Etnografia_na_Educação

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    CONTEDO

    Captulo 1 Descrio Etnogrfica pg. 2;

    Captulo 2- Etnicidade pg. 31;

    Captulo 3 Aprendizagem e colaborao no ensino pg. 40;

    Captulo 4 Registros audiovisuais como fonte primria de dados pg. 56;

    Captulo 5 O que faz a etnografia na escola etnogrfica pg. 80;

    Captulo 6 O discurso em sala de aula como improvisao pg. 103.

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    Captulo 1

    DescrioEtnogrfica

    Frederick Erickson 1

    1. IntroduoOs objetivos centrais da descrio etnogrfica na pesquisa sociolingstica so

    documentar e analisar aspectos especficos nas prticas da fala, da maneira que

    estas prticas esto situadas na sociedade em que elas ocorrem. O foco, ento,

    est nas situaes sociais de uso, nos hbitos comuns e persistentes de uso, e na

    organizao lingstica e comportamental especficas do uso em si.

    Na conduo real da pesquisa etnogrfica, coleta e anlise de dados so

    mutuamente constitudos. Por isso, Perspectivas reais que informam a anlise

    etnogrfica precisam ser discutidas, bem como os processos de observao e de

    criao de registros de dados sobre os quais um relato descritivo baseado. Por

    esta razo, este artigo se inicia considerando a principal importncia real da

    descrio etnogrfica.

    Inicialmente uma definio de etnografia e uma breve viso geral de sua origemso apresentadas. Segue-se uma discusso de quatro caractersticas essenciais

    da etnografia: (1) Seu foco particular nas especificidades da performance

    naturalmente ocorrentes na fala; (2) Seu foco geral nas entidades sociais e

    culturais, consideradas e descritas como sistemas inteiros em comparao com

    outros sistemas em outras sociedades; (3) Seu foco no significado social da fala

    em adio aos seus significados referenciais; (4) seu foco nos significados da

    ao social que ocorre naturalmente do ponto de vista dos atores nela engajados.As duas primeiras caractersticas so especialmente distintivas da etnografia em

    contraste com outras abordagens sobre pesquisa sociolingstica. As duas ltimas

    1 Esse texto traduzido com autorizao do autor, por Carmen Lcia Guimares de Mattos. Foioriginariamente publicado sob o ttulo Ethnographic Description no Sociolinguistics - AnInternational Handbook of the Science of Language and Society, e editado por Herausgegebenvon Ulrich Ammon, Norbert Dittmar Klaus J . Matteir, Vol. 2 Walter de Gruyter, Berlin. New York,p. 1081-1095. 1988

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    caractersticas so compartilhadas com algumas abordagens em sociolingstica,

    mas no com outras. Pesquisa correlacional em sociolingstica o tipo de

    trabalho que mais difere da descrio etnogrfica. Estudos correlacionais tm sidode dois tipos principais. No primeiro tipo, algum aspecto da escolha de linguagem

    (ex: Cdigo, dialeto, registro ou frmula de delicadeza) considerado uma

    discreta varivel que correlacionada com um ou mais atributos da identidade

    social dos indivduos falantes. (ex: renda, nvel educacional ou afiliao poltica).

    No outro tipo de estudo, a direo da correlao revertida; um ou mais aspectos

    discretos da identidade social (ex: gnero, etnicidade ou classe) esto

    correlacionados com um discreto aspecto do estilo da linguagem. Os dados sobreesses estudos so tipicamente coletados por mtodos de pesquisa, e os aspectos

    da linguagem e do discurso que so estudados, so considerados em abstrao

    de suas situaes de uso. Em contraste, existe a etnografia como uma abordagem

    naturalstica para os procedimentos de pesquisa social atravs da observao

    direta de situaes concretas. Ela situa a fala que ocorre naturalmente no centro

    do interesse da pesquisa, considerada como um modo de atividade social que

    est situada em um contexto completo que inclui a comunidade inteira ou a

    sociedade bem como a cena imediata da vida social local em que o discurso

    ocorreu por si mesmo.

    2. Questes de importncia na pesquisa etnogrfica

    2.1. Definio e origemEtnografia significa literalmente escrever sobre os outros. O termo deriva do verbo

    grego para escrita e do substantivo grego (ethnos) que se refere a grupos de

    pessoas que no foram gregos; por exemplo: trsios, persas e egpcios. A palavrafoi inventada no fim do sculo XIX para caracterizar cientificamente os relatos de

    narrativa sobre os modos de vida dos povos no ocidentais. Monografias

    etnogrficas diferiam das descries em livros que foram escritos por viajantes e

    que se tornaram populares entre os europeus ocidentais educados com um

    interesse no extico. Relatos de viajantes foram vistos por antroplogos como

    incompletas e superficiais. Etnografia foi considerada como mais completa e

    cientificamente substantiva.

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    Da poca da publicao da monografia pioneira de MALINOWSKI, Argonautas do

    Pacfico Ocidental (1922), outro critrio de descrio etnogrfica foi acrescentado:

    retrato dos meios de vida do grupo social estudado de forma que manifestasseseus pontos de vista. O objetivo era mostrar como as aes de povos exticos

    faziam sentido dentro de seus julgamentos, ao invs de retratar suas aes

    individuais como bizarras e normativamente deficientes quando julgadas de

    acordo com os padres normativos europeus ocidentais. Para atingir esse

    objetivo, a etnografia malinowskiana se props tarefa de produzir uma descrio

    vlida e anlise do sistema de significados do grupo social que era estudado.

    Esta tarefa se parece e difere ao mesmo tempo do que era pretendido para alingstica por SAUSSURE. Os dois, MALINOWSKI e Saussure estavam

    interessados em aspectos de ordem e significado que estavam fora do consciente

    das pessoas que os empregavam. Eles diferiam, no entanto, em seus interesses

    nas particularidades das aes costumeiras em situaes especficas. Saussure

    viu a descoberta da ordem subjacente como requerendo a extrao dos

    particulares de uso e situao. Assim seu programa estruturalista era construir

    atravs de uma anlise lgica rigorosa um relato deliberadamentedescontextualizado das relaes estruturais que obteve entre formas lingsticas.

    Essa limitao estratgica de interesse, a centralizao da ateno na langue

    (lngua), na ateno dada na parole, forneceu grande coerncia analtica, mas

    custos de acompanhamento se tornaram crescentemente aparentes com o

    desenvolvimento da pesquisa emprica e da teoria em sociolingstica.

    MALINOWSKI mesmo falou diretamente a essa questo quando ele usou uma

    reviso de livro como ocasio para fazer um relato programtico (MALINOWSKI

    1936):

    Podemos tratar a linguagem como um objeto independente de estudo: Existeuma cincia legtima de palavras sozinhas, ou de fontica, gramtica elexicografia? Ou todo estudo da fala deve levar a investigao sociolgica,para o tratamento da lingstica como um ramo da cincia geral da cultura? Odilema da lingstica contempornea tem importantes implicaes. Issorealmente significa a deciso sobre se a cincia da linguagem se tornarprimariamente um estudo emprico, feito sobre os seres humanos dentro docontexto de suas atividades prticas, ou se permanecer grandemente

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    confinada a argumentos dedutivos, consistindo na especulao baseada emescritos ou em evidncias impressas isoladas.

    Poder-se-ia descrever o programa de MALINOWSKI como aquele de um

    estruturalismo contextualizado. Ele viu o significado como incorporado nos

    particulares da performance situada (MALINOWSKI 1923). Nos termos de

    Saussure, MALINOWSKI props descobrir a ordem subjacente ou geral da lngua

    atravs da investigao de perto da ao verbal e no verbal (parole) em

    situaes de uso em que eram em si para serem entendidas em relao com a

    escala total de situaes que construiriam as vidas dirias dos membros da

    comunidade a ser estudada. Alm disso, MALINOWSKI estava interessado em

    ordem no nvel da parole em si, vendo seu ordenamento como que manifestandoum nvel de significado que no poderia ser reduzido a outros nveis.

    2.2. Foco no Particular

    O interesse central da descrio etnogrfica em pesquisa sociolingstica est nos

    particulares da performance situada como ela ocorre naturalmente na interao

    social diria. A etnografia documenta o que as pessoas fazem na realidade ao

    falarem, e isso descreve tanto o discurso quanto as situaes do uso de formas

    bem especficas. Observao participante o meio pelo qual o pesquisador

    aprende os especficos da atuao contextualizada, e nos trabalhos mais recentes

    isto de vez em quando combinada com gravaes em udio e vdeo. Essas

    tcnicas de coleta de dados sero revisadas mais tarde no artigo; aqui suficiente

    notar que um interesse em especificidade de descrio uma marca registrada da

    etnografia.

    2.3. Foco no GeralA etnografia enfatiza tanto o escopo descritivo quanto a especificidade.

    Conseqentemente, outro critrio essencial de etnografia sua preocupao com

    a amplitude da viso. Essa preocupao tem dois aspectos: uma nfase no

    holismo e na comparao. Por elas serem caractersticas to distintas de

    etnografia elas merecem uma descrio aqui.

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    O primeiro importante aspecto, holismo, refere-se a um interesse na descrio

    completa do caso a mo. A etnografia geral , como a encontrada na tpica

    monografia etnogrfica, a sistemtica tentativa em descrever e relataranaliticamente toda forma de vida do grupo humano estudado; sua economia, leis,

    sistemas familiares, religio, tecnologia, cosmologia, cincia e magia, ritual, e

    artes, assim como a linguagem. Uma etnografia retrataria tipicamente o ciclo anual

    de atividades na comunidade. Freqentemente ela poderia descrever o ciclo de

    vida individual e seus pontos cruciais de direo, junto com os rituais da

    comunidade (ritos de passagem) que os acompanharem. O sistema social inteiro

    seria levado em conta; as muitas dimenses dos laos sociais e diferena destatus (classe social) que fossem salientes ao longo de linhas de descendncia,

    casamento e outros tipos de relaes, idade, gnero, e sade, ou identidade como

    algum com status especial (especialista religioso, escravo, paria ou outra classe

    social, estrangeiro).

