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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ETNOECOLOGIA E BIOLOGIA REPRODUTIVA: UM ESTUDO SOBRE A PESCA E O PIRÁ (Conorhynchos conirostris) NA BARRA DO URUCUIA, MINAS GERAIS. THOMÁS TOSHIO YOSHINAGA MONTES CLAROS, MINAS GERAIS 2015

Etnoecologia e biologia reprodutiva: um estudo sobre a ... · conhecimento, alegrias, scripts do R, cerveja, risadas, em especial a Francine, Maíra, Sara, Bárbara, Sergio Renato,

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU EM CIÊNCIAS

BIOLÓGICAS

ETNOECOLOGIA E BIOLOGIA REPRODUTIVA: UM ESTUDO

SOBRE A PESCA E O PIRÁ (Conorhynchos conirostris) NA

BARRA DO URUCUIA, MINAS GERAIS.

THOMÁS TOSHIO YOSHINAGA

MONTES CLAROS, MINAS GERAIS

2015

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THOMÁS TOSHIO YOSHINAGA

ETNOECOLOGIA E BIOLOGIA REPRODUTIVA: UM ESTUDO

SOBRE A PESCA E O PIRÁ (Conorhynchos conirostris) NA

BARRA DO URUCUIA, MINAS GERAIS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Strictu Sensu em Ciências

Biológicas da Universidade Estadual de

Montes Claros como requisito necessário para

a conclusão do curso de Mestrado em Ciências

Biológicas.

Orientadora: Profª. Drª. Ana Paula Glinfskói Thé

Co-orientador: Dr. Daniel Vieira Crepaldi

MONTES CLAROS, MINAS GERAIS

2015

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THOMÁS TOSHIO YOSHINAGA

ETNOECOLOGIA E BIOLOGIA REPRODUTIVA: UM ESTUDO

SOBRE A PESCA E O PIRÁ (Conorhynchos conirostris) NA

BARRA DO URUCUIA, MINAS GERAIS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Strictu Sensu em Ciências

Biológicas da Universidade Estadual de

Montes Claros como requisito necessário para

a conclusão do curso de Mestrado em Ciências

Biológicas.

APROVADO:

Profª. Drª. Ana Paula Glinfskoi Thé – Orientadora

Prof. Dr. Anderson Medeiros dos Santos

Prof. Dr. Igor Simoni Homem de Carvalho

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A minha fortaleza: Mãe, Pai, Túlio, Tiemi, Tássio e Mônica.

Aos amigos pescadores da Barra do Urucuia.

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AGRADECIMENTOS

A meus pais, dona Valéria Yoshinaga, ao seu Antônio Yoshinaga e aos irmãos Tulio,

Tiemi e Tássio! Por proporcionarem os meios necessários para que pudesse “viver” de

estudar. Não existiria dissertação sem o apoio moral, financeiro e braçal de vocês. Hora

nenhuma vocês “negaram fogo”! Yoshi’S!

A Mônica Neli Alves que vem me acompanhando, suportando e incentivando a

alcançar um a um os objetivos pessoais que tanto almejo para o futuro. Te amo!

A Ana Thé que confiou em um aluno de “fora” e me proporcionou a oportunidade de

crescer pessoalmente e profissionalmente, sob sua orientação entrei na carreira acadêmica e

aprendi a olhar o mundo com outros olhos.

Ao Daniel Vieira Crepaldi, o co-“des”-orientador, com um pragmatismo sem igual, foi

prestativo nas horas de dúvidas, teve a paciência de ensinar e abriu as portas para

experiências incríveis.

Aos pescadores da “Barra do Urucuia” que abriram as suas casas para esse “Japa”

desconhecido e compartilharam os seus vastos conhecimentos sobre o ecossistema do “Velho

Chico”, pelos momentos de descontração proporcionados e também pela oportunidade de ver

o mundo por uma ótica diferente.

Aos tios Kiyoshi e Sonísia e os primos Harumi e Hiroyuki pelo carinho, apoio e pouso

quando foi necessário; a ajuda de vocês foi essencial.

As famílias Paiva (Dona Rusa, Luana, Ramon e Murilo) e Ribeiro (Dona Elenice,

Amanda, Jordana e Silvinho) pelo abrigo oferecido a um estranho e pelo apoio moral, as

conversas sobre a vida e o futuro da profissão foram inestimáveis.

A Érika Alvarenga pela paciência nos ensinamentos da prática histológica e aos

integrantes do LAQUA da UFMG, pela companhia e experiência compartilhada.

Aos companheiros de campo e risadas, Natália, Amanda, Tássio, Tiemi, Luana,

Camila, Aline, Ana Carina, Denis, Marília, Luciana Gomes, Maria Fernanda, Luciana dos

Anjos, Mariana Frois, Karen, Mariana Souto, Guilherme e Michelle, sem vocês as coletas

seriam bem mais pesadas e tediosas.

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Aos colegas de mestrado os quais compartilharam o sofrimento, angustias,

conhecimento, alegrias, scripts do R, cerveja, risadas, em especial a Francine, Maíra, Sara,

Bárbara, Sergio Renato, Ozorino Neto, Paulo D’angelis e Paulo Bittencourt, sem vocês essa

caminhada teria sido bem mais difícil e monótona.

Ao professor Alberto Peret da UFSCar em São Carlos-SP e a Diana Luz, bibliotecária

da CODEVASF em Brasília-DF, agradeço lhes os inúmeros auxílios prestados de tão boa

vontade sem me conhecer, espero algum dia poder agradecer pessoalmente as gentilezas

recebidas.

Ao IBAMA pelo apoio financeiro e logístico para a execução das coletas e análises de

biologia reprodutiva.

Ao Laboratório de Aquacultura da UFMG, por meio do professor Edgar de Alencar,

ao de Anatomia Vegetal da Unimontes, por meio da professora Olívia Mercadante; ao Núcleo

de Experimentação Animal da UFVJM, por meio do professor Alex Sander Machado, aos

quais possibilitaram as análises histológicas deste trabalho e contribuíram com vários

ensinamentos aqui utilizados.

A Companhia de Saneamento de Minas Gerais – Copasa/São Francisco e a Companhia

Hidro Elétrica do São Francisco - CHESF pelo fornecimento dos dados físico-químicos e

parâmetros hidrológicos.

Ao PPGCB da UNIMONTES.

A CAPES pelo fornecimento de bolsa.

A todos estes devo a gratidão, pois sem eles não existiria dissertação alguma, o meu

título é ter vivido experiências incríveis e feito grandes amigos, o papel é um detalhe.

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HITOTSU! JINKAKU KANSEI NI TSUTOMURU KOTO!

Primeiro! Esforçar-se para a formação do caráter!

HITOTSU! MAKOTO NO MICHI O MAMORU KOTO!

Primeiro! Fidelidade para com o verdadeiro caminho da razão!

HITOTSU! DORYOKU NO SEISHIN O YASHINAU KOTO!

Primeiro! Criar o intuito do esforço!

HITOTSU! REIGI O OMONZURU KOTO!

Primeiro! Respeito acima de tudo!

HITOTSU! KEKKI NO YU O IMASHIMURU KOTO!

Primeiro! Conter o espírito de agressão!

Dojo Kun – Lemas do Dojo

“Never say never, because limits, like fears, are often just an illusion”

Michael Jordan

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RESUMO

As comunidades ribeirinhas do rio São Francisco há anos vêm se relacionando com o

ambiente em que vivem, acumulando experiências, desenvolvendo saberes e crenças a

respeito deste ecossistema. O conhecimento ecológico tradicional dos pescadores da Barra do

Urucuia é amplo, abrangendo aspectos reprodutivos como, época e local de desova,

dimorfismo sexual, cuidado parental e comportamento reprodutivo; aspectos ecológicos

como, a importância das lagoas marginais e ciclo biológico das espécies; além do

conhecimento sobre espécies pouco estudadas como o pirá (Conorhynchos conirostris), um

peixe listado como ameaçado de extinção, mas abundante na região do estudo. Esta proibição

causa descontentamento por parte dos pescadores, pois a espécie possui importância social e

econômica para os mesmos. Em função desta demanda social, buscou-se trabalhar com a

biologia reprodutiva do pirá, determinando os parâmetros básicos como o período e o pico

reprodutivo, fecundidade e tamanho de primeira maturação, que são fatores importantes para

a gestão pesqueira, buscando assim promover um diálogo sobre a situação atual da espécie.

Dedicou-se aqui também a discussão do modelo de gestão adotado no país, propondo-se uma

mudança na forma de gestão, que passaria então a levar em consideração a participação dos

pescadores e seu conhecimento no processo de manejo dos recursos pesqueiros. Para isso,

foram relacionados os benefícios desta incorporação em um processo de gestão compartilhada

fazendo com que esta seja realmente eficaz e equitativa.

Palavras Chave: Etnoecologia; Biologia reprodutiva; Conorhynchos conirostris; Urucuia;

Pesca profissional; Conhecimento Ecológico Tradicional.

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ABSTRACT

The riverine communities of the São Francisco River for years have been in a

relationship with the living environment, accumulating experience, developing knowledge

and beliefs about this ecosystem. The traditional ecological knowledge of Barra do Urucuia

fishermen is broad, covering issues such as reproductive, time and place of spawning, sexual

dimorphism, parental care and reproductive behavior; ecological aspects, the importance of

lagoons and biological cycle of the species; besides the knowledge of species little studied as

pirá (Conorhynchos conirostris), a fish listed as threatened of extinction, but abundant in the

study area. This prohibition causes discontentment on the part of fishermen, because the

species has social and economic importance for them. In view of the fact that this social

demand, we tried to work with the reproductive biology of pirá, determining the basic

parameters such as period and the reproductive peak, fecundity and size at first maturity,

which are important factors for fisheries management, thus seeking to promote a dialogue on

the current status of the species. We devoted here also the discussion of the management

model adopted in the country, proposing a change in management, which would then consider

the participation of fishermen and their knowledge in the management process of fishing

resources. For this, were related benefits of this merger in a shared management process

causing this to be truly effective and equitable.

Key words: Ethnoecology; Reproductive biology; Conorhynchos conirostris; Urucuia;

Professional fisheries; Traditional Ecological Knowledge.

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SUMÁRIO

1. PREFÁCIO ................................................................................................................................................... 11

2. CAPÍTULO I - CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL SOBRE A REPRODUÇÃO DOS

PEIXES DO SÃO FRANCISCO .......................................................................................................................... 13

2.1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 13

2.2 OBJETIVOS ............................................................................................................................................... 22

2.3 MATERIAIS E MÉTODOS ....................................................................................................................... 22

2.4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................................................ 23

2.4.1 Descrição Socioeconômica da Comunidade Estudada ........................................................................ 23

2.4.2 Etnoictiologia Reprodutiva .................................................................................................................. 29

2.4.3 A Pesca na Barra do Urucuia ............................................................................................................... 42

2.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................................... 52

2.6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................ 53

2.7 APÊNDICE A – ROTEIRO ENTREVISTAS LIVRES ............................................................................. 58

2.8 APÊNDICE B – ROTEIRO ENTREVISTAS ESTRUTURADAS ............................................................ 59

3. CAPÍTULO II – ASPECTOS DA BIOLOGIA REPRODUTIVA DO PIRÁ (Conorhynchos conirostris) . 63

3.1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 63

3.2.1 Espécie alvo e sua demanda ................................................................................................................. 64

3.2.2 A ictiologia no São Francisco. ............................................................................................................. 66

3.2 OBJETIVOS ............................................................................................................................................... 70

3.3 MATERIAIS E MÉTODOS ....................................................................................................................... 70

3.4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................................... 76

3.4.2 Frequência nos estágios de maturação ................................................................................................. 78

3.4.2 Índices Somáticos e Correlação com as Variáveis Ambientais ........................................................... 83

3.4.3 Relação peso-comprimento e Fator de Condição................................................................................. 86

3.4.4 Fecundidade e Tamanho de Primeira Maturação ................................................................................. 87

3.5 CONCLUSÕES .......................................................................................................................................... 90

3.6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................ 91

4. CAPÍTULO III – POR UMA GESTÃO SOCIOAMBIENTAL NO SÃO FRANCISCO ............................ 96

4.1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 96

4.2 A contribuição dos pescadores e do seu conhecimento ecológico tradicional para uma gestão

compartilhada da pesca no São Francisco. ...................................................................................................... 101

4.2.1 Informações sobre biologia reprodutiva ............................................................................................ 101

4.2.2 Contribuição para a determinação do período de defeso ................................................................... 103

4.2.3 Informações básicas sobre espécies raras, em extinção ou pouco estudadas. .................................... 104

4.2.4 Contribuição com insights para estudos ............................................................................................ 106

4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................... 107

4.4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................................... 108

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1. PREFÁCIO

Este estudo surgiu da vontade de se desenvolver uma pesquisa envolvendo a

etnoecologia e a ictiologia, pois estas são as áreas ao qual me identifico e tenho prazer em

estudar. Sob a orientação da professora Dra. Ana Paula Glinfskoi Thé durante a graduação

surgiu à oportunidade do mestrado, por meio dela vim a conhecer o analista e pesquisador do

IBAMA Dr. Daniel Crepaldi que trabalha com monitoramento de desembarque pesqueiro no

médio São Francisco.

Através da necessidade de atualização dos dados da biologia reprodutiva de peixes da

bacia do São Francisco, e determinar parâmetros importantes para a regulamentação da pesca;

surgiu a ideia de unir o útil ao agradável, vinculando a avaliação do conhecimento tradicional

detido pelos pescadores a respeito dos eventos reprodutivos, perfazendo assim o conteúdo

deste trabalho.

A pesquisa foi realizada na localidade denominada aqui como “Barra do Urucuia”,

formalmente existe pescadores filiados a duas comunidades distintas “Comunidade Angico

Branco II” e “Comunidade Amigos e Moradores da Barra do Urucuia”. Existem

aproximadamente 62 famílias morando na Barra do Urucuia, os quais vivem basicamente da

pesca, e ainda muitos moradores encontraram no turismo pesqueiro, uma forma alternativa de

renda. No local, há três hotéis e inúmeros ranchos de pesca que são alugados para pescadores

amadores que vão ao local em busca de lazer.

A Barra do Urucuia é um bom local de estudo tanto para se trabalhar com o

conhecimento tradicional quanto com a biologia reprodutiva, pois lá residem famílias, cujos

seus ascendentes trabalhavam em fazendas da região, e que posteriormente foram se

estabelecendo na localidade, além das famílias que vieram da Bahia e as quais também se

firmaram no local. O fato em comum é que estes residentes estão trabalhando com a pesca há

anos e assim acumulando um extenso corpo de conhecimento, prática e crença sobre o

ambiente ao qual vivem. Nesse local também se localiza um trecho do rio São Francisco, que

está relativamente bem preservado sem intervenção de hidrelétricas, com a presença de lagoas

marginais e grandes afluentes como Paracatu, Urucuia e Pandeiros, sendo um local propício

para populações de peixes saudáveis.

Realizar este trabalho não foi tarefa simples, desdobrar-me para trabalhar com duas

áreas distintas, certas horas tornou-se complicado, entretanto com todas as dificuldades

encontradas e contornadas, posso afirmar que o fiz com prazer e espero que em meio a esta

grande quantidade de informações eu tenha me feito entender.

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O Capítulo I intitulado “Conhecimento ecológico tradicional sobre a reprodução das

espécies de peixes do São Francisco” traz informações sobre os aspectos reprodutivos das

espécies da bacia, como comportamento reprodutivo, dimorfismo sexual, cuidado parental,

migração e ciclo de vida; este capítulo traz ainda informações socioeconômicas dos

pescadores e também sobre a pesca na Barra do Urucuia.

O Capítulo II denominado “Aspectos da biologia reprodutiva do pirá (Conorhynchos

conirostris)” é referente à parte da biologia pesqueira, determinando parâmetros reprodutivos

como os índices somáticos, fecundidade e tamanho de primeira maturação estimado para

auxiliar na gestão pesqueira. Entretanto esta espécie consta como ameaçada, sendo sua

liberação constantemente reclamada pelos pescadores fundamentados nas observações diárias

de que a espécie é abundante e não está em extinção.

O Capítulo III nomeado “Por uma gestão socioambiental da pesca no Rio São

Francisco” surgiu numa tentativa de estabelecer uma discussão sobre a gestão da pesca no

médio São Francisco, buscando uma alternativa ao atual modelo adotado pelo Estado de

Minas Gerais, evidenciando as tentativas de mudança e as possíveis alternativas para uma

gestão realmente eficaz e equitativa.

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2. CAPÍTULO I - CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL SOBRE A

REPRODUÇÃO DOS PEIXES DO SÃO FRANCISCO

2.1 INTRODUÇÃO

A sobrevivência do homem sempre esteve relacionada com o uso dos recursos

naturais, partindo da coleta e extração para sua manutenção e posteriormente evoluindo para

atividades mais complexas (MARRUL-FILHO, 2009). Estas estreitas relações com o meio

ambiente permitiram o acúmulo de experiências ao longo dos milhares de anos, e é este corpo

de conhecimento que representa o Conhecimento Ecológico Tradicional (BERKES, 1993).

Desta maneira, define-se etnoecologia como o estudo das crenças e saberes

acumulados a partir das experiências vividas com base na estreita relação com o meio

ambiente (GADGIL; BERKES; FOLKE, 1993; TOLEDO, 1992). Estes saberes acumulados

são extremamente versáteis, abrangem desde relações ecológicas até aos campos da

etnociência como a agricultura, etnobotânica, etnozoologia, etnofarmacologia,

etnoveterinária, conservação da água e solo, alimentação humana e cura, dentre outros

campos (BERKES, 2008). Esta é uma área que envolve vários profissionais como

antropólogos, geógrafos humanos, biólogos, ecólogos, economistas e políticos teóricos

(BERKES, 1985). De acordo com Toledo e Barrera-Bassols (2009) a etnoecologia é um novo

campo de estudo, que valoriza os conhecimentos milenares é caracterizada como sendo uma

área pós-normal por desafiar os paradigmas da ciência moderna, além de transdisciplinar e

híbrida, por permear entre diversas áreas de estudo promovendo o diálogo de saberes e a

revalorização das culturas e povos geralmente ignorados.

Na etnoecologia, o foco está nos sistemas de conhecimento de populações locais e

converge para a discussão do Conhecimento Ecológico Tradicional (CET) que é definido

como: “um corpo cumulativo de conhecimento, prática e crença, evoluindo por processos

adaptativos e transmitidos através das gerações por transmissão cultural, sobre as relações dos

seres vivos (incluindo humanos) com os outros e seu ambiente” (BERKES, 2008, p.7).

Existe ainda o termo Conhecimento Ecológico Local (CEL) que é definido como

“conhecimento recente não tradicional” (BERKES, 2008, p.9), desta forma, tal conhecimento

se dá a partir das observações dos usuários locais em seus contextos específicos (THÉ, 2003).

Trabalhos citados por Berkes (1999) como “The Land Ethics” de Aldo Leopold

(1949), “Gaia” de Lovelock (1979), “Deep Ecology” de Naess (1989), demonstraram o

interesse nesse tipo de conhecimento baseado na experiência acumulada ao longo de milhares

de anos, buscando o elemento pessoal e espiritual que é ausente na ecologia científica. Outros

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trabalhos como Callicott (1994); Bruun e Kalland (1995) também citados por Berkes (1999)

exploraram as religiões orientais e a visão dos nativos americanos em busca de insights para o

manejo sustentável dos recursos naturais.

A importância do CET, de acordo com Berkes et al. (1995), vai além do seu valor

sociocultural, existindo razões práticas principalmente para a conservação da biodiversidade

onde este conhecimento pode ser utilizado, como:

O CET oferece novos conhecimentos biológicos e insights ecológicos;

Alguns sistemas CET fornecem modelos para o manejo sustentável dos

recursos;

O CET é relevante para áreas protegidas e educação ambiental;

O uso do CET é crucial para o plano de desenvolvimento;

O CET pode seu utilizado na avaliação ambiental.

Em Berkes (1993); Berkes et al (1995) afirmam que o CET é uma forma de

conhecimento paralela à ciência ocidental e se difere da mesma por diversos pontos como:

O CET é principalmente qualitativo (em oposição ao quantitativo);

O CET possui um componente intuitivo (ao contrário de ser puramente

racional);

O CET é holístico (em oposição ao reducionismo);

Para o CET, mente e matéria são consideradas uma só (contrário a ideia de

separação de mente e matéria);

O CET é moral (em oposição ao livre-valor);

O CET é espiritual (oposto ao mecânico);

O CET é baseado em observações empíricas e acumulação de fatos por

tentativa e erro (oposto à experimentação sistemática e acumulação deliberada

de fatos);

O CET é baseado em dados gerados pelos próprios usuários do recurso (oposto

a aqueles gerado pelo grupo especializado de pesquisadores);

O CET é baseado em dados diacrônicos, por exemplo, longas séries de

informações em uma localidade (oposto aos dados sincrônicos, por exemplo,

pequenas séries de tempo sobre amplas áreas);

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É necessário entender que há diferentes formas de compreender a natureza e o

relacionamento do ser humano com esta; a maneira ocidental com base na ciência moderna é

uma delas, além desta, existe aquela que reúne inúmeras formas de entender o mundo natural

e as quais são entendidas como conhecimentos tradicionais (GADGIL; BERKES; FOLKE,

1993; TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2009).

São discutidas pelo menos três formas de conhecimento existentes seguindo a proposta

de Lévi-Strauss1: a paleolítica que é uma ciência anterior ao advento da agricultura e do gado,

a neolítica com idade até 10.000 anos e a moderna que remonta os últimos trezentos anos,

coincidindo com a criação das primeiras sociedades científicas na Inglaterra e na França e que

desde então tem dominado o espaço formal do saber (espaço científico). Esta última forma

tem atuado na busca por variedades de espécies geneticamente melhoradas, no avanço dos

agroquímicos e maquinarias (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2009).

Contudo, observa-se uma mudança nos tempos modernos a partir da década de 1980,

na qual o resgate de outras formas de conhecimento torna-se necessário, visto que a crise

ecológica vivenciada nesta época trouxe fortes evidências de que os recursos naturais estavam

sendo sobre-explotados, levando a entender que estes estavam sendo manejados de maneira

ineficaz.

A justificativa para a ineficácia do manejo e consequentemente na contribuição à crise

ecológica está ligada a ideia hegemônica de que a ciência ocidental com seu pensamento

racional, o seu método científico de análise, a estratégia de manejo baseado no comando e

controle são as únicas formas corretas e suficientes para gerenciar os recursos naturais

(GOMEZ-POMPA; KAUS, 1992; HENLEY; BERKES, 1997; HOLLING; MEFFE, 1996;

THÉ, 2003).

Além desta ideia hegemônica de que a ciência moderna é a única forma capaz de

manejar e gerenciar os recursos naturais; existe também a ideia da criação de parques e

reservas como estratégia de conservação da natureza, sendo estes locais considerados como

um mundo natural, selvagem e intocável. Mas seria difícil afirmar a existência de uma

natureza em estado puro, virgem, pois pesquisas demonstram que as áreas consideradas

naturais já foram extensivamente manipuladas por outras populações no passado (DIEGUES,

2001).

Este neomito2 transpassado dos Estados Unidos para os países considerados

subdesenvolvidos, não se adequa a realidade brasileira, já que a situação ecológica, social e

1 Claude Lévi-Strauss – O Pensamento Selvagem (1964) 2 Mito moderno segundo Diegues (2001)

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cultural é totalmente distinta. Embora aparentemente vazias, as florestas tropicais abrigam

diversas populações como povos indígenas, comunidades ribeirinhas, extrativistas e de

pescadores artesanais, que detém uma cultura tradicional, seus próprios mitos e

principalmente relações com o mundo natural distintas das sociedades urbano-industriais

(DIEGUES, 2001).

Gerenciar os recursos naturais baseado em decisões sobre o acesso, uso e conservação

da biodiversidade, negligenciando as percepções e as experiências daqueles que estão

intimamente relacionados com a natureza, resultará em ação ineficaz e incorreta pelo fato de

gerar conflitos de caráter ético, social, econômico, político e cultural (DIEGUES, 2001).

O manejo convencional dos recursos naturais, denominado manejo por “comando e

controle”, busca minimizar o alcance das variações do ambiente em detrimento da

previsibilidade e/ou estabilidade. Soluções deste tipo só funcionam quando o problema é bem

delimitado; é claramente definido e com a relação causa-efeito linear (HOLLING; MEFFE,

1996). Tratando de sistemas com alta complexidade como as florestas de países tropicais, a

aplicação desta metodologia está fadada ao fracasso com consequências imprevisíveis e

indesejáveis (HOLLING; MEFFE, op. cit.).

Para encontrar um manejo que seja realmente ideal, é preciso primeiramente

reconhecer que o sistema abrange diversas áreas das ciências como ecologia, economia e

sociais. Outro passo importante é entender que tais sistemas social e ecológico são

profundamente interconectados e co-evoluem através da escala espaço-temporal (FOLKE,

2007).

