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Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi EU... ALFAIATE? Autor SANDRA MARIA CALAMITA LUCCHESI TÍTULO EU... ALFAIATE? VICENTE FARINA UMA HISTÓRIA DE VIDA Biografia/memórias

EU ALFAIATE? - perse.com.br€¦ · Em suas horas de lazer viajava para Santos onde possuía ... sua família e todas as outras pessoas que tiveram o prazer de conhecê-lo,

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Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

EU... ALFAIATE?

Autor

SANDRA MARIA CALAMITA LUCCHESI

TÍTULO

EU... ALFAIATE?

VICENTE FARINA – UMA HISTÓRIA DE VIDA

Biografia/memórias

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

Dedico este livro a Vicente Farina (in memoriam).

Ao Mestre

Ao Artista

Ao profissional

Ao avô querido que tanto queria ter visto suas anotações

serem publicadas, mas não conseguiu em vida.

Aos familiares que já se foram e aos que ficaram

Aos amigos

Aos Alfaiates, em geral, por seu zelo e dedicação à profissão.

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

IN MEMORIAM

Esse homem foi meu avô e foi com imensa alegria e

prazer que compilei e adaptei suas anotações transformando-

as em história, relatando os fatos, dando vida a eles,

identificando e mostrando os acontecimentos históricos da

época em São Paulo, no Brasil e no mundo.

A parte de sua história vivida conosco foi muito alegre.

Adorava seus netos, suas filhas, sua família, seus genros. Era

admirado por seus amigos e estava sempre rodeado por eles.

Após cessar suas atividades na alfaiataria, continuou a

transmitir seus conhecimentos ministrando cursos em vários

estados brasileiros.

Em suas horas de lazer viajava para Santos onde possuía

um apartamento e participava de pescarias com seus amigos.

Em nossas férias íamos com ele à praia e passeávamos muito.

Gostava muito de jogar “Buraco” com os genros e com alguns

vizinhos conhecidos. Eram tardes divertidas para ele e para

nós, que espiávamos de longe e achávamos graça dos rostos

não muito alegres das duplas que perdiam.

Lembro-me perfeitamente quando nos contava histórias de

príncipes e princesas, sentado em sua cadeira, com sua voz

pausada de sotaque italiano... Era bom demais.

Almoçávamos com ele todos os domingos. Para ele e para

minha avó Irma era uma festa ver reunida a família: tia Wilma

(a Mima), tio Carlos (Carlito), as primas Sonia e Célia, minha

mãe Wanda, meu pai Nilson, eu (Sandra), minha irmã Cecília

e meu irmão Nilsinho. Era realmente uma festa. Jamais vou

esquecer as macarronadas, os pastéis de carne e as

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

sobremesas! Anos depois mais um neto nasceu e foi esse neto,

Flávio, quem mais aproveitou a companhia do avô nas férias

em Santos, pois os outros já estavam mais adultos, estudando

ou namorando.

Um de seus prazeres favoritos era uma “boa comida”!

Degustava com calma cada prato demonstrando o quanto

apreciava o que estava comendo. Lembro-me de uma cena na

qual ele lambia cada ossinho de um belíssimo cabrito feito

pela vovó Irma. Nesse sentido podia considerar-se um homem

privilegiado, pois minha avó cozinhava maravilhosamente

bem.

Todas as lembranças que tenho dele são de momentos

alegres e felizes. Era um homem cuja simpatia agradava a

todos. Sua vida de sucesso jamais o corrompeu. Veio do nada,

mas cresceu em seu trabalho abrilhantado pelo seu talento

inato e sua indiscutível inteligência.

Ensinou a muitos e fez de suas obras o prazer de muitos.

Elegância e perfeição: seu escopo de vida. Esse propósito de

ser perfeito o levou a ser um dos maiores alfaiates da época.

Deus lhe deu de presente o talento como um dom precioso

que ele soube aproveitar como ninguém.

Mesmo em idade avançada nunca deixou de vestir-se bem,

o que causava a admiração de todos...

É uma pena que um talento não possa ser eterno...

