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Revista VITAS Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade www.uff.br/revistavitas Nº 1, setembro de 2011 ETNOCENTRISMO E TERRITORIALIDADE José Augusto Conceição 1 [email protected] Celia Regina do Nascimento de Paula 2 [email protected] RESUMO: O artigo historia os conceitos que abordam o problema do racismo. Sem, contudo, termos a pretensão de produzir alguma sorte de história da ciência, das mentalidades ou das idéias. Nosso objetivo específico é o de confrontar o conceito de racismo ambiental com outros que lhe são precedentes e avaliar a pertinência de sua aplicação na análise dos problemas socio-ambientais brasileiros. Palavras-chave: etnia; racismo; racismo ambiental, territorialidade; etnocentrismo ABSTRACT Here we seek to historicize the concepts which address the problem of racism. Without yet having the intention of producing some sort of history of science, mentalities or ideas. Our specific goal is to confront the concept of environmental racism with others that have preceded it and assess the appropriateness of its application in analysis of socio-environmental problems in Brazil. Keywords: ethnicities, racism, environmental racism, territory, ethnocentrism INTRODUÇÃO Embora não lhes tenhamos dado centralidade alguma no modo como construímos o texto, os objetos em discussão são a expressão e o conceito de racismo ambiental. E o problema que buscamos enfrentar é o dos limites da conveniência desta expressão e da aplicação deste conceito na análise dos problemas sócio- ambientais em contexto de melting pot, como o brasileiro. Em lugar de formularmos uma hipótese, partimos de um pressuposto: se está tratando de territorialidade apelando-se para o relevo emocional portado pelo termo racismo, ao mesmo tempo em que se confunde o fenômeno do racismo com uma dimensão maior, pela qual ele próprio é abrangido, a saber: o 1 Doutor em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde defendeu tese sobre a importância das categorias raça e consumo na demarcação das fronteiras étnicas na cidade do Rio de Janeiro. 2 Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense, onde desenvolve pesquisa sobre as representações sociais do judiciário, de seus agentes e de seus usuários.

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Nº 1, setembro de 2011

ETNOCENTRISMO E TERRITORIALIDADE

José Augusto Conceição1

[email protected]

Celia Regina do Nascimento de Paula2

[email protected]

RESUMO:

O artigo historia os conceitos que abordam o problema do racismo. Sem, contudo, termos a pretensão de

produzir alguma sorte de história da ciência, das mentalidades ou das idéias. Nosso objetivo específico é o

de confrontar o conceito de racismo ambiental com outros que lhe são precedentes e avaliar a pertinência de

sua aplicação na análise dos problemas socio-ambientais brasileiros.

Palavras-chave: etnia; racismo; racismo ambiental, territorialidade; etnocentrismo

ABSTRACT

Here we seek to historicize the concepts which address the problem of racism. Without yet having the

intention of producing some sort of history of science, mentalities or ideas. Our specific goal is to confront

the concept of environmental racism with others that have preceded it and assess the appropriateness of its

application in analysis of socio-environmental problems in Brazil.

Keywords: ethnicities, racism, environmental racism, territory, ethnocentrism

INTRODUÇÃO

Embora não lhes tenhamos dado centralidade alguma no modo como construímos o texto, os objetos

em discussão são a expressão e o conceito de racismo ambiental. E o problema que buscamos enfrentar é o

dos limites da conveniência desta expressão e da aplicação deste conceito na análise dos problemas sócio-

ambientais em contexto de melting pot, como o brasileiro.

Em lugar de formularmos uma hipótese, partimos de um pressuposto: se está tratando de

territorialidade apelando-se para o relevo emocional portado pelo termo racismo, ao mesmo tempo em que se

confunde o fenômeno do racismo com uma dimensão maior, pela qual ele próprio é abrangido, a saber: o

1 Doutor em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde defendeu tese sobre a importância das

categorias raça e consumo na demarcação das fronteiras étnicas na cidade do Rio de Janeiro. 2 Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense, onde desenvolve pesquisa sobre as representações sociais

do judiciário, de seus agentes e de seus usuários.

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etnocentrismo.

Neste diapasão, são três os objetivos deste artigo. Um de caráter geral: historiar os conceitos que

abordam o problema do racismo; e outros dois de ordem específica: confrontar o conceito de racismo

ambiental com outros que lhe são precedentes e avaliar a pertinência de sua aplicação na analise dos

problemas socio-ambientais brasileiros. Para tanto, organizamos o argumento em 10 tópicos: Raça,

Racismo, Imperialismo, Racismo no Brasil, Etnia, Grupos Étnicos, Tribos urbanas, Etnocentrismo,

Territorialidade e Racismo Ambiental.

Frisemos que, de modo algum nos arvoramos no ofício do historiador; para o que não somos

competentes. E, por isso mesmo, não nos comprometemos em produzir história das idéias, da ciência ou das

mentalidades. Embora admitamos que a abordagem que empreendemos guarda maior proximidade com esta

última, à medida que foi nossa preocupação evidenciar, o quanto possível, a relação entre condições

objetivas de vida e os modos de pensamento.

Em lugar de produzirmos uma análise crítica da expressão racismo científico e do conceito dela

derivado, nossa opção foi, pois, a de apresentar todo o conjunto de dados qualitativos que embasam esta

nossa crítica. Favorecendo, destarte, a avaliação do leitor quanto à propriedade de nossos próprios

argumentos.

RAÇA

O termo raça tem origem em ratio, palavra latina que expressa modalidade, maneira ou jeito próprio

de ser. Segundo o léxico de Francisco da Silveira Bueno, neste sentido, o termo fora encontrado, já na

antiguidade, nos textos de Cícero e utilizado por toda a filosofia medieval. Bueno afirma que o termo teria

aparecido no provençal sob o signo rassa e, a partir de então, se propagado para as línguas da península

ibérica.

Com vistas a classificar seu objeto de estudo, o botânico e médico, Carl Von Linné (Lineu)

desenvolveu um sistema taxionômico, organizado em reinos (animal e vegetal) os quais se subdividiriam em

filo, sub-filo, classe, sub-classe, ordem, família, gênero, espécie, subespécie, raça, variedade e cepa. Por

meio deste sistema, Lineu classificou o homem como integrante do reino animal, sub-reino dos metazoários,

filo dos cordados, subfilo dos vertebrados, classe dos mamíferos, ordem dos primatas, subordem

anthropoidea, superfamília hominoidea, gênero homo, espécie sapiens.

O zoólogo Johann Friederich Blumenbach desenvolveu outra sistemática, em oposição ao trabalho

de Lineu e utilizou o termo raça para designar grupamentos humanos diferenciados entre si, em razão da

herança biológica. Mas, de acordo com Lilia Ferreira Lobo (1997: 259), teria sido George Cuvier, no limiar

do século XIX, quem introduziu a noção de raça articulada à hereditariedade de traços físicos comuns,

permanentes e bem diversos entre os grupos humanos.

Nos Oitocentos, por hereditariedade se podia entende um conjunto vago de ideias, na forma das

mais diversas teorias, sobre o processo de transmissão de características entre as gerações (Del Cont, 2008:

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201). Havia teorias que defendiam a ideia de que a herança biológica era transmitida através do sangue,

correspondendo, precisamente, à metade dos caracteres de cada genitor, em virtude do que a terceira geração

contaria com apenas um quarto dos caracteres da primeira e, consequentemente, ao cabo de muitas gerações,

as populações tenderiam a uma homogeneização ou uniformidade, convergindo para uma média ideal das

populações originalmente diversificadas. Outras se pautavam na hipótese de que as características

individualizantes eram decorrentes da mistura de elementos, que tanto podiam ser forças vitais ou espirituais

que ambos os pais forneciam aos filhos quanto “consequência de treino, educação e experiências que os

indivíduos adquiriam durante sua trajetória de vida”. Todas estas teses, no entanto, atestam o fato de que –

até Hugo Vries, Karl Erich Correns e Erich Tschermak resgatarem, em 1900, os trabalhos desenvolvidos por

Grergor Johann Mendel3 – a noção de hereditariedade permaneceu algo tributária ao estatuto do sangue.

Experimentos especulativos que se fizeram ao longo do XIX opuseram duas correntes de explicação

quanto ao surgimento da humanidade, os monogenistas e os poligenistas; defensores, respectivamente, da

unicidade ou pluralidade da origem da espécie. Em um artigo no qual discute O uso da variável "raça" na

pesquisa em saúde, Josué Laguardia (2004: 202) explica que:

O monogenismo nivelava todos os povos à unidade da Santa Escritura, a partir da criação de Adão e

Eva, e afirmava que as “raças” humanas eram um produto da degeneração da perfeição do Éden, sendo que, dado sobretudo o clima, os brancos tinham declinado menos que os negros. O poligenismo alegava que a Sagrada Escritura era alegórica e que as “raças” humanas eram espécies biológicas separadas, descendentes de diferentes “adãos”. Os negros, como uma outra forma de vida, não deveriam, portanto, participar da igualdade do homem branco civilizado. Entretanto, a interfertilidade de todas as “raças” humanas parecia garantir sua unicidade, como uma espécie, definida enquanto uma população de indivíduos capazes de procriar. Cientistas sustentavam que a poligenia não era um ataque à doutrina da unidade do homem, pois embora as “raças” fossem

espécies criadas separadamente, os homens estariam unidos por uma estrutura e compaixão comuns. Nem mesmo o advento da teoria da ancestralidade foi vista como uma ameaça às teses poligenistas, pois a teoria de Darwin não apagava as evidências acerca da diversidade humana, nem explicava essas diferenças ou os efeitos da mistura racial.