Tanto cientistas naturais, quanto sociais, estudando em várias regiões do mundo

relatam o sucesso do manejo dos recursos por algumas populações locais, que mantem

sistemas de manejo viáveis nas atividades de extração (BERKES, 1985). Tais resultados

levantam questionamentos de como estas populações escapam da “tragédia dos comuns,”

teoria que postula sobre a exaustão dos recursos naturais pelos seus usuários, em função do

uso sem limites (HARDIN, 1968).

Especificamente dentro destes sistemas que envolvem a pesca, existem diferentes

modelos de manejo de recursos pesqueiros com níveis de complexidade variáveis, desde

sistemas que obtém êxito por exibir um manejo a nível local, até aqueles em que este arranjo

local foi inexistente e fracassaram trazendo consequências como a sobre-pesca (BERKES,

1986).

Acresce que para entender estes sistemas, primeiramente é necessário compreender

com quais tipos de recursos se trabalha; em teoria existem cinco tipos de recursos: livre

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acesso, propriedade privada, propriedade comum, propriedade do estado e propriedade global

ou internacional (OSTROM, 1990).

Segundo Marrul-Filho (2009) baseado em Ostrom (1990), os recursos de livre acesso

são aqueles que não existem proprietários e nem regras de acesso, sendo desta forma, livre

para qualquer indivíduo ou empresa. Os de propriedade privada pertencem aos indivíduos ou

empresas que possuem o direito exclusivo de uso, inclusive de comercialização total ou parte

dos recursos obtidos, podendo ainda transferir o direito de uso. Os recursos de propriedade

comum são aqueles que pertencem a uma comunidade ou usuários que possuam relações

culturais muito fortes, sendo vetado o uso para aqueles não pertencentes à comunidade, não

podem fazer uso exclusivo ou transferir o direito de uso, sendo este igual para todos os

membros. Os de propriedade do estado são aqueles em que a Constituição do País estabelece

que pertençam ao estado, cabendo a este decidir como os recursos devem ser explorados,

manejados e ceder direitos de acesso aos seus cidadãos ou empresas. Por último, os de

propriedade global ou internacional são aqueles que se encontram além das zonas

econômicas exclusivas (ZEE’s) sendo de uso comum entre as nações e prevalecendo o livre

acesso, com ressalvas de alguns recursos importantes para a economia ou meio ambiente, para

estes são criadas regras de uso visando evitar o livre acesso e suas consequências para os

estoques.

A Constituição Brasileira determina que os recursos pesqueiros sejam de propriedade

da União, desta forma, o mesmo regula o acesso a tais recursos. Porém em muitos casos os

recursos estão enquadrados mais como livre acesso do que propriedade do estado (RUFFINO,

2005), já que embora o Estado brasileiro exija o registro de pesca como forma de regular o

acesso, não existe a fiscalização para distinguir quem está utilizando o recurso legal e ou

ilegalmente.

Todavia em meio à crise que se encontra o setor pesqueiro nacional, o Estado tem

firmado parcerias com as comunidades de pescadores e empresários de pesca em algumas

situações para redesenhar e reestabelecer sistemas e regras mais eficientes para a gestão

pesqueira (MARRUL-FILHO, 2009).

O uso do CET e as práticas de manejo associadas a ele são demonstrados em diversos

estudos ao redor do mundo, estes trabalhos ilustram que o uso destas práticas podem ser

utilizadas como alternativa na gestão convencional dos recursos naturais. Em seguida, estão

sumarizados alguns exemplos, os quais as populações locais por meio da criação de diferentes

tipos de regras obtiveram sucesso na explotação dos recursos.

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Um estudo sobre o uso dos recursos pesqueiros em uma comunidade indígena Cree no

norte do Canadá, no qual Berkes (1977) demonstrou que ela possuía um alto grau de

ordenamento, principalmente na organização social do esforço de pesca, na regulação do

tamanho da malha das redes utilizadas, na limitação da pesca apenas em águas rasas e sítios

tradicionais e na utilização de todas as partes dos peixes capturados, possibilitando a

população dos Cree um total controle do esforço pesqueiro.

Johannes (1978) buscou compreender como os nativos da Oceania exploravam os

recursos pesqueiros marinhos, assim observou que as populações estudadas eram conscientes

de que os recursos explorados eram finitos, e assim desenvolveram meios para a conservação

da biota, tais como: direitos de pesca controlados, áreas e períodos proibidos para a pesca,

soltura de parte da captura e proibição da captura de indivíduos pequenos. Além disso, os

habitantes destas ilhas possuíam um vasto conhecimento acumulado sobre o comportamento e

movimentos de animais marinhos através da observação e captura cotidiana, possibilitando

diversas "descobertas" para a ciência (JOHANNES, 1989).

O trabalho sobre a comunidade de pescadores comerciais de Outer Long Point Bay no

Lago Erie realizado por Berkes e Pocock (1981), demonstrou que estes possuíam um sistema

de autorregulação que evitava conflitos causados por aglomerações de pescadores com redes

de emalhar, e impunha limites no tamanho dos indivíduos capturados e nos tamanhos das

malhas das redes de pesca. Neste estudo observou-se que o modelo surgiu devido uma crise

dos recursos pesqueiros do Lago Erie, como uma resposta adaptativa dos pescadores à

percepção de vulnerabilidade dos estoques pesqueiros. De forma que, com o estabelecimento

de regras para controlar o uso dos recursos, foi possível manter os estoques e produção

pesqueira suficiente com bons retornos financeiros.

Um estudo realizado sobre a pesca costeira na Turquia comparou cinco localidades e

explicitou que em três delas havia evidências de manejo a nível local dos recursos. Nestas

localidades, as cooperativas restringiam o número de pescadores e diversas outras medidas de

controle foram estabelecidas como: a vigilância da área de pesca, os financiamentos para seus

pescadores, o investimento na estocagem de pescado para controle dos preços, a proteção

contra invasão de barcos de arrasto, o banimento de técnicas predatórias como o uso de

dinamites e arpões. Desta maneira o autor ressalta que a pesca de pequena escala onde a

comunidade é relativamente homogênea e o grupo é pequeno, as ações de reciprocidade e

mutualidade são viáveis facilitando assim o manejo apropriado (BERKES, 1986).

Nas corredeiras de Buritizeiro, situada as margens do rio São Francisco, existe um

sistema de manejo que funciona há mais de 30 anos, utilizando quatro pontos divididos na

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corredeira e possui um rotacionamento de usuários com horários específicos (THÉ e NORDI,

2006; THÉ, 2003). Trata-se de um sistema que permite o regime de pesca e de descanso do

sítio pesqueiro, além de possuir especificidades que restringe a entrada de novos usuários,

mas que ao mesmo tempo evitam conflitos. As únicas formas de obter acesso às corredeiras

são por "direitos adquiridos", os quais compreendem àqueles pescadores que participaram da

divisão dos sítios após a proibição da pesca em corredeiras pela SUDEPE; "direito por

consentimento" que corresponde ao empréstimo do horário, quando os donos não podem

pescar sob o possível pagamento da metade da produção; "direito por compra" por aqueles

que compram o horário do "dono do ponto" e "direito por herança" que corresponde ao direito

de uso por descendência dos antigos pescadores (THÉ; NORDI, 2006; THÉ, 2003).

O mecanismo apresentado no sistema que visa evitar ou minimizar os conflitos é

denominado “ir na aguarda”, onde um segundo pescador vai ao sítio de pesca junto com o

dono do horário, lançando seu petrecho logo após o dono (THÉ; NORDI, 2006), este exemplo

demonstra como a população local é capaz de manejar os recursos naturais, apesar deste ser

um sistema de pesca ilegal por ocorrer em um local proibido, nas “corredeiras”, os seus

rendimentos são semelhantes aos de outros locais do rio (GODINHO; BRITO; GODINHO,

2003). Entretanto nenhum esforço por parte dos órgãos legisladores foi realizado para

legalizar este sistema de manejo.

A saber, a proibição da caça das baleias da Groenlândia (Balaena mysticetus) levou a

interrupção de uma tradicional atividade dos esquimós do Alasca, em contrapartida os

mesmos se organizaram e criaram uma comissão para representar a comunidade de caçadores

na luta pelo seu direito. Após a proibição foi realizado um censo por pesquisadores, baseado

na observação e contagem de indivíduos passando pelas rotas conhecidas, estimando a

existência de 2000 a 3000 baleias, e a partir deste número foram estabelecidas as cotas de

captura para a população esquimó. Eles não concordaram com a estimativa realizada pelos

pesquisadores, os esquimós por considerarem haver um número bem maior de indivíduos do

que o amostrado, desta forma questionaram a acurácia da amostragem realizada. As

pressuposições do censo visual eram de que todas as baleias passavam pelas fendas no gelo e

se não existe caminho no gelo, as mesmas não migrariam pelo local. Entretanto, os esquimós

afirmaram que as baleias migravam por outras rotas abaixo do gelo, para confirmação das

informações, pesquisadores foram até os locais indicados pelos esquimós e através da

visualização e com o auxílio de equipamentos de escuta puderam complementar a estimativa,

atualizando o cálculo para valores entre 6000 e 8000 baleias. Concluíram que as baleias

migravam sob o gelo e quando não havia aberturas neste, elas respiravam através de pequenas

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falhas ou quebravam o gelo forçando seus respiradores em locais mais finos (ALBERT, 2000;

HUNTINGTON, 1989 apud HUNTINGTON, 2000).

Em outro estudo, a integração dos pescadores ao processo de manejo foi essencial

para a recuperação dos estoques pesqueiros do pirarucu (Arapaima spp.) na bacia Amazônica

(CASTELLO et al., 2009). A declaração realizada pelo IBAMA em 1996 de que o pirarucu

estaria em estágio crítico de sobre-explotação levou o órgão a decretar a proibição da pesca

desta espécie, por dois anos, em todo o estado, e renovada ainda por mais duas vezes. Os

pescadores já afirmavam que sem o pirarucu e o tambaqui, outra espécie que foi proibida na

mesma ocasião, não obteriam lucro sobre a pesca. Entendendo que a pesca do pirarucu estava

proibida e que esta atividade só poderia ser realizada mediante aos sistemas genuinamente

gerenciados, os pescadores se organizaram e propuseram um sistema de manejo do pirarucu

baseado no rotacionamento em trinta e um dos lagos entre os oitenta existentes. A proposta

encaminhada ao IBAMA foi aprovada em junho de 1999 e esta requisitava três toneladas de

pescado no final do ano de 1999 (VIANA et al., 2004).

Após a proposta de manejo ter sido bem vista principalmente pelos pescadores’ em

função dos rendimentos obtidos, outra “ferramenta” tornou-se disponível e através do

conhecimento mantido pelos pescadores foi possível padronizar um método de contagem dos

pirarucus. Devido estes peixes serem respiradores obrigatórios de ar, através da visualização e

audição no momento em que os peixes subiam a superfície para respirar, possibilitou aos

pescadores distinguir e estimar a quantidade de peixes em cada lago baseado em uma série de

características como: tamanho, cor, quantidade de água deslocada, som da respiração e

comportamento. As contagens realizadas foram fortemente correlacionadas com os

experimentos e marcação-recaptura (CASTELLO, 2004).

Com oito anos de manejo, a população desta espécie aumentou de 2200 para 20650

indivíduos, consequentemente as cotas para captura também cresceram consideravelmente,

levando ao incremento de mais pescadores ao manejo, os quais foram beneficiados com um

melhor retorno financeiro. Os pescadores da comunidade de Jarauá ainda desenvolveram

outras formas de manejar os recursos pesqueiros, criando algumas regras, por exemplo, a

proibição de uso de redes de emalhar no mês em que o nível de água estiver baixo devido a

facilidade de captura, o que poderia ocasionar na depleção dos estoques (CASTELLO et al.,

2009).

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A Resex do Mandira3 situada no município de Cananéia, no estado de São Paulo,

também é um exemplo de integração entre os usuários do recurso e seu conhecimento

acumulado, auxiliou-os na gestão dos recursos naturais. Os próprios “mandiranos” já

percebiam um declínio nos recursos da Resex, sendo as causas atribuídas aos próprios

comunitários, principalmente pelo extrativismo das ostras abaixo do tamanho mínimo

permitido pela legislação, e vendidas em grandes quantidades a um baixo preço. Foi

elaborado um plano de manejo e por meio de assembleia, os comunitários foram ouvidos e

então o plano foi firmado, as principais mudanças foram à exclusão de usuários não

pertencentes à Resex, mudança na forma de abastecimento dos viveiros de engorda de ostras e

não extração de ostras nos períodos de defeso entre os anos de 2005 a 2007 (CARDOSO,

2008; MACHADO et al., 2011).

Consequentemente houve o abandono da extração fora da Resex em função do

aumento dos estoques, assim também os manguezais da reserva tornaram-se suficientes para

manter toda a comunidade, além disso, foi perceptível para comunidade o aumento visual nos

estoques, principalmente no tamanho comercial e no número de sementes ou “crias” presentes

nas raízes, ainda houve a constatação da melhoria na produtividade e rendimento financeiro

(CARDOSO, 2008; MACHADO et al., 2011). Tal estudo demonstra como a integração dos

usuários ao manejo é a melhor forma de gerenciar o uso de recursos; sem o apoio local, as

chances de o manejo obter sucesso são mínimas (MOLLER et al., 2004), sendo a inversão de

gestão de um modelo top-down para bottom-up a possível solução.

As divergências sobre os períodos de defeso estabelecidos surgiram a partir do conflito

entre pescadores e órgãos gestores na região do Guaporé em Rondônia. Para os pescadores, a

legislação não condizia com o que ocorria biologicamente com os peixes, o que acarretaria na

depleção do estoque pesqueiro, já que as espécies não estariam protegidas na época

reprodutiva (DORIA et al., 2008).

A partir do estudo conduzido por Doria et al. (2008) utilizando o CET acumulado

pelos pescadores e comparado com dados experimentais de biologia reprodutiva, foi possível

comprovar as divergências entre o que a legislação estabelecia como defeso e o que ocorria

biologicamente no ambiente estudado. Desta forma, percebe-se como o CET contribuiu para o

manejo dos recursos pesqueiros, complementando com informações essenciais que muitas

vezes passam despercebidos pelos pesquisadores. O trabalho ainda propôs a adequação das

3 Reserva Extrativista (RESEX) criada através do Decreto s/nº de 13 de dezembro de 2002.

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portarias de defeso para a bacia do Guaporé para cinco espécies, contribuindo para a

preservação dos recursos pesqueiros no período correto.

De fato, a manutenção dos estudos, e o reconhecimento e a utilização do

Conhecimento Ecológico Tradicional dos usuários de recursos naturais se faz necessário. As

populações tradicionais possuem o conhecimento sobre a biota, a área, as águas, o clima e

suas variações sazonais, o que lhes conferem a vantagem para sua sobrevivência. Estas

populações tendem familiarizarem com plantas e animais, suas preferências de habitat e

distribuição local, ciclo de vida e suas manifestações sazonais, comportamentos e usos

(DIAMOND, 1989 apud BERKES; FOLKE; GADGIL, 1995).

Como demonstrado pelos exemplos, o Conhecimento Ecológico Tradicional mantido

pelos povos e comunidades é fruto das estreitas relações com o ambiente com o qual vivem, e

o esforço em descrever este complexo de saber, crença e prática pode trazer inúmeros

benefícios para a ciência.

2.2 OBJETIVOS

Concatenar dados etnoecológicos a respeito do sistema socioambiental da pesca na

região, com ênfase nos aspectos reprodutivos dos peixes;

Descrever o calendário etnoecológico para as principais espécies de peixes comerciais

em contribuição a determinação mais adequada dos períodos de piracema e defeso na

gestão da pesca na Bacia do São Francisco;

Demonstrar como a utilização do Conhecimento Ecológico Tradicional pode

contribuir com a gestão dos recursos pesqueiros.

2.3 MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo foi realizado no município de São Francisco, em uma comunidade

denominada neste trabalho como “Barra do Urucuia”, situada na margem direita do rio São

Francisco. Trata-se de uma comunidade com aproximadamente 62 famílias residentes, e que

possui seu modo de vida baseado na pesca e no turismo pesqueiro, além de possuir estrutura

para receber turistas, como hotéis, ranchos de pesca, bares e quiosques.

A coleta de dados etnoecológicos foi realizada inicialmente através de entrevistas

livres e posteriormente estruturada por amostragem intencional (VALENCIO, 2007), através

da identificação dos pescadores mais experientes. A partir das entrevistas livres foram

levantados os pontos de interesse para as entrevistas estruturadas, nesta etapa permitiu ainda o

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melhor entendimento das expressões utilizadas pelos informantes, conforme proposto por

Marques (2001). Utilizou-se um roteiro de questões abertas (APÊNDICE A) e fechadas

(APÊNDICE B) as quais intercalavam o diálogo aberto entre o pesquisador e o sujeito

informante com respostas diretas. Os dados foram gravados, quando possível, ou anotados

diretamente no diário de campo para posterior análise. Foi utilizada à metodologia "geradora

de dados" proposta por Posey (1987) na qual procurou ser o menos restritivo possível para

evitar o constrangimento do entrevistado, podendo assim responder de acordo com os seus

próprios conceitos e lógica. Os dados obtidos foram utilizados para comparações com a

literatura científica, onde foram elaboradas tabelas de cognição comparada, conforme a

metodologia utilizada por Marques (2001) e Thé (2003).

A coleta de dados etnoecológicos estendeu-se até a saturação das respostas obtidas, no

caso, quando foi observada a repetição das respostas, optou-se por interromper a pesquisa,

devido ao fato de que o acréscimo de novas informações que ampliassem o entendimento do

conhecimento etnoecológico e da pesca em si seria raro em função da quantidade de

entrevistas a serem realizadas. (VALENCIO, 2007).

2.4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

2.4.1 Descrição Socioeconômica da Comunidade Estudada

2.4.1.1 Família e Escolaridade

Foram entrevistados 17 pescadores da comunidade, para a parte socioeconômica

obteve-se os seguintes dados: idade, tempo de pesca, cidade de origem, escolaridade, registro

de pesca profissional, renda vinculada à pesca e outras atividades econômicas e expectativas

sobre os filhos na perpetuação da profissão desempenhada por eles.

Destes, 88% eram homens, 70% naturais do próprio município de São Francisco-MG

como demonstrado na Figura 01. A média de idade de 41 anos sendo o mais novo com idade

de 27 anos e o mais velho 67 anos. A maioria dos pescadores é casado ou possui união

estável, além disso, observou-se também a presença de alguns solteiros ou divorciados. As

famílias dos entrevistados são compostas por pai, mãe e filhos com exceção de alguns casos

em que netos também vivem juntos.

Dois pescadores não possuem filhos; entre os que possuem, o número de descendentes

varia entre 1 e 12, com média de três filhos por pescador. No que diz respeito à vontade de

que seus filhos continuem na profissão de pescador, 88% responderam que não, apenas um

entrevistado respondeu que sim e outro não soube responder.

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Figura 01 – Cidades de origem dos pescadores entrevistados.

A família dos pescadores entrevistados é do tipo nuclear, aquela composta por pai,

mãe e filhos, corroborando com as afirmações para o perfil do pescador profissional artesanal

do Alto-Médio São Francisco (VALENCIO et al., 2003; VALENCIO, 2007).

Pode-se também observar uma mudança da própria percepção de alguns pescadores no

que diz respeito ao sustento das suas famílias através da pesca. Segundo os relatos de alguns

pescadores, eles e seus irmãos foram criados a partir do que era pescado pelo seu pai, estes

criaram seus filhos com o que era provido pela pesca, mas atualmente não conseguem

“render” a família com dinheiro de peixe. O seguinte trecho ilustra a dificuldade em se criar

os filhos com a renda da pesca.

P-11 – “...eu vou contar, vai diminuir mais (os peixes) eu mesmo só espero

do rio aí, sempre falo com os meninos, os meus estão todos criados também,

mas eu falo pra eles irem cuidando de outras coisas. É trabalhar, todos já

trabalham aqui e acolá, e já estão criados, mas eu criei eles com peixe, eles

todos criei foi pescando, agora de uns anos pra cá uns quinze anos pra cá,

comprei essas terrinha aí e vivia de grão em grão aí, só tinha o lugar de

morar na casinha e eu criei com peixe, papai também me criou foi pescando.

E hoje em dia muitos desses pescadores aí que tem criança se ele não

rebolar ele não dá conta de criar. Pra dar conta de criar um bocado de filho

aí, remédio, escola e tudo, num dá não, escola hoje em dia ainda até que tá

tendo uma ajuda aí do governo, mas ninguém sabe se vai ser cortado

também não... mas a pessoa viver de peixe aí pra manter casa, manter

família não vive mais não moço. E ainda tem uns novo aí que só ele, a

mulher e igualmente uns meninos ali em cima só vivem de peixe, pescando,

pode-se dizer que é dia e noite, dia e noite. Mas as familiazinha é miudinha,

pode dizer que é a mulher e a filha, outro pode dizer que nem filho não tem...

mas o camarada pra render família pra viver desse rio aí vai passar

apertado”

O grau de escolaridade dos entrevistados centrou-se no fundamental incompleto,

sendo que 29% não obtiveram nenhum tipo de instrução escolar formal e 59% não concluíram

0

20

40

60

80

Icaraí Pintópolis Remanso São Francisco São Romão

(%)

Municípios

Cidade de Origem

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o ensino fundamental, os anos iniciais, equivalente à antiga 4ª série como demonstrado na

Figura 02.

Figura 02 – Grau de escolaridade dos entrevistados

A baixa escolaridade é uma característica que marca esta profissão, 88% dos

pescadores entrevistados não possuem instrução escolar formal ( não concluíram a educação

básica), os resultados encontrados não estão distantes de outros municípios do Alto-Médio

São Francisco, Valêncio et al. (2003) citou que 64,2% dos entrevistados em sua pesquisa não

tiveram nenhuma forma de escolarização formal ou até quatro anos de estudo.

“Como a maioria dos pescadores” não tiveram condições de ter um ensino formal,

desta forma, trabalham e fazem esforço para que seus filhos estudem e sigam outras

profissões e justificam que a “pesca está declinando”, “que o peixe está acabando” e “que

precisa estudar e virar doutor”. Percebe se nas entrevistas, a valorização do estudo, a busca

por novos trabalhos mais “promissores” e o reconhecimento de que a pesca é uma atividade

desgastante.

Embora haja esse desejo de que seus filhos estudem e busquem profissões mais

“promissoras”, observou-se na comunidade estudada que ainda existem muitas crianças e

adolescentes, cuja faixa etária é de 10 e 16 anos, já engajados nas atividades pesqueiras como

ajudantes, ganhando de dois a quatro reais por quilo de pescado adquirido. Desta maneira, um

dos pescadores afirmou que mesmo com as “facilidades” de hoje em dia para se estudar, é

possível ver que a pesca ainda atrai os jovens que buscam uma forma de adquirir seu próprio

dinheiro e assim adquirir alguma independência.

Embora a realidade da grande parte dos pescadores seja esta, o estudo formal tem sido

valorizado pelos pescadores, trata-se de uma forma de reinserção social para os seus filhos

(VALENCIO et al., 2003; VALENCIO, 2007). Foi possível visualizar este fato no desejo dos

0

20

40

60

80

Ensino FundamentalCompleto

Ensino FundamentalIncompleto

Não Estudou

(%)

Escolaridade dos entrevistados

Escolaridade

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pescadores entrevistados neste trabalho, muitos não tiveram meios para seguir no ensino

formal, as dificuldades de deslocamento até as escolas mais próximas, a necessidade de

trabalhar para ajudar em casa foram alguns motivos. Entretanto, os pescadores desejam que

seus filhos estudem e se dediquem a outras profissões, que como destacado por Valêncio

(2007) são vistas como mais promissoras do que aquelas das águas do rio.

2.4.1.2 O tempo de profissão

O tempo de profissão variou entre 13 e 59 anos, com média de 30 anos, sendo que

apenas um não possui a carteira de pesca. Observou-se também que a iniciação as atividades

de pesca foi quando a maioria era muito jovem, todos os pescadores entrevistados iniciaram

as atividades de pesca antes dos 16 anos, destacando sete destes pescadores começaram antes

dos 10 anos.

A idade média dos pescadores, alvo deste estudo, é semelhante aos encontrados por

Thé (2003) como observado na Tabela 01. Em sua pesquisa a autora trabalhou em quatro

cidades ribeirinhas (Três Marias, Pirapora, Buritizeiro e Januária).

Tabela 01 – Idade dos pescadores artesanais do médio São Francisco.