Viveu quase o século inteiro, até 1991. Vivenciou e

presenciou os acontecimentos da época. E pelo que foi em

vida, deve ser considerado importante protagonista da história

de nosso país por ter influenciado a moda, vestindo com

elegância príncipes, ministros, governadores etc., também

“fazedores” da história do Brasil.

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

Embora “in memoriam” é hora de homenageá-lo mais

uma vez com este livro. Vicente Farina tinha orgulho de

contar seus feitos! Nós, que tivemos a felicidade de sermos

sua família e todas as outras pessoas que tiveram o prazer de

conhecê-lo, agradecemos ao “Mestre Farina” por ter existido!

Aos 92 anos, no dia 29 de maio de 1991 ele nos deixou. Numa

linda manhã sentindo-se um pouco fatigado avisou que iria

descansar um pouco antes do almoço. E assim o fez e

silenciosamente partiu...

Como um pequeno pássaro, o sopro de uma vida de

glórias alçou voo... Um final digno do homem que foi...

Deixou saudades, mas também muita lição a ser aprendida e

um legado de valor inestimável para aqueles que tiveram a

sorte de trabalhar e viver com ele!

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

HINO DOS ALFAIATES

Letra: Garcia Redondo

Música: Angelo Antonelo

I

Os mestres da elegância Masculina

Reunidos em solene convenção

Entoando uma loa cristalina

Exaltam sua nobre profissão

II

Valorosos artistas do progresso

Dia e noite labutam sem cessar

A carregar no peito o ideal impresso

Da perfeição que buscam conquistar

III

Unidos companheiros, neste embate

Haveremos por certo de vencer

Pois a glória suprema do alfaiate

É trabalhar sem nunca esmorecer

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

INTRODUÇÃO

Vicente Buonocuore Farina foi um famoso alfaiate da

década de 20, responsável pela elegância de da alta sociedade

da época.

Descendente de imigrantes italianos teve uma infância

difícil. Seu talento através dos anos foi surgindo e superando

até mesmo suas próprias expectativas.

Premiado por suas confecções de luxo tornou-se “o

exclusivo” da moda masculina. Foi um homem que não

frequentou escolas, mas era chamado de professor. Ele

próprio, muito pouco erudito – mal terminou o curso primário

– preocupou-se com o ensino, com o Saber. Criou o Curso de

Costura do SENAI, em São Paulo, recebeu diplomas de

Honra, A Grande Cruz do Mérito (1934), medalhas de Ouro

(1938), foi um dos fundadores da União dos Alfaiates e um

dos grandes destaques do XI Congresso Nacional dos

Alfaiates em 1978, em Porto Alegre, quando defendeu a

necessidade de ensino para a sua classe.

Foi consultor da universidade do Paraná durante a

implantação do Curso Superior de Alfaiate. Foi ainda o

criador do “Método Farina”, desenvolvido através de técnicas

e instrumentos feitos por ele mesmo.

Sem nenhum conhecimento acadêmico teórico-e artista

precisa?- O “professor Farina” elaborou e deu cursos para

alfaiates sobre “tecnologia de costura, fisiologia das

articulações dos membros do corpo humano”, inventou um

quadro demonstrativo das “proporções das medidas de altura

e circunferência do corpo humano” entre outras coisas. Com

incrível desenvoltura discorria sobre esses assuntos em suas

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

palestras como um verdadeiro professor letrado! Intuição

pura... Arte no sangue!

Presenciou e até vivenciou fatos históricos da época e teve

como seus clientes grandes figuras como o Príncipe D. Pedro

Gastão de Orleans e Bragança, o Príncipe Della Torre Tasso,

o Príncipe François de Tour de Auxerne, nomes como

Matarazzo, Ademar de Barros, Pedroso Horta, Carmem e

Aurora Miranda e artistas como o tenor italiano Tito Schippa,

a atriz de cinema Catherine Boratto.

Todos os prêmios que recebeu são a prova de seu mérito e

seu roteiro de vida foi coroado de sucessos.

