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Etmologia da palavra Ética: A origem da palavra ética vem do grego “ethos”, que quer dizer o modo de ser, o caráter. Os romanos traduziram o “ethos” grego, para o latim “mos” (ou no plural “mores”), que quer dizer costume(s) ou costumes(mores), de onde vem a palavra moral. Tanto “ethos”(caráter) como “mos”(costume) indicam um tipo de comportamento propriamente humano que não é natural, o homem não nasce com ele, como se fosse um instinto; mas, que é “adquirido ou conquistado por hábito” (VÁZQUEZ). Portanto, Ética e Moral, pela própria etimologia, diz respeito a uma realidade humana que é construída histórica e socialmente a partir das relações coletivas dos seres humanos nas sociedades onde nascem e vivem. No nosso dia-a-dia não fazemos distinção entre Ética e Moral, usamos as duas palavras como sinônimos. Mas, os estudiosos da questão fazem uma distinção entre as duas palavras. Assim, a Moral é definida como o conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes, valores que norteiam o comportamento do indivíduo no seu grupo social. A Moral é normativa. Enquanto a Ética é definida como a teoria, o conhecimento ou a ciência do comportamento moral, que busca explicar, compreender, justificar e criticar a moral ou as morais de uma sociedade. A Ética é filosófica e científica. “Nenhum homem é uma ilha”. Esta famosa frase do filósofo inglês Thomas Morus, ajuda-nos a compreender que a vida humana é convívio. Para o ser humano viver é conviver. É justamente na convivência, na vida social e comunitária, que o ser humano se descobre e se realiza enquanto um ser moral e ético. É na relação com o outro que surgem os problemas e as indagações morais: o que devo fazer? Como agir em determinada situação? Como comportar-me perante o outro? Diante da corrupção e das injustiças, o que fazer?

Ética - Aula 02 -O conceito de Ética, Etmologia da Palavra Ética - Sócrates 2013 -

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Etmologia da palavra tica:

A origem da palavra tica vem do grego ethos, que quer dizer o modo de ser, o carter. Os romanos traduziram o ethos grego, para o latim mos (ou no plural mores), que quer dizer costume(s) ou costumes(mores), de onde vem a palavra moral. Tanto ethos(carter) como mos(costume) indicam um tipo de comportamento propriamente humano que no natural, o homem no nasce com ele, como se fosse um instinto; mas, que adquirido ou conquistado por hbito (VZQUEZ). Portanto, tica e Moral, pela prpria etimologia, diz respeito a uma realidade humana que construda histrica e socialmente a partir das relaes coletivas dos seres humanos nas sociedades onde nascem e vivem.

No nosso dia-a-dia no fazemos distino entre tica e Moral, usamos as duas palavras como sinnimos. Mas, os estudiosos da questo fazem uma distino entre as duas palavras. Assim, a Moral definida como o conjunto de normas, princpios, preceitos, costumes, valores que norteiam o comportamento do indivduo no seu grupo social. A Moral normativa. Enquanto a tica definida como a teoria, o conhecimento ou a cincia do comportamento moral, que busca explicar, compreender, justificar e criticar a moral ou as morais de uma sociedade. A tica filosfica e cientfica.

Nenhum homem uma ilha. Esta famosa frase do filsofo ingls Thomas Morus, ajuda-nos a compreender que a vida humana convvio. Para o ser humano viver conviver. justamente na convivncia, na vida social e comunitria, que o ser humano se descobre e se realiza enquanto um ser moral e tico. na relao com o outro que surgem os problemas e as indagaes morais: o que devo fazer? Como agir em determinada situao? Como comportar-me perante o outro? Diante da corrupo e das injustias, o que fazer?

Portanto, constantemente no nosso cotidiano encontramos situaes que nos colocam problemas morais. So problemas prticos e concretos da nossa vida em sociedade, ou seja, problemas que dizem respeito s nossas decises, escolhas, aes e comportamentos - os quais exigem uma avaliao, um julgamento, um juzo de valor entre o que socialmente considerado bom ou mau, justo ou injusto, certo ou errado, pela moral vigente. O problema que no costumamos refletir e buscar os porqus de nossas escolhas, dos comportamentos, dos valores. Agimos por fora do hbito, dos costumes e da tradio, tendendo banalizar, naturalizar a realidade social, poltica, econmica e cultural. Com isto, perdemos nossa capacidade critica diante da realidade. Em outras palavras, no costumamos fazer tica, pois no fazemos a crtica, nem buscamos compreender e explicitar a nossa realidade moral.

No Brasil, encontramos vrios exemplos para o que afirmamos acima. Historicamente marcada pelas injustias scio econmicas, pelo preconceito racial e sexual, pela explorao da mo-de-obra infantil, pelo jeitinho e a lei de Gerson, etc, etc. A realidade brasileira nos coloca diante de problemas ticos bastante srios. Contudo, j estamos por demais acostumados com nossas misrias de toda ordem.

Naturalizamos a injustia e consideramos normal conviver lado a lado as manses e os barracos, as crianas e os mendigos nas ruas; achamos inteligente e esperto levar vantagem em tudo e tendemos a considerar como sendo otrio quem procura ser honesto. Na vida pblica, exemplos o que no faltam na nossa histria recente: anes do oramento, impeachment de presidente por corrupo, compras de parlamentares para a reeleio, os medicamentos "b o", mfia do crime organizado, etc. etc.

No sem motivos fala-se numa crise tica, j que tal realidade no pode ser reduzida to somente ao campo poltico-econmico. Envolve questes de valor, de convivncia, de conscincia, de justia. Envolve vidas humanas. Onde h vida humana em jogo, impem-se necessariamente um problema tico. O homem, enquanto ser tico, enxerga o seu semelhante, no lhe indiferente. O apelo que o outro me lana de ser tratado como gente e no como coisa ou bicho. Neste sentido, a tica vem denunciar toda realidade onde o ser humano coisificado e animalizado, ou seja, onde o ser humano concreto desrespeitado na sua condio humana.

O conceito de tica em Scrates, Plato e Aristteles

"Se imaginais que, matando homens, evitareis que algum vos repreenda a m vida, estais enganados; essa no uma forma de libertao, nem inteiramente eficaz, nem honrosa; esta outra, sim, mais honrosa e mais fcil: em vez de tampar a boca dos outros, preparar-se para ser o melhor possvel." (Palavras atribudas a Scrates por Plato, ao final do seu julgamento)

Ascenso e queda da filosofia gregaUma pergunta que ir ocorrer a qualquer um que estude a histria da filosofia grega ser porque ela atinge seu esplendor terico justamente no momento de sua decadncia material. Scrates, Plato e Aristteles vivem justamente no momento que a sociedade grega em geral, e a ateniense em particular, vive seu ponto mais baixo cuja culminao ser a unificao e dominao dos helenos pelos macednios de Filipe e Alexandre.

De uma forma geral eles vivem o momento de maior desagregao interna, de dominao da poltica pelos demagogos, pela decadncia dos velhos modos de vida, da superao da riqueza intelectual pela material. Ainda assim refletem sobre as mais altas virtudes humanas e vem a felicidade justamente na bondade, conceito que unifica as trs noes de tica, ainda que divergindo sobre o significado da eudaimonia a felicidade derivada da harmonia entre os componentes da alma.

H um aspecto necessrio a ser compreendido nesta noo dos trs filsofos serem o canto do cisne da filosofia grega. Seus antecessores e adversrios no so conhecidos a no ser por fragmentos, em geral recolhidos e comentados por seus detratores, assim no h como asseverar que Scrates e seus dois discpulos sejam to superiores aos que os antecederam.

A filosofia que antecede aos sofistas marcada por uma compreenso da identidade entre ser humano e ser cidado to profunda que a hiptese de uma dissociao entre o bem individual e o bem comum sequer formulada, entendida como dado da realidade e premissa bsica de qualquer reflexo sobre o ser humano. Da noo de um "Imprio da Lei" e no de reis, deuses e sacerdotes deriva a maior parte da originalidade do pensamento grego, ainda que raramente seja motivo da apreenso dos filsofos.

O que se busca ento no mximo mecanismos que possam aprimorar as leis, avaliar entre as possveis alternativas qual seria a mais racional portanto melhor para a consecuo deste Imprio da Lei. As primeiras reflexes de natureza tica que surgem neste perodo, especialmente Pitgoras, no visam seno ao esforo de avaliar como poderiam ser julgadas as alternativas postas de forma perfeitamente racional.

Mas o dinamismo da sociedade grega acaba trazendo em si um novo mundo que iria aos poucos se infiltrar no antigo, voltar contra si mesmos os princpios tanto da democracia quanto da filosofia. Este processo comea com os conflitos da crescente camada de comerciantes enriquecidos contra as velhas aristocracias cuja base do poder era de um lado a tradio e de outro a propriedade fundiria e termina com a ascenso dos tiranos magnatas que se postulam defensores das camadas mais pobres da populao.

Marco significativo neste processo ser a constituio de um imperialismo ateniense disfarado em aliana poltico-militar na chamada Liga de Delos, constituda inicialmente como estratgia defensiva contra a invaso persa, mas que os atenienses relutam em dissolver aps a vitria contra os Aquemenidas. O domnio imperial de Atenas garante cidade as fontes tanto de seu supremo desenvolvimento como o embrio da sua decadncia.

Ao canalizar para a cidade vultoso volume de recursos, o imperialismo garante um esplendor em todas as artes. o perodo dos grandes monumentos, do supremo desenvolvimento da escultura, da mais ampla extenso da democracia que chega sofisticao de pagar uma contribuio a todos os cidados que compaream s Assemblias, como absoluta garantia do direito a todos a participar das decises da cidade. tambm o momento no qual os sbios de todo o mundo helnico da sia Menor Calbria, ento chamada de Magna Grcia convergem Atenas na busca tanto de um ambiente de efervescncia cultural como de patronos, os mecenas.

Mas este crescimento tem um preo amargo a ser pago. O crescimento das desigualdades sociais gera crescentes conflitos, a extenso da democracia estimula o florescimento e domnio da demagogia, o necessidade de justificao do Imperialismo rompe com as velhas noes de Imprio da lei e igualdade dos homens. Por fim gera a reao dos dominados, liderados pela oligarquica cidade de Esparta que leva ao fim da Liga de Delos e a restaurao ainda que temporria da oligarquia ateniense.

O fruto filosfico deste perodo atribulado so os sofistas, geralmente acusados de seus adversrios de destacar o conhecimento de sua base moral, ensinando que qualquer discusso poderia ser vencida desde que utilizados os meios corretos. Ainda que esta viso possa ser mero exagero dos seus comentadores e a partir deles que os conhecemos h uma certa lgica entre a evoluo econmica e poltica dos gregos e a atribuio de "valor instrumental" ao velho conhecimento grego de natureza especulativa.

Independente das crticas aos sofistas serem tendenciosas ou honestas, h nelas um componente novo, inusitado, crtico: o relativismo moral. Da velha identidade entre a felicidade individual e o bem comum da sociedade grega se chegar, atravs dos sofistas, a uma situao na qual tanto o primeiro como o segundo tornam-se relativos, no universais ou divinamente inspirados.

