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Antologia Poética
3
“O amor é a única coisa valiosa na vida, é difícil encontrá-lo,
mas quem o descobre encontra o sentido de tudo.”
―Evan Do Carmo
Só a maturidade do gênio produz, na arte e na vida a
simplicidade.
Antologia Poética
5
© Copyright by Evan do Carmo 2014
___________________________________________________
Programação Visual o Autor
Arte da capa o Autor
Revisão Iranete Pontes
___________________________________________________
Evan do Carmo
Antologia Poética
Evan do Carmo – Brasília 2014.
380 p.
1. Literatura, Brasil 1. Poesia. I. Título
__________________________________________________
ISBN-13: 978-1502952851
ISBN-10: 1502952858
___________________________________________________
Todos os direitos em língua portuguesa, no Brasil, reservados
de acordo com a lei. Nenhuma parte deste livro pode ser
reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer
meio, incluindo fotocópia, gravação ou informação
computadorizada, sem permissão por escrito do Autor.
Printed in Brazil
Antologia Poética
6
Com Giovanna, sua neta, foto tirada por Iranete Pontes do
Carmo, no Pontão do Lago Sul em Brasília... Um dos
momentos mais inspiradores na vida do Poeta.
Antologia Poética
7
Aqui o Poeta Evan do Carmo com sua Esposa e Musa, Iranete,
nesta foto comemoram 24 anos de união. Esta foto foi tirada em
2013 no Parque da Cidade, em Brasília.
Antologia Poética
9
Em casa do Poeta Emil de Castro em Mangaratiba no Rio de
Janeiro. Emil é um dos grandes poetas vivos, segundo Evan do
Carmo!
Antologia Poética
10
Aqui o Poeta Evan do Carmo com seu filho Evan Henrique, no
lançamento do seu livro o Fel e o Mel, na Fnac em Brasília em
2008
Antologia Poética
12
“Todo ser humano tem suas preferências, alguns têm partidos,
outros religião, outros times de futebol, contudo, todos têm o
mesmo direito de escolha e o direito universal de se expressar,
quanto ao que acredita e defende. Eu sou poeta e, como tal, me
reservo a outro direito: Minha liberdade Poética, todavia tenho
um lado, o lado que me convém, desde que este lado me faça o
bem.”
Antologia Poética
13
Esta Antologia Poética tem como objetivo apresentar a obra do
poeta Evan do Carmo, em resumo da sua áurea artística, uma
síntese da sua poesia. Para isto, o próprio autor organizou uma
coleção, daquelas que considera suas mais robustas flores
poéticas. Há aqui poemas de vários períodos criativos, alguns
temas oportunos que revelarão ao leitor uma breve visão da
ótica do poeta sobre o mundo, sobre o cosmo, sobre a filosofia
que adotou como premissa para o amor, e, sobretudo para
melhor suportar a existência.
E por que então esta antologia com o poeta ainda vivo? A vida
é breve, a morte leve para quem fez da existência sua fortaleza
criativa. Morre o homem, a arte vive. Quem me garante que ela
seria publicada depois da minha morte? Sempre procurei eu
mesmo fazer com que a minha poesia fosse capaz de chegar ao
mundo, não importa se o mundo atual pouco tem ouvidos e
olhos para poesia, mas como teria se não houvesse quem
fizesse da poesia seu modo de vida?
Antologia Poética
14
São as nossas melhores qualidades que despertam inveja e
ciúmes, por elas não raro somos condenados, já pelos nossos
erros, quase sempre encontramos quem nos perdoe.
Antologia Poética
15
Pois sou humano
Não me fales de angústias
nem de medos, pois sou humano
não me fales de equívocos
e desengano, pois sou humano…
Não me fales de dores, de cabeça
ou de consciência, de insônias
ou de sonhos abortados,
pois sou humano.
Não me fales de desejos secretos
ou de esperanças vãs, pois, como tu,
nasci chorando, assustado
com a face tenebrosa da incerteza.
Não me fales da miséria cultural
que nós herdamos, pois
dela me alimento todos os dias
e repito os enganos dos meus pais.
Não me fales do futuro que me espreita,
como uma hiena pronta a estrangular
os sonhos das crianças, pois já fui criança,
reconheço muito bem o meu passado.
Não me fales da estupidez dos homens
que mesmo amando às vezes matam
ou da meiguice virtuosa das mulheres
que por amor fingem tanto e nos maltratam.
Antologia Poética
16
Não me fales da poesia da aurora
pois sou humano, quando devia ser poeta.
Não me fales dos enigmas que não queremos decifrar,
do medo da guerra que esquecemos,
se à noite é o dinheiro que nos impede de sonhar.
Não, não me fales destas coisas sem importância,
pois na vida, cedo ou tarde tudo perde a importância,
a convivência com a humanidade me fez indiferente,
insensível às dores do meu semelhante, todavia,
não me julgues, não me queiras mal,
pois afinal, eu sou humano.
Antologia Poética
17
Alma mediana
Tenho estatura mediana,
mas a minha alma é grande
imensa em confusão,
grande em abismo e desespero
longa em desvantagem
em distância do meu companheiro
que importância tem a minha vida
ou a minha alma, que de tão grande
chega a ser desmilinguida.
Que importância tem o mundo
tudo no mundo é sem importância
que geração passada, presente ou futura
saberá avaliar as angústias do poeta da tabacaria?
Apenas alguém que entra e sai da mesma cena
como um viciado que gasta todo seu dinheiro,
mas que ao partir ninguém se lembra do seu infortúnio
nem do seu nome ou do seu paradeiro
alguém sem teto ou latifúndio,
neste mundo em desespero.
Que importância tem a minha alma
se parece grande ou raquítica
os homens são da mesma espécie e estatura
animais que caminham de olhos no chão
vítimas de um tipo raro de loucura
basta um grito para que se dirijam
para outra direção, para outro destino,
tolos meninos correndo atrás
de borboletas coloridas ou bolas de sabão.
Antologia Poética
18
Que importância tenho eu neste contexto
ou a minha poesia medíocre, sem pretexto
que importância tem a minha alma
ou minha estatura mediana
que razão tenho eu para reclamar
da minha vida, este pré-texto
doutra vida extemporânea..
Antologia Poética
19
A atriz
A atriz enxuga o rosto, é outro ato
sua vida uma comédia essencial
se na vida sem fingir não é feliz
no teatro do existir nada é real.
Leva a vida com empenho incomum
pela glória de viver a fantasia
se a roupa não lhe cabe ela engorda
ignora o ultraje do papel
e recita a mais bela poesia.
Noutra cena ela é mãe ou filha errante
abre a porta da ilusão ao sonhador
quando chora nos ilude como amante
a sorrir nos liberta de uma dor.
Antologia Poética
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Assim voam as borboletas
-Qual é o objetivo da vida?
Perguntam os inocentes.
Eu, se vejo uma borboleta voando
Logo encontro a resposta facilmente.
Para onde voam as borboletas?
Para que paraíso acreditam irem?
Mas as borboletas não têm metafísica
As borboletas voam sem inquietação.
Os homens que não sabem para onde vão
São mais vigorosos em seu caminhar
É preciso ter muita coragem
para seguir um rumo incerto.
Para ser feliz é preciso ser uma borboleta
Não ser como as borboletas
Pois só uma borboleta voa impávida
Rumo à mutação do nada.
Ela, a borboleta, se contenta
Em apenas ter sido lagarta
O homem, porém, não suporta
Nunca ter sido outra coisa
Por isso almeja o paraíso
Para ser borboleta
Antologia Poética
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Vácuo
No vácuo, na falta de som
De luz, de poesia,
No caos da antimatéria
No infinito querer, jaz a ilusão:
Um pensamento morto
Uma discussão, a retórica
A dialética socrático-aristotélica
A coisa em si Kantesca (Kant)
Metafísica antipoética de Pessoa
A natureza viva de Cabral de Melo
O discurso sistemático cartesiano
O enfado amoroso kierkegaardiano
A impossibilidade da “república”
A ineficácia da “política”
O fracasso didático de Foucault
O erro freudiano, o sonho de Jung
O desejo superado de Lacan.
No vácuo, onde outrora estava o saber
Nada habita, sumiu a consciência
Só a falta de ar como indulgência
O temor de perceber que tudo,
Tudo é vácuo, percepção niilista
Representação, angústia Sartreana
Depressão, abismo, Schopenhauer.
O anarquismo, desgoverno, Proudhon
Sem coerção mental, pensamento avulso.
Foge-me a organização de Marx
“As massas” não se unem
Não há revolução… Nem salvação.
Morte à metafísica, lógica sem ação.
Antologia Poética
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Nicotina
Poesia crônica, cigarro cubano
Prosa de Neruda, lascívia de Caetano
Um canto, lugar único no mundo
Um tenor no máximo da sua entonação
Um acorde perfeito, música de Wagner
Encantamento de Isolda e Tristão
Sonoridade efêmera que apetece
Destoa, enlouquece alma em combustão
Meu espírito demente sem ação.
Um perfume cítrico e agreste
Nicotina que impregna o coração.
Antologia Poética
23
O cais
Caminhei pelo Cais
Cais do mar, cais da vida
Pedra em meu caminho.
De que era feita a pedra
De Drummond?
De desesperança ou de vinho?
Antologia Poética
24
A sombra
Vesti o hábito para esconder o monge
falei bem alto num calar profundo
verti uma lágrima num sorriso tonto
fugi de mim pra me achar bem longe.
Foi tanto medo de dizer verdade
que a mentira se concretizou
de sonhos vagos fiz um pesadelo
agora o espelho não me diz quem sou.
O poeta e o monstro, uma só essência
já não há disputa, pois ninguém ganhou
a musa que era flor e primavera
sobras vãs, quimera, sombra que passou.
Antologia Poética
25
Conservar o entusiasmo pela vida requer evolução espiritual; o
homem que se concentra na prática do bem, fazendo da sua
vida uma ferramenta para estimular outros a cré no divino, seja
cada um à sua maneira, torna-se um agente produtor de
felicidade e de autoestima coletiva!!!
Antologia Poética
26
Se acaso partires.
Mesmo que os meus olhos não se encontrem nos teus
ainda que a minha dor não se dissolva ao teu afago
Mas aonde eu for levarei comigo a tua imagem
ela será como uma tatuagem espiritual, só eu a verei.
Nos doamos mutuamente, assim nos encontramos
na infinita procura de um amor veraz.
Nos doamos mutuamente, assim formamos o infinito.
Se acaso partires, não importa, ainda seremos
Indo embora, voltarei, sempre que fizeres uma prece
sempre que pedires que o passado volte atrás.
Assim, teu coração se despede, como chora uma criança
e o meu emudece ao te ver partir, mas o que foi nosso
permanece.
Antologia Poética
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Ofício Incomum
Poesia é ofício incomum
é síntese de um todo
pelo verso impresso
de risos e de lágrimas
indivisível amálgama
uma sombra, uma dor!
O salto no escuro
quem pula nunca sabe
o que lhe espera
se é um rio
ou um sabre.
Não é delírio
nem devaneio
habita na ponta
habita no meio
entre o belo
e o feio
há um espanto
há um elo
um bem singelo
um desencanto.
Antologia Poética
28
Impossível expressão
Já ultrapassei os mil poemas
contudo, ainda procuro
a forma ideal para dizer
aquilo que não consigo
expressar pelos fonemas.
Talvez não consiga em poesia
revelar minha função em voz passiva
há sentimentos impronunciáveis
que na língua dos anjos não se explica
deuses e humanos se distraem e se complicam
Foi com este intuito que se inventou a poesia
a música de Bah e a pintura de Rembrandt
assim me tornei poeta, talvez presunçosamente
para buscar uma expressão correta sobre o amor
todavia me perdi no labirinto sem a musa.
Antologia Poética
29
Quase há tempo
Do tempo ficou
apenas seu presente
o passar do tempo
desagrada o futuro!
Há um muro
que separa o tempo
da criança que deseja
apanhar seu fruto
já maduro.
Contratempo, imprevisto
uma pedra sobre o tempo
que resta, uma fresta
entre o passado e o presente.
Antologia Poética
30
Delírio tardio
Ela andava distraída, descia e subia as calçadas
quem lhe via não podia supor que ela era triste
seus passos eram passos de liberdade, não de medo
seu andar descontraído escondia algum segredo.
Era moça, quase criança, alguém que se esquecera da vida
que não nutria nenhuma esperança. Era jovem, era bela
mas seu andar revelava sua história, tão incomum, tão singela.
Estava eu a observar o seu caminhar infantil
era quase noite, era tarde fria, ela continuava a andar
eu a seguia de olhar atento. Seus cabelos negros
vez por outra conversavam com o vento
eu não podia escutar aquele sublime diálogo
até que o sol se pôs, e eu a perdi definitivamente.
Acho que ela se perdeu nas nuvens
ou fora arrebatada ao olimpo, já que ao céu não poderia
mesmo sendo um anjo de beleza e lascividade, era uma deusa
daquelas de mármore, uma mistura de demônio com mulher.
era apenas uma prostituta, que andava nas ruas do rio, nos meus
devaneios de poeta.
Antologia Poética
31
Tua falta.
Há uma dor e um suspiro fatigante
advindos de acordar e não te ver
um buscar desesperado no horizonte
tua falta, fogo eterno a me aquecer.
Pela vida se caminha separados
quando juntos não se pode querer bem
somos todos companheiros desgarrados
esquecidos de abraçar a quem se tem.
Pode ser que erremos facilmente
distraídos mensurando os corações
por ser tanta natureza atraente
uma soma infinita de opções.
Antologia Poética
32
Musa
Hoje eu lembrei de ti… Não sei por que motivo
não ouvia nenhuma música especial,
que pudesse fazer relação com a tua voz e imagem.
Mas lembrei de ti com uma amargura abismal
acho que um demônio passou em minha volta
não posso conceber outro motivo
pelo qual pudesse lembrar de ti.
A paixão que um dia alimentei por tua alma
não por tua carne… o engano que foi pensar em ti
como musa e não como mulher.
São estas lembranças maléficas
para as quais não tenho explicação
que ainda me desperta o prazer pela criação
todavia não respeito o criador deste universo.
Aí a poesia volta, e eu escrevo como um lunático
passo por alto meu desgosto…
Mais uma vez sinto o gosto dos teus lábios, e o cheiro
inconfundível de tuas mãos.
Antologia Poética
33
Assim voam as borboletas
-Qual é o objetivo da vida?
Perguntam os inocentes
Eu se vejo uma borboleta voando
Logo encontro a resposta, facilmente.
Para onde voam as borboletas?
Para que paraíso acreditam irem?
Mas as borboletas não têm metafísica
As borboletas voam sem inquietação.
Os homens que não sabem para onde vão
São mais vigorosos em seu caminhar
É preciso ter muita coragem
para seguir um rumo incerto.
