71
www.nead.unama.br 1 Universidade da Amazônia Eu de Augusto dos Anjos NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Av. Alcindo Cacela, 287 – Umarizal CEP: 66060-902 Belém – Pará Fones: (91) 4009-3196 /4009-3197 www.nead.unama.br E-mail: [email protected] nead N ú c l e o d e E d u c a ç ã o a Distância

Eu - Augusto Dos Anjos

Embed Size (px)

DESCRIPTION

literatura

Citation preview

  • www.nead.unama.br

    1

    Universidade da Amaznia

    Eu

    de Augusto dos Anjos

    NEAD NCLEO DE EDUCAO A DISTNCIA Av. Alcindo Cacela, 287 Umarizal

    CEP: 66060-902 Belm Par

    Fones: (91) 4009-3196 /4009-3197 www.nead.unama.br

    E-mail: [email protected]

    n e a d

    N c l e o d e E d u c a oa D i s t n c i a

  • www.nead.unama.br

    2

    Eu de Augusto dos Anjos

    MONLOGO DE UMA SOMBRA

    Sou uma Sombra! Venho de outras eras, Do cosmopolitismo das moneras... Plipo de recnditas reentrncias, Larva de caos tel rico, procedo

    Da escurido do csmico segredo, Da substncia de todas as substncias!

    A simbiose das coisas me equilibra.

    Em minha ignota mnada, ampla, vibra A alma dos movimentos rotatrios...

    E de mim que decorrem, simultneas A sade das foras subterrneas E a morbidez dos seres ilusrios!

    Pairando acima dos mundanos tetos, No conheo o acidente da Senectus

    Esta universitria sanguessuga Que produz, sem dispndio algum de vrus,

    O amarelecimento do papirus E a misria anatmica da ruga!

    Na existncia social, possuo uma arma

    O metafisicismo de Abidarma E trago, sem bramnicas tesouras,

    Como um dorso de azmola passiva, A solidariedade subjetiva

    De todas as espcies sofredoras.

    Com um pouco de saliva quotidiana Mostro meu nojo Natu reza Humana. A podrido me serve de Evangelho...

    Amo o esterco, os resduos ruins dos quiosques E o animal inferior que urra nos bosques

    com certeza meu irmo mais velho!

    Tal qual quem para o prprio tmulo olha, Amarguradamente se me antolha,

    luz do americano plenilnio, Na alma crepuscular de minha raa

    Como uma vocao para a Desgraa E um tropismo ancestral para o Infortnio.

    Ai vem sujo, a coar chagas plebias,

  • www.nead.unama.br

    3

    Trazendo no deserto das idias O desespero endmico do inferno,

    Com a cara hirta, tatuada de fuligens, Esse mineiro doido das origens,

    Que se chama o Filsofo Moderno!

    Quis compreender, quebrando estreis normas, A vida fenomnica das Formas,

    Que, iguais a fogos passageiros, luzem... E apenas encontrou na idia gasta, O horror dessa mecnica nefasta, A que todas as coisas se reduzem!

    E ho de ach-lo, amanh, bestas agrestes,

    Sobre a esteira sarcfaga das pestes A mostrar, j nos ltimos momentos,

    Como quem se submete a uma charqueada, Ao claro tropical da luz danada,

    O esplio dos seus dedos peonhentos.

    Tal a finalidade dos estames! Mas ele viver, rotos os liames

    Dessa estranguladora lei que aperta Todos os agregados perecveis,

    Nas eterizaes indefinveis Da energia intra-atmica liberta!

    Ser calor, causa biqua de gozo, Raio1 X, magnetismo misterioso, Quimiotaxia, ondulao area,

    Fonte de repulses e de prazeres, Sonoridade potencial dos seres, Estrangulada dentro da matria!

    E o que ele foi: clavculas, abdmen,

    O corao, a boca, em sntese, o Homem, Engrenagem de vsceras vulgares

    Os dedos carregados de peonha, Tudo coube na lgica medonha

    Dos apodrecimentos musculares!

    A desarrumao dos intestinos Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos Dentro daquela massa que o hmus come,

    Numa glutoneria hedionda, brincam, Como as cadelas que as dentuas trincam

    No espasmo fisiolgico da fome.

    uma trgica festa emocionante! 1 Conforme o texto-base. A forma adequada seria Raios.

  • www.nead.unama.br

    4

    A bacteriologia inventariante Toma conta do corpo que apodrece...

    E at os membros da famlia engulham, Vendo as larvas malignas que se embrulham

    No cadver malso, fazendo um s.

    E foi ento para isto que esse doudo Estragou o vibrtil plasma todo,

    guisa de um faquir, pelos cenbios?!... Num suicdio graduado, consumir-se,

    E aps tantas viglias, reduzir-se herana miservel dos micrbios!

    Estoutro agora o stiro peralta

    Que o sensualismo sodomista exalta, Nutrindo sua infmia a leite e a trigo... Como que, em suas clulas vilssimas,

    H estratificaes requintadssimas De uma animalidade sem castigo.

    Brancas bacantes bbedas o beijam.

    Suas artrias hrcicas latejam, Sentindo o odor das carnaes abstmias,

    E noite, vai gozar, brio de vcio, No sombrio bazar do meretrcio, O cuspo afrodisaco das fmeas.

    No horror de sua anmala nevrose, Toda a sensualidade da simbiose,

    Uivando, noite, em lbricos arroubos, Corno no babilnico sansara,

    Lembra a fome incoercvel que escancara A mucosa carnvora dos lobos.

    Sfrego, o monstro as vtimas aguarda.

    Negra paixo congnita, bastarda, Do seu zooplasma ofdico resulta...

    E explode, igual luz que o ar acomete, Com a veemncia mavrtica do ariete2

    E os arremessos de uma catapulta.

    Mas muitas vezes, quando a noite avana, Hirto, observa atravs a tnue trana Dos filamentos fludicos de um halo A destra descarnada de um duende,

    Que, tateando nas tnebras, se estende Dentro da noite m, para agarr-lo! Cresce-lhe a intraceflica tortura, E de sualma na caverna escura,

    2 Preferiu o poeta manter o ditongo em razo da rima. A forma adequada seria arete.

  • www.nead.unama.br

    5

    Fazendo ultra-epilticos esforos, Acorda, com os candeeiros apagados,

    Numa coreografia de danados, A famlia alarmada dos remorsos.

    o despertar de um povo subterrneo!

    a fauna caverncola do crnio Macbeths da patolgica viglia,

    Mostrando, em rembrandtescas telas vrias, As incestuosidades sanguinrias Que ele tem praticado na famlia.

    As alucinaes tactis3 pululam.

    Sente que megatrios o estrangulam... A asa negra das moscas o horroriza;

    E autopsiando a amarssima existncia Encontra um cancro assduo na conscincia

    E trs manchas de sangue na camisa!

    Mngua-se o combustvel da lanterna E a conscincia do stiro se inferna,

    Reconhecendo, bbedo de sono, Na prpria nsia dionsica do gozo,

    Essa necessidade de horroroso, Que talvez propriedade do carbono!

    Ah! Dentro de toda a alma existe a prova De que a dor como um dartro se renova, Quando o prazer barbaramente a ataca... Assim tambm, observa a cincia crua,

    Dentro da elipse ignvoma da lua A realidade de uma esfera opaca.

    Somente a Arte, esculpindo a humana mgoa,

    Abranda as rochas rgidas, torna gua Todo o fogo telrico profundo

    E reduz, sem que, entanto, a desintegre, condio de uma plancie alegre, A aspereza orogrfica do mundo!

    Provo desta maneira ao mundo odiento Pelas grandes razes do sentimento,

    Sem os mtodos da abstrusa cincia fria E os troves gritadores da dialtica,

    Que a mais alta expresso da dor esttica Consiste essencialmente na alegria.

    Continua o martrio das criaturas:

    O homicdio nas vielas mais escuras, 3 O autor preferiu esta forma oxtona provavelmente por causa da assonncia no verso.

  • www.nead.unama.br

    6

    O ferido que a hostil gleba atra escarva, O ltimo solilquio dos suicidas E eu sinto a dor de todas essas vidas

    Em minha vida annima de larva!

    Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes vocbulos, Da luz da lua aos plidos venbulos,

    Na nsia de um nervosssimo entusiasmo, Julgava ouvir montonas corujas Executando, entre caveiras sujas,

    A orquestra arrepiadora4 do sarcasmo!

    Era a elgia5 pantesta do Universo, Na podrido do sangue humano imerso,

    Prostitudo talvez, em suas bases... Era a cano da Natureza exausta, Chorando e rindo na ironia infausta

    Da incoerncia infernal daquelas frases.

    E o turbilho de tais fonemas acres Trovejando grandloquos massacres,

    H de ferir-me as auditivas portas, At que minha efmera cabea

    Reverta quietao da treva espessa E palidez das fotosferas mortas!

    AGONIA DE UM FILSOFO

    Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto Rig-Veda. E, ante obras tais, me no consolo...

    O Inconsciente me assombra e eu nele rolo Com a elica fria do harma t inquieto! Assisto agora morte de um inseto...!

    Ah! Todos os fenmenos do solo Parecem realizar de plo a plo

    O ideal de Anaximandro de Mileto!

    No hiertico arepago6 heterogneo Das idias, percorro como um gnio

    Desde a alma de Haeckel alma cenobial!...

    Rasgo dos mundos o velrio espesso; E em tudo, igual a Goethe, reconheo

    O imprio da substncia universal!

    4 Na edio de base consta arripiadora. 5 O poeta usou a forma elgia para manter o ditongo, preservando o decasslado forado. 6 No texto de base consta areopago

  • www.nead.unama.br

    7

    O MORCEGO

    Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:

    Na bruta ardncia orgnica da sede, Morde-me a goela gneo e escaldante molho.

    Vou mandar levantar outra parede...

    Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,

    Circularmente sobre a minha rede!

    Pego de um pau. Esforos fao. Chego A toc-lo. Minhalma se concentra.

    Que ventre produziu to feio parto?!

    A Conscincia Humana este morcego! Por mais que a gente faa, noite, ele entra

    Imperceptivelmente em nosso quarto!

    PSICOLOGIA DE UM VENCIDO

    Eu, filho do carbono e do amonaco, Monstro de escurido e rutilncia,

    Sofro, desde a epignese da infncia, A influncia m dos signos do zodaco.

    Profundissimamente hipocondraco,

    Este ambiente me causa repugnncia... Sobe-me boca uma nsia anloga nsia

    Que se escapa da boca de um cardaco.

    J o verme este operrio das runas Que o sangue podre das carnificinas

    Come, e vida em geral declara guerra,

    Anda a espreitar meus olhos para ro-los, E h de deixar-me apenas os cabelos,

    Na frialdade inorgnica da terra!

    A IDIA

    De onde ela vem?! De que matria bruta Vem essa luz que sobre as nebulosas Cai de incgnitas criptas misteriosas Como as estalactites duma gruta?!

    Vem da psicogentica e alta luta

  • www.nead.unama.br

    8

    Do feixe de molculas nervosas, Que, em desintegraes maravilhosas,

    Delibera, e depois, quer e executa!

    Vem do encfalo absconso que a constringe, Chega em seguida s cordas do laringe,

    Tsica, tnue, mnima, raqutica... Quebra a fora centrpeta que a amarra, Mas, de repente, e quase morta, esbarra

    No molambo7 da lngua paraltica! Mulambo, na edio de base.

    O LZARO DA PTRIA

    Filho podre de antigos Goitacases, Em qualquer parte onde a cabea ponha,

    Deixa circunferncias de peonha, Marcas oriundas de lceras e antrazes.

    Todos os cinocfalos vorazes

    Cheiram seu corpo. noite, quando sonha, Sente no trax a presso medonha

    Do bruto embate frreo das tenazes.