    Apesar da tentativa de levar em conta todo sistema de relaes sociais e padres

    culturais, o ideal do holismo na descrio etnogrfica nunca completamente

    realizado. Existe uma tenso inevitvel entre extenso e profundidade nadescrio, entre escopo e especificidade. Alm disso, nas sociedades pluralistas

    modernas (e de acordo com alguns crticos, mesmo em sociedades tradicionais de

    pequena escala) pode ser muito difcil identificar uma maneira inteira de vida

    exatamente como muito difcil identificar uma comunidade limitada e uma cultura

    limitada. (O debate atual em sociolingstica sobre a utilidade da noo que a

    comunidade tem sobre a fala est relacionado com este problema). A concepo

    dos todos sociais e de culturas internamente integradas tem freqentemente

    pressuposto uma teoria social funcionalista em que a homeostase social o

    principal processo dinmico. Essa teoria social no leva muito em conta o conflito

    social e a mudana. Da perspectiva da teoria do conflito (ex: Teoria crtica do neo-

    Marxismo e Marxismo clssico), contradio estrutural e compartilhamento parcial

    da cultura podem ser vistas como normais dentro e atravs de nveis de

    organizao social. Desta perspectiva a noo de unidades socioculturais totais

    fechadas para influncia exterior parece artificial e enganadora. J a teoria social

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    do conflito holstica tambm, pois as contradies, diversidade e tenses que ela

    identifica podem ser como parte de um padro ainda mais compreensivo uma

    organizao de ordem mais alta que aquele compreendido pela teoriafuncionalista.

    Mais fundamentalmente, a perspectiva do holismo ecolgica e dialtica. Seja

    qual for a teoria social que emoldura um caso particular de pesquisa etnogrfica,

    isto , seja ela uma teoria de ordem ou uma teoria de conflito, o holismo

    etnogrfico indica diferenciao e coneces de influncias mtuas dentro e

    atravs dos nveis de organizao social. Assim, as unidades fundamentais de

    anlise em etnografia so lugares de relaes ao invs de entidades isoladas.Neste sentido, o holismo etnogrfico pode obter diferentes nveis. Isso ilustrado

    pelos exemplos a seguir de tpicos de etnografia sociolingstica: (1) Dentro de

    uma dada sociedade pode-se considerar a linguagem em relao com a poltica

    econmica, (2) Em um agregado social constituinte dentro de uma sociedade

    inteira, por exemplo, uma populao regional, classe social, ou grupo tnico,

    poder-se-ia considerar uma escala de maneiras (incluindo diferenciao nas

    formas da fala) em que relaes de aliana ou oposio so estabelecidos dentrode um grupo e entre membros desse agregado social e membros de outros

    agregados, (3) Dentro de uma organizao formal pode-se considerar o

    relacionamento entre estrutura social formal e informal, rituais deliberada e no

    deliberadamente organizados e registros respectivos de fala que so apropriados

    em cada tipo de situao de ritual, (4) Dentro de uma famlia pode-se considerar a

    ecologia dos papis familiares, dentro dos quais as variaes dos direitos e

    deveres e em formas distintas da fala podem ocorrer ao longo de linhas de nveis

    de gerao, grau de parentesco, gnero e temperamento individual. Descrever um

    padro de integrao, sentimentos e crenas que se obtm em qualquer um dos

    papis (ex: me e filho mais velho) e os direitos anexados e deveres que se obtm

    entre eles, dar ateno no somente s aes da me e do filho mais velho

    como indivduos, mas para as aes da me dadas na presena do filho mais

    velho e para as aes do filho mais velho dadas na presena de sua me. (5)

    Dentro de uma cidade ocupada em conversao pode-se considerar as

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    conseqncias para o discurso oral de relaes de mtua influncia entre as

    reaes do ouvinte e o que o falante far depois dentro da clusula que est

    sendo pronunciada no momento.

    Cada um desses exemplos de tpicos de interesse em descrio etnogrfica tm

    diferido no nvel de organizao social envolvido. Cada um dos exemplos ilustra

    um aspecto da perspectiva ecolgica do holismo em etnografia. No ltimo exemplo

    o fenmeno observado pode ser curto em durao e as relaes sistemticas

    consideradas podem envolver sobras sutis de nuances que somente so

    aparentes atravs de descries detalhadas que mostram a cintica e a prosdia

    do ouvinte e do falante. No primeiro exemplo (linguagem em relao a polticaeconmica), pode-se observar padres que ocorrem e recorrem atravs de

    geraes e podem ser descritas com amplos golpes em relatos, incluindo

    sumarizao estatstica. Seja qual for o nvel de organizao social que pode ser

    considerado, no entanto, a unidade de anlise uma relao dialtica ocorrente

    em um especfico momento histrico, no uma entidade considerada destacada

    de outras entidades ou fora da situao de sua ocorrncia no tempo, espao, e

    meio social.A preocupao da etnografia por uma descrio completa manifestada no

    somente no holismo descritivo, mas tambm em um foco na comparao. O relato

    etnogrfico individual um estudo de caso de uma situao particular ou grupo

    social. Ainda implicitamente, e freqentemente explicitamente, o caso a mo

    escrito em termos de similaridades e diferenas de outras sociedades relatadas na

    literatura etnogrfica. Este interesse em comparao deriva de um campo de

    pesquisa dentro da antropologia, que anterior a etnografia em si. Esse campo

    chamado etnologia, a comparao sistemtica dos modos de organizao

    sociocultural atravs da escala mais larga possvel de grupos humanos

    conhecidos, passados e presentes. A etnologia serve como base para todos os

    estudos etnogrficos.

    Essa moldura de comparao outra das caractersticas que distinguiram a

    etnografia do gnero de relatos de viajantes, que eram escritos sem levar em

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    conta uma anlise comparativa. Atualmente um dos elementos essenciais da

    educao em etnografia ter uma vasta leitura da literatura de estudos de casos

    etnogrficos e da teoria antropolgica e sociolgica de modo a ser capaz de trazerpara sua prpria pesquisa uma moldura etnolgica de referncia.

    2.4. Foco no significado

    Os dois ltimos focos da descrio etnogrfica e serem considerados aqui so

    compartilhados com alguns outros mtodos em sociolingstica, como pesquisas e

    entrevistas. Estas so as preocupaes para (1) identificar o significado social ou

    metafrico da fala bem como seu significado literal ou referencial, e (2) identificar

    significados dos pontos de vista dos atuantes nos eventos observados.

    A etnografia especialmente interessada nos aspectos de significado que no

    podem ser obtidos diretamente questionando informantes. Isto envolve o uso

    direto da observao para gerar inferncias em relao s aes habituais,

    julgamentos e avaliaes que estariam operando fora do desinteresse consciente

    do falante ou do ouvinte. Inferncias interpretativas podem descrever aes

    preocupantes como o uso habitual da ironia ou indiretas metafricas em certas

    situaes freqentemente ocorrentes, ou inferncias que podem dizer respeito a

    julgamentos com relao ao uso da linguagem. Ao invs disto o pesquisador deve

    utilizar a observao participante ou mquina de gravao para documentar um

    uso que ocorre naturalmente ao informante e ento verificar as inferncias sobre o

    significado social das escolhas estilsticas atravs de entrevistas subseqentes,

    nas quais o pesquisador e informante revisam juntos o texto escrito ou gravado a

    maquina da performance da fala contextualizada do informante.

    2.5. Conceitos Chave

    As noes analticas centrais em torno das quais a observao focalizada

    incluem o seguinte, embora a lista no seja to exaustiva: situao, evento da fala,

    atividade da fala, modos da fala, e competncia comunicativa (veja a discusso

    em SAVILLE-TROIKE 1982, 12-50). A unidade central de observao a

    situao, a cena da performance da fala. GOFFMAN (1964, 134) define a situao

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    como ... um ambiente de possibilidades de monitorao mtuas, qualquer lugar

    no qual o indivduo se encontre acessvel aos sentidos nus de todos os outros que

    esto presentes e similarmente os encontre acessveis a ele.

    Dentro de uma situao os indivduos se engajam em vrios tipos de trabalhos

    interacionais, usando comportamento comunicativo verbal e no verbal como

    recursos de produo ao executarem este trabalho. Alguns desses

    comportamentos so s vezes relativamente altamente estilizados e so

    governados por regras relativamente explcitas e fixas, por exemplo, fazer um

    brinde, dizer votos de casamento, fazer uma orao fnebre, contar uma caada

    ou uma batalha, participar de uma lio de recitao na escola. Freqentementeesta performance estilizada de discurso define a situao na qual esta ocorre; isto

    , o trabalho interacional a mo constitudo pelo tipo especial de fala que est

    ocorrendo.

    Tal performance em tais situaes denominada um evento de fala por HYMES

    (1974, 52). Os eventos comumente ocorrentes da fala em sociedades modernas

    so uma visita ao mdico, uma entrevista de emprego, uma piada contada em

    uma festa. Existem limites bem explcitos de adequao que definem as relaescomuns entre os eventos da fala e as situaes da fala; por exemplo, uma no

    espera ouvir votos matrimoniais trocados em um funeral, fazer brindes durante

    uma visita ao mdico, ou contar uma piada de sexo explcito em uma festa formal.

    As expectativas de co-ocorrncia culturalmente aprendidas para relaes entre

    situaes e eventos da fala como ela ocorre na vida diria e na literatura so

    chamadas de cena ou ato proporcional pelo crtico literrio KENNETH BURKE

    (BURKE 1969, 3).