O pensamento sofista no deixa de ser um ataque hipocrisia ateniense no qual os velhos valores no so mais evocados seno como uma justificativa da dominao de Atenas sobre outros Estados, dos ricos demagogos sobre os velhos idia da democracia, da escravido e da plutocracia na qual a sociedade grega havia se transformado. A noo de "o homem a medida de todas as coisas", de Protgoras sobretudo uma contestao da prpria essncia da legitimidade do Estado grego, firmada j no mais numa profunda conscincia do Imprio da Lei, mas simplesmente em um amontoado de convenes sociais habilmente manipuladas pelos ricos.

O cerne desta estrutura de legitimao trazida luz por Trasimaco, para qual a justia e outros conceitos derivados da lei no eram seno ferramentas para que os fortes submetesse e dominassem os fracos. Conceitos deste tipo iam contra todos valores da sociedade grega, transformavam o velho respeito ao "Imprio da lei" em mera hipocrisia, o velho sentimento de misso e superioridade gregos em vaga justificativa da escravido. Eram, portanto, noes perigosas demais para no serem respondidas, ainda que a resposta no pudesse deixar de se tornar ela prpria um tapa no rosto da hipocrisia dominante.

nesse contexto de decadncia e crise moral que os esforos intelectuais de Scrates, Plato e Aristteles devem ser entendidos. Quando se enxerga a questo por este prisma, o fato de Scrates ter "inventado" a tica revela no o surgimento de uma nova ordem, mas antes a necessidade de se refletir, sistematizar e defender conceitos que antes eram dados como automticos, em especial quanto essncia da tica, ou seja, as relaes entre o bem comum e a felicidade individual.

Scrates e a crena que: basta saber o que a bondade para ser bom.O pressuposto bsico da tica de Scrates que basta saber o que bondade para que se seja bom - pode parecer ingnuo no mundo de hoje, no qual j est profundamente gravado na nossa mente que s algum grau de coero capaz de evitar que o homem seja mau. Na sua poca era uma noo perfeitamente coerente com o pensamento ainda que no com a prtica da sociedade grega.

Antes dele no teria havido uma reflexo organizada sobre a tica e o "homem moral" a no ser o relativismo dos sofistas, neste sentido inegvel que ele o "Pai da tica. Contudo preciso ponderar que desde perodos mais antigos havia uma identidade perfeita entre o bem comum e o bem individual to arraigada na mente grega que talvez tal reflexo no fosse necessria ou sequer capaz de ser concebida. S a dissociao de ambas na decadncia grega que teriam, pela primeira vez, postulado a necessidade de alguma teoria que explicasse esta dualidade.

Ao contrrio da posio de Will Durant, portanto, s a decadncia dos gregos, a dissoluo entre uma teoria que concebia a identidade entre o homem e o cidado e uma prtica na qual os valores morais significam pouco cujo resultado a hipocrisia denunciada pelos sofistas que tornaria Scrates necessrio.

com os sofistas que Scrates dialoga, em um esforo para refutar seu relativismo moral cuja validao, sabe ele, significaria o fim do "esprito grego". O grande mrito de Scrates enfrentar de forma virulenta a hipocrisia da sociedade ateniense cuja resposta aos sofistas era apenas a reafirmao insincera dos velhos valores. Scrates defende a identidade entre os interesses individuais e os comunitrios como nico caminho para a felicidade, o que implica na valorizao da bondade, da moderao dos apetites, na busca do conhecimento.

Como se explicaria, ento, a dissociao real de ambos, se ao homem, como afirma Scrates, basta saber o que bom para que ele seja bom?

Os sofistas responderam a esta questo considerando que a tica era mera conveno social, Scrates os refuta, afirmando que a aparente dissociao se d justamente porque os homens no sabem o que realmente a bondade. Esta noo perdida em meio vaidade e a hipocrisia dominante cegaria o homem que ao invs de lutar por objetivos reais confunde-se na nvoa das convenes sociais. J se sente aqui o embrio da noo que Plato consolidar e generalizar na sua Alegoria da Caverna.

Assim ao mesmo tempo Scrates busca uma volta s velhas tradies da Cidadania, mas para isto precisa voltar-se contra estas prprias tradies. Ele aceita os princpios gerais definidos por aquelas tradies, mas apenas como um conceito, uma categoria a ser investigada pela mente humana, rejeitando tanto a forma pela qual estes valores so apreendidos como o contedo usualmente atribudo a eles.

Assim ele ao mesmo tempo se contrape aos sofistas e aos tradicionalistas, aos primeiros por negarem uma realidade objetiva e universal aos valores ticos, aos segundos por no serem capazes de compreender a essncia destes valores. Ele prprio pensa na tica no como uma especulao abstrata, mas como uma fora transformadora, capaz de trazer a felicidade a ambos, Sociedade e Indivduo alis a nica forma de se obter esta felicidade.

questo sobre o que a Justia para dar um exemplo prtico desta dupla oposio de Scrates os sofistas dizem que ela a conveno estabelecida pelo mais forte para dominar o mais fraco, os tradicionalistas a entendem como o conjunto das instituies eu definem o "Imprio da Lei". Scrates diz que ambos esto certos e errados ao mesmo tempo. Os sofistas no esto errados porque a descrio deles corresponde ao estado de coisas na poca, os tradicionalistas tambm no esto errados porque o princpio que teoricamente rege aquelas instituies seriam aqueles elevados valores da cidadania.

Mas ambos esto errados, porque a deteriorao da justia no significa que no exista objetivamente uma Justia e que esta no seja uma meta a ser alcanada ao contrrio do que pensam os sofistas e porque o que as pessoas entendem como justia no justia de fato, apenas uma viso distorcida daquele conceito ao contrrio do que dizem os tradicionalistas. O problema tico, para Scrates, sobretudo uma questo de definio de termos.

Como chegar a estes valores absolutos que guiariam o homem? Scrates no d uma resposta absoluta, antes prope um mtodo para se chegar a resposta, demolindo as vises correntes, mostrando quo ilusrias eram as certezas, abalando as convices arraigadas atravs de questionamentos implacveis. Scrates um perguntador, disposto a arrancar as pessoas da v certeza vaidosa na qual se encontram para faz-las mergulhar mais profundamente em suas conscincias em busca de respostas.

A elas ele no oferece nenhuma resposta, apenas a esperana que ao fim haver respostas definitivas, mas que estas no podem ser compreendidas sem provocar uma mudana do prprio homem. A mais profunda garantia da sua tica justamente este potencial auto-reconstrutivo da verdade quando vista sem os vus das aparncias e vaidades, um conhecimento capaz de por si s, tornar o homem mais sbio e melhor.

A prpria ausncia de respostas em Scrates certamente parte deste mtodo, ele teme que se der respostas aquela verdade acabar se cristalizando com o tempo e se transformando ela prpria em mera conveno. O caminho teria de ser trilhado por cada um, enquanto indivduo e ao mestre no caberia indicar o caminho, apenas advertir contra os atalhos perigosos.

Mas seus discpulos Plato e Aristteles nem sempre sero capazes de compreender esta lio maior de seu mestre. Cada um deles ir interpretar a reflexo sobre os homens, a Moral e a tica que Scrates teve o mrito de trazer baila como objeto de estudo segundo seus ideais de uma Cidade moralmente perfeita na qual houvesse uma harmonia entre os diversos interesses individuais e coletivos. E ambos do respostas diametralmente opostas...

Plato e a necessidade de construir a "Cidade Perfeita"(Sociedade Perfeita) guiada pela ticaA resposta de Plato necessidade de se resgatar o velho sentido da tica, da Justia e da Moral, perdidos durante o perodo de crescimento e enriquecimento de Atenas, contaminados pela hipocrisia, a "volta a uma sociedade mais simples". Mas no uma volta ao passado real, antes a um passado imaginrio situado em algum lugar no futuro no qual os velhos valores renovados a partir das indagaes e crticas de Scrates possam orientar uma sociedade estvel que tende perfeio.

Assim dissociao entre o mundo real e os valores ticos Plato contrape a necessidade de uma reconstruo da sociedade segundo estes valores, por mais radical que ela possa parecer. O eixo da ampla reforma sugerida por Plato para construir a sociedade perfeita a substituio da plutocracia que reinava na Atenas Imperial dos mercadores por uma "timocracia do esprito" na qual os governantes seriam os melhores dentre os homens de seu tempo em termos de conhecimento e sabedoria.

Mas as implicaes da utopia platnica no param por a. necessrio limitar ao mnimo a propriedade, tornar-se vegetariano como proposto por Pitgoras e at extinguir as unidades familiares de forma a garantir que todos se sintam irmos de fato porque criados pelo Estado, no por famlias. Ele no se prope a eliminar os mercadores e agricultores, mas limitar-lhes a ao e, sobretudo, privar-lhes por completo do poder poltico. A eles no seria imposta a dura disciplina da posse em comum das mulheres, das dietas e exerccios rigorosos, mas exige-se obedincia lei dura e s ordens dos Guardies, a elite dirigente concebida por Plato

Sobre estes Guardies pesa tal grau de regras e responsabilidades que a escolha deixa de ser um privilgio para tornar-se um sacrifcio, s concebvel para aqueles que conseguem realmente compreender que a eudaimonia exige perfeita identidade entre o bem comum e a satisfao pessoal. Insatisfeito com os rumos da democracia, Plato concebe um sistema de governo no qual a educao universal rgida e valorizada serve tanto como elemento selecionador de quais elementos entraro na classe dos Guardies, como elemento da formao destes guardies.

Esta noo em certa medida vem das inmeras ocasies nas quais Scrates deplorou a pouca preparao intelectual dos dirigentes, clamando que era incompreensvel que para as tarefas mais triviais se exigisse preparao, mas que aos governantes bastava serem capazes de conduzir pela demagogia ou pela compra de votos massa dos atenienses. Plato sabe que a disciplina extrema que prega a seus guardies paradoxalmente to prxima dos grandes adversrios dos atenienses, os espartanos no pode ser estendida a toda a sociedade, mas a considera essencial existncia de um princpio tico de fato que guie o conjunto da sociedade.

No pensamento de Plato, portanto, o reencontro da tica e da realidade se d atravs de uma grande reforma social, poltica e econmica que torne a cidade mais simples, mais desligada dos valores materiais, mais igualitria. A preservao desta nova cidade s poderia ser feita se o poder fosse centralizado neste estrato dominante dos guardies para os quais a simplicidade e a privao bem como a educao deveriam ser ainda mais rgidos.

Estes homens, escolhidos por seus mritos, praticaram a harmonia completa do verdadeiro sentimento tico, sacrificando a si prprios em detrimento do bem comum sem outra recompensa seno a gratido de seus sditos. Homens de vontade frrea no teriam famlias nem posses e viveriam numa fraternidade na qual no existiria espao para a hipocrisia ou a vaidade.

At que ponto as concepes de Plato so as de Scrates, em nome de quem o discpulo fala em seus dilogos cujos oponentes usuais so geralmente os sofistas uma questo ainda no esclarecida. A crtica textual em geral considera que os primeiros dilogos seriam mais fiis s palavras de Scrates, enquanto os ltimos j contm interpolaes platnicas demais para serem considerados como fruto de outra autoria que no a do prprio Plato.

