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CONTEDO
Captulo 1 Descrio Etnogrfica pg. 2;
Captulo 2- Etnicidade pg. 31;
Captulo 3 Aprendizagem e colaborao no ensino pg. 40;
Captulo 4 Registros audiovisuais como fonte primria de dados pg. 56;
Captulo 5 O que faz a etnografia na escola etnogrfica pg. 80;
Captulo 6 O discurso em sala de aula como improvisao pg. 103.
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Captulo 1
DescrioEtnogrfica
Frederick Erickson 1
1. IntroduoOs objetivos centrais da descrio etnogrfica na pesquisa sociolingstica so
documentar e analisar aspectos especficos nas prticas da fala, da maneira que
estas prticas esto situadas na sociedade em que elas ocorrem. O foco, ento,
est nas situaes sociais de uso, nos hbitos comuns e persistentes de uso, e na
organizao lingstica e comportamental especficas do uso em si.
Na conduo real da pesquisa etnogrfica, coleta e anlise de dados so
mutuamente constitudos. Por isso, Perspectivas reais que informam a anlise
etnogrfica precisam ser discutidas, bem como os processos de observao e de
criao de registros de dados sobre os quais um relato descritivo baseado. Por
esta razo, este artigo se inicia considerando a principal importncia real da
descrio etnogrfica.
Inicialmente uma definio de etnografia e uma breve viso geral de sua origemso apresentadas. Segue-se uma discusso de quatro caractersticas essenciais
da etnografia: (1) Seu foco particular nas especificidades da performance
naturalmente ocorrentes na fala; (2) Seu foco geral nas entidades sociais e
culturais, consideradas e descritas como sistemas inteiros em comparao com
outros sistemas em outras sociedades; (3) Seu foco no significado social da fala
em adio aos seus significados referenciais; (4) seu foco nos significados da
ao social que ocorre naturalmente do ponto de vista dos atores nela engajados.As duas primeiras caractersticas so especialmente distintivas da etnografia em
contraste com outras abordagens sobre pesquisa sociolingstica. As duas ltimas
1 Esse texto traduzido com autorizao do autor, por Carmen Lcia Guimares de Mattos. Foioriginariamente publicado sob o ttulo Ethnographic Description no Sociolinguistics - AnInternational Handbook of the Science of Language and Society, e editado por Herausgegebenvon Ulrich Ammon, Norbert Dittmar Klaus J . Matteir, Vol. 2 Walter de Gruyter, Berlin. New York,p. 1081-1095. 1988
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caractersticas so compartilhadas com algumas abordagens em sociolingstica,
mas no com outras. Pesquisa correlacional em sociolingstica o tipo de
trabalho que mais difere da descrio etnogrfica. Estudos correlacionais tm sidode dois tipos principais. No primeiro tipo, algum aspecto da escolha de linguagem
(ex: Cdigo, dialeto, registro ou frmula de delicadeza) considerado uma
discreta varivel que correlacionada com um ou mais atributos da identidade
social dos indivduos falantes. (ex: renda, nvel educacional ou afiliao poltica).
No outro tipo de estudo, a direo da correlao revertida; um ou mais aspectos
discretos da identidade social (ex: gnero, etnicidade ou classe) esto
correlacionados com um discreto aspecto do estilo da linguagem. Os dados sobreesses estudos so tipicamente coletados por mtodos de pesquisa, e os aspectos
da linguagem e do discurso que so estudados, so considerados em abstrao
de suas situaes de uso. Em contraste, existe a etnografia como uma abordagem
naturalstica para os procedimentos de pesquisa social atravs da observao
direta de situaes concretas. Ela situa a fala que ocorre naturalmente no centro
do interesse da pesquisa, considerada como um modo de atividade social que
est situada em um contexto completo que inclui a comunidade inteira ou a
sociedade bem como a cena imediata da vida social local em que o discurso
ocorreu por si mesmo.
2. Questes de importncia na pesquisa etnogrfica
2.1. Definio e origemEtnografia significa literalmente escrever sobre os outros. O termo deriva do verbo
grego para escrita e do substantivo grego (ethnos) que se refere a grupos de
pessoas que no foram gregos; por exemplo: trsios, persas e egpcios. A palavrafoi inventada no fim do sculo XIX para caracterizar cientificamente os relatos de
narrativa sobre os modos de vida dos povos no ocidentais. Monografias
etnogrficas diferiam das descries em livros que foram escritos por viajantes e
que se tornaram populares entre os europeus ocidentais educados com um
interesse no extico. Relatos de viajantes foram vistos por antroplogos como
incompletas e superficiais. Etnografia foi considerada como mais completa e
cientificamente substantiva.
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Da poca da publicao da monografia pioneira de MALINOWSKI, Argonautas do
Pacfico Ocidental (1922), outro critrio de descrio etnogrfica foi acrescentado:
retrato dos meios de vida do grupo social estudado de forma que manifestasseseus pontos de vista. O objetivo era mostrar como as aes de povos exticos
faziam sentido dentro de seus julgamentos, ao invs de retratar suas aes
individuais como bizarras e normativamente deficientes quando julgadas de
acordo com os padres normativos europeus ocidentais. Para atingir esse
objetivo, a etnografia malinowskiana se props tarefa de produzir uma descrio
vlida e anlise do sistema de significados do grupo social que era estudado.
Esta tarefa se parece e difere ao mesmo tempo do que era pretendido para alingstica por SAUSSURE. Os dois, MALINOWSKI e Saussure estavam
interessados em aspectos de ordem e significado que estavam fora do consciente
das pessoas que os empregavam. Eles diferiam, no entanto, em seus interesses
nas particularidades das aes costumeiras em situaes especficas. Saussure
viu a descoberta da ordem subjacente como requerendo a extrao dos
particulares de uso e situao. Assim seu programa estruturalista era construir
atravs de uma anlise lgica rigorosa um relato deliberadamentedescontextualizado das relaes estruturais que obteve entre formas lingsticas.
Essa limitao estratgica de interesse, a centralizao da ateno na langue
(lngua), na ateno dada na parole, forneceu grande coerncia analtica, mas
custos de acompanhamento se tornaram crescentemente aparentes com o
desenvolvimento da pesquisa emprica e da teoria em sociolingstica.
MALINOWSKI mesmo falou diretamente a essa questo quando ele usou uma
reviso de livro como ocasio para fazer um relato programtico (MALINOWSKI
1936):
Podemos tratar a linguagem como um objeto independente de estudo: Existeuma cincia legtima de palavras sozinhas, ou de fontica, gramtica elexicografia? Ou todo estudo da fala deve levar a investigao sociolgica,para o tratamento da lingstica como um ramo da cincia geral da cultura? Odilema da lingstica contempornea tem importantes implicaes. Issorealmente significa a deciso sobre se a cincia da linguagem se tornarprimariamente um estudo emprico, feito sobre os seres humanos dentro docontexto de suas atividades prticas, ou se permanecer grandemente
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confinada a argumentos dedutivos, consistindo na especulao baseada emescritos ou em evidncias impressas isoladas.
Poder-se-ia descrever o programa de MALINOWSKI como aquele de um
estruturalismo contextualizado. Ele viu o significado como incorporado nos
particulares da performance situada (MALINOWSKI 1923). Nos termos de
Saussure, MALINOWSKI props descobrir a ordem subjacente ou geral da lngua
atravs da investigao de perto da ao verbal e no verbal (parole) em
situaes de uso em que eram em si para serem entendidas em relao com a
escala total de situaes que construiriam as vidas dirias dos membros da
comunidade a ser estudada. Alm disso, MALINOWSKI estava interessado em
ordem no nvel da parole em si, vendo seu ordenamento como que manifestandoum nvel de significado que no poderia ser reduzido a outros nveis.
2.2. Foco no Particular
O interesse central da descrio etnogrfica em pesquisa sociolingstica est nos
particulares da performance situada como ela ocorre naturalmente na interao
social diria. A etnografia documenta o que as pessoas fazem na realidade ao
falarem, e isso descreve tanto o discurso quanto as situaes do uso de formas
bem especficas. Observao participante o meio pelo qual o pesquisador
aprende os especficos da atuao contextualizada, e nos trabalhos mais recentes
isto de vez em quando combinada com gravaes em udio e vdeo. Essas
tcnicas de coleta de dados sero revisadas mais tarde no artigo; aqui suficiente
notar que um interesse em especificidade de descrio uma marca registrada da
etnografia.
2.3. Foco no GeralA etnografia enfatiza tanto o escopo descritivo quanto a especificidade.
Conseqentemente, outro critrio essencial de etnografia sua preocupao com
a amplitude da viso. Essa preocupao tem dois aspectos: uma nfase no
holismo e na comparao. Por elas serem caractersticas to distintas de
etnografia elas merecem uma descrio aqui.
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O primeiro importante aspecto, holismo, refere-se a um interesse na descrio
completa do caso a mo. A etnografia geral , como a encontrada na tpica
monografia etnogrfica, a sistemtica tentativa em descrever e relataranaliticamente toda forma de vida do grupo humano estudado; sua economia, leis,
sistemas familiares, religio, tecnologia, cosmologia, cincia e magia, ritual, e
artes, assim como a linguagem. Uma etnografia retrataria tipicamente o ciclo anual
de atividades na comunidade. Freqentemente ela poderia descrever o ciclo de
vida individual e seus pontos cruciais de direo, junto com os rituais da
comunidade (ritos de passagem) que os acompanharem. O sistema social inteiro
seria levado em conta; as muitas dimenses dos laos sociais e diferena destatus (classe social) que fossem salientes ao longo de linhas de descendncia,
casamento e outros tipos de relaes, idade, gnero, e sade, ou identidade como
algum com status especial (especialista religioso, escravo, paria ou outra classe
social, estrangeiro).