    Outros tipos de performance oral nas situaes da fala so menos altamente

    estilizados que aqueles caracterizados pelo termo evento da fala. Estes tm sido

    chamados atividades da fala por GUMPERZ (1982a, 166). Eles so escritos de

    discursos nos quais um conjunto conectado de funes est sendo alcanado, um

    tipo particular de trabalho interacional. Exemplos de atividades da fala so:

    conversar sobre o tempo ou sobre esportes, fazer o ponto mais importante em um

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    discurso, mostrar ao falante anterior que entendeu o ponto principal que ele falou,

    e implicitar ao interlocutor que o que ele disse est aberto (ou no) a negociaes

    ou discordncias.

    A atividade da fala no constitui a situao, como fazem alguns eventos da fala.

    Na verdade a atividade da fala pode acompanhar trabalho individual ou

    interacional que primariamente no verbal, por exemplo, emendar redes de

    pesca ou preparar comida para uma refeio. Outra diferena entre atividade da

    fala e evento da fala que para a atividade da fala os constrangimentos da co-

    ocorrncia para relaes entre situao e modo de fala so muito mais fluidas e

    muito menos explcitas do que so os padres de constrangimento que se obtmentre a situao e o evento da fala. As atividades da fala podem ser bem

    conduzidas de acordo com princpios culturais de apropriao. Mas os princpios

    podem envolver aspectos muito sutis de escolha estilstica, e existem escalas

    mais largas de operaes paradigmticas para meios alternativos de alcanar as

    atividades da fala do que existe para uma performance apropriada de fala em um

    evento de fala. Uma nfase no estudo das atividades da fala est em nuances

    sutis da fala seu refinamento- e no implcito mais do que no padro culturalexplcito.

    A noo de atividade da fala se limita e informada pela noo de produo local

    como usada por analistas conversacionais que so etnometodlogos (ver meu

    artigo em mtodos de anlise conversacional). Esta tradio de pesquisa d

    nfase a concepo da performance e organizao social que se coloca em

    primeiro lugar a execuo de papis, status, e rotinas da fala que em algum

    sentido podem ser pensadas como pr-existentes.

    Do ponto de vista da etnografia da comunicao, a execuo da fala tem sido vista

    a ser feita principalmente seguindo regras culturalmente convencionais da fala que

    so tipicamente apropriadas para uma situao dada e um papel dado. Para um

    analista conversacional a nfase tem sido em ver os padres nos modos da fala

    como inveno repetida de estratgias para fala e sua regulao que so

    adaptveis no momento mo. Para o etngrafo de comunicao, a nfase tem

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    sido em ver os padres nos modos da fala como evidncia de aprendizagem

    anterior pelo falante a aquisio de conhecimento e habilidade comunicativos

    culturalmente compartilhados (ver discusso de competncia comunicativaabaixo). Um interesse nas atividades da fala pode ser concebido como partilhando

    ambos os interesses etnogrficos em padres culturais da fala e dos

    etnometodolgicos interesses em produo local e a local organizao social da

    fala.

    O termo modos da fala se refere variao estilstica na performance oral e seus

    acompanhantes no verbais (HYMES 1974,45). Este um termo abrangente que

    envolve o evento da fala e a atividade da fala, os mais e os menos estilizadostipos de variao em performance. Uma etnografia geral completa da fala poderia

    identificar a escala total de tipos de situaes da fala que membros de um grupo

    social encontram em suas vidas dirias. Ela identificaria a escala total dos modos

    da fala que ocorrem em tais situaes e identificaria relaes entre a variao em

    situao e na performance oral (HYMES 1974, 17-18). Tal estudo poderia ser um

    trabalho muito intensivo. Os exemplos de etnografia da fala que existem so

    quase sempre de algum modo focado em um tpico, freqentemente do nfaseaos eventos chave da fala de interesse terico (ver a discusso no artigo de

    reviso de SHERZER 1977), enquanto mantm a maior amplitude de escopo

    possvel. Entre os mais notveis exemplos destes estudos de larga escala nos

    quais toda uma comunidade a unidade de anlise, e os eventos chave da fala

    so de interesse central so: IRVINE (1973); SHERZER (1974); BASSO (1979) e

    PHILIPS (1973). Trabalhos microetnogrficos nos quais encontros particulares

    dentro de um ambiente institucional so de interesse central so: CORSARO

    (1972); MEHAN (1979); AHINNASO & AJ IROTUTU (1982); ERICKSON &

    SHULTZ (1982); GUM-COOK-GUMPERZ (1982); FISHER & TODD (1983);

    MICHAELS & COLLINS (1984); e TANNEN (1984).

    Competncia comunicativa se refere ao conhecimento e habilidade necessrios

    para falar adequadamente em qualquer situao na qual um membro de uma

    comunidade de fala pode se encontrar (HYMES, 1974, 75). O termo escolhido

    em contraste deliberado para a noo de CHOMSKY sobre competncia

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    lingstica (1965, 3-10), uma habilidade generalizada para produzir e compreender

    gramaticamente emisses bem formadas que so consideradas independentes

    das consideraes especficas de adequabilidade que possam se aplicar atuao em uma situao real de uso. Um dos objetivos de estudos etnogrficos

    em sociolingstica identificar como se distribui a competncia comunicativa

    dentro de uma populao de interesse de pesquisa. Outro objetivo, em alguns

    destes trabalhos, identificar os campos de interao dos enganos de

    comunicao e conflitos entre pessoas que podem compartilhar a mesma

    competncia comunicativa, mas que diferem subculturalmente em sua

    competncia comunicativa (ver GUMPERZ 1982, 172-186; ERICKSON & SHULTZ1982, 5-12, 183-190).

    3. Questes de Mtodo em Pesquisa Etnogrfica

    Tendo abordado algumas das principais preocupaes substantivas da etnografia

    sociolingstica, podemos agora partir para considerar os principais mtodos de

    coleta de dados e anlise que so usados na pesquisa etnogrfica. Nos ltimos

    anos so vrias as publicaes sobre esses mtodos: SCHATZMAN & STRAUSS

    (1973); PELTO & PELTO (1978); AGAR (1980); BOGDAN & BIKLEN (1982);

    HEMMERLEY & ATKINSON (1983); e ERICKSON (1986). Conseqentemente

    nossa discusso aqui ser breve, com citaes freqentes da literatura sobre

    mtodos, qual o leitor referido para maior elaborao sobre as questes

    complexas que esto envolvidas na conduta da pesquisa etnogrfica.

    3.1. Coleta de Dados: Observao Participativa, Gravao e Entrevis ta

    O principal mtodo de coleta de dados a observao participativa que, em

    etnografia sociolingstica, acompanhada freqentemente por gravao em

    udio e, quando possvel, por gravao em vdeo tape. A transcrio de gravaes

    fornece evidncias detalhadas do comportamento verbal e no verbal dos

    informantes. Da perspectiva da etnografia, no entanto, as transcries de registros

    no so interpretveis sem serem acompanhadas pela observao participativa e

    entrevistas informais.

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    A natureza da observao participativa indicada pelo prprio termo no qual o

    mtodo envolve participao ativa com aqueles que so observados. A

    participao do pesquisador pode variar ao longo de uma continuidade, comparticipao mnima envolvendo em primeiro lugar a presena durante os eventos

    que so descritos e mxima participao envolvendo as aes do pesquisador

    quase como qualquer outro membro o faz nos eventos que ocorrem enquanto o

    pesquisador est presente. Na extremidade desta continuidade, a nica diferena

    entre a participao do observador participante e de qualquer outro membro que

    o observador participante atenta fortemente para no influenciar o curso que os

    eventos podem tomar. Um participante integral deve atentar para o mesmotambm. O participante integral pode ser altamente avaliativo do comportamento

    dos outros nos eventos, julgando-os de acordo com os seus valores pessoais e

    suas crenas. Em contraste, um observador participante tenta ver os eventos nos

    quais ele ou ela participa do ponto de vista do relativismo cultural, tentando no

    fazer julgamentos finais e tentando entender os eventos como eles acontecem do

    ponto de vista e estabelecimento de valores dos vrios atores nos mesmos.

    A posio de relativismo do observador difcil de manter. Talvez ele nunca sejabem sucedido nisto, porm a nfase na observao participativa tentar entender

    os eventos e pessoas enfaticamente adotando os papis e perspectivas daqueles

    que se estuda. A nfase na empatia e em se evitar uma pressa de julgamento

    avaliativo, ao menos na primeira viso de um novo evento, deriva do foco

    comparativo em etnografia que foi notado anteriormente. O etngrafo est

    consciente de que o que est sendo visto a execuo de um entre vrios

    conjuntos de possibilidades humanamente disponveis para organizar a interao

    social que est sendo observada. Portanto observao etnogrfica

    inerentemente crtica, mas no negativa, necessariamente. Ela simplesmente no

    leva nenhuma realidade costumeira em conta, como fazem os participantes

    integrais em eventos dirios. Sua posio aquela do realismo crtico. Nos termos

    usados por POWDERMAKER em uma monografia clssica sobre trabalho de

    campo etnogrfico, o observador participativo tenta continuamente ser

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    simultaneamente um estranho e um amigo no ambiente do campo

    (POWDERMAKER 1966; WAX 1971).