Para ser feliz é preciso ser uma borboleta
Não ser como as borboletas
Pois só uma borboleta voa impávida
Rumo à mutação do nada.
Ela, a borboleta, se contenta
Em apenas ter sido lagarta
O homem, porém, não suporta
Nunca ter sido outra coisa
Por isso almeja o paraíso
Para ser borboleta.
Antologia Poética
34
Enquanto ela dorme
É noite, e perto de mim dorme a minha amada.
Eu, à distância de mil pensamentos tento ouvir se ressonar.
Será que ela sonha?
Será que quando acordar se lembrará que vivo estou?
A minha amada tem os olhos azuis da cor da saudade
Suas mãos são finas, macias como lã de algodão.
Ela tem um corpo esculpido no mármore da perfeição.
Minha amada, quando sorri ilumina a noite da minha solidão.
Mas, a minha amada dorme, minha amada não sabe que morro
aqui,
Acordado, tentando dormir também para lhe encontrar.
Oh se ela pudesse me ouvir, oh se ela pudesse vir aqui.
Minha amada não respira o mesmo ar daqui
Onde estou não posso chegar até ela, a não ser em pensamento.
Nossa cama parece um imenso oceano, e eu só tenho as mãos
para lhe abraçar.
Tudo que eu queria nessa vida era que ela pudesse ouvir meus
pensamentos
Para que ela soubesse o quanto a desejo,
Oh, quem dera que ela um dia desses me acordasse com um
beijo.
Mas minha amada dorme, enquanto eu escrevo e a vejo…
Antologia Poética
35
Não quero a eternidade
Não me fale agora do futuro
Não procuro viver noutro lugar
O presente é maior e pulsa forte
Foi o hoje que nasci para inventar
Não me fale desta tal eternidade
Que para muitos é um sonho verdadeiro
Sou poeta vivo calmo neste instante
Na constante comunhão de um passageiro.
Quem irá alegrar os homens tristes
Que persistem em querer a ilusão?
Somos nós os jograis deste cometa
Que em breve cairá na imensidão
Antologia Poética
36
O que vi em tua boca
É possível assim beleza tanta
Em teu riso esplêndido e mortal?
Numa boca proibida que espanta
A libélula que do mel colheu o sal.
Vestes o manto da divina harmonia
Simetria ideal tão colossal
Se possível ao poeta quem diria
Descrever a tua boca sem igual.
Suplantei ao desejo vil insano
De querer-te nesta noite longa e fria
De abraçar o teu corpo nu, profano
E acordar abraçando a fantasia
Antologia Poética
37
A sombra
Vesti o hábito para esconder o monge
falei bem alto num calar profundo
verti uma lágrima num sorriso tonto
fugi de mim pra me achar bem longe.
Foi tanto medo de dizer verdade
que a mentira se concretizou
de sonhos vagos fiz um pesadelo
agora o espelho não me diz quem sou.
O poeta e o monstro, uma só essência
já não há disputa, pois ninguém ganhou
a musa que era flor e primavera
sobras vãs, quimera, sombra que passou.
Antologia Poética
38
Fomos lançados monte abaixo… um estranho poema
Tenho um desejo meio insano, algo que chega a ser quase um
desespero, um querer vigoroso, que não consigo esconder por
mais de um dia ou uma noite, é uma daquelas aspirações que
nos acompanham por toda a vida.
Sempre soube que existia, em algum um lugar, um paraíso à
minha espera. Sabia que esta vida natural, a que herdei dos
meus pais simples, não seria meu quinhão por muito tempo, eu
havia de me superar, embora não soubesse exatamente como,
mas lá no fundo da minha outra alma guardava esta certeza
meio maligna, como que uma inconformação existencial.
Eu não aceitava aquilo que os outros viam, as suas definições
sobre a minha pessoa interior e, quando me olhava no espelho,
lá no fundo da minha consciência, eu via outro ser que habitava
comigo em secreto, como um monstro sob a pele de um
cordeiro, outra alma escondida sob minha própria carne,
disfarçada com a minha aparência exterior.
Não tenho conhecimento de que entre os meus parentes alguém
tenha conseguido migrar da carência para a abastança, ou
mesmo da ignorância para a sapiência de um filósofo
desapegado de toda sorte de coisas materiais. Eu nasci na
miséria, não tive pompas nem presentes simples, nenhum tipo
de comemoração para me receber fora organizada, assim como
fazem os malditos burgueses deste mundo para anunciar seus
rebentos. Entrei neste mundo de loucos como todos entram.
Apenas neste quesito devo me comparar igual aos demais.
Antologia Poética
39
Estreie chorando, mas o choro foi de medo do rosto triste
daqueles que me aguardavam sem muita expectativa de
sucesso.
Filho de gente pobre muitas vezes é renegado durante a
gestação, isto quando não é literalmente abortado, por mães
inseguras e por pais omissos e covardes. Nascer sem
perspectiva e não nascer seria como que a mesma coisa, isto
para um espírito fraco amofinado, para um espermatozoide
desistente, todavia uma vez que se nasce, o futuro passa a ser
lançado, assim como se lançam os dados em um tabuleiro da
sorte.
Se lançarmos uma pedra sobre um alto monte não poderemos
nunca acertar o seu paradeiro, depois de algum tempo de sua
queda monte abaixo, não saberemos mensurar por quantas
cavidades ela passou ou por quantos abismos desconhecidos
por aquele que nunca desceu tal monte.
A vida é este lançar de pedras ou de dados, somos jogados
monte abaixo por uma força natural, que jamais saberemos
quantificar seu poder.
Temos apenas que descer montes e subir outros, pois esta força
descomunal nos impulsiona sempre para a mesma direção,
morro abaixo. A força nos é desconhecida, experimentamos seu
calor apenas ao nascer, este bravo impulso, mas quem poderia
retornar ao topo do monte de onde foi lançado e escolher outro
destino?
Antologia Poética
40
As tuas mãos
Impossível não ceder ao teu chamado
seja com os olhos ou com as mãos
Basta um olhar, logo estamos juntos
indivisível, assim é o amor quando é verdade.
Tua alma aquece meu corpo, basta um pensamento
e tuas mãos se estendem ao meu encontro.
Sem culpa e sem segredo, vencemos as barreiras
da distancia e do medo, e o vento nos transporta.
Em tuas mãos encontro a chave do prazer adormecido
tua pele me encobre e me protege do vulto do amor esquecido.
Antologia Poética
41
Se acaso partires.
Mesmo que os meus olhos não se encontrem nos teus
ainda que a minha dor não se dissolva ao teu afago
Mas aonde eu for levarei comigo a tua imagem
ela será como uma tatuagem espiritual, só eu a verei.
Nos doamos mutuamente, assim nos encontremos
na infinita procura de um amor veraz.
Nos doamos mutuamente, assim formamos o infinito
se acaso partires, não importa, ainda seremos
Indo embora, voltarei, sempre que fizeres uma prece
sempre que pedires que o passado volte atrás.
Assim, teu coração se despede, como chora uma criança
e o meu emudece ao te ver partir, mas o que foi nosso
permanece.
Antologia Poética
42
Impossível expressão
Já ultrapassei os mil poemas
contudo, ainda procuro
a forma ideal para dizer
aquilo que não consigo
expressar pelos fonemas.
Talvez não consiga em poesia
revelar minha função em voz passiva
há sentimentos impronunciáveis
que na língua dos anjos não se explica
deuses e humanos se distraem e se complicam
Foi com este intuito que se inventou a poesia
a música de Bah e a pintura de Rembrandt
assim me tornei poeta, talvez presunçosamente
para buscar uma expressão correta sobre o amor
todavia me perdi no labirinto sem a musa.
Antologia Poética
43
Quase há tempo
Do tempo ficou
apenas seu presente
o passar do tempo
desagrada o futuro!
Há um muro
que separa o tempo
da criança que deseja
apanhar seu fruto
já maduro.
Contratempo, imprevisto
uma pedra sobre o tempo
que resta, uma fresta
entre o passado e o presente.
Antologia Poética
44
A noite cai
E todo ser vivente
se apressa ao descanso
enquanto eu continuo
neste triste dilema
se deito ou me levanto.
A noite cai
Os pensamentos se reúnem
para construir o mundo
enquanto a noite canta embriagada
os homens se divertem
bebem e fazem filhos
outros fazem sexo
mas o animal descansa
enquanto o homem fuma seu cigarro
e a prostituta tira a roupa.
A noite cai
Na minha consciência há conflitos
iguais a todos, assim imagino
que não seja possível dormir
enquanto o mundo berra
enquanto crianças nascem
de parto anônimo
filhos da guerra, da miséria
dos homens poderosos
e dos deuses ausentes.
Antologia Poética
45
A metafísica é uma dor
Na vida aprendemos muitas coisas
entre as quais escolhemos a pior
pode ser uma forma de ironia
disfarçar ser o nosso bem maior.
Quem simula uma dor o faz contente
já que a dor neste caso não corrói
bons atores mascarados sem plateia
suportando com coragem o bem que dói.
Todavia não se pode fingir eternamente
ser eterno é frugal, é bem e mal
homem é pedra, só matéria animada
com uma alma indefesa e mortal.
Há um choque abismal, quando nos deparamos com uma
verdade vinda de um poema, que nos descontrói
irremediavelmente. É esta a sensação que experimento, toda
vez que releio este poema.
.
Antologia Poética
46
Para quem acredita no amor.
Dizem que o amor é abstrato
e que os sonhos são delírios
que na vida não se encontra
o ser amado, só retrato
dos amantes em seus martírios.
Todo ser que se perde atrás do mito
vive só num eterno desvario
como chuva que escorre para o mar
como pedra que se atira sobre um rio.
Quem se entrega a esta vã filosofia
faz da vida uma quimera sem razão
perde o tempo se agarrando com um fio
labirinto sem a musa do cordão.
Antologia Poética
47
Um arrepio
Abro os olhos assombrado
Uma brisa que passou não volta mais
Sobre a minha mão, irreprimível
Deixo partir um fôlego irrecuperável.
À margem dos homens a vida passa
E um vendaval arrasta sábios e inocentes
O que restará dos sonhos das mulheres
Dos santos e dos bêbados irreverentes?
Que a luz do amanhã não venha a lume
E a noite que é fiel sendo inconstante
Com seu manto esqueça um filho errante
Não irei fazer a poesia que se espera
Na quimera de rimar com o vaga-lume.
Antologia Poética
48
Prometeu
Um deus amarrado à corrente
sobre as rochas, prisioneiro
do amor pelos mortais
se entregou à justiça
de um tirano, que não pôde
dividir-se com os normais.
Foi traído pelo zelo dos irmãos
que o prenderam num abismo inumano
seu amor pelo humano fê-lo fraco
e inválido aos pés do soberano.
Nem Poder nem a força de Vulcano
pôde dele se valer ou ter piedade
fez do fogo seu prazer, seu dom profano
transformou-se como Zeus num espartano
para Júpiter se firmar na majestade.
São os mitos todos falsos, fracassados
no olimpo da razão… Seja Grego
Babilônio ou Romano
todos eles são fantasmas de Adão
é o homem nosso deus mais criativo
continua a vencer a discussão.
Toma o lado que quiser nesta disputa
na labuta de inventar um ser maior
dia e noite cria deuses e mata homens
pelo fato de não ter a direção
um reflexo assombrado do acaso
que não sabe como andar na escuridão.
Antologia Poética
49
O cálice profundo
Bebia eu o cálice do conhecimento
que ao primeiro gole pareceu-me doce.
Eu, então, bebi como quem morre de sede
mas o cálice não se esvaziava
e, à medida em que eu que bebia
mas sede sentia…
O espaço em que órbita o pensamento é infinito.
Antologia Poética
50
Sônia, minha Irmã
É saudade o que sentimos
Quanto à ausência de alguém
Os dias idos, amores vividos
Vazio de um bem.
Sentir angústia sem fim
Um rio que levou folha morta
Amores que se foram, longe de mim
Agora saudade, um fechar de porta.
Entre o viver e o sentir, a lembrança
Um abismo intransponível
Um querer sem esperança
Um deitar e levantar impossível.
Nem lágrimas fazem sentido
A dor é minha, interior
Se outros soubessem nada mudaria
Pois é só meu, somente meu este amor.
Antologia Poética
51
Esquecimento
E se um dia perdesses a memória
a ponto de não mais reconhecer-me
e se você não se lembrasse do meu rosto
nem da minha voz? Nem que fui o único
a quem você amou.?
Então como viveria, sem poder recordar
os momentos de infinita alegria que juntos,
vivemos? Se um dia eu não mais existir
em sua mente, em seu olhar, e, sobretudo em sua pele?
E se um dia você perder a memória, como lembraremos
que nunca estivemos de fato juntos?
Antologia Poética
52
A sombra do que sou
Não cabe a mim uma exposição perfeita do que sou
Nem a convivência com outros me define
No dia-a-dia me revelo, num espelho escuro,
Há um muro entre o que sou e o que quero ser.
Na comunicação com os meus pares
Irmãos, nem a alma gêmea que me tem
Nos momentos noturnos de prazer e gozo
É capaz de me sondar completamente.
Pois quando penso e falo, não sou quem digo
Na verdade é outra alma que de tanto se esconder
entrou em mim, para fingir que mente.
Como vejo o mundo me revelo, mas a outra que houve
Não percebe, vê em mim aquilo que deseja
Na poesia efêmera desta vida
A imagem do belo que verseja.
Antologia Poética
53
Vernáculo de deuses
Sem palavra, vernáculo de deuses
Não se pode expressar uma paixão
Dos humanos se sabe que é o sangue
A maior verdade uma ilusão.
Quando pensam que sabem perdem a fala
Sempre calam diante do perdão
A vingança que encanta a tragédia
O desprezo que alimenta um louco amor.
Se palavras servissem como enredo
Só o vento saberia este segredo
Num abismo onde há razão e medo
Esta angústia, este fado, esta prisão.
Antologia Poética
54
Que motivo tenho para sorrir?
Que motivo tenho eu para sorrir
se os homens não querem mais viver
desistiram da luta pelo medo
e o segredo da paz vi se perder
Tá em baixo da lama despojada
onde a alma enterrou sem perceber
morre hoje o futuro deste mundo
lá fundo do verbo não-querer.
Que motivo teremos todos nós
para buscar nos escombros a razão
para crê que de tudo já se fez
se ainda não sabemos do perdão.
Se sorrindo o mundo se transforma
não queremos outra forma, inversão
é o mundo que gira roda a roda
mas o fim é o mesmo meu irmão.
Antologia Poética
55
Como Quixote
Como Quixote vivo a delirar
O que falta-me aos olhos
Sobra-me na mente
Penso mais que realizo
Preciso viver, preciso lutar
Montar meu Rocinante
Encontrar um dragão pra derrotar
Sair do mundo das ideias
Mas vivo preso ao passado
Passado que virou presente
Onde vivem as minhas Ducineias.