Apesar da tentativa de levar em conta todo sistema de relaes sociais e padres
culturais, o ideal do holismo na descrio etnogrfica nunca completamente
realizado. Existe uma tenso inevitvel entre extenso e profundidade nadescrio, entre escopo e especificidade. Alm disso, nas sociedades pluralistas
modernas (e de acordo com alguns crticos, mesmo em sociedades tradicionais de
pequena escala) pode ser muito difcil identificar uma maneira inteira de vida
exatamente como muito difcil identificar uma comunidade limitada e uma cultura
limitada. (O debate atual em sociolingstica sobre a utilidade da noo que a
comunidade tem sobre a fala est relacionado com este problema). A concepo
dos todos sociais e de culturas internamente integradas tem freqentemente
pressuposto uma teoria social funcionalista em que a homeostase social o
principal processo dinmico. Essa teoria social no leva muito em conta o conflito
social e a mudana. Da perspectiva da teoria do conflito (ex: Teoria crtica do neo-
Marxismo e Marxismo clssico), contradio estrutural e compartilhamento parcial
da cultura podem ser vistas como normais dentro e atravs de nveis de
organizao social. Desta perspectiva a noo de unidades socioculturais totais
fechadas para influncia exterior parece artificial e enganadora. J a teoria social
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do conflito holstica tambm, pois as contradies, diversidade e tenses que ela
identifica podem ser como parte de um padro ainda mais compreensivo uma
organizao de ordem mais alta que aquele compreendido pela teoriafuncionalista.
Mais fundamentalmente, a perspectiva do holismo ecolgica e dialtica. Seja
qual for a teoria social que emoldura um caso particular de pesquisa etnogrfica,
isto , seja ela uma teoria de ordem ou uma teoria de conflito, o holismo
etnogrfico indica diferenciao e coneces de influncias mtuas dentro e
atravs dos nveis de organizao social. Assim, as unidades fundamentais de
anlise em etnografia so lugares de relaes ao invs de entidades isoladas.Neste sentido, o holismo etnogrfico pode obter diferentes nveis. Isso ilustrado
pelos exemplos a seguir de tpicos de etnografia sociolingstica: (1) Dentro de
uma dada sociedade pode-se considerar a linguagem em relao com a poltica
econmica, (2) Em um agregado social constituinte dentro de uma sociedade
inteira, por exemplo, uma populao regional, classe social, ou grupo tnico,
poder-se-ia considerar uma escala de maneiras (incluindo diferenciao nas
formas da fala) em que relaes de aliana ou oposio so estabelecidos dentrode um grupo e entre membros desse agregado social e membros de outros
agregados, (3) Dentro de uma organizao formal pode-se considerar o
relacionamento entre estrutura social formal e informal, rituais deliberada e no
deliberadamente organizados e registros respectivos de fala que so apropriados
em cada tipo de situao de ritual, (4) Dentro de uma famlia pode-se considerar a
ecologia dos papis familiares, dentro dos quais as variaes dos direitos e
deveres e em formas distintas da fala podem ocorrer ao longo de linhas de nveis
de gerao, grau de parentesco, gnero e temperamento individual. Descrever um
padro de integrao, sentimentos e crenas que se obtm em qualquer um dos
papis (ex: me e filho mais velho) e os direitos anexados e deveres que se obtm
entre eles, dar ateno no somente s aes da me e do filho mais velho
como indivduos, mas para as aes da me dadas na presena do filho mais
velho e para as aes do filho mais velho dadas na presena de sua me. (5)
Dentro de uma cidade ocupada em conversao pode-se considerar as
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conseqncias para o discurso oral de relaes de mtua influncia entre as
reaes do ouvinte e o que o falante far depois dentro da clusula que est
sendo pronunciada no momento.
Cada um desses exemplos de tpicos de interesse em descrio etnogrfica tm
diferido no nvel de organizao social envolvido. Cada um dos exemplos ilustra
um aspecto da perspectiva ecolgica do holismo em etnografia. No ltimo exemplo
o fenmeno observado pode ser curto em durao e as relaes sistemticas
consideradas podem envolver sobras sutis de nuances que somente so
aparentes atravs de descries detalhadas que mostram a cintica e a prosdia
do ouvinte e do falante. No primeiro exemplo (linguagem em relao a polticaeconmica), pode-se observar padres que ocorrem e recorrem atravs de
geraes e podem ser descritas com amplos golpes em relatos, incluindo
sumarizao estatstica. Seja qual for o nvel de organizao social que pode ser
considerado, no entanto, a unidade de anlise uma relao dialtica ocorrente
em um especfico momento histrico, no uma entidade considerada destacada
de outras entidades ou fora da situao de sua ocorrncia no tempo, espao, e
meio social.A preocupao da etnografia por uma descrio completa manifestada no
somente no holismo descritivo, mas tambm em um foco na comparao. O relato
etnogrfico individual um estudo de caso de uma situao particular ou grupo
social. Ainda implicitamente, e freqentemente explicitamente, o caso a mo
escrito em termos de similaridades e diferenas de outras sociedades relatadas na
literatura etnogrfica. Este interesse em comparao deriva de um campo de
pesquisa dentro da antropologia, que anterior a etnografia em si. Esse campo
chamado etnologia, a comparao sistemtica dos modos de organizao
sociocultural atravs da escala mais larga possvel de grupos humanos
conhecidos, passados e presentes. A etnologia serve como base para todos os
estudos etnogrficos.
Essa moldura de comparao outra das caractersticas que distinguiram a
etnografia do gnero de relatos de viajantes, que eram escritos sem levar em
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conta uma anlise comparativa. Atualmente um dos elementos essenciais da
educao em etnografia ter uma vasta leitura da literatura de estudos de casos
etnogrficos e da teoria antropolgica e sociolgica de modo a ser capaz de trazerpara sua prpria pesquisa uma moldura etnolgica de referncia.
2.4. Foco no significado
Os dois ltimos focos da descrio etnogrfica e serem considerados aqui so
compartilhados com alguns outros mtodos em sociolingstica, como pesquisas e
entrevistas. Estas so as preocupaes para (1) identificar o significado social ou
metafrico da fala bem como seu significado literal ou referencial, e (2) identificar
significados dos pontos de vista dos atuantes nos eventos observados.
A etnografia especialmente interessada nos aspectos de significado que no
podem ser obtidos diretamente questionando informantes. Isto envolve o uso
direto da observao para gerar inferncias em relao s aes habituais,
julgamentos e avaliaes que estariam operando fora do desinteresse consciente
do falante ou do ouvinte. Inferncias interpretativas podem descrever aes
preocupantes como o uso habitual da ironia ou indiretas metafricas em certas
situaes freqentemente ocorrentes, ou inferncias que podem dizer respeito a
julgamentos com relao ao uso da linguagem. Ao invs disto o pesquisador deve
utilizar a observao participante ou mquina de gravao para documentar um
uso que ocorre naturalmente ao informante e ento verificar as inferncias sobre o
significado social das escolhas estilsticas atravs de entrevistas subseqentes,
nas quais o pesquisador e informante revisam juntos o texto escrito ou gravado a
maquina da performance da fala contextualizada do informante.
2.5. Conceitos Chave
As noes analticas centrais em torno das quais a observao focalizada
incluem o seguinte, embora a lista no seja to exaustiva: situao, evento da fala,
atividade da fala, modos da fala, e competncia comunicativa (veja a discusso
em SAVILLE-TROIKE 1982, 12-50). A unidade central de observao a
situao, a cena da performance da fala. GOFFMAN (1964, 134) define a situao
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como ... um ambiente de possibilidades de monitorao mtuas, qualquer lugar
no qual o indivduo se encontre acessvel aos sentidos nus de todos os outros que
esto presentes e similarmente os encontre acessveis a ele.
Dentro de uma situao os indivduos se engajam em vrios tipos de trabalhos
interacionais, usando comportamento comunicativo verbal e no verbal como
recursos de produo ao executarem este trabalho. Alguns desses
comportamentos so s vezes relativamente altamente estilizados e so
governados por regras relativamente explcitas e fixas, por exemplo, fazer um
brinde, dizer votos de casamento, fazer uma orao fnebre, contar uma caada
ou uma batalha, participar de uma lio de recitao na escola. Freqentementeesta performance estilizada de discurso define a situao na qual esta ocorre; isto
, o trabalho interacional a mo constitudo pelo tipo especial de fala que est
ocorrendo.
Tal performance em tais situaes denominada um evento de fala por HYMES
(1974, 52). Os eventos comumente ocorrentes da fala em sociedades modernas
so uma visita ao mdico, uma entrevista de emprego, uma piada contada em
uma festa. Existem limites bem explcitos de adequao que definem as relaescomuns entre os eventos da fala e as situaes da fala; por exemplo, uma no
espera ouvir votos matrimoniais trocados em um funeral, fazer brindes durante
uma visita ao mdico, ou contar uma piada de sexo explcito em uma festa formal.
As expectativas de co-ocorrncia culturalmente aprendidas para relaes entre
situaes e eventos da fala como ela ocorre na vida diria e na literatura so
chamadas de cena ou ato proporcional pelo crtico literrio KENNETH BURKE
(BURKE 1969, 3).
