4
Eugenio Mussak escreve ha tempos neste espa<;o daVIDA SIMPLES e afirmaque levou tempo para aprender algumas coisas, inclusive a lidar com 0 tempo. Enviesuas perguntas para pensandobem@abril.com.br.

Eugenio Mussak ha - funcef.com.br · Eugenio Mussak escreve ha tempos neste espa

  • Upload
    vohanh

  • View
    219

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Eugenio Mussak ha - funcef.com.br · Eugenio Mussak escreve ha tempos neste espa

Eugenio Mussakescreve ha tempos neste espa<;oda VIDA SIMPLES e afirma que levoutempo para aprender algumas coisas,inclusive a lidar com 0 tempo.Envie suas perguntas [email protected].

Page 2: Eugenio Mussak ha - funcef.com.br · Eugenio Mussak escreve ha tempos neste espa

A passagem do tempoo tempo passa e ficamos com a sensa<;ao deque nunca 0 aproveitamos como deverfamos.Existe uma maneira de conciliar a vida como tempo, que a consome?

Os gregos, que encontravam ex-plica<;:aopara tudo pelas for<;:asema-nadas pelo monte Olimpo, nao secontentavam em ter urn deus do tem-po, tinham logo dois: Cronos e Kai-ros. Urn so deus grego nao seria sufi-ciente para explicar a rela<;:aodo ho-mem com 0 tempo, tamanha a tensaoque existe entre ambos.

A unica proeza em que 0 homemteve sucesso, a respeito do tempo, foiconseguir medi-lo. Para isso, analisoucidos, como os movimentos da Lua edo Sol, observou seu efeito sobre anatureza e, entao, padronizou os tem-pos do ano, das esta<;:6ese dos dias,posteriormente divididos em fra<;:6es,chamadas horas, minutos, segundos.Em sua arrogancia, 0 humano acredi-tou que, ao medir 0 tempo, 0 contro-laria. Doce ilusao. As medidas s6 ser-viram para aumentar a sensa<;:aodapassagem veloz do tempo, que escor-re pelas maos, como a agua.

Mas nem tudo esta perdido. Nos,human os, podemos ser apenas pobresmortais, mas temos uma ferramentaque nos permite controlar, se nao 0

tempo, nossa pr6pria existencia.Essaferramenta se chama consciencia.Eela nos permite conviver com 0 tempocom base em tres vis6es: da fisica,dametafisica e da etica. Do ponto devis-ta fisico, 0 tempo pode ser medido.No ambito da metafisica, 0 tempopo-de ser sentido. E, de acordo com a eri-ca, 0 tempo deve ser vivido.

A fisica e a rela<;:aomais obvia,e ecom um instrumento fisico que nospassamos a medir 0 tempo: 0 relogio.Contudo, ele apenas nos avisaque 0

tempo passa - 0 que faremos comes-sa informa<;:aoe problema nosso.Doponto de vista do que esta alemdafi-sica, 0 tempo e um sentimento, por-tanto ele tem dura<;:aovariavel, con-trariando os relogios. Veja so: doisminutos de broca do dentista SaDmais longos do que 16minutos escu-tando 0 Bolero de Ravel ao lado dapessoa amada.

E, quanta it etica, ela nos alertapara um fato obvio so para os maisconscientes: 0 tempo e urn recursoescasso que nao pode ser reposto, esua qualidade dependeni do que fi-zermos com ele. Como disse MarcelProust: "0 amor e 0 espa<;:oeo tem-po tornados sensiveis ao cora<;:11:o".Eele entendia do assunto, pois dedi-cou mais de uma decada para escre-

Page 3: Eugenio Mussak ha - funcef.com.br · Eugenio Mussak escreve ha tempos neste espa

Nossa paz com 0 tempo e proporcional a pazque estabelecemos com as nossas escolhas

ver cerca de 4 mil paginas, que forampublicadas em sete volumes dedica-dos a relalj:ao humana com seus va-lores, entre eles 0 tempo. A essa obracompleta, 0 escritor frances chamouEm Busca do Tempo Perdido. No ulti-mo volume, 0 Tempo Reencontrado,o autor faz varias voltas ao passado edescobre que so a memoria podera sedefrontar com 0 tempo e nossa pazinterior sera proporcional ao que amemoria encontrar na volta ao pas-sado, ou seja, a qualidade que demosao tempo que nos foi dado viver.