    A observao participativa ocorre atravs da presena em primeiro lugar em

    cenas imediatas das vidas dirias dos membros do grupo social que est sendo

    estudado. Isto coloca a situao social no centro do trabalho do observador

    participativo. O pesquisador tenta seguir os informantes-chave atravs da escala

    mais ampla possvel de situaes que ocorrem em suas rbitas dirias (na rbita

    diria como uma unidade de anlise de pesquisa sociolingstica, ver a discusso

    no artigo sobre etnicidade, nmero 13). As questes cruciais para a

    representatividade e adequabilidade na coleta de dados envolvem as decises dopesquisador sobre onde ficar no tempo, espao e relao social com as outras

    pessoas na comunidade ou ambiente social que est sendo estudado. Estas so

    decises sobre como participar com os outros, que situaes monitorar

    repetidamente, quais monitorar no freqentemente e quais no monitorar de

    modo algum. O pesquisador pode escolher evitar monitorar certas situaes

    porque elas no tm interesse cientfico. Situaes podem tambm no ser

    monitoradas por consideraes ticas ou logsticas.Idealmente o pesquisador tenta variar os tipos de participao e maximizar tanto a

    escala de situaes monitoradas e a freqncia de situaes monitoradas em

    vrios pontos ao longo da escala. necessrio revisitar situaes similares

    freqentemente, porque a complexidade do fenmeno observado to grande

    que o pesquisador no pode compreender tudo em uma nica observao, dado

    os limites humanos de processamento de informao. Atravs de repetidas

    observaes de um tipo particular de evento, o pesquisador pode dar ateno

    seletivamente a diferentes aspectos do evento, desenvolvendo assim com o

    tempo uma compreenso cumulativa de todo o evento, o que no seria possvel

    em uma nica observao. A gravao permite uma revisitao dos eventos

    vivenciados, e isso pode promover uma grande na descrio de pequenos

    detalhes da performance comportamental (ver CORSARO 1982, combinando

    gravador com observao participante). Mas repassar a fita repetidamente no

    permite a experincia de aprendizado crucial de observao participante. Esta

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    apenas disponvel primeiramente atravs de participao pela qual o observador,

    adotando parcialmente os papis dos membros do evento, pode testar atravs da

    ao vrias hipteses de trabalho sobre convenes de apropriao e podetambm desenvolver entendimento enftico de perspectivas de membros.

    Durante a observao ou imediatamente aps, o observador escreve

    narrativamente notas descritivas sobre o comportamento verbal e no verbal dos

    participantes nos eventos observados. Alm da descrio das notas de campo

    pode incluir breves passagens de especulao terica sobre o significado do que

    foi observado, bem como breves notas sobre as suas reaes emocionais. Estas

    notas de comentrio, bem como o contedo de descrio nas notas se torna umregistro da perspectiva do observador sobre as aes e eventos observados.

    Muitos pesquisadores mantm um dirio adicional no qual maiores reflexes e

    impresses so registradas. As notas de campo e as entradas no dirio podem ser

    estudadas mais tarde para a evidncia de mudanas na perspectiva do

    observador, j que a lgica da pesquisa no campo envolve um processo de

    resoluo progressivo de problemas no qual o observador est aberto a novas

    perspectivas que se desdobram durante o curso do trabalho de campo. Oobservador participante est assim criando um corpo de registros documentais

    para reviso futura, em contraste com o historiador que busca documentos j

    existentes para revisar.

    Se as notas so escritas in situ elas so escritas mais plenamente na primeira

    oportunidade, antes de voltar ao cenrio do campo. Uma regra de ouro que o

    tempo levado para escrever as notas deve ser aproximadamente o mesmo que na

    observao de campo. Freqentemente em etnografia sociolingstica, registro em

    udio e vdeo podem acompanhar a escrita de notas de campo. Neste caso as

    notas de campo incluem informaes sobre os registros, e a descrio escrita

    forma um ndice dos contedos das gravaes. Quando a gravao acompanha

    as notas de campo, o observador est de algum modo livre para cobris largamente

    a observao j que a gravao ir fornecer informaes para uma transcrio

    literal. O registro feito muito simplesmente, j que o propsito no produzir um

    registro tecnicamente ou esteticamente de alta qualidade, somente uma fonte de

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    dados razoavelmente exata. A simplicidade do registro deixa o pesquisador livre

    para escrever ou tomar algumas notas. Mesmo quando a gravao est sendo

    feitas, o observador tenta escrever um relato to completo nas notas quantopossvel, j que as notas escritas contm uma perspectiva interpretativa e foco

    que no esto disponveis na gravao. Para descrio da escrita de notas de

    campo, ver SCHATZMAN & STRASSUS 1973, 94-107; Agar 1979, 11; e BOGDAN

    & BIKLEN 1982, 1982, 74-93. Para discusso de udio e gravao visual em

    trabalho de campo em sociolingstica, ver GRIMSHAW 1982a e b, e ERICKSON

    1986.

    O segundo mtodo principal de coleta de dados em etnografia a entrevista. Estafornece evidncias das perspectivas dos participantes bem como evidncias com

    relao aos eventos que o pesquisador no foi capaz de observar em primeira

    mo. Freqentemente no trabalho de campo etnogrfico a entrevista feita

    informalmente. Quando um evento est acontecendo o pesquisador poder fazer

    algumas perguntas sobre as aes que esto ocorrendo, ou poder faz-las

    imediatamente depois. Geralmente nestes perodos informais e breves de

    obteno de respostas, o etngrafo est seguindo intuies interpretativas quesurgem no momento. Em entrevistas mais formais o pesquisador pode testar

    hipteses interpretativas mais exaustivamente, usando tcnicas etnosemnticas

    de obteno de respostas (TYLER 1969; Agar 1980, 97-98), Tcnicas Q-tipos

    (KERLINGER 1972; STEPHENSON 1953), uma pesquisa sociolingstica, ou um

    cronograma de entrevistas estruturadas no qual questes abertas podem ser

    exploradas em profundidade: IVES (1974); e GORDON (1980). Se uma entrevista

    formal gravada em udio ser ainda bom tomar notas durante a entrevista. Estas

    notas servem mais tarde como um ndice pra os contedos do registro em fita.

    Geralmente em pesquisa etnogrfica, porm, a entrevista feita menos

    formalmente do que em outras abordagens para pesquisa que no empregam

    observao participativa extensiva como fonte principal de dados. As notas de

    entrevista informal na entrevista so escritas retrospectivamente.

    Um dos propsitos principais da entrevista fornecer evidncias referentes aos

    pontos de vista dos participantes que esto sendo estudados. As evidncias das

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    entrevistas podem confirmar ou no confirmar as inferncias sobre os pontos de

    vista dos participantes que foram feitas pelo pesquisador com base na observao

    participativa. Esta comparao de evidncias atravs de fontes de dadosdiferentes chamada triangulao. Ela fornece uma verificao de validade e

    uma das razes principais porque a pesquisa etnogrfica emprega mtodos

    mltiplos de coleta de dados.

    Os documentos locais so outra fonte de evidncias importante, se a populao

    estudada alfabetizada. A entrevista, a coleta de cpias de registros escritos,

    anncios, memorandos e cartas no cenrio fornecem maior triangulao pala qual

    as inferncias interpretativas podem ser testadas, j que fornecem evidnciassobre eventos que o observador no pode testemunhar diretamente. Para

    discusso sobre coleta e uso de documentos locais, ver BOGDAN & BIKLEN

    1982, 97-102; HAMMERSLEY & ATKINSON 1983, 127-143.

    3.2. Anlise de Dados

    O trabalho de campo etnogrfico j foi descrito como um processo progressivo de

    resoluo de problemas. assim importante notar que a anlise de dados comea

    quando o observador ainda est no cenrio de campo e continua mesmo aps o

    t-lo deixado. Geralmente o tempo que necessrio para a anlise de dados e

    relato aps deixar o cenrio de campo deve ser to longo quanto o tempo gasto

    fazendo trabalho de campo. Esta uma importante considerao prtica ao

    planejar-se pesquisa etnogrfica em sociolingstica, j que tal pesquisa trabalho

    intensivo durante no s a anlise como durante a coleta de dados.

    A anlise de dados envolve uma reviso repetida dos registros documentais que

    foram coletados durante o trabalho de campo. Enquanto a observao

    participativa progride, o pesquisador pode reler as notas de campo e ouvir as fitas

    de udio enquanto as hipteses interpretativas esto se desenvolvendo,

    sinalizando as decises estratgicas sobre os prximos passos da coleta de

    dados , quais os tipos de eventos a serem mais observados, a quem entrevistar,

    etc. Aps a fase da coleta de dados, o pesquisador revisa o corpo inteiro de notas

    de campo e os documentos locais. Os registros de entrevistas e das interaes

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    que ocorreram normalmente podem ser revistos em sua totalidade ou podem ser

    revistos mais seletivamente, usando-se os ndices disponveis nas notas que

    foram tomadas na hora do registro.

    Neste ponto o pesquisador trabalha muito como um historiador que tambm rev o

    corpo total dos registros documentais disponveis. Os propsitos da reviso de

    dados extensiva so trs: (1) descobrir os padres recorrentes e temas no cenrio

    que foi estudado (ex: descobrir que um certo registro foi tipicamente usado em

    uma certa situao ou que recursos similares retricos ou narrativos foram usados

    por vrios indivduos em um certo papel); (2) descobrir casos discrepantes que

    no se encaixam nos padres gerais inicialmente identificados e (3) identificar asmudanas do pesquisador na perspectiva interpretativa durante o curso do

    trabalho de campo, como evidenciado pela anlise do contedo da descrio

    narrativa e dos comentrios adicionais que apareceram nas notas de campo.

    Os registros em udio e vdeo so, neste estgio, convertidos em documentos

    pela transcrio de informaes que eles contm sobre comportamento verbal e

    no verbal na atuao de falar. A seleo do material a transcrever - que eventos,

    quantos de cada, que sees de evento, quais pores de entrevistas - feitainicialmente com base nos padres que apareceram nas notas de campo. Estes

    padres ento so verificados pela triangulao cruzada com as evidncias que

    aparecem nas transcries. Os objetivos da microanlise sociolingstica de

    registros so (1) fornecer um registro detalhado do comportamento em eventos

    tpicos; (2) descobrir nos registros detalhados, discrepncias dos padres tpicos

    que emergiram das evidncias descritivas encontradas largamente nas notas de

    campo e (3) descobrir princpios subjacentes de organizao na conduta de fala

    (ex: relaes de influncia mtua entre falantes e ouvintes, a negociao conjunta

    dos incios, padronizao cultural do uso da prosdia verbal e gestual como sinais

    de coerncia no discurso e tomada de rumo conversacional). Para discusso de

    questes substantivas e mtodos na anlise de dados transcritos de registros por

    mquina, ver ERICKSON (1982); KENDON (1977, 440-505; 1981 1-56); e

    GUMPERZ, AULAKH & KALTMAN (1982).

