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ETNODRAMA: A DRAMATIZAÇÃO RELIGIOSA NO HAITI LOUIS PR I CE MARS* Como introdução a este trabalho sobre etnodrama ou dramatização religiosa no Haiti, tomo a liberdade de, primeiramente, descrever o ambiente humano onde de- senvolvi este conceito, A RELIGIÃO TRADICIONAL DO HAITT Localizado no Mar das Caraibas, próximo ã Cuba, Jamaica e Porto-Rico,Haiti é habitado por cinco milhões de seres humanos, cujos ancestrais vieram da Africa Ocidental no tempo da escravização dos negros. Tendo início por volta de 1660, o período da escravidão durou até 1804, quando o país tornou-se independente sobono_ me de Republica do Haiti. Aqueles africanos, que foram emigrados ã força para as índias Ocidentais,, trouxeram com eles o mais precioso de seus bens: sua cultura, isto ê, seus hábitos e costumes, suas crenças religiosas e seus Deuses. Esses Deuses, corporificando seus desejos e anseios de sobrevivência, tornaram-se uma das mais poderosas forças de coesão da cultura do Haiti no Novo Mundo. Embora esses hábitos e costumes africanos tenham sido de algum modo alte- rados pelo contato com as realidades do Ocidente durante os séculos de escravidão, 0 Vodu, a religião tradicional, sobreviveu e adaptou-se ao ambiente do Novo Mundo. 0 que é Vodu? - E uma dramatização religiosa onde os Deuses apresentam-se com faces humanas durante as celebrações ritualísticas que são organizadas period_i_ camente pelos seus devotos. A religião originária da Africa Ocidental veio transportada nos porões dos navios negreiros. Esses Deuses acompanháramos escravos negros através o Oceano Atlântico. Eles viveram e sofreram em São Domingos; eles tomaram parte nas revol- tas contra os homens brancos; eles lutaram lado a lado com aqueles que foram opri- midos e humilhados. Eles sempre lutaram por um destino melhor e uma vida melhor. Esses Deuses, sutís e indomáveis forças, eram e sao um espelho fiel dos desejos,ne cessidades e ambições humanas. Instrumentos complexos e sutís de comunicação entre os líderes e as massas, eles têm sobrevivido incólumes através dos séculos nas ce- rimonias religiosas realizadas nas zonas rurais ou nos subúrbios de nossas cidades. Tais cerimonias são regularmente programadas coincidindo com o calendário da Igreja Católica e também podem acontecer por ocasião de alguma circunstância particular quando doenças ou outras desditas acometem famílias. A congregação reune-se sob a direção de um sacerdote numa casa particular ou ao ar livre. No meio da área estão o sacerdote, um grupo coral (homens e mulhe- res) e três tambores. A volta deles ficam os participantes. 0 sacerdote invoca os Deuses em uma linguagem misteriosa, e em cânticos que os fiéis acompanham,ao mesmo tempo em que batem palmas e dançam'ao ritmo dos tambores. Os cantos, as danças, a música e a_atmosfera emocional constroem uma ansiosa expectativa, induzem crises de possessão pelos Deuses. * ODr.LOUIS PRICEMARS épsiquiatra internacionalmente conhecido por seus trabalhos no campo da sua especialidade, principalmente no que concerne ã Psiquiatria Trans- cultural. Ê o mais abalisado conhecedor dos transes rituais de sua pátria,o Hai- ti,bera como.de todos os outros aspectos(sociais.religiosos.políticos,economicos, etc.)que envolvem a prática do Vodu,a religião tradicional do Haiti.Como ele in- forma,e nós mesmos poderemos observar,neste trabalho,há muitos pontos de conta- to entre o Vodu e as religiões afro-brasileiras. - 2 -

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ETNODRAMA: A DRAMATIZAÇÃO RELIGIOSA NO HAITI LOUIS PR I CE MARS*

Como introdução a este trabalho sobre etnodrama ou dramatização r e l i g i o s a no H a i t i , tomo a liberdade de, primeiramente, descrever o ambiente humano onde de­senvolvi este conceito,

A RELIGIÃO TRADICIONAL DO HAITT

Localizado no Mar das Caraibas, próximo ã Cuba, Jamaica e Porto-Rico,Haiti é habitado por cinco milhões de seres humanos, cujos ancestrais vieram da A f r i c a Ocidental no tempo da escravização dos negros. Tendo início por v o l t a de 1660, o período da escravidão durou até 1804, quando o país tornou-se independente sobono_ me de Republica do H a i t i .