Antologia Poética
56
Se a poesia é dor que dilacera
E o amor indubitável fera
Sofrer não pode ser quimera
E sim virtude do existir
A paz lugar na consciência
Na luta infinda de um querer
Sofrendo se perde a esperança
Os dias são elos sem fiança
que separam o querer do conseguir.
Antologia Poética
57
Sonho de morte
Encontrei-me esta noite com você
Em um sonho sul real
Em um lugar bem conhecido nosso
Era numa praça, onde costumávamos ir
Você estava como sempre bela
Com um vestido amarelo.
Tudo parecia igual, embora irreal
Não podia ser verdade este encontro
Faz anos que nos separamos
E depois de algum tempo
Recebi a noticia triste de sua morte.
Mas era mesmo você… Aquela mesma mulher
Por quem um dia eu já morri de amores.
Ainda lembro com vivida convicção
De que havia flores no jardim,
Era talvez primavera
Mas não se ouvia o canto dos pássaros
Enquanto falávamos, sobre o passado distante
Surgiu um vendaval, tudo ficou de pernas pro ar
Uma tempestade seguiu o vento, que destruiu tudo
Tudo ao nosso redor sumira como encanto
Então acordei e você estava ainda comigo.
Antologia Poética
58
Venha querida
Venha querida, dê-me a sua mão
Sentemos à beira do rio
Olhemos a vida seguir seu curso
Abraça-me… Só nos teus braços
Eu posso pensar em eternidade
Venha querida, dê-me a sua mão
Sentemos à beira do rio
Deixemos a vida seguir seu curso
Beije-me para que eu possa sonhar
Com a eternidade.
Aperte a minha mão, e sinta o silêncio
Nenhuma palavra será suficiente
Para representar o que sinto agora.
Venha querida, dê-me a sua mão
Sentemos à beira do rio
Esperemos a vida seguir seu curso.
Venha querida… Esqueçamos o tempo
Não importa as pancadas do relógio
Vale mais a beleza do rio.
Aperte minha mão, e sinta o silêncio
Nenhuma palavra será suficiente
Para representar o que sinto agora
Venha querida, dê-me a sua mão
Antologia Poética
59
Sentemos à beira do rio
Esperemos a vida seguir seu curso.
Venha querida… Esqueçamos o tempo
Não importa as pancadas do relógio
Vale mais a beleza do rio.
Antologia Poética
60
“A poesia será sempre o teu abrigo
Uma casa segura, um conforto
Preenchendo a tua vida vã, vazia
Na agonia velada do teu rosto.”
Antologia Poética
61
De Angra a Parati!
Sonhos e alucinações me são frequentes
ao me lembrar do que nunca houve entre nós,
como um aceno teu, um sorriso complacente
de ti para mim, nem mesmo em pensamentos
me foram reveladas as tuas intenções
as imagens são curvas, sombras, calafrios
às vezes pesadelos.
Do teu corpo sinuoso nunca senti sequer o perfume
no máximo uma dança, de corpo ausente
e de alma distante... Um aperto de mão
um breve adeus, um até breve,
quem sabe um telefonema.
Assim me encontro, impávido,
com um incerto destino desafortunado
sempre na expectativa enfadonha
de um dia voltar a te encontrar
como quem anda por estradas perigosas
curvas, florestas e praias desertas
de Angra a Parati, de ti para mim.
Antologia Poética
62
Mulher, quase perfeição
É da natureza da mulher
ser Inconstante
e às vezes imutável
é esta inconstância
que nos fascina
sua imprevisibilidade
nos provoca e nos cativa.
É bom que seja assim
pois que graça teria a vida
se um homem estivesse
sempre seguro do amor
de sua mulher?
Os homens não estão
preparados para este
privilégio, a natureza
preferiu a mulher
para doar
sua quase perfeição.
Antologia Poética
63
Com gestos simples o amor tatua a alma
e em carne viva os amantes choram e gozam
como num crisol, corpos afins se purificam
o que antes não se compreendia se cristaliza
se solidifica em luz, em paz, em calma.
Antologia Poética
64
Nos verdadeiros amantes
os sentidos se apuram
no calor inevitável dos desejos
na linha irregular que separa a terra e o céu,
no espaço celeste que habita
o sabor adocicado dos teus beijos.
Antologia Poética
65
A beleza da criação artística reside na limitação de dois
mundos: Um, onde tudo se realiza com a perícia das mãos e
mente, e outro, onde se imagina concretizar o improvável
poético, entre a paixão e o racional, entre o belo utópico e a
matéria-prima que se tem em mãos.
Antologia Poética
66
Fora do trilho
Longe um do outro
como o olho e o cílio.
Na proa, no tombadilho
assisto o afastar do cais
me sufoca a brisa do desprezo
e a canção da saudade que dedilho
neste pinho afinado dos meus ais.
Infinito sofrer que compartilho
com a solidão do mar profundo
à deriva soltei meus remos n'água
não espero o sossego deste mundo.
Antologia Poética
67
A boca busca o beijo
Na boca arde um fogo, que
repousa num eterno verão
Na mão, uma espera por outra mão
para um cumprimento, ou um afago.
Os olhos se encontram na cumplicidade
na esperança frugal de um sonho breve
encantados à pueril contemplação da amizade.
Mas a boca só se cala com outra boca
num afago supremo de um beijo
duas almas se arrebatam e se prendem
em correntes de caricias e desejo.
Antologia Poética
68
Freud.
Pobre Freud, em tese, explicou que Deus é criação do homem,
pois a miséria cruel do seu destino lhe precipitou em um
abismo. A relação com um pai mortal, muitas vezes conturbada
e ausente inspirou-o a criar um pai supremo, onipresente e
eterno, capaz de lhe restituir a glória existencial em outro plano
ou sistema mais ideal ou perfeito. Pobre Freud, nada sabia
sobre a expressão "Tu és pó e ao pó voltarás."
Toda forma de expressão que agregue a metafísica, seja ela
capitalista ou filantrópica tem muito que ver com o desespero
do espírito humano e mortal, buscando reverter tal sentença
cruel, que não poderia ser proferida por um ser inteligente e
moralmente generoso.
Freud talvez se esquecera de tomar emprestado de Espinoza,
uma ideia mais avançada, para delimitar aquilo que não se
limita.
Antologia Poética
69
Segundo Fernando Pessoa,o homem não poderia jamais ver o
seu próprio rosto, apenas poderia ver a sombra da sua figura
sob o sol, a simbologia de sua forma, que nunca representaria
sua verdadeira imagem, foi portanto o inventor do espelho que
envenenou sua alma. Pobre Pessoal, mesmo sendo
extemporâneo, tinha apenas o mito de narciso para conceber
sua tese sobre a vaidade humana, imaginem se tivesse
conhecido a internete e o Facebook.
Antologia Poética
70
O homem é fruto do meio?
O homem é fruto do meio, isto segundo Freud, então ele não
tem domínio sobre seu Livre-arbítrio, não consegue vencer as
circunstâncias onde vive. Esta ideia pode se lógica para o senso
comum, pela sua simplicidade cognitiva, ou para os homens
comuns. Todavia, creio que reside aqui a mesma ideia das
castas indianas, onde o devoto acredita que não deve busca a
superação, mudar o status quo.
Contudo, numa visão mais consciente, e, sobretudo mais de
acordo com a nossa capacidade natural de buscar a luz do sol,
como se busca o crescimento espiritual, o homem pode sim
mudar por meio da livre escolha, as circunstâncias pode influir
na maneira de reagir, mas não determinará o futuro, uma vez
que o homem é o único ser na natureza que pode decidir para
que rumo caminhar.
Pois é esta condição que nos diferencia dos outros animais,
somos inteligentes, podemos escolher e até prever as
consequências de nossas escolhas. Logo a teoria do respeitável
doutor Freud cai por terra, temos os arquétipos que corroboram
com esta tese, o homem não é fruto do meio, senão não
teríamos os Cristos, os Mandelas, os Lulas, Obamas e outros
mais.
Antologia Poética
71
O poder de um vício
Um vício pode transformar
a vida de um homem,
de inútil em necessária,
assim como a indiferença
entre duas almas pode virá paixão
e com um pouco de vinho,
o ciúme vira zelo cuidadoso,
e a loucura se transforma fantasia,
e o ócio tediante em poesia.
Antologia Poética
72
Importa saber quem tu és
“Eu não sou nada, nunca serei nada,
mas tenho todos os sonhos do mundo."
(Fernando Pessoa.)
"Importa saber quem tu és,
o que os outros pensam
não deve ser
parâmetro para tua
felicidade e autoestima."
Eu sei que sou poeta,
o resto deixo por conta
dos curiosos e analistas
da vida alheia.
Antologia Poética
73
Amar
Eu te amo, acredite, amo-te
Que amor maior não cabe no meu peito
Do que esse amor, nos versos da poesia
Maior amor também não caberia.
E por te amar demais, e pelo encanto
Do amor que amar me faz, trago esse pranto
Porque eu te amo tanto todo dia
Neste pranto de amor e de alegria.
Amo-te, como um simples trovador
Que dedica seu amor num canto rouco
Esperando da amada o fim da dor
E te amo assim, quase doente, como um louco
Perdido na grandeza desse amor
Na convicta impressão
De que todo este amor ainda é pouco.
Antologia Poética
74
Chegada aos 50 anos
Diante da efêmera condição humana
quase nada nos importa, se estamos no verão
ou no inverno, se no século passado ou no presente,
quisera vivêssemos milênios,
talvez assim nos preocupássemos menos
com esta coisa de completar mais um ano
de vida ou de existência. Do pressuposto lógico
de que alguns homens vivem e outros existem,
pergunto: Que importa nossa idade, se velhos
ou jovens? Devemos nos perguntar diariamente
sobre a nossa vontade de viver, pois esta é a única
força capaz de nos conduzir às nossas realizações,
aos nossos objetivos, entre eles o mais importante
deve ser: "viver, e não apenas existir."
Antologia Poética
75
A regra de Ouro
Se formos falar do bem, ou do mal… devemos perceber que há
muitos outros sentimentos, como pontos cegos ou imaginários
entre estes dois universos.
As pessoas são frágeis para delimitar, de forma absoluta o que
pode ser bem e mal, e o mais importante nesta confusão de
ideias e sentimentos, sobre as nossas fraquezas, o que importa
realmente é o quanto de bem ou de mal praticamos para com o
nosso semelhante.
Se chegarmos a uma conclusão de bom senso ideal para sermos
mais humanos, teremos a preocupação justa de respeitar a regra
de ouro, e não precisamos nos aprofundar em tomos de
filosofias sobre ética e espiritualidade para entendermos
corretamente o que o bem e o mal devem produzir como
consequências de nossas ações. Penso que tudo se resume na
expressão: “Não faças aos outros o que não queres que te façam
a ti.”
Antologia Poética
76
Enfraquecimento mórbido
Aquilo que muita vezes nos assalta, e sem explicação nos
coloca num estado melancólico imprevisto e improvável; se nos
perguntassem do que se trata, diríamos se tratar de uma solidão
extrema, na verdade, são reflexos de meditação inconsciente,
que às vezes se dá durante um período sonolento do dia ou na
simples contemplação do horizonte, meditação esta que nos
revela o quanto nos distanciamos das coisas simples, é de fato
um tipo de solidão irreparável, pois constatamos, aos sair deste
estado de langor, (Enfraquecimento mórbido) que não há mais
como voltar ao passado nem ao ponto da nossa lastimável
ignorância, quando ainda vivíamos sossegado no meio da
multidão.
Antologia Poética
77
A melhor imagem que conseguimos descrever da liberdade
absoluta.
Uma criança segue caminhando em círculo, empurrando um
carrinho-de-mão cheio de flores. Ela intenciona alcançar a
porta da rua, a porta que dá para a liberdade. Na verdade, ela
foge de um jardim, de onde foi deixada por seus pais, de uma
prisão florida, um encanto, como um tipo imaginário que os
adultos conservam até hoje do paraíso perdido, do paraíso de
Adão, não o de Milton.
Ela é uma criança forte, foi bem alimentada durante os anos de
exílio longe dos seus pais, e acredita que de fato conseguirá
chegar ao portão. Mas o portão está fechado, contudo, a
criança, talvez por inocência ou excesso de confiança infantil,
acredita que poderá chegar à liberdade imaginada.
Esta imagem, ora descrita, é um lapso de memória coletiva: a
criança que busca a liberdade não existe, ela não tem cor nem
sexo definidos. É a criança que alimentamos e buscamos com
ela a cada dia uma porta ou janela, que nos conduza à liberdade
de voar, de sair do lugar comum em que habita toda
humanidade, perdida, que durante o dia caminha para um
descanso invisível, onde se encontra a paz e a liberdade,
pertencentes apenas aos inocentes, que ainda continuam a
brincar e a empurrar um carrinho cheio de flores em direção à
maioridade.
Antologia Poética
78
Não me propus ensinar,
com a poesia,
aos homens um novo canto
nem uma nova língua.
Desejo que ao me ouvirem
pelo som que emito
com palavras imperfeitas,
possam prosseguir
acreditando que a vida
sem a melodia que produz
a nossa língua escrita
não teria nenhum sentido
ou razão.
Antologia Poética
79
A Mosca
A mosca. Não a mosca azul
de Machado de Assis.
Apenas uma mosca.
Uma barata. Não a kafkaniana,
Uma baleia. Não a de Jonas,
Nem a Moby dick de Herman Melville.
Um corvo. Não o de Allan Poe.
Um leviatã. Não o de Thomas Hobbes.
O original, o antes de Jó...
A mosca volta, outra vez,
Sobre meu azul celeste.
Um abutre perfumado
Ronda minhas narinas,
À sombra, um corpo pesado
Não cede ao comando
Do espírito... Não quer lutar,
Já perdeu o combate.
A mosca voa sobre o mau cheiro
Que exalo... A putrefação é final,
Um cérebro que não produz
Riqueza mental deve
Ser devorado...
A mosca é o instinto...
Um monstro do subterrâneo.
Um verme que me rói a razão.
Antologia Poética
80
Rio de Janeiro
Que poeta passaria
Sobre ti adormecido?
Em tuas ruas estreitas
Há um mar imenso.
Os meninos da candelária
Não se esqueceriam de ti
Ao descreverem o paraíso.
Teus poetas atingem
Ainda em vida a perfeição
Tom Jobim,
Vinicius de Morais
Som e poesia,
Hermética canção.
Bruxo de Cosme, Emil de Castro
Chico Buarque
Embarque à perdição.
Que estrangeiro não morreria
Para que tu estejas sempre linda?
Todo carioca um dia vai ao morro
Caminho reto, da queda à ascensão.
Qual dos deuses não desceria do Olimpo
Para viver um dia apenas
Em tua copa ou em tuas cabanas?
Antologia Poética
81
"Qual será o preço da tua liberdade?... Não queira saber, é
muito caro para as tuas posses".