    Mostra aos montes e aos rgidos rochedos A hedionda elefantase dos dedos...

    H um cansao no Cosmos... Anoitece.

    Riem as meretrizes no Casino, E o Lzaro caminha em seu destino

    Para um fim que ele mesmo desconhece!

    IDEALIZAO DA HUMANIDADE FUTURA

    Rugia nos meus centros cerebrais A multido dos sculos futuros

    Homens que a herana de mpetos impuros Tornara etnicamente irracionais!

    No sei que livro, em letras garrafais,

    Meus olhos liam! No hmus dos monturos, Realizavam-se os partos mais obscuros,

    Dentre as genealogias animais!

    Como quem esmigalha protozorios Meti todos os dedos mercenrios

    Na conscincia daquela multido... 7 Mulambo, na edio de base.

  • www.nead.unama.br

    9

    E, em vez de achar a luz que os Cus inflama, Somente achei molculas de lama E a mosca alegre da putrefao!

    SONETO

    Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos

    2 fevereiro 1911.

    Agregado infeliz de sangue e cal, Fruto rubro de carne agonizante, Filho da grande fora fecundante

    De minha brnzea trama neuronial,

    Que poder embriolgico fatal Destruiu, com a sinergia de um gigante,

    Em tua morfognese de infante A minha morfognese ancestral?!

    Poro de minha plsmica substncia,

    Em que lugar irs passar a infncia, Tragicamente annimo, a feder?...

    Ah! Possas tu dormir feto esquecido,

    Panteisticamente dissolvido Na noumenalidade do NO SER!

    VERSOS A UM CO

    Que fora pde, adstrita a embries informes, Tua garganta estpida arrancar

    Do segredo da clula ovular Para latir nas solides enormes?!

    Esta obnxia inconscincia, em que tu dormes,

    Suficientssima para provar A incgnita alma, avoenga e elementar Dos teus antepassados vermiformes.

    Co! Alma de inferior rapsodo errante!

    Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a A escala dos latidos ancestrais...

    E ir assim, pelos sculos, adiante, Latindo a esquisitssima prosdia

    Da angstia hereditria dos teus pais!

  • www.nead.unama.br

    10

    O DEUS-VERME

    Fator universal do transformismo, Filho da teleolgica matria,

    Na superabundncia ou na misria, Verme o seu nome obscuro de batismo.

    Jamais emprega o acrrimo exorcismo

    Em sua diria ocupao funrea, E vive em contubrnio com a bactria, Livre das roupas do antropomorfismo.

    Almoa a podrido das drupas agras, Janta hidrpicos, ri vsceras magras E dos defuntos novos incha a mo...

    Ah! Para ele que a carne podre fica,

    E no inventrio da matria rica Cabe aos seus filhos a maior poro!

    DEBAIXO DO TAMARINDO

    No tempo de meu Pai, sob estes galhos, Como uma vela fnebre de cera,

    Chorei bilhes de vezes com a canseira De inexorabilssimos trabalhos!

    Hoje, esta rvore, de amplos agasalhos,

    Guarda, como uma caixa derradeira, O passado da Flora Brasileira

    E a paleontologia dos Carvalhos!

    Quando pararem todos os relgios De minha vida, e a voz dos necrolgios

    Gritar nos noticirios que eu morri,

    Voltando ptria da homogeneidade, Abraada com a prpria Eternidade A minha sombra h de ficar aqui!

    AS CISMAS DO DESTINO I

    Recife. Ponte Buarque de Macedo. Eu, indo em direo casa do Agra,

    Assombrado com a minha sombra magra, Pensava no Destino, e tinha medo!

  • www.nead.unama.br

    11

    Na austera abbada alta o fsforo alvo

    Das estrelas luzia... O calamento Sxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento, Copiava a polidez de um crnio calvo.

    Lembro-me bem. A ponte era comprida,

    E a minha sombra enorme enchia a ponte. Como uma pele de rinoceronte

    Estendida por toda a minha vida!

    A noite fecundava o ovo dos vcios Animais. Do carvo da treva imensa

    Caa um ar danado de doena Sobre a cara geral dos edifcios!

    Tal uma horda feroz de ces famintos, Atravessando uma estao deserta,

    Uivava dentro do eu, com a boca aberta, A matilha espantada dos instintos!

    Era como se, na alma da cidade, Profundamente lbrica e revolta,

    Mostrando as carnes, uma besta solta Soltasse o berro da animalidade.

    E aprofundando o raciocnio obscuro, Eu vi, ento, luz de ureos reflexos,

    O trabalho gensico dos sexos, Fazendo noite os homens do Futuro.

    Livres de microscpios e escalpelos,

    Danavam, parodiando saraus cnicos, Bilhes de centrossomas apolnicos

    Na cmara promscua do vitellus.

    Mas, a irritar-me os globos oculares, Apregoando e alardeando a cor nojenta,

    Fetos magros, ainda na placenta, Estendiam-me as mos rudimentares!

    Mostravam-me8 o apriorismo incognoscvel

    Dessa fatalidade igualitria, Que fez minha famlia originria Do antro daquela fbrica terrvel!

    A corrente atmosfrica mais forte

    Zunia. E, na gnea crostra do Cruzeiro, Julgava eu ver o fnebre candeeiro

    8 Na edio de base consta mostrava-me

  • www.nead.unama.br

    12

    Que h de me alumiar na hora da morte. Ningum compreendia o meu soluo,

    Nem mesmo Deus! Da roupa pelas brechas, O vento bravo me atirava flechas

    E aplicaes hiemais de gelo russo.

    A vingana dos mundos astronmicos Enviava terra extraordinria faca, Posta em rija adeso de goma laca

    Sobre os meus elementos anatmicos.

    Ah! Com certeza, Deus me castigava! Por toda a parte, como um ru confesso,

    Havia um juiz que lia o meu processo E uma forca especial que me esperava!

    Mas o vento cessara por instantes

    Ou, pelo menos, o ignis sapiens do Orco Abafava-me o peito arqueado e porco

    Num ncleo de substncias abra santes.

    bem possvel que eu um dia cegue. No ardor desta letal trrida zona,

    A cor do sangue a cor que me impressiona E a que mais neste mundo me persegue!

    Essa obsesso cromtica me abate.

    No sei por que me vm sempre lembrana O estmago esfaqueado de uma criana

    E um pedao de vscera escarlate.

    Quisera qualquer coisa provisria Que a minha cerebral caverna entrasse,

    E at ao fim cortasse e recortasse A faculdade aziaga da memria.

    Na ascenso baromtrica da calma, Eu bem sabia, ansiado e contrafeito, Que uma populao doente do peito Tossia sem remdio na minhalma!

    E o cuspo que essa hereditria tosse

    Golfava, guisa de cido resduo, No era o cuspo s de um indivduo

    Minado pela tsica precoce.

    No! No era o meu cuspo, com certeza Era a expectorao ptrida e crassa

    Dos brnquios pulmonares de uma raa Que violou as leis da Natureza!

  • www.nead.unama.br

    13

    Era antes uma tosse ubqua, estranha, Igual ao rudo de um calhau redondo Arremessado no apogeu do estrondo,

    Pelos fundibulrios da montanha!

    E a saliva daqueles infelizes Inchava, em minha boca, de tal arte,

    Que eu, para no cuspir por toda a parte, Ia engolindo, aos poucos, a hemoptsis!

    Na alta alucinao de minhas cismas

    O microcosmos lquido da gota Tinha a abundncia de uma artria rota,

    Arrebentada pelos aneurismas.

    Chegou-me o estado mximo da mgoa! Duas, trs, quatro, cinco, seis e sete

    Vezes que eu me furei com um canivete, A hemoglobina vinha cheia de gua!

    Cuspo, cujas caudais meus beios regam,

    Sob a forma de mnimas camndulas, Benditas sejam todas essas glndulas, Que, quotidianamente, te segregam!

    Escarrar de um abismo noutro abismo,

    Mandando ao Cu o fumo de um cigarro, H mais filosofia neste escarro

    Do que em toda a moral do cristianismo!

    Porque, se no orbe oval que os meus ps tocam Eu no deixasse o meu cuspo carrasco,

    Jamais exprimiria o acrrimo asco Que os canalhas do mundo me provocam!

    II

    Foi no horror dessa noite to funrea Que eu descobri, maior talvez que Vinci,

    Com a fora visualstica do lince, A falta de unidade na matria!

    Os esqueletos desarticulados,

    Livres do acre fedor das carnes mortas, Rodopiavam, com as brancas tbias tortas,

    Numa dana de nmeros quebrados!

    Todas as divindades malfazejas, Siva e Arim, os duendes, o In e os trasgos,

    Imitando o barulho dos engasgos,

  • www.nead.unama.br

    14

    Davam pancadas no adro das igrejas.

    Nessa hora de monlogos sublimes, A companhia dos ladres da noite,

    Buscando uma taverna que os aoite, Vai pela escurido pensando crimes.

    Perpetravam-se os atos mais funestos,

    E o luar, da cor de um doente de ictercia, Iluminava, a rir, sem pudiccia,

    A camisa vermelha dos incestos.

    Ningum, decerto, estava ali, a espiar-me, Mas um lampio, lembrava ante o meu rosto,

    Um sugestionador olho, ali posto De propsito, para hipnotizar-me!

    Em tudo, ento, meus olhos distinguiram

    Da miniatura singular de uma aspa, anatomia mnima da caspa,

    Embries de mundos que no progrediram!

    Pois quem no v a, em qualquer rua, Com a fina nitidez de um cla ro jorro,

    Na pacincia budista do cachorro A alma embrionria que no continua?!

    Ser cachorro! Ganir incompreendidos

    Verbos! Querer dizer-nos que no finge, E a palavra embrulhar-se no laringe, Escapando-se apenas em latidos!

    Despir a putrescvel forma tosca,

    Na atra dissoluo que tudo inverte, Deixar cair sobre a barriga inerte O apetite necrfago da mosca!

    A alma dos animais! Pego-a, distingo-a,

    Acho-a nesse interior duelo secreto Entre a nsia de um vocbulo completo

    E uma expresso que no chegou lngua!

    Surpreendo-a em quatrilhes de corpos vivos, Nos antiperistlticos abalos

    Que produzem nos bois e nos cavalos A contrao dos gritos instintivos!

    Tempo viria, em que, daquele horrendo

    Caos de corpos orgnicos disformes Rebentariam crebros enormes

  • www.nead.unama.br

    15

    Como bolhas febris de gua, fervendo!

    Nessa poca que os sbios no ensinam, A pedra dura, os montes argilosos

    Criariam feixes de cordes nervosos E o neuroplasma dos que raciocinam!

    Almas pigmias! Deus subjuga-as, cinge-as

    imperfeio! Mas vem o Tempo, e vence-o, E o meu sonho crescia no silncio, Maior que as epopias carolngias!

    Era a revolta trgica dos tipos

    Ontognicos mais elementares, Desde os foraminferos dos mares

    grei liliputiana dos polipos9.

    Todos os personagens da tragdia, Cansados de viver na paz de Buda, Pareciam pedir com a boca muda A ganglionria clula intermdia.

    A planta que a cancula gnea torra, E as coisas inorgnicas mais nulas Apregoavam encfalos, medulas Na alegria guerreira da desforra!

    Os protistas e o obscuro acervo rijo Dos espongirios e dos infusrios

    Recebiam com os seus rgos sensrios O triunfo emocional do regozijo!

    E apesar de j ser assim to tarde,

    Aquela humanidade parasita, Como um bicho inferior, berrava, aflita,

    No meu temperamento de covarde! Mas, refletindo, a ss, sobre o meu caso, Vi que, igual a um amniota subterrneo,

    Jazia atravessada no meu crnio A intercesso fatdica do atraso!