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    A questo chave em anlise de dados contrastar ao longo de certas linhas

    analticas. O pesquisador busca padres recorrentes de co-ocorrncia entre

    modos contrastantes de falar, situaes sociais, papis e identidades sociais,diferenas de grupo e subgrupo (inclusive diferenas culturais) e diferenas

    individuais dentro da populao que est sendo estudada. Ao identificar estes

    contrastes e padres de co-variao, a distino entre ocorrncias tpicas e

    atpicas crucial. Esta a razo da pesquisa por casos de discrepncia

    estatisticamente espordica ser to importante na anlise de dados etnogrficos.

    O caso estatisticamente espordico pode ser especialmente analiticamente

    revelador tambm, porque fora o pesquisador a mudar inteiramente a anlisepadro que era baseada nos casos tpicos estatisticamente freqentes, ou porque

    um aspecto particular do caso de discrepncia d uma nova luz no padro inteiro,

    ou seja, uma das excees que prova a regra.

    , portanto desejvel pesquisar o corpo de dados pelos casos discrepantes, ou

    por reviso exaustiva de todos os casos em um dado fenmeno de interesse ou

    usando alguns meios sistemticos de amostragem atravs do nmero total de

    casos. Estes procedimentos de reviso reduzem o risco de que o pesquisador irinadvertidamente passar por cima de casos discrepantes.

    A tendncia de se ignorar os casos discrepantes um problema na anlise

    etnogrfica, especialmente em seus primeiros estgios. Ela leva ao que pode ser

    chamada a falcia da hiper tipificao. Esta falcia deriva do fechamento

    prematuro na anlise indutiva de dados. Durante a anlise de dados, que comea

    quando a coleta de dados ainda est sendo feita, o pesquisador necessita

    continuar a gerar interpretaes competitivas aps ter induzido uma interpretao

    inicial. No entanto a ambigidade envolvida em se fazer interpretaes alternativas

    pode no ser satisfatria. A necessidade de fechamento pelo pesquisador pode

    lev-lo a cortar hipteses alternativas muito cedo. Uma vez descobrindo o que

    parece ser um padro regular de co-variao de dados, o pesquisador tende

    daquele ponto em diante a ignorar as excees ao padro recentemente

    descoberto. Assim ele deixa de apreender a partir das evidncias no

    confirmadoras. Conduzir pesquisas deliberadas para um fechamento prematuro e

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    analtico e hipertificao. Para a discusso de anlise de dados discrepantes e do

    processo mais amplo de induo analtica da qual ela parte, ver o ensaio original

    por LINDESMITH (1947) e o comentrio mais recente por SCHATZMAN &STRASSUS (1973), HAMMERSLEY & ATKINSON (1983, 200-2004) e ERICKSON

    (1986, 144, 146-149).

    3.3. Relato de dados

    Relativamente pouco tem sido escrito sobre relato de dados. Muito mais tem sido

    escrito sobre as questes ticas envolvidas do que sobre as questes tcnicas da

    construo de relatos em pesquisa etnogrfica.

    Talvez a melhor maneira de se aprender sobre as questes tcnicas de relato de

    dados seja ler alguns exemplos clssicos de etnografia criticamente, considerando

    a monografia etnogrfica em forma de livro como um gnero literrio. Exemplos

    particularmente bons para este propsito so os relatos em forma de livro tais

    como MALINOWSKI (1922/1961); FITH (1936/1963); SHIEFFELIN (1975); e

    BASSO (1979); e os relatos em forma de captulo em BAUMAN & SHERZER

    (1974); GUMPERZ (1982b) e TANNEN (1984). Outro recurso para exemplos o

    artigo de reviso por SHERZER (1977).

    Ao se revisar exemplos de relatos importante ter em mente dois conjuntos de

    distines: aquelas entre distino geral e particular e aquelas entre relato

    descritivo e comentrio interpretativo de acompanhamento. Qualquer relato de

    pesquisa etnogrfica se alterna entre estes tipos de escrito enquanto um meio de

    apresentar evidncias e de tornar as evidncias compreensveis ao leitor.

    A descrio particular o centro do relato. Ela encontrada em vinhetasnarrativas ricamente descritivas da interao social observada durante o trabalho

    de campo, em transcries de fala e comportamento no verbal por mquina e em

    cotaes diretas de entrevistas com informantes. Tais descries relatam

    evidncias e explicam ao leitor os construtos analticos mais significativos que

    emergiram da pesquisa.

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    Tanto o relato como a explicao so feitos por exemplificao. Considere, por

    exemplo, uma assero geral como Pessoas so muito indiretas exercendo

    controle social atravs da fala ou A narrativa oral um meio altamente valorizadode arte verbal na comunidade. As ilustraes dessas generalizaes por vinhetas

    narrativas especificam ou transcries detalhadas no somente mostra que a no

    direo e a regio positiva da comunidade narrativa oral realmente ocorreu no

    cenrio de campo, mas tambm ajuda a explicar o que significam as noes de

    no direo, controle social, narrativa oral e reao positiva da comunidade

    execuo da narrativa oral. Sem a descrio particular, um relato etnogrfico

    ambguo, porque seus construtos analticos so altamente abstratos, enquanto osaspectos da atuao verbal e no verbal, so altamente concretos e especficos

    situao. A descrio particular ajuda ao leitor ver e ouvir como se estivesse

    vivenciando a performance situada que est sendo relatada.

    Sem enquadramento interpretativo, porm, os detalhes de comportamento da

    descrio particular podem ficar inarticulados. A viso geral necessria para

    tornar claras as relaes figura-fundo ao leitor. Este enquadramento fornecido

    de duas maneiras: por descrio geral que sumria em potencial e porcomentrio interpretativo que acompanha casos de descrio particular no texto

    do relato.

    A descrio geral ou sumria relata padres que se obtm atravs de conjuntos

    de casos tais como aqueles que so relatados por descrio particular na forma

    de vinhetas narrativas ou transcries de fala. Nem todos os casos de um

    fenmeno particular que estejam disponveis no corpo de dados podem ser

    relatados. O pesquisador relata somente os casos que so mais vvidos ou que

    contm aspectos de especial interessa analtico. A descrio geral torna claro

    onde os exemplos relatados se encaixam nos padres totais de dados.

    Freqentemente isto feito mostrando-se formalmente como os vrios exemplos

    relatados so casos tpicos ou atpicos de um fenmeno. (A distino entre

    tipicalidade e atipicalidade foi notada na seo anterior como sendo analiticamente

    crucial). As evidncias para tipicalidade e atipicalidade so um assunto de

    distribuio freqente e algumas descries gerais relatam as distribuies

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    sumariamente, ou em palavras ou em nmeros que aparecem em quadros de

    freqncia simples.

    Enquanto a descrio geral no ajuda ao quadro da descrio particular, a

    descrio geral em si pode necessitar de algum enquadramento. Assim um texto

    etnogrfico tambm inclui comentrios interpretativos que acompanham relatos

    descritivos. Os segmentos de descrio so usualmente precedidos e seguidos

    por segmentos de comentrios, com relato e comentrios se alternando no texto

    como contas em uma corrente. Por causa da tendncia do leitor em ficar confuso

    com os detalhes da descrio particular os comentrios interpretativos so

    necessrios para ele no perder o sentido do quadro geral do estudo.

    Os dois erros mais comuns dos iniciantes em relato etnogrfico tm a ver com o

    balano entre descrio e comentrios de enquadramento no texto. Muitos

    iniciantes subestimam a necessidade do leitor de comentrios e produzem um

    texto que rico em detalhes mas virtualmente ininteligvel para algum que no

    tenha sido um observador, em primeiro lugar, no cenrio descrito. Alguns

    iniciantes, em uma tentativa de manter a viso sintica clara ao leitor, apresentam

    muito poucas descries particulares. Tal texto pode ser altamente coerente, mas empiricamente inadequado j que as evidncias primrias s declaraes

    analticas do autor, que so encontradas na descrio particular, no so

    registradas. O autor faz declaraes sem garantia de evidncias. Qualquer dos

    dois extremos, fornecendo muito poucas evidncias detalhadas, ou fornecendo

    muito poucos comentrios de enquadramento, devem ser evitados ao se relatar

    pesquisa etnogrfica. Para discusso das questes tcnicas do relato ver

    BOGDAN & BIKLEN 1982 171-183; HAMMERSLEY & ATKISON 1983, 207-232 e

    ERICKSON 1986, 149-156.

    Alm das questes tcnicas de relato, existem questes ticas envolvidas

    tambm. As principais questes ticas em relatos etnogrficos dizem respeito ao

    risco pela publicao de descrio particular de aes dirias daqueles que esto

    sendo estudados. A descrio geral e os comentrios interpretativos geralmente

    no colocam os indivduos em risco porque suas identidades como indivduos no

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    ficam claras. Algum risco pode surgir de uma tendncia a estereotipao que

    inerente em asseres pejorativas feitas sobre uma populao como um todo, por

    exemplo. Nesta cidade esconder a verdade dos oficiais do governo e forasteirosera ubquo. Com alguma sensibilidade reputao do grupo social local sendo

    estudado, tais convites a julgamentos prejudiciais pelos leitores podem ser

    evitados.