Município Média de Idade Idade Mínima Idade Máxima

Barra do Urucuia 41 27 67

*Três Marias 37 20 72

*Pirapora 43 24 73

*Buritizeiro 40 27 70

*Januária 46 28 90

* Dados coletados entre 1999 e 2001 por Thé (2003)

A elevada média de idade é importante devido à associação entre o maior conteúdo de

conhecimento ecológico local e pessoas com idade mais avançada são considerados "experts",

partindo do pressuposto de que nessas condições, o informante possui maior experiência

acumulada no cotidiano através do convívio e o relacionamento com o meio ambiente e os

recursos naturais (DAVIS; WAGNER, 2003).

Quando questionados o porquê do início dos trabalhos tão cedo, as respostas foram

variadas, mas ressalta-se entre elas a pesca ter sido a única forma ou a mais fácil de obter

renda, como observado nos seguintes trechos: P-16 “O jeito de conseguir alguma coisa”; P-12

“Único trabalho que tinha”; P-05 “Não tinha outra profissão ou roça ou pesca”; P-15

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“Porque era a única renda, dava muito peixe”. Outros motivos foram o gosto pela profissão e

a influência de familiares.

Sobre outras atividades desempenhadas, 35% afirmaram ter outros trabalhos

esporádicos como de tratorista, vaqueiro, auxiliar em marmoraria e operador de máquinas,

mas a principal categoria citada foi lavrador. Dos pescadores entrevistados, 82% disseram que

a renda atualmente provém exclusivamente da pesca.

O desempenho de outras atividades econômicas para a complementação da renda não

é novidade para os pescadores artesanais (THÉ, 2003). O plantio de roças para subsistência é

uma característica dessa comunidade, na qual 70% dos entrevistados afirmou trabalhar de

alguma forma na agricultura de subsistência denominado por eles de roça. Outros tipos de

atividades desempenhadas pelos pescadores entrevistados são: a prestação de serviços na

construção civil, comercialização de peixes e guias de pesca amadora.

Estas atividades ocorrem principalmente quando a pesca não vai bem, desta maneira

os pescadores procuram alternativas de renda, muitas vezes mudando-se para grandes centros

como São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. Estes retornam as suas atividades no período de

safra quando os rendimentos com a pesca melhoram, este evento migratório é uma

peculiaridade da comunidade estudada. Um detalhe importante é a ausência de vínculo

empregatício nas atividades, desta maneira, os pescadores ainda continuam com o direito ao

seguro-defeso.

O defeso é a paralisação estratégica das atividades de pesca, uma medida de caráter

ambiental que visa proteger as espécies durante o período reprodutivo, garantindo a

manutenção dos estoques pesqueiros e consequentemente a renda do pescador. Assim, todo

pescador profissional fica impedido de pescar durante a época de reprodução das espécies-

alvo de suas pescarias. Neste período, quando o tempo de proibição é definido por legislação

específica, os pescadores profissionais recebem o seguro-desemprego ou seguro-defeso em

parcelas mensais, na quantia de um salário mínimo, em número equivalente ao da paralisação

(MPA, 2014).

Todos os pescadores afirmaram possuírem seus próprios barcos, sendo que apenas um

afirmou ter construído seu próprio barco e os demais compravam os materiais necessários e

pagavam para fazer ou ainda adquiriram a embarcação já pronta.

O trabalho dos pescadores vai além da pesca em si, os mesmos relataram que após a

prática da pesca, realizam outros trabalhos como a evisceração e o congelamento do pescado,

sendo este processo realizado pelo próprio pescador sem o auxílio de outra pessoa e em outros

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casos há ajuda de alguém, esta pessoa pode ser o companheiro de pesca ou membros da

família como a esposa ou filhos.

Além do fato de meninos e jovens atuarem como companheiros de pesca, as mulheres

também colaboram com a pesca desempenhando outras funções, como na confecção e

manutenção dos petrechos e na limpeza e evisceração do pescado, vivendo em uma

invisibilidade social devido ao fato de ser reconhecida como uma extensão do corpo do chefe

da família (VALENCIO et al., 2003). Embora sejam raras na profissão, como destaca

Valencio (op. cit), no presente trabalho pode-se entrevistar pescadoras registradas

formalmente, além de presenciar o fato descrito das mulheres desempenhando tarefas nos

“bastidores”.

2.4.1.3 Finalidades da pesca e compadrio

A finalidade da pesca destes pescadores é para consumo próprio e para a

comercialização do pescado processado e congelado, a venda é realizada por todos para

peixarias ou atravessadores e também relataram comercializar o produto para o consumidor

final que o procurar na localidade.

O pescado é vendido para as peixarias/atravessadores da seguinte maneira: o surubim

(Pseudoplatystoma corruscans) possui dois tipos de preço com cabeça e sem cabeça; sem a

cabeça o preço é maior e é realizado somente quando o peixe excede o tamanho mínimo de

captura sem precisar do tamanho da cabeça para isso. O dourado (Salminus franciscanus) e o

pacamã (Lophiosilurus alexandri) possuem preços diferenciados dos demais por serem peixes

considerados nobres assim como o surubim. O restante das espécies de peixes é categorizado

como "peixe branco" e comercializada a preço único por quilo estabelecido na negociação. As

principais espécies caracterizadas nesta categoria são: curimatá (Prochilodus argenteus e P.

costatus), piau (Leporinus obtusidens), matrinchã (Brycon orthotaenia), corvina (Pachyurus

squamipinnis e P. francisci) e a caranha (Piaractus mesopotamicus). Os preços para as

categorias estão listadas na Tabela 02.

Uma relação social observada diretamente em campo durante a pesquisa, e confirmada

por entrevista, é a relação entre pescadores e atravessadores. A maioria dos pescadores

relatou possuir algum tipo de "compadrio" com os seus negociantes. Este "compadrio" se

processa desde favores para a aquisição de materiais necessários para a prática da pesca como

chumbo, cortiça, gasolina e conserto de motor e atividades de maior intimidade e trabalho,

como fazer a feira, pagar contas e até obter empréstimos de dinheiro. Apenas quatro

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pescadores informaram não possuir esse tipo de vínculo com o seu atravessador, informando

“serem enrolados” ou simplesmente por “preferir a independência”.

Tabela 02 – Preço do pescado comercializado pelos pescadores da Barra do Urucuia.

Tipo de peixe Preço

Surubim (Pseudoplatystoma corruscans) R$ 19-22 e R$ 22

Dourado (Salminus franciscanus) R$ 13-15

Pacamã (Lophiosilurus alexandri) R$ 12-14

“Peixe Branco” R$ 10-12

2.4.2 Etnoictiologia Reprodutiva

2.4.2.1 Piracema e Carujo

Através das entrevistas e do preenchimento dos formulários obteve-se dados relativos

ao conhecimento ecológico tradicional sobre eventos reprodutivos e migratórios. Nesta etapa

além das perguntas referentes ao comportamento dos peixes foram realizadas também

questionamentos sobre a legislação pesqueira.

Primeiramente, buscou-se questionar o que é a piracema, a maioria dos pescadores

respondeu no sentido de “reprodução dos peixes” e outros no sentido de “restrição” conforme

demonstra a Tabela 03.

De acordo com a literatura científica, a piracema é uma palavra de origem indígena e

em tradução livre significa “saída do peixe” (pira=peixe, sem=sair) (NAVARRO, 2014),

trata-se do evento de migração reprodutiva a montante dos rios realizado pelas populações de

peixes neotropicais. Tal migração é desencadeada por diversos fatores abióticos como a

chuva, temperaturas elevadas e o nível do rio (LOWE-MCCONNELL, 1987).

As respostas obtidas sobre o significado da piracema não trouxeram uma definição,

mas sim uma descrição do fenômeno possibilitando a categorização dos resultados em quatro

tipos, sendo que a maioria se referiu à “época de reprodução dos peixes”, período em que

ocorre a migração das espécies quando as condições abióticas são favoráveis, desta maneira

os peixes iniciam a migração reprodutiva à procura de local que possua as condições ideais

para a desova (LOWE-MCCONNELL, op. cit.).

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Questionou-se também a respeito de como ocorre a reprodução dos peixes, entretanto

nem todos os pescadores responderam. Dos que o fizeram pode-se classificar as respostas

obtidas nas categorias a seguir, cada uma com seus respectivos exemplos: Comportamento

reprodutivo, P-09: “carujando pra soltar as ovas”; Comportamento migratório, P-10: “tem

que ter enchente aí ele sobe, o rio vai subindo, aí eles começam a produzir, aí nascem os

filhotinhos que vai pra lagoa”; Cuidado parental, P-02 “ele produz ali que eu nunca vi, eu

vejo aqueles ovinhos, mas eu nunca vi os peixinhos assim gerando, de surubim a gente vê

agarrado nos outros peixes”; Dinâmica hidrológica do rio e Defesa e predação, P-04:“eles

falam que o rio tem que encher, pra água banzeirar, jogar nas lagoas, porque eles produzem

mais na água parada, desovam mais na agua parada, na correnteza os predador comem as

ovas né”.

Tabela 03 – Categorização das respostas a respeito da Piracema.

Pescador Respostas Categorias

P-01 “Época dos peixes produzir” Reprodução dos peixes

P-02

“Uma construção do peixe para reproduzir, criar,

recriar”.

Reprodução dos peixes

P-03

“Período que não deveria ir para o rio porque é a

desova do peixe”.

Restrição/Reprodução dos

peixes

P-04 “Época da reprodução do peixe, desova”. Reprodução dos peixes

P-05 “Tempo da reprodução do peixe, proibido de pescar”. Reprodução dos

peixes/Restrição

P-06 “Quando é a desova do peixe, época de proibição”. Reprodução dos

peixes/Restrição

P-07 “Sai mais um peixe, a gente ganha mais um

dinheirinho, peixe tá na desova”.

Reprodução dos peixes/Época

de melhor rendimento/

Restrição

P-08 “Meio do peixe render mais, precisa da enchente”. Reprodução dos peixes

P-09 “Época da desova do peixe, proibida que não pode

pesca”.

Reprodução dos

peixes/Restrição

P-10 “Época da desova dos peixes”. Reprodução dos peixes

P-11 “Uma das coisas hoje em dia que se não fizer esse

trabalho acaba de acabar os peixes”.

Restrição/Conservação

P-12 “Época do peixe produzir”. Reprodução dos peixes

P-13 “Época do peixe produzir”. Reprodução dos peixes

P-14 “Desova do peixe”. Reprodução dos peixes

P-15 “Desova do peixe”. Reprodução dos peixes

P-16 “Produção do peixe”. Reprodução dos peixes

P-17 “Época da reprodução dos peixes”. Reprodução dos peixes

Buscou-se também compreender o que é “carujo", citado por alguns pescadores,

diversas respostas traziam o sentido de comportamento reprodutivo, dimorfismo sexual e

dinâmica do rio. A Tabela 04 ilustra todas as respostas obtidas, muitas são as descrições de

como o ato ocorre e não uma definição propriamente dita.

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Embora muitos pescadores tenham afirmado que todos os peixes carujam, os

principais relatos são para o surubim (P. corruscans) e a curimatá (Prochilodus argenteus e P.

costatus), sendo o primeiro o mais visualizado e descrito com detalhes. Houve algumas

espécies em que os pescadores disseram não ter visualizado ou ouvido como no caso do

pacamã, do cari preto e da piranha, ilustrada através dos seguintes trechos: P-11 “pacamã

nunca vi, cari preto nunca vi e piranha também eu nunca vi, os outros eu já vi”; P-7 “...o

moleque caruja para caramba, dourado não caruja não, nunca vi dourado carujar”.

Tabela 04 – Pescadores explicando o carujo.

Pescadores Respostas Categoria

P-01 “peixe namorando” Comportamento reprodutivo

P-02

“o carujo de surubim, ele levanta assim, e faz aquele

barulho assim, depois vira assim, aí quando ele desce ele

faz com os dois ou três, aquele cardume, hoje é dois, três

ali, antigamente era muito, aí eles fazia com a “pata”

assim”.

Comportamento reprodutivo

P-03

“Eles tá namorando” Comportamento reprodutivo

P-04 “quando o peixe sobe na flor d’agua, assanha na flor

d’agua”

Comportamento reprodutivo

P-05 “Carujo é toda época quando o rio enche e suja a água, aí

o peixe que sai dos lugar escondido e vai desovar aí eles

caruja no meio do rio”

Dinâmica do

rio/Comportamento reprodutivo

P-06 “eles falam assim quando o peixe tá carujando sempre a

fêmea fica por baixo grande aí ela fica de barriga pra cima

assim, aí outro vem e solta, uns fala ova outros falam leite,

os machos passando por cima”

“quando o peixe tá carujando, eles falam que tá

desovando, jogam os filhotinho”

Comportamento reprodutivo

P-07 “o carujo é quando o peixe sai pra desova” Comportamento reprodutivo

P-08 “é o peixe sobe né, aí um peixe vai montar um por cima do

outro aí que eles vai reproduzindo e aumentando”

Comportamento reprodutivo

P-09 “Carujando pra soltar as ovas” “carujo eles sobem por

cima d’agua, dão aquela rabanada pra jogar as ovas e

outro solta o esperma pra reproduzir”

Comportamento

reprodutivo/Dimorfismo sexual

P-10 “na hora que eles tão envazando” Comportamento reprodutivo

P-11 “hoje em dia não vê mais, cansei de ver carujo de surubim

aí que pipocava em riba assim, hoje em dia vê um

carujinho aí aquelas carainha e aqueles piauzinho ainda

fala “oh o carujo”, antigamente via surubim mesmo,

aqueles grandão e os menor mais por riba, aquilo ia até

pra beira do capim chegava a empanar, ia passando e

Comportamento reprodutivo

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vendo eles mexendo naqueles capim assim... já tem anos

que não vejo um carujo”

P-12 “carujo é a fêmea fica de barriga pra cima e os machos

sobem em cima dela e vai soltando aquele leite em cima, no

meio do rio, a fêmea fica de barriga pra cima, e todo peixe

e o macho fica soltando aquele leite em cima dela, aquilo

ali que é a produção do peixe”

“carujo é a fêmea fica de barriga pra cima e os machos

sobem em cima dela e vai soltando aquele leite em cima, no

meio do rio, a fêmea fica de barriga pra cima, e todo peixe

e o macho fica soltando aquele leite em cima dela, aquilo

ali que é a produção do peixe, aquilo ali é que é a

produção do peixe, que faz vingar”

Comportamento

reprodutivo/Dimorfismo sexual

P-1 “acho que é o peixe usando do outro pra dar as ovas” “o

peixe grande o surubim grande chega e vira de barriga pra

cima, hoje não, mas antigamente via aqueles peixão de asa

de fora, tinha gente que ia pegar ele e arpão, eles abria

assim virada de barriga pra cima e você pensava que tava

morto, aí virava aquele tanto de pequeno os menos que

bagunçava e chega voar água pra cima”

Comportamento

reprodutivo/Dimorfismo sexual

P-15 “Pra soltar as ovas, a fêmea de barriga pra cima, os outros

tudo em redor”

Comportamento

reprodutivo/Dimorfismo sexual

P-16 “reprodução, acasalando” Comportamento reprodutivo

P-17 “sobe na água pra carujar” Comportamento reprodutivo

Quando solicitado para que descrevessem o carujo, muitos pescadores indicaram o ato

com uma grande riqueza de detalhes, sendo que alguns ilustravam suas falas com

onomatopeias referentes aos peixes no ato do carujo como podemos verificar nas seguintes

falas:

P-02 - “o carujo de surubim, ele levanta assim e faz aquele barulho,

depois ele vira assim, aí quando ele desce ele faz com os dois ou três aquele

cardume, hoje é dois, três ali, antigamente eram muitos, aí eles faziam com a

“pata” assim”. “carujo mesmo é só surubim, agora as de curimata elas

ficam fazendo aquele barulho que a gente escuta, não sei se você já viu, você

vai no barco e fica vendo elas fazendo assim “trooooo””.

P-06 - “eles falam assim quando o peixe está carujando sempre a

fêmea grande fica por baixo, aí ela fica de barriga pra cima assim, aí outro

vem e solta, uns fala ova outros falam leite, os machos passando por cima”.

P-09 – “Sobe por cima d’agua, dá aquela rabanada pra joga as ovas e o

outro o esperma pra reproduzir, surubim, curimatá, caranha tudo faz”

P-11 - “...hoje em dia não vê mais, cansei de ver carujo de surubim

aí que pipocava em riba assim, hoje em dia vê um carujinho aí aquelas

carainha e aqueles piauzinho “trooo” ainda fala “olha o carujo”,

antigamente via surubim mesmo, aqueles grandão e os menor mais por riba,

aquilo ia “troooooooo”, aquilo ia até pra beira do capim chegava a

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empanar, ia passando e vendo eles mexendo naqueles capim assim... tinha

vez que passava o bicheiro neles assim, cansei de pegar muitos assim,

encostava o barco devagarzinho passava o bicheiro o bicho faltava arrancar

a gente de dentro do barco, já peguei foi muitos assim no bicheiro, mas hoje

em dia a gente não vê mais, aliás pra falar a verdade já tem anos que não

vejo um carujo de surubim... e aquilo é só descendo, não é subindo não, que

eles começam com o carujo lá em riba e vem descendo, descendo só

descendo nas águas, acho que quando chega lá embaixo aí eles param e vem

subindo... O surubim é o mais necessário, ave maria, era o peixe que mais

carujava, o estouro dele é igual o estouro do boto que passa na televisão.”

P-12 - “carujo é a fêmea fica de barriga pra cima e os machos

sobem em cima dela e vai soltando aquele leite em cima, no meio do rio, a

fêmea fica de barriga pra cima, e todo peixe e o macho fica soltando aquele

leite em cima dela, aquilo ali que é a produção do peixe”.

P-14 - “o peixe grande o surubim grande chega e vira de barriga

pra cima, hoje não, mas antigamente via aqueles “peixão” de asa de fora,

tinha gente que ia pegar ele e arpão, eles abria assim virada de barriga pra

cima e você pensava que estava morto, aí virava aquele tanto de pequeno os

menos que bagunçava e chegava voar água pra cima e os outros tudo ao

redor, você via eles tudo ao redor”.

Foi relatado que o carujo ocorre apenas na época da chuva, com o rio cheio, com a

água suja, na enchente ou na piracema, todos estes fatos estão relacionados com o verão

chuvoso da região, tempo onde os rios recebem grande aporte de água das chuvas.

Os pescadores também afirmaram em sua maioria que o carujo ocorre no período

vespertino, principalmente após as cinco horas da tarde, apenas um pescador relatou o carujo

na parte da manhã próximo das seis horas, os trechos retirados das entrevistas ilustram os

resultados.

P-12 – “De tarde sempre à tarde, nunca vi um carujo de manhã”.

P-11 – “Nunca vi carujar cedo, turrar, só à tarde, três horas”.

P-09 – “À tarde cinco horas”.

P-10 – “De tarde com o sol entrando”.

P-15 - “De tardezinha, três horas em diante”

.

Os pescadores disseram ainda que o peixe reconhece o período correto para carujar em

função da enchente, água suja, cheia; outros fatores citados foram época de calor e o faro dos

peixes. Os mesmos informaram que a enchente é o fator mais importante para a reprodução

dos peixes, um pescador afirmou ser importante: P-04 “não pescar e prolongar a piracema”

outro citou outros fatores importantes além da enchente como: P-05 “não pescar e não andar

com motor”.

Em relação ao local onde os peixes soltavam a sua produção, a maioria dos pescadores

afirmou que na estratificação vertical os peixes soltavam sua produção na flor d’agua ou

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superfície, houve ainda uma citação para a barra do Urucuia, confluência entre o Rio São

Francisco e Rio Urucuia, as seguintes falas especificando espécies: P-13 “Piau no capim”; P-

17 – “Depende do peixe surubim é na flor d’agua outros no fundo”, além de duas abstenções.

Para a estratificação horizontal foram agrupadas categorias semelhantes "canal do rio", "meio

do rio", "lugar corredor" e "lugar fundo" que correspondem ao local onde a correnteza é mais

forte. Outros locais citados foram o "beiradão", que é em proximidade com a margem do rio,

as "barras" ou “boca de afluente’, deve-se considerar que dois entrevistados não responderam.

Observou-se também a sobreposição de locais como demonstrado na seguinte fala: P-14 –

“No canal, na barra onde tem o canal que corre mais, geralmente é no encontro, pra nós aqui

é na barra do Urucuia, nos outros lugares é onde a água puxa mais”.

Percebe-se que os pescadores detêm o conhecimento ecológico local sobre os eventos

reprodutivos, o ato da desova em si citado como carujo é um “meme”4 estabelecido na cultura

dos pescadores entrevistados sendo referido também em outros estudos no Rio São Francisco

(SATO et al., 2003a; THÉ, 2003). O carujo citado em trabalhos anteriores foi definido como

“momento da desova” (SATO et al., 2003a); “namoro ou namorar; época do cruzamento e

época das enchentes” (THÉ, 2003), a partir da comparação entre os resultados obtidos pelo

trabalho acima citado é possível observar que também não existiu um conceito bem definido

permeando entre os conceitos reprodutivos e de dinâmica do rio, apesar da inexistência de um

conceito fixo, todas as respostas estão dentro de um contexto semelhante.

Em muitos relatos foram à descrição de como o ato ocorre no rio, estas descrições

foram bastante detalhadas e puderam demonstrar diversos aspectos do evento como

dimorfismo sexual e comportamento reprodutivo, sendo a fêmea aquela que "é grande" e "fica

de barriga para cima". Tais informações também são recorrentes para a o Alto-Médio São

Francisco, Thé (2003) já trazia relatos de pescadores descrevendo o carujo como a fêmea da

espécie surubim na correnteza de barriga para cima com machos passando por cima.

O uso de onomatopeias para ilustrar as falas foi presenciado principalmente para

evidenciar o turrar dos peixes como a curimatá (Prochilodus argenteus e P. costatus), piau

(Leporinus obtusidens) e caranha (Piaractus mesopotamicus), relata-se um barulho, um ronco

realizado pelo macho dessas espécies. Esta afirmação condiz com as afirmações científicas

disponíveis, sendo este turrar uma vocalização de corte emitida pelo macho, como encontrado

por SATO et al (2003b). Na bacia do alto Paraná este evento é denominado “rodada” onde o

4 Segundo Dawkins (1979) a definição de ““memes” se refere a fragmentos da informação cultural que são

armazenados nos cérebros e transmitidos entre indivíduos de forma comportamental e verbal.

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cardume de adultos nada na superfície da água emitindo barulho durante a desova

(SCHUBART, 1943 apud GODINHO, 2005).

Apesar da descrição com riqueza de detalhes, os pescadores possuem muitas

informações sobre o surubim (Pseudoplatystoma corruscans) e a curimatá (Prochilodus

argenteus e P. costatus) sendo poucos relatos sobre os demais peixes. Isto pôde ser

evidenciado e a explicação talvez esteja relacionada com o tamanho da espécie, já que sendo

maior, torna mais facilmente visível os comportamentos, outra possibilidade também seria ao

valor do surubim para a pesca profissional, por ser um alvo muito procurado, a busca pelos

seus exemplares levaram os pescadores a uma observação mais atenta a esta espécie

desenvolvendo um corpo de conhecimento prático mais conciso destoando das demais. Tal

conhecimento continua sendo mantido apesar da diminuição drástica desta espécie em virtude

de vários fatores que interferem nas populações de peixes e consequentemente os ribeirinhos

vem vivenciando.

As afirmações sobre o carujo ocorrer sempre na “época de chuva”, com o “rio cheio” e

as “águas”, evidenciam a consistência do conhecimento detido pelos pescadores já que todos

afirmaram ocorrer neste período. Isto também é um “meme” bem definido como explicitado

por Thé (2003) cujos pescadores relataram a classificação de peixes que desovam “nas águas,

na época das chuvas, que vai de novembro a fevereiro”. Da mesma maneira que apontado

neste trabalho, os pescadores de outras regiões da bacia quando indagados sobre qual o

período de reprodução, eles retornaram também o período determinado pela legislação,

entretanto também enfatizaram que o fator importante para a reprodução dos peixes é a

presença da “chuva e enchente, sem a chuva o peixe não desova e a ova seca” (THÉ, 2003).

O carujo foi relatado que ocorre no período da tarde principalmente após as cinco

horas da tarde ou com o sol entrando, e como referido pelos pescadores o período correto para

carujar está relacionado à enchente. Tais informações podem ser comparadas com

observações realizadas em um estudo conduzido nos rios Grande, Pardo e Moji Guaçu no

estado de São Paulo, visando o estudo da migração de curimatás (Prochilodus lineatus) onde

a desova foi descrita como ocorrendo entre a "Cachoeira das Emas" e "Cachoeira de Cima"

sempre quando o nível do rio estava subindo e no horário da tarde e à noite (GODOY, 1959

apud JUNHO, 2008).