    A hiptese genial do microzima

    Me estrangulava o pensamento guapo, E eu me encolhia todo como um sapo Que tem um peso incmodo por cima!

    Nas agonias do delirium-tremens,

    Os bbedos alvares que me olhavam, Com os copos cheios esterilizavam

    9 O poeta preferiu a forma paroxtona em razo da mtrica.

  • www.nead.unama.br

    16

    A substncia prolfica dos semens!

    Enterravam as mos dentro das goelas, E sacudidos de um tremor indmito Expeliam, na dor forte do vmito,

    Um conjunto de gosmas amarelas.

    Iam depois dormir nos lupanares Onde, na glria da concupiscncia,

    Depositavam quase sem conscincia As derradeiras foras musculares.

    Fabricavam destarte os blastodermas,

    Em cujo repugnante receptculo Minha perscrutao via o espetculo De uma prognie idiota de palermas.

    Prostituio ou outro qualquer nome,

    Por tua causa, embora o homem te aceite, que as mulheres ruins ficam sem leite E os meninos sem pai morrem de fome!

    Por que h de haver aqui tantos enterros?

    L no Engenho tambm, a morte ingrata... H o malvado carbnculo que mata A sociedade infante dos bezerros!

    Quantas moas que o tmulo reclama!

    E aps a podrido de tantas moas, Os porcos espojando-se nas poas

    Da virgindade reduzida lama.

    Morte, ponto final da ltima cena, Forma difusa da matria imbele,

    Minha filosofia te repele, Meu raciocnio enorme te condena!

    Diante de ti, nas catedrais mais ricas,

    Rolam sem eficcia os amuletos, Oh! Senhora dos nossos esqueletos E das caveiras dirias que fabricas!

    E eu desejava ter, numa nsia rara, Ao pensar nas pessoas que perdera,

    A inconscincia das mscaras de cera Que a gente prega, com um cordo, na cara!

    Era um sonho ladro de submergir-me Na vida universal, e, em tudo imerso, Fazer da parte abstrata do Universo,

  • www.nead.unama.br

    17

    Minha morada equilibrada e firme!

    Nisto, pior que o remorso do assassino, Reboou, tal qual, num fundo de caverna,

    Numa impressionadora voz interna, O eco particular do meu Destino:

    III

    Homem! Por mais que a Idia desintegres, Nessas perquiries que no tm pausa, Jamais, magro homem, sabers a causa

    De todos os fenmenos alegres!

    Em vo, com a bronca enxada rdega, sondas A estril terra, e a hialina lmpada oca,

    Trazes, por perscrutar (oh! Cincia louca!) O contedo das lgrimas hediondas.

    Negro e sem fim esse em que te mergulhas

    Lugar do Cosmos, onde a dor infrene feita como feito o querosene

    Nos recncavos midos das hulhas!

    Porque, para que a Dor perscrutes, fora Mister que, no como s, em sntese, antes

    Fosses, a refletir teus semelhantes, A prpria humanidade sofredora!

    A universal complexidade que Ela

    Compreende. E se, por vezes, se divide, Mesmo ainda assim, seu todo no reside

    No quociente isolado da parcela!

    Ah! Como o ar imortal a Dor no finda! Das papilas nervosas que h nos tatos

    Veio e vai desde os tempos mais transatos Para outros tempos que ho de vir ainda!

    Como o machucamento das insnias

    Te estraga, quando toda a estuada Idia Ds ao sfrego estudo da ninfia

    E de outras plantas dicotiledneas!

    A difana gua alvssima e a hrrida scua Que da gnea flama bruta, estriada, espirra;

    A formao molecular da mirra, O cordeiro simblico da Pscoa;

    As rebeladas cleras que rugem

  • www.nead.unama.br

    18

    No homem civilizado, e a ele se prendem Como s pulseiras que os mascates vendem

    A aderncia teimosa da ferrugem;

    O orbe feraz que bastos tojos acres Produz; a rebelio que, na batalha,

    Deixa os homens deitados, sem mortalha, Na sangueira concreta dos massacres;

    Os sanguinolentssimos chicotes

    Da hemorragia; as ndoas mais espessas, O achatamento ignbil das cabeas,

    Que ainda degrada os povos hotentotes;

    O Amor e a Fome, a fera ultriz que o fojo Entra, espera que a mansa vtima o entre,

    Tudo que gera no materno ventre A causa fisiolgica do nojo;

    As plpebras inchadas na viglia,

    As aves moas que perderam a asa, O fogo apagado de uma casa, Onde morreu o chefe da famlia;

    O trem particular que um corpo arrasta

    Sinistramente pela via frrea, A cristalizao da massa trrea, O tecido da roupa que se gasta;

    A gua arbitrria que hiulcos caules grossos

    Carrega e come, as negras formas feias Dos aracndeos e das centopeias, O fogo-ftuo que ilumina os ossos;

    As projees flamvomas que ofuscam,

    Como uma pincelada rembradtesca, A sensao que uma coalhada fresca

    Transmite s mos nervosas dos que a buscam;

    O antagonismo de Tifon e Osris, O homem grande oprimindo o homem pequeno,

    A lua falsa de um parasseleno, A mentira meterica do arco-ris;

    Os terremotos que, abalando os solos, Lembram paiis de plvora explodindo,

    A rotao dos fluidos produzindo A depresso geolgica dos plos;

    O instinto de procriar, a nsia legtima

  • www.nead.unama.br

    19

    Da alma, afrontando ovante aziagos riscos, O juramento dos guerreiros priscos

    Metendo as mos nas glndulas da vtima;

    As diferenciaes que o psicoplasma Humano sofre na mania mstica, A pesada opresso caracterstica

    Dos 10 minutos de um acesso de asma;

    E, (conquanto contra isto dios regougues) A utilidade fnebre da corda

    Que arrasta a rs, depois que a rs engorda, morte desgraada dos aougues...

    Tudo isto que o terrqueo abismo encerra

    Forma a complicao desse barulho Travado entre o drago do humano orgulho

    E as foras inorgnicas da terra!

    Por descobrir tudo isso, embalde cansas! Ignoto o grmen dessa fora ativa

    Que engendra, em cada clula passiva, A heterogeneidade das mudanas!

    Poeta, feto malso, criado com os sucos De um leite mau, carnvoro asqueroso,

    Gerado no atavismo monstruoso Da alma desordenada dos malucos;

    ltima das criaturas inferiores

    Governada por tomos mesquinhos, Teu p mata a uberdade dos caminhos

    E esteriliza os ventos geradores!

    O spero mal que a tudo, em torno, trazes, Anlogo ao que, negro e a seu turno,

    Traz o vido filstomo noturno Ao sangue dos mamferos vorazes!

    Ah! Por mais que, com o esprito, trabalhes

    A perfeio dos seres existentes, Hs de mostrar a crie dos teus dentes

    Na anatomia horrenda dos detalhes!

    O Espao esta abstrao spenceriana Que abrange as relaes de coexistncia

    E s! No tem nenhuma dependncia Com as vrtebras mortais da espcie humana!

    As radiantes elipses que as estrelas

  • www.nead.unama.br

    20

    Traam, e ao espectador falsas se antolham So verdades de luz que os homens olham Sem poder, no entretanto, compreend-las.

    Em vo, com a mo corrupta, outro ter pedes

    Que essa mo, de esquelticas falanges, Dentro dessa gua que com a vista abranges,

    Tambm prova o princpio de Arquimedes!

    A fadiga feroz que te esbordoa H de deixar-te essa medonha marca,

    Que, nos corpos inchados de anasarca, Deixam os dedos de qualquer pessoa!

    Nem ters no trabalho que tiveste

    A misericordiosa toalha amiga, Que afaga os homens doentes de bexiga E enxuga, noite, as pstulas da peste!

    Quando chegar depois a hora tranqila,

    Tu sers arrastado, na carreira, Como um cepo inconsciente de madeira

    Na evoluo orgnica da argila!

    Um dia comparado com um milnio Seja, pois, o teu ltimo Evangelho... E a evoluo do novo para o velho

    E do homogneo para o heterogneo!

    Adeus! Fica-te a, com o abdmen largo A apodrecer!... s poeira, e embalde vibras!

    O corvo que comer as tuas fibras H de achar nelas um sabor amargo!

    IV

    Calou-se a voz. A noite era funesta. E os queixos, a exibir trismos danados, Eu puxava os cabelos desgrenhados Como o rei Lear, no meio da floresta!

    Maldizia, com apstrofes veementes, No estentor de mil lnguas insurretas,

    O convencionalismo das Pandetas E os textos maus dos cdigos recentes!

    Minha imaginao atormentada

    Paria absurdos... Como diabos juntos, Perseguiam-me os olhos dos defuntos

    Com a carne da esclertica esverdeada.

  • www.nead.unama.br

    21

    Secara a clorofila das lavouras. Igual aos sustenidos de uma endecha10 Vinha-me s cordas glticas a queixa

    Das coletividades sofredoras.

    O mundo resignava-se invertido Nas foras principais do seu trabalho...

    A gravidade era um princpio falho, A anlise espectral tinha mentido!

    O Estado, a Associao, os Municpios Eram mortos. De todo aquele mundo Restava um mecanismo moribundo

    E uma teleologia sem princpios.

    Eu queria correr, ir para o inferno, Para que, da psiqu no oculto jogo,

    Morressem sufocadas pelo fogo Todas as impresses do mundo externo!

    Mas a Terra negava-me o equilbrio...

    Na Natureza, uma mulher de luto Cantava, espiando as rvores sem fruto,

    A cano prostituta do ludbrio!

    BUDISMO MODERNO

    Tome, Doutor, esta tesoura, e... corte Minha singularssima pessoa.

    Que importa a mim que a bicharia roa Todo o meu corao, depois da morte?!

    Ah! Um urubu pousou na minha sorte! Tambm, das diatomceas da lagoa

    A criptogama cpsula se esbroa Ao contato de bronca destra forte!

    Dissolva-se, portanto, minha vida

    Igualmente a uma clula cada Na aberrao de um vulo infecundo;

    Mas o agregado abstrato das saudades

    Fique batendo nas perptuas grades Do ltimo verso que eu fizer no mundo!

    10 No texto de base grafou-se endeixa.

  • www.nead.unama.br

    22

    SONHO DE UM MONISTA

    Eu e o esqueleto esqulido de Esquilo Viajvamos, com uma nsia sibarita,

    Por toda a pr-dinmica infinita, Na inconscincia de um zofito tranqilo.

    A verdade espantosa do Protilo

    Me aterrava, mas dentro da alma aflita Via Deus essa mnada esquisita Coordenando e animando tudo aquilo!

    E eu bendizia, com o esqueleto ao lado,

    Na guturalidade do meu brado, Alheio ao velho clculo dos dias,

    Como um pago no altar de Proserpina,

    A energia intracsmica divina Que o pai e a me das outras energias!

    SOLITRIO

    Como um fantasma que se refugia Na solido da natureza morta,

    Por trs dos ermos tmulos, um dia, Eu fui refugiar-me tua porta!

    Fazia frio e o frio que fazia

    No era esse que a carne nos conforta... Cortava assim como em carniaria

    O ao das facas incisivas corta!

    Mas tu no vieste ver minha Desgraa! E eu sa, como quem tudo repele,

    Velho caixo a carregar destroos

    Levando apenas na tumbal carcaa O pergaminho singular da pele

    E o chocalho fatdico dos ossos!

    MATER ORIGINALIS

    Forma vermicular desconhecida Que estacionaste, msera e mofina, Como quase impalpvel gelatina, Nos estados prodrmicos da vida;

    O hierofante que leu a minha sina

  • www.nead.unama.br

    23

    Ignorante de que s, talvez, nascida Dessa homogeneidade indefinida

    Que o insigne Herbert Spencer nos ensina.