O que pode ser concebido como liberdade para um homem
pode variar de muitas maneiras. Há uma maioria entre eles que
não percebe a diferença entre prisão e liberdade.
Contudo, alguém deve dizer, ao ler este texto, que a liberdade é
o direito físico de poder ir e vir sem que seja interrompida a
caminhada. O fato é que só existe prisão mental, qualquer outra
forma de prisão pode ser rompida por qualquer estúpido,
carcereiro ou juiz. Já a prisão real, esta de que falo é muito
mais difícil de romper com os seus grilhões. Eu não tenho a
pretensão de ensinar como se faz a ninguém. Mas acredito que
foi pelas minhas próprias mãos, ou melhor, com meus próprios
olhos que me livrei das amarras da ignorância herdada,
especialmente das superstições religiosas, que representa, a
meu ver, a prisão mais nociva e perpétua.
Uma frase genial de Espinosa deve indicar a chave àqueles que
despertarem algum interesse por esta minha visão realista do
que pode ser chamada de verdadeira prisão, a psicológica!
“O Medo gera as Superstições.”
Antologia Poética
82
Consciência tribal
Vivemos ainda uma consciência tribal, a mesma que atirava
pedras na prostituta, ninguém tem pensamento próprio. Se há
um cão morto, todos chutam e seguem em frente com riso
sarcástico de quem praticou um ato de justiça.
Os falsos moralistas se aglomeram diante de uma causa que
nunca defenderam, sempre foram alienados e manipulados pelo
sistema que escraviza a todos, a quem comanda e a quem é
comandado.
Meu Ponto de Vista, sobre o que acontece hoje no Brasil,
concernente a justiça e a injustiça. Não há nenhuma virtude
intelectual em concordar ou discordar com a maioria, em
qualquer um dos casos é burrice e conformação decadente.
Antologia Poética
83
A musa é débil
A musa é débil, infantil e pródiga
esbanja beleza, mas se retrai
em conceder ao poeta a glória.
Ele nunca sabe dos seus passos
para que direção se encaminha
o seu balançar de meiguice agreste.
Sabe a cor dos seus olhos
mas não imagina em que terra
anda o seu coração infante.
Antologia Poética
84
Desconstruamos o velho para que o novo se apresente.
Desconstruo tudo que recebi seja por leitura, ensino verbal ou
intuição análoga, para inferir, livre de dogmas e teorias
preconcebidos, minha própria ideia de mundo, dos homens e de
Deus.
Toda as formas de pensar estes universos são hoje heranças de
povos tribais, contudo a maioria das pessoas prefere não buscar
outra forma de enxergar a vida e o homem atual.
René Descartes, com o seu método incomum, ou Espinosa com
a sua Ética quase infalível, Einstein com o seu Deus Cósmico,
ou Nietzsche com o seu Eterno Retorno, Cristo com sua Lei
Régia de amor ao próximo, ou Hitler com seu ódio racial, todo
pensamento existente não me serve como base, exceto como
algo a ser superado.
Depois de muita investigação constatei que todos eles foram
importantes em seu tempo, e a seu modo, agora não nos servem
mais, a não ser como algo a ser definitivamente descartado para
se criar uma aurora mais vibrante e realista. Quem pode
conceber algo realmente novo sem anula-los por completo?
Antologia Poética
85
Foi sem falar em saudade
Foi sem falar em saudade
Que lembrei de você
Dos seus olhos pequenos
A me enlouquecer
Do seu corpo moreno
Do seu beijo veneno
A me adormecer.
Foi sem querer que a tristeza
Chegou com a canção
Que eu fiz pra você
Naquele verão
Onde fiz do teus olhos
minha única razão
De viver, de sorrir, de sonhar
De paixão.
Foi sem falar de saudade
Que me veio a lembrança
Que perdi a esperança
De voltar a te ver.
Antologia Poética
86
“Há poesia em quase tudo.
Há poesia em quase tudo,
só não há poesia no beijo
nem no corpo da mulher mal-amada
nem no choro da criança
faminta, abandonada.
Há poesia em quase tudo
só não há poesia na falta de carinho
da mãe pelo filho inesperado.
Há poesia em quase tudo
no encontro dos amantes
proibidos, no afago da língua
sobre a rosa, no breve adeus
do poeta desta vida.
Há poesia em quase tudo
menos na falta de amor
do homem pelo homem
e na falta de fé no amanhã.
Há poesia nos lírios dos campos
quando catam, no por do sol
amarelado, há poesia na chuva
de outono, mas falta poesia
na primavera do oriente.
Há poesia em quase tudo
menos na falta de amor
Antologia Poética
88
João Fazendeiro.
O João era um menino peralta, e desde muito pequeno já sabia
que seria fazendeiro. Mas o João nasceu muito pobre, seu pai
era um lavrador de terra alheia. João perdeu o pai também
muito cedo. Com a orfandade teve que se mudar para a Bahia,
pois na Bahia teria trabalho. Morando com um tio, poderia
aprender uma profissão, mas João não queria ser pedreiro,
assim como os seus outros irmãos.
Então, ser fazendeiro seria algo muito distante das suas reais
condições. Mas João, depois de algum tempo na Bahia, se
mudou para Brasília, encontrou uma boa mulher que já tinha
duas filhas, que trabalhava como costureira. Então João
começou a negociar. João não era religioso, mas tinha um tino
de judeu para os negócios. Não demorou muito para que João
se tornasse proprietário do seu próprio negócio.
João, antes de se tornar fazendeiro, foi vidraceiro, montador de
móveis que ele mesmo vendia, depois comprou um mercado,
logo depois comprou umas terras, e começou a plantar tomates
para vender no seu próprio mercado.
João já não lembrava mais do que queria ser, já tinha posses, e,
depois dos tomates, começou a plantar milho, depois a criar
porcos. Hoje João cria gado, cria porco, cria galinhas. João,
sem se preocupar demais com o seu verdadeiro sonho, se
tornou fazendeiro.
João é meu irmão querido, que merece meu amor e minha
consideração, assim como os demais. Mas eu nunca quis ser
Antologia Poética
90
Mais que improvável
Em qualquer lugar, fora do tempo
noutro espaço, longe ou perto daqui
dentro do meu finito querer, ele ainda existe.
Este amor imaginado... Esta ilusão passiva
este pesadelo insone, numa lembrança morta
no futuro desejado, no presente atento
na viagem perdida, em qualquer lugar
atrás da porta.
Em outra dimensão, num sonho impossível
na realidade dolorida, não importa o não ter
o meu querer é quem dita, que este delírio
pode não ser assim tão improvável
quanto acredita.
Antologia Poética
91
Absurdo
Poderia se quisesse, numa poesia definir o mundo,
talvez num longo romance épico ou numa peça teatral
Shakespeariana, pois o mundo de Homero é encantado,
mesmo Shakespeare nos ilude e nos engana.
Talvez, como Milton, criaria um paraíso, onde a dor
e lágrima mórbida não existiria
todavia, não seria eu poeta, um artífice vulgar da fantasia.
Mas o mundo que descrevo é real
onde os homens se perderam atrás do ouro
com instinto violam os seus direitos, uns aos outros
se ferem sem razão... Fazem guerras pela falsa liberdade
pela paz se comete atrocidades, no a fã de ser Deus ou ser
Jesus.
Este mundo que agora vislumbraste, absurdo de palavras
em confusão, é o cerne de tua alma boa, humana,
discordante em perfeita erudição, não aceitas a alcunha
de animal, mas comprazes com a fama de vilão.
Antologia Poética
92
No desvão cósmico,
onde habita o nada
há um abismo infinito,
onde cabe quase tudo
a voz lacônica do infortúnio
e o regozijo da musa
as penas da fênix
e a poesia anônima de Deus.
Antologia Poética
93
A poesia é arte da síntese
Assim como a saudade é a solidão
em desespero, é o resumo do amor
outrora tido...
... é o apego ao passado ressentido.
É a recusa de viver o vil presente
a negação do futuro repetido
é a sombra do destino perseguido
é desejo de comer o pão dormido.
É a seiva da ilusão inconsciente
que ocupa o pensamento incontido
a saudade é a solidão em desespero
é canteiro de um jardim adormecido.
Antologia Poética
94
Engenho de Deus
Será engenho de Deus esta vida
dolorida demais para aguentar
se a corrida se perde é desatino
se chegamos mais cedo é azar
Será engenho de Deus esta vida
dolorida demais para aguentar
pescadores em barco sem destino
naufragados no abismo do além mar
Será engenho de Deus esta vida
dolorida demais para aguentar
a corrida não é do mais ligeiro
chega cedo aquele que fraudar.
Será engenho de Deus esta vida
dolorida demais para aguentar
Perde-se a força na labuta infinda
sem descanso há peleja noutro mar.
Antologia Poética
95
“Evitemos todo tipo de insanidade religiosa concernente à
eternidade, pois a única possível ao homem até agora foi a
literatura.”
Antologia Poética
96
Esperemos o futuro
Assim se deve renovar a vida,
a cada perda uma possibilidade
a cada saída uma descoberta
a cada partida um destino novo.
O amanhã um despertar constante
um raio cálido de esperança
que a alma indecisa de hoje
possa ser um rio sereno no futuro
e um homem maduro uma eterna criança.
Antologia Poética
97
Meu pai
Em teu rosto posso ver o amanhã
tuas rugas são marcas do tempo
que revela a tua senil bravura
tua luta incomum pelo incerto
neste mar de ilusões e de agrura.
Sei das dores que velas escondido
da candura do teu velho coração
de um desejo por ti já reprimido
a incerteza da vida e do pão.
Há em ti um enigma divino
que explica facilmente a eternidade
neste elo infalível de amor
onde o PAI cumpre o acerto da vontade
de no filho imprimir a sua alma
na perpétua lição de uma verdade
Antologia Poética
98
Poesia como pétalas
Lancei-me ao mar sem remo ou âncora
fiz um pacto com vento a um destino
e nas mãos do acaso reprovável
não espero alcançar um porto adino
Como pétalas de rosa perfumada
que o amante atira na janela à sua amada
eu vou colhendo palavras improváveis
que na mente floresceram à madrugada.
Antologia Poética
99
À inteligência o sumo licor da consciência de que na solidão há
um encontro inesperado com a razão, a confirmação do êxito
sobre a presunção da estupidez.
Aquele que sabe ser amado tem força para enfrentar o mundo.
Já os infelizes se tornam invejosos e despeitados e lutam
desesperadamente para que todos se tornem infelizes como
eles.
Antologia Poética
100
Havia um homem que seguia diuturnamente um sábio e, em
silêncio aprendia belas lições. Até que um dia aconteceu o
inesperado. O sábio se encontrou com um fariseu, um daqueles
que condenara o Cristo por perdoar uma prostituta e por curar
num dia de sábado. Então, por não entender a razão do
preconceito do fariseu, o sábio se tornou estúpido e travou uma
discussão acalorada com o hipócrita, resultado: o Homem
comum, que por algum tempo acreditou numa verdade abstrata,
desistiu de seguir o sábio que se tornara estúpido.
Antologia Poética
101
De barro ou de água
É preciso adoecer de sofrimento
para que o espírito da poesia toque o pinho
num assombro encantador angustiante
vem à tona um verso livre em puro linho
Em silêncio a solidão vibrar perene
a buscar a perfeição sem variante
é sentido que a alma sobe ao alto
sem olhar o que se vê de inconstante.
E dor em dor se forma a lágrima
e da face muitas vezes não se enxuga
vendo a morte que se expande como praga
a levar homem-menino sem ter ruga.
.
Antologia Poética
102
Voz doce da poesia.
Amputaram-me os pés,
amputaram-me as mãos
depois furaram-me os olhos
em seguida amputaram-me a língua
perguntaram-me se ainda sentia dor.
Eu não podia andar, era fato
nem podia ver, nem apalpar
contudo, meu melhor sentido
ainda permanecia, não se alterara
ainda podia ouvir o som do vento,
e a voz doce da poesia.
Antologia Poética
103
Azul
Azul é o mar, sob o horizonte
Azul é céu, Azul é o monte
Azul é o vago, Azul é a ponte
Azul é o olho que mira esta fonte.
Azul de beleza, de sonho sem fim
Azul de esperança, pintada por mim
Azul é teu nome, ninfa prateada
Azul teu cabelo, minha selva encantada.
Azul infinito, onde mora o querer
Azul de conflito, entre o ser e o não ser
Azul de desejos, azul de ilusão
Azul, me refiro ao meu coração.
Antologia Poética
104
Universo caos
Imagine um turbilhão de partículas flutuando no abismo. É a
isto que cognominamos de universo. Partículas de todos os
tamanhos e formas, fruto de um caos, desgoverno sem
propósito.
E o homem, apenas mais uma partícula atômica empurrada
pelas leis naturais, física e gravitacional. A inteligência lutando
em vão contra a perversidade do caos, com o fim de organizar,
elaborar sistemas, classificar espécies e formas que garantam a
sua existência duvidosa. Qual a condição e a possibilidade do
homem reverter este fato que é o caos universal?
Mesmo que todos os homens, como partículas integrantes deste
sistema sem objetivo se tornassem inteligentes, a ponto de
desenvolver instrumentos para se isolar dos demais sistemas
caóticos, não seria possível contornar nosso destino abismal,
pois as inteligências difeririam e, logo estaria formado outro
caos dentro do caos, as ideologias, cada grupo "inteligente"
apontado apenas para seu umbigo, e a desunião causaria a
destruição da espécie. Eis o mundo atual.
Antologia Poética
105
A ilusão
Fomos nós que inventamos toda esta ilusão,
somos nós os redentores de nossa maldição
Há ilusão no querer, há ilusão no saber
há ilusão no mandar, há ilusão no poder.
Há ilusão nas estrelas, no céu azul a esconder
a ilusão desta vida, a ilusão de morrer
De ilusão somos feitos, por mais real que pareça
há ilusão do amor, que brevemente se esqueça.
Há ilusão de um sonho, de uma alegria sem fim
há ilusão no destino, mesmo que seja ruim
Há ilusão voa alto, que não se pode alcançar
na ilusão nós estamos na terra a caminhar.
A ilusão é fugas, a quem não quer aceitar
que somos bolas de gás, que Deus irá espetar.
Antologia Poética
106
Saramago escreveu um texto sobre Fernando Pessoa, que a meu
ver justificaria o Nobel que recebeu, a imagem poética que ele
consegue sintetizar é impossível de ser superada, nem mesmo
Pessoa poderia. Esta essência genial do gênio que multiplica os
gênios criadores e dão mais vigor ao ofício do gênio imortal.
Chorei ao fim da leitura, até hoje apenas dois textos foram
capazes de me elevar a tão alto entendimento do que pode ser a
poesia.
Antologia Poética
107
O querer e o agir
O hiato que existe entre o querer e o agir
não é fácil ser superado
há, portanto um opção
pular ou não sobre o abismo.
Decidir: Ação que torna o sujeito
dono de sua vida.