Mas se a publicação, em 1859, de A origem das espécies não poria fim aos debates; ao menos

mudaria seu rumo. Os poligenistas passariam a argumentar que as raças, apesar da origem única, haviam se

separado em épocas remotas e que, por seleção natural das contingências do meio, umas evoluíram, outras

não (Lobo, 1997: 261). Ao passo que os monogenistas iriam sustentar a ideia de que, tendo a humanidade

uma origem única – como Darwin demonstrara –, as marcas biológicas seriam semelhantes para todos; e as

desigualdades perceptíveis se explicariam por diferenças dos graus de evolução sócio-culturais.

RACISMO

Antes e depois de Darwin, porém, naturalistas (quase todos poligenistas) e filósofos ensejaram várias

escolas de pensamento. A fisiognomia – que, embora muito antiga, teve em Johann Kaspar Lavater seu

expoente moderno – asseverava poder revelar o caráter dos indivíduos a partir do estudo de seus traços

3 Estes trabalhos foram publicados 1865 pela Sociedade de Naturalistas de Brüinn.

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externos; a frenologia, principiada pelos trabalhos de Franz Joseph Gall, postulava julgar as qualidades

intelectuais e morais de um homem por meio da análise de seu crânio; o lombrosianismo – teoria

criminológica desenvolvida a partir da Antropologia de Cesare Lombroso – se pautava na ideia de que a

prática criminosa era decorrência da predisposição hereditária; o gobinismo, doutrina formulada pelo conde

Joseph Arthur de Gobineau, denunciava a miscigenação entre tipos humanos como fator de sua

degenerescência física e intelectual; o determinismo geográfico, de Friedrich Ratzel, sustentava a tese do

meio natural como entidade definidora da fisiologia e psicologia humana; o darwinismo social, de Herbert

Spencer, assumia a desigualdade entre os homens como algo natural e afirmava que sua evolução se daria

por meio de processos espontâneos de seleção dos mais aptos; e o eugenismo, de Francis Galton,

desacreditando da espontaneidade da seleção natural, propunha a intervenção científica na produção dos

bons indivíduos.

Porque todas estas escolas de pensamento – que buscavam explicar o comportamento humano por

meio de causas naturais (e não culturais) – tinham em comum a raça como categoria analítica, a partir da

década de 1930, passaram a ser referidas, de modo crítico e até pejorativo, como teorias do racismo

científico. Mas, longe do que se pensa, não foram elas que ensejaram o fenômeno do racismo. Muito ao

contrário – como bem acentua Hannah Arendt (2004: 189) – neste particular a ciência desempenhou um

papel secundário. Aliás, antes até (2004: 188) Arendt dirá que:

A verdade histórica de tudo isso é que a ideologia racista, com raízes profundas no século XVIII, emergiu simultaneamente em todos os países ocidentais durante o século XIX. Desde o início do século XX, o racismo reforçou a ideologia da política imperialista. O racismo absorveu e reviveu todos os antigos pensamentos racistas, que, no entanto, por si mesmos, dificilmente teriam sido capazes de transformar o racismo em ideologia. Em meados do século XIX, as opiniões racistas eram ainda julgadas pelo critério da razão política: Tocqueville escreveu a Gobineau a respeito das doutrinas deste último que “elas são provavelmente erradas e certamente perniciosas”. Mas já no fim

daquele século concederam-se ao pensamento racista dignidade e importância, como se ele fosse uma das maiores contribuições espirituais do mundo ocidental.

Portanto, para entendermos as origens da ideologia racial, se faz necessário irmos mais longe e mais

fundo. É preciso ir àquilo que Norbert Elias, em um estudo centrado na história francesa, designou como A

sociedade de Corte. Formação social de molde aristocrático que se consolida na França de Luís XIV e se

replica, mutatis mutandi, por quase toda Europa e domínios europeus ultramarinos. Ela sucede, a partir do

século XVI, aquela formação social própria à sociedade feudal e antecede aquela outra que, típica da

sociedade burguesa, vigerá nos séculos XIX e XX.

A sociedade de corte é, portanto, algo característico da idade moderna. E decorre de um processo

que se inicia com o “afluxo de metais preciosos provenientes das terras ultramarinas e o correspondente

aumento na circulação de bens que se efetuou em virtude disso”, (Elias, 2001: 164), desdobra-se na alta geral

dos preços, na proporcional desvalorização da moeda e na equivalente queda da arrecadação tributária; e

resulta na ruína, não da camada média – integrada por agricultores, industriais ou comerciantes que, nesta

condição, sempre podiam reajustar seus preços – mas das camadas nas extremidades da pirâmide social,

representadas pela nobreza, em um polo e pelos trabalhadores, em outro.

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Assim, modo geral, o quadro se definia em termos de uma gradativa depauperação da nobreza e do

enriquecimento das “corporações burguesas” que se iam tornando numerosas e “conscientes de seu valor”.

Nestas condições – consoante a lógica da filósofa Marilena Chauí (2001: 90) segundo a qual “a classe que

explora economicamente só poderá manter seus privilégios se dominar politicamente” – a burguesia,

“embora sem força o bastante para reivindicar a dominação para si mesma, passa a opor uma feroz

resistência às reivindicações de dominação e poder da nobreza”; que, ainda “forte o bastante para desafiar a

camada burguesa ascendente e afirmar-se em relação a ela”, já se havia tornado “fraca demais, sobretudo do

ponto de vista econômico, para conseguir sua dominação sobre a burguesia” (Elias, 2001: 178).

O rei de França, por exemplo, que em função de sua especial posição sócio-política pôde preservar

sua base econômica quase que à margem daqueles acontecimentos e ampliar as condições de seu poder,

assume, a partir de então, um protagonismo social sem precedentes, exercendo o papel de árbitro desta luta

travada ao longo dos séculos XVI e XVII.

Mas, aqui, vale uma pequena digressão. A formação social desenvolvida ao longo da Idade Média

reservou à figura real o papel de líder político e militar. No entanto, a hierarquia nobiliárquica espelhava a

hierarquia marcial, e o exército real era, então, constituído da reunião de tropas formadas cada qual por um

grupo de homens fiéis a um “Grande” nobre e sob o comando deste. Estes homens eram, em regra, também

nobres (cavaleiros) de classes diversas, relacionados entre si por força de direitos de suserania e deveres de

vassalagem; e excepcionalmente (quando necessário reforços) camponeses aos seus serviços. O peso da

nobreza medieval era proporcional à dependência que dela tinha o monarca com relação a todos os seus

empreendimentos bélicos e governativos. Porque sem corpos administrativo e militar próprios, o rei

apoiava-se sempre em frágeis alianças de interesses e quedava-se invariavelmente sob o risco de ver seu

poder usurpado pela casa de um dos Grandes ou partilhado entre elas.

Esta situação só irá mudar quando, em virtude das transformações da ordem econômica, ocorridas

notadamente a partir do século XVI, o rei se torna menos dependente de recursos fundiários e mais lastreado

por verbas tributárias. Neste novo ambiente pôde o rei reduzir significativamente a expressão da nobreza

cavalheiresca, formando tropas com homens recrutados nas camadas inferiores (aos quais, em lugar de doar

feudos, pagava em moeda, na forma de soldo) e equipando seus exércitos com armas de fogo. Demais disso,

conforme dissemos linhas acima, as mesmas circunstâncias econômicas já haviam, em boa medida,

empobrecido a nobreza, como um todo; tornando-a dependente do dinheiro que o rei (em razão do juízo que

fazia quanto à conduta ou a própria pessoa do pretenso beneficiário) distribuía, sob a forma de salários,

pensões ou donativos. Por isso, de acordo com Elias (2001: 200):

A corte cresceu imensamente com o afluxo de nobres desarraigados, sendo, como na época de

Henrique IV, uma espécie de caldeirão onde se encontravam e se misturavam por casamentos os burgueses em ascensão – sobretudo pela compra de cargos oficiais –, nobres recentes, saídos especialmente da noblesse de robe, e membros da antiga nobreza.

Vê-se, portanto, que na sociedade de corte “o dever tradicional que o rei tinha de sustentar os nobres,

assim como o dever dos nobres de servir ao rei – nada disso desapareceu” (Elias, 2001: 170). Nela, a

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nobreza, mesmo sem função militar, ainda serviria ao rei como contrapeso às pressões exercidas pelas

camadas burguesas. Embora, ele próprio, para conter as pressões da nobreza, fortalecesse a burguesia,

franqueando a seus membros posições importantes na administração dos negócios do reino.