Ainda assim a concepo essencial da tica de Scrates segundo a qual basta saber o que a bondade para ser bom tambm a concepo de Plato, mas com duas diferenas bsicas. Scrates jamais exprimiu de forma objetiva o que ele entendia como bondade, deu apenas definies negativas do conceito demonstrando o carter superficial deste e outros conceitos em sua poca.

Plato por sua vez define esta bondade como sendo a Idia Geral de bondade, seu conceito mais abstrato cuja sombra era as noes cotidianas da bondade. Para descobrir o que era a Bondade, portanto, seria necessrio afastar esta sombra refletida pelas convenes para chegar noo em si da bondade. A segunda diferena que ao propor sua utopia, Plato esfora-se se no para definir este conceito absoluto de bondade, ao menos para definir como seria uma sociedade na qual ela poderia prosperar.

A noo desta Idia Geral da bondade exposta no debate em torno do Anel de Giges, que permitiria ao seu proprietrio tornar-se invisvel e as similaridades com o conto de H.G. Wells no sculo XX no mera coincidncia. A questo debatida se uma pessoa que pode se tornar invisvel, portanto est alm do alcance de qualquer atitude coercitiva para praticar o bem, ainda assim seria boa.

Para Plato, uma pessoa que conhea a essncia da bondade sabe que s pode ser feliz se agir corretamente e assim a posse do anel no far diferena para ela. Mesmo intocvel pelo longo brao da lei este indivduo que detm o conhecimento no se sentiria tentado a agir de forma diferente.

Aristteles e a moderao das paixes como caminho da felicidadeEnquanto Plato sonha com uma sociedade ideal na qual no praticar o bem torna-se uma impossibilidade tal a extenso das instituies que eliminam a vida privada, Aristteles prope o que, de certa forma, pode ser compreendido como um caminho contrrio. Para ele a Lei deve ser capaz de compreender as limitaes do ser humano, aproveitar-se das suas paixes e instintos, e produzir instituies que promovam o bem e reprimam o mal.

Assim se para Plato a Lei deve moldar o real, para Aristteles o real deve moldar a Lei, nica forma de seu cumprimento ser possvel a todos. A exposio destes conceitos na tica de Aristteles parece estar diretamente dirigida contra a Utopia platnica que, na viso de Aristteles, est condenada ao fracasso porque no respeita os impulsos do homem, seus apetites e paixes.

Mas, esta viso no pode ser entendida como uma ausncia de princpios ticos fortes ou a absteno de promover o Bem que Aristteles entende tambm como uma aspirao do ser humano capaz de conciliar o interesse individual e o comunitrio. Pelo contrrio, ele prope um controle estrito sobre as paixes, com a diferena que ele deriva delas tanto as virtudes quanto os vcios, ao contrrio de seus mestres predecessores.

A essncia da virtude seria, ento, a moderao entre os extremos de cada paixo, a Regra Dourada do caminho do meio entre a indulgncia absoluta e a privao absoluta. Assim a verdadeira definio de coragem estaria entre a covardia e a bravata itimorata, a amizade entre a subservincia e a insolncia. evidente o vnculo com os mltiplos questionamentos de Scrates sobre as essncias dos valores morais, bem como com a noo das Idias Gerais de Plato.

Mas se h uma continuidade h igualmente uma ruptura nesta nova noo. A mais significativa dela a existncia de uma resposta objetiva quilo que Scrates recusou-se a responder e Plato respondeu de forma abstrata e filosfica. Aristteles est preocupado em termos de tica como no restante da sua filosofia em encontrar regras claras que possam ser conhecidas, rotuladas, catalogadas.

Ele tambm no est preocupado em uma utopia mirabolante, mas em construir uma sociedade com os homens que esto disponveis, no com super-homens idealizados, assim tenta construir uma viso de tica que seja capaz de atender maioria. A despeito disto traa uma viso aristocrtica da sociedade na qual os mritos de forma alguma equivalem e no qual os homens esto classificados segundo nveis bastante objetivos do ponto de vista dele que faz com que alguns sejam senhores e outros escravos.

A justificativa deste sistema que racionaliza a escravido e imagina um continuum do mineral ao homem cujo tipo mais elevado seria o filsofo seria o pressuposto de que todos os seres foram criados com uma finalidade em um projeto bem definido de universo ao qual os telogos cristos medievais designaro de Summus Boni O Bem Supremo.

A atribuio do homem, para ele, seria o pensamento racional, caracterstica que o distinguiria do animal. Assim se tem um homem ideal que puro pensamento especulativo e racional e portanto se concretiza no filsofo. Os gregos, dentre todos os povos, teriam mais conscincia desta importncia da racionalidade e portanto se justifica a escravido dos brbaros cujo nvel est mais prximo dos animais irracionais.

S atravs da concretizao desta "finalidade racional", cr Aristteles, o homem poderia atingir a Eudaimonia, a felicidade da harmonia interior. H nesta considerao uma ruptura radical com os predecessores j que para o macednio a finalidade da tica j no ser mais o Bem por si mesmo, mas o Bem enquanto elemento que leva Felicidade, objetivo principal do homem.

Aristteles distingue entre dois tipos de Bem, entre o que Instrumental e o que Intrnseco. Os primeiros so bons porque levam Bondade, enquanto os segundos so bons por si mesmos. Assim o conhecimento tambm dividido entre o conhecimento prtico e terico, o primeiro sendo o conhecimento de como agir corretamente e o segundo o conhecimento do que bom por si mesmo.

Continuidades e rupturas nas trs ticasH elos que ligam os conceitos de tica defendidos por Scrates a noo que basta saber o que o Bem para pratic-lo por Plato segundo o qual essencial conhecer a Idia Geral do Bem e por Aristteles para quem o Bem equivale moderao das paixes. Todos os trs estabelecem como fonte da tica a noo que a Felicidade entendida no sentido mais amplo da eudaimonia era a recompensa dos virtuosos.

Este conceito consistente com a hiptese apresentada na Introduo de que a decadncia moral de Atenas fruto da substituio de uma sociedade tradicional por outra de natureza mercantil havia dissociado o bem individual do bem coletivo tornando necessria uma construo que estabelecesse de novo parmetros capazes de harmonizar os dois conceitos. No por outro motivo que os trs filsofos dialogam principalmente com os sofistas, responsveis pela outra resposta a esta questo segundo a qual todo princpio tico e moral era mera conveno, desprovida de significado em si.

Os trs autores buscaro ento constituir uma Teoria tica que parte das premissas que, de um lado, existe uma tica objetiva e de outro que o homem s pode ser feliz se seguir estes princpios. O tratamento dado ao tema, contudo, varia em cada autor pela interao destas premissas gerais com a teoria mais geral segundo cada um deles interpreta o mundo.

Scrates tem o mrito de introduzir a discusso sobre o homem na Filosofia de forma sistemtica, defendendo a posio que mais do que as foras da natureza, o homem deveria ser o objeto das reflexes. Ainda que, como foi visto, esta reflexo tenha sido impulsionada por necessidades bastante concretas em especial de responder aos sofistas isto no lhe retira o mrito de trazer o cidado ao centro do debate.

A essncia da tica Socrtica o poder libertador do verdadeiro conhecimento confrontado com a hipocrisia. atravs deste conhecimento, cr Scrates, que cada indivduo capaz de um dia chegar compreenso do que o Bem, conhecimento que por si s tem efeito transformador tanto de quem o adquire como da sociedade na qual ele vive.

Note-se que a genialidade de Scrates est em produzir uma resposta aos sofistas mas que tambm enfrenta os tradicionalistas oposio que se reflete nos dois grupos de acusao que levam ao julgamento do sbio. Por detrs deste ataque em duas frentes est a percepo que os velhos valores no podem ser restaurados sem que impere esta hipocrisia que ele tanto condena, preciso, isto sim, constituir novos valores objetivos para alm das convenes.

Partindo dos mesmos pressupostos de Scrates, Plato avana no sentido de buscar uma definio concreta para esta tica objetiva, definindo aquilo que Scrates no ousou definir. Seu conceito de que seria a Idia geral de Bem que precisava ser buscada uma reconstruo adequada sua noo deste mundo como um reflexo do Mundo das Idias, acessvel apenas aos dotados de um raciocnio filosfico avanado.

Deste conceito ele extrai tanto a necessidade de uma classe de Guardies dirigentes absolutos escolhidos pelo mrito e mantido puros por uma rotina asctica desligada dos interesses materiais como um projeto de sociedade destinada a exercer o maior grau possvel de controle sobre os cidados. Ao mesmo tempo que ele advoga que alguns indivduos seriam bons mesmo sem a coao como na discusso com os sofistas sobre o Anel de Giges proclama a necessidade de uma estrutura social no qual a vida privada est limitada ao mnimo ou a nada no caso dos Guardies que tem todas as atividades em comum.

A dualidade entre o bem comum e o bem individual essncia da tica torna-se, com Aristteles, totalmente descolada. Enquanto Plato advoga uma sociedade ideal na qual os dois conjuntos de interesses so mantidos juntos fora, Aristteles tenta pensar uma sociedade na qual as instituies baseadas numa anlise das paixes humanas tentam harmonizar estes sentimentos bsicos dos seres humanos de forma a produzir o melhor resultado possvel.

Em outras palavras, enquanto Scrates formula o problema, Plato tenta criar uma tica Ideal que molde os homens a viver na virtude, enquanto Aristteles busca uma tica do Possvel, que no desrespeite a paixes humanas ignoradas por Plato para quem o homem uma tabula rasa na qual qualquer coisa pode ser escrita mas antes as oriente pelo caminho da ponderao at a maturidade racional do equilbrio.

O conceito de tica em Scrates, Plato e Aristteles

"Se imaginais que, matando homens, evitareis que algum vos repreenda a m vida, estais enganados; essa no uma forma de libertao, nem inteiramente eficaz, nem honrosa; esta outra, sim, mais honrosa e mais fcil: em vez de tampar a boca dos outros, preparar-se para ser o melhor possvel." (Palavras atribudas a Scrates por Plato, ao final do seu julgamento)

Ascenso e queda da filosofia gregaUma pergunta que ir ocorrer a qualquer um que estude a histria da filosofia grega ser porque ela atinge seu esplendor terico justamente no momento de sua decadncia material. Scrates, Plato e Aristteles vivem justamente no momento que a sociedade grega em geral, e a ateniense em particular, vive seu ponto mais baixo cuja culminao ser a unificao e dominao dos helenos pelos macednios de Filipe e Alexandre.

De uma forma geral eles vivem o momento de maior desagregao interna, de dominao da poltica pelos demagogos, pela decadncia dos velhos modos de vida, da superao da riqueza intelectual pela material. Ainda assim refletem sobre as mais altas virtudes humanas e vem a felicidade justamente na bondade, conceito que unifica as trs noes de tica, ainda que divergindo sobre o significado da eudaimonia a felicidade derivada da harmonia entre os componentes da alma.