Todavia, se decidirmos sob pressão
não somos nós responsáveis direto pelo ato.
Vendo por este ângulo, todas as nossas
decisões são afetadas por um vento exterior
que sempre vem de algum lugar
do sul ou do norte.
Antologia Poética
108
Neruda
Hoje desenterram o corpo de Neruda
o poeta que viveu sua vida em plenitude
se engajou na luta dos pequenos
defendeu a liberdade e morreu por ela
Neruda não se omitiu, nem se calou
diante da força e da tirania dos poderosos
Neruda ainda viveu, além da luta social
o seu grande amor privado.
Neruda, quem dera se levante outra voz iguala tua
na América Latina a injustiça a ainda impera
seja pela fraqueza democrática
ou pela falta de bom senso dos chavistas.
Neruda, quem mais se lembrará da poesia?
Hoje se lembraram do teu corpo
tua luta ainda revira túmulos e avenidas
e tua voz ecoa nas mentes dos poetas atuais.
Antologia Poética
109
Sou dependente da palavra
como sou também do pão
a palavra sem o verbo
é barco que vaga em vão
o vento traça o caminho
a vela a direção
quem fala quando não deve
desperdiça a criação.
Antologia Poética
110
Poesia, no meu caso, não é fuga
nem sombra do ócio permissivo
também não é missão
nem compromisso.
Não penso no que deve ser escrito
poesia é uma dor pungente
uma aflição sem medida
é uma força de expressão desconhecida.
Antologia Poética
111
Uma imagem infantil
Havia nos meus sonhos infantis
uma imagem persistente
onde um pássaro de bico dourado
vinha bicar a minha porta.
As pancadas de martelo
que o pássaro infringia à madeira bruta
ressoava dentro do meu peito
como um presságio intrigante.
Porque esta imagem obscura
sem nenhum sentido aparente
me perturbou por toda infância?
ainda não consegui entender.
hoje, vez por outra, ele ainda volta
só que o pássaro não tem mais bico de ouro
e quando eu procuro escutar as marteladas
da infância, escuto só um sussurrar incompreensível.
Antologia Poética
112
Um conto absurdo
Um homem caminha silenciosamente, sobre uma calçada de
São Paulo, voltando do trabalho, fatigado de suor e cansaço de
mais um dia de trabalho.
Neste instante em que narro esta simples realidade literária,
escuto um barulho, ensurdecedor, como de uma bomba.
Pensei, terá sido outro meteoro? Não, não foi um meteoro, este
tipo de fenômeno não ocorre por aqui no terceiro mundo.
Foi o chão que cedeu, a calçada por onde caminhava o cidadão
anônimo virou uma imensa cratera, e o homem se perdeu no
abismo vulcânico.
Eis o absurdo da vida real superando a ficção genial de Kafka.
Antologia Poética
113
Viver é a ponte
Imaginemos uma ponte,
por onde muitos se atrevem a passar
à primeira vista nos parece natural sua travessia
contudo, uma vez posto o pé sobre ela
se percebe os perigos.
A vida! Eis a ponte, a experiência necessária
onde o ser pensante precisa passar.
Dizem os santos e os poetas, que viver é perigoso
só se esqueceram de acrescentar
que viver é imprescindível
se queremos encontrar a felicidade.
A ponte existe entre o ser e o não ser
mas, acima de tudo queremos estar,
perpetuar... Existir.
Se a felicidade nos sorrir, muito bem,
senão, devemos ter a consciência
de que fazer outros felizes será factível
e provável, se encaramos a vida
da maneira que deve ser vivida,
com coragem...
Eis a ponte sobre o nada
façamos então dela a transição
entre o querer e o ser.
Antologia Poética
114
Instalei um relógio noutro tempo
a espera eterna passará
é possível viver em outra era
se alma crescer pode alcançar.
Como Dante, vencer barreira física
ir ao encontro da musa no além-mar
supra ideia humana, metafísica
de um deus no horizonte a duvidar.
Antologia Poética
115
O que se leva desta vida é a experiência
isto se for real para nós outro habitat
se a consciência em outro estágio permanece
seremos o mesmo homem imaginário
como a flor que perde a cor e fenece
nos unimos ao existente cosmo vivo
e o perfume exalado não se esquece.
Antologia Poética
116
Para Evan Henrique, meu príncipe
Tenho filho mais que especial, não mais especial que os outros,
mas especial por ser único, singular em seu modo de viver.
Este filho que ainda me chama de paizinho apesar de ser um
homem vigoroso e forte com fibras morais que não herdou
apenas de mim, foi a junção de duas almas ternamente
apaixonadas que o formaram. Ele é a materialização do amor
em nossas vidas, a certeza de que sonhos se realizam.
Sua mãe e eu ainda o tratamos como uma criança, e a ideia de
que ele precisa enfrentar este mundo cruel e injusto
provavelmente em pouco tempo sem a nossa dedicação diária
me assusta. Tenho medo de que alguém lhe faça algum mal,
que não lhe trate com o respeito que dispensa a todas as pessoas
com que tem relação. Ele desperta sentimento paternal mesmo
em pessoas que ainda não tiveram seus próprios filhos,
ouvimos diariamente amigos dizerem que só teriam um filho se
pudessem saber de antemão que lhe seria igual.
Este filho que agora fará vinte anos, com sonhos e conquistas
em curso, me faz enxergar o mundo com alguma expectativa
boa. Vale a pena viver, constituir e preservar uma família,
mesmo num mundo onde o imprevisto pode nos tirar a paz e a
alegria.
A soma de todas as experiências pode ser a conclusão de que o
mundo pode até não ter o objetivo, mas o amor sempre terá.
Vejo-o crescendo, tomando posição no mundo e construindo
seu próprio universo, uma alma de altíssima sensibilidade e
inteligência.
Antologia Poética
117
Aos vinte anos geralmente, para quem não se adiantou ao
tempo e à natureza, é a idade ideal para se apaixonar e para se
descobrir prazeres especiais que só o amor recíproco pode
oferecer.
Me lembro com forte emoção a canção de Fagner, onde ele
canta "um rapaz novo e encantado com vinte anos de amor,"
construindo castelos e oferecendo estrelas para sua amada.
Evan Henrique, quanta honra me foi concedia em ser teu Pai
Antologia Poética
118
A contradição humana
Que sorte de homem é este
que jamais diz o que sente
ora aceita, não discorda
noutra hora chora e mente
se a vida lhe sorrir
ele cospe descontente.
Que sorte de home é este
que se esquece de onde veio
se esconde dos amigos
e na morte bota arreio
não discute com os tolos
e dos sábios tem receio.
Antologia Poética
119
A lembrança do teu cheiro
Ao entardecer bate uma lembrança
uma ideia vaga do que foste
a confirmação do inevitável
vem à noite, quando tudo cala,
neste imenso quarto escuro
onde apenas o teu cheiro exala.
Digamos que assim seria
a minha vida, se você
resolvesse ir embora
ou me deixar...
Posso imaginar como seria
mas jamais poderia suportar.
Antologia Poética
120
"Amores possíveis" tema de um livro de poesia de Saramago, a
ideia de impossível, digo ideia, pois só conhecemos o
impossível como ideia nunca como fato... Então tudo que
desejamos está no campo da ideia, portanto pode ser possível se
acreditamos e fazemos acontecer, logo deixa de ser ideia para
se tornar fato. Assim ocorreu comigo, queria ser escritor, hoje
um fato. Ainda tenho outros desejos, não sonhos, estou
trabalhando para que eles deixem o mundo das ideias e se
materializem.
Antologia Poética
121
A vida é isso, é isso aí que te enfada, e te incomoda.
Quando a vida passa suave, sem dores e rumores de tragédias
profetizadas, a vida parece que não está presente, pelo menos
não causa angústia ou sofrimento.
A vida é este turbilhão de sonhos que jamais serão realizados.
A vida devia ser mais simples, menos complicada. Como uma
caminhada no parque, com um jantar com a esposa ou
namorada, um cinema com pipocas e chocolates, depois um
dormir satisfeito, com amor reciproco ou inventado.
Mas a vida não foi de forma alguma planejada, nem por quem a
vive nem por quem a idealiza plena e objetiva. Mas a vida é
mesmo um trem desgovernado.
A vida segue e não nos deve nada, somos nós devedores
eternos da sua complacência desnaturada. A vida, queria um
poeta, que fosse um sopro de um ser eterno, que não sabe o que
é viver dentro do caos.
Mas a vida é muito mais que isso, é um querer desesperado,
uma corrida sem inicio nem chegada, por isso a queremos tanto
viver, entender fica para os santos ou filósofos desocupados.
Antologia Poética
122
Átomo eterno da poesia
Sou pobre, mais que um miserável
Não possuo uma cama para me deitar.
Durmo ao relento, contra o tempo
Sem um nicho para acampar,
Mesmo assim sou feliz ao som do vento.
Meu destino é correr pelas veredas
Por onde passa a tristeza e a solidão.
Não nasci em berço esplêndido
Vim ao mundo para fazer uma doação.
Dar meu sangue, nos poemas, rimas e versos,
Para causar no universo uma confusão.
Um poeta se assemelha a um meteoro
Que depois de vagar entre as estrelas,
Para morrer, necessita vir ao chão.
Como átomo eterno se transforma
De pedra bruta e areia fria
Voltará a ser semente de nobre pão.
Antologia Poética
123
Há beleza que não é deste mundo
e ao mortal cabe o dom de apreciar.
Quase sempre na guerra mora a paz
como os ais do poeta a delirar.
Na tristeza do mundo vive o sonho
de um dia o eterno festejar.
Sem angústia a vida se enfada
e depois do querer há o encontrar.
Antologia Poética
124
Quando penso em partir
logo desisto, pois querer
quase sempre é desistir.
Na constante ilusão
de estar presente
vive presa a ideia de sair.
iludidos enganamos até o tempo
o relógio, a matéria a inquerir
se nascemos ou morremos inocentes,
nesta breve alusão de existir.
Antologia Poética
125
Ela cuida de mim
Ela cuida de mim
Nós cuidamos um do outro
Seu amor é assim
Meu eterno conforto.
Ela é minha estrela
Neste mar de ilusão
O amor nos conduz
Numa só direção.
Ela cuida de mim
Está sempre ao meu lado
Não há tempo ruim
Que me deixe abalado.
Ela é minha estrela
Estou sempre com ela
A usar sua luz
De beleza singela
Ela cuida de mim
Sem qualquer condição
Ela é minha mulher
Meu prazer, redenção.
Ela cuida de mim
Não me sinto perdido
Num olhar revelamos
Um segredo esquecido.
Antologia Poética
126
Ela cuida de mim
É meu sol não varia
Está sempre constante
A brilhar no meu dia.
Canção para Iranete.
Antologia Poética
127
É noite
E todo ser vivente
se apressa ao descanso
não tenho sono
me relego ao abandono
é muito tarde, continuo
no mesmo dilema
sem saber se me deito
ou me levanto.
É noite
E os pensamentos se reúnem
para construir o mundo
a madrugada passa embriagada
os homens se divertem
bebem e fazem filhos
outros fazem sexo na calçada
animais descansam em seu retiro
enquanto o homem fuma seu cigarro
e a prostituta tira a roupa.
É noite
Na minha consciência há conflitos
inconfessáveis, iguais a todos,
assim imagino compreender a noite
que não seja possível alguém dormir
enquanto o mundo geme e berra
enquanto crianças nascem
de parto prematuro e de pais anônimos
Antologia Poética
129
Olhando os homens
Descobri o caminho das pedras,
o segredo que move os mortais
o que busca encontrar todo homem
nesta vida de sonhos irreais.
Querem a fama, o poder e a discórdia
suprimir os desejos normais
preferi caminhar sobre nuvens
a olhar para baixo os iguais.
Quando vejo o destino dos sábios
a medir seu quinhão sem valor
uma obra, uma vila, ou cidade
me afaga o saber meu redentor.
Antologia Poética
130
Da crença no amor
Dizem do amor, apenas os que amam
que encontraram a razão de estar aqui
a procura do sonho encantado,
o universo real passa a existir.
Só o amor inconsciente e não recíproco
poderia de fato nos suprir, mas a troca
de afagos, beijos, lágrimas
se resume no querer sem conseguir.
Diz do amor, quem acredita
que a sorte no futuro vai sorrir
esta vida de encanto e desencontro
faz do homem um insano a perseguir.
Antologia Poética
131
O limite do amor, que não é paciente, que não pode esperar,
que sempre é ciumento.
Um homem prepara um café especial para sua amante junto
com uma boa intenção de pedido de desculpas, isso depois de
chegar ao amanhecer em casa, depois de uma noite de orgia
com mulheres e amigos embirados, ausente da criatura amada,
então faz o café especial e bate à porta.
- Olá meu amor, olá meu doce, olá minha alma.
A amante não responde, ele irritado joga a bandeja sobre a
porta que permanece fechada, em seguida volta para outra
mulher que conhecera durante a noite.
Depois de uma semana, longe da cidade e de sua amada, é que
descobre que ela havia se suicidado enquanto ele se divertia, e
mentia que a amava.
Antologia Poética
132
Samba do desamor
Quero que vá tudo para inferno
vou comprar um novo terno
vou atrás de outro amor
Este amor que outrora era alegre,
hoje é calafrio, é quase febre,
já não acalenta a minha dor.
Se não discutimos a relação
pois nem relação existe mais
as palavras ferem como espadas
quando são mal atiradas
como pedra em tua mão.
Vou mandar tudo para inferno
vou comprar um novo terno
vou atrás de outro amor
Nossa convivência virou aparência
de uma mesma essência de contradição
os anos que se foram levaram os amores
sobrou só rancores e a desilusão.
Vou mandar tudo para inferno
vou comprar um novo terno
vou atrás de um outro amor
Antologia Poética
133
Delírio de Poeta
Há uma excessiva intenção do poeta de se auto explicar, uma
tolice vulgar, a meu ver, coisa de poeta imaturo. Não há
nenhuma profundidade neste pensamento, querer se colocar em
um pedestal, em um lugar superior entre os mortais. O que
existe de fato na alma do poeta, quando este se entende como
mero pintor da natureza humana já formatada pelos séculos, é
uma intensa insatisfação, um querer se eternizar em um
universo plural de tantos versos naturais. Toda esta vaidade
brutal, como em todo ser vivente que carrega em seu instinto o
desejo de gozar a eternidade evolutiva, se esvairá para o éter
supremo do abismo, onde toda matéria se equipara, para criar
outra ilusão, a da ressurreição do intelecto, outro delírio de
poeta embriagado.
Antologia Poética
134
Por trás da porta
O que há por trás da porta,
vidas, desilusões
sonhos e desejos escondidos
esperanças e amores perdidos.
Quem olha da rua só vê a porta
madeira bruta, natureza morta
se a porta se fecha muitos dirão
pensamentos nocivos, morte e traição.