Elias (2001: 188) explica este quadro de modo mais detalhado:

Objetivamente, ele [o rei] precisava da nobreza como contrapeso às outras camadas de seu reino. A aniquilação da nobreza, a supressão da distância que a separava da burguesia, o aburguesamento da nobreza, essas coisas teriam provocado um grande deslocamento do equilíbrio dessa figuração, um significativo aumento do poder das camadas burguesas e uma dependência dos reis em relação a elas. Tanto que os soberanos, mesmo sem compreender com clareza o sentido desse equilíbrio para sua

própria posição social em seu reino, zelavam ciosamente pela preservação das distinções entre os estados, mantendo assim a condição da nobreza como uma camada própria, bem diferenciada. Contudo, se os reis precisavam da nobreza e por isso a sustentavam, também tinham de preservá-la de maneira que o perigo que ela representava para a realeza fosse suprimido amplamente. Um desenvolvimento lento e muito gradual preparou a solução definitiva desse problema. Primeiro, com o auxílio de um funcionalismo constituído de burgueses, o rei afastou a nobreza de quase todos os cargos elevados do judiciário e da administração. Desse modo surgiu a poderosa camada da noblesse de robe, que se equiparava à nobreza em poder, e às vezes até em prestígio social. Mantendo tal

procedimento e reativando-o sempre, a preocupação do rei era ocupar todas as posições de poder do seu governo com pessoas sem relações, que dependessem exclusivamente dele. Assim, no século XVI a maior parte da nobreza foi lançada de volta à suas funções de cavaleiros e proprietários de terra. Com o lento progresso da economia monetária e as mudanças daí advindas, sobretudo em termos do valor do dinheiro e da reforma do exército, essa base estava extremamente abalada. Foi tal abalo, principalmente, que obrigou boa parte da nobreza a se dirigir para a corte, vinculando-a ao rei sob uma nova forma.

Em um contexto no qual, até então, as hierarquias sociais eram definidas em razão do pertencimento

a um estamento e, no caso da nobreza, também a uma casa específica (quer dizer, eram definidas em virtude

do nascimento) era lícito se acreditar que a superioridade social decorresse de uma superioridade hereditária,

na exata acepção oitocentista de hereditariedade a que nos referimos acima. Era, porém, igualmente lícito, a

uma burguesia empoderada, afirmar que nenhuma diferença natural havia entre os homens e que toda

distinção repousava na riqueza e no prestígio que o indivíduo e seu grupo possuíssem. Por isso, Arendt

(2004: 189) dirá que “somente duas ideologias sobressaíram-se e praticamente derrotaram todas as outras: a

ideologia que interpreta a história como uma luta econômica de classes, e a que interpreta a história como

uma luta natural entre raças”.

Para Arendt ideologias são “sistemas baseados numa única opinião suficientemente forte para atrair e

persuadir um grupo de pessoas e bastante ampla para orientá-las nas experiências e situações da vida

moderna”; mas cuja força persuasiva não é possível sem que o seu apelo corresponda às nossas experiências

ou desejos. De sorte que, ao sustentar (Ibidem) que o papel da ciência, em cenários como este, “resulta da

necessidade de proporcionar argumentos aparentemente coesos, e assume características reais, porque seu

poder persuasório fascina também a cientista, desinteressados pela pesquisa propriamente dita e atraídos pela

possibilidade de pregar à multidão as novas interpretações da vida e do mundo”; ela está a dizer (1) que o

argumento científico se faz, aí, necessário para conferir verossimilhança ao discurso político e (2) que os

homens de ciência se permitem prestar este papel sempre que, enredados por uma ideologia, renunciam à

função de críticos, em favor da atividade de militantes.

Porém, quando a politóloga, tratando da ideologia racial, sentencia que “toda ideologia que se preza

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é criada, mantida e aperfeiçoada como arma política e não como doutrina teórica” ela não se refere apenas à

política interna, ou seja, ao confronto entre nobreza e burguesia; mas também à política externa, isto é, ao

fenômeno do imperialismo.

IMPERIALISMO

O advento do imperialismo marca o esgotamento do modelo de sociedade de corte e sua substituição

por aquele de sociedade burguesa. Definido como política de expansão da área territorial de influência ou de

poder direto, de exploração econômica dos povos subjugados e, por vezes, de dominação cultural dos

mesmos, o fenômeno do imperialismo, tem sido estudado por pensadores das mais diversas linhas de análise

as quais, de acordo com Sergio Pistone (1995: 611), vão desde a teoria do subconsumo até a teoria da razão

do Estado, passando pelas: teoria leninista do imperialismo, teoria do capitalismo monopólico, teoria social-

democrata e teoria liberal.

Pistone acredita que o termo imperialismo tenha surgido na Inglaterra da década de 1870 quando a

política de Disraelli buscou “robustecer a unidade dos Estados autônomos, ou seja, criar a imperial

federation”. No entanto, admite que, para além do caso inglês, nesta década – sobretudo após a conclusão do

processo de unificação italiana e alemã – teve início uma fase de intensificação quantitativa e qualitativa de

episódios caracterizados como próprios do imperialismo.

Para o historiador, o fator decisivo sobre o qual se chama a atenção para explicar o imperialismo

neste período, entre 1870 e 1945, é a crise do Estado nacional. Assim entendida a contradição que se vinha

manifestando desde o final do século XIX entre as possibilidades econômicas oferecidas pelos Estados

nacionais nos limites de seus próprios territórios e as exigências do desenvolvimento produtivo que, em

consequência do início da produção de massa instavam não apenas por mercados consumidores, como

também por fornecedores de matéria-prima e mão-de-obra.

Embora longo, o trecho, vale a pena transcrever a explicação de Arendt (2004: 215) sobre a relação

entre racismo e imperialismo:

Dois novos mecanismos de organização política e de domínio dos povos estrangeiros foram descobertos durante as primeiras décadas do imperialismo. Um foi a raça como princípio da estrutura política; o outro, a burocracia como princípio do domínio no exterior. Sem a raça para substituir a

nação, a corrida para a África e a febre dos investimentos poderiam ter-se reduzido – para usar a expressão de Joseph Conrad – à desnorteada “dança da morte e do comércio” das corridas do ouro. Sem a burocracia para substituir o governo, a possessão britânica da índia poderia ter sido abandonada à temeridade dos “infratores da lei na Índia” (Burke), sem que isso alterasse o clima político de toda uma época. Ambas as descobertas foram realizadas no Continente Negro. A raça foi uma tentativa de explicar a existência de seres humanos que ficavam à margem da compreensão dos europeus, e cujas formas e feições de tal forma assustavam e humilhavam os homens brancos, imigrantes ou conquistadores, que eles não desejavam mais pertencer à mesma comum espécie humana. Na idéia da raça encontrou-se a

resposta dos bôeres à “monstruosidade” esmagadora descoberta na África – todo um continente povoado e abarrotado de selvagens – e a justificação da loucura que os iluminou como “o clarão de um relâmpago num céu sereno” no brado: “Exterminemos todos esses brutos!” Dessa ideia resultaram os mais terríveis massacres da história: o extermínio das tribos hotentotes pelos bôeres, as selvagens matanças de Carl Peters no Sudeste Africano Alemão, a dizimação da pacata população do Congo reduzida de uns 20 milhões para 8 milhões; e, o que é pior, a adoção desses métodos de

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“pacificação” pela política externa européia comum e respeitável.

De modo sintético e tomando por referência a figura dos Estados nacionais, se pode dizer que, no

plano das relações domésticas, a raça foi o princípio estruturante das hierarquias sociais nas sociedades

burguesas, à semelhança do que foi a casa para as sociedades aristocráticas (notadamente as sociedades de

corte) e do que veio a ser o consumo para as sociedades de massas. No plano das relações exteriores a raça,

confundida com o fenótipo e, praticamente, reduzida a cor da pele, foi o princípio criador de uma hierarquia

entre os povos que, lastreada no argumento messiânico encerrado na ideia do “fardo do homem branco”4,

justificava a dominação européia sobre a África, tanto quanto (como se viu mais tarde) a invasão dos

territórios de Estados vizinhos e a dominação de suas populações pelos países do Eixo.