Outros tipos de performance oral nas situaes da fala so menos altamente
estilizados que aqueles caracterizados pelo termo evento da fala. Estes tm sido
chamados atividades da fala por GUMPERZ (1982a, 166). Eles so escritos de
discursos nos quais um conjunto conectado de funes est sendo alcanado, um
tipo particular de trabalho interacional. Exemplos de atividades da fala so:
conversar sobre o tempo ou sobre esportes, fazer o ponto mais importante em um
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discurso, mostrar ao falante anterior que entendeu o ponto principal que ele falou,
e implicitar ao interlocutor que o que ele disse est aberto (ou no) a negociaes
ou discordncias.
A atividade da fala no constitui a situao, como fazem alguns eventos da fala.
Na verdade a atividade da fala pode acompanhar trabalho individual ou
interacional que primariamente no verbal, por exemplo, emendar redes de
pesca ou preparar comida para uma refeio. Outra diferena entre atividade da
fala e evento da fala que para a atividade da fala os constrangimentos da co-
ocorrncia para relaes entre situao e modo de fala so muito mais fluidas e
muito menos explcitas do que so os padres de constrangimento que se obtmentre a situao e o evento da fala. As atividades da fala podem ser bem
conduzidas de acordo com princpios culturais de apropriao. Mas os princpios
podem envolver aspectos muito sutis de escolha estilstica, e existem escalas
mais largas de operaes paradigmticas para meios alternativos de alcanar as
atividades da fala do que existe para uma performance apropriada de fala em um
evento de fala. Uma nfase no estudo das atividades da fala est em nuances
sutis da fala seu refinamento- e no implcito mais do que no padro culturalexplcito.
A noo de atividade da fala se limita e informada pela noo de produo local
como usada por analistas conversacionais que so etnometodlogos (ver meu
artigo em mtodos de anlise conversacional). Esta tradio de pesquisa d
nfase a concepo da performance e organizao social que se coloca em
primeiro lugar a execuo de papis, status, e rotinas da fala que em algum
sentido podem ser pensadas como pr-existentes.
Do ponto de vista da etnografia da comunicao, a execuo da fala tem sido vista
a ser feita principalmente seguindo regras culturalmente convencionais da fala que
so tipicamente apropriadas para uma situao dada e um papel dado. Para um
analista conversacional a nfase tem sido em ver os padres nos modos da fala
como inveno repetida de estratgias para fala e sua regulao que so
adaptveis no momento mo. Para o etngrafo de comunicao, a nfase tem
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sido em ver os padres nos modos da fala como evidncia de aprendizagem
anterior pelo falante a aquisio de conhecimento e habilidade comunicativos
culturalmente compartilhados (ver discusso de competncia comunicativaabaixo). Um interesse nas atividades da fala pode ser concebido como partilhando
ambos os interesses etnogrficos em padres culturais da fala e dos
etnometodolgicos interesses em produo local e a local organizao social da
fala.
O termo modos da fala se refere variao estilstica na performance oral e seus
acompanhantes no verbais (HYMES 1974,45). Este um termo abrangente que
envolve o evento da fala e a atividade da fala, os mais e os menos estilizadostipos de variao em performance. Uma etnografia geral completa da fala poderia
identificar a escala total de tipos de situaes da fala que membros de um grupo
social encontram em suas vidas dirias. Ela identificaria a escala total dos modos
da fala que ocorrem em tais situaes e identificaria relaes entre a variao em
situao e na performance oral (HYMES 1974, 17-18). Tal estudo poderia ser um
trabalho muito intensivo. Os exemplos de etnografia da fala que existem so
quase sempre de algum modo focado em um tpico, freqentemente do nfaseaos eventos chave da fala de interesse terico (ver a discusso no artigo de
reviso de SHERZER 1977), enquanto mantm a maior amplitude de escopo
possvel. Entre os mais notveis exemplos destes estudos de larga escala nos
quais toda uma comunidade a unidade de anlise, e os eventos chave da fala
so de interesse central so: IRVINE (1973); SHERZER (1974); BASSO (1979) e
PHILIPS (1973). Trabalhos microetnogrficos nos quais encontros particulares
dentro de um ambiente institucional so de interesse central so: CORSARO
(1972); MEHAN (1979); AHINNASO & AJ IROTUTU (1982); ERICKSON &
SHULTZ (1982); GUM-COOK-GUMPERZ (1982); FISHER & TODD (1983);
MICHAELS & COLLINS (1984); e TANNEN (1984).
Competncia comunicativa se refere ao conhecimento e habilidade necessrios
para falar adequadamente em qualquer situao na qual um membro de uma
comunidade de fala pode se encontrar (HYMES, 1974, 75). O termo escolhido
em contraste deliberado para a noo de CHOMSKY sobre competncia
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lingstica (1965, 3-10), uma habilidade generalizada para produzir e compreender
gramaticamente emisses bem formadas que so consideradas independentes
das consideraes especficas de adequabilidade que possam se aplicar atuao em uma situao real de uso. Um dos objetivos de estudos etnogrficos
em sociolingstica identificar como se distribui a competncia comunicativa
dentro de uma populao de interesse de pesquisa. Outro objetivo, em alguns
destes trabalhos, identificar os campos de interao dos enganos de
comunicao e conflitos entre pessoas que podem compartilhar a mesma
competncia comunicativa, mas que diferem subculturalmente em sua
competncia comunicativa (ver GUMPERZ 1982, 172-186; ERICKSON & SHULTZ1982, 5-12, 183-190).
3. Questes de Mtodo em Pesquisa Etnogrfica
Tendo abordado algumas das principais preocupaes substantivas da etnografia
sociolingstica, podemos agora partir para considerar os principais mtodos de
coleta de dados e anlise que so usados na pesquisa etnogrfica. Nos ltimos
anos so vrias as publicaes sobre esses mtodos: SCHATZMAN & STRAUSS
(1973); PELTO & PELTO (1978); AGAR (1980); BOGDAN & BIKLEN (1982);
HEMMERLEY & ATKINSON (1983); e ERICKSON (1986). Conseqentemente
nossa discusso aqui ser breve, com citaes freqentes da literatura sobre
mtodos, qual o leitor referido para maior elaborao sobre as questes
complexas que esto envolvidas na conduta da pesquisa etnogrfica.
3.1. Coleta de Dados: Observao Participativa, Gravao e Entrevis ta
O principal mtodo de coleta de dados a observao participativa que, em
etnografia sociolingstica, acompanhada freqentemente por gravao em
udio e, quando possvel, por gravao em vdeo tape. A transcrio de gravaes
fornece evidncias detalhadas do comportamento verbal e no verbal dos
informantes. Da perspectiva da etnografia, no entanto, as transcries de registros
no so interpretveis sem serem acompanhadas pela observao participativa e
entrevistas informais.
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A natureza da observao participativa indicada pelo prprio termo no qual o
mtodo envolve participao ativa com aqueles que so observados. A
participao do pesquisador pode variar ao longo de uma continuidade, comparticipao mnima envolvendo em primeiro lugar a presena durante os eventos
que so descritos e mxima participao envolvendo as aes do pesquisador
quase como qualquer outro membro o faz nos eventos que ocorrem enquanto o
pesquisador est presente. Na extremidade desta continuidade, a nica diferena
entre a participao do observador participante e de qualquer outro membro que
o observador participante atenta fortemente para no influenciar o curso que os
eventos podem tomar. Um participante integral deve atentar para o mesmotambm. O participante integral pode ser altamente avaliativo do comportamento
dos outros nos eventos, julgando-os de acordo com os seus valores pessoais e
suas crenas. Em contraste, um observador participante tenta ver os eventos nos
quais ele ou ela participa do ponto de vista do relativismo cultural, tentando no
fazer julgamentos finais e tentando entender os eventos como eles acontecem do
ponto de vista e estabelecimento de valores dos vrios atores nos mesmos.
A posio de relativismo do observador difcil de manter. Talvez ele nunca sejabem sucedido nisto, porm a nfase na observao participativa tentar entender
os eventos e pessoas enfaticamente adotando os papis e perspectivas daqueles
que se estuda. A nfase na empatia e em se evitar uma pressa de julgamento
avaliativo, ao menos na primeira viso de um novo evento, deriva do foco
comparativo em etnografia que foi notado anteriormente. O etngrafo est
consciente de que o que est sendo visto a execuo de um entre vrios
conjuntos de possibilidades humanamente disponveis para organizar a interao
social que est sendo observada. Portanto observao etnogrfica
inerentemente crtica, mas no negativa, necessariamente. Ela simplesmente no
leva nenhuma realidade costumeira em conta, como fazem os participantes
integrais em eventos dirios. Sua posio aquela do realismo crtico. Nos termos
usados por POWDERMAKER em uma monografia clssica sobre trabalho de
campo etnogrfico, o observador participativo tenta continuamente ser
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simultaneamente um estranho e um amigo no ambiente do campo
(POWDERMAKER 1966; WAX 1971).