    O assunto da descrio particular levanta dilemas ticos complexos. Por um lado,

    a descrio particular (quando acompanhada por descrio geral que estabelece a

    tipicalidade) fornece a base emprica mais forte possvel para concluses

    analticas que so estabelecidas pelo pesquisador. Por outro lado, a descrioparticular revela detalhes especficos das aes dirias de indivduos que podem

    ser embaraosas. Um modo de minimizar o risco de embarao ou sanes legais

    dirigidas contra aqueles que se estudou pedir a membros representativos do

    grupo estudado para revisarem um rascunho do relato de pesquisa. Isto

    possvel quando a populao estudada contm membros que sejam alfabetizados

    na lngua na qual o relato vai ser escrito. Outra maneira de minimizar o risco, uma

    que possvel se o relato puder ou no ser revisado pelos que este descreve, ter o relato revisado por questes ticas de um colega cientista. Dada a

    complexidade dos dilemas ticos que podem surgir, uma boa precauo

    submeter o relato a algum tipo de reviso com as questes ticas em mente.

    As gravaes do cenrio que foi estudado nunca devem ser passadas para

    audincias de fora sem o consentimento explcito daqueles cujo comportamento

    foi registrado, mesmo se as audincias forem reunies profissionais de colegas

    cientistas ou estudantes. Se udio-teipes ou filmes editados forem antecipados ou

    a transmisso do material o for, deve ser buscado o consentimento por escrito

    para tais usos. bom fazer os informantes mesmo revisarem as pores do

    registro em udio ou vdeo que sero mostradas audincia. Em algumas

    naes, por exemplo, os Estados Unidos, o consentimento informado para

    pesquisa social agora legalmente exigido e isto inclui o uso da mdia de

    gravaes. Em alguns casos o consentimento verbal dos informantes pode ser

    suficiente, e em outros casos h necessidade do consentimento escrito. Para

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    discusso das questes ticas envolvidas na pesquisa que usa a observao

    participante, ver CASSELL & WAX 1980.

    3.4. Problemas e Propriedades da Descrio Etnogrfica

    Como em todos os outros mtodos de pesquisa, a etnografia tem srios limites

    bem como foras significativas. O problema principal de adequabilidade nas

    descries etnogrficas ser revisado brevemente, comeando com o problema

    mais tratvel e concluindo com o menos tratvel, assim as possibilidades mais

    significativas desta abordagem de pesquisa sero revisadas.

    O mais tratvel dos problemas da etnografia ela no ser sistemtica na coleta eanlise de dados, produzindo concluses que so incorrigveis, isto , no

    falsificveis. Na anlise final de dados, naturalmente, as concluses da pesquisa

    interpretativa nunca so fixas ou finais. Para a etnografia, porm, em parte o

    equvoco devido dificuldade na tentativa do trabalho emprico. O observador

    participante no pode estar em toda parte ao mesmo tempo. Nos dados de

    trabalho de campo, a qualidade em um aspecto do estudo deve continuamente ser

    sacrificada no interesse de maximizar a qualidade dos dados em outro aspecto do

    estudo. Aps ter deixado o local de campo, o pesquisador pode perceber em

    retrospecto porque algumas das decises de triagem na coleta de dados parece

    terem sido erradas.

    Admitidamente, alguns etngrafos tm sido no sistemticos ao manusear as

    evidncias aps terem sido coletadas. A preocupao com a validade e com a

    produo de descobertas significativas muitas vezes encobre a preocupao com

    a confiabilidade dos dados e com apresentao de evidncias claras para as

    concluses. Alm disto, por causa da abrangncia da descrio etnogrfica,

    difcil agrupar as evidncias adequadamente atravs da escala completa de

    questes abordadas em um estudo tpico. Um relato etnogrfico contm

    proposies altamente abstratas em relao aos padres da estrutura social,

    cultura e uso da lngua e ao mesmo tempo contm descrio muito concreta. Um

    destes nveis de discurso em relato freqentemente encoberto no interesse de

    enfatizar o outro.

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    Os problemas de adequabilidade comprovado no so inteiramente intratveis, no

    entanto. A discusso da coleta de dados e a anlise aqui apresentada, e a

    literatura recente sobre mtodos de pesquisa enfatizam para se tomar cuidado aoagrupar as evidncias no sentido de garantir as asseres. Combinar descrio

    particular com pesquisas sinticas de padres mais amplos de dados um modo

    de mostrar as evidncias mais claramente do que eram feitos em relatos

    etnogrficos anteriores. No trabalho sociolingstico, combinar evidncias de

    transcries gravaes outro modo de ser explcito sobre a garantia comprovada

    para certos tipos de asseres. O problema permanece, porm, dado o escopo e

    complexidade da tarefa da pesquisa etnogrfica.Menos tratvel do que os problemas da adequabilidade a tendncia para se

    tornar a anlise mais clara e ntida do que a vida, ignorando as contradies que

    aparecem nos casos discrepantes. O retrato da vida diria como hipertpico

    uma responsabilidade sria em etnografia porque ela tem razes no somente nas

    dificuldades empricas, mas tambm nos fundamentos tericos subjacentes da

    pesquisa. Os terrenos empricos para hipertipificao j foram discutidos. Eles

    aparecem primeiro na coleta primria de dados. O trabalhador de campo coleta amaior parte das evidncias em eventos que ocorrem freqentemente, menos

    evidncias em ocorrncias atpicas daqueles eventos, e a menor evidncia em

    eventos raros. Os eventos observados so fenmenos extremamente complexos.

    Por causa da natureza da anlise etnogrfica como resoluo progressiva de

    problemas, o pesquisador capaz de aprender mais sobre os eventos tpicos do

    que sobre aqueles que ocorrem menos freqentemente, j que o mesmo tem

    muito mais oportunidades de observar os eventos tpicos. Ento a tendncia a

    fechamento prematuro na gerao de hipteses e testagem leva o pesquisador a

    ignorar casos discrepantes. O resultado uma nfase no relato feito: sobre a

    ubiqidade dos padres que se ramificam atravs de muitas situaes e redes

    sociais nas vidas dirias da populao estudada. Nesta consistncia descoberta

    dos padres uma iluso, um artefato de coleta de dados e anlises? Por causa

    das dificuldades inerentes ao trabalho emprico a resposta quela questo s

    vezes no clara.

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    Os fundamentos da etnografia na teoria social subjacente so outra fonte de

    influncia na direo da hipertipificao, apresentando problemas muito srios

    para o pesquisador. As comunidades primitivas, estudadas pelos antroplogos,foram vistas primeiro como discretas e isoladas. Elas foram vistas como

    geogrfica e historicamente separadas de outras comunidades e foram

    observadas em um ponto no tempo somente, isto , os padres de organizao

    social e cultural que os pesquisadores descobriram foram analisados

    sincronicamente, sem referncia a influncias histricas anteriores. (Isto foi

    parcialmente devido a uma reao contra o historicismo que prevalece na

    antropologia do sculo XIX com seus interesses centrais e teorias de testagem daevoluo cultural).

    A nfase na consistncia do padro e no sincrnico na pesquisa etnogrfica

    tradicional resultaram em uma viso esttica da ordem social e uma viso

    homeosttica do processo social. A teoria social subjacente, uma verso

    formalizada a qual chamado funcionalismo estrutural, no leva em conta

    adequada as contradies internas, o conflito e a mudana, nem fornece um modo

    de localizar as comunidades locais na estrutura social mais ampla e na economiapoltica de entidades como a estado-nao. Enquanto esta perspectiva terica,

    parcialmente explcita e parcialmente implcita e intuitivamente mantida pelos

    pesquisadores, poderia servir ao propsito de pequena escala de se dar um

    primeiro olhar nas unidades sociais de pequena escala das sociedades primitivas,

    pareceu crescentemente inadequada quando o desenvolvimento poltico e

    econmico ocorreu nas antigas sociedades coloniais, e quando a ateno da

    pesquisa se voltou para as populaes locais dentro das sociedades complexas

    caracterizadas pela diversidade e estratificao em classe social, raa, lngua e

    cultura.

    Duas linhas de crtica emergiram que levam a etnografia tradicional seriamente

    tarefa pela inadequabilidade terica. A primeira a teoria Marxista e a teoria

    crtica neo-Marxista. A partir destas perspectivas a tendncia da etnografia em

    tomar uma posio de relativismo cultural e de ignorar as contradies internas

    nas vidas das pessoas estudadas vista como politicamente tola e irresponsvel,

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    fornecendo justificativa romntica para um status quo social por anlise que

    mascara a opresso do menos poderoso pelo mais poderoso. A segunda linha de

    crtica vem da teoria etnometodolgica em sociologia. Desta perspectiva atendncia da etnografia para enfatizar as regras culturais e a socializao como

    influencias principais sobre o comportamento vista como produzindo uma viso

    muito esttica da atuao contextualizada, subestimando a importncia da

    produo local e retratando a ao social mecanicamente como se os atores

    sociais no fossem fazedores de sentido ativos que tomam a ao

    adaptativamente, mas fossem autmatos que seguissem roteiros culturais pr-

    programados para comportamento apropriado.Estas so crticas srias, mas infelizmente s podem ser mencionadas aqui de

    passagem. Cada abordagem de pesquisa tem limites e fraqueza e cada uma tem

    foras e produes compensadoras. As principais produes da etnografia para a

    pesquisa sociolingstica esto na amplido de sua viso e em seu interesse em

    detalhes concretos de uso de linguagem em atuao contextualizada.

    Vamos revisar brevemente as produes da descrio etnogrfica que

    compensam por suas responsabilidades reconhecidas. A amplitude de viso daetnografia encontrada na perspectiva do holismo e no foco em comparao

    societria cruzada e cultural cruzada. Ela compartilha esta amplitude de viso,

    mostrada em uma manifestao de algum modo diferente, com a teoria Marxista e

    neo-Marxista. O interesse da etnografia no concreto est na preocupao por

    atividades de rotina que ocorrem naturalmente em indivduos especficos quando

    retratadas em descrio narrativa vvida ou em transcries de seu

    comportamento verbal e no verbal. Em comum com outras formas de pesquisa

    interpretativa, a etnografia v a interao social diria como um texto que seja

    multivocal e assim aberto a uma variedade de leituras. A etnografia,

    especialmente quando focaliza os modos menos estilizados de falar em atividades

    de fala, compartilha com o analista conversacional em etnometodologia um

    interesse no uso improvisado e adaptativo de padres culturais como recursos de

    produo em atuao contextualizada.