Podemos sentir 0 tempoe medi-lo. Entao ele esta anossa disposi<;:ao?

o tempo esta a nossa disposilj:ao,mas e ele que dispoe de nos, por isso,estabelecer com ele uma relalj:ao depaz e urn ato de sabedoria. Sentir emedir 0 tempo sao aparentados, poisambos nos permitem perceber seuandar ininterrupto. Como? Bern,sentir e medir 0 passar das horas saoiniciativas ute is, pois nos ajudam adecidir 0 que faremos com 0 tempode que dispomos. Assim, nossa pazcom 0 tempo sera diretamente pro-porcional a paz que estabelecemoscom nossas escolhas e nossas deci-soes. E essas sao pessoais, relativasaos valores de cada urn.

o cientista Ingles Stephen Haw-king, que ocupa na Universidade deCambridge a mesma cadeira que ja foide Newton, escreveu urn livro chama-do Uma Breve Hist6ria do Tempo. Emdado momento, em meio a intrinca-dos conceitos cientificos, ele ponderaque 0 tempo tern que ser analisadocom base em tres setas: a seta cosmo-logica, que explica a expansao do Uni-verso, a seta termodinamica, que ex-plica a modificalj:ao constante das coi-sas, e a seta psicologica.

Sim, 0 fisico mais importante daatualidade nao consegue analisar os fa-tos do tempo sem recorrer a psicologia.Os enigmas intrincados da materia serelacionam com os misterios do tempodesde sempre, mas, quando 0 homempassou a protagonizar essapelj:ano pal-co do Universo, seus pensamentos esentimentos acrescentaram novos in-gredientes ao roteiro, as vezes de come-dia, as vezes de tragedia.

A maior contribuilj:ao da fisica,nesse assunto, e a ideia da relatividade.As sofisticadas descobertas de Einsteinsobre a velocidade da luz nos levarama abandonar a ideia de tempo unico eabsoluto. Entao: "0 tempo se tornouurn conceito mais pessoal, relativo aoobservador que 0 esta medindo'; dizHawking. Nossa relalj:aocom 0 tempose faz baseada em nossos valores, op-lj:oes,decisoes e culpas. Eo tempo psi-cologico. Eu dedico mais tempo aqui-10 que tern mais valor para mim. 0problema e conhecer seus valores.

Voltando aos gregos, Cronos e 0

deus do tempo medido, por isso usa-mos expressoes como cronograma,cronologia, cronometro. Nos livrosde mitologia, ele e representado co-

Page 4: Eugenio Mussak ha - funcef.com.br · Eugenio Mussak escreve ha tempos neste espa

010 um deus malvado, que come seusproprios fillios, simbolizando 0 que 0

tempo faz conosco atualmente - pa-rece que ele nos devora. Ja Kairos e 0

deus do tempo vivido, das escolhasque fazemos, da maneira como nosaproveitamos a vida. Cronos e quan-titativo, e Kairos e qualitativo.

A primeira sensa~ao e a de queCronos e inimigo e Kairos amigo. 0primeiro quer subjugar, e 0 segundolibertar. Mera sensa~ao, pois, na pra-tica, nos precisamos de ambos, umavez que nao podemos escolher a feli-cidade sem nos organizarmos paraalcan~a-la. Kairos nos estende a mao,Cronos nos empurra. Mas e necessa-rio que saibamos 0 que queremos eque consigamos nos organizar.

A sabedoria consiste emestabelecer uma conexaoentre os val ores pessoais e agestao do tempo disponivel?