H um aspecto necessrio a ser compreendido nesta noo dos trs filsofos serem o canto do cisne da filosofia grega. Seus antecessores e adversrios no so conhecidos a no ser por fragmentos, em geral recolhidos e comentados por seus detratores, assim no h como asseverar que Scrates e seus dois discpulos sejam to superiores aos que os antecederam.

A filosofia que antecede aos sofistas marcada por uma compreenso da identidade entre ser humano e ser cidado to profunda que a hiptese de uma dissociao entre o bem individual e o bem comum sequer formulada, entendida como dado da realidade e premissa bsica de qualquer reflexo sobre o ser humano. Da noo de um "Imprio da Lei" e no de reis, deuses e sacerdotes deriva a maior parte da originalidade do pensamento grego, ainda que raramente seja motivo da apreenso dos filsofos.

O que se busca ento no mximo mecanismos que possam aprimorar as leis, avaliar entre as possveis alternativas qual seria a mais racional portanto melhor para a consecuo deste Imprio da Lei. As primeiras reflexes de natureza tica que surgem neste perodo, especialmente Pitgoras, no visam seno ao esforo de avaliar como poderiam ser julgadas as alternativas postas de forma perfeitamente racional.

Mas o dinamismo da sociedade grega acaba trazendo em si um novo mundo que iria aos poucos se infiltrar no antigo, voltar contra si mesmos os princpios tanto da democracia quanto da filosofia. Este processo comea com os conflitos da crescente camada de comerciantes enriquecidos contra as velhas aristocracias cuja base do poder era de um lado a tradio e de outro a propriedade fundiria e termina com a ascenso dos tiranos magnatas que se postulam defensores das camadas mais pobres da populao.

Marco significativo neste processo ser a constituio de um imperialismo ateniense disfarado em aliana poltico-militar na chamada Liga de Delos, constituda inicialmente como estratgia defensiva contra a invaso persa, mas que os atenienses relutam em dissolver aps a vitria contra os Aquemenidas. O domnio imperial de Atenas garante cidade as fontes tanto de seu supremo desenvolvimento como o embrio da sua decadncia.

Ao canalizar para a cidade vultoso volume de recursos, o imperialismo garante um esplendor em todas as artes. o perodo dos grandes monumentos, do supremo desenvolvimento da escultura, da mais ampla extenso da democracia que chega sofisticao de pagar uma contribuio a todos os cidados que compaream s Assemblias, como absoluta garantia do direito a todos a participar das decises da cidade. tambm o momento no qual os sbios de todo o mundo helnico da sia Menor Calbria, ento chamada de Magna Grcia convergem Atenas na busca tanto de um ambiente de efervescncia cultural como de patronos, os mecenas.

Mas este crescimento tem um preo amargo a ser pago. O crescimento das desigualdades sociais gera crescentes conflitos, a extenso da democracia estimula o florescimento e domnio da demagogia, o necessidade de justificao do Imperialismo rompe com as velhas noes de Imprio da lei e igualdade dos homens. Por fim gera a reao dos dominados, liderados pela oligarquica cidade de Esparta que leva ao fim da Liga de Delos e a restaurao ainda que temporria da oligarquia ateniense.

O fruto filosfico deste perodo atribulado so os sofistas, geralmente acusados de seus adversrios de destacar o conhecimento de sua base moral, ensinando que qualquer discusso poderia ser vencida desde que utilizados os meios corretos. Ainda que esta viso possa ser mero exagero dos seus comentadores e a partir deles que os conhecemos h uma certa lgica entre a evoluo econmica e poltica dos gregos e a atribuio de "valor instrumental" ao velho conhecimento grego de natureza especulativa.

Independente das crticas aos sofistas serem tendenciosas ou honestas, h nelas um componente novo, inusitado, crtico: o relativismo moral. Da velha identidade entre a felicidade individual e o bem comum da sociedade grega se chegar, atravs dos sofistas, a uma situao na qual tanto o primeiro como o segundo tornam-se relativos, no universais ou divinamente inspirados.

O pensamento sofista no deixa de ser um ataque hipocrisia ateniense no qual os velhos valores no so mais evocados seno como uma justificativa da dominao de Atenas sobre outros Estados, dos ricos demagogos sobre os velhos idia da democracia, da escravido e da plutocracia na qual a sociedade grega havia se transformado. A noo de "o homem a medida de todas as coisas", de Protgoras sobretudo uma contestao da prpria essncia da legitimidade do Estado grego, firmada j no mais numa profunda conscincia do Imprio da Lei, mas simplesmente em um amontoado de convenes sociais habilmente manipuladas pelos ricos.

O cerne desta estrutura de legitimao trazida luz por Trasimaco, para qual a justia e outros conceitos derivados da lei no eram seno ferramentas para que os fortes submetesse e dominassem os fracos. Conceitos deste tipo iam contra todos valores da sociedade grega, transformavam o velho respeito ao "Imprio da lei" em mera hipocrisia, o velho sentimento de misso e superioridade gregos em vaga justificativa da escravido. Eram, portanto, noes perigosas demais para no serem respondidas, ainda que a resposta no pudesse deixar de se tornar ela prpria um tapa no rosto da hipocrisia dominante.

nesse contexto de decadncia e crise moral que os esforos intelectuais de Scrates, Plato e Aristteles devem ser entendidos. Quando se enxerga a questo por este prisma, o fato de Scrates ter "inventado" a tica revela no o surgimento de uma nova ordem, mas antes a necessidade de se refletir, sistematizar e defender conceitos que antes eram dados como automticos, em especial quanto essncia da tica, ou seja, as relaes entre o bem comum e a felicidade individual.

Scrates e a crena que: basta saber o que a bondade para ser bom.O pressuposto bsico da tica de Scrates que basta saber o que bondade para que se seja bom - pode parecer ingnuo no mundo de hoje, no qual j est profundamente gravado na nossa mente que s algum grau de coero capaz de evitar que o homem seja mau. Na sua poca era uma noo perfeitamente coerente com o pensamento ainda que no com a prtica da sociedade grega.

Antes dele no teria havido uma reflexo organizada sobre a tica e o "homem moral" a no ser o relativismo dos sofistas, neste sentido inegvel que ele o "Pai da tica. Contudo preciso ponderar que desde perodos mais antigos havia uma identidade perfeita entre o bem comum e o bem individual to arraigada na mente grega que talvez tal reflexo no fosse necessria ou sequer capaz de ser concebida. S a dissociao de ambas na decadncia grega que teriam, pela primeira vez, postulado a necessidade de alguma teoria que explicasse esta dualidade.

Ao contrrio da posio de Will Durant, portanto, s a decadncia dos gregos, a dissoluo entre uma teoria que concebia a identidade entre o homem e o cidado e uma prtica na qual os valores morais significam pouco cujo resultado a hipocrisia denunciada pelos sofistas que tornaria Scrates necessrio.

com os sofistas que Scrates dialoga, em um esforo para refutar seu relativismo moral cuja validao, sabe ele, significaria o fim do "esprito grego". O grande mrito de Scrates enfrentar de forma virulenta a hipocrisia da sociedade ateniense cuja resposta aos sofistas era apenas a reafirmao insincera dos velhos valores. Scrates defende a identidade entre os interesses individuais e os comunitrios como nico caminho para a felicidade, o que implica na valorizao da bondade, da moderao dos apetites, na busca do conhecimento.

Como se explicaria, ento, a dissociao real de ambos, se ao homem, como afirma Scrates, basta saber o que bom para que ele seja bom?

Os sofistas responderam a esta questo considerando que a tica era mera conveno social, Scrates os refuta, afirmando que a aparente dissociao se d justamente porque os homens no sabem o que realmente a bondade. Esta noo perdida em meio vaidade e a hipocrisia dominante cegaria o homem que ao invs de lutar por objetivos reais confunde-se na nvoa das convenes sociais. J se sente aqui o embrio da noo que Plato consolidar e generalizar na sua Alegoria da Caverna.

Assim ao mesmo tempo Scrates busca uma volta s velhas tradies da Cidadania, mas para isto precisa voltar-se contra estas prprias tradies. Ele aceita os princpios gerais definidos por aquelas tradies, mas apenas como um conceito, uma categoria a ser investigada pela mente humana, rejeitando tanto a forma pela qual estes valores so apreendidos como o contedo usualmente atribudo a eles.

Assim ele ao mesmo tempo se contrape aos sofistas e aos tradicionalistas, aos primeiros por negarem uma realidade objetiva e universal aos valores ticos, aos segundos por no serem capazes de compreender a essncia destes valores. Ele prprio pensa na tica no como uma especulao abstrata, mas como uma fora transformadora, capaz de trazer a felicidade a ambos, Sociedade e Indivduo alis a nica forma de se obter esta felicidade.

questo sobre o que a Justia para dar um exemplo prtico desta dupla oposio de Scrates os sofistas dizem que ela a conveno estabelecida pelo mais forte para dominar o mais fraco, os tradicionalistas a entendem como o conjunto das instituies eu definem o "Imprio da Lei". Scrates diz que ambos esto certos e errados ao mesmo tempo. Os sofistas no esto errados porque a descrio deles corresponde ao estado de coisas na poca, os tradicionalistas tambm no esto errados porque o princpio que teoricamente rege aquelas instituies seriam aqueles elevados valores da cidadania.

Mas ambos esto errados, porque a deteriorao da justia no significa que no exista objetivamente uma Justia e que esta no seja uma meta a ser alcanada ao contrrio do que pensam os sofistas e porque o que as pessoas entendem como justia no justia de fato, apenas uma viso distorcida daquele conceito ao contrrio do que dizem os tradicionalistas. O problema tico, para Scrates, sobretudo uma questo de definio de termos.

Como chegar a estes valores absolutos que guiariam o homem? Scrates no d uma resposta absoluta, antes prope um mtodo para se chegar a resposta, demolindo as vises correntes, mostrando quo ilusrias eram as certezas, abalando as convices arraigadas atravs de questionamentos implacveis. Scrates um perguntador, disposto a arrancar as pessoas da v certeza vaidosa na qual se encontram para faz-las mergulhar mais profundamente em suas conscincias em busca de respostas.

A elas ele no oferece nenhuma resposta, apenas a esperana que ao fim haver respostas definitivas, mas que estas no podem ser compreendidas sem provocar uma mudana do prprio homem. A mais profunda garantia da sua tica justamente este potencial auto-reconstrutivo da verdade quando vista sem os vus das aparncias e vaidades, um conhecimento capaz de por si s, tornar o homem mais sbio e melhor.

A prpria ausncia de respostas em Scrates certamente parte deste mtodo, ele teme que se der respostas aquela verdade acabar se cristalizando com o tempo e se transformando ela prpria em mera conveno. O caminho teria de ser trilhado por cada um, enquanto indivduo e ao mestre no caberia indicar o caminho, apenas advertir contra os atalhos perigosos.

Mas seus discpulos Plato e Aristteles nem sempre sero capazes de compreender esta lio maior de seu mestre. Cada um deles ir interpretar a reflexo sobre os homens, a Moral e a tica que Scrates teve o mrito de trazer baila como objeto de estudo segundo seus ideais de uma Cidade moralmente perfeita na qual houvesse uma harmonia entre os diversos interesses individuais e coletivos. E ambos do respostas diametralmente opostas...