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    Em suma, o valor da descrio etnogrfica em sociolingstica pode ser maior

    quando combina seu interesse em amplitude e generalidade com seu interesse

    especfico concreto. Tal pesquisa nos ajuda a ver mais claramente as relaes deinfluncia mtua que se obtm que HYMES (1974, 29ff) chamou a interao da

    linguagem e vida social. A etnografia nos mostra esta interao social em relao

    com os modos especficos de falar. Ao fazer isto a boa etnografia faz uso

    deliberado de mtodos mltiplos de coleta de dados e de modos variados de

    descrio e anlise.

    4. RefernciasAGAR, Michael. The Professional stranger; An informal introduction to ethnography. Nova York:s.n., 1980.AKINASSO, F. Niyi; AJ IROTUTU, Cheryl Seabrook. Performance and ethnic style in job interviews.In: GUMPERZ, J . Language and Social Identity. Londres: s.n., 1982.BASSO, Keith. Potraits of Whiteman; Linguinstic play and cultural symbols among the WesternApache. Londres: s.n., 1979.BAUMAN, Richard; SHERZER, J oel (Org.) Explorations in the ethnography of speaking.Londres: s.n., 1974.BOGDAN, Robert D.; BIKLEN, Sari K. Qualitative research for education: An introduction totheory and methods. Boston: s.n., 1982.BOWEN, Eleanore Smith. Return to laughter. Nova York: s.n., 1964.BURKE, Kenneth.A grammar of motives. Los Angeles: s.n., 1969.CASSELL, J oan; WAX, Murray (Org.) Ethical Problems of Fieldwork. Special Issue of Social

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    Captulo 2

    EtnicidadeFrederick Erickson 2

    1. DefinioEtnicidade um termo cuja definio genrica. No emprego usual h uma

    considervel superposio entre os termos em ingls etnicidade, nacionalidade e

    raa (especialmente ao considerar o uso deste termo no sculo XIX e no incio do

    sculo XX) e a palavra alem Volk. H nveis etimolgicos para esta polissemia

    uma vez que o nome original grego no plural ethnoi se refere a tribos e naes

    no helnicas do mundo antigo (por exemplo, trcios, persas, egpcios). O

    ethnos foi um grupo que ocupou um territrio particular cujos membros

    partilhavam lngua e cultura distintas. No entendimento popular, etnicidade

    significa ainda uma cultura distinta dentro do grupo. Em um entendimento mais

    tcnico, cultura partilhada e estilo de linguagem distinto no so necessariamente

    atributos definidores de etnicidade.

    O termo etnicidade, correntemente adotado pelas cincias sociais, se refere uma

    coletividade na qual os integrantes so socialmente definidos em termos de

    descendncia (FRANCIS 1976,6). Portanto, status tnico atribudo e no

    alcanado. O status tnico tambm ecologicamente relacional no sentido de que

    o agregado tnico, enquanto grupo de interesse poltico baseado na

    descendncia, um grupo dentre outros, pertencente uma entidade poltica mais

    ampla, hoje normalmente chamada de nao-estado. Por isso, a ecologia poltica

    e cultural do grupo tnico fundamental para a prpria organizao interna, social,cultural e lingstica.

    2 - Esse texto traduzido com autorizao do autor, por Carmen Lcia Guimares de Mattos. Foioriginariamente publicado sob o ttulo Etninicity, In Sociolinguistics An International Handbookof the Science of Language and Society e editado por Herausgegeben von Ulrich Ammon, NorbertDittmar Klaus J . Mattheir, First Vol. Walter de Gruyter, Berlin. New York, pp. 91- 95, em 1987

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    A incluso de um grupo tnico, dentro de uma unidade social mais ampla pode

    ocorrer de diversas maneiras. O grupo tnico pode ser um conjunto de pessoas

    vindas de uma nao residindo em outra como minoridade imigrante, por exemplo,os turcos na Alemanha, molucanos na Holanda, italianos nos Estados Unidos e

    Austrlia. Entretanto, o grupo tnico no precisa ser necessariamente um grupo

    imigrante. Pode ser um conjunto de pessoas que, devido a deslocamentos

    histricos de fronteiras nacionais, so um grupo minoritrio em uma regio e

    majoritrio em outra regio (ex: suecos na Finlndia e na Sua, Pathans na ndiae no Afeganisto, mexicanos no estado do Novo Mxico, nos Estados Unidos e no

    estado de Sonora no Mxico). Nos pases em desenvolvimento, os grupos tribaisindgenas que formaram entidades polticas e territoriais distintas anteriormente ao

    perodo colonial, podem funcionar como grupos tnicos no estado-nao ps-

    colonial. Este processo de etnizao pela incluso em uma maior entidade poltica

    ocorreu, outrora, quando os imprios foram estabelecidos e, dentro dos quais, um

    ou mais grupos tnicos puderam constituir um estado cliente, (por exemplo:

    tchecos e eslovacos dentro do imprio Austro-Hngaro, judeus e fencios dentro

    da provncia da Palestina no Imprio Romano - HUNT & WALTER 1974). Devido a

    mudanas freqentes sofridas pelas fronteiras nacionais, ao surgimento do

    estado-nao e atual ubiqidade da migrao mundial, a diferenciao tnica

    caracteriza virtualmente toda a sociedade moderna.

    Os termos de auto-referncia usados pelos grupos tnicos imigrantes apontam

    para a prioridade de se estabelecer uma definio poltico-social a propsito da

    cultura comum como atributo definidor do status tnico. Entre os grupos

    imigrantes, uma categoria de identificao mais abrangente, como termo de auto-

    referncia, freqentemente substitui uma categoria de identificao mais

    especfica e local, que teve destaque no pas de origem. Neste sentido, diferenas

    regionais podem ser transferidas, como por exemplo, de imigrantes da Saxnia e

    Bavria nos Estados Unidos adotando o termo germano-americano como termo

    de auto-referncia e, imigrantes da Calbria, Siclia e Toscana chamando-se a si

    prprios de talo-americanos. Em ambos os casos, os imigrantes comearam a

    usar um termo de identificao nacional no seu novo pas, antes da unificao

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    poltica das regies em um nico estado-nao ter ocorrido em seu pas de

    origem. Esta relao entre definio poltica e membros de um grupo aponta para

    uma ocorrncia comum de diversidade cultural e lingstica dentro de umagregado de identificao tnica, como por exemplo, as diferenas dialticas entre

    italianos do norte e do sul que foram to grandes que nos casamentos entre

    calabreses e toscanos, o ingls passou a ser a lngua falada pelos cnjuges como

    uma lngua franca (ZORBAUGH 1929, 170).

    Tanto nos grupos tnicos imigrantes quanto nos grupos tnicos indgenas

    residentes, a relao entre a pertinncia a um grupo tnico e a pertinncia a um

    grupo lingstico e cultural uma questo em aberto. Pode-se esperar umavariao lingstica considervel dentro de um grupo tnico. (Na verdade o que

    pode ser mais surpreendente no a diferena cultural dentro de um agregado

    tnico, mas a sua similaridade cultural). Esta variao pode ocorrer em outras

    dimenses da identidade social, consideradas neste volume como, por exemplo,

    gnero, idade, gerao, classe social, bem como em funo da residncia e da

    infra-estrutura institucional. Populaes tnicas especficas diferem na extenso

    em que os membros do grupo tnico tendem a residir geograficamente prximos(como em vilas rurais etnicamente homogneas ou guetos urbanos) e tendem a

    altas propores de contato grupal dirio, devido especializao ocupacional

    tnica e participao freqente em organizaes etnicamente homogneas

    religiosas, educacionais fraternais e polticas.

    2. Etnicidade e Outros Componentes da Estrutura Social

    A chave para o entendimento da variao cultural dentro de um grupo pode estar

    em descobrir as rotinas dirias dos indivduos para determinar se as diferenassistemticas ocorrem entre, por exemplo, mulheres e homens de uma dada classe

    social nos seus contatos inter e intra-tnicos. A rotina a seqncia inteira de

    situaes sociais em que o indivduo durante sua vida diria encontra-se apenas

    com colegas de etnia da mesma classe social. Outro indivduo durante a rotina

    diria pode encontrar-se com pessoas de diferentes etnias e classe. Portanto, os

    dois indivduos experimentam rotineiramente ambientes distintos em termos de

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    fala. Ns podemos esperar que eles adquiram repertrios sociolingsticos

    distintos.

    As rotinas dirias enquanto ambientes de comunicao verbal podem variar, no

    apenas, do ponto de vista da quantidade de contato que ocorre com outras etnias,

    mas tambm, do tipo de contato por exemplo: h distines na poltica da

    diferena cultural e na diferena de linguagem ao longo das diversas situaes de

    contato, e estas podem influenciar no aparecimento de averso ou receptividade

    na adoo dos estilos dos outros. Por isso, a micropoltica de interao em

    situaes de contato intergrupal pode influenciar nos padres de aquisio e uso

    de uma amplitude maior de estilos sociolingsticos por membros de umacomunidade ou rede de fala dentro de um grupo tnico.

    Estas observaes foram constatadas por PIESTRUP (1973), em um estudo sobre

    crianas negras da classe trabalhadora em escolas. Ela estudou as crianas em

    dois diferentes tipos de salas de aula: no primeiro tipo, as crianas eram

    continuamente corrigidas por aquilo que a professora aparentemente considerava

    como erros em sua fala (por exemplo: os professores reagiram de forma negativa

    ao uso de caractersticas fonolgicas, sintticas e de discurso do ingls faladopelos negros); no segundo tipo de sala de aula, os professores no reagiram

    negativamente utilizao pelas crianas do ingls falado pelos negros.