E se a porta se abre
surge a liberdade, criança a correr
chuva e tempestade, lembranças e risos
medo de surpresa, grito de saudade.
Antologia Poética
135
Melancolia da ausência
Oh! Minha irmã
alma igual a minha
por estradas distintas
tua alma caminha.
Oh! irmã minha, de angústias mil
quisera eu que assim fosse
que o teu caminho cruzasse com o meu
mesmo que em outra direção
eu indo para sul e tu para o norte.
Não há solidão maior que esta
quando se estar presente
querendo estar distante
viver separado estando junto.
Oh! Minha alma irmã
sou como tu, fantasma nu
em um mundo de carne e osso.
Antologia Poética
136
Há dias não escrevo poesia
Há dias não escrevo poesia
não me consta ser a verve que partiu
é a falta do poeta que se esconde
quando volto ao mesmo ponto não viril
do filósofo que me causa amargor
e espanta a meiguice do assobio.
Tenho um santo que acredita no impossível
e um poeta tragicômico e imbecil
um filósofo amargurado e descrente
persistente no afã de ser gentil.
Tenho a calma ansiosa e descontente
vou na frente recitando um verso só
poderia rir em forma de poesia
ou cantar minha vã filosofia
sendo eu me equilibrando a cada dia
sobre o abismo que me serve de crisol
Antologia Poética
137
Não guardo nada na lembrança
pois a lembrança é algo externo
lembrar é um não perder de vista
é uma contínua forma de viver
já aos que amam verdadeiramente
lembrar seria um esquecer consciente
se precisamos da lembrança para reviver
é porque já estamos mortos de alguma maneira.
Antologia Poética
138
Há contradição em quase tudo.
Quando duas almas se perdem
num desejo infinito de se encontrar
quando o destino carrega
para sempre a desilusão
do desencontro.
A isto chamamos de contradição
contudo, na natureza existem caminhos díspares
rios e mares que vivem distantes
sendo da mesma essência, mesmo separados.
Almas são presas em tártaros para evoluir ou engordar
rios doces correm da nascente ao grande mar, lá viram sal
sementes de uma mesma flor tem perfumes distintos
homens e mulheres têm o mesmo espírito,
a mesma energia vital apesar de corpos e sexos diferentes.
Antologia Poética
139
O mel que cura
O difícil de fazer poema lírico
é não rimar o comum
com o mundo empírico
é do senso vulgar da poesia
fazer uso de mais da fantasia
pra chegar ao ponto do prazer
Agradar aos olhos e ouvidos
que não têm tempo pra viver
os que andam nesse mundo
aqui perdidos, esquecidos
que há um livro pra se ler.
O poeta assustado morre cedo
vive pouco e o que fala se perde pelo ar.
Escolhi contar aqui o bom segredo
e sem medo pare um pouco
e olhe para o chão
e depois olhe o céu e as estrelas
percebê-las está á sua mão.
Muitas vozes ecoam no universo
eu só peço um minuto de atenção
há nos versos mel que sempre cura
quem procura, curará a aflição.
Antologia Poética
140
Como me superei
Assim me superei, quando me permiti duvidar, quando me
permiti perguntar, quando me permiti dizer não. Assim me
tornei outro homem, outra pessoa, mais real, mais consciente,
não apenas diante no meu espelho interior, mas, especialmente
frente ao lago, que outrora me achava belo e mais sábio do que
realmente eu era.
Hoje sou assim, independe radicalmente inconformado com a
maioria, que ainda acredita no sucesso que a sorte pode lhe
ofertar. Assim, fazendo mais e idealizando menos, seremos
capazes de atingir a própria superação, outro estágio de
consciência, a de que nem tudo é possível, mas tudo será
provável.
Antologia Poética
141
Tudo é eterno enquanto queremos
À sombra de uma amendoeira dois amantes trocam juras
eternas
de um amor fugaz. De tempos em tempos, enquanto o sol finge
que se movimenta, e a sombra obedece as suas ordens para
mudar de lado, na ausência dos amantes, o mundo parece um
lugar ideal para se projetar o futuro do seu amor.
Os amantes sempre voltam e se encontram, na mesma sombra,
numa mesma hora, em que o sol brilha e orienta a sombra para
que durante a presença dos amantes não mude de lugar.
Assim, o movimento da terra sob o comando do sol inspira nos
amantes a ideia de eternidade, pois a saudade que sentem um
do outro, quando estão separados, roubam-lhes a lucidez e a
consciência de que nem mesmo o amor recíproco é eterno.
Antologia Poética
142
Palavras ao vento
Tropeçamos em palavras todo dia
estranhamos sua eterna confusão
as palavras são tijolos de uma estrada
e o discurso uma ponte, a fusão.
Sem ação exigimos um movimento
das palavras que não podem caminhar
emitimos estes sons que nos iludem
nos arrastam para um barco a naufragar.
A palavra é um elo consciente
da corrente que o humano engendrou
resolvemos as questões de foro íntimo
e a palavra empenhada caducou.
Antologia Poética
143
A minha verdade
É a perpetuação do meu desejo,
com ela vivo bem e me deleito,
sou dono e escravo da vontade,
por montes perambulo e sou aceito...
Há outra verdade
mais presente e crucial,
é o ponto de vista alheio
ao meu direito,
desta verdade professar
sendo imperfeito.
Antologia Poética
144
Escrever
Escrever, algo crível,
concreto, possível
meu verbo incompleto,
repleto, um elo falível.
A língua é confusa
semimínima, uma fusa
porção dissonante
consoante à musa.
Antologia Poética
145
"As cartas de amor são ridículas", disse Fernando Pessoa, Aí,
para superar seu mestre, Mário de Sá-Carneio comenta, em sua
carta de despedida, antes do seu suicídio, que por achar as
cartas de despedidas mais ridículas do que as cartas de amor,
lamentava escrevê-la, todavia resolve lhe comunicar sua
partida, na carta ele diz que está satisfeito, contudo, cita o
motivo da sua desistência da vida: a sua perene falta de
dinheiro.
Antologia Poética
146
Quem dera que a vida fosse flores
Encontramos no mundo a doçura
de um amor que nos prende
em laço terno, este mesmo amor
nos faz de tolo e nos pode levar para o inferno.
A doçura do amor que nos liberta
o abraço do corpo nos apraz
procuramos viver eternamente
nos afagos do prazer de um amor veraz.
Quem nos dera que a vida fosse flores
e que sempre desviássemos dos espinhos
tendo apenas um momento de carinho
esquecemos no passado os seus rancores.
Antologia Poética
147
Uma melodia infantil
Desejo assim caminhar
desejo assim pertencer
desejo assim prosseguir
desejo assim terminar.
Aquilo que vim fazer
daquilo que existi
por isso vivo a buscar
a sorte que escolhi
Uma canção sublime
cantava o rouxinol
que voava subindo
ao encontro do sol.
Antologia Poética
148
Apenas os poetas falam da morte
assim tão liberais, eu já escolhi o dia
em que morrei. Será em um belo dia de sol
há de fazer bastante calor, para que o fogo
termine brevemente com seu ofício sacramental
queimará meu corpo, mas aprimorará a minha essência
no estado de cinzas, portanto mais leve.
A poesia divina ecoará nos quatro cantos do universo
o pó, que tão frágil se negou ao pó voltar, transmutará
em matéria quântica, em almas tantas, que ao cosmo se unirá.
Antologia Poética
149
O tempo ignora passivamente
os movimentos do teu corpo
enquanto o teu olhar especulativo
procura as causas e os efeitos
da alma viver exaustivamente
num experimentar contemplativo.
Antologia Poética
150
Ninguém virá ao meu encontro
com bandeja de prata, com iguaria
nem um santo virá ao meu enlace
transformar pedra em pão, ou fantasia
no deserto que habito bebo vinho,
que da terra forjei em poesia.
Antologia Poética
151
Um olhar no passado
Todos os dias, às seis da tarde, ele se sentava na mesma
cadeira, na mesma calçada, esperando por alguém que um dia
viu passar, na mesma calçada, da mesma cidade, daquele
imenso mar
Era um bar à beira-mar, onde passava muita gente, mas este
solitário observador nunca conseguiu realizar seu antigo sonho,
o sonho de ver passar, na mesma calçada aquela figura que um
dia lhe roubou alma.
Agora, depois que o mar avançou e cobriu a calçada, o homem
continua a olhar, do mesmo ponto, o mesmo mar, da mesma
cidade, onde não existe mais calçada nem transeuntes, apenas
existe o mar e uma dor que não serena.
Antologia Poética
152
Ao pé da luz discreta e arquejante
afino o pinho dos lamentos, em dores
relembrando a canção do eterno amante
Sobre a noite inimiga da memória
que escreve destinos sempre errante
Em versos sem rima sem doçura
que não cura a angústia cruciante.
Antologia Poética
153
Com uma língua de fogo,
consumisses a Minh’ alma fria, congelada,
que agora corre para o infinito abismo
onde jaz a mais alta esperança de um mortal.
Antes era só o grande mar do descontente
sempre escuro, mas esperançoso, delinquente
prisioneiro do mais aprazível ócio,
eis que agora é sombra intermitente.
Antologia Poética
154
Não tenho certeza
Quando penso duvido
quando quero desisto
se espero me canso
se alcanço persisto.
Na fuga me perco
na chegada há conflito
não importa distância
só constância do mito.
Estou sempre partindo
quando quero ficar
a palavra confunde
ando a tropeçar.
Na certeza e na dúvida
há um mesmo caminho
a imagem que mente
é ressaca de vinho.
Na estrada há destino
que não quero trilhar
escolhi ficar perto
da miragem do mar.
Se a rima conflita
Antologia Poética
156
Ouvi um assovio, era o vento
dizendo para o tempo que estava atrasado
o tempo parou para escutar
seu lamento... Disse o vento para tempo,
Estou correndo demais,
e voltando sempre aos mesmos lugares.
O tempo porém respondeu, não corra
ande mais lento, assim poderás
observar a paisagem, quem sabe
até se refrescar no rio
depois meu amigo, que importância
tem a tua correria, se sou eu quem determino
se haverá ou não chegada?
Antologia Poética
157
Amor imperfeito, humano
O amor é perfeito na medida e no querer
é sereno na vontade e no desejo de esperar
na esperança acredita e não se cansa
numa eterna conquista canta e dança
um infinito sentir, uma febre incomum, um delirar.
Amor que às vezes entende e ignora, vez por hora
se perde e quer deixar, sem calma se lança no abismo
o que era sonho se esqueceu de acordar
o amor, aos que sofrem é um conforto,
com o seu modo incomum de perdoar.
Este amor de quem falo é humano
que o tempo em divino quer forjar
em eternas virtudes as suas faltas
já ouvimos dizer por entre os montes
que os que amam também podem matar.
Antologia Poética
158
Do que é feito a poesia
de sangue e suor
de lágrima e fantasia
de morte e nascimento
de noite e madrugada
de sol e alegria
de canto e desencanto
num cântaro de agonia.
Antologia Poética
159
Desassossego, desassossego
de esperança em esperança
como criança se vence o medo
viver é esta coisa que nos assusta
e nos diverte. Viver é tudo que
devemos fazer, mesmo com medo
nunca devemos perder a esperança.
Antologia Poética
160
O amor é simples e discreto
generoso e complicado
falta lógica no seu preço
uma dedicação de alma
em troca de um sorriso
de um sim interessado
uma vida toda sem culpa
sem prejuízo, é o amor
toda esta busca do homem
para encontrar o paraíso.
Antologia Poética
161
Quem pode agradar uma mulher?
É fácil agradar a um homem
basta dizer-lhe uma boa mentira
já com a mulher é diferente
quando chora nos confunde
quando sorri não sabemos se contente.
Se no amor se mostra fria ou distraída
pode ser que lhe falte o bem ausente
se contarmos-lhe uma história incomum
geralmente se disfarça e diz que aceita
mas no fundo é uma alma descontente.
Antologia Poética
162
Alma cósmica, a poesia
A alma da poesia é cósmica
da mesma essência ela se faz
encontramos nos versos de Pessoa
e em Rimbaud uma lógica tenaz
Em Drummond a rima não varia
o sarcasmo de Quintana é igual
bom poeta se encontra num caminho
como as águas do mar fazendo o sal.
O problema da existência vira prosa
alguns vícios abismos tão iguais
este louco que rir de todo mundo
vagabundo, um cão entre os mortais.
Antologia Poética
163
O pedreiro e o poeta
De tijolo em tijolo faz-se a casa
o pedreiro e o poeta são iguais
da ilusão de um mundo sem barreiras
edificam a morada dos mortais.
Construindo do abstrato e do concreto
mundo reto, um abrigo aos temporais.
Se o vento vier sobre os destroços
de ideias efêmeras sobre o pó
nada sobra que o tempo não revire
e a obra do poeta vive só.
Antologia Poética
164
Há coisas que se completam
que juntas formam uma harmonia infinita:
o velho e o novo, a força e a sutileza
o bem o e mal no homem
o belo e o feio, num transmutar
que torna necessário à natureza.
a poesia que pensa o universo
a filosofia que não sabe fazer verso
são, juntas a base da existência
caminhos que devem se cruzar
em algum ponto alto da consciência.
Antologia Poética
165
Doce proibido
Eu nada sei de amor e paixão
Nunca amei... Nunca me apaixonei
Penso que um amor interessante
Uma paixão perfeita, seria como
Um bolo de chocolate
Infinitamente doce e mortal
Para um diabético
Um eterno desejo proibido.
Antologia Poética
166
A trilha obscura
Segue o verso e o teu destino
Não importa saída só chegada
Um perfeito caminho é desatino
Como flecha lançada no escuro
Tu despertas a lua e tua amada.
Ela dorme em sonhos nebulosos
Só um verso primoroso acordaria
Uma ninfa ignara dos prazeres
Separada dos vícios dos mortais
Mutilada por uma tirania.
Não é santa de crença não nasceu
Não comunga da carne o gosto vil
É um anjo errante pelo éter
Supra-luz que das trevas emergiu.
Antologia Poética
167
Quimera
"Viver é sofrer!"
É uma gota de sangue
É uma lágrima no olhar
É uma dor infinita
É suar do rosto
É um lamento
É um desgosto.
O que o viver?
É o inverso da vida
Não será um morrer?
É um estado sublime
Sem razão sem querer
É a paz almejada
É um eterno buscar
É um silêncio sonoro
É descanso no mar.
O que o desejo?
Quem deseja reprime
Liberdade veraz
O ser livre de fato
É viver sem pensar
Antologia Poética
168
É descer da montanha
Para o rio encontrar.
O que é o pensar?
O pensar nos liberta
Do presente real
Sem começo e sem fim
De um triste final
Para nos encarcerar
No futuro ideal.
Antologia Poética
169
Uma Prosa
Uma prosa, um verso amargo
meu café sem açúcar,
meu vagar noite a dentro
minha visão tão curta.