Plato e a necessidade de construir a "Cidade Perfeita"(Sociedade Perfeita) guiada pela ticaA resposta de Plato necessidade de se resgatar o velho sentido da tica, da Justia e da Moral, perdidos durante o perodo de crescimento e enriquecimento de Atenas, contaminados pela hipocrisia, a "volta a uma sociedade mais simples". Mas no uma volta ao passado real, antes a um passado imaginrio situado em algum lugar no futuro no qual os velhos valores renovados a partir das indagaes e crticas de Scrates possam orientar uma sociedade estvel que tende perfeio.

Assim dissociao entre o mundo real e os valores ticos Plato contrape a necessidade de uma reconstruo da sociedade segundo estes valores, por mais radical que ela possa parecer. O eixo da ampla reforma sugerida por Plato para construir a sociedade perfeita a substituio da plutocracia que reinava na Atenas Imperial dos mercadores por uma "timocracia do esprito" na qual os governantes seriam os melhores dentre os homens de seu tempo em termos de conhecimento e sabedoria.

Mas as implicaes da utopia platnica no param por a. necessrio limitar ao mnimo a propriedade, tornar-se vegetariano como proposto por Pitgoras e at extinguir as unidades familiares de forma a garantir que todos se sintam irmos de fato porque criados pelo Estado, no por famlias. Ele no se prope a eliminar os mercadores e agricultores, mas limitar-lhes a ao e, sobretudo, privar-lhes por completo do poder poltico. A eles no seria imposta a dura disciplina da posse em comum das mulheres, das dietas e exerccios rigorosos, mas exige-se obedincia lei dura e s ordens dos Guardies, a elite dirigente concebida por Plato

Sobre estes Guardies pesa tal grau de regras e responsabilidades que a escolha deixa de ser um privilgio para tornar-se um sacrifcio, s concebvel para aqueles que conseguem realmente compreender que a eudaimonia exige perfeita identidade entre o bem comum e a satisfao pessoal. Insatisfeito com os rumos da democracia, Plato concebe um sistema de governo no qual a educao universal rgida e valorizada serve tanto como elemento selecionador de quais elementos entraro na classe dos Guardies, como elemento da formao destes guardies.

Esta noo em certa medida vem das inmeras ocasies nas quais Scrates deplorou a pouca preparao intelectual dos dirigentes, clamando que era incompreensvel que para as tarefas mais triviais se exigisse preparao, mas que aos governantes bastava serem capazes de conduzir pela demagogia ou pela compra de votos massa dos atenienses. Plato sabe que a disciplina extrema que prega a seus guardies paradoxalmente to prxima dos grandes adversrios dos atenienses, os espartanos no pode ser estendida a toda a sociedade, mas a considera essencial existncia de um princpio tico de fato que guie o conjunto da sociedade.

No pensamento de Plato, portanto, o reencontro da tica e da realidade se d atravs de uma grande reforma social, poltica e econmica que torne a cidade mais simples, mais desligada dos valores materiais, mais igualitria. A preservao desta nova cidade s poderia ser feita se o poder fosse centralizado neste estrato dominante dos guardies para os quais a simplicidade e a privao bem como a educao deveriam ser ainda mais rgidos.

Estes homens, escolhidos por seus mritos, praticaram a harmonia completa do verdadeiro sentimento tico, sacrificando a si prprios em detrimento do bem comum sem outra recompensa seno a gratido de seus sditos. Homens de vontade frrea no teriam famlias nem posses e viveriam numa fraternidade na qual no existiria espao para a hipocrisia ou a vaidade.

At que ponto as concepes de Plato so as de Scrates, em nome de quem o discpulo fala em seus dilogos cujos oponentes usuais so geralmente os sofistas uma questo ainda no esclarecida. A crtica textual em geral considera que os primeiros dilogos seriam mais fiis s palavras de Scrates, enquanto os ltimos j contm interpolaes platnicas demais para serem considerados como fruto de outra autoria que no a do prprio Plato.

Ainda assim a concepo essencial da tica de Scrates segundo a qual basta saber o que a bondade para ser bom tambm a concepo de Plato, mas com duas diferenas bsicas. Scrates jamais exprimiu de forma objetiva o que ele entendia como bondade, deu apenas definies negativas do conceito demonstrando o carter superficial deste e outros conceitos em sua poca.

Plato por sua vez define esta bondade como sendo a Idia Geral de bondade, seu conceito mais abstrato cuja sombra era as noes cotidianas da bondade. Para descobrir o que era a Bondade, portanto, seria necessrio afastar esta sombra refletida pelas convenes para chegar noo em si da bondade. A segunda diferena que ao propor sua utopia, Plato esfora-se se no para definir este conceito absoluto de bondade, ao menos para definir como seria uma sociedade na qual ela poderia prosperar.

A noo desta Idia Geral da bondade exposta no debate em torno do Anel de Giges, que permitiria ao seu proprietrio tornar-se invisvel e as similaridades com o conto de H.G. Wells no sculo XX no mera coincidncia. A questo debatida se uma pessoa que pode se tornar invisvel, portanto est alm do alcance de qualquer atitude coercitiva para praticar o bem, ainda assim seria boa.

Para Plato, uma pessoa que conhea a essncia da bondade sabe que s pode ser feliz se agir corretamente e assim a posse do anel no far diferena para ela. Mesmo intocvel pelo longo brao da lei este indivduo que detm o conhecimento no se sentiria tentado a agir de forma diferente.

Aristteles e a moderao das paixes como caminho da felicidadeEnquanto Plato sonha com uma sociedade ideal na qual no praticar o bem torna-se uma impossibilidade tal a extenso das instituies que eliminam a vida privada, Aristteles prope o que, de certa forma, pode ser compreendido como um caminho contrrio. Para ele a Lei deve ser capaz de compreender as limitaes do ser humano, aproveitar-se das suas paixes e instintos, e produzir instituies que promovam o bem e reprimam o mal.

Assim se para Plato a Lei deve moldar o real, para Aristteles o real deve moldar a Lei, nica forma de seu cumprimento ser possvel a todos. A exposio destes conceitos na tica de Aristteles parece estar diretamente dirigida contra a Utopia platnica que, na viso de Aristteles, est condenada ao fracasso porque no respeita os impulsos do homem, seus apetites e paixes.

Mas esta viso no pode ser entendida como uma ausncia de princpios ticos fortes ou a absteno de promover o Bem que Aristteles entende tambm como uma aspirao do ser humano capaz de conciliar o interesse individual e o comunitrio. Pelo contrrio, ele prope um controle estrito sobre as paixes, com a diferena que ele deriva delas tanto as virtudes quanto os vcios, ao contrrio de seus mestres predecessores.

A essncia da virtude seria, ento, a moderao entre os extremos de cada paixo, a Regra Dourada do caminho do meio entre a indulgncia absoluta e a privao absoluta. Assim a verdadeira definio de coragem estaria entre a covardia e a bravata itimorata, a amizade entre a subservincia e a insolncia. evidente o vnculo com os mltiplos questionamentos de Scrates sobre as essncias dos valores morais, bem como com a noo das Idias Gerais de Plato.

Mas se h uma continuidade h igualmente uma ruptura nesta nova noo. A mais significativa dela a existncia de uma resposta objetiva quilo que Scrates recusou-se a responder e Plato respondeu de forma abstrata e filosfica. Aristteles est preocupado em termos de tica como no restante da sua filosofia em encontrar regras claras que possam ser conhecidas, rotuladas, catalogadas.

Ele tambm no est preocupado em uma utopia mirabolante, mas em construir uma sociedade com os homens que esto disponveis, no com super-homens idealizados, assim tenta construir uma viso de tica que seja capaz de atender maioria. A despeito disto traa uma viso aristocrtica da sociedade na qual os mritos de forma alguma equivalem e no qual os homens esto classificados segundo nveis bastante objetivos do ponto de vista dele que faz com que alguns sejam senhores e outros escravos.

A justificativa deste sistema que racionaliza a escravido e imagina um continuum do mineral ao homem cujo tipo mais elevado seria o filsofo seria o pressuposto de que todos os seres foram criados com uma finalidade em um projeto bem definido de universo ao qual os telogos cristos medievais designaro de Summus Boni O Bem Supremo.

A atribuio do homem, para ele, seria o pensamento racional, caracterstica que o distinguiria do animal. Assim se tem um homem ideal que puro pensamento especulativo e racional e portanto se concretiza no filsofo. Os gregos, dentre todos os povos, teriam mais conscincia desta importncia da racionalidade e portanto se justifica a escravido dos brbaros cujo nvel est mais prximo dos animais irracionais.

S atravs da concretizao desta "finalidade racional", cr Aristteles, o homem poderia atingir a Eudaimonia, a felicidade da harmonia interior. H nesta considerao uma ruptura radical com os predecessores j que para o macednio a finalidade da tica j no ser mais o Bem por si mesmo, mas o Bem enquanto elemento que leva Felicidade, objetivo principal do homem.

Aristteles distingue entre dois tipos de Bem, entre o que Instrumental e o que Intrnseco. Os primeiros so bons porque levam Bondade, enquanto os segundos so bons por si mesmos. Assim o conhecimento tambm dividido entre o conhecimento prtico e terico, o primeiro sendo o conhecimento de como agir corretamente e o segundo o conhecimento do que bom por si mesmo.

Continuidades e rupturas nas trs ticasH elos que ligam os conceitos de tica defendidos por Scrates a noo que basta saber o que o Bem para pratic-lo por Plato segundo o qual essencial conhecer a Idia Geral do Bem e por Aristteles para quem o Bem equivale moderao das paixes. Todos os trs estabelecem como fonte da tica a noo que a Felicidade entendida no sentido mais amplo da eudaimonia era a recompensa dos virtuosos.

Este conceito consistente com a hiptese apresentada na Introduo de que a decadncia moral de Atenas fruto da substituio de uma sociedade tradicional por outra de natureza mercantil havia dissociado o bem individual do bem coletivo tornando necessria uma construo que estabelecesse de novo parmetros capazes de harmonizar os dois conceitos. No por outro motivo que os trs filsofos dialogam principalmente com os sofistas, responsveis pela outra resposta a esta questo segundo a qual todo princpio tico e moral era mera conveno, desprovida de significado em si.

Os trs autores buscaro ento constituir uma Teoria tica que parte das premissas que, de um lado, existe uma tica objetiva e de outro que o homem s pode ser feliz se seguir estes princpios. O tratamento dado ao tema, contudo, varia em cada autor pela interao destas premissas gerais com a teoria mais geral segundo cada um deles interpreta o mundo.

Scrates tem o mrito de introduzir a discusso sobre o homem na Filosofia de forma sistemtica, defendendo a posio que mais do que as foras da natureza, o homem deveria ser o objeto das reflexes. Ainda que, como foi visto, esta reflexo tenha sido impulsionada por necessidades bastante concretas em especial de responder aos sofistas isto no lhe retira o mrito de trazer o cidado ao centro do debate.