    Nenhuma ignota unio ou nenhum nexo contingncia orgnica do sexo

    A tua estacionria alma prendeu...

    Ah! De ti foi que, autnoma e sem normas, Oh! Me original das outras formas,

    A minha forma lgubre nasceu!

    O LUPANAR

    Ah! Por que monstruosssimo motivo Prenderam para sempre, nesta rede, Dentro do ngulo diedro da parede,

    A alma do homem polgamo e lascivo?!

    Este lugar, moos do mundo, vede: o grande bebedouro coletivo,

    Onde os bandalhos, como um gado vivo, Todas as noites vm matar a sede!

    o afrodstico leito do hetarismo11,

    A antecmara lbrica do abismo, Em que mister que o gnero humano entre,

    Quando a promiscuidade aterradora

    Matar a ltima fora geradora E comer o ltimo vulo do ventre!

    IDEALISMO

    Falas de amor, e eu ouo tudo e calo! O amor da Humanidade uma mentira.

    . E por isto que na minha lira De amores fteis poucas vezes falo.

    O amor! Quando virei por fim a am-lo?!

    Quando, se o amor que a Humanidade inspira o amor do sibarita e da hetaira, De Messalina e de Sardanapalo?!

    Pois mister que, para o amor sagrado,

    O mundo fique imaterializado Alavanca desviada do seu fulcro

    11 O poeta acentuou a semivogal para poder preservar a mtrica decasslaba com evidente esforo potico.

  • www.nead.unama.br

    24

    E haja s amizade verdadeira Duma caveira para outra caveira,

    Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

    LTIMO CREDO

    Como ama o homem adltero o adultrio E o brio a garrafa txica de rum,

    Amo o coveiro este ladro comum Que arrasta a gente para o cemitrio!

    o transcendentalssimo mistrio!

    o nous, o pneuma, o ego sum qui s um, a morte, esse danado nmero Um Que matou Cristo e que matou Tibrio!

    Creio, como o filsofo mais crente,

    Na generalidade decrescente Com que a substncia csmica evolui...

    Creio, perante a evoluo imensa,

    Que o homem universal de amanh vena O homem particular que eu ontem fui!

    O CAIXO FANTSTICO

    Clere ia o caixo, e, nele, inclusas, Cinzas, caixas cranianas, cartilagens

    Oriundas, como os sonhos dos selvagens, De aberratrias abstraes abstrusas!

    Nesse caixo iam talvez as Musas,

    Talvez meu Pai! Hoffmnnicas visagens Enchiam meu encfalo de imagens As mais contraditrias e confusas!

    A energia monstica do Mundo, meia-noite, penetrava fundo

    No meu fenomenal crebro cheio...

    Era tarde! Fazia muito frio. Na rua apenas o caixo sombrio

    Ia continuando o seu passeio!

    SOLILQUIO DE UM VISIONRIO

    Para desvirginar o labirinto

  • www.nead.unama.br

    25

    Do velho e metafsico Mistrio, Comi meus olhos crus no cemitrio,

    Numa antropofagia de faminto!

    A digesto desse manjar funreo Tornado sangue transformou-me o instinto

    De humanas impresses visuais que eu sinto, Nas divinas vises do ncola etreo!

    Vestido de hidrognio incandescente, Vaguei um sculo, improficuamente,

    Pelas monotonias siderais...

    Subi talvez s mximas alturas, Mas, se hoje volto assim, com a alma s escuras,

    necessrio que inda eu suba mais!

    A UM CARNEIRO MORTO

    Misericordiosssimo carneiro Esquartejado, a maldio de Pio

    Dcimo caia em teu algoz sombrio E em todo aquele que for seu herdeiro!

    Maldito seja o mercador vadio

    Que te vender as carnes por dinheiro, Pois, tua l aquece o mundo inteiro

    E guarda as carnes dos que esto com frio!

    Quando a faca rangeu no teu pescoo, Ao monstro que espremeu teu sangue grosso Teus olhos fontes de perdo perdoaram!

    Oh! Tu que no Perdo eu simbolizo,

    Se fosses Deus, no Dia do Juzo, Talvez perdoasses os que te mataram!

    VOZES DA MORTE

    Agora, sim! Vamos morrer, reunidos, Tamarindo de minha desventura,

    Tu, com o envelhecimento da nervura, Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

    Ah! Esta noite a noite dos Vencidos! E a podrido, meu velho! E essa futura

    Ultrafatalidade de ossatura, A que nos acharemos reduzidos!

  • www.nead.unama.br

    26

    No morrero, porm, tuas sementes! E assim, para o Futuro, em diferentes

    Florestas, vale s, selvas, glebas, trilhos,

    Na multiplicidade dos teus ramos, Pelo muito que em vida nos amamos, Depois da morte, inda teremos filhos!

    INSNIA DE UM SIMPLES

    Em cismas patolgicas insanas, -me grato adstringir-me, na hierarquia

    Das formas vivas, categoria Das organizaes liliputianas;

    Ser semelhante aos zofitos e s lianas,

    Ter o destino de uma larva fria, Deixar enfim na cloaca mais sombria

    Este feixe de clulas humanas!

    E enquanto arremedando Eolo iracundo, Na orgia heliogablica do mundo,

    Ganem todos os vcios de uma vez,

    Apraz-me, adstrito ao tringulo mesquinho De um delta humilde, apodrecer sozinho

    No silncio de minha pequenez!

    OS DOENTES I

    Como uma cascavel que se enroscava, A cidade dos lzaros dormia... Somente, na metrpole vazia,

    Minha cabea autnoma pensava!

    Mordia-me a obsesso m de que havia, Sob os meus ps, na terra onde eu pisava,

    Um fgado doente que sangrava E uma garganta de rf que gemia!

    Tentava compreender com as conceptivas Funes do encfalo as substncias vivas

    Que nem Spencer, nem Haeckel compreenderam...

    E via em mim, coberto de desgraas, O resultado de bilhes de raas

  • www.nead.unama.br

    27

    Que h muitos anos desapareceram!

    II

    Minha angstia feroz no tinha nome. Ali, na urbe natal do Desconsolo, Eu tinha de comer o ltimo bolo

    Que Deus fazia para a minha fome!

    Convulso, o vento entoava um pseudosalmo. Contrastando, entretanto, com o ar convulso

    A noite funcionava como um pulso Fisiologicamente muito calmo.

    Caam sobre os meus centros nervosos, Como os pingos ardentes de cem velas,

    O uivo desenganado das cadelas E o gemido dos homens bexigosos.

    Pensava! E em que pensava, no perguntes!

    Mas, em cima de um tmulo, um cachorro Pedia para mim gua e socorro comiserao dos transeuntes!

    Bruto, de errante rio, alto e hrrido, o urro

    Reboava. Alm jazia aos ps da serra, Criando as supersties de minha terra,

    A queixada especfica de um burro!

    Gordo adubo da agreste urtiga brava, Benigna gua, magnnima e magnfica,

    Em cuja lgida uno, branda e beatfica, A Paraba indgena se lava!

    A manga, a ameixa, a amndoa, a abbora, o lamo

    E a cmara odorfera dos sumos Absorvem diariamente o ubrrimo hmus Que Deus espalha beira do teu tlamo!

    Nos de teu curso desobstrudos trilhos,

    Apenas eu compreendo, em quaisquer horas, O hidrognio e o oxignio que tu choras

    Pelo falecimento dos teus filhos!

    Ah! Somente eu compreendo, satisfeito, A incgnita psiqu das massas mortas

    Que dormem, como as ervas, sobre as hortas, Na esteira igualit ria do teu leito!

    O vento continuava sem cansao

  • www.nead.unama.br

    28

    E enchia com a fluidez do elico hissope Em seu fantasmagrico galope

    A abundncia geomtrica do espao.

    Meu ser estacionava, olhando os campos Circunjacentes. No Alto, os astros midos

    Reduziam os Cus srios e rudos A uma epiderme cheia de sarampos!

    III

    Dormia embaixo, com a promscua vstia No embotamento crasso dos sentidos,

    A comunho dos homens reunidos Pela camaradagem da molstia.

    Feriam-me o nervo ptico e a retina Aponevroses e tendes de Aquiles, Restos repugnantssimos de blis, Vmitos impregnados de ptialina.

    Da degenerescncia tnica do ria

    Se escapava, entre estrpitos e estouros, Reboando pelos sculos vindouros, O rudo de uma tosse hereditria.

    Oh! Desespero das pessoas tsicas,

    Adivinhando o frio que h nas lousas, Maior felicidade a destas cousas Submetidas apenas s leis fsicas!

    Estas, por mais que os cardos grandes rocem

    Seus corpos brutos, dores no recebem; Estas dos bacalhaus o leo no bebem,

    Estas no cospem sangue, estas no tossem!

    Descender dos macacos catarrneos, Cair doente e passar a vida inteira

    Com a boca junto de uma escarradeira, Pintando o cho de cogulos sanguneos!

    Sentir, adstritos ao quimiotropismo Ertico, os micrbios assanhados

    Passearem, como inmeros soldados, Nas cancerosidades do organismo!

    Falar somente uma linguagem rouca,

    Um portugus cansado e incompreensvel, Vomitar o pulmo na noite horrvel Em que se deita sangue pela boca!

  • www.nead.unama.br

    29

    Expulsar, aos bocados, a existncia Numa bacia autmata de barro,

    Alucinado, vendo em cada escarro O retrato da prpria conscincia!

    Querer dizer a angstia de que pbulo,

    E com a respirao j muito fraca Sentir como que a ponta de uma faca, Cortando as razes do ltimo vocbulo!

    No haver teraputica que arranque Tanta opresso como se, com efeito,

    Lhe houvessem sacudido sobre o peito A mquina pneumtica de Bianchi!

    E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba A erguer, como um cronmetro gigante,

    Marcando a transio emocionante Do lar materno para a catacumba!

    Mas vos no lamenteis, magras mulheres,

    Nos ardores danados da febre htica, Consagrando vossa ltima fontica

    A uma recitao de misereres.

    Antes levardes ainda uma quimera Para a garganta onvora das lajes

    Do que morrerdes, hoje, urrando ultrajes Contra a dissoluo que vos espera!

    Porque a morte, resfriando-vos o rosto,

    Consoante a minha concepo vesnica, a alfndega, onde toda a vida orgnica

    H de pagar um dia o ltimo imposto!

    IV

    Comeara a chover. Pelas algentes Ruas, a gua, em cachoeiras desobstrudas,

    Encharcava os buracos das feridas, Alagava a medula dos Doentes!

    Do fundo do meu trgico destino,

    Onde a Resignao os braos cruza, Saa, com o vexame de uma fusa, A mgoa gaguejada de um cretino.

    Aquele rudo obscuro de gagueira

    Que noite, em sonhos mrbidos, me acorda, Vinha da vibrao bruta da corda

  • www.nead.unama.br

    30

    Mais recndita da alma brasileira!

    Aturdia-me a ttrica miragem De que, naquele instante, no Amazonas,

    Fedia, entregue a vsceras glutonas, A carcaa esquecida de um selvagem.

    A civilizao entrou na taba

    Em que ele estava. O gnio de Colombo Manchou de oprbrios a alma do mazombo,

    Cuspiu na cova do morubixaba!

    E o ndio, por fim, adstrito tnica escria, Recebeu, tendo o horror no rosto impresso,

    Esse achincalhamento do progresso Que o anulava na crtica da Histria!

    Como quem analisa um apostema,

    De repente, acordando na desgraa, Viu toda a podrido de sua raa...

    Na tumba de Iracema!...