Aqueles afr i c a n o s , que foram emigrados ã força para as índias Ocidentais,, trouxeram com eles o mais precioso de seus bens: sua c u l t u r a , i s t o ê, seus hábitos e costumes, suas crenças r e l i g i o s a s e seus Deuses. Esses Deuses, corporificando seus desejos e anseios de sobrevivência, tornaram-se uma das mais poderosas forças de coesão da cu l t u r a do H a i t i no Novo Mundo.

Embora esses hábitos e costumes africanos tenham sido de algum modo a l t e ­rados pelo contato com as realidades do Ocidente durante os séculos de escravidão, 0 Vodu, a religião t r a d i c i o n a l , sobreviveu e adaptou-se ao ambiente do Novo Mundo.

0 que é Vodu? - E uma dramatização r e l i g i o s a onde os Deuses apresentam-se com faces humanas durante as celebrações ritualísticas que são organizadas period_i_ camente pelos seus devotos.

A religião originária da A f r i c a Ocidental veio transportada nos porões dos navios negreiros. Esses Deuses acompanháramos escravos negros através o Oceano Atlântico. Eles viveram e sofreram em São Domingos; eles tomaram parte nas r e v o l ­tas contra os homens brancos; eles lutaram lado a lado com aqueles que foram o p r i ­midos e humilhados. Eles sempre lutaram por um destino melhor e uma vida melhor. Esses Deuses, sutís e indomáveis forças, eram e sao um espelho f i e l dos desejos,ne cessidades e ambições humanas. Instrumentos complexos e sutís de comunicação entre os líderes e as massas, eles têm sobrevivido incólumes através dos séculos nas ce­rimonias r e l i g i o s a s realizadas nas zonas rurais ou nos subúrbios de nossas cidades.

Tais cerimonias são regularmente programadas coincidindo com o calendário da Igreja Católica e também podem acontecer por ocasião de alguma circunstância p a r t i c u l a r quando doenças ou outras desditas acometem famílias.

A congregação reune-se sob a direção de um sacerdote numa casa p a r t i c u l a r ou ao ar l i v r e . No meio da área estão o sacerdote, um grupo coral (homens e mulhe­res) e três tambores. A v o l t a deles ficam os p a r t i c i p a n t e s . 0 sacerdote invoca os Deuses em uma linguagem misteriosa, e em cânticos que os fiéis acompanham,ao mesmo tempo em que batem palmas e dançam'ao ritmo dos tambores. Os cantos, as danças, a música e a_atmosfera emocional constroem uma ansiosa expectativa, induzem c r i s e s de possessão pelos Deuses.

* ODr.LOUIS PRICEMARS épsiquiatra internacionalmente conhecido por seus trabalhos no campo da sua especialidade, principalmente no que concerne ã P s i q u i a t r i a Trans-c u l t u r a l . Ê o mais abalisado conhecedor dos transes r i t u a i s de sua pátria,o Hai­ti,bera como.de todos os outros aspectos(sociais.religiosos.políticos,economicos, etc.)que envolvem a prática do Vodu,a religião t r a d i c i o n a l do Haiti.Como ele i n ­forma,e nós mesmos poderemos observar,neste trabalho,há muitos pontos de conta­to entre o Vodu e as religiões a f r o - b r a s i l e i r a s .

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LINGUAGEM 00 CORPO

OS DEUSES FAZEM SENTIR SUA PRESENÇA. COMO ?

Os Deuses se manifestam. Eles se encarnam nos corpos daqueles que os ser­vem. Eles comem,bebem, falam e dançam através do seu instrumento humano. E muito comum encontrar um espírito em uma dessas cerimonias e uma única pessoa pode ser possuída sucessivamente por diferentes deidades durante a mesma cerimonia. 0 chefe da cerimónia pode inc e n t i v a r os espíritos ou fazer com que se afastem. Batendo nos tambores o músico pode, graças a sua habilidade, invocar as divindades para desce­rem de suas moradas.