Ele mesmo fez questão de contar o que vivenciou, fatos

pitorescos de sua vida profissional e pessoal, ambientados na

São Paulo dos anos 20. Escreveu de próprio punho, anotações

em um caderno o qual entregou à sua neta para correção

visando sua publicação um dia. Mas não conseguiu seu

intento, pois foram escritas já em idade avançada.

A história brasileira, com certeza, ganhou mais um ilustre

personagem, um “virtuose” da moda, um mestre da elegância,

um grande artista!

Hoje Vicente Farina estaria feliz de ver reproduzida em livro

a sua vida. Um sonho que, mesmo in memoriam, vai

conseguir alegrar seu grande coração que permanece vivo na

memória de todos aqueles que o conheceram.

Parabéns Vicente Farina, parabéns vovô.

A autora

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

EU

Nasci no século dezenove, no dia 04 de Abril de 1899, na

Rua Cunha Horta, Vila Buarque e fui registrado aos 14 de

maio do mesmo ano como Vicente Buonocuore Farina. Em

1907 passamos a morar na Rua Carneiro Leão, bairro do Brás.

A Rua Carneiro Leão foi uma rua que fez muitas pessoas

felizes, tanto crianças quanto adultos. Era acolhedora,

simples, e lá havia muitos espanhóis e italianos. Era uma

festa. Nas imediações do Brás existiam várias chácaras onde

residiam famílias ricas da época. O desenvolvimento do bairro

foi lento, até que veio a cultura do café e com ela os

imigrantes. A Hospedaria dos Imigrantes ficava (e fica) no

Brás. Assim que os imigrantes desembarcavam em Santos

eram levados - de trem - até o Brás, de onde partiam para as

lavouras, de café no interior do Estado. Mas muitos

imigrantes preferiam ficar na capital, o que transformou o

bairro num local onde a influência italiana se fez sentir de

maneira decisiva. Os italianos começaram a montar suas

pequenas fábricas, e o progresso chegou depressa. Em 1886 o

Brás tinha seis mil habitantes, e em sete anos esse numero

aumentou cinco vezes mais. Claro, a grande maioria era de

italianos - o bairro era uma pequena Itália.

A casa em que morávamos, eu, meu pai, minha mãe e meu

irmão era geminada, dois janelões, uma porta no centro que

abria diretamente para a rua. Não possuía jardim na frente,

mas no fundo, num pequeno quintal de terra, uma

jabuticabeira era a nossa alegria, principalmente quando as

deliciosas frutinhas pretas apareciam no tronco! Entretanto

gostávamos mesmo era brincar na rua. Meu irmão gostava

menos do que eu.

Como era bom brincar na rua! As crianças da vizinhança,

quase todos os dias, reuniam-se para jogar bola ou jogar com

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

as bolinhas de vidro apostando um doce ou um refresco que

alguma das mães preparava com alegria.

Algumas vezes passeávamos juntos, em grupos, para

bisbilhotar pelos cortiços da região! Era uma aventura entrar

por aqueles corredores sinuosos, cheios de roupas penduradas,

mulheres lavando roupa num tanque comum, bacias no chão

escorregadio de tanto sabão... Era comum presenciarmos

alguém brigando por causa de um filho que quebrou algo do

vizinho ou então por um lugar nos varais também comuns do

pátio central! Gente falando alto, cheiros diversos de comida,

corredores estreitos e úmidos, gente demais de todas as

nacionalidades, principalmente italianos e espanhóis.

Adorávamos bisbilhotar as festas que faziam. Cada

família participava com comidas, bebidas e muita música. Era

a “bisbilhotice” preferida de meu irmão, pois ele adorava

música. Ficava horas ouvindo até que minha mãe ou meu pai

fosse buscá-lo debaixo de gritos e alguns tapas na orelha! Que

época maravilhosa! Não tinha a mínima noção do que iria

escolher como profissão e nem no que iria me tornar um dia!