    Curiosamente, nas salas do primeiro tipo, a fala das crianas negras se tornou

    cada vez mais fora do padro, conforme o ano escolar progredia, enquanto que

    nas salas de aula do segundo tipo (nas quais o uso do ingls falado por negros

    no foi de forma contnua considerado negativo) a fala das crianas se aproximou

    mais do padro de ingls conforme transcorria o ano letivo. No primeiro conjunto

    de salas de aula, o estilo da fala divergia entre o professor e os alunos, atravs de

    um processo no-deliberado de resistncia do aluno atravs do qual a cultura

    oposicionista estava se desenvolvendo ao longo do tempo. No segundo conjunto

    de salas de aula, no qual a diferena de estilo de fala no era motivo de conflito

    recorrente, a cultura oposicionista no se desenvolvia, pelo menos no como um

    fenmeno lingstico.

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    3. Auto-Apresentao e Identificao do Grupo.

    3.1. Fronteiras e Limites Culturais

    O caso de PIESTRUP pode ser entendido fazendo-se uma distino entre duas

    situaes diferentes da poltica de diferena cultural e lingstica entre grupos:

    situaes que envolvem fronteiras e situaes que envolvem limites. Uma fronteira

    cultural uma noo semelhante usada pelos dialetlogos. Pode ser dita

    existente, sempre que alguma diferena cultural regularmente identificvel est

    presente (por exemplo: as caractersticas - fonolgica, sinttica e de discurso -

    pelas quais o ingls falado por negros e o ingls padro podem ser distinguidos).

    Em contraste, um limite cultural existe quando a diferena cultural se transforma

    em base para a localizao diferenciada de direitos e obrigaes entre aqueles

    que esto em interao. Em um limite cultural, a diferena de cultura

    considerada como evidncia de uma categoria social superior ou inferior, ao longo

    das linhas de etnicidade, classe, gnero e tipo. Diferena cultural, neste tipo de

    situao, se transforma em motivo para dominao ou para conflito. Em contraste,

    na fronteira cultural a diferena de cultura, que est presente, pode ser

    politicamente neutra, pode ser conduzida de forma pragmtica ou mesmodesapercebida. No o que mais ressaltado na interao e no se transforma

    em reas de conflito (veja discusso em MCDERMOTT & GOSPODINOFF 1979,

    e em MCDERMOTT & TYLBOR 1983, que elabora a formulao original de Barth

    1969, 10-15).

    As descobertas de PIESTRUP que ilustram exemplarmente a distino entre

    fronteiras e limites, no so nicas. As descobertas lembram as de GILES &

    POWESLAND (1975) que observaram que quando o afeto negativo eraintroduzido, experimentalmente, nas conversaes entre oradores de diferentes

    dialetos regionais na Inglaterra, ao finalizarem a conversao, tinham aumentado

    os traos do dialeto, divergindo em seus estilos de fala, medida que a

    conversao progredia. Inversamente, se afeto positivo fosse experimentalmente

    introduzido, o estilo da fala dos dois interlocutores convergia. LABOV (1973)

    relatou que o dialeto de habitantes de Marthas Vineyard, uma ilha fora da costa

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    de Massachusetts, se tornou crescentemente divergente dos do ingls-padro

    atravs de uma gerao. Durante o mesmo tempo, veranistas que falavam o

    ingls padro estavam indo para a ilha em nmeros crescentes e comprandopropriedades l. Isto sugere que apesar dos habitantes da ilha estarem tendo um

    contato cada vez mais intenso com as pessoas que falavam o ingls padro, este

    contato se deu sob algumas circunstncias negativas. Os moradores da ilha

    pareciam demonstrar ambivalncia em relao aos veranistas que, ao mesmo

    tempo, eram fonte de benefcio econmico e razo para mudanas no modo de

    vida tradicional da ilha.

    3.2. Esquizomognese

    PIESTRUP e LABOV ressaltam o fenmeno de cultura oposicionista, neste caso o

    desenvolvimento progressivo de divergncia no estilo da fala entre os grupos.

    BATESON (1972, 107-127) inventou o termo esquizomognese para se referir ao

    processo de divergncia progressiva entre grupos. Auto-identificao pela

    demonstrao de traos culturais um fenmeno que se aplica no s ao estilo da

    fala e linguagem, como tambm a outros meios de auto-apresentao tais como

    as roupas, os hbitos alimentares, lei de comportamento do gnero. Este tipo de

    auto-apresentao se torna a marca de identificao do grupo. A identificao

    pode ir alm das linhas tnicas, por exemplo: algum pode se vestir de forma

    distinta como um jovem ou como um cosmopolita urbano, como um homossexual

    ou como um membro de um grupo religioso. Freqentemente o estilo da fala e

    outros aspectos do desempenho, como vestimentas e hbitos alimentares, podem

    encobrir os sinais distintivos de membros de um grupo; so redundantemente

    codificados atravs de diferentes canais de desempenho.BARTH (1969, 14-18) se refere codificao da identidade de grupo em termos

    de desempenho estilstico visvel e ou audvel como uma marca diacrtica de

    status. Portanto, o estilo da fala pode ser uma marca de identidade tnica assim

    como de outros tipos de identidade do grupo. A nfase e o significado simblico

    destas caractersticas de identidade lingstica (e a vontade dos indivduos

    mostrarem-se ou esconderem-se em situaes de contato intergrupal) variam de

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    acordo com a situao poltica do grupo de identidade em relao aos outros

    grupos na sociedade. A formulao de Barth til por focalizar a etnicidade como

    uma classe de identificao independente de cultura ou traos lingsticos comoatributos de definio.

    Esta teoria tem sido criticada por outros tericos no sentido de ser uma definio

    irrestrita, uma vez que, por sua extenso, pode adequar-se a uma vasta

    classificao de categorias de identidade, por exemplo: gnero, classe, orientao

    sexual. A questo de classe intrigante neste aspecto, uma vez que em

    sociedades estratificadas em classes, nas quais a mobilidade social de uma

    gerao para a prxima bastante improvvel, a classe social funciona como umgrupo de origem. Assim, nas sociedades altamente estratificadas em classes, as

    marcas de cultura e lingstica do status de classe podem ser consideradas

    anlogas quelas de etnicidade. Estas caractersticas de identidade tnica e de

    classe so reproduzidas de gerao para gerao (BOURDIEU & PASSERON

    1977) e so freqentemente tomadas como indicadoras de habilidade e motivao

    por aqueles que tomam decises institucionais que afetam a mobilidade de outros,

    por exemplo: os que fazem recrutamento e seleo para emprego, trabalhadoresligados sade e ao servio social, educadores. Estes julgamentos podem estar

    fortemente balizados por preconceitos tnicos e de classe, mascarados por uma

    ideologia de decises racionais e universalsticas dentro das quais as

    particularidades comportamentais caractersticas da identidade de grupo so

    interpretadas como indicadores de mrito individual (veja ERICKSON & SHULTZ

    1982, GUMPERZ 1982).

    4. Etnicidade e Confl ito Social

    Em situao na qual haja pequeno conflito entre os interesses de grupos tnicos e

    na qual as rotinas incluem freqentemente situaes de contato inter-tnico,

    considervel assimilao cultural e lingstica pode ser estabelecida ao longo das

    linhas tnicas, especialmente dentro do mesmo nvel de classe social. Isto pode

    ser especialmente notado nos Estados Unidos: em Boston, por exemplo, a classe

    trabalhadora de catlicos romanos talo-americanos e irlandeses-americanos

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    ambos falam um dialeto denominado em termos leigos de irlands de Boston.

    Trata-se de um registro de identificao religiosa e de classe social que generaliza

    grupos tnicos, um exemplo de solidariedade simbolizada entre descendentes deimigrantes catlicos, em contraste com a elite nativa de ingleses protestantes. Isto

    no significa que no possa haver competio econmica e distines residenciais

    traadas entre os talo-americanos e os irlandeses americanos, mas o registro

    lingstico fornece para ambos um smbolo de distino do chamado estilo cultural

    Branco Anglo-Saxo Protestante (BANSP) e White Anglo-Saxon Protestant-

    (WASP). Um fenmeno similar parece estar ocorrendo em Londres onde, apesar

    da intensa competio econmica entre a classe trabalhadora de afro-caribenhose a classe nativa de trabalhadores ingleses, os afro-caribenhos falam o mesmo

    estilo de ingls da classe branca de trabalhadores ingleses. Entretanto, em

    cidades dos Estados Unidos, afro-americanos falam o ingls dos negros, um

    dialeto ou um registro que difere do modo de falar da classe branca trabalhadora.

    Nas cidades americanas se constata que adolescentes hispnicos utilizam

    algumas caractersticas do ingls dos negros. O resultado que h uma

    linguagem de rua comum entre os jovens no anglos da classe trabalhadora.

    Parece que a assimilao do registro, sua manuteno e desenvolvimento de

    novos registros como cultura oposicionista esto relacionados presena ou

    ausncia de conflitos polticos entre os grupos. Estes relacionamentos no so

    simples como sugere o exemplo de ingls afro-caribenho de Londres. Neste caso,

    a cor da pele pode ser a marca mais relevante de identidade racial para londrinos

    brancos e negros e, conseqentemente, o estilo da fala no funciona como marca

    de identidade racial. Alguns se surpreendem porque este no o caso nos

    Estados Unidos onde a cor de pele funciona tambm como uma marca de

    identidade racial e onde h o conflito inter-racial e o estigma no menos intenso

    que o de Londres. Uma possibilidade pode ser a escala de tempo envolvida. A

    imigrao afro-caribenha em larga escala para Londres um fenmeno

    relativamente recente, enquanto que nos Estados Unidos, negros e brancos tm

    residido juntos por centenas de anos - o suficiente para a esquizomognese

    cultural desenvolver-se e espalhar-se considera