    Ah! Tudo, como um lgubre ciclone, Exercia sobre ele ao funesta

    Desde o desbravamento da floresta ultrajante inveno do telefone.

    E sentia-se pior que um vagabundo

    Microcfalo vil que a espcie encerra Desterrado na sua prpria terra, Diminudo na crnica do mundo!

    A hereditariedade dessa pecha

    Seguiria seus filhos. Dora em diante Seu povo tombaria agonizante

    Na luta da espingarda com a flecha!

    Veio-lhe ento como fmea vem antojos, Uma desesperada nsia improfcua De estrangular aquela gente inqua

    Que progredia sobre os seus despojos!

    Mas, diante a xantocride raa loura, Jazem, caladas, todas as inbias,

    E agora, sem difceis nuanas dbias, Com uma clarividncia aterradora,

    Em vez da prisca tribo e indiana tropa,

    A gente deste sculo, espantada, V somente a caveira abandonada

  • www.nead.unama.br

    31

    De uma raa esmagada pela Europa!

    V

    Era a hora em que arrastados pelos ventos, Os fantasmas hamlticos dispersos Atiram na conscincia dos perversos A sombra dos remorsos famulentos.

    As mes sem corao rogavam pragas

    Aos filhos bons. E eu, rodo pelos medos, Batia com o pentgono dos dedos

    Sobre um fundo hipottico de chagas!

    Diablica dinmica daninha Oprimia meu crebro indefeso

    Com a fora onerosssima de um peso Que eu no sabia mesmo de onde vinha.

    Perfurava-me o peito a spera pua

    Do desnimo negro que me prostra, E quase a todos os momentos mostra

    Minha caveira aos bbedos da rua.

    Hereditariedades politpicas Punham na minha boca putrescvel Interjeies de abracadabra horrvel E os verbos indignados das Filpicas.

    Todos os vocativos dos blasfemos,

    No horror daquela noite monstruosa, Maldiziam, com voz estentorosa,

    A peonha inicial de onde nascemos.

    Como que havia na nsia de conforto De cada ser, ex.: o homem e o ofidio,

    Uma necessidade de suicdio E um desejo incoercvel de ser morto!

    Naquela angstia absurda e tragicmica

    Eu chorava, rolando sobre o lixo, Com a contoro neurtica de um bicho Que ingeriu 30 gramas de nux12-vmica.

    E, como um homem doido que se enforca,

    Tentava, na terrquea superficie, Consubstanciar-me todo com a imundcie,

    Confundir-me com aquela coisa porca!

    12 Conforme edio de base. O poeta preferiu a forma latina da palavra noz.

  • www.nead.unama.br

    32

    Vinha, s vezes, porm, o anelo instvel De, com o auxlio especial do osso masseter

    Mastigando homeomrias neutras de ter Nutrir-me da matria impondervel.

    Anelava ficar um dia, em suma,

    Menor que o anfioxos e inferior tnia, Reduzido plastdula homognea,

    Sem diferenciao de espcie alguma.

    Era (nem sei em sntese o que diga) Um velhssimo instinto atvico, era A saudade inconsciente da monera Que havia sido minha me antiga!

    Com o horror tradicional da raiva corsa

    Minha vontade era, perante a cova, Arrancar do meu prprio corpo a prova

    Da persistncia trgica da fora.

    A pragmtica m de humanos usos No compreende que a Morte que no dorme

    a absoro do movimento enorme Na disperso dos tomos difusos.

    No me incomoda esse ltimo abandono.

    Se a carne individual hoje apodrece, Amanh, como Cristo, reaparece Na universalidade do carbono!

    A vida vem do ter que se condensa,

    Mas o que mais no Cosmos me entusiasma a esfera microscpica do plasma Fazer a luz do crebro que pensa.

    Eu voltarei, cansado da rdua lia, substncia inorgnica primeva, De onde, por epignese, veio Eva

    E a stirpe radiolar chamada Actissa!

    Quando eu for misturar-me com as violetas, Minha lira, maior que a Bblia e a Fedra,

    Reviver, dando emoo pedra, Na acstica de todos os planetas!

    VI

    lgida agulha, agora, alva, a saraiva Caindo, anloga era... Um co agora Punha a atra lngua hidrfoba de fora

  • www.nead.unama.br

    33

    Em contraes miolgicas de raiva.

    Mas, para alm, entre oscilantes chamas, Acordavam os bairros da luxria...

    As prostitutas, doentes de hematria, Se extenuavam nas camas.

    Uma, ignbil, derreada de cansao, Quase que escangalhada pelo vcio,

    Cheirava com prazer no sacrifcio A lepra m que lhe roa o brao!

    E ensanguentava os dedos da mo nvea

    Com o sentimento gasto e a emoo pobre, Nessa alegria brbara que cobre Os saracoteamentos da lascvia...

    Decerto, a perverso de que era presa

    O sensorium daquela prostituta Vinha da adaptao quase absoluta ambincia microbiana da baixeza!

    Entanto, virgem fostes, e, quando o reis, No tnheis ainda essa erupo cutnea,

    Nem tnheis, vtima ltima da insnia, Duas mamrias glndulas estreis!

    Ah! Certamente, no havia ainda

    Rompido, com violncia, no horizonte, O sol malvado que secou a fonte De vossa castidade agora finda!

    Talvez tivsseis fome, e as mos, embalde,

    Estendestes ao mundo, at que, toa, Fostes vender a virginal coroa

    Ao primeiro bandido do arrabalde.

    E estais velha! De vs o mundo farto, E hoje, que a sociedade vos enxota,

    Somente as bruxas negras da derrota Freqentam diariamente vosso quarto!

    Prometem-vos (quem sabe?!) entre os ciprestes

    Longe da mancebia dos alcouces, Nas quietudes nirvnicas mais doces, O noivado que em vida no tivestes!

    VII

    Quase todos os lutos conjugados,

  • www.nead.unama.br

    34

    Como uma associao de monoplio, Lanavam pinceladas pretas de leo Na arquitetura arcaica dos sobrados.

    Dentro da noite funda um brao humano

    Parecia cavar ao longe um poo Para enterrar minha iluso de moo, Como a boca de um poo artesiano!

    Atabalhoadamente pelos becos,

    Eu pensava nas coisas que perecem, Desde as musculaturas que apodrecem

    runa vegetal dos lrios secos.

    Cismava no propsito funreo Da mosca debochada que fareja O defunto, no cho frio da igreja, E vai depois lev-lo ao cemitrio!

    E esfregando as mos magras, eu, inquieto,

    Sentia, na craniana caixa tosca, A racionalidade dessa mosca,

    A conscincia terrvel desse inseto!

    Regougando, porm, argots e aljmias, Como quem nada encontra que o perturbe,

    A energmena grei dos brios da urbe Festejava seu sbado de infmias.

    A esttica fatal das paixes cegas,

    Rugindo fundamente nos neurnios, Puxava aquele povo de demnios Para a promiscuidade das adegas.

    E a bria turba que escaras sujas masca,

    falta idiossincrsica de escrpulo, Absorvia com gudio, absinto, lpulo

    E outras substncias txicas da tasca.

    O ar ambiente cheirava a cido actico, Mas, de repente, com o ar de quem empesta,

    Apareceu, escorraando a festa, A mandbula inchada de um morftico!

    Salincias polimrficas vermelhas,

    Em cujo aspecto o olhar perspcuo prendo, Punham-lhe num destaque horrendo o horrendo

    Tamanho aberratrio das orelhas.

    O facies do morftico assombrava!

  • www.nead.unama.br

    35

    Aquilo era uma negra eucaristia, Onde minhalma inteira surpreendia A Humanidade que se lamentava!

    Era todo o meu sonho, assim, inchado,

    J podre, que a morfia miservel Tornava s impresses tactis, palpvel, Como se fosse um corpo organizado!

    VIII

    Em torno a mim, nesta hora, estriges voam,

    E o cemitrio, em que eu entrei adrede, D-me a impresso de um boulevard que fede

    Pela degradao dos que o povoam.

    Quanta gente, roubada humana coorte, Morre de fome, sobre a palha espessa,

    Sem ter, como Ugolino, uma cabea Que possa mastigar na hora da morte;

    E nua, aps baixar ao caos budista,

    Vem para aqui, nos braos de um canalha, Porque o madapolo para a mortalha

    Custa 1$20013 ao lojista!

    Que resta das cabeas que pensaram?! E afundado nos sonhos mais nefastos, Ao pegar num milho de miolos gastos, Todos os meus cabelos se arrepiaram.

    Os evolucionismos benfeitores

    Que por entre os cadveres caminham, Iguais a irms de caridade, vinham

    Com a podrido dar de comer s flores!

    Os defuntos ento me ofereciam Com as articulaes das mos inermes, Num prato de hospital, cheio de vermes,

    Todos os animais que apodreciam!

    possvel que o estmago se afoite (Muito embora contra isto a alma se irrite)

    A cevar o antropfago apetite, Comendo carne humana, meia-noite!

    Com uma ilimitadssima tristeza,

    Na impacincia do estmago vazio, Eu devorava aquele bolo frio

    13 preciso ler mil duzentos ris para caber na mtrica do verso.

  • www.nead.unama.br

    36

    Feito das podrides da Natureza!

    E hirto, a camisa suada, a alma aos arrancos, Vendo passar com as tnicas obscuras,

    As escaveiradssimas figuras Das negras desonradas pelos brancos;

    Pisando, como quem salta, entre fardos, Nos corpos nus das moas hotentotes

    Entregues, ao claro de alguns archotes, sodomia indigna dos moscardos;

    Eu maldizia o deus de mos nefandas Que, transgredindo a igualitria regra

    Da Natureza, atira a raa negra Ao contubrnio dirio das quitandas!

    Na evoluo de minha dor grotesca,

    Eu mendigava aos vermes insubmissos Como indenizao dos meus servios,

    O benefcio de uma cova fresca.

    Manh. E eis-me a absorver a luz de fora, Como o ncola do plo rtico, s vezes, Absorve, aps a noite de seis meses,

    Os raios calorficos da aurora.

    Nunca mais as goteiras cairiam Como propositais setas malvadas, No frio matador das madrugadas,

    Por sobre o corao dos que sofriam!

    Do meu crebro absconsa tbua rasa Vinha a luz restituir o antigo crdito, Proporcionando-me o prazer indito,

    De quem possui um sol dentro de casa.

    Era a volpia fnebre que os ossos Me inspiravam, trazendo-me ao sol claro,

    apreenso fisiolgica do faro O odor cadaveroso dos destroos!

    IX

    O inventrio do que eu j tinha sido Espantava. Restavam s de Augusto

    A forma de um mamfero vetusto E a cerebralidade de um vencido!

    O gnio procriador da espcie eterna

  • www.nead.unama.br

    37

    Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta, Uma sobrevivncia de Sidarta, Dentro da filognese moderna;

    E arrancara milhares de existncias

    Do ovrio ignbil de uma fauna imunda, Ia arrastando agora a alma infecunda Na mais triste de todas as falncias.

    No cu calamitoso de vingana

    Desagregava, dspota e sem normas, O adesionismo bintico das formas Multiplicadas pela lei da herana!

    A runa vinha horrenda e deletria Do subsolo infeliz, vinha de dentro

    Da matria em fuso que ainda h no centro, Para alcanar depois a perifria!14

    Contra a Arte, oh! Morte, em vo teu dio exerces!

    Mas, a meu ver, os sxeos prdios tortos Tinham aspectos de edifcios mortos Decompondo-se desde os alicerces!

    A doena era geral, tudo a extenuar-se

    Estava. O Espao abstrato que no morre Cansara... O ar que, em colnias fluidas, corre,

    Parecia tambm desagregar-se!