Resta evidente que o racismo nada tem de ver com o escravismo, senão o fato de, nas Américas, se

haver prestado a reorganizar as hierarquias sociais em vista do fim do regime do trabalho escravo;

substituído, então, pelo do trabalho livre. Este dado, porém, não se tem mostrado claro a boa parte das

gentes, notadamente aquelas que se encontram no Novo Mundo, sem exceção de seus intelectuais. Por isso,

a par desta confusão, Claude Meillassoux cuida de explicitar o fato de a escravidão ser um fenômeno de

origem mais distante que o continente africano e mais remota que a diáspora de seus nativos. É neste sentido

que sustenta (1995: 17) que:

A causa indireta desse modo de exploração e dos confrontos entre povos que ele gera se explica provavelmente por um processo histórico que se estende durante séculos. A escravidão é um período da história universal que afetou todos os continentes, simultaneamente às vezes, ou sucessivamente. Sua “gênese” é a soma de tudo o que adveio durante um tempo indeterminado, em vários lugares. O tráfico africano de escravos para o Maghreb, e depois para a Europa, que está na origem da escravidão na África Negra, apenas substitui tráficos que subsistiram durante séculos na Ásia, no continente europeu e em torno do Mediterrâneo. Os eslavos forneceram seu contingente de “slaves” –

os esclavões – de escravos; nosso antepassados, os gauleses, vendiam regularmente os seus cativos da Inglaterra ao romanos, os vikings os capturavam e vendiam durantes suas cabotagens. Piratas muçulmanos e cristãos se capturavam mutuamente... A escravidão já estava iniciada há muito, e seria preciso, para explicá-la na África, explicar o seu aparecimento no continente euro-asiático. Entretanto, é paradoxalmente na África, último dos continentes que abasteceu o tráfico, que se procura ainda uma explicação original para a escravidão, a partir do desenvolvimento endógeno de sociedades ainda suspeitas de primitivismo e de isolamento, e, consequentemente, laboratório de fantasmas atrasados.

Daí a preocupação que Meillassoux nutre, em Antropologia da escravidão, de esclarecer as diversas

sortes de relações sociais escravistas e os muitos sentidos que os povos conferem a palavra escravo. Segue

mais ou menos no mesmo sentido Hebe Maria Mattos; para quem “a força da associação que atualmente se

faz entre a diáspora africana e a escravidão americana é de tal monta que obscureceu quase que totalmente o

caráter não racial da origem da instituição”, (2000: 16). A historiadora dedica uma obra à elucidação do fato

do conceito de raça, bem assim, da racialização da justificativa da escravidão americana, serem construções

sociais do século XIX, especificamente; cujo papel, neste continente, fora conter, em sociedades – que,

4 The white man burden – O Fardo do Homem Branco – é o título do poema de Rudyard Kipling que, publicado em 1899, incitava

europeus e norte-americanos à conquista imperialista do mundo. Nele, Kipling sustentava ser o domínio do planeta uma missão que todos os homens brancos deviam assumir, como um fardo, uma obrigação dos civilizados do mundo para com a parte a que o autor considerava selvagem ou bárbara.

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então, não reuniam condições políticas efetivas para tanto – a voga da universalização de direitos do cidadão,

decorrente dos liberalismos político e econômico que forçavam a abolição daquele regime de trabalho.

Mattos (2000: 14) observa, no entanto, que “afirmar que a legitimação da escravidão moderna não se

fez em bases raciais não implica considerar que estigmas e distinções apoiados na ascendência deixassem de

estar presentes nas sociedades do Antigo Regime, em especial, no Império Português, (2000: 14). Ela

explica que o chamado estatuto da pureza de sangue, em Portugal, por força das Ordenações Afonsinas

(1446-47), “limita[va] o aceso a cargos públicos, eclesiásticos e a títulos honoríficos aos chamados cristãos

velhos (famílias que já seriam católicas há pelo menos quatro gerações)”, privando, de imediato, mouros e

judeus; em seguida, por meio das Ordenações Manuelinas (1514-21), ciganos e indígenas; e mais tarde, já

sob a égide das Ordenações Filipinas (1603), também, negros e mulatos. E remata dizendo que:

O estatuto da pureza de sangue, apesar de sua base religiosa, construía uma estigmatização baseada na ascendência, de caráter proto-racial – que, entretanto, era usada não para justificar a escravidão, mas

antes para garantir os privilégios e a honra da nobreza, formada por cristãos velhos, no mundo dos homens livres.

Ainda mais explícita é Manuela Carneiro da Cunha que, na orelha do livro de Lilia Moritz Schwarcz,

O espetáculo das raças, sustenta que o desmantelamento do escravismo se deu por meio da construção de

instituições assentes na idéia de igualdade política o que exigiu, para fins de manutenção das hierarquias

sociais, o apoio ideológico do discurso racial. Por isso, segundo ela “o Brasil de 1870 a 1930, é assim, a um

tempo, liberal e racista: racismo de folhetim, sorvido de manuais e de autores de segunda categoria, e talvez

por isso mesmo tão abrangente”.

RACISMO NO BRASIL

Reduzindo-se, então, o plano de análise do ocidente, como um todo, para o Brasil, em específico,

constata-se que a peculiaridade deste contexto não permite se diga que aqui a ciência teve um papel

secundário na constituição de uma ideologia racial. Neste país vale mais o argumento de Jessé Souza (2009:

51) de que “o estímulo e o limite de qualquer ação política” decorre de um conjunto de ideias desenvolvidas

por pessoas que “possuem a „autoridade científica‟, para falar sobre os assuntos públicos”.

A peculiaridade oitocentista brasileira, a que nos referimos parágrafo acima, é explicada, por Lilia

Moritz Schwarcz (2004: 18), em termos de incipiência da estrutura acadêmica e consequente escassez de

quadros que faziam de nossos homens de ciência um “misto de cientistas e políticos, pesquisadores e

literatos, acadêmicos e missionários” os quais, na qualidade de “Novos-ricos da cultura” – expressão que

Schwarcz (2004: 41) atribui a Antonio Candido –, tinham na “leitura e interpretação de textos e manuais

positivistas, darwinistas sociais e evolucionistas sua atividade intelectual por excelência”.

Schwarcz, entretanto, defende a tese de que a assimilação do pensamento racial europeu pelos

intelectuais brasileiros não se deu em razão de qualquer sentimento de inferioridade diante da solidez das

academias estrangeiras, mas em virtude da conformação deste pensamento à necessidade de composição de

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interesses que se conflitavam, tanto mais a doutrina liberal avançava sobre a cena política nacional. E no

mesmo diapasão, afirma que a escolha de referências teóricas, por parte destes intelectuais, não foi aleatória,

mas cuidadosa; tendo observado o critério de adequação do conteúdo das obras à defesa da preservação de

uma hierarquia social tipicamente aristocrática no contexto de uma sociedade que se ia tornando burguesa.

No século XX, entre as décadas de 1930 e 1950, ocorrerá uma nova e, até mesmo, bizarra conjunção

de fatores: (1) a Revolução de 1930; (2) a publicação, em 1933, do livro Casa Grande e Senzala; e (3) a II

Grande Guerra, entre 1939 e 1945.

Getúlio Vargas, candidato que, por força de fraude, foi derrotado nas eleições presidenciais, articulou

um bem-sucedido golpe de Estado, com o que pode, no domínio econômico, reordenar os papéis das

unidades federadas na cadeia produtiva nacional e, particularmente, o desenvolvimento industrial; e, no

âmbito político, esvaziar o poderio das oligarquias locais e silenciar os movimentos reivindicatórios.

Concluindo, assim, o processo de implementação do liberalismo no Brasil o qual se arrastava fazia 108 anos,

e completando a revolução burguesa que já se vinha desenvolvendo, nos domínios econômico e social, havia

pelos menos uma década.

Gilberto Freyre, oficial de gabinete do governador do Estado de Pernambuco, perdeu o cargo quando

o governo revolucionário substituiu Estácio de Albuquerque Coimbra e todos os demais governadores

eleitos, por interventores nomeados presidente da república. Estando entre as primeiras vítimas da

Revolução, colocou-se desde sempre na oposição a Vargas. Contudo, mesmo que a contragosto, não apenas

Casa Grande e Senzala – trabalho idealizado a partir de seu exílio – como toda sua obra, viria dar os

melhores argumentos à formação da consciência nacional como apregoada pelo aparelho de Estado

varguista.

Por fim, a guerra fundada na questão racial foi uma das principais causas da derrocada da ideologia

racista. Com a capitulação alemã, o racismo científico que já havia perdido, quase que totalmente, seu

prestígio entre os acadêmicos, tornou-se impopular.

Não é por outra razão que, em 1950, o ideal de uma democracia racial já se havia tornado consenso

entre a militância do embrionário Movimento [social] Negro e os intelectuais anti-racistas, (D‟ADESKY,

2005). Contudo, o que se queria como um ideal foi sendo aos poucos tomado como um fato já consumado,

por força, muito especialmente, da propaganda empreendida pelos aparelhos ideológicos do Estado. E nisto

reside um dos motivos da ruptura do Movimento Negro em relação aos defensores desta matriz do

pensamento anti-racista.

Os teóricos da democracia racial, de acordo com Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, (2000: 22), vão

defender a idéia de que, no Brasil:

(a) a “cor” e a “aparência” são mais importantes do que a “raça”; (b) a noção de cor é ambígua,

existindo um contínuo de cor; (c) a polaridade branco/negro organiza o gradiente de cor e de prestígio social; (d) o embranquecimento, que antes significava tão-somente substituição da população negra pela branca ou, quando muito, miscigenação biológica, passa a significar ascensão social e aculturação dos negros e mulatos; (e) de que não existem, propriamente falando, grupos raciais ou comunidade negra no Brasil; (f) de que a discriminação e o preconceito raciais existentes seriam de caráter individual; (g) a discriminação de classe seria responsável pelo grosso das discriminações que

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aparentam ser raciais; (h) as desigualdades raciais seriam produto dos anos de escravidão e das dotações iniciais desiguais entre brancos e negros, em termos de capital (econômico, cultural, social, educacional. etc.).