A essncia da tica Socrtica o poder libertador do verdadeiro conhecimento confrontado com a hipocrisia. atravs deste conhecimento, cr Scrates, que cada indivduo capaz de um dia chegar compreenso do que o Bem, conhecimento que por si s tem efeito transformador tanto de quem o adquire como da sociedade na qual ele vive.

Note-se que a genialidade de Scrates est em produzir uma resposta aos sofistas mas que tambm enfrenta os tradicionalistas oposio que se reflete nos dois grupos de acusao que levam ao julgamento do sbio. Por detrs deste ataque em duas frentes est a percepo que os velhos valores no podem ser restaurados sem que impere esta hipocrisia que ele tanto condena, preciso, isto sim, constituir novos valores objetivos para alm das convenes.

Partindo dos mesmos pressupostos de Scrates, Plato avana no sentido de buscar uma definio concreta para esta tica objetiva, definindo aquilo que Scrates no ousou definir. Seu conceito de que seria a Idia geral de Bem que precisava ser buscada uma reconstruo adequada sua noo deste mundo como um reflexo do Mundo das Idias, acessvel apenas aos dotados de um raciocnio filosfico avanado.

Deste conceito ele extrai tanto a necessidade de uma classe de Guardies dirigentes absolutos escolhidos pelo mrito e mantido puros por uma rotina asctica desligada dos interesses materiais como um projeto de sociedade destinada a exercer o maior grau possvel de controle sobre os cidados. Ao mesmo tempo que ele advoga que alguns indivduos seriam bons mesmo sem a coao como na discusso com os sofistas sobre o Anel de Giges proclama a necessidade de uma estrutura social no qual a vida privada est limitada ao mnimo ou a nada no caso dos Guardies que tem todas as atividades em comum.

A dualidade entre o bem comum e o bem individual essncia da tica torna-se, com Aristteles, totalmente descolada. Enquanto Plato advoga uma sociedade ideal na qual os dois conjuntos de interesses so mantidos juntos fora, Aristteles tenta pensar uma sociedade na qual as instituies baseadas numa anlise das paixes humanas tentam harmonizar estes sentimentos bsicos dos seres humanos de forma a produzir o melhor resultado possvel.

Em outras palavras, enquanto Scrates formula o problema, Plato tenta criar uma tica Ideal que molde os homens a viver na virtude, enquanto Aristteles busca uma tica do Possvel, que no desrespeite a paixes humanas ignoradas por Plato para quem o homem uma tabula rasa na qual qualquer coisa pode ser escrita mas antes as oriente pelo caminho da ponderao at a maturidade racional do equilbrio.

TICA (PARTE I) ALUNOSA tica uma caracterstica inerente a toda ao humana e, por esta razo, um elemento vital na produo da realidade social. Todo homem possui um senso tico, uma espcie de "conscincia moral", estando constantemente avaliando e julgando suas aes para saber se so boas ou ms, certas ou erradas, justas ou injustas.

Existem sempre comportamentos humanos classificveis sob a tica do certo e errado, do bem e do mal. Embora relacionadas com o agir individual, essas classificaes sempre tm relao com as matrizes culturais que prevalecem em determinadas sociedades e contextos histricos.

A tica est relacionada opo, ao desejo de realizar a vida, mantendo com os outros relaes justas e aceitveis. Via de regra est fundamentada nas idias de bem e virtude, enquanto valores perseguidos por todo ser humano e cujo alcance se traduz numa existncia plena e feliz.

O estudo da tica talvez tenha se iniciado com filsofos gregos h 25 sculos atrs. Hoje em dia, seu campo de atuao ultrapassa os limites da filosofia e inmeros outros pesquisadores do conhecimento dedicam-se ao seu estudo. Socilogos, psiclogos, bilogos e muitos outros profissionais desenvolvem trabalhos no campo da tica.

Ao iniciar um trabalho que envolve a tica como objeto de estudo, consideramos importante, como ponto de partida, estudar o conceito de tica, estabelecendo seu campo de aplicao e fazendo uma pequena abordagem das doutrinas ticas que consideramos mais importantes para o nosso trabalho.

PROBLEMAS MORAIS E PROBLEMAS TICOSA tica no algo superposto conduta humana, pois todas as nossas atividades envolvem uma carga moral. Idias sobre o bem e o mal, o certo e o errado, o permitido e o proibido definem a nossa realidade.

Em nossas relaes cotidianas estamos sempre diante de problemas do tipo: Devo sempre dizer a verdade ou existem ocasies em que posso mentir? Ser que correto tomar tal atitude? Devo ajudar um amigo em perigo, mesmo correndo risco de vida? Existe alguma ocasio em que seria correto atravessar um sinal de trnsito vermelho?

Os soldados que matam numa guerra, podem ser moralmente condenados por seus crimes ou esto apenas cumprindo ordens?

Essas perguntas nos colocam diante de problemas prticos, que aparecem nas relaes reais, efetivas entre indivduos. So problemas cujas solues, via de regra, no envolvem apenas a pessoa que os prope, mas tambm a outra ou outras pessoas que podero sofrer as conseqncias das decises e aes, conseqncias que podero muitas vezes afetar uma comunidade inteira. O homem um ser-no-mundo, que s realiza sua existncia no encontro com outros homens, sendo que, todas as suas aes e decises afetam as outras pessoas. Nesta convivncia, nesta coexistncia, naturalmente tm que existir regras que coordenem e harmonizem esta relao. Estas regras, dentro de um grupo qualquer, indicam os limites em relao aos quais podemos medir as nossas possibilidades e as limitaes a que devemos nos submeter. So os cdigos culturais que nos obrigam, mas ao mesmo tempo nos protegem.

Diante dos dilemas da vida, temos a tendncia de conduzir nossas aes de forma quase que instintiva, automtica, fazendo uso de alguma "frmula" ou "receita" presente em nosso meio social, de normas que julgamos mais adequadas de serem cumpridas, por terem sido aceitas intimamente e reconhecidas como vlidas e obrigatrias. Fazemos uso de normas, praticamos determinados atos e, muitas vezes, nos servimos de determinados argumentos para tomar decises, justificar nossas aes e nos sentirmos dentro da normalidade.

As normas de que estamos falando tm relao como o que chamamos de valores morais. So os meios pelos quais os valores morais de um grupo social so manifestos e acabam adquirindo um carter normativo e obrigatrio. A palavra moral tem sua origem no latim "mos"/"mores", que significa "costumes", no sentido de conjunto de normas ou regras adquiridas por hbito. Notar que a expresso "bons costumes" usada como sendo sinnimo de moral ou moralidade.

A moral pode ento ser entendida como o conjunto das prticas cristalizadas pelos costumes e convenes histrico-sociais. Cada sociedade tem sido caracterizada por seus conjuntos de normas, valores e regras. So as prescries e proibies do tipo "no matars", "no roubars", de cumprimento obrigatrio. Muitas vezes essas prticas so at mesmo incompatveis com os avanos e conhecimentos das cincias naturais e sociais.

A moral tem um forte carter social, estando apoiada na trade cultura, histria e natureza humana. algo adquirido como herana e preservado pela comunidade.

Quando os valores e costumes estabelecidos numa determinada sociedade so bem aceitos, no h muita necessidade de reflexo sobre eles. Mas, quando surgem questionamentos sobre a validade de certos costumes ou valores consolidados pela prtica, surge a necessidade de fundament-los teoricamente, ou, para os que discordam deles, critic-los. Adolfo Snchez VASQUEZ (1995, p. 15) coloca isso de forma muito clara:

A este comportamento prtico-moral, que j se encontra nas formas mais primitivas de comunidade, sucede posteriormente - muitos milnios depois - a reflexo sobre ele. Os homens no s agem moralmente (isto enfrentam determinados problemas nas suas relaes mtuas, tomam decises e realizam certos atos para resolv-los e, ao mesmo tempo, julgam ou avaliam de uma ou de outra maneira estas decises e estes atos), mas tambm refletem sobre esse comportamento prtico e o tomam como objeto da sua reflexo e de seu pensamento. D-se assim a passagem do plano da prtica moral para o da teoria moral; ou, em outras palavras, da moral efetiva, vivida, para a moral reflexa. Quando se verifica esta passagem, que coincide com os incios do pensamento filosfico, j estamos propriamente na esfera dos problemas tericos-morais ou ticos.

Ou como bem nos coloca Otaviano PEREIRA (1991, p. 24):

O velho se contrapondo ao novo o que podemos esperar como conflito saudvel para o avano da moral. Ora, a vida das pessoas no deve ser como uma geladeira para conservas. O ideal evitar o "congelamento" da moral em cdigos impessoais, que vo perdendo sua razo de ser, dado o carter dinmico das prprias relaes.

O mesmo autor prossegue:

A interao dialtica entre o que constitudo (a moral vigente) e o constituinte (a moral sendo repensada e recriada) necessria sobrevivncia tanto da prpria moral como da respirao dos indivduos frente a ela. A dana dos valores entra nessa inteno e na hierarquia que eles implicam. Na hierarquia dos valores a relatividade dos mesmos que se deve enfatizar, j que o sufocamento do indivduo pela absolutizao do que est estabelecido o perigo maior que se deve evitar. Falar em valores e na sua relatividade diante da dinmica que a se estabelece referir-se necessariamente a uma crise em geral permanente, advinda das relaes entre o vivido e o herdado. bom sempre tirarmos proveito disso, fazer dessa crise algo saudvel. Acontece que nossa nsia benfazeja em mudar, recriar o mundo se esbarra no fato moral natural de que, quando criamos regras, normas de conduta ou leis, ns as imaginamos como um bem permanente [!]. (ibid., p.24)

Como podemos entender ento o conceito de tica? A tica, tantas vezes interpretada como sinnimo de moral, aparece exatamente na hora em que estamos sentindo a necessidade de aprofundar a moral. Geralmente a tica apoia-se em outras reas do conhecimento como a antropologia e a histria para analisar o contedo da moral. Seria o tratamento terico em torno da moral e da moralidade.

Uma disciplina originria da filosofia, h muito discutida pelos filsofos de todas as pocas e que se estende a outros campos do saber como teologia, cincias e direito.

DEFINIO DE TICAA tica seria ento uma espcie de teoria sobre a prtica moral, uma reflexo terica que analisa e critica os fundamentos e princpios que regem um determinado sistema moral. O dicionrio Abbagnado, entre outras consideraes nos diz que a tica "em geral, a cincia da conduta" (ABBAGNANO, sd, p.360) e Sanchez VASQUEZ (1995, p.12) amplia a definio afirmando que "a tica a teoria ou cincia do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, cincia de uma forma especfica de comportamento humano." E refora esta definio com a seguinte explicao:

Assim como os problemas tericos morais no se identificam com os problemas prticos, embora estejam estritamente relacionados, tambm no se podem confundir a tica e a moral. A tica no cria a moral. Conquanto seja certo que toda moral supe determinados princpios, normas ou regras de comportamento, no a tica que os estabelece numa determinada comunidade. A tica depara com uma experincia histrico-social no terreno da moral, ou seja, com uma srie de prticas morais j em vigor e, partindo delas, procura determinar a essncia da moral, sua origem, as condies objetivas e subjetivas do ato moral, as fontes da avaliao moral, a natureza e a funo dos juzos morais, os critrios de justificao destes juzos e o princpio que rege a mudana e a sucesso de diferentes sistemas morais. (ibid., p.12)

Os problemas ticos, ao contrrio dos prtico-morais so caracterizados pela sua generalidade. Por exemplo, se um indivduo est diante de uma determinada situao, dever resolv-la por si mesmo, com a ajuda de uma norma que reconhece e aceita intimamente pois o problema do que fazer numa dada situao um problema prtico-moral e no terico-tico. Mas, quando estamos diante de uma situao, como por exemplo, definir o conceito de Bem, j ultrapassamos os limites dos problemas morais e estamos num problema geral de carter terico, no campo de investigao da tica. Tanto assim, que diversas teorias ticas organizaram-se em torno da definio do que Bem. Muitos filsofos acreditaram que, uma vez entendido o que Bem, descobriramos o que fazer diante das situaes apresentadas pela vida. As respostas encontradas no so unnimes e as definies de Bem variam muito de um filsofo para outro. Para uns, Bem o prazer, para outros o til e assim por diante.