As informações fornecidas pelos pescadores a respeito do carujo quanto ao horário e o

reconhecimento do período correto para a desova é totalmente compatível com o descrito na

literatura científica, desta maneira o aproveitamento deste corpo de conhecimento e prática é

passível de uso na geração de hipóteses testáveis e também no auxílio à gestão pesqueira.

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Segundo os pescadores a desova pode ocorrer nos seguintes locais: no canal do rio,

meio do rio, lugar corredor e lugar fundo; em sua classificação vertical os mesmos afirmam

ser na flor d’agua5. O local onde mais visualizam o carujo é na barra o Urucuia que reúne

todas as características horizontais descritas. THÉ (2003) em sua pesquisa conseguiu um

detalhamento melhor das espécies e seus respectivos locais de desova e que divergem

ligeiramente dos resultados encontrados neste trabalho em função de grande parte dos peixes

citados em sua pesquisa desovarem em locais mais protegidos, em moitas, remansos, beiradas

e locas.

O fenômeno da desova na confluência entre dois rios também foi relatado por

pescadores para o jaraqui (Semaprochilodus sp.) no encontro do rio Solimões com o rio

Negro (AMADIO6, comunicação pessoal). Os pescadores compreendem a importância das

barras para os estoques pesqueiros, segundo eles, estas são as áreas nas quais os dois rios se

encontram ou onde as lagoas ficam ligadas com o rio, sendo assim, os peixes jovens podem

entrar e se criar nas lagoas conforme o observado e relatado pelos pescadores. É um local

onde podem se alimentar e fugir de predadores.

É de conhecimento geral que muitos peixes tropicais utilizam a planície de inundação

como habitat de alimentação, reprodução e refúgio (AGOSTINHO; ZALEWSKI, 1995). É de

grande importância, este ciclo de inundação da planície, que proporciona a ligação do rio com

as lagoas marginais, pois estes locais são conhecidos por servirem como criadouros de peixes

(MENEZES, 1956 apud POMPEU, 1997). Foi demonstrada a importância das lagoas

marginais situadas no Alto São Francisco no recrutamento das espécies de peixes,

principalmente de piracema que são de extrema importância para a pesca comercial e

esportiva (SATO; CARDOSO; AMORIM, 1987).

Em uma pesquisa realizada em três lagoas no médio São Francisco foi possível

identificar a presença de cinquenta espécies nas lagoas, dentre elas oito espécies consideradas

migradoras (Salminus franciscanus, Prochilodus costatus, Prochilodus argenteus,

Pseudoplatystoma corruscans, Leporinus reinhardti, Leporinus taeniatus, Leporinus

obtusidens e Brycon orthotaenia) em sua grande parte indivíduos jovens, evidenciaram assim

a importância das lagoas para o ciclo de vida de várias espécies e principalmente as de

piracema (POMPEU, 1997).

É ressaltado ainda que a ausência de cheias de grande intensidade ou uma maior

flutuação no nível das águas do São Francisco diminuiria a inundação das lagoas marginais,

5 Termo utilizado para se referir a superfície do rio. 6 Professora Sidinéia Aparecida Amadio do INPA durante o XXI Encontro Brasileiro de Ictiologia, Recife 2015.

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trazendo consequências graves para a comunidade de peixes como a diminuição da

abundância e riqueza de espécies nas lagoas marginais. Consequentemente os estoques

pesqueiros nos rios também sofreriam reduções, já que as populações do rio dependem dos

peixes oriundos das lagoas (POMPEU, op. cit), os pescadores apontam este fato, a ausência

de enchentes, como um dos fatores que prejudicaram os estoques pesqueiros da região.

As informações dos pescadores entrevistados coincidem com os estudos científicos

disponíveis, os ovos e larvas da maioria dos peixes de água doce são demersais, assim

possuem uma gravidade específica maior do que a da água. A literatura científica traz que os

ovos de peixes classificados como migradores, são dependentes da correnteza para que

mantenham na coluna d’agua do rio por motivos de oxigenação e dispersão (BALON, 1984

apud RIZZO; GODINHO, 2003). A reprodução em cativeiro de espécies migradoras da Bacia

do São Francisco como Prochilodus costatus e P. argenteus, Salminus franciscanus,

Leporinus obtusidens demonstrou que quando o fluxo de água das incubadoras foi cortado os

ovos se depositaram no fundo, portanto são demersais (SATO et al., 1996, 1997, 2000).

O conhecimento dos pescadores é baseado nas observações, eles sabem os locais onde

os peixes desovam a partir da visualização do ato no rio ou pela transmissão oral através das

gerações, apesar de não terem conhecimento sobre a explicação “científica” para tal fato, estes

conseguem afirmar com grande grau de acurácia eventos que ocorrem no dia a dia com a lida

na pesca.

2.4.2.2 Cuidado parental

Sobre o cuidado parental, os pescadores relataram sobre quatro peixes que exibem tal

comportamento, o surubim (Pseudoplatystoma corruscans), o tucunaré (Cicla sp.), a pacamã

(Lophiosilurus alexandri) e a tilápia (Oreochromis niloticus; Tilapia rendalli). O primeiro foi

indicado pelo fato de carregar seus filhotes agarrados nas costas, o segundo por fazer ninhos e

ser protegido por ambos, machos e fêmeas, o terceiro por fazer ninho e se manter em cima e o

quarto por montar cerco e como o tucunaré ter um comportamento agressivo, sendo que na

percepção dos pescadores nem a piranha (Pygocentrus piraya), que é um peixe extremamente

voraz não ataca o ninho do tucunaré.

Em outras áreas da bacia, os pescadores também relataram o cuidado parental para o

surubim, a pacamã e o tucunaré que foram descritas por Thé (2003). Em seu trabalho o

surubim foi descrito por “filhote gruda nas costas dos pais”, o tucunaré por “Vigia a ova,

desova nos paus e fica vigiando, perto, bravo” e a pacamã “vigiam as ovas e os filhotes”,

estas são informações semelhantes às obtidas neste trabalho, com exceção da tilápia

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(Oreochromis niloticus; Tilapia rendalli) que foi citada por montar cerco e ter comportamento

tão agressivo que até mesmo à piranha evita o ataque, é conhecido que as tilápias possuem

cuidado parental e variam de acordo com o gênero, sendo possível distinguir três grupos: os

do gênero Tilapia são de desova em substrato e guardadores; Sarotherodon tem cuidado

biparental com incubação oral e Oreochromis tem cuidado maternal com incubação oral

(TREWAVAS, 1983 apud COWARD; BROMAGE, 2000). O Quadro 01 ilustra e compara o

conhecimento sobre cuidado parental para o tucunaré no presente estudo, no trabalho

desenvolvido por Thé (2003) e informações científicas.

O cuidado parental relatado sobre o surubim, onde os pais carregam os filhotes

grudados nas costas é um “meme” consistente entre pescadores. Entretanto o convívio com

técnicos de instituições como CODEVASF e IBAMA e a constante troca de informações

demonstram que afirmações diferentes tem surgido. Os seguintes registros obtidos por Thé

(2003) ilustram a mudança na percepção dos pescadores:

“Surubim não tem filhote nas costas, é parasita, peixe pequeno que parece

com o surubim”. THÉ (2003).

“Eu achava que o surubim cuidava, que tinha filhote grudado nele, mas um

biólogo falou que era um parasita”. THÉ (2003).

No presente estudo pôde-se observar que um pescador afirmou que estes peixes

encrustados nas costas dos surubins não são filhotes, mas quando questionado sobre o que

eram não soube responder, quando perguntado se seriam parasitas ele concordou.

“Ele (analista ambiental do Ibama) falou pra mim, que aquele que nós

falamos que é o filhotinho de surubim, porque parece tem a cabecinha

parece que tem um esporãozinho e ele falou que aquilo não é um filhote de

surubim... falou que é um... (entrevistador: um parasita?) -Isso! É um

parasita. Eu achava que era (surubim)” – P-15

A percepção de que o surubim carrega seus filhotes implica em outras consequências

ecológicas, por exemplo, para peixes utilizados como iscas no anzol de galho/pinda. De

acordo com o pescador quando os “filhotes” de surubim grudam na isca eles a libertam, pois

acreditam que o surubim não irá ataca-la por serem filhotes, o que seria correspondente a

evitar o canibalismo.

“Gruda mais no surubim, ele só gruda em outro peixe se você iscar um

anzol, põe uma curimatá e fica muitos dias, aí de vez enquanto eles grudam

nela aí eles tem até aquela ciência né, ah pode tirar que tem surubim nela,

encostou filhote de surubim peixe não vai, aí a gente vai lá e solta a isca” P-

15

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Quadro 01 – Tabela de cognição comparada sobre o tucunaré (Cicla sp.) a respeito de aspectos

reprodutivos.

Compreensão dos pescadores Informações Científicas

Presente estudo Thé (2003)

“Tucunaré fica o macho e

fêmea, aí eles soltam os

alevinos deles aí eles ficam

vigiando, aí não encosta

nenhum peixe ali, os dois,

abrem um buraquinho no chão

e você olha e vê um monte

deles lá dentro, aí peixe

passam eles correm atrás”

“em lago, no rio é raro você

pegar um tucunaré” P-05

O tucunaré desova de

setembro a janeiro.

Toda a passagem de lua nova

ele desova.

O tucunaré... sempre tem com

ova.

Gosta de água parada, grota

pequena, rio pequeno.

“O tucunaré (Cichla

monoculus) vive em ambientes

lênticos, onde se reproduz

principalmente na época das

chuvas”.

“... a frequência relativa dos

estágios do ciclo reprodutivo

de fêmeas e machos indicaram

peixes em maturação durante

todo o ano, com maior

frequência de fêmeas

desovadas em janeiro, quando

a precipitação na região de

Três Marias é mais alta”.

(MAGALHÃES et al, 1996)

“tucunaré protege se elas por

as ovas nada come, nem

piranha”. “Tucunaré põe as

ovas dela dentro do golfo e

nada come os filhos dela, eu já

vi em lagoa” “Tucunaré é

difícil no rio”

O macho tem o cupim, a fêmea

não tem.

O macho fica com uma

cristona na cabeça, só quando

desova. Vigia por perto, limpa

o lugar da desova. Choca que

nem jacaré. Dentro dos

córregos, nas grotas, nos

tocos ele solta as ovas.

Enquanto tá pequeno fica a

fêmea em cima da desova e o

macho na frente, vigiando.

“A espécie apresenta

dimorfismo sexual na época

da reprodução, quando surge

no macho uma protuberância

pós-occipital...”.

“executa cuidado parental à

prole, presença de órgãos

adesivos nas larvas evitando

que sejam carregadas”.

(MAGALHÃES et al, 1996)

2.4.2.3 Fatores de previsão e ribada (migração)

As entrevistas revelaram também a existência de dois “fatores de previsão” que os

pescadores utilizam na sua lida diária, o primeiro está relacionado ao nível do rio, durante a

estação seca o nível do rio se torna baixo devido a ausência de chuvas, o início da estação

chuvosa traz a água e assim o nível do rio aumenta. A enchente é o fator de marcação para os

pescadores entrevistados, ela traz um aumento no número de peixes capturados, entretanto a

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estação chuvosa também possui oscilações, de forma que se o rio enche a primeira vez, as

capturas melhoram e se por ventura com a ausência de chuvas ele baixar o seu nível, as

capturas irão piorar e só voltarão a melhorar assim que ultrapassar o nível da primeira e assim

por diante.

O segundo fator é a visualização do carujo como fator de predição se o rio vai alterar

seu nível, de acordo com os pescadores, se o rio está aumentando o seu nível e se visualiza o

carujo, o rio começará a diminuir seu nível no dia seguinte, se ele vem em uma sequência de

dias diminuindo o nível e o carujo é visualizado o rio começará a encher e desta maneira

cíclica os pescadores vão prevendo as suas capturas para os próximos dias.

Uma das informações obtidas sobre eventos migratórios que ocorrem na região está a

denominada ribada este evento é definido como:

P-01- “muitos peixes subindo, por cima d’agua (superfície)”.

P-03 – “quando o peixe tá subindo mudando de um lugar pra outro”.

P-04 - “muito peixe reunido subindo na flor d’agua”.

P-09 - “junta cardume pra subir mudando de lugar”.

Para alguns pescadores este evento migratório ocorre devido à mudança de lugar dos

peixes e outros foram mais específicos afirmando que a ribada é a saída de peixes das lagoas

à procura de lugar no rio São Francisco.

Os pescadores afirmaram que a época em que este evento ocorre é na “vazante geral,

limpada da água, baixada do rio, quando o rio está baixando” que na compreensão do

pescador é na transição entre o período chuvoso e o período seco. Apenas uma pescadora

relatou considerar o evento de migração reprodutiva durante a “época das águas” como sendo

o evento ribada.

2.4.2.4 Período de defeso: percepção e atividades desenvolvidas

Quando questionados o que pensam sobre as portarias de defeso elaboradas pelo

Instituto Estadual de Florestas (IEF) e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos

Naturais Renováveis (IBAMA), respectivamente os órgãos estadual e federal responsáveis

pela regulamentação da pesca no estado e país, alguns pescadores apenas disseram que

concordam com os respectivos órgãos. Entretanto, outros pescadores em seus relatos apontam

divergências entre as portarias e o que realmente acontece biologicamente no rio, a principal

delas se refere ao período de defeso; para eles o período estabelecido não está adequado, pois

muitas espécies estão “ovadas” antes da determinação do período convencional de defeso em

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novembro e após a abertura da temporada de pesca no início de março ainda existem peixes

ditos “ovados”, os relatos informam que até meados de maio ainda foi possível capturar

espécies como caranha (Piaractus mespotamicus) e curimatá (Prochilodus argenteus e P.

costatus) ainda com “ovas boas, vivas”.

No estado de Rondônia, os pescadores profissionais contestaram a legislação vigente,

afirmando que o período de defeso estabelecido para a região de Guaporé pelos órgãos

ambientais e gestores da pesca não correspondiam às épocas de reprodução das principais

espécies comercializadas sendo eles: o tambaqui, a pescada, o tucunaré e o surubim ou

caparari, fato que poderia comprometer os estoques pesqueiros locais (DORIA et al., 2004

apud DORIA et al., 2008).

Em conformidade, os pescadores entrevistados afirmaram que o dourado é uma

espécie que inicia sua desova cedo, em setembro já é possível encontrar exemplares desta

espécie “ovadas”, outras espécies como curimatás, matrinchãs (Brycon orthotaenia) e piaus

(Leporinus obtusidens) também foram encontradas em estágio de maturação intermediário e

avançado no final de setembro (observações pessoais).

O estudo conduzido por Doria et al., (2008) demonstrou que para sete espécies existia

divergência entre o período de defeso estabelecido e o conhecimento ecológico local dos

pescadores da região e para quatro delas foi sugerido que as portarias fossem revistas visando

a proteção das espécies no período correto de reprodução, assim como indicado pelos

pescadores.

No estado do Mato Grosso, o Ministério Público Estadual emitiu uma Notificação

Recomendatória (nº0001/2015) à Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), onde

recomendou a ampliação do período de defeso de 120 para 180 dias. Desta forma o período de

proibição da pesca iniciaria em outubro e se estenderia até março, esta orientação foi baseada

na afirmação de que existem “peixes cuja reprodução se inicia no mês de outubro, como a

piraputanga (Brycon microlepis) e a corimbatá (Prochilodus lineatus), e outros que retardam,

indo até o mês de março, como ocorre com o pintado (P. corruscans) e o dourado (Salminus

maxillosus)”, de forma que é necessária a alteração do período de defeso para manutenção dos

estoques pesqueiros (MEDEIROS, 2015).

A resolução da divergência entre a portaria de defeso estabelecida e o que ocorre no

rio deve ter uma atenção maior sob o risco dos estoques pesqueiros, prejudicados por

inúmeros outros fatores, serem extintos, já que o período reprodutivo das espécies não está

sendo devidamente preservado. A integração do conhecimento ecológico tradicional mantido

pelas comunidades e o conhecimento científico deveriam ser utilizados como subsídio para a

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gestão dos recursos pesqueiros e também em políticas públicas (BERKES et al., 2006;

COSTA NETO; VILLELA; NOGUEIRA, 2002; DREW, 2005; SILVANO; BEGOSSI,

2002).

2.4.3 A Pesca na Barra do Urucuia

2.4.3.1 Espécies capturadas e as melhores épocas

Os pescadores profissionais entrevistados informaram a frequência com que exercem a

profissão, a maioria exerce sua atividade diariamente, os demais vão de duas a quatro vezes

por semana, um deles realiza pescarias não sistemáticas. O tempo dispendido na atividade é

variável, grande parte dos pescadores pesca até doze horas por dia, alguns iniciam as

atividades às 18 horas e finalizam às 6 horas da manhã do dia seguinte, outros pescadores

preferem pescar apenas de dia, iniciam pela manhã e finalizam ao entardecer.

Através das entrevistas, definiu-se três grupos de peixes de acordo com a sua melhor

época de captura para cada espécie. O primeiro grupo é composto pelas espécies do complexo

enchente/repondo7/água suja, que compreende aquelas que são mais capturadas durante todo o

período chuvoso, o segundo grupo é composto pelas espécies do complexo vazante geral/água

limpa, que compreende as espécies cuja captura é melhor quando se inicia a estação seca e o

terceiro é o grupo das espécies que não tem sua captura alterada pelos eventos de chuva e

seca, sua captura se mantêm constante durante o ano todo. Conforme informações elaborou-se

um esquema demonstrado na Figura 05.

Figura 05 – Distribuição dos peixes de acordo com sua melhor época de captura.

7 Repondo é o termo utilizado pelos pescadores para se referir a primeira enchente do ano.

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Apesar desta categorização os pescadores afirmam que a melhor época para a pesca é

a estação chuvosa, a justificativa é de que no período reprodutivo, os peixes começam a

“andar mais”, a pesca durante a piracema não é uma peculiaridade da pesca contemporânea,

registros de Christian Frederik Lütken em sua monografia intitulada “Velhas-Flodens Fiske:

Et Bidrag til Brasiliens Ichthyologi” e publicada em 1875 descreveu as anotações realizadas

por Johannes Theodor Reinhardt sobre a prática da pesca na região do Rio das Velhas:

“Nas últimas semanas de minha estada em Lagoa Santa, perto do início da

estação das chuvas, em meados de outubro, tanto os moradores da cidade

como os fazendeiros locais começaram a praticar com empenho pesca com

rede no Rio das Velhas e em seus afluentes menores, bem como em muitos

lagos pequenos.

O lugar escolhido para a pescaria era geralmente uma baía pequena, estreita e

fechada que o rio escavara na floresta. Algumas pessoas jovens pulavam no

rio nuas, equipadas com galhos, a certa distancia da baía; faziam uma linha

através do riacho, cuja água os alcançava na altura do peito, e caminhavam,

gritando e berrando, em direção à baia, enquanto batiam os galhos fortemente

na água, empurrando os peixes assustados para dentro da baía, pois a saída

para o curso normal do rio estava fechada, como uma parede, por uma rede

esticada através do rio, mantida verticalmente dentro d’água por pedras em

sua parte submersa.

Depois de os peixes serem empurrados para dentro da baía fechada que o rio

havia formado, eles eram cercados por uma rede igual à anteriormente

mencionada, no lugar onde se tinha começado a empurrar os peixes, e, assim

que eles ficavam presos naquela parte do rio cercada pelas duas redes,

começava de fato a pescaria, já que uma rede muito grande, do mesmo

formato que aquelas que cercavam o rio, e com pedras amarradas, de forma a

chegar até o fundo, era puxada da parte cega da baía em direção à rede

superior e de volta, com a ajuda de pessoas que estavam nas margens do rio.

Quando os peixes que escapavam chegavam a uma das barreiras do lugar

cercado, as pessoas recolhiam com cuidado a rede de um dos lados, fazendo

sempre arcos menores, até que os peixes cada vez mais estreitamente

confinados alcançassem a margem. A rede e os peixes aprisionados eram

então puxados com segurança, e os animais maiores e mais valiosos,

recolhidos. Depois de a rede ter sido puxada algumas vezes para frente e

para trás, o lugar ficava praticamente sem peixes”. (ALVES; POMPEU,

2010, pág. 34.)

Através da passagem acima citada é possível inferir que aqueles que pescavam,

buscavam o melhor retorno para o esforço realizado, desta maneira o período chuvoso é

considerado a safra. Thé (2003) em seu trabalho ressaltou que embora exista a concentração

de eventos de pesca durante o período de seca (abril a setembro), o período chuvoso (outubro

a março) correspondeu a maior parte da produção pesqueira, demonstrando assim que o

período de safra acontece durante as cheias do rio, no qual a pesca é proibida para o defeso

reprodutivo.

Outros estudos também evidenciaram a melhoria de rendimento pesqueiro durante a

estação chuvosa; na Amazônia os desembarques são fortemente influenciados pelo pulso de

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inundação, força que regula o ecossistema (JUNK; BAYLEY; SPARKS, 1989). Tal ciclo

influencia diretamente nas capturas e gera picos de sazonais no desembarque pesqueiro em

Manaus e nos outros centros regionais (FREITAS; RIVAS, 2006); desta maneira, o primeiro

pico na produção corresponde ao primeiro semestre do ano, considerado como o período de

enchente e cheia, entre os meses de abril e junho, o que coincide com a migração de algumas

espécies de Characiformes como os jaraquis (Semaprochilodus sp), matrinxãs (Brycon sp),

curimatás (Prochilodus sp). O segundo pico na produção pesqueira corresponde ao período de

vazante, no segundo semestre onde a pescaria em lagos aumenta a produtividade (FREITAS;

RIVAS, op. cit).

Segundo informação ainda fornecida pelos pescadores, que existe uma época em que a

pesca fica ruim, esse “desaparecimento” dos peixes segundo a lógica dos pescadores está

relacionada a temporada de frio, onde o peixe não “anda” muito, assim o mês de junho foi o

mais citado como época ruim de peixe.

Quando indagados se alguns desses peixes não existiam quando iniciaram suas

atividades de pesca, quase todos os entrevistados afirmaram que a caranha (Piaractus

mesopotamicus) foi uma espécie que apareceu no rio, entretanto não existe um consenso na

percepção sobre quando esta espécie apareceu, as respostas variam entre o máximo de trinta e

o mínimo de sete anos. Outras duas espécies citadas foram o tucunaré (Cichla sp.) e a tilápia

(Oreochromis niloticus) e o futi-futi, o qual imagina-se que seja o Callichthys callichthys já

que não foi possível amostrar indivíduos. Os pescadores quase em sua totalidade afirmaram

ainda que todas as espécies que pescavam continuam existindo no rio, entretanto ressaltam

que diminuíram drasticamente em seus estoques.

Durante as entrevistas, solicitou-se para que aos pescadores enumerasse quais os cinco

peixes que mais pescavam durante o ano, a mais citada foi a curimatá (Prochilodus argenteus

e Prochilodus costatus), em segundo o dourado (Salminus franciscanus), em terceiro o piau

(Leporinus obtusidens), em quarto a matrinchã (Brycon ortothaenia) e em último lugar o

surubim (Pseudoplatystoma corruscans).

Os pescadores também informaram quais os peixes mais procurados para a venda,

sendo os principais: o surubim, o dourado e o pacamã. Um pescador relatou que não há essa

distinção segundo ele “o que tiver vende”, devido à escassez de peixes no rio.

Em relação à época em que se obtêm mais pescados ou um melhor rendimento, a

maioria dos pescadores afirmou que é a época das águas, tempo da chuva, segundo eles, os

peixes no período de reprodução começam a andar mais. Houve ainda algumas citações que

declararam que a melhor época é nos meses de agosto e setembro, por ser uma “época de

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calor” o peixe movimenta mais. Além disso, dois pescadores informaram que o período de

melhor rendimento é na “vazante geral, onde o rio diminui seu volume e o peixe sai fora da

pauzada”.

2.4.3.2 Motivos para a redução dos estoques pesqueiros

Houve o relato de que em períodos passados existiam mais peixes, essa afirmação é

considera verídica por quase 94% dos pescadores, para eles alguns fatores influenciaram para

a menor quantidade de pescado existente no rio, como: muitos pescadores/pesca excessiva,

fechamento das barras, ausência de enchentes, mortandade de peixes, assoreamento, materiais

pré-fabricados.

Figura 06 – Pescador demonstrando um local assoreado, neste ponto menos de um metro de

profundidade.

Acresce que as principais ameaças aos ecossistemas brasileiros de águas continentais

são a poluição, a eutrofização, o assoreamento, a presença de barragens, a pesca e a

introdução de espécies (AGOSTINHO; THOMAZ; GOMES, 2005). Desta maneira os

pescadores já retratavam as mudanças ambientais sofridas na bacia do São Francisco como

assoreamento, poluição, o barramento das lagoas marginais e a influência da represa de Três

Marias sobre ecossistema aquático, e atribuíam a estes fatores a contribuição para a depleção

dos estoques pesqueiros, este entendimento é visivelmente retratado nos seguintes trechos

retirados de Thé (2003):

“A cachoeira aqui de Pirapora, nessa época assim (seca) alguns lugar aqui,

você atravessava a pé, pelas pedras,....mudou depois da construção da

barragem...foi mais ou menos em 1965, 1966, veio a mudança do rio... você

vê assim o rio cheio, mas ele não tá cheio, ela tá é inchado, porque é a areia

que tá subindo... essa ilha mesmo, aqui na frente, ela não era tão longa

assim, ela era metade disso”.