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

A FAMÍLIA

Minha família era composta de quatro pessoas: meu pai

Luigi Farina, minha mãe Immaculada Buonocuore Farina,

meu irmão Geraldo e eu, Vicente. Meus pais eram de

nacionalidade italiana, imigrantes vindos da província de

Nocera, napolitanos da baixa Itália. Eu e meu irmão nascemos

no Brasil, em São Paulo, mas era como se tivéssemos nascido

na Itália, pois o idioma de nosso dia a dia era o napolitano

castiço. O meu sotaque permaneceu e, já adulto, muitas

pessoas achavam que eu era de nacionalidade italiana!

Meu pai era um homem bom, de estatura média, aspecto

típico do imigrante italiano, trabalhador incansável. Era

“calceteiro”, como era chamado na época aquele que fazia o

calçamento de ruas com os paralelepípedos. Seu sotaque era

muito carregado, sua personalidade era forte e austera. Era

honesto e responsável, exigente e severo com os filhos. Minha

mãe, sua esposa e companheira era a sua vida!...Nas suas

horas de lazer dedicava toda a sua atenção a ela tocando em

seu velho bandolim italiano músicas típicas da Itália para

matar a saudade...

Minha mãe era uma pequena mulher, forte, severa, mas de

coração aberto, sempre pronta a ajudar quem lhe pedisse

auxílio. Sua personalidade firme era própria das mães

italianas que carregam em seu destino a responsabilidade da

casa, marido e filhos e que submissas realizam suas tarefas

sem queixas. Era muito disciplinada. Preocupava-se

principalmente em fazer com que estudássemos para que no

futuro pudéssemos ter uma profissão digna e por isso

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

policiava nossas “andanças” e brincadeiras pelas ruas. Era

meiga, mas ao mesmo tempo poderia mudar seu

comportamento para uma braveza extrema se fosse

contrariada quando exigia de nós obediência às suas ordens!

Meu irmão Geraldo gostava de música. Sempre que podia

apoderava-se literalmente do velho bandolim de meu pai e

passava horas dedilhando notas e notas até que minha mãe, já

sem paciência, gritava por seu nome chamando-o para

estudar! Ele obedecia relutando, afirmando que seu futuro

estava na música, mas minha mãe fingia não ouvir fazendo-o

sentar em frente aos seus cadernos exigindo com firmeza que

fizesse seus deveres.

Ela e meu pai pouco podiam ajudar, pois tinham tido

muito pouco ou quase nenhum estudo. E eu, o “italianinho”

como era chamado, só pensava em brincar. Gostava de brincar

na rua, andar de bicicleta como todos os meninos e de passear,

pois era irrequieto. Minha bicicleta de ferro era o meu

brinquedo preferido. Não tinha muitos.

Meu pai mal ganhava para o sustento da família e não

podia dar-se ao luxo de dar-me brinquedos caros. Tinha um

pião, bolinhas de vidro e um papagaio de papel que era

substituído sempre que rasgava ou se perdia. Como meu

irmão, também relutava quando era chamado por minha mãe a

fazer meus deveres escolares e quando fazia era pensando em

acabar logo para poder brincar com meus amigos na rua!...

Perdi a noção de quantas vezes fiquei de castigo por causa

dessa minha mania... Minha mãe nunca perdoou nenhuma vez

mantendo-me varias horas fechado no quarto, podendo sair

somente alguns minutos para ir ao banheiro e se eu insistisse

em contrariá-la acabava levando uma surra!

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

Fui colocado por meu pai numa escola italiana, a

princípio, para manter a tradição. Meu professor chamava-se

Giovanni Batista. A sala de aula só comportava vinte alunos,

logicamente todos filhos de italianos. Fiquei nessa escola até

o terceiro ano, pois o professor, por motivo de doença, parou

de lecionar. Devo confessar que o que aprendi foi muito útil,

pois passei a falar corretamente a língua italiana. Entretanto

mais tarde senti muita dificuldade em aprender a língua de

meu país! Está claro que se inicialmente eu tivesse

frequentado uma escola brasileira não teria adquirido o

sotaque de um italiano radicado no Brasil!