Meu caminho de pedra
minha alma em assalto
um suspiro na curva
uma luva um retrato.
Meu correr sem destino
o meu tempo perdido
meu cantar sem toada
sem você desafino.
Vida breve não passa
sou o frio no escuro
perdido vagando
do outro lado do muro.
Esperança é de neve
à distancia é fatal
minha água turvou-se
estou à sombra do mal.
Antologia Poética
170
Noite alta de sombras
vultos rondam no ar
acordei só cansaço
tempestade no mar.
Uma prosa com rima
minha vida atual
mas vivo a poesia
minha água com sal.
Antologia Poética
171
Delírio
Na angústia da noite te sinto ao meu lado,
A procurar-me com tua boca circunspeta.
Com uma fadiga ativa surpreende-me e me cativa
Não fujo do teu assédio, nem do teu aceno.
Teu olhar sinuoso fere-me como uma seta
Não sei sair do alcance do teu perfume
Nem me esquivar do teu veneno
Embora seja sonho, ou ilusão consciente
Eu me entrego ao teu capricho
E me curvo aos delírios da minha mente
Fujo do meu mundo, embrenho-me no teu nicho.
Nas garras vorazes do teu desejo eu fico impávido
E como se veraz fosse esse delírio, gozo acordado.
Antologia Poética
172
Trair-te,
Trair-te, não seria nada fácil,
Pois teu espírito anda ao meu lado
Trair-te, seria para mim um tanto complicado,
Um ato repugnante, cuspir no prato das delícias,
Das tuas virtudes, onde me fartei do teu sangue,
Que me garantiu vida e saúde.
Trair-te, não será para mim possível,
Entre nós não há divisão de alma ou de espaço
Não vivo sem o alcance da tua mão
Sem a proteção dos teus braços.
Trair-te, seria suicídio consciente,
Não se mata o corpo se a alma está ausente.
Trair-te, não será ação para um homem
Que se tornou um deus depois que o adoraste
Trair-te, coisa atroz que só pode ser praticada
Por um covarde, que não tenha conhecido
Tua alma clara e veraz.
Trair-te, não pode ter razão nem direito à vida
Quem em sã consciência fosse capaz.
Trair-te, eu não poderia, se é na tua lealdade
Que consigo ver motivação para minha insignificante vida.
Trair-te, é para mim algo improvável;
Pois é em tua alma que encontro frescor e ar respirável.
Trair-te, como poderia enterrar um filho vivo,
E uma mãe lactante?
Ou separar a lua dos poetas e dos amantes?
Antologia Poética
173
Trair-te, melhor parar com este funesto poema
Já está me faltando oxigênio para continuar,
Apenas com esta conjectura...
Antologia Poética
174
Minha amada dorme
É noite, e perto de mim dorme a minha amada.
Eu, à distância de mil pensamentos tento ouvir se ressonar.
Será que ela sonha?
Será que quando acordar se lembrará que vivo estou?
A minha amada tem os olhos azuis da cor da saudade
Suas mãos são finas, macias como lã de algodão.
Ela tem um corpo esculpido no mármore da perfeição.
Minha amada, quando sorrir ilumina a noite da minha solidão.
Mas, a minha amada dorme, minha amada não sabe que morro
aqui,
Acordado, tentando dormir também para lhe encontrar.
Oh se ela pudesse me ouvir, oh se ela pudesse vir aqui.
Minha amada não respira o mesmo ar daqui
Onde estou não posso chegar até ela, a não ser em pensamento.
Nossa cama parece um imenso oceano, e eu só tenho as mãos
para lhe abraçar.
Tudo que eu queria nessa vida era que ela pudesse ouvir meus
pensamentos
Para que ela soubesse o quanto a desejo,
Oh, quem dera que ela um dia desses me acordasse com um
beijo.
Mas minha amada dorme, enquanto eu escrevo e a vejo.
Antologia Poética
175
Ao meu amor indescritível
Cogitei te fazer um poema novo
E de novo atingir a perfeição,
Ascendi ao ponto alto, nas estrelas,
Para vê-la sobre a luz do coração.
És perfeita e constante ao meu prazer,
Como o sol que não perde a posição
Tua vida, teu amor, o que respiras,
Doaste-me sem nenhuma restrição.
Iranete é teu nome fidedigno,
A quem amo,
Como o máximo da minha imperfeição.
Resolvi como os homens neste dia,
Te fazer uma homenagem de doação,
Para ti, que durante toda vida
Tua vida colocaste em minha mão.
Perdoe-me a fraca poesia
Pois mereces muito mais erudição.
Há quem diga que o amor é coisa simples
Que de fato, quem escuta é o coração.
Só espero que não haja divergência,
Antologia Poética
176
Que tua alma esteja pronta ao perdão.
Que desculpe a minha intransigência
E a rudeza que por vezes, sem pensar,
Te jogo em vão.
Teu espírito é profundo e generoso,
O bastante pra não ver o meus erros
E defeitos sem perdão.
Antologia Poética
177
“Se arriscar nas grandes conquistas, em busca de fama e de
glória, seguindo o próprio instinto, correndo risco proporcional
aos desejos de conquista, é muito mais interessante e salutar do
que não lutar, assim como fazem os fracassados por natureza,
que não se arriscam, mas também não gozam as vitórias
alcançadas nem sofrem os revés das derrotas experimentadas.”
Antologia Poética
178
A vida pode ter seus altos e baixos, isto é natural, mas quando
se atinge a maturidade recíproca de um verdadeiro amor, tudo
permanece inalterável, a cumplicidade generosa e o respeito
mútuo, fruto da doação diária sustenta qualquer tempestade
física. Tudo pode mudar, contudo, a lealdade de duas almas
irmãs, no riso e no pranto, não se abala, a ponto de se perderem
uma da outra, neste labirinto que é a existência humana.
Antologia Poética
179
O campo dos sonhos
Lá, para onde caminhamos juntos e de mãos dadas não existe
inverno nem verão, só uma estação perene, uma eterna
primavera. Um campo de flores encantadas de fragrância
incomparável, que inebria. Imersos nele, os nossos sentidos se
aguçam, e paz nos alivia como criança a receber presente, na
expectativa gloriosa da chegada, nós pulamos e cantamos de
alegria.
Antologia Poética
180
Desejei mergulhar no teu olhar,
mas hesitei, não tive certeza
quanto a que substancia encontraria,
se água, lágrima ou pedras de indiferença.
Antologia Poética
181
O bom escritor, o que realmente se faz necessário ao nosso
crescimento intelectual e espiritual, é aquele que fala com a
parte secreta da sua alma, aquele que consegue chegar aonde
jamais ousamos admitir interferência exterior.
Antologia Poética
182
Os homens atuais necessitam imediatamente de inspiração, um
pouco de Quixotismo pode ser a saída, da apatia para um estado
de êxtase, onde os sonhos se realizam pela vontade do
sonhador.
Antologia Poética
183
Habita perpetuamente em mim uma revolta visceral,
concernente ao descaso do homem pelo homem. Não há
nenhuma preocupação em preservar sua própria espécie.
Antologia Poética
184
Sobre os Livros "Caim de Saramago e Memórias de Minhas
Putas Tristes" de Gabriel García Márquez.... Gênios também
fazem caca.
Antologia Poética
185
Encontramo-nos diante de uma coisa pavorosa, esta coisa nos
mete medo por se tratar de algo inédito, imprevisto. Esta coisa
é como um abismo, pode ser um rio caudaloso ou um mar
insondável que temos que transpor - um problema tem esta
mesma natureza, diante dele, como um entrave, só nos resta
uma saída. Apenas enfrentando-o seremos capazes de nos
livrar, um mal superado é um mal esquecido, um fantasma
dominado, um abismo em nossas costas, para o qual podemos
olhar aliviado.
Antologia Poética
186
Os estúpidos geralmente têm uma posição formada sobre tudo,
esta sempre reside entre dois hemisférios, bem e mal, feio e
bonito, largo e estreito, errado e direito, vermelho e azul. São
reunidos em dois rebanhos.
Antologia Poética
187
A literatura, como forma de educar deve ser capaz de
transformar mentalidades, e forjar algo novo e melhor para toda
a humanidade, não apenas formar intelectuais estéreis e
insensíveis.
As afinidades se desenvolvem com a convivência, no princípio
basta empatia. Ser humano é nossa maior virtude, no final
nossos gostos são todos iguais, só diferem na intensidade.
Antologia Poética
188
O homem primeiro é defraudado pela família, depois pelos
amigos, por últimos pelos estranhos, cabe aos poucos que
desenvolveram algum grau de inteligência buscar o exílio, a
solidão social, se pretendem produzir algo novo, autêntico e
original. A solidão para quem cria, sobretudo a arte, é apenas
escolha e não consequência.
Antologia Poética
189
Existem aqueles que gostam de dizer que amam a poesia, mas
nas suas vidas não têm nada de poesia, mesmo alguns que se
atrevem a escrevê-la, nada sabem de real sobre a poesia. O que
determina se há poesia em algum lugar é a maneira como se
encara a vida, poesia não busca ter poder nem fama, poesia se
produz com abnegada retidão de caráter, sobre os temas
comuns dos homens, poesia não procura dominar nem ser
conhecida, sobretudo dos que a ignora, sem este afastamento do
mundo e das pessoas ambiciosas e fúteis a poesia não existiria.
Antologia Poética
190
Amo a solidão, a solidão interior, e mesmo assim ela não é
princípio, mas um elemento vital à criação artística, que requer
distanciamento do mundo comum e barulhento dos homens
indoutos. Contudo, a minha solidão, a solidão que de fato
aprecio, me faz feliz sem qualquer disposição ou chaga
romântica ou sentimental, é na verdade um "vício virtuoso",
uma necessidade natural como ar para os pulmões, ou água
para o peixe.
Antologia Poética
191
O mundo precisa de muito mais, de amizade, lealdade, e de
tolerância, mas nós só compreendemos até agora, que a paz se
alcança por meio de guerras, e a justiça pela força, também que
precisamos ser iguais ou melhor que os outros.
Só seremos felizes quando aceitarmos o que a natureza nos
ensina sem custo, que os seres vivos são todos da mesma
importância para manutenção e preservação da vida, cada um
com sua peculiaridade, mas todos imprescindíveis ao equilíbrio
evolutivo de todas as espécies!
Quantos aos homens são todos distintos, em dons e talentos, em
habilidades e beleza, em força e sutileza, contudo, da mesma
essência divina: Humanos.
Antologia Poética
192
Soneto do amor improvável
Quando menos se esperava fez-se o riso
do silêncio e da inércia aplauso e canto
e da boca outrora muda em desencanto
um aceno e um convite ao paraíso.
Quem vivia há tempo em desespero
tendo olhos marejados de suplício
castigado com a dor do amor efêmero
incontente, amargurado, entregue ao vício.
Improvável, não mais que improvável
Fez-se alegre e doce, amigo e confidente
de solitário e esquecido, agora amável.
A esperança renasceu sem medo
da insegurança se revelou o segredo
que do amor se espera o improvável.
Antologia Poética
193
Mulheres!
Mulheres, Imprescindíveis!
para o amor e para a criação
no abraço e na chegada
na poesia e na canção.
Mulheres, mães companheiras
abrigo, sustento e pão
conselheiras da virtude
mágica da multiplicação.
Mulheres, quem inventaria
algo tão superior?
... Fonte de inspiração
desejo, sonhos de amor!
Antologia Poética
194
A improvável Sombra
No desassossego noturno
ele procurava por imagens
às vezes chegava a encontrar
como sombra, como fumo
entrando e saindo da tabacaria.
Voltava a dormir, não raro sonhava
com a musa que o inspirou
o livro do desassossego
todavia, quase sempre
acordava urinado de melancolia
e sobre a sua cama um poema
desenhado em forma de morcego.
Antologia Poética
195
Haveremos de nos tornar aquilo que buscamos ser diariamente,
e para que isto aconteça de forma segura, se faz necessária a
publicação de uma errata regularmente, caso contrário, não
concluiremos nossa tese natural, aperfeiçoada pela autocrítica.
Corrija seus erros, mas faça você mesmo, sem se preocupar se
errará outra vez. Viver deve ser corretamente, sempre uma
sequência de erros e acertos.
Antologia Poética
196
Arco-íris de ilusão
A musa sempre volta
quando menos se espera
lá está ela atrás da porta.
Então alma do poeta vibra
como cordas de alaúde
que outrora vivera inútil
desafinado, jogado ao pé
de alguma coisa morta.
O mundo se transforma
ao enfermo terminal
volta-lhe o espírito
com um pincel na mão
para pintar um arco-íris.
mesmo que seja de ilusão.
Antologia Poética
197
Mesmo aos mestres da palavra
uma cautela, pois o verbo vez por outra
nos inflama, sendo a língua um espírito
indomável, é provável que te lance em desespero
e que te jogue sobre a face pedra e lama.
Antologia Poética
198
Todas as formas de luta dos homens consistem em buscar o
prazer, que advém do poder injusto sobre outros iguais. Quando
superarmos todos medos, especialmente o medo da tirania,
aquela que habita na mente e no coração dos fracos, saberemos
que a morte não nos amedrontam mais. Só assim
encontraremos a segurança e a paz que outrora buscávamos
sem compreender sua origem e essência.
Antologia Poética
199
Poetas deviam ser como pássaros
Poetas deviam ser como pássaros
viajantes e ociosos, que planam em correntes
de ar quente, poupando ao máximo suas energias.
Não raro são, ao contrário, puxadores do mundo
escravos que se curvam ao poder do vil metal
muitos são escrachados pela insensibilidade urbana.
Antologia Poética
200
A arte é este encanto
Existe um apego sobre humano,
de minha parte ao que é belo,
e, ao produzir algo imperfeito
me deleito, neste projeto,
de tal maneira que me pareça
algo singelo...
A arte é este encanto
que muitos chamam de desencanto
e o artista verte em pranto.
Antologia Poética
201
Miniconto
"Deixou um barco partir, depois outro, até que todos os barcos
se foram. Adormeceu frente ao mar, de manhã, quando o sol
esquentou a praia, a maré trouxe-lhe uma rosa, a rosa era roxa,
a mesma rosa que havia oferecido branca e perfumada."
Antologia Poética
203
À espera de outro dia.
A vida é única
e de sonhos em sonhos
se faz a esperança
olhando o rio a passar
um pouco à tarde
trêmulos ficamos à sua margem
à espera de outro dia.
Antologia Poética
204
Sou amante do belo
Sou amante do belo
como artista não fujo
deste sonho singelo.
A beleza é simples
arrebata um mortal
são os deuses que querem
ser humanos, um ideal.