Embora tais ideias se encontrassem no substrato das motivações que levaram à eleição do Brasil para

campo de pesquisa do Projeto UNESCO, seriam os trabalhos resultantes deste projeto que as denunciariam

como responsáveis pelo imobilismo político que militava em favor do status quo ante, isto é – em favor do

racismo. A crítica se fundava no fato desta matriz de pensamento celebrar a contribuição cultural da

população estigmatizada, sem promover sua inclusão social. O que significa dizer que, se de um lado ela – a

democracia racial – colaborou para o reconhecimento da contribuição cultural do negro, (africano e crioulo)

e do vermelho (ameríndio); de outro, permitiu que o negro e o vermelho fossem apropriados apenas como

objetos culturais – ou no dizer de Guimarães, (2000: 27), como símbolos e “marcos de fronteira da

civilização brasileira, remanescentes dos antepassados que criaram a nação, restos e vestígios das origens”.

Desde então a democracia racial passará a ser tratada como um mito ao qual raramente se atribui o

mérito de haver tranquilizado o gentio quanto a nossa herança biológica, (elidindo, assim, o potencial de

conflito étnico provocado pelo ideário do racismo científico); e a que sempre se acusa de haver promovido o

igualitarismo racial somente no plano dos discursos, (o que se prestaria apenas a reforçar o mito do Brasil

país do futuro e franquear a lealdade de todos os cidadãos à ideologia da “questão nacional”)5.

ETNIA

O significado que os gregos atribuíram ao signo εθνο (ethnos) guarda maior relação com o que os

latinos designaram gens, do que com aquilo que os povos neo-latinos chamam raça (razza, raza, rasa, race

etc.) e, menos ainda, com que chamam etnia (etnie, ethnie ou coisa semelhante). Como vimos, a noção de

raça, a partir de Lineu, se estabeleceu como relacionada ao que Phillipe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart

(1998: 41) chamam “hereditariedade biossomática”, desdobrando-se ao longo da história até denotar, tão

somente, “a percepção das diferenças físicas, no fato de elas terem uma incidência sobre os estatutos dos

grupos e dos indivíduos e as relações sociais”. A noção de etnia, entretanto, se mostra algo mais complexa, à

medida que abrange sentidos os quais, conforme cada teórico, se encontram articulados ora com a própria

noção de raça; ora com a de nação; ora, ainda, com a de tribo. Demais disso, sua história se revela

atravessada por eventos, demandas e questionamentos, muito diversos, embora tantas vezes concomitantes.

Por exemplo, Poutignat e Streiff-Fenart (1998: 55), lastreados em Jean-Loup Amselle e Britta Rupp-

Eisenreich, explicam que o termo nação, antes empregado para referir-se às chamadas “sociedades

primitivas” passou a vincular-se a ideia de sociedades (complexas) organizadas sob a forma de Estados.

Assim é que os vocábulos etnia e tribo assumiram, em substituição, o sentido de “sociedades primitivas”.

5 Marilena Chauí, à página 16 de Brasil: mito fundador e sociedade autoritária, sustenta que de acordo com Eric Hobsbawn, o

aparecimento do termo nação no vocabulário político data da década de 1830, sofrendo, neste âmbito, variações semânticas, nas décadas 1880 e de 1910. A estes períodos corresponderiam as ideologias do “princípio da nacionalidade”, da “idéia nacional” e da “questão nacional”, às quais se vinculariam o entendimento de nação ora associado a território; ora a um complexo envolvendo língua, religião e raça; ora a um conjunto de lealdades políticas.

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Com a consequência de, a par de outras distinções, operarem a grande divisão entre a antropologia e a

sociologia, a saber: “sociedade sem história/sociedade com história, sociedade pré-industrial/sociedade

industrial, comunidade/sociedade”.

Além disso, se hoje “na sociologia anglo-saxônica, admite-se, de modo explícito ou implícito, que os

grupos raciais diferem dos grupos étnicos pelo fato de serem definidos não em termos de diferenças

socioculturais, mas a partir de diferenças percebidas no fenótipo” (idem: 41); a primeira instituição norte-

americana voltada exclusivamente aos estudos e debates no campo da etnologia – a American Ethnological

Society (fundada em 1842) – tinha textualmente como principal objetivo estatutário “incluir inquéritos sobre

a origem, evolução e características das várias raças de homem” (Paulino, 2010). E, mesmo na França da

atualidade, o uso do vocábulo etnia, segundo Poutignat e Streiff-Fenart (1998: 43), se dá como eufemismo de

raça.

Em paralelo, conforme registro que faz a edição de 1966 da Enciclopédia Barsa, em seu verbete

raça, “controvérsias e discordâncias surgidas em torno do 'problema racial'” levaram grande parte dos

antropólogos a propor o abandono do termo e sua substituição “por uma expressão nova, não comprometida:

grupo étnico”. E, de fato, nota Manuela Carneiro da Cunha (2009: 250) que após a Segunda Guerra Mundial

o critério racial de identificação dos grupos humanos foi substituído pelo cultural. Definindo-se grupo étnico

como o portador de “valores, formas e expressões culturais”; quando não, “de uma língua ao mesmo tempo

exclusiva e usada por todo o grupo” (idem).

O novo critério, não obstante suas vantagens em relação ao anterior, induzia à equivocada

pressuposição da existência, sempre e obrigatoriamente, apriorística e ancestral de uma cultural que, nesta

condição, figurava como ensejadora de uma etnicidade a partir da qual se constituía um grupo; quando, ao

contrário, é – a cultura – a resultante da própria organização de um grupo étnico. Demais disso, diante da

eleição de certos signos e sinais diacríticos como elementos da afirmação da identidade grupal, o novo

critério revelou-se incapaz de predizer “quais entre todos os traços culturais seriam enfatizados” (Idem).

Daí que a expressão grupo étnico só conheceu efetivo avanço em sua conceitualização, em fins da

década de 1960, quando, então, “o objeto das pesquisas sobre etnicidade passou do estudo das características

dos grupos para o estudo das propriedades de um processo social” (Poutignat e Streiff-Fenart: 65). Foram os

trabalhos de Abner Cohen, Fredrik Barth e Michael Moerman6 (Cunha, 2009: 252; e Poutignat e Streiff-

Fenart, 1998: 84) que consagram esta nova perspectiva a partir da qual se definem grupos étnicos como

“formas de organização social em populações cujos membros se identificam e são identificados como tais

pelos outros, constituindo uma categoria distinta de outras categorias da mesma ordem” (Cunha, 2009: 251).

GRUPOS ÉTNICOS

6 Os autores se referem à monografia Custom and politics in urban Africa, de Cohen; à introdução de Barth à coletânea por ele

próprio organizada sob o título de Ethinic groups and boundaries; e ao artigo Ethnic identification in a complex civilization: who are the Lue?, publicado por Moerman, no número 67 da revista American Anthropologist.

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Barth – talvez o maior expoente desta que restou conhecida como antropologia do contato

interétnico – inicia seu texto clássico repisando aquelas críticas às soluções apresentadas, pelo chamado

método comparativo, ao problema da delimitação das unidades étnicas como base de amostragem válida para

a análise estatística. Neste sentido, sobre o que chama de raciocino antropológico [clássico], afirma emergir

o conceito de cultura como "uma maneira de descrever o comportamento humano", (ibidem) e, via de

consequência, o entendimento de que cada grupo de comungantes de uma cultura integra um grupo étnico

(Barth, 2000: 26). Observa, ainda, de modo crítico, o fato de praticamente todo o raciocínio antropológico

basear-se na premissa de que a variação cultural é descontínua; supondo, pois, “que há agregados humanos

que compartilham essencialmente uma mesma cultura e que há diferenças interligadas que distinguem cada

uma dessas culturas de todas as outras” (idem).

Disto desdobra-se a crítica que faz àquela tradição etnográfica que se pauta em inventários culturais

os quais, segundo aponta, estariam fundados em construções típico-ideais de grupo étnico como população

que: (1) em grande medida se auto-perpetua do ponto de vista biológico; (2) compartilha valores culturais

fundamentais, realizados de modo patentemente unitário em determinadas formas culturais; (3) constitui um

campo de comunicação e interação; (4) tem um conjunto de membros que se identificam e são identificados

por outros, como constituindo uma categoria que pode ser distinguida de outras categorias da mesma ordem.

O que, segundo ele, "não está muito longe, em termos de conteúdo, da proposição tradicional de que uma

raça = uma cultura = uma língua, e de que sociedade = unidade que rejeita ou discrimina outros", (Barth,

2000: 27).

