP, Lisboa
Almeida, V. 2016. Catálogo numismático digital VMA.
Folgosa, J. s.d. Dicionário de Numismática. Livraria Fernando Machado, Porto
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Ficha técnica O texto submetido é da responsabilidade do autor.
Este trabalho é realizado no âmbito do Museu da Moeda e é gratuito, podendo ser
partilhado. Pedimos apenas que o trabalho e dedicação do autor seja respeitado e
devidamente reconhecido quando utilizado.
A utilização deste trabalho para fins que não sejam estritamente pessoais carece de
autorização prévia do autor.
Para mais informações consulte www.museumoeda.com.
Coordenação
Iúri Fernandes
Leandro Machado
Paulo Alves