A observao participativa ocorre atravs da presena em primeiro lugar em
cenas imediatas das vidas dirias dos membros do grupo social que est sendo
estudado. Isto coloca a situao social no centro do trabalho do observador
participativo. O pesquisador tenta seguir os informantes-chave atravs da escala
mais ampla possvel de situaes que ocorrem em suas rbitas dirias (na rbita
diria como uma unidade de anlise de pesquisa sociolingstica, ver a discusso
no artigo sobre etnicidade, nmero 13). As questes cruciais para a
representatividade e adequabilidade na coleta de dados envolvem as decises dopesquisador sobre onde ficar no tempo, espao e relao social com as outras
pessoas na comunidade ou ambiente social que est sendo estudado. Estas so
decises sobre como participar com os outros, que situaes monitorar
repetidamente, quais monitorar no freqentemente e quais no monitorar de
modo algum. O pesquisador pode escolher evitar monitorar certas situaes
porque elas no tm interesse cientfico. Situaes podem tambm no ser
monitoradas por consideraes ticas ou logsticas.Idealmente o pesquisador tenta variar os tipos de participao e maximizar tanto a
escala de situaes monitoradas e a freqncia de situaes monitoradas em
vrios pontos ao longo da escala. necessrio revisitar situaes similares
freqentemente, porque a complexidade do fenmeno observado to grande
que o pesquisador no pode compreender tudo em uma nica observao, dado
os limites humanos de processamento de informao. Atravs de repetidas
observaes de um tipo particular de evento, o pesquisador pode dar ateno
seletivamente a diferentes aspectos do evento, desenvolvendo assim com o
tempo uma compreenso cumulativa de todo o evento, o que no seria possvel
em uma nica observao. A gravao permite uma revisitao dos eventos
vivenciados, e isso pode promover uma grande na descrio de pequenos
detalhes da performance comportamental (ver CORSARO 1982, combinando
gravador com observao participante). Mas repassar a fita repetidamente no
permite a experincia de aprendizado crucial de observao participante. Esta
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apenas disponvel primeiramente atravs de participao pela qual o observador,
adotando parcialmente os papis dos membros do evento, pode testar atravs da
ao vrias hipteses de trabalho sobre convenes de apropriao e podetambm desenvolver entendimento enftico de perspectivas de membros.
Durante a observao ou imediatamente aps, o observador escreve
narrativamente notas descritivas sobre o comportamento verbal e no verbal dos
participantes nos eventos observados. Alm da descrio das notas de campo
pode incluir breves passagens de especulao terica sobre o significado do que
foi observado, bem como breves notas sobre as suas reaes emocionais. Estas
notas de comentrio, bem como o contedo de descrio nas notas se torna umregistro da perspectiva do observador sobre as aes e eventos observados.
Muitos pesquisadores mantm um dirio adicional no qual maiores reflexes e
impresses so registradas. As notas de campo e as entradas no dirio podem ser
estudadas mais tarde para a evidncia de mudanas na perspectiva do
observador, j que a lgica da pesquisa no campo envolve um processo de
resoluo progressivo de problemas no qual o observador est aberto a novas
perspectivas que se desdobram durante o curso do trabalho de campo. Oobservador participante est assim criando um corpo de registros documentais
para reviso futura, em contraste com o historiador que busca documentos j
existentes para revisar.
Se as notas so escritas in situ elas so escritas mais plenamente na primeira
oportunidade, antes de voltar ao cenrio do campo. Uma regra de ouro que o
tempo levado para escrever as notas deve ser aproximadamente o mesmo que na
observao de campo. Freqentemente em etnografia sociolingstica, registro em
udio e vdeo podem acompanhar a escrita de notas de campo. Neste caso as
notas de campo incluem informaes sobre os registros, e a descrio escrita
forma um ndice dos contedos das gravaes. Quando a gravao acompanha
as notas de campo, o observador est de algum modo livre para cobris largamente
a observao j que a gravao ir fornecer informaes para uma transcrio
literal. O registro feito muito simplesmente, j que o propsito no produzir um
registro tecnicamente ou esteticamente de alta qualidade, somente uma fonte de
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dados razoavelmente exata. A simplicidade do registro deixa o pesquisador livre
para escrever ou tomar algumas notas. Mesmo quando a gravao est sendo
feitas, o observador tenta escrever um relato to completo nas notas quantopossvel, j que as notas escritas contm uma perspectiva interpretativa e foco
que no esto disponveis na gravao. Para descrio da escrita de notas de
campo, ver SCHATZMAN & STRASSUS 1973, 94-107; Agar 1979, 11; e BOGDAN
& BIKLEN 1982, 1982, 74-93. Para discusso de udio e gravao visual em
trabalho de campo em sociolingstica, ver GRIMSHAW 1982a e b, e ERICKSON
1986.
O segundo mtodo principal de coleta de dados em etnografia a entrevista. Estafornece evidncias das perspectivas dos participantes bem como evidncias com
relao aos eventos que o pesquisador no foi capaz de observar em primeira
mo. Freqentemente no trabalho de campo etnogrfico a entrevista feita
informalmente. Quando um evento est acontecendo o pesquisador poder fazer
algumas perguntas sobre as aes que esto ocorrendo, ou poder faz-las
imediatamente depois. Geralmente nestes perodos informais e breves de
obteno de respostas, o etngrafo est seguindo intuies interpretativas quesurgem no momento. Em entrevistas mais formais o pesquisador pode testar
hipteses interpretativas mais exaustivamente, usando tcnicas etnosemnticas
de obteno de respostas (TYLER 1969; Agar 1980, 97-98), Tcnicas Q-tipos
(KERLINGER 1972; STEPHENSON 1953), uma pesquisa sociolingstica, ou um
cronograma de entrevistas estruturadas no qual questes abertas podem ser
exploradas em profundidade: IVES (1974); e GORDON (1980). Se uma entrevista
formal gravada em udio ser ainda bom tomar notas durante a entrevista. Estas
notas servem mais tarde como um ndice pra os contedos do registro em fita.
Geralmente em pesquisa etnogrfica, porm, a entrevista feita menos
formalmente do que em outras abordagens para pesquisa que no empregam
observao participativa extensiva como fonte principal de dados. As notas de
entrevista informal na entrevista so escritas retrospectivamente.
Um dos propsitos principais da entrevista fornecer evidncias referentes aos
pontos de vista dos participantes que esto sendo estudados. As evidncias das
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entrevistas podem confirmar ou no confirmar as inferncias sobre os pontos de
vista dos participantes que foram feitas pelo pesquisador com base na observao
participativa. Esta comparao de evidncias atravs de fontes de dadosdiferentes chamada triangulao. Ela fornece uma verificao de validade e
uma das razes principais porque a pesquisa etnogrfica emprega mtodos
mltiplos de coleta de dados.
Os documentos locais so outra fonte de evidncias importante, se a populao
estudada alfabetizada. A entrevista, a coleta de cpias de registros escritos,
anncios, memorandos e cartas no cenrio fornecem maior triangulao pala qual
as inferncias interpretativas podem ser testadas, j que fornecem evidnciassobre eventos que o observador no pode testemunhar diretamente. Para
discusso sobre coleta e uso de documentos locais, ver BOGDAN & BIKLEN
1982, 97-102; HAMMERSLEY & ATKINSON 1983, 127-143.
3.2. Anlise de Dados
O trabalho de campo etnogrfico j foi descrito como um processo progressivo de
resoluo de problemas. assim importante notar que a anlise de dados comea
quando o observador ainda est no cenrio de campo e continua mesmo aps o
t-lo deixado. Geralmente o tempo que necessrio para a anlise de dados e
relato aps deixar o cenrio de campo deve ser to longo quanto o tempo gasto
fazendo trabalho de campo. Esta uma importante considerao prtica ao
planejar-se pesquisa etnogrfica em sociolingstica, j que tal pesquisa trabalho
intensivo durante no s a anlise como durante a coleta de dados.
A anlise de dados envolve uma reviso repetida dos registros documentais que
foram coletados durante o trabalho de campo. Enquanto a observao
participativa progride, o pesquisador pode reler as notas de campo e ouvir as fitas
de udio enquanto as hipteses interpretativas esto se desenvolvendo,
sinalizando as decises estratgicas sobre os prximos passos da coleta de
dados , quais os tipos de eventos a serem mais observados, a quem entrevistar,
etc. Aps a fase da coleta de dados, o pesquisador revisa o corpo inteiro de notas
de campo e os documentos locais. Os registros de entrevistas e das interaes
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que ocorreram normalmente podem ser revistos em sua totalidade ou podem ser
revistos mais seletivamente, usando-se os ndices disponveis nas notas que
foram tomadas na hora do registro.
Neste ponto o pesquisador trabalha muito como um historiador que tambm rev o
corpo total dos registros documentais disponveis. Os propsitos da reviso de
dados extensiva so trs: (1) descobrir os padres recorrentes e temas no cenrio
que foi estudado (ex: descobrir que um certo registro foi tipicamente usado em
uma certa situao ou que recursos similares retricos ou narrativos foram usados
por vrios indivduos em um certo papel); (2) descobrir casos discrepantes que
no se encaixam nos padres gerais inicialmente identificados e (3) identificar asmudanas do pesquisador na perspectiva interpretativa durante o curso do
trabalho de campo, como evidenciado pela anlise do contedo da descrio
narrativa e dos comentrios adicionais que apareceram nas notas de campo.