Quando na antigidade grega Aristteles apresentou o problema terico de definir o conceito de Bem, seu trabalho era de investigar o contedo do Bem e no definir o que cada indivduo deveria fazer numa ao concreta, para que seu ato seja considerado bom ou mau.

Evidentemente, esta investigao terica sempre deixa conseqncias prticas, pois quando definimos o Bem, estamos indicando um caminho por onde os homens podero se conduzir nas suas diversas situaes particulares.

A tica tambm estuda a responsabilidade do ato moral, ou seja, a deciso de agir numa situao concreta um problema prtico-moral, mas investigar se a pessoa pde escolher entre duas ou mais alternativas de ao e agir de acordo com sua deciso um problema terico-tico, pois verifica a liberdade ou o determinismo ao qual nossos atos esto sujeitos. Se o determinismo total, ento no h mais espao para a tica, pois se ela se refere s aes humanas e se essas aes esto totalmente determinadas de fora para dentro, no h qualquer espao para a liberdade, para a autodeterminao e, conseqentemente, para a tica.

A tica pode tambm contribuir para fundamentar ou justificar certa forma de comportamento moral. Assim, se a tica revela uma relao entre o comportamento moral e as necessidades e os interesses sociais, ela nos ajudar a situar no devido lugar a moral efetiva, real, do grupo social. Por outro lado, ela nos permite exercitar uma forma de questionamento, onde nos colocamos diante do dilema entre "o que " e o "que deveria ser", imunizando-nos contra a simplria assimilao dos valores e normas vigentes na sociedade e abrindo em nossas almas a possibilidade de desconfiarmos de que os valores morais vigentes podem estar encobrindo interesses que no correspondem s prprias causas geradoras da moral. A reflexo tica tambm permite a identificao de valores petrificados que j no mais satisfazem os interesses da sociedade a que servem. Jung Mo SUNG e Josu Cndido da SILVA (1995, p. 17) nos do um bom exemplo do que estamos falando:

Na poca da escravido, por exemplo, as pessoas acreditavam que os escravos eram seres inferiores por natureza (como dizia Aristteles) ou pela vontade divina (como diziam muitos na Amrica colonial). Elas no se sentiam eticamente questionadas diante da injustia cometida contra os escravos. Isso porque o termo "injustia" j fruto de juzo tico de algum que percebe que a realidade no o que deveria ser. A experincia existencial de se rebelar diante de uma situao desumana ou injusta chamada de indignao tica [o grifo no faz parte do original].

Sendo a tica uma cincia, devemos evitar a tentao de reduzi-la ao campo exclusivamente normativo. Seu valor est naquilo que explica e no no fato de prescrever ou recomendar com vistas ao em situaes concretas.

A tica tambm no tem carter exclusivamente descritivo pois visa investigar e explicar o comportamento moral, trao inerente da experincia humana.

No funo da tica formular juzos de valor quanto prtica moral de outras sociedades, mas explicar a razo de ser destas diferenas e o porque de os homens terem recorrido, ao longo da histria, a prticas morais diferentes e at opostas.

TICA E HISTRIAA tica aceita a existncia da histria da moral, tomando como ponto de partida a diversidade de morais no tempo, entendendo que cada sociedade tem sido caracterizada por um conjunto de regras, normas e valores, no se identificando com os princpios e normas de nenhuma moral em particular nem adotando atitudes indiferentes ou o eclticas diante delas. A histria da tica um assunto complexo e que exige alguns cuidados em seu estudo.

Cumpre advertir, antes de tudo, que a histria da tica como disciplina filosfica mais limitada no tempo e no material tratado do que a histria das idias morais da humanidade. Esta ltima histria compreende o estudo de todas as normas que regularam a conduta humana desde os tempos pr-histricos at os nossos dias. Esse estudo no s filosfico ou histrico-filosfico, mas tambm social. Por este motivo, a histria das idias morais - ou, se prefere eliminar o termo "histria", a descrio dos diversos grupos de idias morais - um tema de que se ocupam disciplinas tais como a sociologia e antropologia. Ora, a existncia de idias morais e de atitudes morais no implica, porm, a presena de uma disciplina filosfica particular. Assim, por exemplo, podem estudar-se as atitudes e idias morais de diversos povos primitivos, ou dos povos orientais, ou de judeus, ou dos egpcios, etc., sem que o material resultante deva forosamente enquadrar-se na histria da tica. Em nossa opinio, por conseguinte, s h histria da tica no mbito da histria da filosofia. Ainda assim, a histria da tica adquire, por vezes, uma considervel amplitude, por quanto fica difcil, com freqncia, estabelecer uma separao rigorosa entre os sistemas morais - objeto prprio da tica - e o conjunto de normas e atitudes de carter moral predominantes numa dada sociedade ou numa determinada fase histrica. Com o fim de solucionar este problema, os historiadores da tica limitaram seu estudo quelas idias de carter moral que possuem uma base filosfica, ou seja, que, em vez de se darem simplesmente como supostas, so examinadas em seus fundamentos; por outras palavras so filosoficamente justificadas. No importa neste caso, que a justificao de um sistema de idias morais seja extramoral (por exemplo, que se baseie numa metafsica ou numa teologia); o decisivo que haja uma explicao racional das idias ou das normas adotadas. Por este motivo, os historiadores da tica costumam seguir os mesmos procedimentos e adotar as mesmas divises propostas pelos historiadores da filosofia. (MORA, 1996, p.246)

muito interessante esta variedade de morais no tempo. Friedrich NIETZSCHE (1977, p.99), em seu livro Alm do Bem de do Mal, faz uma colocao muito interessante sobre a interminvel sucesso das doutrinas ticas, quando diz que "aquilo que numa poca parece mau, quase sempre um restolho daquilo que na precedente era considerado bom - o atavismo de um ideal j envelhecido". Essa viso reforada por Snchez VSQUEZ (1995, p.235) ao introduzir seu conceito de doutrinas ticas:

As doutrinas ticas fundamentais nascem e se desenvolvem em diferentes pocas e sociedades como respostas aos problemas bsicos apresentados pelas relaes entre os homens e em particular pelo seu comportamento moral efetivo. Por isto, existe uma estreita vinculao entre os conceitos morais e a realidade humana, social, sujeita historicamente mudana. Por conseguinte, as doutrinas ticas no podem ser consideradas isoladamente, mas dentro de um processo de mudana e de sucesso que constitui propriamente a sua histria. tica e histria, por tanto, relacionam-se duplamente: a) Com a vida social e, dentro desta, com as morais concretas que so um dos seus aspectos; b) com a sua histria prpria, j que cada doutrina est em conexo com as anteriores (tomando posio contra elas ou integrando alguns problemas e solues precedentes), ou com as doutrinas posteriores (prolongando-se ou enriquecendo-se nelas).

Em toda moral efetiva se elaboram certos princpios, valores ou normas. Mudando radicalmente a vida social, muda tambm a vida moral. Os princpios, valores ou normas encarnados nela entram em crise e exigem a sua justificao ou a sua substituio por outros. Surgem ento, a necessidade de novas reflexes ou de uma nova teoria moral, pois os conceitos, valores e normas vigentes se tornaram problemticos. Assim se explica a apario e sucesso de doutrinas ticas fundamentais em conexo com a mudana e a sucesso de estruturas sociais, e, dentro delas, da vida moral.

Muitos filsofos se debruaram sobre as questes morais e produziram contribuies muito importantes sobre o tema. Foge ao alcance de nosso trabalho apresentar com profundidade as contribuies que Plato, Aristteles, Espinosa, Kant e outros grandes filsofos deram discusso sobre a moral. Mas, para entendermos nossas posturas frente aos problemas ticos faz-se muito necessrio uma anlise das nossas matrizes culturais, que no ocidente esto estabelecidas nas tradies greco-romanas e judaico-crists. Por essa razo importantssima a anlise de algumas doutrinas ticas que proporcionaro um embasamento terico ao nosso trabalho.

DOUTRINAS FILOSFICAS TICAS (PARTE II) - ALUNOSPara facilitar o estudo das doutrinas ticas, ou teorias acerca da moral, preferimos dividi-las nos seguintes segmentos, correlacionados historicamente: tica grega, tica crist medieval, tica moderna e tica contempornea.

Sendo assim, vamos partir do princpio que a histria da tica teve sua origem, pelo menos sob o ponto de vista formal, na antigidade grega, atravs de Aristteles (384 - 322 a.C.) e suas idias sobre a tica e as virtudes ticas.

Na Grcia porm, mesmo antes de Aristteles, j possvel identificar traos de uma abordagem com base filosfica para os problemas morais e at entre os filsofos conhecidos como pr-socrticos encontramos reflexes de carter tico, quando buscavam entender as razes do comportamento humano.

Scrates (470-399 a.C.) considerou o problema tico individual como o problema filosfico central e a tica como sendo a disciplina em torno da qual deveriam girar todas as reflexes filosficas. Para ele ningum pratica voluntariamente o mal. Somente o ignorante no virtuoso, ou seja, s age mal, quem desconhece o bem, pois todo homem quando fica sabendo o que bem, reconhece-o racionalmente como tal e necessariamente passa a pratic-lo. Ao praticar o bem, o homem sente-se dono de si e conseqentemente feliz.

A virtude seria o conhecimento das causas e dos fins das aes fundadas em valores morais identificados pela inteligncia e que impelem o homem a agir virtuosamente em direo ao bem.

Plato (427-347 a.C.) ao examinar a idia do Bem a luz da sua teoria das idias, subordinou sua tica metafsica. Sua metafsica era a do dualismo entre o mundo sensvel e o mundo das idias permanentes, eternas, perfeitas e imutveis, que constituam a verdadeira realidade e tendo como cume a idia do Bem, divindade, artfice ou demiurgo do mundo.

Para Plato a alma - princpio que anima ou move o homem - se divide em trs partes: razo, vontade (ou nimo) e apetite (ou desejos). As virtudes so funo desta alma, as quais so determinadas pela natureza da alma e pela diviso de suas partes. Na verdade ele estava propondo uma tica das virtudes, que seriam funo da alma.