A mitologia iJustra bem essa an-gustia humana. Zeus, 0 mais podero-so deus do Olimpo grego, era filho deCronos, mas nenhum dos dois co-nhecia esse parentesco, mantido emsegredo por Rea, mae dos filhos deCronos. Mas Zeus so assume a posi-~ao de poder quando enfrenta Cro-nos e 0 vence em uma batalha. Elehavia sido sabiamente aconselhado anao matar seu oponente, pois assimele estaria matando 0 proprio tempoe ficaria, entao, aprisionado no ins-tante, sem futuro nem memoria.

A estrategia de Zeus foi veneerCronos, cortando seus tend6es eamarrando sua cabe~a aos pes, crian-do um circulo com seu corpo. A par-tir de entao, 0 deus do tempo passou

a ser tambem 0 deus das a~6es repe-titivas, como 0 dia e a noite e as esta-~6es do ano, eventos ciclicos.

Na pr<itica,Zeus conquistou Cro-nos e 0 dominou, administrou. Nos-sa vida moderna nao difere disso. To-dos temos 24 horas por dia a nossadisposi~ao, mas estou certo de quevoce conhece pessoas que aprovei-tam bem essas horas, produzem, tra-balham, estudam, se cuidam, se di-vertem, cultivam as rela~6es. E tam-bem conhece outros, que se queixamda falta de tempo, da velocidade dosacontecimentos, da sensa~ao de im-perman encia e da falta de controle.Na pr<itica, 0 que acontece mesmo eexatamente a falta de controle, dea~ao da logica na organiza~ao de su-as prioridades. A agenda nao escravi-za - ao contrario, liberta, confere au-tonomia, possibilidades, alcances.

Mas gestao e a segunda palavra-chave. A primeira e escolha. Fazemosnossas escolhas com base em nossosvalores e criamos uma estrategia paraatingir nossos propositos. Estrategiasdependem de recurs os, entre eles, 0

mais caro e raro: 0 tempo.

o ideal seria estabeleceruma relac;:aol6gica entrepresente, passado e futuro?

Muito se fala que a unica coisareal e 0 presente, pois 0 passado naoexiste mais e 0 futuro ainda esta porvir. Ha uma logica nessa observa~ao,mas e uma logica primitiva, po is es-ses tempos sac totalmente interliga-dos e interdependentes.

E verdade que 0 presente e a uni-ca realidade pr<itica, mas tambem everdade que e nesse instante que se

inserem 0 passado e 0 futuro. Na di-mensae temporal atual, 0 passado re-cebe 0 nome de memoria e 0 futurotern varios pseudonimos, como so-nho, desejo, medo e esperan~a.

o futuro nao e algo que vai exis-tir. 0 futuro existe agora. Alias, 0 fu-turo so existe no presente, pois,quando no futuro, 0 futuro virarpresente, ele deixara de ser futuro.Parece obvio, mas escapa da percep-~ao cotidiana da maio ria das pesso-as. E escapa tambem 0 fato de que 0

futuro virara presente e, quando issoacontecer, ele sera melhor ou pior, adepender das providencias tomadasno presente, neste exato momento.

Em outras palavras, so vivemosno presente, mas estamos fortementeconectados ao passado, que nos ensi-na, e ao futuro, que nos motiva. Vivere estar atado a essa triade temporal,doce ou amarga, dependendo daconsciencia de cada urn. Fazer as pa-zes com 0 tempo e a verdadeira sabe-doria. So que "a sabedoria nao setransmite, e preciso que nos a descu-bramos fazendo uma caminhada queninguem pode fazer em nosso lugar eque ninguem nos pode evitar, por-que a sabedoria e uma maneira dever as coisas': tambem disse Proust.

Sim, a sabedoria e uma maneirade ver as coisas, mas isso exige inten-~ao, disposi~ao e coragem. 0 proble-ma e que desenvolvemos essas tresqualidades em epocas diferentes denossa vida, por isso a maturidade asvezes tarda, depende do tempo.

o mesmo tempo que exige ma-turidade para ser bem escolhido econtrolado, em outras palavras, paraser muito bem vivido .•