Os registros em udio e vdeo so, neste estgio, convertidos em documentos
pela transcrio de informaes que eles contm sobre comportamento verbal e
no verbal na atuao de falar. A seleo do material a transcrever - que eventos,
quantos de cada, que sees de evento, quais pores de entrevistas - feitainicialmente com base nos padres que apareceram nas notas de campo. Estes
padres ento so verificados pela triangulao cruzada com as evidncias que
aparecem nas transcries. Os objetivos da microanlise sociolingstica de
registros so (1) fornecer um registro detalhado do comportamento em eventos
tpicos; (2) descobrir nos registros detalhados, discrepncias dos padres tpicos
que emergiram das evidncias descritivas encontradas largamente nas notas de
campo e (3) descobrir princpios subjacentes de organizao na conduta de fala
(ex: relaes de influncia mtua entre falantes e ouvintes, a negociao conjunta
dos incios, padronizao cultural do uso da prosdia verbal e gestual como sinais
de coerncia no discurso e tomada de rumo conversacional). Para discusso de
questes substantivas e mtodos na anlise de dados transcritos de registros por
mquina, ver ERICKSON (1982); KENDON (1977, 440-505; 1981 1-56); e
GUMPERZ, AULAKH & KALTMAN (1982).
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A questo chave em anlise de dados contrastar ao longo de certas linhas
analticas. O pesquisador busca padres recorrentes de co-ocorrncia entre
modos contrastantes de falar, situaes sociais, papis e identidades sociais,diferenas de grupo e subgrupo (inclusive diferenas culturais) e diferenas
individuais dentro da populao que est sendo estudada. Ao identificar estes
contrastes e padres de co-variao, a distino entre ocorrncias tpicas e
atpicas crucial. Esta a razo da pesquisa por casos de discrepncia
estatisticamente espordica ser to importante na anlise de dados etnogrficos.
O caso estatisticamente espordico pode ser especialmente analiticamente
revelador tambm, porque fora o pesquisador a mudar inteiramente a anlisepadro que era baseada nos casos tpicos estatisticamente freqentes, ou porque
um aspecto particular do caso de discrepncia d uma nova luz no padro inteiro,
ou seja, uma das excees que prova a regra.
, portanto desejvel pesquisar o corpo de dados pelos casos discrepantes, ou
por reviso exaustiva de todos os casos em um dado fenmeno de interesse ou
usando alguns meios sistemticos de amostragem atravs do nmero total de
casos. Estes procedimentos de reviso reduzem o risco de que o pesquisador irinadvertidamente passar por cima de casos discrepantes.
A tendncia de se ignorar os casos discrepantes um problema na anlise
etnogrfica, especialmente em seus primeiros estgios. Ela leva ao que pode ser
chamada a falcia da hiper tipificao. Esta falcia deriva do fechamento
prematuro na anlise indutiva de dados. Durante a anlise de dados, que comea
quando a coleta de dados ainda est sendo feita, o pesquisador necessita
continuar a gerar interpretaes competitivas aps ter induzido uma interpretao
inicial. No entanto a ambigidade envolvida em se fazer interpretaes alternativas
pode no ser satisfatria. A necessidade de fechamento pelo pesquisador pode
lev-lo a cortar hipteses alternativas muito cedo. Uma vez descobrindo o que
parece ser um padro regular de co-variao de dados, o pesquisador tende
daquele ponto em diante a ignorar as excees ao padro recentemente
descoberto. Assim ele deixa de apreender a partir das evidncias no
confirmadoras. Conduzir pesquisas deliberadas para um fechamento prematuro e
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analtico e hipertificao. Para a discusso de anlise de dados discrepantes e do
processo mais amplo de induo analtica da qual ela parte, ver o ensaio original
por LINDESMITH (1947) e o comentrio mais recente por SCHATZMAN &STRASSUS (1973), HAMMERSLEY & ATKINSON (1983, 200-2004) e ERICKSON
(1986, 144, 146-149).
3.3. Relato de dados
Relativamente pouco tem sido escrito sobre relato de dados. Muito mais tem sido
escrito sobre as questes ticas envolvidas do que sobre as questes tcnicas da
construo de relatos em pesquisa etnogrfica.
Talvez a melhor maneira de se aprender sobre as questes tcnicas de relato de
dados seja ler alguns exemplos clssicos de etnografia criticamente, considerando
a monografia etnogrfica em forma de livro como um gnero literrio. Exemplos
particularmente bons para este propsito so os relatos em forma de livro tais
como MALINOWSKI (1922/1961); FITH (1936/1963); SHIEFFELIN (1975); e
BASSO (1979); e os relatos em forma de captulo em BAUMAN & SHERZER
(1974); GUMPERZ (1982b) e TANNEN (1984). Outro recurso para exemplos o
artigo de reviso por SHERZER (1977).
Ao se revisar exemplos de relatos importante ter em mente dois conjuntos de
distines: aquelas entre distino geral e particular e aquelas entre relato
descritivo e comentrio interpretativo de acompanhamento. Qualquer relato de
pesquisa etnogrfica se alterna entre estes tipos de escrito enquanto um meio de
apresentar evidncias e de tornar as evidncias compreensveis ao leitor.
A descrio particular o centro do relato. Ela encontrada em vinhetasnarrativas ricamente descritivas da interao social observada durante o trabalho
de campo, em transcries de fala e comportamento no verbal por mquina e em
cotaes diretas de entrevistas com informantes. Tais descries relatam
evidncias e explicam ao leitor os construtos analticos mais significativos que
emergiram da pesquisa.
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Tanto o relato como a explicao so feitos por exemplificao. Considere, por
exemplo, uma assero geral como Pessoas so muito indiretas exercendo
controle social atravs da fala ou A narrativa oral um meio altamente valorizadode arte verbal na comunidade. As ilustraes dessas generalizaes por vinhetas
narrativas especificam ou transcries detalhadas no somente mostra que a no
direo e a regio positiva da comunidade narrativa oral realmente ocorreu no
cenrio de campo, mas tambm ajuda a explicar o que significam as noes de
no direo, controle social, narrativa oral e reao positiva da comunidade
execuo da narrativa oral. Sem a descrio particular, um relato etnogrfico
ambguo, porque seus construtos analticos so altamente abstratos, enquanto osaspectos da atuao verbal e no verbal, so altamente concretos e especficos
situao. A descrio particular ajuda ao leitor ver e ouvir como se estivesse
vivenciando a performance situada que est sendo relatada.
Sem enquadramento interpretativo, porm, os detalhes de comportamento da
descrio particular podem ficar inarticulados. A viso geral necessria para
tornar claras as relaes figura-fundo ao leitor. Este enquadramento fornecido
de duas maneiras: por descrio geral que sumria em potencial e porcomentrio interpretativo que acompanha casos de descrio particular no texto
do relato.
A descrio geral ou sumria relata padres que se obtm atravs de conjuntos
de casos tais como aqueles que so relatados por descrio particular na forma
de vinhetas narrativas ou transcries de fala. Nem todos os casos de um
fenmeno particular que estejam disponveis no corpo de dados podem ser
relatados. O pesquisador relata somente os casos que so mais vvidos ou que
contm aspectos de especial interessa analtico. A descrio geral torna claro
onde os exemplos relatados se encaixam nos padres totais de dados.
Freqentemente isto feito mostrando-se formalmente como os vrios exemplos
relatados so casos tpicos ou atpicos de um fenmeno. (A distino entre
tipicalidade e atipicalidade foi notada na seo anterior como sendo analiticamente
crucial). As evidncias para tipicalidade e atipicalidade so um assunto de
distribuio freqente e algumas descries gerais relatam as distribuies
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sumariamente, ou em palavras ou em nmeros que aparecem em quadros de
freqncia simples.
Enquanto a descrio geral no ajuda ao quadro da descrio particular, a
descrio geral em si pode necessitar de algum enquadramento. Assim um texto
etnogrfico tambm inclui comentrios interpretativos que acompanham relatos
descritivos. Os segmentos de descrio so usualmente precedidos e seguidos
por segmentos de comentrios, com relato e comentrios se alternando no texto
como contas em uma corrente. Por causa da tendncia do leitor em ficar confuso
com os detalhes da descrio particular os comentrios interpretativos so
necessrios para ele no perder o sentido do quadro geral do estudo.
Os dois erros mais comuns dos iniciantes em relato etnogrfico tm a ver com o
balano entre descrio e comentrios de enquadramento no texto. Muitos
iniciantes subestimam a necessidade do leitor de comentrios e produzem um
texto que rico em detalhes mas virtualmente ininteligvel para algum que no
tenha sido um observador, em primeiro lugar, no cenrio descrito. Alguns
iniciantes, em uma tentativa de manter a viso sintica clara ao leitor, apresentam
muito poucas descries particulares. Tal texto pode ser altamente coerente, mas empiricamente inadequado j que as evidncias primrias s declaraes
analticas do autor, que so encontradas na descrio particular, no so
registradas. O autor faz declaraes sem garantia de evidncias. Qualquer dos
dois extremos, fornecendo muito poucas evidncias detalhadas, ou fornecendo
muito poucos comentrios de enquadramento, devem ser evitados ao se relatar
pesquisa etnogrfica. Para discusso das questes tcnicas do relato ver
BOGDAN & BIKLEN 1982 171-183; HAMMERSLEY & ATKISON 1983, 207-232 e
ERICKSON 1986, 149-156.
Alm das questes tcnicas de relato, existem questes ticas envolvidas
tambm. As principais questes ticas em relatos etnogrficos dizem respeito ao
risco pela publicao de descrio particular de aes dirias daqueles que esto
sendo estudados. A descrio geral e os comentrios interpretativos geralmente
no colocam os indivduos em risco porque suas identidades como indivduos no
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ficam claras. Algum risco pode surgir de uma tendncia a estereotipao que
inerente em asseres pejorativas feitas sobre uma populao como um todo, por
exemplo. Nesta cidade esconder a verdade dos oficiais do governo e forasteirosera ubquo. Com alguma sensibilidade reputao do grupo social local sendo
estudado, tais convites a julgamentos prejudiciais pelos leitores podem ser
evitados.