    Os prdromos de um ttano medonho Repuxavam-me o rosto... Hirto de espanto,

    Eu sentia nascer-me nalma, entanto, O comeo magnfico de um sonho!

    Entre as formas decrpitas do povo,

    J batiam por cima dos estragos A sensao e os movimentos vagos

    Da clula inicial de um Cosmos novo!

    O letargo larvrio da cidade Crescia. Igual a um parto, numa furna,

    Vinha da original treva noturna, O vagido de uma outra Humanidade!

    E eu, com os ps atolados no Nirvana, Acompanhava, com um prazer secreto,

    A gestao daquele grande feto, Que vinha substituir a Espcie Humana!

    14 O poeta adotou a forma paroxtona para preservar a mtrica decasslaba.

  • www.nead.unama.br

    38

    ASA DE CORVO

    Asa de corvos carniceiros, asa De mau agouro que, nos doze meses,

    Cobre s vezes o espao e cobre s vezes O telhado de nossa prpria casa...

    Perseguido por todos os reveses,

    meu destino viver junto a essa asa, Como a cinza que vive junto brasa,

    Como os Goncourts, como os irmos siameses!

    com essa asa que eu fao este soneto E a inds tria humana faz o pano preto

    Que as famlias de luto martiriza...

    ainda com essa asa extraordinria Que a Morte a costureira funerria

    Cose para o homem a ltima camisa!

    UMA NOITE NO CAIRO

    Noite no Egito. O cu claro e profundo Fulgura. A rua triste. A Lua Cheia

    Est sinistra, e sobre a paz do mundo A alma dos Faras anda e vagueia.

    Os mastins negros vo ladrando lua...

    O Cairo de uma formosura arcaica. No ngulo mais recndito da rua

    Passa cantando uma mulher hebraica.

    O Egito sempre assim quando anoitece! s vezes, das pirmides o quedo

    E atro perfil, exposto ao luar, parece Uma sombria interjeio de medo!

    Como um contraste queles misereres,

    Num quiosque em festa alegre turba grita E dentro danam homens e mulheres

    Numa aglomerao cosmopolita.

    Tonto de vinho, um saltimbanco da sia, Convulso e roto, no apogeu da fria,

    Executando evolues de razzia Solta um brado epiltico de injria!

    Em derredor duma ampla mesa preta ltima nota do conbio infando

  • www.nead.unama.br

    39

    Vem-se dez jogadores de roleta Fumando, discutindo, conversando.

    Resplandece a celeste superfcie. Dorme soturna a natureza sbia...

    Embaixo, na mais prxima plancie, Pasta um cavalo esplndido da Arbia.

    Vaga no espao um silfo solitrio.

    Troam kinnors! Depois tudo tranqilo... Apenas como um velho estradivrio, Solua toda a noite a gua do Nilo!

    O MARTRIO DO ARTISTA

    Arte ingrata! E conquanto, em desalento, A rbita elipsoidal dos olhos lhe arda,

    Busca exteriorizar o pensamento Que em suas fronetais clulas guarda!

    Tarda -lhe a Idia! A Inspirao lhe tarda! E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,

    Como o soldado que rasgou a farda No desespero do ltimo momento!

    Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...

    como o paraltico que, mngua Da prpria voz e na que ardente o lavra

    Febre de em vo falar, com os dedos brutos

    Para falar, puxa e repuxa a lngua, E no lhe vem boca uma palavra!

    DUAS ESTROFES

    ( memria de Joo de Deus)

    Ah! ciechi! il tanto affaticar che giova? Tutti torniano alla gran madre antica

    E il nostro nome appena si ritrova. Petrarca

    A queda do teu lrico arrabil

    De um sentimento portugus ignoto Lembra Lisboa, bela como um brinco,

    Que um dia no ano trgico de mil

    E setecentos e cinqenta e cinco,

  • www.nead.unama.br

    40

    Foi abalada por um terremoto! A gua quieta do Tejo te abenoa. Tu representas toda essa Lisboa

    De glrias quase sobrenaturais,

    Apenas com uma diferena triste, Com a diferena que Lisboa existe

    E tu, amigo, no existes mais!

    O MAR, A ESCADA E O HOMEM

    Olha agora, mamfero inferior, luz da epicurista ataraxia, O fracasso de tua geografia

    E de teu escafandro esmiuador!

    Ah! Jamais sabers ser superior, Homem, a mim, conquanto ainda hoje em dia, Com a ampla hlice auxiliar com que outrora ia

    Voando ao vento o vastssimo vapor,

    Rasgue a gua hrrida a nau rdega e singre-me! E a verticalidade da Escada ngreme:

    Homem, j transpuseste os meus degraus?!

    E Augusto, o Hrcules, o Homem, aos soluos, Ouvindo a Escada e o Mar, caiu de bruos

    No pandemnio aterrador do Caos!

    DECADNCIA

    Iguais s linhas perpendiculares Caram, como cruis e hrridas hastas,

    Nas suas 33 vrtebras gastas Quase todas as pedras tumulares!

    A frialdade dos crculos polares,

    Em sucessivas atuaes nefastas, Penetrara-lhe os prprios neuroplastas,

    Estragara-lhe os centros medulares!

    Como quem quebra o objeto mais querido E comea a apanhar piedosamente Todas as microscpicas partculas,

    Ele hoje v que, aps tudo perdido, S lhe restam agora o ltimo dente

    E a armao funerria das clavculas!

  • www.nead.unama.br

    41

    RICORDANZA DELLA MIA GIOVENT

    A minha ama-de-leite Guilhermina Furtava as moedas que o Doutor me dava.

    Sinh-Mocinha, minha Me, ralhava... Via naquilo a minha prpria runa!

    Minha ama, ento, hipcrita, afetava

    Sus ceptibilidades de menina: No, no fora ela! E maldizia a sina,

    Que ela absolutamente no furtava.

    Vejo, entretanto, agora, em minha cama, Que a mim somente cabe o furto feito...

    Tu s furtaste a moeda, o ouro que brilha...

    Furtaste a moeda s, ma s eu, minha ama, Eu furtei mais, porque furtei o peito

    Que dava leite para a tua filha!

    A UM MASCARADO

    Rasga essa mscara tima de seda E atira-a arca ancestral dos palimpsestos... noite, e, noite, a escndalos e incestos

    natural que o instinto humano aceda!

    Sem que te arranquem da garganta queda A interjeio danada dos protestos,

    Hs de engolir, igual a um porco, os restos Duma comida horrivelmente azeda!

    A sucesso de hebdmadas medonhas

    Reduzir os mundos que tu sonhas Ao microcosmos do ovo primitivo...

    E tu mesmo, aps a rdua e atra refrega,

    Ters somente uma vontade cega E uma tendncia obscura de ser vivo!

    VOZES DE UM TMULO

    Morri! E a Terra a me comum o brilho Destes meus olhos apagou!... Assim

    Tntalo, aos reais convivas, num festim, Serviu as carnes do seu prprio filho!

    Por que para este cemitrio vim?!

  • www.nead.unama.br

    42

    Por qu?! Antes da vida o angusto trilho Palmilhasse, do que este que palmilho

    E que me assombra, porque no tem fim!

    No ardor do sonho que o fronema exalta Constru de orgulho nea pirmide alta...

    Hoje, porm, que se desmoronou

    A pirmide real do meu orgulho, Hoje que apenas sou matria e entulho Tenho conscincia de que nada sou!

    CONTRASTES

    A anttese do novo e do obsoleto, O Amor e a Paz, o dio e a Carnificina,

    O que o homem ama e o que o homem abomina. Tudo convm para o homem ser completo!

    O ngulo obtuso, pois, e o ngulo reto,

    Uma feio humana e outra divina So como a eximenina e a endimenina Que servem ambas para o mesmo feto!

    Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!

    Por justaposio destes contrastes, Junta-se um hemisfrio a outro hemisfrio,

    s alegrias juntam-se as tristezas,

    E o carpinteiro que fabrica as mesas Faz tambm os caixes do cemitrio!...

    GEMIDOS DE ARTE I

    Esta desiluso que me acabrunha mais traidora do que o foi Pilatos!... Por causa disto, eu vivo pelos matos,

    Magro, roendo a substncia crnea da unha.

    Tenho estremecimentos indecisos E sinto, haurindo o tpido ar sereno,

    O mesmo assombro que sentiu Parfeno Quando arrancou os olhos de Dionisos!

    Em giro e em redemoinho em mim caminham

    Rspidas mgoas estranguladoras,

  • www.nead.unama.br

    43

    Tais quais, nos fortes fulcros, as tesouras Brnzeas, tambm giram e redemoinham.

    Os pes filhos legtimos dos trigos

    Nutrem a gerao do dio e da Guerra.... Os cachorros annimos da terra

    So talvez os meus nicos amigos!

    Ah! Por que desgraada contingncia hspida aresta sxea spera e abrupta

    Da rocha brava, numa ininterrupta Adeso, no prendi minha existncia?!

    Por que Jeov, maior do que Laplace,

    No fez cair o tmulo de Plnio Por sobre todo o meu raciocnio

    Para que eu nunca mais raciocinasse?!

    Pois minha Me to cheia assim daqueles Carinhos, com que guarda meus sapatos,

    Por que me deu conscincia dos meus atos Para eu me arrepender de todos eles?!

    Quisera, antes, mordendo glabros talos,

    Nabucodonosor ser no Pau dArco, Beber a acre e estagnada gua do charco,

    Dormir na manjedoura com os cavalos! Mas a carne que humana! A alma divina.

    Dorme num leito de feridas, goza O lodo, apalpa a lcera cancerosa,

    Beija a peonha, e no se contamina!

    Ser homem! Escapar de ser aborto! Sair de um ventre inchado que se anoja,

    Comprar vestidos pretos numa loja E andar de luto pelo pai que morto!

    E por trezentos e sessenta dias

    Traba lhar e comer! Martrios juntos! Alimentar-se dos irmos defuntos,

    Chupar os ossos das alimarias!

    Barulho de mandbulas e abdomens! E vem-me com um desprezo por tudo isto

    Uma vontade absurda de ser Cristo Para sacrificar-me pelos homens!

    Soberano desejo! Soberana

    Ambio de construir para o homem uma Regio, onde no cuspa lngua alguma

  • www.nead.unama.br

    44

    O leo ranoso da saliva humana!

    Uma regio sem ndoas e sem lixos, Subtrada hediondez de nfimo casco,

    Onde a forca feroz coma o carrasco E o olho do estuprador se encha de bichos!

    Outras constelaes e outros espaos Em que, no agudo grau da ltima crise,

    O brao do ladro se paralise E a mo da meretriz caia aos pedaos!

    II

    O sol agora de um fulgor compacto, E eu vou andando, cheio de chamusco,

    Com a flexibilidade de um molusco, mido, pegajoso e untuoso ao tato!

    Renam-se em rebelio ardente e acesa

    Todas as minhas foras emotivas E armem ciladas como cobras vivas

    Para despedaar minha tristeza!

    O sol de cima espiando a flora moa Arda, fustigue, queime, corte, morda!...

    Deleito a vista na verdura gorda Que nas hastes delgadas se baloua!

    Avisto o vulto das sombrias granjas

    Perdidas no alto... Nos terrenos baixos, Das laranjeiras eu admiro os cachos

    E a ampla circunferncia das laranjas.

    Ladra furiosa a tribo dos podengos. Olhando para as ptridas charnecas Grita o exrcito avulso das marrecas

    Na mida copa dos bambus verdoengos.

    Um pssaro alvo artfice da teia De um ninho, salta, no rdego trabalho,

    De rvore em rvore e de galho em galho, Com a rapidez duma semicolcheia.

    Em grandes semicrculos aduncos,

    Entranados, pelo ar, largando pelos, Voam semelhana de cabelos

    Os chicotes finssimos dos juncos.