Ao público l e i g o , nada é mais estranho do que a s s i s t i r a uma cerimónia on­de os deuses se encarnam em numerosas pessoas. A dança que prosseguia num ritmo nor mal e regular, se "acelera": i s t o faz parte do processo de aquecimento. Todas as vozes tornam-se mais clamorosas, os sons dos tambores tornam-se mais p e r s i s t e n t e s , aclamaçõese exortações são ditas através das l e t r a s dos cânticos. Alguns Deuses imitam o e s t r u g i r de um canhão; outros chamam seus viz i n h o s , alguns demonstram bori dade e afagam os rostos das pessoas com doçura; outros, ainda, trocam cumprimentos enquanto entrecruzam os braços.

Em meio a toda essa confusão de pessoas possuidas e dos simples adeptos, os tambores mantêm suas batidas sob a supervisão do sacerdote, o qual controla a duração da cerimonia, ora fazendo alguns participantes arrefecerem o seu f e r v o r , ora estimulando a força dos cantores quando aqueles arrefecem. Os cânticos vão se seguindo em ritmo mais moderado.

Eles dizem que os Deuses estão contentes porque os seres humanos estão f e ­l i z e s . Os Deuses evidenciam sua ale g r i a pela m u l t i p l i c i d a d e de c r i s e s de possessão; as pessoas continuam dançando até que o cansaço as obrigue se sentarem em um banco. Ao amanhecer, a cerimonia termina e todos vão embora.

Os Deuses têm varias faces. A tradição trouxe um grande número deles da A f r i c a , de onde são originários; outros nasceram no solo h a i t i a n o .

Ei s aqui alguns dei es :

1) E r z u l i e é uma bonita mulher. Ela adora seda e perfume; coquetería é o seu f o r t e . E a Deusa do amor.

2) Guédê ê a Deusa da morte; trajada de negro, usando um imenso chapéu pre to, Guédé f a l a palavras ásperas e tem uma dança e s p e c i a l .

3) General C l e i r m e i l : um Deus Branco. Ele mora no r i o Limbé. Quando o r i o se enche, o Deus está mostrando a sua cólera. Ele se apresenta nas c e r i mÔnias com as maneiras de um nobre. Aprecia champanhe, l i c o r e s f i n o s , bom rum.

4) Ibo: um alegre ê prasenteiro Deus, que brinca com as crianças.

5) Agoué: o Netuno africano. A pessoa que está possuida por ele segura uma prancha ou usa seus braços como se fosse um marinheiro remando no mar.

6) Zaca: um Deus rústico e galhofeiro que provoca h i l a r i d a d e nos moradores da cidade.

7) Legba: Deus das encruzilhadas, velho Legba do l o r i d o , dobra-se sobre os joelhos. Quando o crente é possuido, toma o aspecto de um velho e apoia se em muietas.

Há muitas identificações com os Deuses, conforme o que os homens acreditam que eles devam ser. Eu poderia enumerar alguns mais. Estes se manifestam mais f r e ­quentemente. Vários Deuses e suas respectivas formas de encarnação, cada um com as

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completas características humanas, o que as novas gerações assimilam através da tradição, de acordo com o o r i g i n a l s i g n i f i c a d o da palavra grega "poien" fazer

POÍTICA DA POSSESSÃO RELIGIOSA

As possessões r e l i g i o s a s usam vários canais de comunicações, i s t o linguagem de várias dimensões,

I

Linhagem de gestos

Di agrama da

Possessão

Linhagem de sons

Linhagem da consciência

Metamorfose do individuo em Deus Aprendizado da transformação Pedagogia do imaginário Danças

Musi ca Gritos Onomatopei a Cânti cos Palavras faladas

Linhagem do inconsciente

AS LIÇÕES DE UMA CULTURA VIVA

Durante as cerimonias Fora das cerimonias Hipnose Sonho

Como já fo i dito anteriormente, os Deuses do Vodu convivem familiarmente com a espécie humana. Eles compartilham de suas aflições e estão envolvidos com o destino e o futuro do homem, e são realmente responsáveis pela formação do presen­te e da organização da vida económica e s o c i a l das massas camponesas. Em outras pa lavr a s , toda a vida dc homem ê condicionada pelo seu relacionamentocom seus Deuses'.