Muito embora admita que a perspectiva de seu trabalho tome os grupos étnicos como descrito no

item (4), afirma (idem: 28) "ao tentar oferecer um modelo típico-ideal de uma forma empírica encontrada

recorrentemente, essa formulação traz implícita uma visão preconcebida de quais são os fatores

significativos para a gênese, a estrutura e a função de tais grupos”, o que induz à compreensão do fenômeno

– grupos étnicos – como sendo as próprias características morfológicas das culturas de que são portadores.

Sua resistência ao modelo antropológico clássico se explica nos seguintes termos: "minha principal

objeção é que, tal como está formulada, essa definição nos impede de compreender o fenômeno dos grupos

étnicos e seu lugar na sociedade e na cultura humanas", (ibidem). E completa: "esse ponto de vista contém

uma opinião preconcebida a respeito (i) da natureza da continuidade dessas unidades no tempo; e (ii) do

lócus dos fatores que determinam a forma dessas unidades", (idem: 29).

A dimensão tempo-espaço, contida, nesta visão demanda, em seu aspecto temporal, a verificação da

presença de dados traços culturais para a identificação de pessoas e grupos como integrantes de um dado

grupo étnico, o que leva ao privilégio da "análise das culturas, em detrimento da organização étnica",

(ibidem). Ao passo que, em seu aspecto espacial, considera as formas culturais aparentes como resultante

das condições ambientais, isto é, como resultado das soluções históricas apresentadas pelo grupo como modo

de adaptação ao meio natural. No limite, uma tal visão não considera a possibilidade de um mesmo grupo

ocupar uma área geográfica bastante ampla cuja diversidade ambiental implique na manifestação de formas

diferentes de adaptação, sem que tais variações importem na constituição de novas identidades étnicas.

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Barth, então, defende o argumento de que nem o ambiente pode ser reconhecido como determinante

constitutivo da cultura, nem os elementos formadores de cada cultura podem ser reconhecidos como

constitutivos de uma etnia ou de um grupo étnico. É neste sentido que (idem: 31) sustenta ser:

Inadequado considerar que as formas institucionais manifestas constituem as características culturais que a todo momento permitem distinguir um grupo étnico, pois estas formas são determinadas tanto pela ecologia quanto pelo legado cultural. Também não é correto alegar que toda diversificação interna a um grupo seja um primeiro passo rumo à subdivisão e à multiplicação de um mesmo grupo étnico.

TRIBOS URBANAS

Desta sorte, no esforço por entender o(s) papel(éis) assumido(s) pelo negro na organização social

brasileira, o recurso à teoria de Barth nos permitiu compreender porque nas Américas parte expressiva dos

negros se consideram e são considerados como componentes de um único grupo étnico; enquanto na África

compõem uma miríade destes grupos. Assim como, por extensão, nos fez constatar que indivíduos negros

podem se definir como integrantes do grupo étnico negro ou se identificar como pertencentes a qualquer

outro.

Então, levando em conta a notação de Poutignat e Streiff-Fenart (1998: 112) – de que “Considerando

o grupo étnico do ponto de vista da atribuição de categorias de 'Nós' e de 'Eles', Barth faz da etnicidade um

processo organizacional que não podemos, de um ponto de vista analítico, distinguir a priori e por definição

de outras formas de identidades coletivas” – reduzimos nossa unidade social de análise à cidade do Rio de

Janeiro e tendo admitido, apenas por hipótese: a) corresponder a cada grupo de cor, um grupo étnico, b)

existir um grupo étnico burguês no qual se encerram todos e apenas os brancos (tendo por seu termo de

alteridade outro grupo formado de todos e apenas negros) e, c) que a cidade é habitada não somente por

brancos e negros (mas também por amarelos e vermelhos); concluímos faltar, neste modelo ideal, grupos

étnicos que representassem os demais grupos de cor.

Decorreu deste exercício de lógica nossa certeza quanto a existência, no Rio de Janeiro, de outros

grupos étnicos para além de negros e burgueses. E, daí, pensamos inventariar os grupos de pertencimento

mais expressivos da sociedade carioca. Todavia, diante do risco de um indivíduo poder cambiar

sucessivamente de grupo, como poder pertencer simultaneamente a mais de um, restringimos o elenco

àqueles grupos de pertencimento constituídos, em caráter perene, em torno de identidades básicas as mais

gerais, a saber: origem e circunstâncias de conformação; estas últimas – as circunstâncias de conformação –

reduzidas a duas diferentes ordens de conteúdo cultural: (1) sinais e signos diacríticos e (2) orientações

valorativas básicas, o que usualmente tratamos por etnicidade (Idem: 32).

Dito de outra forma, distinguimos – entre os grupos de pertencimento – os grupos étnicos, das tribos

urbanas. Este último conceito foi proposto por Michel Maffesoli (2006: 4) como metáfora para observar a

metamorfose do vínculo social” na pós-modernidade. Para ele (idem: 11) a socialidade pós-moderna

privilegia o sentimento de pertencimento, a um lugar, a um grupo, como fundamento essencial do todo da

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vida social. Assim, se opõe àquele modo de socialidade típico moderno o qual – caracterizado por aquilo a

que o próprio Maffesoli (idem: 11) define como um etnocentrismo particular difundido como modelo válido

para todo o mundo; a saber – se expressa por meio de um individualismo liberal e um universalismo

iluminista. É por isso que, em relação ao que chama tribos urbanas, afirma (idem: 11) salientarem “a

urgência de uma socialidade empática, na forma de uma partilha das emoções ou uma partilha de afetos”.

Neste sentido, completa o sociólogo (idem: 31):

A massa, ou o povo, diferentemente do proletariado ou de outras classes, não se apóiam (sic) em sujeitos de uma história em marcha. A metáfora da tribo, por sua vez, permite dar conta do processo de desindividualização, da saturação da função que lhe é inerente, e da valorização do papel que cada pessoa (persona) é chamada a representar dentro dela. Está claro que, como as massas em

permanente agitação, as tribos que nelas se cristalizam tampouco são estáveis. As pessoas que compõem essas tribos podem evoluir de uma para a outra.

Obedecendo, porém, o critério de seleção dos grupos estritamente caracterizados, conforme os

moldes descritos acima, como de pertencimento identitário, nos foi possível chegar à formulação de um rol

integrado por cinco unidades: os burgueses, os evangélicos, os favelados, os negros e os nordestinos.

Curiosamente, mais tarde, viríamos encontrar na obra em que Zuenir Ventura descreve o Rio de Janeiro com

uma Cidade Partida, uma passagem extraída de um livro do jornalista Paulo Francis em que este diz:

“existia, claro, o pau-de-arara, o pobre, a personagem do morro, mas em quantidades muito menores e não

intromissivas. As ruas da Zona Sul eram 'nossas', da classe média e acima”, (apud Ventura, 1994: 19).

Malgrado a inegável expressão de preconceito, as memórias de Francis não deixam dúvida que, em

1980 (ano da publicação), já era visível o recorte da população carioca em grupos de pertencimento

identitário como os nordestinos, tratados, pelo autor, pelo pejorativo paus-de-arara (bastante popular até o

advento do politicamente correto); os favelados, lembrados como a personagem do morro; os burgueses,

encerrados na expressão classe média e acima; e, seguramente, os negros, referidos por meio do eufemismo:

o pobre. E, se o mesmo se quedou silente com relação ao evangélicos foi apenas porque, à ocasião, como se

sabe, o fenômeno neo-pentecostal ainda não havia despontado.

Francis, então, atesta a não-arbitrariedade de nosso recorte do objeto, ao passo que Barth nos

autoriza a redefinir como étnicas populações tradicionalmente representadas como classe social, grupo

religioso, grupo de vizinhança, grupo de cor e grupo regional.

Etnocentrismo

Para efeito do que discutimos neste artigo, os resultados desta tal pesquisa – sobre o(s) papel(éis)

assumido(s) pelo negro na organização social brasileira – se mostram menos importantes do que as razões

que nos levaram a realizá-la; na medida em que ela não é mais que um desdobramento de outra investigação

que empreendemos.

A pesquisa original foi motivada pelo incômodo que nos causava a incongruência entre as repetidas

denúncias, do Movimento Negro brasileiro, sobre episódios de racismo e o discurso, ainda hegemônico, que

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nos representa, com jactância, como um país de miscigenados. Oposição que, no limite, remontava à

discussão, nunca superada, sobre a preponderância, no Brasil, de preconceito e discriminação em razão do

fator raça ou do fator classe (Conceição, 2003: 118). Nela, contudo, verificamos que a chamada questão

racial brasileira se confundia, em grande medida, com aqueloutra nomeada questão nacional, bem assim que,

especialmente no caso brasileiro, esta última importava na decisão quanto à inclusão ou não do negro na

constituição deste tal tipo (antropológico) ideal, isto é, do tipo nacional.