    Os ventos vagabundos batem, bolem

  • www.nead.unama.br

    45

    Nas rvores. O ar cheira. A terra cheira... E a alma dos vegetais rebenta inteira

    De todos os corpsculos do plen.

    A cmara nupcial de cada ovrio Se abre. No cho coleia a lagartixa.

    Por toda a parte a seiva bruta esguicha Num extravasamento involuntrio.

    Eu, depois de morrer, depois de tanta

    Tristeza, quero, em vez do nome Augusto, Possuir a o nome dum arbusto

    Qualquer ou de qualquer obscura planta!

    III

    Pelo acidentalssimo caminho Fasca o sol. Ndios, batendo a cauda, Urram os bois. O cu lembra uma lauda

    Do mais incorruptvel pergaminho.

    Uma atmosfera m de incmoda hulha Abafa o ambiente. O aziago ar morto a morte

    Fede. O ardente calor da areia forte Racha -me os ps como se fosse agulha.

    No sei que subterrnea e atra voz rouca,

    Por saibros e por cem cncavos vales, Como pela avenida das Mappales, Me arrasta casa do finado Tca!15

    Todas as tardes a esta casa venho. Aqui, outrora, sem conchego nobre,

    Viveu, sentiu e amou este homem pobre Que carregava canas para o engenho!

    Nos outros tempos e nas outras eras,

    Quantas flores! Agora, em vez de flores, Os musgos, como exticos pintores, Pintam caretas verdes nas taperas.

    Na bruta disperso de vtreos cacos,

    dura luz do sol resplandecente, Trpega e antiga, uma parede doente Mostra a cara medonha dos buracos.

    O cupim negro broca o mago fino

    Do teto. E traa trombas de elefantes Com as circunvolues extravagantes

    15 Manteve-se o acento diferencial de timbre conforme vontade autoral.

  • www.nead.unama.br

    46

    Do seu complicadssimo intestino.

    O lodo obscuro trepa-se nas portas. Amontoadas em grossos feixes rijos,

    As lagartixas dos esconderijos Esto olhando aquelas coisas mortas!

    Fico a pensar no Esprito disperso

    Que, unindo a pedra ao gneiss e a rvore criana, Como um anel enorme de aliana, Une todas a s coisas do Universo!

    E assim pensando, com a cabea em brasas

    Ante a fatalidade que me oprime, Julgo ver este Esprito sublime,

    Chamando-me do sol com as suas asas!

    Gosto do sol ignvomo e iracundo Como o reptil gosta quando se molha

    E na atra escurido dos ares, olha Melancolicamente para o mundo!

    Essa alegria imaterializada,

    Que por vezes me absorve, o bolo obscuro16, o pedao j podre de po duro

    Que o miservel recebeu na estrada! No so os cinco mil milhes de francos Que a Alemanha pediu a Jules Favre...

    o dinheiro coberto de azinhavre Que o escravo ganha, trabalhando aos brancos!

    BOLO

    Seja este sol meu ltimo consolo; E o esprito infeliz que em mim se encarna

    Se alegre ao sol, como quem raspa a sarna, S, com a misericrdia de um tijolo!...

    Tudo enfim a mesma rbita percorre

    E as bocas vo beber o mesmo leite... A lamparina quando falta o azeite

    Morre, da mesma forma que o homem morre.

    Sbito, arrebentando a horrenda calma, Grito, e se grito para que meu grito

    Seja a revelao deste Infinito Que eu trago encarcerado na minhalma!

    16 Verso atpico, caso raro em nossa lngua. A contagem segue at a proparoxtona.

  • www.nead.unama.br

    47

    Sol brasileiro! Queima -me os destroos! Quero assistir, aqui, sem pai que me ame,

    De p, luz da conscincia infame, carbonizao dos prprios ossos!

    Pau d`Arco, 4-V-1907

    VERSOS DE AMOR

    A um poeta ertico

    Parece muito doce aquela cana. Descasco-a, provo-a, chupo-a... Iluso treda!

    O amor, poeta, como a cana azeda, A toda a boca que o no prova engana.

    Quis saber que era o amor, por experincia, E hoje que, enfim, conheo o seu contedo,

    Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo, Todas as cincias menos esta cincia!

    Certo, este o amor no que, em nsias, amo

    Mas certo, o egosta amor este que acinte Amas, oposto a mim. Por conseguinte

    Chamas amor aquilo que eu no chamo.

    Oposto ideal ao meu ideal conservas. Diverso , pois, o ponto outro de vista

    Consoante o qual, observo o amor, do egosta Modo de ver, consoante o qual, o observas.

    Porque o amor, tal como eu o estou amando,

    esprito, ter, substncia fluida, assim como o ar que a gente pega e cuida,

    Cuida, entretanto, no o estar pegando!

    a transubstanciao de instintos rudes, Imponderabilssima e impalpvel,

    Que anda acima da carne miservel Como anda a gara acima dos audes!

    Para reproduzir tal sentimento

    Daqui por diante, atenta a orelha cauta, Como Marsias o inventor da flauta Vou inventar tambm outro instrumento!

    Mas de tal arte e espcie tal faz-lo

    Ambiciono, que o idioma em que te eu falo Possam todas as lnguas declin-lo

  • www.nead.unama.br

    48

    Possam todos os homens compreend-lo!

    Para que, enfim, chegando ltima calma Meu podre corao roto no role, Integralmente desfibrado e mole,

    Como um saco vazio dentro dalma!

    Pau d`Arco, Agosto, 1907.

    SONETOS

    A meu Pai doente I

    Para onde fores, Pai, para onde fores, Irei tambm, trilhando as mesmas ruas...

    Tu, para amenizar as dores tuas, Eu, para amenizar as minhas dores!

    Que coisa triste! O campo to sem flores,

    E eu to sem crena e as rvores to nuas E tu, gemendo, e o horror de nossas duas Mgoas crescendo e se fazendo horrores!

    Magoaram-te, meu Pai?! Que mo sombria,

    Indiferente aos mil tormentos teus De assim magoar-te sem pesar havia?!

    Seria a mo de Deus?! Mas Deus enfim

    bom, justo, e sendo justo, Deus, Deus no havia de magoar-te assim!

    II

    A meu Pai morto

    Madrugada de Treze de Janeiro. Rezo, sonhando, o ofcio da agonia.

    Meu Pai nessa hora junto a mim morria Sem um gemido, assim como um cordeiro!

    E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro! Quando acordei, cuidei que ele dormia,

    E disse minha Me que me dizia: Acorda-o! Deixa-o, Me, dormir primeiro!

    E sa para ver a Natureza!

    Em tudo o mesmo abismo de beleza,

  • www.nead.unama.br

    49

    Nem uma nvoa no estrelado vu...

    Mas pareceu-me, entre as estrelas flreas, Como Elias, num carro azul de glrias,

    Ver a alma de meu Pai subindo ao Cu!

    III

    Podre meu Pai! A Morte o olhar lhe vidra. Em seus lbios que os meus lbios osculam

    Microrganismos fnebres pululam Numa fermentao gorda de cidra.

    Duras leis as que os homens e a hrrida hidra

    A uma s lei biolgica vinculam, E a marcha das molculas regulam, Com a invariabilidade da clepsidra!...

    Podre meu Pai! E a mo que enchi de beijos

    Roda toda de bichos, como os queijos Sobre a mesa de orgacos festins!...

    Amo meu Pai na atmica desordem

    Entre as bocas necrfagas que o mordem E a terra infecta que lhe cobre os rins!

    DEPOIS DA ORGIA

    O prazer que na orgia a hetaira goza Produz no meu sensorium de bacante

    O efeito de uma tnica brilhante Cobrindo ampla apostema escrofulosa!

    Troveja! E anelo ter, sfrega e ansiosa,

    O sistema nervoso de um gigante Para sofrer na minha carne estuante

    A dor da fora csmica furiosa.

    Apraz-me, enfim, despindo a ltima alfaia Que ao comrcio dos homens me traz presa,

    Livre deste cadeado de peonha,

    Semelhante a um cachorro de atalaia s decomposies da Natureza, Ficar latindo minha dor medonha!

  • www.nead.unama.br

    50

    A RVORE DA SERRA

    As rvores, meu filho, no tm alma! E esta rvore me serve de empecilho...

    preciso cort-la, pois, meu filho, Para que eu tenha uma velhice calma!

    Meu pai, por que sua ira no se acalma?! No v que em tudo existe o mesmo brilho?! Deus ps almas nos cedros... No junquilho...

    Esta rvore, meu pai, possui minhalma...

    Disse e ajoelhou-se, numa rogativa: No mate a rvore, pai, para que eu viva! E quando a rvore, olhando a ptria serra,

    Caiu aos golpes do machado bronco,

    O moo triste se abraou com o tronco E nunca mais se levantou da terra!

    VENCIDO

    No auge de atordoadora e vida sanha Leu tudo, desde o mais prstino mito, Por exemplo: o do boi pis do Egito Ao velho Niebelungen da Alemanha.

    Acometido de uma febre estranha

    Sem o escndalo fnico de um grito, Mergulhou a cabea no Infinito,

    Arrancou os cabelos na montanha!

    Desceu depois gleba mais bastarda, Pondo a urea insgnia herldica da farda

    A vontade do vmito plebeu...

    E ao vir-lhe o cuspo dirio boca fria O vencido pensava que cuspia

    Na clula infeliz de onde nasceu.

    Paraba, 1909

    O CORRUPIO

    Escaveirado corrupio idiota, Olha a atmosfera livre, o amplo ter belo,

    E a alga criptgama e a snea e o cogumelo, Que do fundo do cho todo o ano brota!

  • www.nead.unama.br

    51

    Mas a nsia de alto voar, de antiga rota Voar, no tens mais! E, pois, preto e amarelo,

    Pes-te a assobiar, bruto, sem cerebelo A gargalhada da ltima derrota!

    A gaiola aboliu tua vontade.

    Tu nunca mais vers a liberdade!... Ah! Tu somente ainda s igual a mim.

    Continua a comer teu milho alpiste.

    Foi este mundo que me fez to triste, Foi a gaiola que te ps assim!

    NOITE DE UM VISIONRIO

    Nmero cento e trs. Rua Direita. Eu tinha a sensao de quem se esfola

    E inopinadamente o corpo atola Numa poa de carne liquefeita!

    Que esta alucinao ttil no cresa!

    Dizia; e erguia, oh! Cu, alto, por ver-vos, Com a rebeldia acrrima dos nervos

    Minha atormentadssima cabea.

    a potencialidade que me eleva Ao grande Deus, e absorve em cada viagem

    Minhalma este sombrio personagem Do drama pantestico da treva!

    Depois de dezesseis anos de estudo Generalizaes grandes e ousadas

    Traziam minhas foras concentradas Na compreenso monstica de tudo.

    Mas a aguadilha ptrida o ombro inerme

    Me aspergia, banhava minhas tbias E a ela se aliava o ardor das sirtes lbias,

    Cortando o melanismo da epiderme.

    Arimnico gnio destrutivo Desconjuntava minha autnoma alma Esbandalhando essa unidade calma, Que forma a coerncia do ser vivo.

    E eu sa a tremer com a lngua grossa

    E a volio no cmulo do excio, Como quem levado para o hospcio

    Aos trambolhes, num canto de carroa!

  • www.nead.unama.br

    52

    Perante o inexorvel cu aceso Agregaes abiticas esprias,

    Como uma cara, recebendo injrias, Recebiam os cuspos do desprezo.

    A essa hora, nas telrias reservas,

    O reino mineral americano Dormia, sob os ps do orgulho humano,

    E a cimalha minscula das ervas.