A escola brasileira ficava no bairro, na Rua Monsenhor

Anacleto. A professora era uma senhora magra, de olhar

penetrante, severa. Ao invés de me chamar pelo nome

chamava-me de “italianinho” e os alunos, por sua vez,

chamavam-me de “italianinho barato”!

Um dia, na hora do recreio, perdi a paciência e dei uma

“sova” em dois deles. Os outros então me cercaram e me

surraram até eu pedir socorro! A professora veio correndo,

nos apartou indagando quem era o autor da briga. Todos

apontaram em minha direção! Sem pestanejar ela me fez ficar

duas horas em pé, com o nariz sangrando e quando fui para

casa, com o nariz inchado, ainda apanhei de minha mãe por

ter brigado na escola! Não me acariciou. Ela sabia que eu era

irrequieto e briguento! Era, de fato, briguento, mas só quando

era provocado! Meu pai, sabedor desse incidente, retirou-me

da escola e me fez estudar em casa. E meu irmão também.

Colocava um cinto em cima da mesa para evitar brigas e,

quando podia, ele mesmo ficava assistindo as lições de braços

cruzados. Quando não podia, minha mãe assumia o posto, o

que era bem pior!

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

MINHA CASA

Embora não muito confortável, minha casa era agradável.

Foi muito bom morar naquela casa na qual vivi a maior parte

de minha infância... Meu pai conseguiu comprá-la com

algumas economias e por uma pechincha.

Lembro-me ainda das noites quentes de verão, das janelas

escancaradas e de meu pai e minha mãe colocando suas

cadeiras na calçada para aproveitar a brisa da noite e

conversar sobre o que havia acontecido durante o dia.

Enquanto eu também aproveitava a brisa e brincava com

as minhas bolinhas de vidro, meu irmão Geraldo dedilhava as

famigeradas notas no bandolim de meu pai. Anos mais tarde

Geraldo resolveu dedicar-se a finalmente a estudar música.

Meu pai não ganhava muito, mas nossa mesa era farta:

presuntos, sopressata (espécie de salame), queijo parmesão,

provolones, latas de anchovas e vinhos estrangeiros (era

comum, na época, que esses produtos viessem do estrangeiro).

O ambiente familiar não era nem alegre nem triste. O dia

era sempre de muito trabalho para meu e pai e minha mãe e à

noite, mesmo cansados, ainda conversavam um pouco sobre a

vida e algumas vezes recordavam-se de sua terra natal com

certa melancolia, própria dos imigrantes... Nesses momentos,

era inevitável que uma lágrima escondida escapasse dos olhos

de ambos...

Para nós, crianças, tudo era brincadeira e em nossa

despreocupação deixávamos o tempo rolar como uma bola

ladeira abaixo.

Nossas roupas eram simples e quase sempre reformadas:

uma camisa de meu pai se transformava em blusa para mim

ou para Geraldo, uma calça também podia transformar-se em

roupas para nós. Era uma festa quando dava para comprar

algo novo e isso só acontecia nos aniversários ou no Natal.

Nossos brinquedos também eram simples e poucos. Meu

maior desejo era possuir uma bicicletinha de ferro de três

Autora: Sandra Maria Calamita Lucchesi

rodas. Todos os meninos possuíam uma além de outros

brinquedos como: patins, espingardinha, patinete, etc., que me

deixavam com água na boca...

O dinheiro que meu pai ganhava não dava para luxos

extras como brinquedos caros. Ele era pedreiro, construtor,

calceteiro de ruas. Fazia um pouco de tudo, inclusive locação

de guias para divisão de ajardinamento. Nos três anos

seguintes, mais ou menos por 1910, as coisas melhoraram,

pois passou a empreitar vários serviços. Fez o calçamento de

paralelepípedos da maior parte das ruas do bairro do Ipiranga,

calçou o Anhangabaú e redondezas. Fez o ajardinamento de

guias do Parque D. Pedro e também a reforma das calçadas do

Viaduto do Chá que persistiu até a inauguração do novo

Viaduto. Consegui ganhar minha bicicleta então.