O assunto da descrio particular levanta dilemas ticos complexos. Por um lado,
a descrio particular (quando acompanhada por descrio geral que estabelece a
tipicalidade) fornece a base emprica mais forte possvel para concluses
analticas que so estabelecidas pelo pesquisador. Por outro lado, a descrioparticular revela detalhes especficos das aes dirias de indivduos que podem
ser embaraosas. Um modo de minimizar o risco de embarao ou sanes legais
dirigidas contra aqueles que se estudou pedir a membros representativos do
grupo estudado para revisarem um rascunho do relato de pesquisa. Isto
possvel quando a populao estudada contm membros que sejam alfabetizados
na lngua na qual o relato vai ser escrito. Outra maneira de minimizar o risco, uma
que possvel se o relato puder ou no ser revisado pelos que este descreve, ter o relato revisado por questes ticas de um colega cientista. Dada a
complexidade dos dilemas ticos que podem surgir, uma boa precauo
submeter o relato a algum tipo de reviso com as questes ticas em mente.
As gravaes do cenrio que foi estudado nunca devem ser passadas para
audincias de fora sem o consentimento explcito daqueles cujo comportamento
foi registrado, mesmo se as audincias forem reunies profissionais de colegas
cientistas ou estudantes. Se udio-teipes ou filmes editados forem antecipados ou
a transmisso do material o for, deve ser buscado o consentimento por escrito
para tais usos. bom fazer os informantes mesmo revisarem as pores do
registro em udio ou vdeo que sero mostradas audincia. Em algumas
naes, por exemplo, os Estados Unidos, o consentimento informado para
pesquisa social agora legalmente exigido e isto inclui o uso da mdia de
gravaes. Em alguns casos o consentimento verbal dos informantes pode ser
suficiente, e em outros casos h necessidade do consentimento escrito. Para
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discusso das questes ticas envolvidas na pesquisa que usa a observao
participante, ver CASSELL & WAX 1980.
3.4. Problemas e Propriedades da Descrio Etnogrfica
Como em todos os outros mtodos de pesquisa, a etnografia tem srios limites
bem como foras significativas. O problema principal de adequabilidade nas
descries etnogrficas ser revisado brevemente, comeando com o problema
mais tratvel e concluindo com o menos tratvel, assim as possibilidades mais
significativas desta abordagem de pesquisa sero revisadas.
O mais tratvel dos problemas da etnografia ela no ser sistemtica na coleta eanlise de dados, produzindo concluses que so incorrigveis, isto , no
falsificveis. Na anlise final de dados, naturalmente, as concluses da pesquisa
interpretativa nunca so fixas ou finais. Para a etnografia, porm, em parte o
equvoco devido dificuldade na tentativa do trabalho emprico. O observador
participante no pode estar em toda parte ao mesmo tempo. Nos dados de
trabalho de campo, a qualidade em um aspecto do estudo deve continuamente ser
sacrificada no interesse de maximizar a qualidade dos dados em outro aspecto do
estudo. Aps ter deixado o local de campo, o pesquisador pode perceber em
retrospecto porque algumas das decises de triagem na coleta de dados parece
terem sido erradas.
Admitidamente, alguns etngrafos tm sido no sistemticos ao manusear as
evidncias aps terem sido coletadas. A preocupao com a validade e com a
produo de descobertas significativas muitas vezes encobre a preocupao com
a confiabilidade dos dados e com apresentao de evidncias claras para as
concluses. Alm disto, por causa da abrangncia da descrio etnogrfica,
difcil agrupar as evidncias adequadamente atravs da escala completa de
questes abordadas em um estudo tpico. Um relato etnogrfico contm
proposies altamente abstratas em relao aos padres da estrutura social,
cultura e uso da lngua e ao mesmo tempo contm descrio muito concreta. Um
destes nveis de discurso em relato freqentemente encoberto no interesse de
enfatizar o outro.
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Os problemas de adequabilidade comprovado no so inteiramente intratveis, no
entanto. A discusso da coleta de dados e a anlise aqui apresentada, e a
literatura recente sobre mtodos de pesquisa enfatizam para se tomar cuidado aoagrupar as evidncias no sentido de garantir as asseres. Combinar descrio
particular com pesquisas sinticas de padres mais amplos de dados um modo
de mostrar as evidncias mais claramente do que eram feitos em relatos
etnogrficos anteriores. No trabalho sociolingstico, combinar evidncias de
transcries gravaes outro modo de ser explcito sobre a garantia comprovada
para certos tipos de asseres. O problema permanece, porm, dado o escopo e
complexidade da tarefa da pesquisa etnogrfica.Menos tratvel do que os problemas da adequabilidade a tendncia para se
tornar a anlise mais clara e ntida do que a vida, ignorando as contradies que
aparecem nos casos discrepantes. O retrato da vida diria como hipertpico
uma responsabilidade sria em etnografia porque ela tem razes no somente nas
dificuldades empricas, mas tambm nos fundamentos tericos subjacentes da
pesquisa. Os terrenos empricos para hipertipificao j foram discutidos. Eles
aparecem primeiro na coleta primria de dados. O trabalhador de campo coleta amaior parte das evidncias em eventos que ocorrem freqentemente, menos
evidncias em ocorrncias atpicas daqueles eventos, e a menor evidncia em
eventos raros. Os eventos observados so fenmenos extremamente complexos.
Por causa da natureza da anlise etnogrfica como resoluo progressiva de
problemas, o pesquisador capaz de aprender mais sobre os eventos tpicos do
que sobre aqueles que ocorrem menos freqentemente, j que o mesmo tem
muito mais oportunidades de observar os eventos tpicos. Ento a tendncia a
fechamento prematuro na gerao de hipteses e testagem leva o pesquisador a
ignorar casos discrepantes. O resultado uma nfase no relato feito: sobre a
ubiqidade dos padres que se ramificam atravs de muitas situaes e redes
sociais nas vidas dirias da populao estudada. Nesta consistncia descoberta
dos padres uma iluso, um artefato de coleta de dados e anlises? Por causa
das dificuldades inerentes ao trabalho emprico a resposta quela questo s
vezes no clara.
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Os fundamentos da etnografia na teoria social subjacente so outra fonte de
influncia na direo da hipertipificao, apresentando problemas muito srios
para o pesquisador. As comunidades primitivas, estudadas pelos antroplogos,foram vistas primeiro como discretas e isoladas. Elas foram vistas como
geogrfica e historicamente separadas de outras comunidades e foram
observadas em um ponto no tempo somente, isto , os padres de organizao
social e cultural que os pesquisadores descobriram foram analisados
sincronicamente, sem referncia a influncias histricas anteriores. (Isto foi
parcialmente devido a uma reao contra o historicismo que prevalece na
antropologia do sculo XIX com seus interesses centrais e teorias de testagem daevoluo cultural).
A nfase na consistncia do padro e no sincrnico na pesquisa etnogrfica
tradicional resultaram em uma viso esttica da ordem social e uma viso
homeosttica do processo social. A teoria social subjacente, uma verso
formalizada a qual chamado funcionalismo estrutural, no leva em conta
adequada as contradies internas, o conflito e a mudana, nem fornece um modo
de localizar as comunidades locais na estrutura social mais ampla e na economiapoltica de entidades como a estado-nao. Enquanto esta perspectiva terica,
parcialmente explcita e parcialmente implcita e intuitivamente mantida pelos
pesquisadores, poderia servir ao propsito de pequena escala de se dar um
primeiro olhar nas unidades sociais de pequena escala das sociedades primitivas,
pareceu crescentemente inadequada quando o desenvolvimento poltico e
econmico ocorreu nas antigas sociedades coloniais, e quando a ateno da
pesquisa se voltou para as populaes locais dentro das sociedades complexas
caracterizadas pela diversidade e estratificao em classe social, raa, lngua e
cultura.
Duas linhas de crtica emergiram que levam a etnografia tradicional seriamente
tarefa pela inadequabilidade terica. A primeira a teoria Marxista e a teoria
crtica neo-Marxista. A partir destas perspectivas a tendncia da etnografia em
tomar uma posio de relativismo cultural e de ignorar as contradies internas
nas vidas das pessoas estudadas vista como politicamente tola e irresponsvel,
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fornecendo justificativa romntica para um status quo social por anlise que
mascara a opresso do menos poderoso pelo mais poderoso. A segunda linha de
crtica vem da teoria etnometodolgica em sociologia. Desta perspectiva atendncia da etnografia para enfatizar as regras culturais e a socializao como
influencias principais sobre o comportamento vista como produzindo uma viso
muito esttica da atuao contextualizada, subestimando a importncia da
produo local e retratando a ao social mecanicamente como se os atores
sociais no fossem fazedores de sentido ativos que tomam a ao
adaptativamente, mas fossem autmatos que seguissem roteiros culturais pr-
programados para comportamento apropriado.Estas so crticas srias, mas infelizmente s podem ser mencionadas aqui de
passagem. Cada abordagem de pesquisa tem limites e fraqueza e cada uma tem
foras e produes compensadoras. As principais produes da etnografia para a
pesquisa sociolingstica esto na amplido de sua viso e em seu interesse em
detalhes concretos de uso de linguagem em atuao contextualizada.