    E no haver quem, ntegra, lhe entregue, Com os ligamentos glticos precisos,

    A liberdade de vingar em risos A angstia milenria que o persegue!

    Bolia nos obscuros labirin tos

    Da frtil terra gorda, mida e fresca, A nfima fauna abscndita e grotesca Da famlia bastarda dos helmintos.

    As vegetalidades subalternas

    Que os serenos noturnos orvalhavam, Pela alta frieza intrnseca, lembravam

    Toalhas molhadas sobre as minhas pernas.

    E no estrume fresqussimo da gleba Formigavam, com a smplice sarcode,

    O vibrio, o ancilstomo, o colpode E outros irmos legtimos da ameba!

    E todas essas formas que Deus lana

    No Cosmos, me pediam, com o ar horrvel, Um pedao de lngua disponvel

    Para a filogentica vingana!

    A cidade exalava um podre bfio: Os anncios das casas de comrcio,

    Mais tristes que as elgias17 de Proprcio, Pareciam talvez meu epitfio.

    O motor teleolgico da Vida

    Parara! Agora, em distoles de guerra, Vinha do corao quente da terra Um rumor de matria dissolvida.

    A qumica feroz do cemitrio

    Transformava pores de tomos juntos No leo malso que escorre dos defuntos, Com a abundncia de um geyser deletrio.

    17 Manteve-se a acentuao, conforme texto de base, para sustentar a mtrica.

  • www.nead.unama.br

    53

    Dedos denunciadores escreviam Na lgubre extenso da rua preta Todo o destino negro do planeta, Onde minhas molculas sofriam.

    Um necrfilo mau forava as lousas

    E eu coetneo do horrendo cataclismo Era puxado para aquele abismo

    No redemoinho universal das cousas!

    ALUCINAO BEIRA-MAR

    Um medo de morrer meus ps esfriava. Noite alta. Ante o telrico recorte,

    Na diuturna discrdia, a equrea coorte Atordoadoramente ribombava!

    Eu, eglatra cptico, cismava

    Em meu destino!... O vento estava forte E aquela matemtica da Morte

    Com os seus nmeros negros, me assombrava!

    Mas a alga usufruturia dos oceanos E os malacoptergios subraquianos

    Que um castigo de espcie emudeceu,

    No eterno horror das convulses martimas, Pareciam tambm corpos de vtimas

    Condenadas Morte, assim como eu!

    VANDALISMO

    Meu corao tem catedrais imensas, Templos de priscas e longnquas datas, Onde um nume de amor, em serenatas,

    Canta a aleluia virginal das crenas.

    Na ogiva flgida e nas colunatas Vertem lustrais irradiaes intensas Cintilaes de lmpadas suspensas

    E as ametistas e os flores e as pratas.

    Com os velhos Templrios medievais Entrei um dia nessas catedrais

    E nesses templos claros e risonhos...

    E erguendo os gldios e brandido as hastas, No desespero dos iconoclastas

  • www.nead.unama.br

    54

    Quebrei a imagem dos meus prprios sonhos!

    Pau dArco, 1904

    VERSOS NTIMOS

    Vs?! Ningum assistiu ao formidvel Enterro de tua ltima quimera.

    Somente a Ingratido esta pantera Foi tua companheira inseparvel!

    Acostuma-te lama que te espera!

    O Homem, que, nesta terra miservel, Mora, entre feras, sente inevitvel Necessidade de tambm ser fera.

    Toma um fsforo Acende teu cigarro!

    O beijo, amigo, a vspera do escarro, A mo que afaga a mesma que apedreja.

    Se a algum causa inda pena a tua chaga,

    Apedreja essa mo vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!

    Pau d`Arco, 1901

    VENCEDOR

    Toma as espadas rtilas, guerreiro,

    E rutilncia das espadas, toma A adaga de ao, o gldio de ao, e doma

    Meu corao estranho carniceiro!

    No podes?! Chama ento presto o primeiro E o mais possante gladiador de Roma.

    E qual mais pronto, e qual mais presto assoma, Nenhum pde domar o prisioneiro.

    Meu corao triunfava nas arenas. Veio depois um domador de hienas

    E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

    Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem... E no pde dom-lo, enfim, ningum,

    Que ningum doma um corao de poeta!

    Pau d`Arco, 1902

  • www.nead.unama.br

    55

    A ILHA DE CIPANGO

    Estou sozinho! A estrada se desdobra Como uma imensa e rutilante cobra

    De epiderme finssima de areia... E por essa finssima epiderme

    Eis-me passeando como um grande verme Que, ao sol, em plena podrido, passeia!

    A agonia do sol vai ter comeo!

    Caio de joelhos, trmulo... Ofereo Preces a Deus de amor e de respeito E o Ocaso que nas guas se retrata

    Nitidamente reproduz, exata, A saudade interior que h no meu peito...

    Tenho alucinaes de toda a sorte...

    Impressionado sem cessar com a Morte E sentindo o que um lzaro no sente, Em negras nuanas lgubres e aziagas

    Vejo terribilssimas adagas, Atravessando os ares bruscamente.

    Os olhos volvo para o cu divino

    E observo-me pigmeu e pequenino Atravs de minsculos espelhos.

    Assim, quem diante duma cordilheira, Pra, entre assombros, pela vez primeira,

    Sente vontade de cair de joelhos!

    Soa o rumor fatdico dos ventos, Anunciando desmoronamentos

    De mil lajedos sobre mil lajedos... E ao longe soam trgicos fracassos

    De heris, partindo e fraturando os braos Nas pontas escarpadas dos rochedos!

    Mas de repente, num enleio doce,

    Qual se num sonho arrebatado fosse, Na ilha encantada de Cipango tombo,

    Da qual, no meio, em luz perptua, brilha A rvore da perptua maravilha,

    cuja sombra descansou Colombo!

    Foi nessa ilha encantada de Cipango, Verde, afetando a forma de um losango, Rica, ostentando amplo floral risonho, Que Toscanelli viu seu sonho extinto

    E como sucedeu a Afonso Quinto Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho!

  • www.nead.unama.br

    56

    Lembro-me bem. Nesse maldito dia O gnio singular da Fantasia

    Convidou-me a sorrir para um passeio... Iramos a um pas de eternas pazes Onde em cada deserto h mil osis E em cada rocha um cristalino veio.

    Gozei numa hora sculos de afagos,

    Banhei-me na gua de risonhos lagos, E finalmente me cobri de flores...

    Mas veio o vento que a Desgraa espalha E cobriu-me com o pano da mortalha,

    Que estou cosendo para os meus amores!

    Desde ento para c fiquei sombrio! Um penetrante e corrosivo frio Anestesio u-me a sensibilidade

    E a grandes golpes arrancou as razes Que prendiam meus dias infelizes A um sonho antigo de felicidade!

    Invoco os Deuses salvadores do erro. A tarde morre. Passa o seu enterro!...

    A luz descreve ziguezagues tortos Enviando terra os derradeiros beijos.

    Pela estrada feral dois realejos Esto chorando meus amores mortos!

    E a treva ocupa toda a estrada longa... O Firmamento uma caverna oblonga

    Em cujo fundo a Via-Lctea existe. E como agora a lua cheia brilha!

    Ilha maldita vinte vezes a ilha Que para todo o sempre me fez triste!

    Pau d`Arco, 1904

    MATER

    Como a crislida emergindo do ovo Para que o campo flrido a concentre,

    Assim, oh! Me, sujo de sangue, um novo Ser, entre dores, te emergiu do ventre!

    E puseste -lhe, haurindo amplo deleite,

    No lbio rseo a grande teta farta Fecunda fonte desse mesmo leite

    Que amamentou os febos de Esparta.

  • www.nead.unama.br

    57

    Com que avidez ele essa fonte suga! Ningum mais com a Beleza est de acordo,

    Do que essa pequenina sanguessuga, Bebendo a vida no teu seio gordo!

    Pois, quanto a mim, sem pretenses, comparo,

    Essas humanas coisas pequeninas A um biscuit de quilate muito raro

    Exposto a, amostra, nas vitrinas.

    Mas o ramo fraglimo e venusto Que hoje nas dbeis gmulas se esboa,

    H de crescer, h de tornar-se arbusto E lamo altivo de ramagem grossa.

    Clara, a atmosfera se encher de aromas,

    O Sol vir das pocas sadias... E o antigo leo, que te esgotou as pomas,

    H de beijar-te as mos todos os dias!

    Quando chegar depois tua velhice Batida pelos brbaros invernos,

    Relembrars chorando o que eu te disse, sombra dos sicmoros eternos!

    Pau d`Arco,1905

    POEMA NEGRO

    A Santos Neto

    Para iludir minha desgraa, estudo. Intimamente sei que no me iludo.

    Para onde vou (o mundo inteiro o nota) Nos meus olhares fnebres, carrego A indiferena estpida de um cego

    E o ar indolente de um chins idiota!

    A passagem dos sculos me assombra. Para onde ir correndo minha sombra

    Nesse cavalo de eletricidade?! Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:

    Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem? E parece-me um sonho a realidade.

    Em vo com o grito do meu peito impreco! Dos brados meus ouvindo apenas o eco, Eu toro os braos numa angstia douda

    E muita vez, meia-noite, rio Sinistramente, vendo o verme frio

  • www.nead.unama.br

    58

    Que h de comer a minha carne toda!

    a Morte esta carnvora assanhada Serpente m de lngua envenenada

    Que tudo que acha no caminho, come... Faminta e atra mulher que, a 1 de Janeiro,

    Sai para assassinar o mundo inteiro, E o mundo inteiro no lhe mata a fome!

    Nesta sombria anlise das cousas,

    Corro. Arranco os cadveres das lousas E as suas partes podres examino...

    Mas de repente, ouvindo um grande estrondo, Na podrido daquele embrulho hediondo Reconheo assombrado o meu Destino!

    Surpreendo-me, sozinho, numa cova.

    Ento meu desvario se renova... Como que, abrindo todos os jazigos, A Morte, em trajes pretos e amarelos Levanta contra mim grandes cutelos E as baionetas dos drages antigos!

    E quando vi que aquilo vinha vindo Eu fui caindo como um sol caindo

    De declnio em declnio; e de declnio Em declnio, com a gula de uma fera,

    Quis ver o que era, e quando vi o que era, Vi que era p, vi que era esterquilnio!

    Chegou a tua vez, oh! Natureza! Eu desafio agora essa grandeza,

    Perante a qual meus olhos se extasiam... Eu desafio, desta cova escura,

    No histerismo danado da tortura Todos os monstros que os teus peitos criam.

    Tu no s minha me, velha nefasta! Com o teu chicote frio de madrasta

    Tu me aoitaste vinte e duas vezes... Por tua causa apodreci nas cruzes,

    Em que pregas os filhos que produzes Durante os desgraados nove meses!

    Semeadora terrvel de defuntos,

    Contra a agresso dos teus contrastes juntos A besta, que em mim dorme, acorda em berros;

    Acorda, e aps gritar a ltima injria, Chocalha os dentes com medonha fria Como se fosse o atrito de dois ferros!

  • www.nead.unama.br

    59

    Pois bem! Chegou minha hora de vingana. Tu mataste o meu tempo de criana

    E de segunda-feira at domingo, Amarrado no horror de tua rede,

    Deste-me fogo quando eu tinha sede... Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!

    Sbito outra viso negra me espanta! Estou em Roma. Sexta-feira Santa.

    A treva invade o obscuro orbe terrestre. No Vaticano, em grupos prosternados,

    Com as longas fardas rubras, os soldados Guardam o corpo do Divino Mestre.

    Como as estalactites da caverna, Cai no silncio da Cidade Eterna

    A gua da chuva em largos fios grossos... De Jesus Cristo resta unicamente

    Um esqu