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...até que hoje já não mata tanto, mas aqui antigamente já morreu muito

peixe por causa dessa CMM8.

O rio está muito raso, ficou muito raso...e ainda a enchente diminuiu...

Os fazendeiros cercam a água, não tem como o peixe navegar. A lagoa

enche, os peixes chegam na barragem e não passam o rio para desovar...

Outra ocorrência citada como causa da escassez de peixes é a ausência de “enchentes”,

sem este fenômeno para o rio “jogar” os peixes na lagoa, os predadores como as piabas

comem as ovas liberadas no rio, portanto para os pescadores a enchente é um importante fator

para a renovação dos estoques pesqueiros.

Vinculada a ausência de “enchentes” está o “fechamento das barras”9 realizado por

empreendimentos agropecuários, que tampam a ligação das lagoas com o rio, principalmente

para a passagem de veículos, este também é apontado como um fator que contribui para a

menor quantidade de pescado existente no rio. O “fechamento” é realizado pelos

empreendimentos agropecuários situados as margens dos rios São Francisco e Urucuia e que

segundo os pescadores prejudica a entrada dos peixes pequenos nas lagoas, as quais são

considerados locais melhores para os peixes crescerem por terem refúgio contra predadores e

alimento.

A ausência das “enchentes” é apontada pelos pescadores como uma das causas na

redução dos estoques pesqueiros, se reconhece que o pulso de inundação controla a

produtividade do rio (JUNK; BAYLEY; SPARKS, 1989) afetando assim, o sucesso da

criação e recrutamento das espécies de pesca que utilizam as lagoas marginais como

principais berçários (SATO; GODINHO, 2003) sendo a cheia necessária para o êxito

reprodutivo (GODINHO; KYNARD, 2006), assim, foram propostas cheias induzidas como

tentativa para a restauração dos recursos pesqueiros (GODINHO; KYNARD; MARTINEZ,

2003; GODINHO; MARTINEZ, 2007), entretanto estas ideias não foram adiante nas

discussões realizadas no âmbito do Comitê de Gestão dos Recursos Pesqueiros do São

Francisco.

A grande quantidade de pescadores é o fato mais citado como responsável pela

diminuição dos estoques pesqueiros, segundo relatos, naquela região não existiam mais que

oito pescadores e em épocas passadas os pescadores mais antigos afirmaram ser possível

capturar entre 500 e 1800 quilos de surubim por noite.

Embora os pescadores tenham afirmado em sua maioria que o aumento do número de

pescadores tem contribuído para a depleção dos estoques pesqueiros, esta é apenas uma parte

8 Companhia Mineira de Metais posteriormente adquirida pelo grupo Votorantim. 9 Barras são os locais onde as lagoas marginais se comunicam com o rio.

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do problema, já que existem outros fatores anteriormente citados atuando sobre o ecossistema,

e considerar apenas os pescadores como causadores da depleção dos estoques pesqueiros, será

analisar apenas uma parte do complexo.

2.4.3.3 Técnicas de pesca

Os pescadores informaram quais as técnicas utilizadas e suas melhores épocas de uso,

esta utilização está relacionada com o seu melhor rendimento em relação às condições

ambientais observadas, rio sujo ou rio limpo, lua clara ou escura. As técnicas bem como as

principais espécies capturadas, melhores épocas de uso e local de uso estão detalhadas na

Tabela 06.

Tabela 06 – Técnicas pesca utilizadas na Barra do Urucuia descritas pelas as entrevistas.

Técnica Espécies alvo Melhor época Local

Rede Armada Todas Água suja/Rio cheio Banzeiro, Beiradão

e Praia

Rede de Caceia Dourado, Matrinchã e

Curimatá Água limpa/Seca

Praia/Croa, Lugar

limpo

Rede de Arrasto Todas Água suja/ Rio cheio Lance específico

Tarrafa Todas Água limpa/Seca Praia/Croa,

Beiradão

Anzol/Pinda Surubim, Pacamã,

Dourado Água suja Margem corrente

Vara e anzol Todas Água limpa/Seca Pedreira

Algumas técnicas não foram citadas, mas através do convívio com a comunidade

observou-se e questionou-se sobre elas. A primeira delas foi a “corda” que é semelhante à

técnica de “espinhel” na qual são amarrados vários anzóis e iscados com diversos tipos de isca

como jenipapo (Genipa americana), acerola (Malpighia emarginata), siriguela (Spondias

purpurea), maçã (Malus sp), casca de melancia (Citrullus lanatus) e mandioca (Manihot sp)

para a pesca da caranha. Para a pesca do surubim foi utilizada isca viva como curimatás

pequenas e caris (Hypostomus sp). A segunda técnica foi o “grampão” ou “tarrafão”, trata-se

de uma tarrafa utilizada com o barco transversalmente ao rio em que parte fica arrastando no

fundo, os pescadores ficam com o restante do material aberto esperando para quando sentirem

o peixe encostar-se à parte submersa, soltarem o restante do apetrecho em cima, culminado

com a apreensão do peixe. A terceira técnica visualizada, mas menos utilizada, foi o “colfe”

ou “colfo”, que é um armadilha confeccionada de arame e iscada com iscas vivas amarradas

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para atrair os peixes, muito utilizada para a pesca da piranha ilustrada na Figura 09. A quarta

técnica mencionada foi a fisga ou arpão, esta técnica consiste em uma dupla pescando durante

a noite com uma lanterna potente iluminando as margens e o arpão em mãos, quando o peixe

é visualizado o arpão é arremessado pelo pescador na tentativa de acertá-lo.

Figura 09 – Pescador armando o “colfo” para a pesca da piranha.

As redes armadas/espera são redes de emalhar que são colocadas em locais específicos

onde à água é parada, denominada pelos pescadores de “banzeiros”. As malhas e o

comprimento das redes variam de acordo com o pescador e a espécie que se busca capturar,

foi observada a variação entre 10 e 16 centímetros entre nós adjacentes.

A rede de caceia é uma rede de emalhar que desce a deriva na superfície, é utilizada

nas margens dos rios de forma que os peixes que ficam nestes locais são espantados pelas

batidas de remos na água ou pelos barulhos efetuados pelo pescador, vão de encontro com a

rede esticada paralelamente a margem, as malhas também variaram de 10 a 14 centímetros

entre nós adjacentes.

A rede de arrasto é semelhante a caceia, mas diferencia-se por possuir mais chumbos

que a fazem arrastar no fundo do rio, por esse motivo somente utilizada nos locais

denominados "lances" que foram previamente limpos para evitar que a rede enrosque. Estas

redes geralmente possuem mais de 150 “braças”10 aproximadamente 250 metros de

comprimento. A utilização dos petrechos de pesca na modalidade arrasto é proibida pela

10 A braça é uma medida náutica utilizada para medir a profundidade e equivale a 1,83m. Os pescadores utilizam

desta medida para medir suas redes, onde comprimento dos braços abertos da ponta dos dedos de uma mão até a

ponta dos dedos da outra mão equivale a uma braça.

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portaria do IBAMA nº 18 de 11 de junho de 2008, que estabelece as normas para o exercício

da pesca na bacia do rio São Francisco.

Este tipo de material pode ser confeccionado com “malha dobrada”, quando ao tecer a

rede os pescadores utilizam dois carretéis de linha simultaneamente para que a cada malha da

rede tecida saia com duas linhas, à outra forma visualizada desta rede denominada

“empanada”, onde na hora de "entranhar"11 são colocados dois ou mais panos de rede,

geralmente com tamanhos de malhas diferentes, por exemplo, malha 14 no primeiro pano e 16

no segundo, as malhas variam de 10 a 36 centímetros entre nós adjacentes.

A tarrafa é uma rede de arremesso em forma de saco, é utilizada em praias e no

beiradão, como demonstrado na Figura 10, é uma técnica muito propícia a enroscar, fazendo

com que os pescadores tenham que mergulhar frequentemente na tentativa de recuperar o

material.

Figura 10 – Pescador utilizando a tarrafa em um local onde havia feito uma ceva.

O anzol de galho ou pinda é a técnica que consiste em uma corda e anzol com isca

viva, amarrados em galhos nas margens do rio, muito utilizada para a pesca do surubim,

entretanto, foram relatadas capturas de dourado, pacamã, piranha e caranha (Piaractus

mesopotamicus) por meio desta técnica.

O uso de vara e anzol é a mesma técnica utilizada pelos pescadores amadores, podem

ser do tipo simples, usa-se apenas a vara e a linha, ou mais modernas, com as varas e

molinetes ou carretilhas com sistemas de recolhimento da linha. São utilizados principalmente

para a captura de dourado (Salminus franciscanus), caranha (Piaractus mesopotamicus) e

11 Entranhar é o ato de prender o pano de rede tecido às cordas em que são acoplados as boias e os chumbos.

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curimatá (Prochilodus argenteus e P. costatus), o uso desta técnica é restrita a poucos

pescadores.

O pescador escolhe o material a ser utilizado baseando-se nas condições ambientais

observadas. São utilizadas redes de “náilon mole” (linha multifilamento) e “náilon seco”

(linha monofilamento), os pescadores relataram que utilizam as redes de náilon mole para

épocas de chuva, tempo em que a água está suja, já náilon seco é melhor para a época de água

limpa ou período seco. Alguns pescadores ainda afirmaram utilizar o náilon seco em ambas

as épocas. A razão para a utilização do náilon seco apenas na temporada de águas limpas é a

percepção de que o peixe enxerga a rede de náilon mole, que com o acúmulo de sujeira fica

escuro, fato que com a água suja não ocorre, pois a rede fica com a cor próxima a da água.

A confecção dos petrechos de pesca é realizada pelo próprio pescador, pela arte do

tecer, a maioria dos pescadores afirmou confeccionar suas redes. Uma prática observada é o

pagamento de um terceiro para realizar o trabalho de tecer, desta forma é fornecido todo o

material pelo pescador e paga-se por “braça” tecida. Outro fato relatado é a aquisição de

material industrialmente fabricado, principalmente as redes de náilon seco, estes são

adquiridos os “panos de rede”12 que são apenas entranhados com chumbos e boias para seu

uso.

No que diz respeito às técnicas utilizadas pelos pescadores entrevistados, são

basicamente as mais comuns na região, observou-se uma diferença em relação ao número de

técnicas utilizadas em outros trechos da bacia (THÉ, 2003), entretanto, tal diferença pode ser

em decorrência da baixa utilização de outras técnicas não sendo mencionadas. Pelo menos

quatro técnicas não foram mencionadas nas entrevistas, mas puderam ser observadas.

As condições ambientais encontradas no momento da pesca condicionam na escolha

do material a ser utilizado, os pescadores ajustam a cada dia seus petrechos para exercer a sua

atividade. A diferença no uso dos dois tipos de linha está relacionada à eficiência de pesca,

turbidez da água, o preço e a facilidade no manuseio; a linha de náilon monofilamento é

descrita por ser utilizada com a água limpa, com turbidez mínima por sujar menos e ficar da

cor da água, já o náilon multifilamento é utilizado apenas quando a água está suja ou barrenta

(THÉ, 2003).

No presente trabalho, de acordo com os relatos dos pescadores e observações durante a

pesca, notou-se que a utilização do náilon mole (multifilamento) ocorre durante o ano inteiro,

com menor intensidade durante a temporada de seca, onde a água é mais transparente, em que

12 Redes industrialmente fabricadas vendidas em medidas estabelecidas pelas fabricantes.

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muitos substituem pelo náilon monofilamento, segundo os pescadores, devido ao peixe

enxergar as redes de náilon mole.

Este “meme” também foi mencionado pelos pescadores entrevistados por Thé (2003),

entretanto relacionado às fases da lua e a turbidez da água, onde a lua clara e a turbidez baixa

são as piores condições para a pesca, pois o peixe “enxerga a rede e não cai”, para os

pescadores a época boa é lua escura e turbidez alta. No presente trabalho os pescadores

afirmaram que a claridade da lua atrapalha na pesca, porque o peixe visualiza a rede, assim

como descrito por Thé (2003), entretanto não foi mencionado se os rendimentos são piores ou

melhores que em outras fases.

A pesca na barra do Urucuia é predominantemente realizada através do arrasto,

embora fossem visualizadas mudanças pontuais no seu uso. Estas mudanças ocorreram

principalmente quando os rendimentos com o arrasto diminuíam. Observou-se também a

utilização simultânea de técnicas, enquanto o pescador soltava a rede de arrasto que descia a

deriva no rio, o mesmo utilizava este tempo para pescar com a tarrafa ou a caceia, e deixava

armados anzóis de galho/cordas e redes, ampliando assim o seu esforço de pesca.

2.4.3.4 Confecção das técnicas de pesca

Através do relato de alguns pescadores pode-se observar a mudança de petrechos

durante o passar do tempo, primeiramente as redes eram de "caroá" (Neoglaziovia variegata)

com chumbos de barro, segundo eles, os mais antigos, a linha era feita da casca de uma

madeira que era deixada para “pubar”13, após este processo as fibras eram enroladas e

trançadas para fazer os carreteis e posteriormente utilizadas para a confecção dos petrechos,

segundo os mesmos a resistência do material era ínfima, exigia-se muito tempo para

confeccioná-lo e de fácil apodrecimento do material devido ao uso constante.

Após este foi citado à linha “uça” já vendida em carreteis e trazida pelos vapores,

posteriormente a incorporação de linhas mono e multifilamento, que segundo os pescadores a

resistência e durabilidade são boas.

A mudança no tipo de material também pode contribui para a sobre-explotação dos

recursos pesqueiros, com redes mais resistentes e duráveis os pescadores permanecem mais

tempo na pesca, com a evolução dos materiais, este prazo de manuseio prolongou-se, podendo

assim exercer uma pressão maior sobre os recursos pesqueiros. Berkes (1987) estudando

sobre a extração de recursos pesqueiros de Barbados e Jamaica chegou à conclusão de que o

desenvolvimento do poder de pesca não é ecologicamente sustentável.

13 Apodrecer

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No trabalho, o autor se referia a mecanização da frota pesqueira passando de canoas

não motorizadas, para motores de popa, cada vez mais potentes, o que praticamente dobrou a

capacidade de pesca gerando inicialmente o aumento no rendimento do pescado, entretanto as

taxas caíram seguidamente pela sobre pesca. Além da mecanização, outro fator levantado foi

o aparecimento de um novo grupo de usuários, os pescadores de arpão que competiam com os

pescadores de armadilhas (BERKES, 1987).

Desta forma é possível visualizar como o aumento no esforço de pesca pode vir a

tornar a atividade insustentável, além da mecanização, a utilização de materiais mais

resistentes e de fácil acesso, juntamente com outros fatores já citados, contribuem para a

redução dos recursos pesqueiros. Assim como discutido no tópico anterior, atribuir o declínio

nos estoques pesqueiros somente aos pescadores ou a modernização das técnicas de pesca é

incorreto, já que existem inúmero outros fatores, que são muitas vezes mais impactantes e que

contribuem para esta situação de depleção.

2.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento mantido pelos pescadores da Barra do Urucuia é fruto das

experiências vividas ao longo da sua vida na lida com a pesca. Neste estudo foi possível

perceber o quão rico é este conhecimento, já que os mesmos possuem a compreensão de

inúmeras áreas como eventos reprodutivos, dinâmica hidrológica do rio, importância das

lagoas marginais e de pequenos afluentes, fatores que contribuem para o declínio do estoque

pesqueiro. Este conhecimento é interconectado e diacrônico, sendo este resultado das

observações temporais ao longo dos anos.

O conhecimento acumulado está disponível para contribuir com a gestão pesqueira,

como demonstrado neste trabalho e em outros realizados no Alto-Médio São Francisco, tal

conhecimento é acurado e totalmente compatível com o que traz a literatura científica, não

que uma seja mais importante que a outra, mas podem se complementar.

A gestão pesqueira adotada pelo país faz com que os recursos pesqueiros sejam

considerados de "livre acesso", já que não existe um contingente necessário para monitorar e

fiscalizar todo o território de pesca. Este exemplo por si só, demonstra como a inserção dos

pescadores poderia contribuir para o monitoramento do desembarque pesqueiro, este é um

ponto crítico para o país, não havendo estatísticas confiáveis, em alguns casos os próprios

pescadores poderiam ser os fiscalizadores da sua profissão, esta prática ainda estreitaria as

relações entre órgãos governamentais e pescadores estabelecendo laços de confiança.

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Entretanto para que isto ocorra é necessário que exista a descentralização da gestão

pesqueira, passando a dividir a responsabilidade de gerenciar os recursos pesqueiros com

todos os que necessitam ou estão ligados direta e indiretamente a este recurso: comunidades

ribeirinhas, pescadores tanto profissionais quanto amadores, indústrias e empreendimentos

que captam água dos rios e órgãos governamentais, todos juntos construindo uma gestão

participativa e igualitária, com intuito de recuperar e preservar os recursos para todos os

usuários.

2.6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2.7 APÊNDICE A – ROTEIRO ENTREVISTAS LIVRES

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2.8 APÊNDICE B – ROTEIRO ENTREVISTAS ESTRUTURADAS

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3. CAPÍTULO II – ASPECTOS DA BIOLOGIA REPRODUTIVA DO PIRÁ

(Conorhynchos conirostris)

3.1 INTRODUÇÃO

O Brasil é um país considerado megadiverso e é também aquele que possui o maior

número de espécies de peixes em água doce do mundo, fato atribuído as suas extensas bacias

hidrográficas. (DRUMMOND et al., 2005). A fauna de peixes ósseos pode atingir 3261

espécies (LEWINSOHN; PRADO, 2005) que além da riqueza de espécies também possui alto

número de endemismos.

O estado de Minas Gerais é privilegiado por abranger quase todas as principais bacias

hidrográficas do país, com exceção da bacia amazônica e é também detentor das nascentes de

inúmeras outras bacias importantes, fato que explica as 354 espécies nativas descritas.

representando 12% do total encontrado no Brasil (DRUMMOND et al., 2005).

O número de espécies descritas para a bacia do rio São Francisco aumenta a cada ano,

fato que pode ser atribuído às recentes descobertas de novas espécies como o dourado

(Salminus franciscanus) (LIMA; BRITSKI, 2007) e a reclassificação de outras já existentes

como o piau verdadeiro (Leporinus obtusidens) (BRITSKI; BIRINDELLI; GARAVELLO,

2012).

Drummond et al. (2005) relata 173 espécies formalmente descritas na bacia, já

Barbosa e Soares (2009) em coletas realizadas em alguns pontos da bacia e através da revisão

de literatura especializada citam pelo menos 244 espécies, sendo 214 nativas. Dentre as

espécies nativas 76 são endêmicas da bacia do rio São Francisco, outras 24 são introduzidas e

seis são espécies marinhas coletadas no rio, especialmente nas cercanias de Penedo, Estado de

Alagoas (BARBOSA E SOARES, 2009).

O pirá (Conorhynchos conirostris) é uma espécie endêmica e símbolo da bacia do São

Francisco, entretanto o conhecimento sobre sua biologia e ecologia ainda são escassos

havendo poucos trabalhos desenvolvidos até então. Apesar de constar na lista de espécies

ameaçadas de extinção (Portaria MMA nº 445/2014), ela possui importância econômica e

social para as populações ribeirinhas.

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3.2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.2.1 Espécie alvo e sua demanda

O pirá (Conorhynchos conirostris) é um bagre reofílico14 da família Pimelodidae, que

pode atingir até 100 cm de comprimento total e 13 kg de peso corporal (SATO, 1999)

(Figura 01). Possui uma boca atípica, ausente de dentes (Figura 02) e a pele na coloração

azul-prateada, alimenta-se principalmente de moluscos, mas também estão incluídos em sua

dieta insetos (larvas e pupas), vermes e micro crustáceos (SATO; GODINHO, 2003).

Figura 01 – Exemplar de Conorhynchos conirostris capturado durante o estudo. Foto: Thomás

Yoshinaga

Figura 02 – Detalhe da boca de Conorhynchos conirostris. Foto: Thomás Yoshinaga

14 Peixes reofílicos são aqueles que necessitam do ambiente lótico para completarem o seu ciclo de vida. Esses

peixes podem ser migradores ou não (DRUMMOND et al., 2005).

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É um peixe que realiza migrações reprodutivas, se reproduz nos leitos dos rios durante

a estação chuvosa e possuem um curto período reprodutivo, são de desova total e não

apresenta cuidado parental. Os ovos são amarelos, livres e com diâmetro médio de 1,4mm, a

embriogênese é rápida variando de 19 a 22 horas a 23-24ºC (SATO, 1999).

Trabalhos desenvolvidos com esta espécie são escassos, não existindo desta forma

informações suficientes as quais possam contribuir para o pleno conhecimento de seus hábitos

e padrões de vida. Apesar da falta de dados científicos, em 2003 foi definido o tamanho de

primeira maturação em 45 centímetros pela portaria15 do Instituto Estadual de Florestas,

tamanho este que configurava o tamanho mínimo de captura para a espécie antes de sua total

proibição. Apesar de não ser uma espécie alvo da pesca comercial e amadora, existem relatos

de desembarque em alguns locais da bacia. De acordo com a SUDEPE/CODEVASF (1980) o

pirá tinha representatividade na produção pesqueira do médio São Francisco, registrada nos

escassos relatos de desembarque até o ano de 2003 (GODINHO; BRITO; GODINHO, 2003;

GODINHO et al., 1997).

Alves e Pompeu (2005) também ressaltaram a importância desta espécie na pesca

comercial, entretanto, informaram que sua captura aparentou ser inconstante, fato que pode

estar relacionado às falhas na coleta de dados de desembarque ou pelo simples fato de não ser

relatado pelos pescadores, já que ela passou a ser considerada ameaçada de extinção a partir

de 2004. Ainda segundo os autores, a espécie se tornou abundante após as cheias de 1996-

1997 sendo que em 1998 juvenis entre 11 e 13 cm foram capturados no Rio São Francisco nas

proximidades do Rio Carinhanha (ALVES; POMPEU, 2005).

Em trabalho realizado pelo IBAMA, na região do médio São Francisco, próximo à foz

do rio Urucuia, o pirá aparece na captura da pesca comercial sendo o pico do desembarque

relacionado com o início do período chuvoso. Nas coletas realizadas entre Setembro de 2012

a Março de 2013 representou 16% das capturas, já entre setembro de 2013 e março de 2014 as

capturas foram de 14% para a pesca comercial. Na pesca amadora sua captura é acidental

e/ou insignificante (IBAMA, 2015).

O pirá é considerado praticamente extinto no trecho do alto São Francisco, a montante

da represa de Três Marias e no baixo, a jusante da represa de Sobradinho. Os principais

motivos parecem ser os empreendimentos hidrelétricos, poluição, assoreamento e ausência de

lagoas marginais e outros locais de recrutamento. A espécie encontra-se na lista de espécies

ameaçadas desde 200416 e recentemente em 201417 a atualização da lista classificou esta

15 Portaria IEF nº111 de 16 de outubro de 2003. 16 Instrução Normativa do MMA Nº 5 de 2004.

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espécie com o status de “em perigo” fundamentado na redução de habitat e pressão de pesca,

estimando-se que a população foi reduzida em mais de 50% nos últimos trinta anos (ICMBIO,

2015).

O fato de o pirá constar na lista de espécies ameaçadas de extinção, faz com que

pescadores não relatem oficialmente sua captura. Contudo, os relatos informais e dados

parciais do projeto de Monitoramento da Pesca no médio São Francisco (IBAMA, 2015)

mostram sua representatividade e importância econômica e social para as populações

ribeirinhas. A ilegalidade de sua pesca e de sua comercialização colocam os pescadores em

uma situação de risco, gerando insatisfação com a legislação vigente e com os órgãos gestores

da pesca no estado.

3.2.2 A ictiologia no São Francisco.

A atividade pesqueira nas águas do São Francisco tem como característica a

incipiência e dispersão de informações sobre a biologia e ecologia das espécies. Estes

aspectos dificultam a avaliação do estado de exploração dos recursos, bem como a procura de

medidas racionais de ordenamento da atividade, constituindo um dos principais motivos pelos

quais as práticas de manejo dos recursos pesqueiros na região sejam pouco efetivas. Além

disso, historicamente, o manejo da pesca no São Francisco provém de ações isoladas, a partir

de informações fragmentadas de instituições e pesquisadores. Da mesma forma, que ocorre no

resto do país, tem se demonstrado ineficiente, não apenas em função da maneira como tem

sido implementado, mas, sobretudo, pela sua concepção teórica e filosófica (BARBOSA;

SOARES, 2009).