Vamos revisar brevemente as produes da descrio etnogrfica que
compensam por suas responsabilidades reconhecidas. A amplitude de viso daetnografia encontrada na perspectiva do holismo e no foco em comparao
societria cruzada e cultural cruzada. Ela compartilha esta amplitude de viso,
mostrada em uma manifestao de algum modo diferente, com a teoria Marxista e
neo-Marxista. O interesse da etnografia no concreto est na preocupao por
atividades de rotina que ocorrem naturalmente em indivduos especficos quando
retratadas em descrio narrativa vvida ou em transcries de seu
comportamento verbal e no verbal. Em comum com outras formas de pesquisa
interpretativa, a etnografia v a interao social diria como um texto que seja
multivocal e assim aberto a uma variedade de leituras. A etnografia,
especialmente quando focaliza os modos menos estilizados de falar em atividades
de fala, compartilha com o analista conversacional em etnometodologia um
interesse no uso improvisado e adaptativo de padres culturais como recursos de
produo em atuao contextualizada.
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Em suma, o valor da descrio etnogrfica em sociolingstica pode ser maior
quando combina seu interesse em amplitude e generalidade com seu interesse
especfico concreto. Tal pesquisa nos ajuda a ver mais claramente as relaes deinfluncia mtua que se obtm que HYMES (1974, 29ff) chamou a interao da
linguagem e vida social. A etnografia nos mostra esta interao social em relao
com os modos especficos de falar. Ao fazer isto a boa etnografia faz uso
deliberado de mtodos mltiplos de coleta de dados e de modos variados de
descrio e anlise.
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Captulo 2
EtnicidadeFrederick Erickson 2
1. DefinioEtnicidade um termo cuja definio genrica. No emprego usual h uma
considervel superposio entre os termos em ingls etnicidade, nacionalidade e
raa (especialmente ao considerar o uso deste termo no sculo XIX e no incio do
sculo XX) e a palavra alem Volk. H nveis etimolgicos para esta polissemia
uma vez que o nome original grego no plural ethnoi se refere a tribos e naes
no helnicas do mundo antigo (por exemplo, trcios, persas, egpcios). O
ethnos foi um grupo que ocupou um territrio particular cujos membros
partilhavam lngua e cultura distintas. No entendimento popular, etnicidade
significa ainda uma cultura distinta dentro do grupo. Em um entendimento mais
tcnico, cultura partilhada e estilo de linguagem distinto no so necessariamente
atributos definidores de etnicidade.
O termo etnicidade, correntemente adotado pelas cincias sociais, se refere uma
coletividade na qual os integrantes so socialmente definidos em termos de
descendncia (FRANCIS 1976,6). Portanto, status tnico atribudo e no
alcanado. O status tnico tambm ecologicamente relacional no sentido de que
o agregado tnico, enquanto grupo de interesse poltico baseado na
descendncia, um grupo dentre outros, pertencente uma entidade poltica mais
ampla, hoje normalmente chamada de nao-estado. Por isso, a ecologia poltica
e cultural do grupo tnico fundamental para a prpria organizao interna, social,cultural e lingstica.
2 - Esse texto traduzido com autorizao do autor, por Carmen Lcia Guimares de Mattos. Foioriginariamente publicado sob o ttulo Etninicity, In Sociolinguistics An International Handbookof the Science of Language and Society e editado por Herausgegeben von Ulrich Ammon, NorbertDittmar Klaus J . Mattheir, First Vol. Walter de Gruyter, Berlin. New York, pp. 91- 95, em 1987
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A incluso de um grupo tnico, dentro de uma unidade social mais ampla pode
ocorrer de diversas maneiras. O grupo tnico pode ser um conjunto de pessoas
vindas de uma nao residindo em outra como minoridade imigrante, por exemplo,os turcos na Alemanha, molucanos na Holanda, italianos nos Estados Unidos e
Austrlia. Entretanto, o grupo tnico no precisa ser necessariamente um grupo
imigrante. Pode ser um conjunto de pessoas que, devido a deslocamentos
histricos de fronteiras nacionais, so um grupo minoritrio em uma regio e
majoritrio em outra regio (ex: suecos na Finlndia e na Sua, Pathans na ndiae no Afeganisto, mexicanos no estado do Novo Mxico, nos Estados Unidos e no
estado de Sonora no Mxico). Nos pases em desenvolvimento, os grupos tribaisindgenas que formaram entidades polticas e territoriais distintas anteriormente ao
perodo colonial, podem funcionar como grupos tnicos no estado-nao ps-
colonial. Este processo de etnizao pela incluso em uma maior entidade poltica
ocorreu, outrora, quando os imprios foram estabelecidos e, dentro dos quais, um
ou mais grupos tnicos puderam constituir um estado cliente, (por exemplo:
tchecos e eslovacos dentro do imprio Austro-Hngaro, judeus e fencios dentro
da provncia da Palestina no Imprio Romano - HUNT & WALTER 1974). Devido a
mudanas freqentes sofridas pelas fronteiras nacionais, ao surgimento do
estado-nao e atual ubiqidade da migrao mundial, a diferenciao tnica
caracteriza virtualmente toda a sociedade moderna.
Os termos de auto-referncia usados pelos grupos tnicos imigrantes apontam
para a prioridade de se estabelecer uma definio poltico-social a propsito da
cultura comum como atributo definidor do status tnico. Entre os grupos
imigrantes, uma categoria de identificao mais abrangente, como termo de auto-
referncia, freqentemente substitui uma categoria de identificao mais
especfica e local, que teve destaque no pas de origem. Neste sentido, diferenas
regionais podem ser transferidas, como por exemplo, de imigrantes da Saxnia e
Bavria nos Estados Unidos adotando o termo germano-americano como termo
de auto-referncia e, imigrantes da Calbria, Siclia e Toscana chamando-se a si
prprios de talo-americanos. Em ambos os casos, os imigrantes comearam a
usar um termo de identificao nacional no seu novo pas, antes da unificao
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poltica das regies em um nico estado-nao ter ocorrido em seu pas de
origem. Esta relao entre definio poltica e membros de um grupo aponta para
uma ocorrncia comum de diversidade cultural e lingstica dentro de umagregado de identificao tnica, como por exemplo, as diferenas dialticas entre
italianos do norte e do sul que foram to grandes que nos casamentos entre
calabreses e toscanos, o ingls passou a ser a lngua falada pelos cnjuges como
uma lngua franca (ZORBAUGH 1929, 170).
Tanto nos grupos tnicos imigrantes quanto nos grupos tnicos indgenas
residentes, a relao entre a pertinncia a um grupo tnico e a pertinncia a um
grupo lingstico e cultural uma questo em aberto. Pode-se esperar umavariao lingstica considervel dentro de um grupo tnico. (Na verdade o que
pode ser mais surpreendente no a diferena cultural dentro de um agregado
tnico, mas a sua similaridade cultural). Esta variao pode ocorrer em outras
dimenses da identidade social, consideradas neste volume como, por exemplo,
gnero, idade, gerao, classe social, bem como em funo da residncia e da
infra-estrutura institucional. Populaes tnicas especficas diferem na extenso
em que os membros do grupo tnico tendem a residir geograficamente prximos(como em vilas rurais etnicamente homogneas ou guetos urbanos) e tendem a
altas propores de contato grupal dirio, devido especializao ocupacional
tnica e participao freqente em organizaes etnicamente homogneas
religiosas, educacionais fraternais e polticas.
2. Etnicidade e Outros Componentes da Estrutura Social
A chave para o entendimento da variao cultural dentro de um grupo pode estar
em descobrir as rotinas dirias dos indivduos para determinar se as diferenassistemticas ocorrem entre, por exemplo, mulheres e homens de uma dada classe
social nos seus contatos inter e intra-tnicos. A rotina a seqncia inteira de
situaes sociais em que o indivduo durante sua vida diria encontra-se apenas
com colegas de etnia da mesma classe social. Outro indivduo durante a rotina
diria pode encontrar-se com pessoas de diferentes etnias e classe. Portanto, os
dois indivduos experimentam rotineiramente ambientes distintos em termos de
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fala. Ns podemos esperar que eles adquiram repertrios sociolingsticos
distintos.
As rotinas dirias enquanto ambientes de comunicao verbal podem variar, no
apenas, do ponto de vista da quantidade de contato que ocorre com outras etnias,
mas tambm, do tipo de contato por exemplo: h distines na poltica da
diferena cultural e na diferena de linguagem ao longo das diversas situaes de
contato, e estas podem influenciar no aparecimento de averso ou receptividade
na adoo dos estilos dos outros. Por isso, a micropoltica de interao em
situaes de contato intergrupal pode influenciar nos padres de aquisio e uso
de uma amplitude maior de estilos sociolingsticos por membros de umacomunidade ou rede de fala dentro de um grupo tnico.
Estas observaes foram constatadas por PIESTRUP (1973), em um estudo sobre
crianas negras da classe trabalhadora em escolas. Ela estudou as crianas em
dois diferentes tipos de salas de aula: no primeiro tipo, as crianas eram
continuamente corrigidas por aquilo que a professora aparentemente considerava
como erros em sua fala (por exemplo: os professores reagiram de forma negativa
ao uso de caractersticas fonolgicas, sintticas e de discurso do ingls faladopelos negros); no segundo tipo de sala de aula, os professores no reagiram
negativamente utilizao pelas crianas do ingls falado pelos negros.