Pela razo, faculdade superior e caracterstica do homem, a alma se elevaria mediante a contemplao ao mundo das idias. Seu fim ltimo purificar ou libertar-se da matria para contemplar o que realmente e, acima de tudo, a idia do Bem.

Para alcanar a purificao necessrio praticar as vrias virtudes que cada parte da alma possui. Para Plato cada parte da alma possui um ideal ou uma virtude que devem ser desenvolvidos para seu funcionamento perfeito. A razo deve aspirar sabedoria, a vontade deve aspirar coragem e os desejos devem ser controlados para atingir a temperana.

Cada uma das partes da alma, com suas respectivas virtudes, estava relacionada com uma parte do corpo. A razo se manifesta na cabea, a vontade no peito e o desejo baixo-ventre. Somente quando as trs partes do homem puderem agir como um todo que temos o indivduo harmnico.

A harmonia entre essas virtudes constitua uma quarta virtude: a justia.

Plato de certa forma criou uma "pedagogia" para o desenvolvimento das virtudes. Na escola as crianas primeiramente tm de aprender a controlar seus desejos desenvolvendo a temperana, depois incrementar a coragem para, por fim, atingir a sabedoria.

A tica de Plato est relacionada intimamente com sua filosofia poltica, porque para ele, a polis (cidade estado) o terreno prprio para a vida moral. Assim ele buscou um estado ideal, um estado-modelo, utpico, que era constitudo exatamente como o ser humano. Assim, como o corpo possui cabea, peito e baixo-ventre, tambm o estado deveria possuir, respectivamente, governantes, sentinelas e trabalhadores. O bom estado sempre dirigido pela razo.

CORPOALMAVIRTUDEESTADO

CabeaRazoSabedoriaGovernantes

PeitoVontadeCoragemSentinelas

Baixo-ventreDesejoTemperanaTrabalhadores

curioso notar que, no Estado de Plato, os trabalhadores ocupam o lugar mais baixo em sua hierarquia. Talvez isto tenha ligao com a viso depreciativa que os gregos antigos tinham sobre esta atividade.

A tica platnica exerceu grande influncia no pensamento religioso e moral do ocidente, como teremos oportunidade de ver mais adiante.

Aristteles (384-322 a.C.), no s organizou a tica como disciplina filosfica mas, alm disso, formulou a maior parte dos problemas que mais tarde iriam se ocupar os filsofos morais: relao entre as normas e os bens, entre a tica individual e a social, relaes entre a vida terica e prtica, classificao das virtudes, etc. Sua concepo tica privilegia as virtudes (justia, caridade e generosidade), tidas como propensas tanto a provocar um sentimento de realizao pessoal quele que age quanto simultaneamente beneficiar a sociedade em que vive. A tica aristotlica busca valorizar a harmonia entre a moralidade e a natureza humana, concebendo a humanidade como parte da ordem natural do mundo, sendo portanto uma tica conhecida como naturalista.

Segundo Aristteles, toda a atividade humana, em qualquer campo, tende a um fim que , por sua vez um bem: o Bem Supremo ou Sumo Bem, que seria resultado do exerccio perfeito da razo, funo prpria do homem. Assim sendo, o homem virtuoso aquele capaz de deliberar e escolher o que mais adequado para si e para os outros, movido por uma sabedoria prtica em busca do equilbrio entre o excesso e a deficincia:

A excelncia moral, ento, uma disposio da alma relacionada com a escolha de aes e emoes, disposio esta consistente num meio termo (o meio termo relativo a ns) determinado pela razo (a razo graas qual um homem dotado de discernimento o determinaria). Trata-se de um estado intermedirio, porque nas vrias formas de deficincia moral h falta ou excesso do que conveniente tanto nas emoes quanto nas aes, enquanto a excelncia moral encontra e prefere o meio termo. Logo, a respeito do que ela , ou seja, a definio que expressa a sua essncia, a excelncia moral um meio termo, mas com referncia ao que melhor e conforme ao bem ela um extremo. (ARISTTELES, 1992, p.42)

E procede exemplificado:

Em relao ao meio termo, em alguns casos a falta e em outros o excesso que est mais afastado; por exemplo, no temeridade, que o excesso, mas a covardia, que a falta, que mais oposta coragem, e no a insensibilidade, que uma falta, mas a concupiscncia, que um excesso, que mais oposta moderao. Isto ocorre por duas razes; uma delas tem origem na prpria coisa, pois por estar um extremo mais prximo ao meio termo e ser mais parecido com ele opomos ao intermedirio no o extremo, mas seu contrrio. Por exemplo, como se considera a temeridade mais parecida com a coragem, e a covardia mais diferente, opomos esta ltima coragem, pois as coisas mais afastadas do meio termo so tidas como mais contrrias a ele; a outra razo tem origem em ns mesmos, pois as coisas para as quais nos inclinamos mais naturalmente parecem mais contrrias ao meio termo. Por exemplo, tendemos mais naturalmente para os prazeres, e por isso somos levados mais facilmente para a concupiscncia do que para a moderao. Chamamos portanto contrrias ao meio termo as coisas para as quais nos sentimos mais inclinados; logo, a concupiscncia, que um excesso mais contrria moderao. (ibid, p.46)

Da ser difcil, segundo Aristteles, ser bom na medida em que o meio termo no facilmente encontrado: "Por isso a bondade tanto rara quanto nobre e louvvel".

A tica de Aristteles - assim como a de Plato - est unida sua filosofia poltica, j que para ele a comunidade social e poltica o meio necessrio para o exerccio da moral. Somente nela pode realizar-se o ideal da vida terica na qual se baseia a felicidade. O homem moral s pode viver na cidade e portanto um animal poltico, ou seja social. Apenas deuses e animais selvagens no tem necessidade da comunidade poltica para viver. O homem deve necessariamente viver em sociedade e no pode levar uma vida moral como indivduo isolado e sim no seio de uma comunidade.

O estoicismo e o epicurismo surgem no processo de decadncia e de runa do antigo mundo greco-romano.

Para Epicuro (341-270 a.C) o prazer um bem e como tal o objetivo de uma vida feliz. Estava lanada ento a idia de hedonismo que uma concepo tica que assume o prazer como princpio e fundamento da vida moral. Mas, existem muitos prazeres, e nem todos so igualmente bons. preciso escolher entre eles os mais duradouros e estveis, para isso necessrio a posse de uma virtude sem a qual impossvel a escolha. Essa virtude a prudncia, atravs da qual podemos selecionar aqueles prazeres que no nos trazem a dor ou perturbaes. Os melhores prazeres no so os corporais - fugazes e imediatos - mas os espirituais, porque contribuem para a paz da alma.

Para os esticos (por exemplo, Zeno, Sneca e Marco Aurlio) o homem feliz quando aceita seu destino com imperturbabilidade e resignao. O universo um todo ordenado e harmonioso onde os sucessos resultam do cumprimento da lei natural racional e perfeita. O bem supremo viver de acordo com a natureza, aceitar a ordem universal compreendida pela razo, sem se deixar levar por paixes, afetos interiores ou pelas coisas exteriores. O homem virtuoso aquele que enfrenta seus desejos com moderao aceitando seu destino. O estico um cidado do cosmo no mais da plis.

O Cristianismo se eleva sobre o que restou do mundo greco-romano e no sculo IV torna-se a religio oficial de Roma. Com o fim do "mundo antigo" o regime de servido substitui o da escravido e sobre estas bases se constri a sociedade feudal, extremamente estratificada e hierarquizada. Nessa sociedade fragmentada econmica e politicamente, verdadeiro mosaico de feudos, a religio garantia uma certa unidade social.

Por este motivo a poltica fica dependente dela e a Igreja Catlica passa a exercer, alm de poder espiritual, o poder temporal e a monopolizar tambm a vida intelectual.

Evidentemente a tica fica sujeita a este contedo religioso.

Os filsofos cristos tiveram uma dupla atitude diante da tica. Absorveram o tico no religioso, edificando um tipo de tica que hoje chamamos de tenoma, que fundamenta em Deus os princpios da moral. Deus, criador do mundo e do homem, concebido como um ser pessoal, bom, onisciente e todo poderoso. O homem, como criatura de Deus, tem seu fim ltimo Nele, que o seu bem mais alto e valor supremo. Deus exige a sua obedincia e a sujeio a seus mandamentos, que neste mundo tm o carter de imperativos supremos.

Num outro sentido tambm aproveitaram muitas das idias da tica grega - principalmente platnicas e esticas - de tal modo que partes dessa tica, como a doutrina das virtudes e sua classificao inseriram-se quase na sua totalidade na tica crist.

Evidentemente, enquanto certas normas ticas eram assimiladas, outras, por sua incompatibilidade com os ensinamentos cristos eram rejeitados. A justificativa do suicdio, por exemplo, foi amplamente rejeitada pelos filsofos cristos.

A tica crist uma tica subordinada religio num contexto em que a filosofia "serva" da teologia. Temos ento um tica limitada por parmetros religiosos e dogmticos.

uma tica que tende a regular o comportamento dos homens com vistas a um outro mundo (o reino de Deus), colocando o seu fim ou valor supremo fora do homem, na divindade.

curioso notar que ao pretender elevar o homem de uma ordem natural para outra transcendental e sobrenatural, onde possa viver um vida plena e feliz, livre das desigualdades e injustias do mundo terreno, ela introduz uma idia verdadeiramente inovadora, ou seja, todos seriam iguais diante de Deus e so chamados a alcanar a perfeio e a justia num mundo sobrenatural, o reino dos Cus.

Em sua gnese essa tica tambm absorve muito do que Plato e Aristteles desenvolveram. Pode-se at dizer que seus dois maiores filsofos, Santo Agostinho (354-430) e So Toms de Aquino (1226-1274) refletem, respectivamente, idias de Plato e Aristteles.

A purificao da alma, em Plato, e sua ascenso libertadora at elevar-se ao mundo das idias tem correspondncia na elevao asctica at Deus exposta por Santo Agostinho.

A tica de Toms de Aquino tem muitos pontos de coincidncia com Aristteles e como aquela busca atravs de contemplao e de conhecimento alcanar o fim ltimo, que para ele era Deus.

A histria da tica complica-se a partir do Renascimento Europeu e podemos chamar de tica moderna s diversas tendncias que prevaleceram desde o sculo XVI at o incio do sculo XIX.

No fcil sistematizar as diversas doutrinas ticas que surgiram neste perodo, tamanha sua diversidade, mas podemos encontrar, talvez como reao tica crist descntrica e teolgica uma tendncia antropocntrica.

Evidentemente essa mudana de ponto de vista no aconteceu ao acaso. Fez-se necessrio um entendimento sobre as mudanas que o mundo sofreu, nas esferas econmica, poltica e cientfica para entendermos todo o processo.

A forma de organizao social que sucedeu feudal, traz em sua estrutura mudanas em todas as ordens.

A economia, por exemplo, viu crescer de forma muito intensa o relacionamento de suas foras produtivas com o desenvolvimento cientfico que comeara a fundamentar a cincia moderna - so dessa poca os trabalhos de Galileu e Newton - e desse relacionamento se desenvolvem as relaes capitalistas de produo.

Essa nova forma de produo fortalece uma nova classe social -