Apesar dos trabalhos serem pulverizadas em grupos de pesquisa específicos, o que

dificulta sua compilação e organização, alguns estudos merecem destaque como aqueles

ligados à área reprodutiva (BONCOMPAGNI-JÚNIOR et al., 2013; FREITAS et al., 2013;

GODINHO; LAMAS; GODINHO, 2009; GOMES et al., 2013; LAMAS, 1993; MIRANDA

et al., 1999; MORAIS et al., 2012; NORMANDO et al., 2009; PERINI et al., 2013; RIZZO,

2002; SATO, 1999; SATO et al., 2006); migração (GODINHO; KYNARD; GODINHO,

2007; GODINHO; KYNARD, 2006; GODINHO, 2005); parasitologia (BRASIL-SATO;

DOS SANTOS, 2005), lagoas marginais (POMPEU, 1997; POMPEU; GODINHO, 2006), e

estudos com conhecimento tradicional e regras informais de uso dos recursos e gestão

pesqueira (FERNANDEZ; THÉ, 2013; SOBRINHO; THÉ, 2012; THÉ; NORDI, 2006; THÉ,

1999, 2003).

17 Portaria MMA Nº 445, 17 de dezembro de 2014.

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Os estudos em biologia reprodutiva aparecem em maior número e as informações

levantadas auxiliam no processo de gestão pesqueira, nos planos de manejo para a

conservação da biodiversidade e estudos aplicados na pesca comercial e aquicultura

(BONCOMPAGNI-JÚNIOR et al., 2013; FREITAS et al., 2013).

Sato (1999) estudando os padrões reprodutivos de um conjunto de peixes da bacia do

São Francisco conseguiu definir três grupos: o primeiro é constituído por espécies que são

migradoras e sem cuidado parental, caracterizado por desovar somente uma ou duas vezes

durante a estação chuvosa, uma grande quantidade de ovos pequenos, sendo esta a reprodução

sincrônica e de maturação tardia, correspondente à estratégia sazonal descrita por Winemiller

(1989). O segundo grupo é composto por espécies não migradoras, sem cuidado parental e a

presença de órgão adesivo na fase larval, o que corresponde à estratégia oportunista

(Winemiller, op cit.) cujas espécies apresentam maturação precoce, reprodução constante com

uma estação reprodutiva prolongada, ciclo de vida curto, rápido crescimento larval e

mudanças nas taxas populacionais. O terceiro grupo é constituído por espécies que possuem

ou possivelmente possuem o cuidado parental, de acordo com Winemiller (op cit) esta é a

estratégia de equilíbrio, com peixes de porte médio, baixa fecundidade e ovos grandes.

Estudos focados em biologia reprodutiva utilizam diversos parâmetros importantes

para o manejo de espécies, como os índices somáticos: Índice Gonadossomático (IGS) e o

Índice Hepatossomático (IHS). O IGS é utilizado como indicador das fases de

desenvolvimento gonadal e na identificação da fase do ciclo reprodutivo, sendo os valores

crescentes associados ao período de maturação e os decrescentes ao período de desova ou

reabsorção. O Índice Hepatossomático (IHS) indica a mobilização de reservas energéticas

para o processo reprodutivo, baseado na afirmação de que o fígado participa na síntese de

precursores do vitelo, assim é esperado que o IHS decresça com o desenvolvimento gonadal

(AGOSTINHO et al., 1990). A determinação das fases do ciclo reprodutivo é fundamental

para compreender o comportamento da espécie dentro de seu habitat (VAZZOLER, 1996).

Outro parâmetro reprodutivo importante é a fecundidade que se refere à quantidade de

ovócitos eliminados na desova por cada indivíduo. Uma alta fecundidade está frequentemente

associada a fêmeas maiores, pois este parâmetro é regulado, entre outros fatores, pelo

tamanho da cavidade celomática, portanto fêmeas maiores tem a capacidade de abrigar maior

quantidade ovócitos (AMADIO; ROPKE; SANTOS, 2012). Desta maneira o tamanho é um

fator importante em uma população, de acordo com Wootton e Smith (2014) indivíduos

maiores exibem maior dominância, são capazes de adquirir melhores territórios para desova,

são mais atrativos para acasalamento.

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Além disso, os peixes grandes tem uma importância ecológica fundamental, tanto

como indicadores de um processo de sobrepesca, quanto na recuperação de ambientes sobre

explotados. Em um ambiente com pesca massiva, um dos primeiros sinais de diminuição dos

estoques pesqueiros e/ou sua sobre explotação, é o desaparecimento dos grandes exemplares.

Por outro lado, a manutenção de matrizes em um ambiente, permite uma recuperação mais

rápida do estoque, devido aos melhores parâmetros reprodutivos que esses animais

apresentam (fecundidade, tamanho de ovócitos, eficiência reprodutiva, cuidado parental, entre

outros).

A importância do tamanho para a população é ressaltada com base em estudos que

revelaram a existência de correlação entre o tamanho e número dos ovócitos, além da

resistência das larvas com o comprimento e principalmente a idade da fêmea (BERKELEY;

CHAPMAN; SOGARD, 2004; BOBKO; BERKELEY, 2004; HISLOP, 1988). Tais estudos

apontaram que o melhor desempenho reprodutivo, maiores ovócitos e larvas com maior

vitalidade geradas por adultos mais velhos, foram resultados de maiores reservas energéticas

dos pais, demonstrando desta maneira que pais mais velhos conseguem investir uma maior

reserva energética em cada descendente (BERKELEY; CHAPMAN; SOGARD, 2004;

BOBKO; BERKELEY, 2004).

A importância dos maiores e mais velhos também está relacionado ao tamanho e

resistência das larvas à fome, os descendentes de indivíduos maiores apresentam tamanho

superior aos de indivíduos menores e são mais resistentes à fome devido a um maior volume

na gota de lipídios, que fornece o sustento para a larva após o saco vitelino ser esgotado

(BERKELEY; CHAPMAN; SOGARD, 2004; BOBKO; BERKELEY, 2004). Esta resistência

confere as larvas, um fator de sobrevivência adicional e permite aos progenitores uma maior

amplitude no “sistema de apostas” ambiental, onde podem desovar mesmo com condições não

tão favoráveis e que suas crias poderão sobreviver até as condições ambientais mudarem e se

tornarem propícias para o seu desenvolvimento (BERKELEY; CHAPMAN; SOGARD, 2004;

BOBKO; BERKELEY, 2004).

O tamanho de primeira maturação também é um indicativo de como a população está

se comportando com as pressões exercidas sobre o ecossistema, principalmente a pesca que

seleciona artificialmente indivíduos e favorece aqueles fenótipos que possuem crescimento

mais lento e reprodução precoce, como o estudo demonstrado para o bacalhau do norte

(OLSEN et al., 2004).

Desta forma, a determinação dos parâmetros reprodutivos é fundamental para uma

gestão eficiente dos recursos pesqueiros, possibilitando, entre outras coisas, estimar-se o

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tempo que uma população necessita para se recompor da sobrepesca e também qual o

tamanho de captura mínimo ideal, que possibilite que cada espécime contribua

reprodutivamente antes que possa ser retirado do ambiente. As informações levantadas

contribuem para a gestão dos recursos pesqueiros, permitindo que os estoques se mantenham

equilibrados e as comunidades ribeirinhas possam usufruir desses recursos de maneira

sustentável.

3.2.3 Influência dos fatores ambientais na reprodução dos peixes

A reprodução dos peixes teleósteos é diretamente relacionada a estímulos ambientais e

hormonais. Dentre os ambientais, citam-se as alterações térmicas e hidrodinâmicas,

principalmente para os peixes migradores que dependem do aumento da temperatura e da

inundação como “gatilhos” para a desova (PARKINSON; PHILIPPART; BARAS, 1999).

As mudanças sazonais nos fatores ambientais desempenham duas possíveis funções na

determinação dos padrões temporais de reprodução em peixes, atuando como proximais e

fatores terminais. Os fatores proximais são percebidos pelo sistema sensorial dos peixes e

funcionam como “gatilhos” atuando sobre os processos fisiológicos, que regulam a

reprodução. Os principais fatores são: fotoperíodo, temperatura, ciclo lunar, composição

química da água e a variação no fluxo d’agua. Já os fatores terminais estão relacionados com

o timing reprodutivo sobre a sobrevivência progênie, o que determina quando e onde

reproduzir. Os fatores terminais usualmente utilizados são: a disponibilidade de alimento, o

risco de predação e evasão de condições físicas desfavoráveis (LOWERRE-BARBIERI et al.,

2011).

Desta maneira, como ilustrado na Figura 03, os fatores proximais reconhecidos pelo

sistema sensorial desencadeiam uma série de reações hormonais, começando pela liberação

do neurohormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) pelo cérebro, este estimula a hipófise a

lançar dois hormônios reprodutivos, o hormônio gonadotrópico I (GtH I) que é

estruturalmente e funcionalmente semelhante ao folículo-estimulador (FSH) e o hormônio

ganadotrópico II (GtH II) ao hormônio luteinizante (LH), sendo o FSH e o LH encontrado em

mamíferos. Uma vez produzidos o GtH I e GtH II são transportados via corrente sanguínea

até as gônadas onde estimulam a produção e esteroides (andrógenos, estrógenos e

progesteronas) que iniciam o processo de maturação gonadal regulando o processo de

oogenese e espermatogênese18 (WOOTTON; SMITH, 2014).

18 Oogenese e espermatogênese são os nomes atribuídos aos processos de formação das células reprodutivas

femininas e masculinas respectivamente.

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Figura 03 – Resumo simplificado dos processos que regulam a reprodução em peixes teleósteos. GnRH -

hormônio liberador de gonadotropinas; GtH I – hormônio gonadotrópico I; GtH II – hormônio gonadotrópico II;

↑ efeito positivo; ↓ efeito negativo. Fonte: (WOOTTON; SMITH, 2014)

3.2 OBJETIVOS

Avaliar o período, o pico de atividade reprodutiva e as características reprodutivas do

pirá (Conorhynchos conirostris).

Determinar o tamanho onde cinquenta por cento da população está apta a reprodução

(L50) e o tamanho L100 onde toda a população está apta à reprodução

Determinar se a área de estudos tem importância no ciclo reprodutivo da espécie.

3.3 MATERIAIS E MÉTODOS

As coletas foram realizadas mensalmente no médio São Francisco (Figura 04), entre

as cidades de São Francisco – MG e São Romão-MG, sob as seguintes coordenadas

geográficas S16 07.412 W45 04.919, o local foi escolhido por ser um trecho livre do rio (sem

barramentos), ser rico em lagoas marginais e possuir grandes afluentes como os rios Urucuia e

Pandeiros, os quais são fundamentais para a reprodução de várias espécies. As expedições

tiveram duração mínima de cinco dias, iniciando-se no mês de setembro de 2012 e terminando

no mês de março de 2013. Os meses de coleta foram definidos com base no período

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reprodutivo convencional para espécies migradoras das regiões sudeste e centro oeste do

Brasil.

Parâmetros de qualidade de água foram fornecidos pelo escritório da COPASA em

São Francisco-MG. As amostras foram coletadas no leito do rio, em local próximo a cidade.

O ponto de coleta de água fica a aproximadamente 35 km do local de captura dos peixes. Os

dados de pluviosidade foram fornecidos pelo sistema de monitoramento da CHESF (Centrais

Hidrelétricas do São Francisco), coletados em São Francisco-MG.

Figura 04 – Mapa da Bacia do São Francisco. A seta indica o local de estudo. Fonte:

www.sfrancisco.bio.br

Para a captura dos peixes foram utilizados os petrechos empregados rotineiramente na

pesca local: rede de caceia, rede fixa, rede de arrasto (Figura 05) com malhas variando entre

oito e vinte centímetros entre nós opostos, espinhel, pinda, tarrafas, caniços e anzóis.

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Figura 05 – Coletores utilizando uma rede de arrasto. Foto: Thomás Yoshinaga

Buscou-se a captura de no mínimo trinta exemplares de cada sexo quando possível, em

cada expedição de coleta, bem como variações nas classes de peso, a fim de propiciar uma

maior distribuição nas análises reprodutivas.

Os exemplares capturados foram levados para o laboratório de apoio, cujos dados

biométricos foram mensurados: peso total (PT) (Figura 06), comprimento total (CT) e padrão

(CP) (Figura 07). O peso total representa o peso do exemplar inteiro, sem evisceração, o

comprimento total equivalente ao comprimento da ponta do focinho até o final da nadadeira

caudal, já o comprimento padrão é caracterizado pelo comprimento do focinho até o final do

pedúnculo caudal.

Figura 06– Exemplar de pirá (Conorhynchos conirostris) sendo pesado. Foto: Thomás Yoshinaga

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Figura 07– Exemplar de pirá (Conorhynchos conirostris) sendo medido. Foto: Thomás Yoshinaga

Após aferidas às medidas biométricas, os exemplares tiveram a cavidade celomática

aberta com auxílio de bisturi e tesouras a fim de permitir a visualização das estruturas

internas. Foram então coletados o fígado e gônadas para mensuração do peso e realizada a

classificação macroscópica de ovários e testículos de acordo com as seguintes características:

1. Imaturo/Repouso - Fêmeas: Ovários pequenos, translúcidos, sem sinais de

vascularização; não se observam ovócitos a olho nu; Machos: Testículos pequenos

e translúcidos.

2. Maturação Inicial – Fêmeas: Ovários maiores se observam ovócitos opacos

pequenos e médios; Machos: Testículos branco-leitosos desenvolvidos.

3. Maturação Final – Fêmeas: Ovários grandes e túrgidos, vascularização

acentuada e evidente, ovócitos grandes numerosos; Machos: Testículos branco-

leitosos grandes, bem desenvolvidos e túrgidos.

4. Desovado/Espermeado – Fêmeas: Ovários flácidos e hemorrágicos, ocupando

menos da metade da cavidade celomática com poucos ovócitos visíveis a olho nú;

Machos: Testículos pequenos, hemorrágicos e flácidos.

Após a classificação macroscópica, as gônadas foram seccionadas na porção mediana

e fixadas em solução de formol a 4% por 24 horas em seguida transferidas e armazenadas em

álcool 70% para a realização das técnicas histológicas: inclusão em parafina, microtomia de

5-7µm de espessura com coloração com hematoxilina-eosina. Em laboratório, foi realizada a

determinação microscópica do estágio de maturação gonadal de acordo com os seguintes

parâmetros sintetizados por Brown-Peterson et al (2011).

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1. Imaturo - Fêmeas: Apenas oogônias e oócitos pré vitelogênicos em crescimento

primário presentes, sem atresia. Parede do ovário fina e pouco espaço entre os

oócitos. Machos: Somente espermatogônias indiferenciadas presentes, lúmen dos

lóbulos imperceptível.

2. Desenvolvimento - Fêmeas: Presença de oócitos vitelogênicos finais

completamente desenvolvidos. Algumas atresias e folículos desovados tardios

podem estar presentes. Em espécies de fecundidade determinada: predominância

de oócitos vitelogênicos finais. Em espécies de fecundidade indeterminada:

prevalecem os oócitos vitelogênicos intermediários e finais (com ou sem evidência

de desova anterior/presença de folículos pós-ovulatórios); ou oócitos vitelogênicos

iniciais com evidência de desova anterior (presença de folículos pós-ovulatórios);

Machos: Início da espermatogênese e formação dos espermatocistos.

Espermatogônias diferenciadas, espermatócitos primários, espermatócitos

secundários, espermátides iniciais e mesmo finais podem estar presentes no

interior dos espermatocistos. Espermatozóides não estão presentes no lúmen dos

lóbulos/túbulos seminíferos ou ductos espermáticos. O epitélio germinativo

contínuo ao longo de todo o testículo.

3. Apto à desova/liberar esperma – Fêmeas: Presença de oócitos vitelogênicos

finais/completamente desenvolvidos. Algumas atresias e folículos desovados

tardios podem estar presentes. Em espécies de fecundidade determinada:

predominância de oócitos vitelogênicos finais. Em espécies de fecundidade

indeterminada: prevalecem os oócitos vitelogênicos intermediários e finais (com

ou sem evidência de desova anterior/presença de folículos pós-ovulatórios); ou

oócitos vitelogênicos iniciais com evidência de desova anterior (presença de

folículos pós-ovulatórios). Machos: Espermatozóides presentes no lúmen dos

lóbulos/túbulos seminíferos e/ou ductos espermáticos. Todos os estágios da

espermatogênese (espermatogônias, espermatócitos, espemátides) podem estar

presentes nos espermatocistos ao longo do epitélio seminífero/germinativo que

pode se contínuo ou descontínuo. Características do epitélio germinativo nessa

fase: Inicial, epitélio contínuo ao longo de todo o testículo; Intermediária, epitélio

descontínuo nas proximidades do ducto espermático; Final, epitélio descontínuo

por todo o testículo.

4. Regressão – Fêmeas: Folículos atrésicos e folículos pós-ovulatórios presentes.

Alguns oócitos com alvéolos corticais e/ou em vitelogênese podem estar presentes.

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Machos: Presença de espermatozóides residuais no lúmen dos lóbulos/túbulos

seminíferos e/ou ductos espermáticos. Espermatócistos contendo espermátides não

liberadas dispersos pelo epitélio seminífero. Proliferação das espermatogônias e

regeneração do epitélio germinativo pode ter início.

5. Regeneração – Fêmeas: Presença apenas de oogônias, oócitos profásicos iniciais

e oócitos pré vitelogênicos em crescimento primário. Vasos sanguíneos dilatados,

folículos atrésicos ou folículos pós-ovulatórios em degeneração podem estar

presentes. Machos: Lúmen dos lóbulos/túbulos seminíferos não detectável.

Espermatogônias em proliferação por todo testículo. Epitélio seminífero contínuo

Espermatocistos ausentes. Espermatozóides residuais ocasionalmente presentes no

lúmen dos lóbulos/túbulos seminíferos e ducto espermático.

A partir de dados coletados foram calculados o índice gonadossomático (IGS = 100 x

PG / PT-1), que fornece a relação entre o desenvolvimento gonadal e corporal de cada

indivíduo, o índice hepatossomático (IHS= 100xPF/PT-1) que pode indicar o período

reprodutivo em função da participação do fígado no processo de maturação gonadal e o fator

de condição K alométrico, que é o indicador de condição do bem estar do indivíduo

fornecendo a relação entre a condição corporal e/ou estado fisiológico e o meio em que vive.

Obedece a seguinte equação K = Pt/Ctb, onde b = coeficiente da regressão entre Pt/Ct

(VAZZOLER, 1996). Para este cálculo primeiramente foi realizado uma regressão entre peso

e comprimento total para a determinação dos coeficientes da regressão.

Para estimar a fecundidade dos indivíduos, foi retirada uma alíquota da gônada (não

utilizada para retirada da porção mediana destinada à análise histológica), a qual foi pesada,

posteriormente dissociada e conservada em líquido de Gilson modificado (ARANTES et al.,

2010). Para a análise foi utilizado o método gravimétrico proposto por Vazzoler (1996) onde

se realizou a contagem dos ovócitos através de uma lupa, em seguida através do peso total das

gônadas (Pt), peso da alíquota (p) e o número de ovócitos (n) foi estimado o total de ovócitos

nos ovários (N= nPt/p). Após a determinação da fecundidade individual foi realizado um teste

de GLM (Generalizated Linear Model) com distribuição Poisson para a determinação da

relação entre o peso e o tamanho com a fecundidade.

Para a determinação do tamanho, onde cinquenta por cento dos espécimes amostrados

estão aptos à desova (L50) e o tamanho onde todos os espécimes se encontram nesse estado

(L100) foi utilizado o método descrito por Vazzoler (1996), com a distinção entre imaturos e

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demais classificações por classe de tamanhos, o calculo da frequência para cada classe e o

ajuste da curva sigmoide.

Foram realizadas análises de correlação de Pearson para verificar as relações entre os

índices somáticos e os seguintes parâmetros ambientais: temperatura, turbidez, nível do rio,

pluviosidade e pH.

3.4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.4.1 Proporção Sexual

As coletas foram realizadas entre Outubro de 2012 e março de 2013, pela inviabilidade

de uma coleta no mês de setembro foram realizadas duas coletas no mês de outubro uma na

primeira semana e uma na última. Durante as expedições de coleta foram capturados e

analisados 175 indivíduos de pirá, destes 149 eram fêmeas e 26 machos com uma proporção

sexual foi de 5,73 fêmeas para cada macho com p<0.001 para o teste do Qui-quadrado

conforme demonstrado pela Figura 08.

Figura 08 – Proporção sexual de Conorhynchos conirostris

Em estudo com esta mesma espécie, Conorhynchos conirostris, na região de Pirapora-

MG, a proporção sexual encontrada foi próxima de 1:1 (RIBEIRO, 2002). Foi evidente a

diferença encontrada na proporção sexual, este contraste pode estar relacionado com: I - o

tamanho do indivíduo e petrechos utilizados; II - local da captura; e III - estratégia

reprodutiva. Como demonstrado na Figura 09 à distribuição dos tamanhos dos indivíduos

capturados demonstra que 76% dos machos capturados estão abaixo de 50 centímetros e as

fêmeas apresentam uma distribuição mais homogênea, sugerindo que fêmeas crescem mais

que os machos.

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Figura 09: Distribuição de frequência no tamanho dos indivíduos de Conorhynchos conirostris

capturados.

O maior tamanho das fêmeas poderia favorecer a sua captura pela seletividade do

petrecho de pesca (ISAAC et al., 2000 apud AMADIO; BITTENCOURT, 2005), entretanto,

observa-se que com os mesmos petrechos capturaram-se fêmeas nas classes de tamanho em

que machos foram capturados, refutando esta alternativa.

Outra hipótese possível é que esta diferença na proporção sexual seja uma estratégia

para aumento da fecundidade total da população das espécies migradoras, que possuem uma

alta fecundidade individual (AMADIO; BITTENCOURT, 2005), sendo assim, com mais

fêmeas na população o sucesso reprodutivo poderia ser aumentado, entretanto as autoras

ressaltam a ausência de dados que comprovem esta relação.

Diferenças entre sítios reprodutivos também pode ser outra hipótese, visto o total

desconhecimento da biologia reprodutiva dessa espécie, não existem relatos detalhados sobre

os locais de ocorrência, áreas de recrutamento, distribuição dos cardumes, sítios de

alimentação e reprodução, ou mesmo as características de cada um desses locais. Portanto,

diferenças na proporção entre sexos podem ser atribuídas a características específicas do local

de amostragem. Outros fatores como o crescimento e mortalidade diferenciada para os sexos

também são possíveis (AMADIO; BITTENCOURT, op. cit.), contudo, neste trabalho não

puderam ser testadas estas hipóteses.

0

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6

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Tamanho dos indivíduos capturados

Distribuição dos tamanhos de Conorhynchos conirostris

Fêmeas

Machos

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3.4.2 Frequência nos estágios de maturação

A distribuição na frequência dos estágios de maturação está explicitada nos Figuras

10 e 11. Apenas uma fêmea imatura foi capturada durante as amostragens (Figura 12),

fêmeas em desenvolvimento (Figura 13) foram amostradas entre novembro e março,

indivíduos aptos à desova (Figura 14) foram amostrados entre dezembro e março, nos meses

de fevereiro e março foram capturados exemplares em regressão (Figura 15) e a presença de

fêmeas em repouso (Figura 16) foi visualizada durante todos os períodos de coleta.

O mês de janeiro é o pico de atividade reprodutiva para as fêmeas, onde foi encontrada

uma maior porcentagem de fêmeas aptas à desova, já para machos foi necessário cautela ao

avaliar os gráficos, pois a baixa amostragem (n=1) nos meses de novembro e janeiro forneceu

uma falsa impressão do pico de atividade reprodutiva, contudo, este deve estar situado entre

novembro e janeiro. Através das análises microscópicas não foram observados machos

imaturos nem em repouso reprodutivo, todos os exemplares capturados estavam em

desenvolvimento (Figura 17), aptos a espermear (Figura 18) ou em regressão (Figura 19).

Figura 10 – Frequência relativa dos estágios de maturação gonadal para fêmeas de Conorhynchos

conirostris.

0

20

40

60

80

100

SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR

Estágios de Maturação Gonadal

F5

F4

F3

F2

F1

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79

Figura 11 – Frequência relativa dos estágios de maturação gonadal para machos de Conorhynchos

conirostris.