Curiosamente, nas salas do primeiro tipo, a fala das crianas negras se tornou
cada vez mais fora do padro, conforme o ano escolar progredia, enquanto que
nas salas de aula do segundo tipo (nas quais o uso do ingls falado por negros
no foi de forma contnua considerado negativo) a fala das crianas se aproximou
mais do padro de ingls conforme transcorria o ano letivo. No primeiro conjunto
de salas de aula, o estilo da fala divergia entre o professor e os alunos, atravs de
um processo no-deliberado de resistncia do aluno atravs do qual a cultura
oposicionista estava se desenvolvendo ao longo do tempo. No segundo conjunto
de salas de aula, no qual a diferena de estilo de fala no era motivo de conflito
recorrente, a cultura oposicionista no se desenvolvia, pelo menos no como um
fenmeno lingstico.
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3. Auto-Apresentao e Identificao do Grupo.
3.1. Fronteiras e Limites Culturais
O caso de PIESTRUP pode ser entendido fazendo-se uma distino entre duas
situaes diferentes da poltica de diferena cultural e lingstica entre grupos:
situaes que envolvem fronteiras e situaes que envolvem limites. Uma fronteira
cultural uma noo semelhante usada pelos dialetlogos. Pode ser dita
existente, sempre que alguma diferena cultural regularmente identificvel est
presente (por exemplo: as caractersticas - fonolgica, sinttica e de discurso -
pelas quais o ingls falado por negros e o ingls padro podem ser distinguidos).
Em contraste, um limite cultural existe quando a diferena cultural se transforma
em base para a localizao diferenciada de direitos e obrigaes entre aqueles
que esto em interao. Em um limite cultural, a diferena de cultura
considerada como evidncia de uma categoria social superior ou inferior, ao longo
das linhas de etnicidade, classe, gnero e tipo. Diferena cultural, neste tipo de
situao, se transforma em motivo para dominao ou para conflito. Em contraste,
na fronteira cultural a diferena de cultura, que est presente, pode ser
politicamente neutra, pode ser conduzida de forma pragmtica ou mesmodesapercebida. No o que mais ressaltado na interao e no se transforma
em reas de conflito (veja discusso em MCDERMOTT & GOSPODINOFF 1979,
e em MCDERMOTT & TYLBOR 1983, que elabora a formulao original de Barth
1969, 10-15).
As descobertas de PIESTRUP que ilustram exemplarmente a distino entre
fronteiras e limites, no so nicas. As descobertas lembram as de GILES &
POWESLAND (1975) que observaram que quando o afeto negativo eraintroduzido, experimentalmente, nas conversaes entre oradores de diferentes
dialetos regionais na Inglaterra, ao finalizarem a conversao, tinham aumentado
os traos do dialeto, divergindo em seus estilos de fala, medida que a
conversao progredia. Inversamente, se afeto positivo fosse experimentalmente
introduzido, o estilo da fala dos dois interlocutores convergia. LABOV (1973)
relatou que o dialeto de habitantes de Marthas Vineyard, uma ilha fora da costa
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de Massachusetts, se tornou crescentemente divergente dos do ingls-padro
atravs de uma gerao. Durante o mesmo tempo, veranistas que falavam o
ingls padro estavam indo para a ilha em nmeros crescentes e comprandopropriedades l. Isto sugere que apesar dos habitantes da ilha estarem tendo um
contato cada vez mais intenso com as pessoas que falavam o ingls padro, este
contato se deu sob algumas circunstncias negativas. Os moradores da ilha
pareciam demonstrar ambivalncia em relao aos veranistas que, ao mesmo
tempo, eram fonte de benefcio econmico e razo para mudanas no modo de
vida tradicional da ilha.
3.2. Esquizomognese
PIESTRUP e LABOV ressaltam o fenmeno de cultura oposicionista, neste caso o
desenvolvimento progressivo de divergncia no estilo da fala entre os grupos.
BATESON (1972, 107-127) inventou o termo esquizomognese para se referir ao
processo de divergncia progressiva entre grupos. Auto-identificao pela
demonstrao de traos culturais um fenmeno que se aplica no s ao estilo da
fala e linguagem, como tambm a outros meios de auto-apresentao tais como
as roupas, os hbitos alimentares, lei de comportamento do gnero. Este tipo de
auto-apresentao se torna a marca de identificao do grupo. A identificao
pode ir alm das linhas tnicas, por exemplo: algum pode se vestir de forma
distinta como um jovem ou como um cosmopolita urbano, como um homossexual
ou como um membro de um grupo religioso. Freqentemente o estilo da fala e
outros aspectos do desempenho, como vestimentas e hbitos alimentares, podem
encobrir os sinais distintivos de membros de um grupo; so redundantemente
codificados atravs de diferentes canais de desempenho.BARTH (1969, 14-18) se refere codificao da identidade de grupo em termos
de desempenho estilstico visvel e ou audvel como uma marca diacrtica de
status. Portanto, o estilo da fala pode ser uma marca de identidade tnica assim
como de outros tipos de identidade do grupo. A nfase e o significado simblico
destas caractersticas de identidade lingstica (e a vontade dos indivduos
mostrarem-se ou esconderem-se em situaes de contato intergrupal) variam de
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acordo com a situao poltica do grupo de identidade em relao aos outros
grupos na sociedade. A formulao de Barth til por focalizar a etnicidade como
uma classe de identificao independente de cultura ou traos lingsticos comoatributos de definio.
Esta teoria tem sido criticada por outros tericos no sentido de ser uma definio
irrestrita, uma vez que, por sua extenso, pode adequar-se a uma vasta
classificao de categorias de identidade, por exemplo: gnero, classe, orientao
sexual. A questo de classe intrigante neste aspecto, uma vez que em
sociedades estratificadas em classes, nas quais a mobilidade social de uma
gerao para a prxima bastante improvvel, a classe social funciona como umgrupo de origem. Assim, nas sociedades altamente estratificadas em classes, as
marcas de cultura e lingstica do status de classe podem ser consideradas
anlogas quelas de etnicidade. Estas caractersticas de identidade tnica e de
classe so reproduzidas de gerao para gerao (BOURDIEU & PASSERON
1977) e so freqentemente tomadas como indicadoras de habilidade e motivao
por aqueles que tomam decises institucionais que afetam a mobilidade de outros,
por exemplo: os que fazem recrutamento e seleo para emprego, trabalhadoresligados sade e ao servio social, educadores. Estes julgamentos podem estar
fortemente balizados por preconceitos tnicos e de classe, mascarados por uma
ideologia de decises racionais e universalsticas dentro das quais as
particularidades comportamentais caractersticas da identidade de grupo so
interpretadas como indicadores de mrito individual (veja ERICKSON & SHULTZ
1982, GUMPERZ 1982).
4. Etnicidade e Confl ito Social
Em situao na qual haja pequeno conflito entre os interesses de grupos tnicos e
na qual as rotinas incluem freqentemente situaes de contato inter-tnico,
considervel assimilao cultural e lingstica pode ser estabelecida ao longo das
linhas tnicas, especialmente dentro do mesmo nvel de classe social. Isto pode
ser especialmente notado nos Estados Unidos: em Boston, por exemplo, a classe
trabalhadora de catlicos romanos talo-americanos e irlandeses-americanos
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ambos falam um dialeto denominado em termos leigos de irlands de Boston.
Trata-se de um registro de identificao religiosa e de classe social que generaliza
grupos tnicos, um exemplo de solidariedade simbolizada entre descendentes deimigrantes catlicos, em contraste com a elite nativa de ingleses protestantes. Isto
no significa que no possa haver competio econmica e distines residenciais
traadas entre os talo-americanos e os irlandeses americanos, mas o registro
lingstico fornece para ambos um smbolo de distino do chamado estilo cultural
Branco Anglo-Saxo Protestante (BANSP) e White Anglo-Saxon Protestant-
(WASP). Um fenmeno similar parece estar ocorrendo em Londres onde, apesar
da intensa competio econmica entre a classe trabalhadora de afro-caribenhose a classe nativa de trabalhadores ingleses, os afro-caribenhos falam o mesmo
estilo de ingls da classe branca de trabalhadores ingleses. Entretanto, em
cidades dos Estados Unidos, afro-americanos falam o ingls dos negros, um
dialeto ou um registro que difere do modo de falar da classe branca trabalhadora.
Nas cidades americanas se constata que adolescentes hispnicos utilizam
algumas caractersticas do ingls dos negros. O resultado que h uma
linguagem de rua comum entre os jovens no anglos da classe trabalhadora.
Parece que a assimilao do registro, sua manuteno e desenvolvimento de
novos registros como cultura oposicionista esto relacionados presena ou
ausncia de conflitos polticos entre os grupos. Estes relacionamentos no so
simples como sugere o exemplo de ingls afro-caribenho de Londres. Neste caso,
a cor da pele pode ser a marca mais relevante de identidade racial para londrinos
brancos e negros e, conseqentemente, o estilo da fala no funciona como marca
de identidade racial. Alguns se surpreendem porque este no o caso nos
Estados Unidos onde a cor de pele funciona tambm como uma marca de
identidade racial e onde h o conflito inter-racial e o estigma no menos intenso
que o de Londres. Uma possibilidade pode ser a escala de tempo envolvida. A
imigrao afro-caribenha em larga escala para Londres um fenmeno
relativamente recente, enquanto que nos Estados Unidos, negros e brancos tm
residido juntos por centenas de anos - o suficiente para a esquizomognese
cultural desenvolver-se e espalhar-se considera