POSSESSÃO RELIGIOSA E ETNODRAMA

A possessão r e l i g i o s a ê o fa t o r central no qual essa t r a d i c i o n a l religião esta baseada. E o ato supremo, o qual une todos os crentes em torno da "real pre­sença" dos Deuses. Ao mesmo tempo, testemunhamos o ato primordial mencionado por FREDERICO NIETZSCHE no "Nascimento da Tragédia" (página 41). Ele escreveu: "A me­tamorfose magica ê o pré-requisito para que qualquer arte dramática e a emoção dio nísica possam comunicar, a totalidade de um grupo, a habilidade de se n t i r - s e no meio de uma horda de espíritos com os quais desejam se i d e n t i f i c a r de um modo com­pleto. Este trágico coro de vozes é o fenómeno dramático s i g n i f i c a t i v o de que o par t i c i p a n t e está metamorfoseado e atua a p a r t i r daí como se ele fosse realmente ou­tr a pessoa."

Qual o porque do coro trágico e do fenómeno dramático?

JEAN LOUIS BARRAULT redescobriu no Rio de Janeiro, nos Candomblés ( i s t o é, o Vodu b r a s i l e i r o - c e r i m o n i a l semelhante), nos quais se, podem encontrar p a r t i c i p a n ­tes que lembram o líder dos c o r i s t a s e os co r i s t a s da Grécia antiga.

Escrevendo sobre a c r i s e de possessão que acontece nas reuniões r e l i g i o s a s no Rio de Janeiro, em seu l i v r o "NOUVELLES REFLEXIONS SUR LE THEATRE" (página 28),

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o ator francês comparou tal cerimónia a uma cena t e a t r a l .

Reforçando esse f a t o , J.L.BARRAULT juntou a seguinte nota no rodapé da pá­gina 88: " I n i c i o da cena de Cassandra (Agamenon). Aquela cena que a s s i s t i no Rio de Janeiro, na qual o espírito "cavalga" o adepto, surpreendeu-me porque ela acon­tece do mesmo modo na cena de "Agamenon", quando Apolo "cavalga" Cassandra(*).

0 termo cavalgar é f a m i l i a r aos possui dos no H a i t i quando falam sobre a en carnação dos Deuses. Os Deuses haitianos cavalgam seus cavalos, quer d i z e r , seus servos.

0 mesmo ator francês escreveu posteriormente: "Vale d i z e r que, quando r e l i três ou quatro anos depois meu velho e bem amado Eschyle, - i d e n t i f i q u e i , ent>~e ou­tras coisas,'um éco daquele mundo mágico: os transes de Cassandra, o coma de Elec­t r a e Orestes na tumba do p a i , a corrente de Erynnies, e t c . . . "

Porque o coro trágico, o fenómeno dramático p r i m i t i v o ? - Nós o descobrimos, tal como o fez J.L.BARRAULT, nas cerimonias r e l i g i o s a s africanas e ha i t i a n a s .

Haitianos e africanos "moldam seus Deuses ã sua imagem"

Uma raça a eles semelhante Que sofre e 1 uta Que sabe c u r t i r prazer e a l e g r i a

Estes versos traduzem bem a metamorfose d i v i n a , a possessão r e l i g i o s a c u l ­tuada por nossas massas camponesas e suburbanas.

No Vodu, o palco é o ambiente cerimonial; o DIRETOR DE CENA é o conjunto de tradições populares trazido da longínqua A f r i c a ; os atores são os crentes o par t i c i p a n t e s . E ê a todo este conjunto de elementos que eu denomino de DRAMATIZAÇÃO RELIGIOSA ou ETNODRAMA.