A decisão quanto à inclusão do negro na constituição do tipo-ideal brasileiro, bem assim em relação

à forma de sua inclusão na sociedade de classes, continua sendo objeto de longo debate, iniciado há coisa de

ao menos século e meio, através de obras literárias; artigos e crônicas jornalísticas; textos e congressos

científicos; reuniões de associações, nacionais e internacionais, de todo gênero e em plenários de

parlamentos. Seus argumentos, no entanto, se podem, esquematicamente, agrupar sob cinco diferentes

rótulos, a saber: o redencionismo escravista, o racismo científico, a democracia racial, o multiculturalismo e

a diversidade cultural. Cada rótulo encerrando uma matriz de pensamento hegemônica a seu tempo; sem, no

entanto, lograr excluir do imaginário social as que lhe antecederam.

A constituição, portanto, deste imaginário a partir da reunião de discursos raciais antagônicos,

explicaria, a princípio, a perseverança de práticas racistas em um país de miscigenados, sobremaneira

reforçado pelo próprio modelo brasileiro de racismo, também dito racismo à brasileira. Para além disso,

estaria pesando sobre as relações supostamente étnico-raciais, passadas no Brasil, um outro fator imagético o

qual procuramos denominar Ideal de França Antártica7, a saber: o surgimento, pós-independência, de um

querer coletivo, (uma vontade geral), de busca de marcos de alteridade em relação ao ex-colonizador,

expressa na fixação da cultura francesa como paradigma da sociedade brasileira.

Este fato se traduziu, desde as primeiras horas do Brasil Estado independente do Reino de Portugal,

na valorização de caracteres indígenas idealizados e na negação a tudo quanto representasse lusitanismo; e,

pós-abolição, na oscilação quanto ao reconhecimento da influência negra na tal formação da identidade

nacional. O que teria implicado na importação, para um país de nobres ruralistas, de uma cultura própria à

burguesia industrial. E, consequentemente, na instalação, sobremaneira nos centros urbanos, de um ideal

burguês que se foi consolidando à medida que se ia cambiando o regime do trabalho escravo para este do

trabalho livre, industrializando a economia e instituindo a classe média.

Este dado nos levou a interpretar o ideal burguês como o significante central da neurose coletiva em

que se constitui o problema étnico-racial no Brasil e concluir: (1) que o imaginário social brasileiro tem

representado a burguesia como uma etnia e não como uma classe e (2) que a segregação torna-se a pena para

aqueles que deliberada ou inocentemente, de alguma forma, se oponham ou se distanciem do paradigma

burguês. Em suma, concluíamos, aí, que o problema relacional brasileiro não configurava precisamente

racismo, porém etnocentrismo, na exata acepção que Sumner – criador do termo – lhe conferiu, isto é, como

“nome técnico para esta visão segundo a qual o próprio grupo é o centro de tudo; e todos os demais são

7 Nome da colônia francesa fundada, no Rio de Janeiro, pelo Almirante Nicolas Durand de Villegagnon.

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medidos e avaliados por referência a ele”

8 (Sumner, 1906: 15).

Territorialidade

Estas conclusões, no entanto, nos obrigaram a um novo estudo de modo a nos permitir enfrentar dois

problemas que, delas, se desdobravam: o primeiro, a admissão explícita da possibilidade da burguesia ser –

mesmo que apenas no plano do inconsciente – algo diferente daquilo que as Ciências Sociais já haviam

consagrado; e o segundo, a afirmação subliminar – sem qualquer base de dados empíricos – de que as

fronteiras entre a população branca e a população negra tendiam a se afrouxar à medida do crescimento do

número de negros a exteriorizar sinais diacríticos de pertencimento à burguesia.

Estas, pois, foram as razões porque desenvolvemos a tal pesquisa – sobre o(s) papel(éis) assumido(s)

pelo negro na organização social brasileira; a qual, por sua vez, demonstrou-nos que, no pós-2ª Guerra, as

economias do capitalismo central se encontravam em recuperação e algumas das economias do capitalismo

periférico – como o Brasil – em desenvolvimento industrial. Por isso, os desenvolvidos e os em-

desenvolvimento experimentaram numa mesma época – a década de 60 – o esgarçamento de seus tecidos

sociais, divididos entre os esforços, dos segmentos emergentes, em prol de reformas nas bases de suas

sociedades e a resistência (violenta, no caso do terceiro mundo), dos segmentos tradicionais, à derrocada da

formação social burguesa. Do que, aliás, é marco histórico e, antes disso, sua própria consequência e

resumo, o emblemático episódio do Maio de 68.

A partir daí, se vai verificar, primeiramente – em decorrência dos fenômenos complementares da

concentração industrial, na região centro-sul do país e do êxodo rural, na região nordeste – a estigmatização

do imigrante nordestino e seu descendente que, em São Paulo, sob a alcunha de “baiano” e, no Rio de

Janeiro, “paraíba”, serão percebidos como não-negros e dividirão com este a condição de uma identidade

deteriorada. O que, embora não tenha reduzido o preconceito contra os negros e malgrado os atritos iniciais

entre estabelecidos e outsiders, serviu-lhes à relativização da interpretação simplista que vinham dando a

seus problemas, em termos de uma rematada implicância dos brancos em relação aos negros.

Em paralelo, aqueles a quem Costa Pinto definiu como elite negra vão se dividir entre uma minoria

que prosseguirá na vertente da assimilação das formas burguesas e uma maioria que buscará intensificar uma

postura diferencialista, marcada pelo apelo à ideologia da negritude e à solidariedade negra, bem assim à

supervalorização das “matrizes africanas” e dos “valores negros”. Ao passo que aqueles outros a quem o

sociólogo designou negro-massa vão se dividir entre um grupo tendente ao assentimento à proposta

diferencialista e outro que renega tudo isso, em favor da conversão à novidade de uma ideologia

integracionista, travestida de solidariedade cristã, de matriz neo-pentecostal, radicada em valores capitalistas

(teologia da prosperidade).

A divisão dos negros das camadas populares se explica, entre outras razões, pelo fato de o discurso

8 Tradução livre de: “is the technical name for this view of things in wich one's own group is the center of everything, and all

others are scaled and rated with reference to it”.

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diferencialista da chamada militância negra propor, à miúde, o enfrentamento do branco a que culpam pelas

vicissitudes suportadas pelo negro. Onde negros e brancos se encontram em situação de proximidade social

tal que vínculos de amizade e intercurso sexual são fortemente favorecidos, percebe-se com mais facilidade

que a questão não se resume a raças (assim entendido os fenótipos). Por isso, (em parte, corroborando uma

das teses da democracia racial: aquela segundo a qual “a polaridade branco/negro organiza o gradiente de

cor e de prestígio social”) o negro-massa, mesmo quando tendente ao diferencialismo, vacila nesta sua

adesão.

Paradoxalmente, este negro-massa mantido para além das fronteiras dos demais grupos, como um

non-ethnic, acaba por constituir-se como grupo-pária e, nele, forjando a identidade étnica do favelado.

Enquanto a parcela minoritária da elite negra (aquela que refuta o diferencialismo), juntamente com todos os

não-negros supostamente non-ethnics, buscando manter-se à margem (das fronteiras) destes grupos, subsume

no grupo hegemônico – o dos burgueses – constituindo um outro étnico.

Por seu turno, os imigrantes negros e não-negros provindos dos estados da região nordeste e seus

descendentes, todos movidos, a um, pela discriminação que lhes infligem os grupos estabelecidos e, a outro,

pela comunhão de origem e orientações valorativas básicas que mantêm conformam-se também em um

grupo étnico: o dos nordestinos.

Esta nova organização das hierarquias sociais, marcada pela exacerbação da diferenciação dos

negros entre si, também chancela como verdade a tese de que, no Brasil, “não existem, propriamente falando,

grupos raciais ou comunidade negra”, conforme afiançado pelos teóricos da democracia racial.

Finalmente percebe-se: (1) que a mudança mais significativa se comparado o padrão tradicional das

relações chamadas “étnico-raciais” ou, simplesmente, “raciais” é que elas se tornaram simplesmente étnicas;

(2) que a divisão dos negros em vários grupos, cada qual com uma diferente estratégia de integração à

sociedade de classes e, em paralelo, o surgimento de novas fontes de prestígio social, em decorrência da

massificação da sociedade geraram a necessária acomodação social – expressa em termos de redução da

pressão que se exercia sobre a burguesia, em vista ao franqueamento do acesso a seus espaços e privilégios;

(3) que, em consequência, se esvaziou quase que por completo a função de demarcador social que tinha o

racismo; persistindo, porém, seu manejo particular, em par com o nepotismo, exercido por alguns (cada vez

menos) indivíduos e grupos, de todos os fenótipos, uns contra os outros, quando não contra seus próprios

pares, na crença de estarem preservando seus lugares sociais ou alguma outra coisa que julgam de mais alto

valor; (4) que, pelas mesmas razões já expostas, o racismo deixou de ser óbice estrutural à mobilidade social

ascensional dos negros, constituindo-se, pois – racismo e exclusão social – em dois problemas de naturezas

distintas a exigir formas de enfrentamento distintas; e (5) que, malgrado estes dados confirmarem as teses da

democracia racial, eles evidenciam a inexistência desta sorte de democracia temática, seja no sentido de

igualdade sócio-econômica entre os grupos fenotípicos (supostos raciais), seja no sentido de esgotamento

recente ou da inocorrência desde sempre da ideologia ou das práticas do racismo, no Brasil.