Figura 12 – Corte transversal de ovário de Conorhynchos conirostris, demonstrando uma fêmea imatura com a

presença de ovócitos jovens (O1) (seta) e pré vitelogênicos (O2) (ponta de seta). Escala: 200µm. Foto: Thomás

Yoshinaga

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR

Estágios de Maturação Gonadal

M5

M4

M3

M2

M1

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80

Figura 13 – Corte transversal de ovário de Conorhynchos conirostris, demonstrando uma fêmea em

desenvolvimento apresentando ovócitos jovens e pré vitelogênicos (setas duplas) e ovócitos (O3) (seta)

apresentando vesículas corticais (ponta de seta). Escala: 200µm. Foto: Thomás Yoshinaga

Figura 14 – Corte transversal de ovário de Conorhynchos conirostris, demonstrando uma fêmea apta a desova,

com a presença de poucos ovócitos jovens e pré vitelogênicos e com ovócitos vitelogênicos (O4) (pontas de seta)

abundantes. Escala: 200µm. Foto: Thomás Yoshinaga

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81

Figura 15 – Corte transversal de ovário de Conorhynchos conirostris, demonstrando uma fêmea em regressão,

presença de folículo pós-ovulatório. Escala: 100µm. Foto: Thomás Yoshinaga

Figura 16– Corte transversal de ovário de Conorhynchos conirostris, demonstrando uma fêmea em regeneração,

presença de corpos residuais (pontas de seta). Escala: 200µm. Foto: Thomás Yoshinaga

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82

Figura 17 – Corte transversal de testículo de Conorhynchos conirostris, demonstrando um macho em

desenvolvimento, com poucos espermatozoides presentes nos túbulos seminíferos com (pontas de setas) HE.

Escala: 200µm. Foto: Thomás Yoshinaga

Figura 18 – Corte transversal de testículo de Conorhynchos conirostris, demonstrando um macho apto a

espermear, com túbulos seminíferos repletos de espermatozoides (pontas de setas) HE. Escala: 200µm. Foto:

Thomás Yoshinaga.

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83

Figura 19 – Corte transversal de testículo de Conorhynchos conirostris, demonstrando um macho em regressão,

com túbulos seminíferos com resquícios de espermatozoides (pontas de setas) HE. Escala: 200µm. Foto:

Thomás Yoshinaga.

Ribeiro (2002) também obteve resultados semelhantes, encontrando fêmeas de

repouso em quase todos os meses amostrados, exceto entre junho a setembro, havendo

também poucas capturas de fêmeas maduras. De acordo com os dados obtidos pela autora

citada é possível inferir a amplitude do período reprodutivo que vai de dezembro a março,

semelhante aos dados obtidos neste trabalho. Foi possível verificar também que para os

machos, houve um aumento na atividade reprodutiva nos meses de outubro e novembro

(RIBEIRO, 2002), no presente estudo foi observado tal atividade para ambos os sexos, o que

pode indicar uma possível tática reprodutiva em função da mudança drástica do regime

hídrico, partindo do pressuposto de que dentro da população existem peixes em diferentes

estágios de maturação a espera de condições ambientais favoráveis à reprodução.

3.4.2 Índices Somáticos e Correlação com as Variáveis Ambientais

Os índices gonadossomático (IGS) e hepatossomático (IHS) foram calculados por sexo

e demonstraram que as fêmeas de pirá alcançaram o valor máximo de IGS em janeiro,

prevaleceu o maior número de fêmeas maduras e para os machos o pico foi no mês de

fevereiro, já o IHS apresentou oscilações com setembro sendo o mês com maior índice e

fevereiro com o menor, para os machos o IHS e IGS oscilaram de forma inversa, como

ilustrado pela Figura 20.

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84

No mês de outubro houve um pico na atividade reprodutiva evidenciada tanto pelos

índices gerados quanto para a distribuição de frequências.

Figura 20 – Índices gonadossomático (IGS) e hepatossomático (IHS) para fêmeas de pirá

(Conorhynchos conirostris) entre os meses de setembro de 2012 a março de 2013.

O IGS é frequentemente utilizado como indicador de atividade reprodutiva

(VAZZOLER, 1996), os resultados obtidos corroboram com os estudos realizados por Ribeiro

(2002), havendo um aumento no valor médio do IGS de acordo com o andamento do processo

de maturação, atingindo seu pico com os exemplares maduros.

Os resultados de IHS obtidos neste trabalho foram muito variáveis e não

demonstraram um padrão claro, entretanto no pirá já foi inferido sobre a possível

transferência de substâncias de origem hepática para os ovários onde posteriormente é

produzido o vitelo, em função do alto valor de IHS para estágios em repouso e a redução

deste valor nos estágios maduros (RIBEIRO, 2002).

Existe a premissa de que o fígado, como um órgão de reserva energética, fornece

“materiais” para a maturação das gônadas, principalmente precursores vitelínicos para o

desenvolvimento dos ovários (AGOSTINHO et al., 1990). Entretanto a relação entre o IHS e

o período reprodutivo não pode ser considerado um padrão, visto que em algumas espécies

como: Gasterosteus aculeatus L. (WOOTTON; EVANS; MILLS, 1978), Carassius auratus

(DELAHUNTY; VLAMING, 1980) esta relação existe enquanto para outras não como:

Rhinelepis aspera (AGOSTINHO et al., 1990), Loricariichtys platymetopon (QUEROL;

QUEROL; GOMES, 2002), Astyanax scabripinnis (NAVARRO et al., 2006).

0

0,5

1

1,5

SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR

IGS

Meses amostrados

IGS e IHS de Conorhynchos conirostris para machos e

fêmeas

IGS M

IGS F

IHS M

IHS F

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As análises de correlação entre os índices somáticos e os fatores ambientais (vide

Tabela 01) mostraram que nas fêmeas houve diferença significativa com o pH e nos machos

com a turbidez conforme a Tabela 02.

Tabela 01 – Parâmetros ambientais avaliados

Meses Temperatura (ºC) Pluviosidade (mm) Nível do Rio (m) Turbidez (NTU) pH

SET 27 0 2,964 20,22 6,84

OUT 27,5 0,01 2,88 23,15 6,85

NOV 28 11,9 4,67 480,66 7,01

DEZ 28 0 4,212 328,8 7,34

JAN 27 13,1 4,8 390,5 7,3

FEV 26 0,1 3,32 91,1 7,4

MAR 28 6,6 2,78 136 7,38

Fonte: COPASA e CHESF

Tabela 02 – Correlações entre variáveis ambientais e índices somáticos de Conorhynchos conirostris.

Em negrito os valores significativos.

Temperatura (ºC) Pluviosidade (mm) Nível do Rio (m) Turbidez (NTU) pH

IGSM cor= -0.53

p= 0,221

cor= -0.49

p= 0,254 cor= -0.83

p= 0,018

cor= -0.86

p= 0,013

cor= 0.09

p= 0,837

IHSM cor= 0.18

p= 0,691

cor= 0.31

p= 0,485

cor= 0.36

p= 0,420

cor= 0.26

p= 0,560

cor= -0.70

p= 0,074

IGSF cor= -0.44

p=0,320

cor= 0.24

p= 0,593

cor= 0.15

p= 0,738

cor= -0.02

p= 0,963

cor= 0.17

p= 0,715

IHSF cor= 0.12

p= 0,782

cor= 0.08

p= 0,850

cor= 0.01

p= 0,988

cor= -0.05

p= 0,910 cor= -0.91

p= 0,004

Foi observada uma maior frequência de fêmeas aptas à desova, quando houve um

aumento no nível do rio, na turbidez e também na pluviosidade. Entretanto, não houve

correlação significativa para os índices biológicos, exceto IHS (r=-0.91, p<0.01). Para machos

houve a correlação entre o IGS e o nível do rio (r=-0.83, p<0.05) e a turbidez (r=-0.86,

p<0.05).

A reprodução dos peixes tropicais está frequentemente associada a uma maior

pluviosidade e consequentemente aumento no nível do rio (LOWE-MCCONNELL, 1987). A

referida autora cita estudos realizados por Bayley (1973) no rio Pilcomayo, tributário do rio

Paraguai, onde Prochilodus platensis desovou nos dias seguintes as primeiras cheias da

temporada chuvosa. Brito e Bazzoli (2003) estudaram sobre a reprodução do surubim

(Pseudoplatystoma corruscans) na região de Pirapora, em Minas Gerais, reportaram maiores

capturas durante o período reprodutivo, coincidindo com as chuvas e a enchente. O fato da

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86

existência de correlação entre os índices somáticos e os fatores abióticos (pH, turbidez e o

nível do rio) se dá em função das alterações na composição química da água durante o

período chuvoso, sendo estas alterações responsáveis por sinalizar e desencadear o processo

reprodutivo (MUNRO, 1990 apud BRITO; BAZZOLI, 2003).

3.4.3 Relação peso-comprimento e Fator de Condição

A relação peso/comprimento demonstrou que os machos possuem crescimento

alométrico negativo, isso indica que o peso aumenta mais lentamente em relação ao

comprimento, enquanto as fêmeas possuem crescimento isométrico, aumentando tamanho e

peso na mesma proporção conforme ilustrado na Figura 21.

Figura 21 - Relação peso-comprimento de Conorhynchos conirostris para Machos (vermelho) e Fêmeas

(azul) com respectivas expressões e valor do R².

O fator de condição foi maior para os machos do que para as fêmeas, pois os machos

apresentaram uma oscilação maior como demonstrado na Figura 22, já as fêmeas

apresentaram valores mais altos nos meses iniciais e mais baixos nos finais. Os valores do

fator de condição mais baixos ocorreram em dezembro para os machos e em fevereiro para as

fêmeas.

Os valores encontrados para os machos podem estar relacionados às diferenças no

deslocamento de energia para os eventos reprodutivos, uma vez que as fêmeas têm um maior

investimento na produção de gametas, existindo assim uma menor disponibilidade de energia

para outras funções fisiológicas. Fêmeas de Oligosarcus hepsetus apresentaram valores mais

baixos no fator de condição do que machos, e isso foi atribuído ao seu gasto energético na

produção de ovócitos ser mais acentuado do que os machos no desenvolvimento dos

espermatozóides (GOMIERO; VILLARES-JUNIOR; BRAGA, 2010).

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87

Trabalhos relataram variações no fator de condição para Cichla cf occellaris, C.

monoculus e Oligosarcus hepsetus, sendo estas variações em função da intensidade

reprodutiva no verão e na primavera pela menor atividade alimentar (GOMIERO; BRAGA,

2003; GOMIERO; VILLARES-JUNIOR; BRAGA, 2010).

Figura 22 - Fator de condição para machos e fêmeas de pirá capturados entre os meses de setembro de 2012

a março de 2013.

3.4.4 Fecundidade e Tamanho de Primeira Maturação

A fecundidade absoluta encontrada variou de 10.883 a 142.769 ovócitos, com média

de 40432±44866 e de 12,61±9,22 ovócitos por grama de fêmea. A análise de regressão apesar

de significativa demonstrou uma fraca relação entre a fecundidade e o comprimento total

(Figura 23) e também para fecundidade e o peso (Figura 24).

Sato (1999) determinou em sua pesquisa uma média de fecundidade absoluta de

663.179±147.585 e com 137±26 ovócitos por grama de fêmea, entretanto o trabalho avaliou

um número baixo de fêmeas (n=5) com uma alta média de comprimento total (75±6cm) e de

peso (4937,3±1192,0g), capturadas nos rios São Francisco e Paracatu, as quais foram

mantidas em cativeiro por no mínimo 4 meses e submetidas a reprodução induzida.

A discrepância de valores entre os trabalhos pode ser explicada pela diferença de

tamanho entre os peixes avaliados, já que no presente estudo foram avaliadas fêmeas de

diversos tamanhos, e o tamanho médio de 63,50±10,31cm e peso médio de 2718,1±1709,8g,

valores bem abaixo dos utilizados por Sato (1999). Os diferentes estímulos reprodutivos

relacionados com animais de cativeiro ou vida livre também devem ser considerados, uma vez

que sob condições controladas, os indivíduos sofrem estímulos hormonais induzidos, fato que

0

0,005

0,01

0,015

0,02

0,025

0,03

0,035

0,04

SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR

Fa

tor

de

Co

nd

içã

o M

édio

Meses amostrados

Fator de Condição

Fêmeas

Machos

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88

não ocorre no ambiente natural, dependendo totalmente dos fatores ambientais proximais e

terminais (LOWERRE-BARBIERI et al., 2011).

Figura 23 – Fecundidade em função do comprimento total

Figura 24 – Fecundidade em função do peso.

Outro fator que pode ter interferido nos resultados, foi o período de armazenamento

das amostras no fixador, que pode ter degradado parte dos fragmentos, pois foram mantidos

até sua dissociação, algumas amostras tiveram tempo de dissociação baixo e outras ficaram

até dois anos na solução sem sua total separação. O Liquido de Gilson modificado, solução

utilizada para a dissociação foi relatado segundo Lowerre-Barbieri e Barbieri (1993) como

possível degradador de amostras após armazenamentos prolongados.

Sato (1999) determinou a fecundidade para diversas espécies, fornecendo as relações

lineares para grande parte delas, entretanto, estas relações para o pirá, tanto para comprimento

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89

total quanto para peso ficaram ausentes nas tabelas apresentadas. Embora a comparação tenha

sido impedida pela ausência dos dados, fato que poderia comprovar se houve ou não

degradação das amostras pela ação do reagente, o pirá em seu ambiente natural pode ter

comportamento reprodutivo diferente, devido ao processo de maturação reprodutiva

desencadeada sob os estímulos impostos pelo ambiente.

Buscou-se determinar o tamanho da primeira maturação através do método proposto

por Vazzoler (1996), com a divisão por classes de tamanho e distribuição de frequência dos

indivíduos imaturos e em atividade reprodutiva. A diferenciação entre indivíduos imaturos e

em regeneração foi realizada através da identificação dos “corpos amarelos” ou “corpos

residuais” (Figura 25), que são estruturas que podem ser originadas a partir dos folículos

vazios, organizando-se em uma massa celular, a qual muitas vezes não tem afinidade pelos

corantes utilizados (HE), adquirindo coloração em tom castanho (FÁVARO et al., 2005;

MIRANDA et al., 1999).

Figura 25 – Fêmea em regeneração, presença do corpo amarelo ou residual (*)

Entretanto a metodologia para a determinação do L50 com uma amostragem baixa

pode gerar problemas no ajuste da curva sigmoide. No presente estudo houve apenas um

indivíduo com o tamanho de 34 centímetros, que de acordo com as características

microscópicas analisadas, foi classificado como imaturo, impossibilitando desta maneira o

cálculo do L50 e L100.

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90

Embora a determinação do tamanho de primeira maturação não ter sido estabelecida,

se observa que para fêmeas, o valor poderá ser em torno de 34 cm, para machos o menor

indivíduo capturado foi 31 cm e também estava reprodutivamente ativo. A Tabela 03

demonstra os dados biométricos dos menores indivíduos capturados aptos a

desova/espermear.

Tabela 03 – Maiores e menores exemplares reprodutivamente ativos

Menor

indivíduo

capturado

(cm)

Maior

indivíduo

capturado

(cm)

Médio (cm)

Menor Indivíduo

reprodutivamente ativo

(cm)

Peso Min

(g)

Peso Max

(g)

Peso Médio

(g)

Fêmeas 34 75 48,77±7,17 43 333 5078 1185±662

Machos 31 67 46,04±9,69 39 261 2446 989,7±595

Ribeiro (2002) também encontrou dificuldades em capturar exemplares imaturos de

Conorhynchos conirostris, entretanto os menores indivíduos capturados aptos a reproduzir

foram 62 e 34 cm respectivamente para fêmeas e machos. Portanto para a determinação do

L50 será necessário à captura de indivíduos menores do que aqui determinados.

Segundo relatos dos próprios pescadores, dificilmente um pequeno exemplar de pirá é

capturado, seja no leito do rio ou nas lagoas marginais, o que dificulta na determinação do

tamanho mínimo que entra em reprodução. Além disso, não existe um consenso entre

pesquisadores sobre os locais de recrutamento dessa espécie.

De acordo com os pescadores esta é uma espécie que não possui hábitos de lagoa,

segundo eles tal espécie utiliza a planície de inundação durante a cheia do rio, pois

conseguem capturar exemplares dentro das áreas alagadas, entretanto aos primeiros sinais de

recuo do rio os indivíduos desta espécie retornam para o curso principal do rio.

3.5 CONCLUSÕES

Diante dos resultados apresentados é possível concluir que a área de estudo

demonstrou ser importante para trabalhos com o pirá (Conorhynchos conirostris), devido a

sua abundância e com a possibilidade de captura de indivíduos com diversos tamanhos e em

diversos estágios de maturação gonadal, desta maneira pode-se a que a espécie consegue se

reproduzir no local, sendo assim considera-se esta área como prioritária para conservação da

espécie.

As amostragens realizadas demonstraram uma maior frequência na captura de fêmeas,

com o período reprodutivo se estendendo de janeiro a março e com maior de atividade

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reprodutiva ocorrendo em janeiro, além disso, o nível do rio e a turbidez foram os parâmetros

ambientais que tiveram correlação significativa com os indicadores somáticos obtidos para a

espécie estudada.

Encontrou-se uma baixa fecundidade para a espécie em comparação com trabalho já

desenvolvido, contudo não foi possível definir quais as causas dos baixos valores obtidos. O

tamanho de primeira maturação gonadal parece estar em torno de 34 cm para fêmeas e de 31

para machos, demonstrando que a espécie se reproduz precocemente.

3.6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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96

4. CAPÍTULO III – POR UMA GESTÃO SOCIOAMBIENTAL NO SÃO

FRANCISCO

4.1 INTRODUÇÃO

Atualmente a pesca de pequena escala emprega 50 milhões de pescadores no mundo,

sendo que grande parcela deles se concentram nos países em desenvolvimento (BERKES et

al., 2006; MAHON, 1997). Esta categoria de pesca é responsável por quase metade da

produção global do pescado marinho e corresponde por cerca de 98 milhões de toneladas

anuais, suprindo assim, uma grande parte do pescado consumido nestes países (BERKES et

al., 2006).

Embora a pesca de pequena escala contribua com grande parte do pescado mundial,

ela sofre com a depleção dos estoques pesqueiros em função do somatório de vários fatores,

os quais ameaçam os ecossistemas aquáticos, atingindo diretamente a pesca. A poluição e

eutrofização, o assoreamento, empreendimentos hidrelétricos e controle de cheias, as

introduções de espécies e a sobrepesca, são as principais ameaças para os ecossistemas

aquáticos brasileiros (AGOSTINHO; THOMAZ; GOMES, 2005).

Além destas ameaças, há a falta de uma gestão eficaz na pesca de pequena escala,

quando esta existe, não conseguem limitar o esforço pesqueiro e administrar os conflitos,

sendo incapaz de acompanhar o avanço da tecnologia, da economia, do crescimento

populacional e suas implicações como a pobreza e demanda de alimento (BERKES et al.,

2006).

Esta ineficiência na gestão da pesca de pequena escala é fruto da negligencia da

ciência pesqueira, que tem como principal ferramenta a avaliação de estoques pesqueiros e é

focada principalmente nos países do Norte (BERKES et al., 2006). Sendo assim, muitos

países em desenvolvimento se baseiam e utilizam conceitos e técnicas de países

desenvolvidos para as abordagens de avaliação e manejo, grande parte das vezes sem

adaptação à realidade local (MAHON, 1997).

O problema da gestão de países em desenvolvimento é o fato de que a maioria dos

países é tropical, nos trópicos o número de espécies é maior e a distribuição geográfica é

menor do que em altas latitudes (STEVENS, 1989 apud MAHON, 1997), e por isso a

tendência nestes países é a pesca de muitas espécies com estoques pequenos (MAHON,

1997).

O modelo convencional brasileiro é baseado em três pilares básicos de acordo com

Ruffino (2005):

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Os recursos pesqueiros são de domínio da União e devem ser acessíveis a

qualquer cidadão;

Os grupos de usuários não são capazes de manejar os recursos sem a

supervisão e o controle do Estado;

O rendimento máximo sustentável de cada recurso pode ser estimado por meio

de métodos científicos.

Pontuam-se alguns problemas críticos ligados a estes pressupostos. O primeiro, a

ineficiência do Estado de regular efetivamente a pesca, tornando o recurso de “livre acesso”.

O segundo é questionável o julgamento em relação à incapacidade dos usuários de controlar a

pressão sobre os recursos, por exemplo, na Amazônia o baixo número de habitantes e o forte

controle social podem facilitar o manejo comunitário. O terceiro, a complexidade do sistema

da pesca dificulta quantificar o rendimento, o que seria ótimo e sustentável com métodos

clássicos e ainda a dificuldade em considerar as duas esferas a natural e a social. Portanto,

para o desenvolvimento de uma nova forma de manejo, a integração entre peixes e pescadores

deve ser encarada como um complexo único, fato fundamental para a manutenção eficaz do

recurso (RUFFINO, 2005).

Os sistemas convencionais de gestão dos recursos de uso comum tem recebido

críticas, principalmente aqueles que tratam dos recursos pesqueiros fundamentados em dados

quantitativos (BERKES; COLDING; FOLKE, 2003; BERKES, 2003; MOLLER et al., 2004),

ressalta-se que a gestão dos recursos certamente não obterá bons resultados se for realizada

pelo uso de proibições impostas pelo Estado. Alguns países já exibem as tendências para a

conservação destes recursos. os quais estão baseadas no manejo comunitário com abordagem

participativa (MOLLER et al., 2004).

A gestão da pesca no Brasil vem sofrendo alterações desde a década de 60, é possível

destacar três fases institucionais distintas, a fase SUDEPE19, a fase IBAMA20 e a fase

MAPA21 (DIAS-NETO, 2010). Entre os anos de 1960 até o final de 1980, a criação da

Sudepe tinha como meta principal, o aumento da produção pesqueira no país,

desconsiderando os fatores socioculturais e ambientais vinculados à atividade pesqueira

(RUFFINO, 2005). Esta fase foi caracterizada por uso inadequado de crédito e incentivos

fiscais; marginalização da pesca artesanal; corrupção e uso dos recursos pesqueiros de

maneira danosa e com declínio na produção de diversas espécies (DIAS-NETO, 2010).

19 Superintendência do Desenvolvimento da Pesca 20 Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis 21 Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

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Com a criação do IBAMA em 1989, o gerenciamento dos recursos naturais

incorporou as questões ambientais e passou a buscar modelos de gestão integrada das várias

atividades atuantes sobre cada ecossistema (RUFFINO, 2005). A herança deixada pela

SUDEPE não foi das melhores, os principais recursos pesqueiros se encontravam em estado

de sobrepesca e consequentemente houve a queda na produção nacional e o descrédito por

parte da sociedade quanto à conservação da biodiversidade aquática. Entretanto, a gestão

pesqueira empreendida pelo novo órgão conseguiu reverter o quadro em que se encontravam

os estoques pesqueiros e assim sua produção. (DIAS-NETO, 2010).

Acrescenta-se que a criação de órgãos, sendo o primeiro o Grupo Executivo do Setor

Pesqueiro - GESPE vinculado a Câmara de Políticas dos Recursos Naturais em 1995, o

segundo o Departamento de Pesca e Aquicultura - DPA pertencente ao MAPA em 1998, que

introduziu mudanças nas competências relacionadas com a gestão do uso sustentável dos

recursos pesqueiros, o terceiro a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da

República – SEAP/PR em 2003 e o quarto, o Ministério da Pesca e Aquicultura em 2009, o

que deu indícios de ser promissor. No entanto, especialistas consideram que esta situação foi

agravada, devido aos constantes “cabos de guerra” empreendidos pelos órgãos criados e o

Ministério do Meio Ambiente – MMA/IBAMA (DIAS-NETO, op. cit).

Embora a criação de diversos órgãos cuja gestão é semelhante à conduzida pela

SUDEPE e que o IBAMA tenha tentado implantar uma gestão mais integrada sociocultural e

ambientalmente, o que se observa é uma gestão convencional da pesca, com alguns poucos

modelos de gestão participativa, principalmente por meio de acordos de pesca da Amazônia

(DIAS-NETO, 2010).

Os sistemas de gestão participativa têm sido reconhecidos mundialmente em função da

crescente percepção por parte dos gestores da pesca, que a mesma não pode ser efetivamente

manejada sem a cooperação e participação dos pescadores na formulação das leis e

regulamentações (POMEROY; BERKES, 1997).

Na gestão participativa, o envolvimento dos usuários diretos dos recursos nos

processos de planejamento, na implementação e no monitoramento/avaliação de planos de

manejo é necessário. Isto significa que, no caso da pesca, o governo, os pescadores e diversos

outros usuários que utilizam os mesmos espaços ou outros recursos dentro destes espaços,

podem e devem participar também dos processos de gestão, esta é tida como uma alternativa

viável para a descentralização do gerenciamento pesqueiro (KALIKOSKI; SEIXAS;

ALMUDI, 2009; SEIXAS; KALIKOSKI, 2009).

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Existem diversos graus de envolvimento dos usuários na gestão participativa da pesca,

desta forma Sen e Nielsen (1996) resumiram cinco tipos de arranjos institucionais na gestão

da pesca:

Gestão instrutiva: Há pouca troca de informação entre governo e usuários; e o

governo apenas informa aos usuários das decisões que pretende tomar.