De um modo g e r a l , o termo ETNODRAMA abarca a Dyonisia da antiga Grécia, as representações de mistérios da Idade Média,,o teatro r e l i g i o s o de Oberammergau, na Bavãria, e em algumas aldeias da Espanha quando na semana santa a Paixão é encena­da com a participação de toda a comunidade.

Em seu l i v r o "Man And His Works" (página 430), MELVILLE HERKOVITS meneio -nou o fenómeno em conexão com os pretos africanos. MARCEL MAUSS, em seu l i v r o "S0-CI0L0GY AND ANTHR0P0L0GY" (página 430), também o descreveu em conexão com os ind i a nos K i a t k i u l s .

No etnodrama h a i t i a n o , o r e l i g i o s o é simbol isado da seguinte forma:de acor­do com a t e o r i a da comunicação, há um TRANSMISSOR, uma MENSAGEM, um RECEPTOR e um "FEEDBACK", como i l u s t r a o seguinte esquema emprestado de CLAUDE E. SHANNON, e re­produzido por JOHN R. PIERCE em seu belo estudo: "COMMUNICATIONS", publicado em se tembro de 1972, i n c l u i d o no "American S c i e n t i f i c " (página 32).

E i f o modifiquei e incluí um item a mais, o "feedback"

E - etnodrama P - possessões; mensagem C - congregação F - feedback

(*) J.L.BARRAULT: NOUVELIJiS RÍFLKXIONS SUR LE THEÁTRE.

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No decurso da celebração r e l i g i o s a , o transmissor é o drama r e l i g i o s o no sentido o r i g i n a l da palavra ou ETNODRAMA, acontecendo com seus cânticos, danças,ba tidas de tambor, gesti cul ações e frases .A mensagem é a possessão'em s i , e não é im­possível estudá-la de um modo científico, apesar de sua natureza algumas vezes obs cura; o "feedback" é particularmente bem conhecido no H a i t i no caso p a r t i c u l a r em que a c r i s e de possessão é diretamente induzida pela percussão dos tambores.

0 fenómeno da possessão é encontrado em vários níveis, tanto nos r i t o s re­l i g i o s o s como no comportamento l e i g o . Contudo, em ambas as oportunidades, o fenõme no é reconhecível pela disposição semelhante das características psicológicas e pe l a relação entre essas características, cujo conteúdo pode v a r i a r de uma cu l t u r a para outra, mas que permanece a mesma em sua apresentação ge r a l .

Invariavelmente, por meio da seguinte fórmula, i s t o é, "Identificação com outro ser mais metamorfose dentro de outro ser", o fenómeno da possessão revela o mesmo SIGNIFICADO, que é Deus. As palavras (psicológicas) IDENTIFICAÇÃO e METAMOR­FOSE caracterizam a interiorização do outro ser e a consequente transformação físj_ ca baseada nos modelos determinados pelas tradições r e l i g i o s a s , as crenças c o l e t i -vas.

Para o mundo o c i d e n t a l , que é dependente de uma civilização mecanística,as palavras identificação e metamorfose nada s i g n i f i c a m ; contudo, na mente dos cren -tes africanos e haitianos que vivem em íntimo relacionamento com seus Deuses,em um universo bem a r t i c u l a d o , é uma experiência concreta v i v i d a na a l e g r i a e na angus -t i a . E t a l como na antiga Grécia quando e x i s t i a a "thumba". As entidades e s p i r i ­tuais são vi v a s , sua encarnação é r e a l . A fé garante sua autenticidade.

Em t a i s circunstâncias, essas culturas fazem um uso extraordinário de todo o corpo como instrumento de linguagem^ 0 fenómeno da possessão é um símbolo do Di­vino e a dança é um meio de comunicação.

Em seu l i v r o , ESTUDOS DA SOCIOLOGIA^DA ARTE(*) e i s o que PI ERRE FRANCASTEL diz sobre a dança: "SÓ o ato de dançar implícita passos, gestos, movimentos e.atra vês da expressão f a c i a l , a situação e o sentimento de cada indivíduo; ele leva ca­da espectador a estabelecer com ele um dialogo, tanto mais preciso quanto maior for a proporção de emoção recebida dele. Assim, nossos gestos podem s e r v i r , assim como qualquer outro s i n a l , como o material para a criação de uma art e . " Se s u b s t i ­tuirmos "arte" por "linguagem", veremos o valor da dança como um meio de comunica­ção no cerimonial Vodu e o valor da totalidade do corpo humano como veículo desta linguagem.