Postas as coisas nestes termos, resta evidente que o conceito de territorialidade [humana] –

entendido, conforme (Sacks, 1983: 55), como a tentativa de afetar, influenciar ou controlar ações e interações

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(de pessoas, coisas e relacionamentos) afirmando e tentando impor controle sobre uma área geográfica

9 – não

coincide, sequer guarda relação, com a noção de etnicidade. No entanto, precisamente por esta

incoincidência, ele se mostra útil a se pensar a respeito da impropriedade do conceito de racismo ambiental

e, mormente, de sua aplicação à análise dos problemas sócio-ambientais brasileiros.

Racismo Ambiental

Para esta reflexão, convém aqui rememorarmos Cornelius Castoriadis (2000: 154), para quem:

As profundas e obscuras relações entre o simbólico e o imaginário aparecem imediatamente se refletimos sobre o seguinte fato: o imaginário deve utilizar o simbólico, não somente para “exprimir-se”, o que é óbvio, mas para “existir”, para passar do virtual a qualquer coisa a mais. O delírio mais elaborado bem como a fantasia mais

secreta e mais vaga são feitos de “imagens” mas estas “imagens” lá estão como representando outra coisa; possuem, portanto, uma função simbólica. Mas também, inversamente, o simbolismo pressupõe a capacidade imaginária. Pois pressupõe a capacidade de ver em uma coisa o que ela não é, de vê-la diferente do que é. Entretanto, na medida em que o imaginário se reduz finalmente à faculdade originária de pôr ou de dar-se, sob a forma de representação, uma coisa e uma relação que não são (que não são dadas na percepção ou nunca o foram), falaremos de um imaginário último ou radical, como raiz comum do imaginário efetivo e do simbólico. É finalmente a capacidade elementar e irredutível de evocar uma imagem.

Assim o dizendo, Castoriadis nos faz compreender que, na psique, imagens, sob a forma de um

magma, se compõem como “organizações conjuntistas” que dão origem às representações sociais

elementares e estas, não só a todas as demais, como também, por via de consequência, ao simbólico.

Isto é o bastante para sustentar nosso argumento de que tanto o signo quanto o significante racismo

ambiental remete a representações sociais de preconceito, discriminação, estigma, genótipo, fenótipo, cor,

natureza, lugar, espaço, gueto, território, entre outras; desta forma, induzindo à idéia de segregação territorial

de grupos genotípicos ou fenotípicos (conforme o caso), as quais se lega assistência e benefícios, quando

hegemônicos; ou se relega à desassistência e acomete de malefícios, se subalternos.

Entretanto, o conceito de racismo ambiental é um outro, a saber: políticas e regulações ambientais

cujos impactos negativos recaem exclusivamente sobre as chamadas minorias [político-econômicas]. O que

no caso norte-americano, de acordo com o relatório Toxic waste and race at twenty: 1987-2007, corresponde,

primeiramente, aos latinos, logo após os negros, seguidos dos asiáticos e rematados pelos indígenas10

.

Relatório, aliás, que demonstrou haver estrita relação entre distância geográfica das áreas degradadas, de um

lado e taxa de pobreza, renda familiar, e valor das habitações, de outro. Assim como, também, admitiu a

interveniência de outros fatores, como os preconceitos relativos à classe, ao gênero e à idade dos habitantes,

no resultado do que, mais adequadamente, chamaram environmental inequality (desigualdade ambiental).

Em defesa do conceito, Tania Pacheco, no blog Combate ao Racismo Ambiental, critica o

Movimento Negro brasileiro que, segundo ela, acusa a noção de racismo ambiental de encerrar uma tentativa

9 Tradução livre de: “by human territoriality I mean the attempt to affect, influence, or control actions and interactions (of people,

things, and relationships) by asserting and attempting to enforce control over a geographic area”. 10

A expressão “people of color” não se traduz por pessoas de cor, no sentido que se lhe dá no Brasil, isto é, não se

traduz por negros. Por “people of color” os norte americanos designam todos os non-white (não-brancos), o que,

pois, envolve os quatro grupos aqui arrolados.

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de minimização do problema racial, por redução de sua extensão a uma dimensão estritamente ecológica.

Todavia é mesmo evidente que um conceito que abrange formas de preconceito, discriminação e segregação

(geográfico) de grupos censitários, etários, étnicos, raciais e sexuais confunde o termo racismo com

quaisquer destas práticas estigmatizadoras; esvazia seu sentido original; torna-o gênero do que preconceito,

discriminação e segregação seriam espécies e, via de consequência, furta de todos os movimentos,

efetivamente, anti-racistas seu instrumento discursivo mais essencial.

É, porém, um paradoxo que setores do Movimento Negro brasileiro rejeitem um conceito que se

desdobra precisamente do ativismo negro norte-americano; quando este sempre foi seu principal exemplo e

inspiração. No entanto, para além dos motivos já expostos, para tal rejeição também contribui a

dessemelhança quanto ao modo de distribuição espacial das populações nos Estados Unidos e no Brasil.

Tradução da desigualdade destes países com relação a fatores produtivos, como: nível de industrialização e

demanda por serviço doméstico, os quais mais que o racismo, induziram à formação de cidades modeladas

como mosaicos de clusters étnicos, no caso norte-americano; e como melting pots, no caso brasileiro (como

tentamos evidenciar ao resumirmos, pouco atrás, dados e resultados de nossas pesquisas).

Convém explicar que a expressão environmental racism – ao par de environmental civil rights11

e

environmental justice – surgiu, no bojo do episódio de Warren County, em 1982, quando o Movimento Negro

americano (Civil Rights Movement) percebeu, na decisão do governo da Carolina do Norte de instalar um

aterro de dejetos químicos junto a uma pequena comunidade de negros, a extensão do racismo que, a

décadas, enfrentavam no setor da educação e nos mercados de habitação e trabalho; tratava-se, agora,

entretanto, de um racismo ambiental (Skelton e Miller, 2006). Note-se, aí, porém, que tal percepção só se

fez possível em virtude da prevalência, nos EUA, de uma estrutura urbana do tipo “mosaico de clusters

étnicos”; a qual permite se identifique na degradação de certos territórios o descaso para com um grupo

étnico ou fenotípico em específico.

No Brasil, entretanto, a rara observância de padrões étnicos ou fenotípicos de ocupação do solo

produziu o modelo de melting pot. O qual não apenas, no mais das vezes, impossibilita se assevere

direcionamento do dano ambiental a grupo étnico ou fenotípico específico, como também tem evidenciado o

recurso a critérios censitários, isto é, a critérios de classe/renda na definição do grupo e, consequentemente,

do tratamento deferido: se de aviltação ou favorecimento.

Acresce-se, então, o dado de que o recurso à expressão ou ao conceito de racismo ambiental por

ambientalistas e ecologistas brasileiros faz supor que – dessituados tanto frente ao anti-racismo moderno do

Movimento Negro quanto em relação ao anti-racismo tradicional dos filiados ao ideário da Democracia

Racial – constituam uma terceira sorte de anti-racismo; quando não é o caso.

Diga-se, enfim, que o conceito de racismo ambiental – construído pelo meio acadêmico norte-

americano a partir da expressão homônima – representa uma ruptura em relação à própria história acadêmica

11 A tradução literal para “civil rights” é direitos civis. Todavia a expressão direito civil, em língua portuguesa guarda

um sentido específico, diverso do que se quer expressar em locuções como civil rights movement ou environmental

civil. Nestes casos, talvez a melhor tradução para “civil rights” seja: direitos de cidadania ou, simplesmente,

cidadania.

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que sintetizamos linhas atrás, pois que não decorre do regular esforço científico de se reduzir aspectos do

objeto observado à categorias de pensamento e análise. Porém, muito ao contrário – acompanhando a

tendência atual e, ao que parece, universal de se conferir primazia aos diagnósticos e propostas produzidos

pelos movimentos sociais; reduzindo, destarte, a extensão da atividade profissional do técnico/acadêmico à

função de assistente de redação destes mesmos movimentos – trata-se apenas da tentativa sociológica de

conferir formato (e status) acadêmico à expressão emergente do movimento social norte-americano.

Vê-se claro, então, que na expressão racismo ambiental – e, por extensão, no conceito construído em

torno dela – o emprego do vocábulo racismo se deu em favor da comoção que suscita, sob a forma da natural

repulsa que, hoje, se tem em relação às práticas de assédio, discriminação, perseguição ou segregação,

sobretudo estas baseadas em critérios fenotípicos ou genotípicos. Trata-se, pois, do apelo à uma figura de

retórica como estratégia de marketing político. O problema, no entanto, é que sequer no campo dos business

studies se utilizam estratégias de marketing como método para elaboração de conceitos científicos.

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