Gestão consultiva: Há mecanismos para o governo consultar a opinião dos usuários,

mas todas as decisões são tomadas pelo governo.

Gestão cooperativa ou compartilhada: As decisões são tomadas em cooperação

entre governo e usuários.

Gestão de aconselhamento: Os usuários aconselham o governo das decisões a serem

tomadas, e o governo, de maneira geral, aprova tais decisões.

Gestão informativa: O governo delega as tomadas de decisão aos usuários, que são

responsáveis por informar o governo das decisões tomadas.

No Brasil, existem diversos termos que se referem à gestão participativa, por exemplo:

gestão compartilhada, cogestão, manejo comunitário, manejo participativo, manejo local, co-

manejo, e co-gerenciamento. Existem sutis diferenças entre os termos, entretanto, o

importante é frisar que em qualquer um desses arranjos existe a participação dos usuários no

processo de gestão (SEIXAS; KALIKOSKI, 2009).

As formas alternativas brasileiras de gestão iniciaram através dos acordos de pesca,

que são formas participativas de regulamentação dos recursos pesqueiros, e ocorreu

principalmente nas regiões de várzea da Amazônia Central. Estes acordos já existiam

informalmente entre as comunidades ribeirinhas desde os anos 60 e 70; sendo reconhecidos e

oficializados pelo IBAMA através de portarias apenas no final da década de 90 (ISAAC;

CERDEIRA, 2004).

A implementação destes acordos trouxe também impactos; entre os positivos destaca-

se o fortalecimento das comunidades, da organização social e institucional da região com a

criação dos Conselhos Regionais de Pesca22. Os impactos negativos são a redução na

rentabilidade do pescador e a queda na produção total da região (ISAAC; CERDEIRA, 2004).

O surgimento dos acordos de pesca ocorreu após a intensificação da atividade

pesqueira na Amazônia, a partir de 1960, decorrente de fatores como o aumento da demanda

de alimento, a modernização das técnicas de pesca e os incentivos para o setor, elevando os

22 Órgãos mediadores de conflitos

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riscos de sobre-explotação, além de acirrar a disputa pelo recurso pesqueiro. Os conflitos

entre ribeirinhos e as frotas bem equipadas de outras regiões, considerados “de fora”, levaram

as comunidades a defenderem as áreas, as quais consideravam de uso comum e assim, a

solução encontrada foi à criação do manejo comunitário para a proteção destas áreas de

interesse comunitário (ISAAC; CERDEIRA, 2004).

De acordo com as autoras acima citadas, os sistemas de manejo propostos ainda

possuíam questões não respondidas, devido ao pequeno tempo de implantação ou pela baixa

eficácia e continuidade do monitoramento. Entretanto, ressalta-se que a falta de participação

dos usuários no processo de gestão é a principal causa da falha de adequação e

descumprimento das regulamentações existentes. Os acordos de pesca são uma forma de

evidenciar que existe uma alternativa ao manejo convencional, direcionando os objetivos

deste para os interesses socioambientais dos usuários e suas comunidades (ISAAC;

CERDEIRA, 2004).

Na região do médio São Francisco existem sistemas semelhantes há anos, como as

“Corredeiras de Pirapora e Buritizeiro” e a “Praia de Januária”, cujos próprios pescadores

foram os responsáveis pela formulação de normas de uso comunal que regulam o acesso aos

recursos pesqueiros (SOBRINHO; THÉ, 2012; THÉ; NORDI, 2006; THÉ, 2003). Embora

estes sistemas de manejo comunal existam na bacia do São Francisco, eles ainda não foram

legitimados pelo IEF e IBAMA, órgãos ambientais responsáveis pela gestão e fiscalização da

pesca no estado de Minas Gerais (SOBRINHO; THÉ, 2012).

O modelo de gestão pesqueira vigente no Estado de Minas Gerais contribui para que

estes sistemas não sejam oficialmente reconhecidos, já que a formulação das leis está

centralizada nos referidos órgãos. Assim, o Estado permanece como o único locutor nas

tentativas de estabelecer um sistema de manejo participativo para a região (FERNANDEZ;

THÉ, 2013; SOBRINHO; THÉ, 2012).

A gestão adotada pelo Estado de Minas Gerais tem sido ineficaz na resolução dos

conflitos que envolvem o manejo e uso dos recursos pesqueiros, como o conflito entre

pescadores artesanais e órgãos ambientais. Estes são oriundos muitas vezes da falta de

confiança entre ambos; há ainda casos como a proibição de técnicas de pesca e as práticas de

manejo local, e como conflitos entre os próprios órgãos legisladores com a elaboração de

portarias de pesca. Estas medidas dificultam a fiscalização e o cumprimento da legislação pela

comunidade, fazendo com que os conflitos entre os diversos usuários aumentem

(FERNANDEZ; THÉ, 2013).

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Segundo as autoras, este tipo de gestão coloca em risco os recursos pesqueiros de

sobre-explotação e proporciona ainda uma fiscalização ineficiente e socialmente injusta, pois

é mais atuante sobre a pesca artesanal do que em outras atividades impactantes existentes

(SOBRINHO; THÉ, 2012).

Estes dois exemplos somados aos outros demonstrados no Capítulo I desta dissertação,

demonstram como a integração dos diversos grupos de usuários dos sistemas de gestão

compartilhada é a alternativa viável para a solução dos problemas de sobre-explotação e

conflitos existentes dentro da pesca.

O objetivo deste capítulo é demonstrar e propor a mudança da forma de gestão para a

bacia do São Francisco baseando-se no Conhecimento Ecológico Tradicional, desta maneira

contribuir para que esta seja mais equitativa entre os diversos usuários, principalmente os

pescadores artesanais que se encontram em uma situação de maior vulnerabilidade

socioeconômica e política dentro deste sistema.

4.2 A contribuição dos pescadores e do seu conhecimento ecológico tradicional para

uma gestão compartilhada da pesca no São Francisco.

Os pescadores artesanais da Barra do Urucuia, como explicitado no Capítulo I,

possuem amplo conhecimento sobre os aspectos reprodutivos, comportamento migratório,

dinâmica hidrológica do rio, importância das lagoas marginais e pequenos afluentes, e os

fatores que contribuem para o declínio do estoque pesqueiro.

Todo este conhecimento é resultado dos anos de experiência acumulada, vivendo em

um mesmo local, fato que faz com que eles tenham um “retrato” dos eventos ocorridos até os

dias atuais. Entretanto, observa-se que este vasto “arsenal” de informações é desvalorizado.

Entende-se que a integração dos usuários e consequentemente o CET associado a eles

no sistema de gestão compartilhada contribuirá para que esta seja mais efetiva e equitativa,

como alguns exemplos discutidos a seguir a partir desta pesquisa na Barra do Urucuia.

4.2.1 Informações sobre biologia reprodutiva

Os pescadores do rio São Francisco possuem um grande conhecimento a respeito dos

aspectos da biologia reprodutiva dos peixes, tanto do período quanto local de desova,

comportamento migratório e reprodutivo, cuidado parental e até dimorfismo sexual (THÉ,

2003).

Assim como descrito por Thé (2003), na Barra do Urucuia, temos conhecimento

semelhante, sobre o local de desova do surubim (Pseudoplatystoma corruscans) ocorrendo

frequentemente em locais de água corrente e fundos. Associados a este fato, há os dados a

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respeito do comportamento desta espécie, enquanto realiza a desova, ato conhecido como

“carujo”, cuja a fêmea que é a maior (dimorfismo sexual) fica de barriga para cima, enquanto

os machos menores passam por cima desta, liberando o “leite”. Assim os pescadores podem

atuar informando locais onde os peixes se reproduzem na busca por sua preservação, além de

monitorar e indicar se foi possível visualizar a espécie reproduzindo durante o período de

defeso.

Para outras espécies como Dourado (Salminus franciscanus) e Matrinchã (Brycon

orthotaenia), relataram ainda a presença de uma lixa na nadadeira anal do peixe,

possibilitando diferenciar machos das fêmeas apenas pelo tato (THÉ, 2003; Presente estudo),

fato que contribuiu para o auxílio na parte de biologia reprodutiva destas espécies, por

exemplo, como na escolha das fêmeas para a análise de fecundidade, já que assim foi possível

selecionar e abrir apenas indivíduos desejados, evitando o desperdício de tempo abrindo o

indivíduo e procurando as gônadas. Este conhecimento além de auxiliar na economia de

tempo, contribui também para a determinação mais precisa do sexo de determinadas espécies,

no caso dos dourados são difíceis de classificar macroscopicamente e através desta

característica foi possível distinguir e classificar os indivíduos facilmente.

Para as curimatás (Prochilodus argenteus e P. costatus) os pescadores relatam o

“turro” (THÉ, 2003) que é uma vocalização de acasalamento e podem indicar o local onde a

espécie se reproduz, já que as vocalizações realizadas por machos são feitas no intuito de

atrair as fêmeas. Este “meme” é corroborado pelo estudo conduzido por Godinho e Kynard

(2006), apesar de ainda não terem observado os peixes marcados em seus receptores, eles

sabiam que o Pontal do Abaeté era utilizado como sítio reprodutivo em função destas

vocalizações, o que foi posteriormente confirmado pela técnica de radio-telemetria.

4.2.2 Monitoramento da pesca

Um problema crítico no Brasil é a falta de estatísticas pesqueiras confiáveis, Godinho

e Godinho (2003) afirmam que apesar da bacia do São Francisco ter sido uma das principais

fontes brasileiras de pescado, a pesca nunca foi regularmente quantificada, desta maneira

inexistem séries históricas de estatística pesqueira para a bacia.

A integração dos pescadores no processo de gestão favorecerá para a solução do

problema de monitoramento de desembarque pesqueiro, por exemplo, no município de São

Francisco existe o projeto “Monitoramento da Pesca no Médio São Francisco”, este projeto

visa à coleta de dados das principais espécies capturadas na localidade, no qual são recolhidos

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o nome, peso e comprimento da espécie, tanto da pesca amadora quanto da artesanal, e os

próprios pescadores e guia de pesca23 foram instruídos para o levantamento de dados.

Esse tipo de metodologia permite a coleta sincrônica de grande quantidade de dados

com um custo relativamente baixo, este método pode ser utilizado para toda a bacia, o que

resolveria o problema da centralização do monitoramento em um ponto fixo, por exemplo,

como nas colônias de pesca. Esta abordagem de selecionar as colônias de pescadores como

locais preferenciais de monitoramento, pressupõe que a maioria do pescado capturado passa

por lá, entretanto não foi observado isso na localidade estudada, nenhum dos pescadores

forneceu pescado para a colônia, todos venderam diretamente para peixarias ou

atravessadores, o que evidencia como a metodologia utilizando apenas um ponto fixo pode ser

falha, fazendo com que o monitoramento seja subestimado.

4.2.2 Contribuição para a determinação do período de defeso

O conhecimento dos pescadores sobre o período reprodutivo dos peixes também é

outro exemplo que pode ser utilizado. O período de defeso em Minas Gerais é definido pelo

IEF, que estabelece os meses nos quais a pesca é proibida em função do período reprodutivo

dos peixes. A portaria vigente para a bacia do São Francisco é a nº154/2011 que estabelece

anualmente o período de defeso entre 1º de novembro a 28 de fevereiro objetivando assegurar

a proteção à reprodução natural das espécies de peixes nativos.

Os pescadores artesanais da Barra do Urucuia possuem outra percepção sobre o

período reprodutivo, para eles este período não assegura totalmente a reprodução dos peixes,

já que os peixes já estão “ovados”24 antes mesmo do período de defeso iniciar, e após o final

do período, em março, também é possível capturar exemplares na mesma situação. Para os

pescadores, o defeso deveria iniciar em outubro e finalizar no final de março, ampliando

assim o período que as espécies estariam protegidas.

O mesmo caso é visualizado por pesquisadores no Mato Grosso, onde algumas

espécies adiantam o período reprodutivo e outras atrasam (MEDEIROS, 2015). Este fato fez

com que o Ministério Público Estadual encaminhasse uma carta recomendatória para a

Secretaria de Estado de Meio Ambiente sugerindo a alteração do período de defeso de quatro

para seis meses, passando a iniciar em outubro e finalizar em março (MEDEIROS, 2015).

Além da informação em relação ao período de defeso não proteger realmente a

reprodução dos peixes, os pescadores ainda afirmam que para o peixe desovar é necessário

23 Atividade que muitos pescadores artesanais adotam para complementar a renda, guiando pescadores amadores

até bons pontos de pesca. 24 Termo utilizado para se referir aos peixes que já estão em estágio de maturação avançado.

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que exista a “enchente”, sem o rio cheio o peixe “ova”, mas não “solta a produção”, e esta ova

“seca” e se perde.

As observações in loco comprovam os relatos dos pescadores, espécies como curimatá

(Prochilodus argentes e P. costatus), piau (Leporinus obtusidens), matrinchã (Brycon

orthotaenia) e dourado (Salminus franciscanus) em estágio de maturação avançado no final

do mês de setembro. Existem também relatos de espécies como a caranha (Piaractus

mesopotamicus) e a curimatá aptas a desovarem nos meses de março e abril. No que se refere

a “enchente” é de conhecimento que os peixes requerem condições abióticas necessárias para

a sua reprodução, como para salmonídeos, a espécie Thymallus thymallus, a migração

reprodutiva para os sítios de desova iniciam quando a temperatura e o nível do rio variar

substancialmente (PARKINSON; PHILIPPART; BARAS, 1999).

A importância das “enchentes” afirmada pelos pescadores também foi destacada para a

reprodução da curimatá (Prochilodus argenteus) (GODINHO, 2005). Em seu trabalho, o

autor afirma que existe a possibilidade de desova desta espécie em locais sob a influência das

cheias, no rio Abaeté, o qual desagua no rio São Francisco, comprovando assim a importância

das “enchentes” no processo de migração e reprodução dos peixes.

Outro trabalho comparativo entre uma área sob influência da represa de Três Marias e

outra sob influência do rio Abaeté, explicitou que os indivíduos de curimatá (Prochilodus

argenteus), os quais estavam sob influência da represa, neste caso com o fluxo de enchentes

regulado pelo barramento, apresentaram alta taxa de atresia folicular25, indicando que as

condições ambientais são inadequadas para o desenvolvimento do ovócito e maturação

gonadal (SATO et al., 2005).

4.2.3 Informações básicas sobre espécies raras, em extinção ou pouco estudadas.

Outra contribuição que os pescadores prestam são informações sobre espécies raras,

ameaçadas ou pouco estudadas como o pirá (Conorhynchos conirostris). Esta é uma espécie

cujos trabalhos a respeito são poucos, é considerada símbolo da bacia e está listada como

ameaçada26, principalmente pela destruição de seu habitat e a sobrepesca (ICMBIO, 2015).

É reconhecido que as lagoas marginais são berçários para muitas espécies de peixes

(POMPEU, 1997; POMPEU; GODINHO, 2006; SATO; CARDOSO; AMORIM, 1987),

25 Processo fisiológico natural pós desova, mas pode ser induzido sob condições de stress. É caracterizado pela

desorganização do oócito, fragmentação da zona pelúcida e liquefação do vitelo (MIRANDA et al., 1999 apud

SATO et al., 2005). 26 Portaria nº445, de 17 de dezembro de 2014

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principalmente as migradoras, que são alvo da pesca pelo seu maior valor comercial.

Contudo, os pescadores relatam que o pirá não é encontrado em lagoas marginais.

Para os pescadores esta espécie é muito sensível ao pulso de inundação, ao menor

sinal de que o rio baixará o seu nível, os pirás se transferem para a calha principal. Eles

relatam isso porque conseguem fazer a captura desta espécie nas margens inundadas durante a

cheia, contudo não as capturam em lagoas marginais. Estas observações levam a deduzir que

esta espécie “sente” o nível do rio abaixando e retornam para o leito principal.

Este “meme” relacionado ao pirá pode ser confirmado pelo trabalho desenvolvido em

três lagoas marginais no norte de Minas, nos municípios de Jaíba e Itacarambi. Nele foram

listadas em capturas experimentais de 50 espécies entre os anos de 1994 e 1996, entre estas

constavam muitas espécies migradoras como o dourado (Salminus franciscanus), o surubim

(Pseudoplatystoma corruscans), a matrinchã (Brycon orthotaenia) e o piau (Leporinus

obtusidens), entretanto, o pirá não foi amostrado (POMPEU, 1997; POMPEU; GODINHO,

2006), demonstrando que o “meme” é de fato concreto.

Por ser uma espécie listada como ameaçada de extinção, a sua captura não é relatada

oficialmente, entretanto, demonstra a sua importância social e comercial para os pescadores

que ficam em uma situação de risco, insatisfeitos com a legislação e também com os órgãos

gestores.

A pesca é um sistema complicado de se gerir, pois a maioria dos petrechos utilizados

para a captura dos peixes não é específica para uma espécie, desta maneira o pirá

(Conorhynchos conirostris) pode ter sua captura restrita pela legislação, entretanto isto não

evita de que seja capturado. Existem peixes que são mais resistentes e suportam um tempo

preso as redes possibilitando uma possível soltura, entretanto, existem aqueles que morrem

mais facilmente, para estes que morrem, qual a decisão deve tomar o pescador? Desvencilhar-

se do peixe porque sua pesca é proibida, evitando assim uma possível penalização do estado

mesmo o indivíduo estando morto? Desperdiçando assim proteína que poderia ser consumida

ou convertida em renda direta?

Existem relatos de que pescadores que atiraram os peixes no rio para evitarem tais

penalizações, entretanto, quando não há sinais dos fiscais, os peixes são levados, consumidos

e em alguns casos comercializados. O caso do pirá ainda vai além, em função da abundância

desta espécie na região da Barra do Urucuia, a sua captura é frequente, de acordo com

informações dos pescadores ocorre principalmente com o inicio das chuvas, com a “sujada da

água” ou “repondo” e na “vazante geral” quando a temporada de chuva acaba.

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Este fato causa o descontentamento dos pescadores que se sentem prejudicados por

não poderem capturar esta espécie, para piorar a situação existem poucos trabalhos científicos

desenvolvidos coma referida espécie, sabendo-se muito pouco sobre os parâmetros utilizados

para a gestão pesqueira, como tamanho de primeira maturação, distribuição geográfica e local

do recrutamento.

4.2.4 Contribuição com insights para estudos

Outra demonstração de como o CET dos pescadores pode trazer insights para a

ciência, são os fatores de previsão utilizados pelos pescadores para “prever” a condição do rio

nos próximos dias. O primeiro fator de previsão é baseado na “enchente” durante as chamadas

“primeiras águas” que correspondem às primeiras chuvas, aumentam o nível do rio, conforme

os pescadores, a produtividade aumenta e permanece alta até que o rio comece a “vazar”,

assim a pesca fica prejudicada em função do rio ter abaixado seu nível. A condição de pesca

“ruim” continua até a próxima “enchente”, que passa o nível daquela primeira; quando a

segunda enchente ultrapassa a primeira, os peixes “assanham” e a pesca melhora novamente.

Desta forma é possível predizer quando a pesca estará boa ou não, otimizando assim seus

esforços a fim de obter melhores rendimentos.

Os peixes utilizam fatores abióticos como gatilhos para a migração reprodutiva e

desova (PARKINSON; PHILIPPART; BARAS, 1999), a temperatura, o nível do rio, a

turbidez e a pluviosidade são parâmetros tidos como responsáveis pelo evento, assim, estes

parâmetros estão presentes em quase todos os estudos que visam estabelecer parâmetros

reprodutivos (ARANTES et al., 2011; BONCOMPAGNI-JÚNIOR et al., 2013;

NORMANDO et al., 2009).

Outro fator de previsão está relacionado ao carujo do surubim, os pescadores

relataram que quando o rio está enchendo e eles visualizam o surubim carujando, os

pescadores sabem que o rio irá “vazar” ou baixar o seu nível, da mesma maneira, quando o rio

está “vazando” e eles visualizavam o carujo o mesmo irá encher. Os pescadores afirmaram

com convicção que este fenômeno ocorria com 100% de acerto, contudo atualmente com o

baixo estoque desta espécie, quase não se visualiza seu carujo, portanto sem este indicador

eles não conseguem mais determinar a dinâmica do rio.

Estes dois exemplos ilustram como gerar novos insights ou hipóteses testáveis para a

ciência aplicada, Berkes (1999) já citava trabalhos que buscavam uma nova perspectiva, seja

na busca por estes insights ou um componente espiritual e pessoal ausente na ecologia

científica. O autor ainda ressalta que estes esforços são em grande parte resultado do interesse

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no CET, uma vez que representa a experiência adquirida através de milhares de anos de

contato direto dos humanos com a natureza.

4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste breve capítulo buscou-se demonstrar através de exemplos práticos, como a

integração dos pescadores e seu Conhecimento Ecológico Tradicional podem contribuir para

uma gestão da pesca mais próxima da realidade e igualitária e corresponsável. Assim,

procurou-se citar alguns dos benefícios que se obtém trazendo os usuários para fazerem parte

do processo de gestão ambiental, uma vez que a gestão convencional não tem cumprido o seu

objetivo. Trabalhos como de Moller et al., (2004) atribuem o usual descumprimento da

legislação, e a falta de participação dos usuários no processo de gestão. Desta maneira, inserir

os diversos usuários dos recursos, no processo de gestão, é uma alternativa frente ao modelo

vigente que é ineficiente e ineficaz.

Entretanto, falta a “vontade” dos órgãos legisladores do Estado de Minas Gerais em

descentralizar a gestão, que é o principal entrave para que de fato haja a inserção dos usuários

no processo de gerenciamento dos recursos pesqueiros. Houve tentativas de promover o

diálogo entre os diversos usuários dos recursos na bacia do São Francisco, entretanto os

únicos locutores foram os órgãos governamentais (SOBRINHO; THÉ, 2012). Enquanto não

houver alterações no sistema de gestão vigente da pesca para uma gestão participativa, os

recursos naturais associados estarão sob o risco de uma “tragédia dos comuns” (HARDIN,

1968), a qual pressupõe que os usuários em seu egoísmo façam o uso dos recursos naturais até

sua exaustão. Este fato ocorre devido à falta de recursos financeiros e humanos por parte do

Estado para fiscalizar toda a extensão geográfica da bacia, fazendo com que o recurso seja de

fato de “livre acesso”.

A pouca iniciativa da participação popular e a baixa estima da população e/ou a sua

marginalização, são fatores que também dificultam a implantação dos sistemas de gestão

compartilhada e comunitária no São Francisco (GUTBERLET et al., 2007; KALIKOSKI;

SEIXAS; ALMUDI, 2009). Entretanto, existem exemplos da mobilização de pescadores na

busca por mudanças, em alguns municípios (Buritis-MG, Pedras de Maria da Cruz-MG e

Penedo-BA), os pescadores e pescadoras tem tornado ativo a sua participação em reuniões e

workshops para discutir a busca por soluções de seus problemas (GUTBERLET; SEIXAS,

2003 apud GUTBERLET et al., 2007).

As comunidades de pescadores do Brasil tem sofrido com o enfraquecimento político

e com a marginalização no processo de gestão dos recursos pesqueiros, necessitando em

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muitos casos de passar por um processo de capacitação para a criação e a manutenção da

gestão compartilhada (KALIKOSKI; SEIXAS; ALMUDI, 2009).

Os órgãos governamentais e seus agentes também precisam estar preparados para

atuarem num processo de gestão participativa (KALIKOSKI; SATTERFIELD, 2004 apud

KALIKOSKI; SEIXAS; ALMUDI, 2009), como o Brasil sempre adotou uma gestão

centralizada, o reestabelecimento de uma relação de confiança entre comunidades e governo é

a chave para alcançar a gestão compartilhada no país (KALIKOSKI; SEIXAS; ALMUDI,

2009).

Percebe-se que para alcançar a gestão compartilhada da pesca é necessário um longo

caminho, demanda articulação das comunidades e usuários e a facilitação dos órgãos

governamentais. Portanto, inserir o usuário do recurso no processo de gestão, dando direito de

voz e voto é uma alternativa possível e tem gerado resultados positivos para diversos locais

como na Amazônia e no Estuário de Cananéia-SP (CASTELLO et al., 2009; FERNANDEZ;

THÉ, 2013; ISAAC; CERDEIRA, 2004; MACHADO et al., 2011; VIANA et al., 2004).

Tendo em vista que a gestão pesqueira do Brasil ainda é centralizada nos órgãos

governamentais e que existem sinais de sobre-explotação em diversos estoques (DIAS-

NETO, 2010), frente a estes fatos, conclui –se é o momento certo de buscar as mudanças

necessárias para a preservação dos recursos pesqueiros, das comunidades pesqueiras, do seu

conhecimento e da sua cultura e estabilidade social dos pescadores.

4.4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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