Além d i s s o , podemos através da dança nos i d e n t i f i c a r com o que está acima de nossa compreensão, com o Divino?

ROGER GARAUDY f i l t r a alguma luz neste problema em seu l i v r o : "DONNER SA VIE" (página 25), e eu transcrevo: "Pode ser que este -seja o meio profundoque A r i s tóteles em sua POÉTICA denomina "mimesis", o ato de nos fazermos s i m i l a r e s a quem está fora de nós e acima de nossa compreensão. 0 dançarino de B a l i ou o ator-dança rino do japonês NO, como o c o r i s t a da tragédia grega ou o celebrante do culto Vodu, ou a pessoa possuida por um transe numa dança afri c a n a ou indú, todos imitamou per sonificam uma força, um herói, um Deus. Seria uma f a l s a e pobre concepção cons­t r u i r esta "mimesis" com o e s t r e i t o , p o s i t i v i s t a e n a t u r a l i s t a propósito de "imita ção". Ao contrário, i s t o implica no fato do homem s e n t i r a existência fora dele e acima de sua compreensão, que ê o que ele deseja e espera. Reunindo todas as suas forças e indo além de seus próprios l i m i t e s , ele aspira assemelhar-se a e l e , e no momento dourado do êxtase e da possessão, ele tem o sentimento de que f o i bem suce dido. Ele esquece de s i próprio enquanto p a r t i c i p a da vida heróica e divinadaquaT

(*) PIERRE FRANCASTEL: ÊTUDES DE SOCIOLOGIE DE L'ART(página 37). Ed. Denoel,Paris, 1910.

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e l e é o celebrante, tias danças gregas em honra a Baco, o c o r i f e u torna-se Baco, o hierofante se i d e n t i f i c a com a divindade".

Mostramos, assim, o papel essencial do simbolismo da possessão no mundo da religião africana e h a i t i a n a .

Filósofos, sociólogos, etnologos, coreógrafos e aqueles do mundo t e a t r a l têm a grata tarefa de projetar uma luz no etnodrama, que se apoia muito na estéti­ca do corpo, e atesta a riqueza da imaginação c r i a t i v a destas comunidades r u r a i s e suburbanas.

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- RESUME -

L 'auteur, reconnu studieux des problèmes s o c i o c u l t u r e l s de sa p.atri e, 1 'Haj_ t i , a developpé au cours de plusieurs années un travai 1 de recherche, l e plus pro-fond et vêritable sur le Vaudou et son influence sur l a sociéte haftienne. II mon-t r e , dans ce t r a v a i ! , comment l a dramatisation r e l i g i e u s e (ou êthnodrame, suivant sa dénomination), dans laq u e l l e 1'élêment l e plus puissant est l a possession r i -t u e l l e , presente un language ou un message, ã travers cette possession, â travers le language des corps, de l a danse et de 1'interprêtation de r o l e . II montre aussi comment ces valeurs r e l i g i e u s e s ont été des facteurs fmportants ã l a survivance, non seulement de l a cu l t u r e , mais de toute l a société haftienne, depuis 1'origine de 1 'êre s c l a v a g i s t e .

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- SUMMARY -

The author, a well-known scholar in the f i e l d of s o e i o c u l t u r a l problems i n his country, H a i t i , has been conducting for many years research work on Voodoo and i t s influence on Haitian society. His work has been praised f o r i ts depth and seriousness. In thi s paper he describes how r e l i g i o u s dramatization(or ethnodrama, i n his own words}, i n which possession i s the most powerful element, manifests a language or message' - through the possession i t s e l f - of the.body's language, of dance, and of r o l e - playing. He also makes evident how these r e l i g i o u s values were important factors f o r the s u r v i v a l of Haitian culture and society from the beginning of slavery.

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