Antologia Poética
205
Um sonho perdido
A sensação de perda de tempo é suportável. Mesmo sendo fato
que o relógio não pode esperar por nós, todavia, Há uma perda
irreparável que nenhum mortal pode reverter, é como quando se
tem nas mãos um pássaro colorido e raro, que vem como que
por encantamento ao nosso encontro, nos acostumamos com
sua beleza e canto, e o apertamos tanto em nosso processo de
possuir que ele foge, então ao amanhecer, quando a natureza
desperta os racionais, você procura o belo pássaro, a cotovia
encantada, e ela não canta, não vive mais. Todo poema é
confissão.
Antologia Poética
206
Arte estética
Arte só tem compromisso
com o belo estético
a poesia seria doce, mesmo
que poeta fosse diabético.
Antologia Poética
207
Universos possíveis
Raciocínio de um ponto singelo,
as realidades existem
no imaginável... Escolhemos
a que nos agrada, entre milhões
de universos paralelos, são os afetos
que nos prendem ao viver concreto.
Assim como os poemas, os amores
são todos possíveis, dentro da expectativa
humana de apreciar o belo... Depois da poesia
tudo que se deseja é factível.
O pensamento faz a ponte entre
o que somos e o que queremos ser
aos céticos toda realidade é quântica
o poeta é um esquizofrênico consciente.
Antologia Poética
208
A existência é um grande rio
A existência é um grande rio
ou um imenso mar,
e os sonhos são barcos
que navegam ora para o sul
ora para o norte,
sem contar com a sorte
são lançados mar adentro
ou rio afora...
Antologia Poética
209
A luz que nos guia é falível
Vai, segue o teu caminho em paz
cada um escolhe em que direção deve andar,
a esperança é o que move o homem.
Todos buscam algo além do horizonte
o sol nasce para todos, despertando-nos
criando uma expectativa gloriosa.
Em qualquer direção que caminharmos
encontraremos impreterivelmente à noite
aí percebemos que a terra é esférica.
A luz que nos guia é falível, como os nossos olhos
vemos o que desejamos, antes de pegar a estrada
contudo, nossa esperança sempre renasce a cada dia.
Antologia Poética
210
Um homem que dançava
Um homem que dançava em praça pública
foi preso por alguém que não podia ouvir
a canção que embalava os seus sonhos,
era um bailarino que dançava sobre uma corda
que fazia ponte entre o abismo e paraíso.
Antologia Poética
211
Temos sempre duas vidas
Temos sempre duas vidas
uma certa outra perdida
uma que pensa outra que faz
contudo, no fim da conta
somos cotas divididas
na chegada ou na partida
pelo mar sem rumo e paz.
Antologia Poética
212
Obstinado
Nos meus dias mais difíceis
Quando me assalta uma angústia
Infernal, irrepreensivelmente
Tenho à mão um livro meu como remédio
Basta abri-lo e na primeira expressão lida
Sinto a brisa refrescante da liberdade
O mundo não vale uma lágrima
Nem os homens um dia de preocupação
Assim retorno ao mundo dos obstinados
E o sorriso da esfinge me atrai
Então o verme vira um deus
Que se eterniza na prosa ácida
No abismo desejado onde mora
Eu e a aminha bendita presunção
À poesia.
Antologia Poética
213
"Balada na prisão"
Havia um grande gênio, um poeta
que vivia deslumbrando na orgia
acreditava saber tudo sobre o amor
e de festas e banquetes com a nobreza
da beleza universal pintava a musa
e da arte o seu o deus e redentor.
Desprezava as dores dos humildes
não sabia da existência de uma flor
recebia elogios de alguns sábios
era dono de um intelecto promissor
tinha muitos poderosos aos seus pés
nem sonhava ser um dia perdedor
A justiça lhe sorria à revelia
seu pedido de suborno era favor
mas a culpa que carrega todo homem
certo dia pela carne o condenou
os amores e amigos se afastaram
muito cedo, nem visita ele ganhou.
Conheceu na prisão a vilania
do sistema que ajudou a construir
do requinte, da riqueza do seu terno,
ao inferno sem roupa para se cobrir
Antologia Poética
215
Amo-te, que mais poderia dizer?
Tive um impulso lírico de fazer-te um poema
mas tudo que foi possível a um mortal eu já te disse
palavras de tantos sentidos, e tantos aromas, amor,
este é nosso limite, amar nossa possessão divina.
Amo-te, que mais poderia dizer?
Antologia Poética
216
Amor sem limite
Ela é a expressão maior dos meus sentimentos
tudo que faço se resume no objetivo de vê-la feliz.
Quando se percebe um verdadeiro amor
tudo se torna possível, uma só carne
um só destino, um caminho calmo
de flores e espinho.
Este amor só é verdadeiro porque é recíproco
duas almas raramente conseguem este feito
amar sem limites terrenos, sem remorso ou preconceito.
a isto se chama amor, amor singular, amor perfeito.
Antologia Poética
217
Caminhamos torto
Assim pensando reto
caminhamos torto
o vento que move a palha
é o mesmo mar que banha o porto
O homem é pluma sem destino
o tempo é a força que empurra
um barco que carrega um peso morto
Antologia Poética
218
Não tenho certeza
Quando penso duvido
quando quero desisto
se espero me canso
se alcanço persisto.
Na fuga me perco
na chegada há conflito
não importa distância
só constância do mito.
Estou sempre partindo
quando quero ficar
a palavra confunde
ando a tropeçar.
Na certeza e na dúvida
há um mesmo caminho
a imagem que mente
é ressaca de vinho.
Antologia Poética
219
Sem tempo e espaço
O tempo e o espaço que tenho
na vida me forçam a correr
distante de algumas contendas
dos homens e de um falso querer.
Abraço os que não têm amigos
espero o melhor dos que têm
mas falta a franqueza dos justos
não buscam a recíproca do bem.
Eu quero encontrar um sorriso
sem lástima e sem condição
que seja infalível a doçura
conquista de um bom coração.
Antologia Poética
220
O filosofo é um paroleiro
O filósofo é um paroleiro
vive lutando consigo
dizendo que nada sabe
que o tolo é seu amigo.
De balelas em balelas
não convence a ninguém
finge que sabe a verdade
que o poeta finge bem.
Sendo ele enganador
ainda procura a paz
já se encontrou com a dor
mas é um bobo sagaz.
Antologia Poética
221
Sobre minha janela
Sobre minha janela
passam toda sorte de sonhos
minha visão turva
logo perde o foco
e a cor dos sonhos
como pássaros azulados
se misturam com
o cinza do infinito
Antologia Poética
222
Na cabeça um vazio
Na cabeça um vazio
Uma falta de atividade
Ninguém entra
Ninguém sai.
A casa arrumada
A cama feita
A mesa posta
Na rua um silêncio fúnebre
A janela dorme aberta
Não há medo
Uma paz tediante
Diante de mim
Apenas livros a escrever
Vidas a terminar.
Antologia Poética
223
No infinito o verbo perde a hora.
Talvez tudo já tenha sido dito
nas relações dos homens até agora
talvez saibamos tudo o que é preciso
que no infinito o verbo perde a hora.
Palavras ditas não foram capazes
de concluir uma discussão
se o amor existe falta atitude
nem toda virtude sai do coração.
Antologia Poética
224
O tempo sabe tudo
O tempo vigia constante
se posta à espreita da vida
com garras de aços nos fere
causando-nos no peito a ferida.
A ponte que ora se quebra
não deixa o cortejo avançar
e sangue na terra semear
um corpo que não pode andar.
O tempo é senhor do destino
e ninguém pode voltar atrás
na busca se perde o menino
no fundo são coisas iguais.
Antologia Poética
225
Há no cerne da alma uma ideia
Há no cerne da alma uma ideia
que o humano vez por outra contempla
a consciência de que não morrerá
No entanto este sono longo e sereno
que chamamos de eternidade
pode ser a resposta concreta
aos que buscam a serenidade.
Antologia Poética
226
Percebi uma particularidade nas pessoas que riem muito
Percebi uma particularidade nas pessoas que riem muito e que
nunca ficam carrancudas, que levam a vida sempre na
esportiva, estes que vivem desta forma sem guardar rancores,
demonstram que apreciam mais que os outros a experiência
única que têm para usufruir a vida em plenitude... Em suma,
estes são como crianças em um belo parque, e querem
aproveitar cada minuto de um bonito dia de sol.
Antologia Poética
227
De rima em rima faz-se a vida
De passo em passo, passo avante
confiante na manhã de um girassol
do passado me esqueço num instante
em que a luz que espero é o sol.
De grão em grão se faz o milho
e o pássaro errante come o pó
a serpente caminha sobre o trilho
e o peixe é mais rápido que o anzol.
Na boca do mundo morre o homem
na saliva de um beijo da maré
afogando-se na ânsia de um desejo
pela estrada da vida anda a pé.
Antologia Poética
228
Insônia de um sonho
Na fadiga da noite eu procuro
Um espaço de folga sem pensar
Mas a luta diária me sufoca
E à noite não posso descansar.
Tento dormir, me vem o sonho
É um sonho difícil de acordar
Numa luta travada no silêncio
Sempre quero o mundo carregar.
Mas as dores do homem não têm cura
Nem um deus pôde delas se livrar
Mais um pobre, sou eu, igual destino
Neste mar de ilusão a navegar.
Quem pode viver livre de insônia
Sendo humano, no mar a se afogar?
Caminhamos para o meio de um abismo
Que humano virá para nos salvar.
Antologia Poética
229
Quem pode agradar uma mulher?
É fácil agradar a um homem
basta dizer-lhe uma boa mentira
já com a mulher é diferente
quando chora nos confunde
quando sorri não sabemos se contente.
Se no amor se mostra fria ou distraída
pode ser que lhe falte o bem ausente
se contarmos-lhe uma história incomum
geralmente se disfarça e diz que aceita
mas no fundo é uma alma descontente.
Antologia Poética
230
Quase despedida
Num quase vida, um quase nada
perpetuou um quase homem,
no quase tudo, um quase deus
assim criou, quase menino
quase destino, quase pintou
assim, o quase eu se aprontou
num quase ir, num quase vir
num quase amor, num quase fim,
num quase flor, quase jardim...
Em quase tudo, o amor se ilude
no quase vida, no quase morte
no quase eu fui, então fiquei
no quase não, no quase sim
no quase bom, quase ruim
o quase homem, quase mulher,
quase querer, quase sofrer,
um quase viver, um quase desistir.
Num quase dor, o quase amor
quase ferir, apenas cor
de um dissabor, num despedir.
Antologia Poética
231
Para se entender a vida
Para se entender a vida
não é necessário virar monge
nem dominar todos saberes do mundo
basta uma tarde a observar um rio
ou alguns minutos o riso das crianças
Antologia Poética
232
Na solidão ilusória
Na solidão ilusória do saber universal
o homem deita sobre livros
a luz se apaga, os olhos cansam
e ele acorda mais confuso
é um fuso de enrolar retóricas.
Antologia Poética
233
“Há esperança, não para nós” Kafka
Se tem objetivo o caos
qual seria?... O crescimento
não pode ser pré-determinado
ele se dá conforme for alimentado.
Aí começamos a pensar grande
No efeito humano sobre o universo
Coisa vã, empenho tolo
Partículas de pó que ora viram bolhas
A espocar no ar debilmente.
Estamos dentro deste evento
Deste assombro, a nos espantar
Com a contagem do tempo
Para onde vai o homem
Dentro deste carrossel de impedimento?
Se a esperança é palavra construída
Pelo desejo de viver eternamente
Não seremos nós observadores
a verificar para onde irá o vento?
Antologia Poética
234
Para chorar ou para rir
Não consigo fazer poesia sorrindo
também chorando não devo
mas não tenho motivo para sorrir
todavia, motivos para chorar
tenho bastante.
Aos que leem e não entendem
o meu lamento, sinto muito
pois não tenho intenção
de fazer sofrer quem me escuta
nesta vida, embora curta há razão
há razão para os que choram
como há para quem rir
mas a mim, não desejo ser
perfeito, com direito
de fingir ou de mentir.
Se consigo escrever faço com medo
de dizer coisas que possam até ferir
sei que existe gente boa, um segredo
no presente não espero confundir
mas meu verso, no geral é quase triste
vai que existe uma razão para tanto mal
se a minha poesia assim resiste
não direi o porquê, nem o ideal.
Antologia Poética
235
O amor é perfeito, desumano.
Desejamos o amor,
o amor impossível
amor que jamais veremos
o amor é perfeito, desumano
queremos a perfeição
algo divino, ou inumano
porque nunca a teremos.
Antologia Poética
236
Um esquecer permanente
Um dia no paraíso seria suficiente
encontrando o amor de alma
ou razão pra ser contente.
A memória é muita curta
e o esquecer permanente
se deixa o viver passado
para ser feliz no presente.
A liberdade é sagrada
mas no afã de ver o vento
num bailar em corda bamba
se perde a rima a contento.
Antologia Poética
237
Paraíso Perdido
Proust escreveu Em busca do Mundo Perdido,
e assim criou uma obra inalcançável
o gênio do ciúme, a tese inigualável.
Todos nós temos o mundo deixado em algum
canto da memória ou da carne
outros um carinho esquecido, uma dor silenciosa.
O paraíso de Milton ou de Adão
buscamos o impossível, a perfeição
o improvável nos ilude, com isso crescemos
atrás da auto superação.
Antologia Poética
238
A noite Cai
A tarde fatídica se apronta para partir,
mas a rua continua clara,
parece que daqui de dentro,
de onde estou a olhar a vida passar,
não consigo ver o que se aproxima,
o que trará a noite em suas mãos sombrias
para meu desgosto se tornar maior que o dia que se vai?
Nasci do desfavor de Deus e dos homens,
me encontro na prisão comum aos miseráveis
aos filhos que não conheceram seus pais,
nem mãe tive para me acalentar quando ainda criança,
perdi tudo ao nascer, nasci por acaso, sem esperança.
A noite Cai
Eu estou a olhar a rua,
pessoas passam sem me notar
à janela, eu não me atrevo a chamar alguém
mas quem daria atenção a um desocupado?
Quem se importaria com a minha vida inútil?
A noite Cai
Todos passam apressados,
nem mesmo irmãos se cumprimentam,
Antologia Poética
239
da janela, olhando o mundo, eu só vejo cinzas
cinzas de uma humanidade desumana
mas eu sou parte dessa desumanidade
no meu mundo egoísta, não quero ser visto
escolhi viver à margem da espécie a que pertenço
A noite Cai
E eu continuo a esperar o amanhã
o dia de ontem foi muito triste, enfadonho
pensei em ir ao mar, quem sabe falar com um pescador
talvez mate minha sede de viver um dia por inteiro
talvez me embriague com a alegria dos inocentes
mas o mar fica muito longe de onde eu vivo agora
soube que talvez levo uma eternidade para lá chegar
de qualquer modo eu tenho muito medo do mar
nunca aprendi a nadar nem a andar de barco
meus braços não são braços de mar
nasci para andar no chão, preso em alguma corrente
como um cão doente e raivoso
posso morder quem me sorrir distraído.
Antologia Poética
240
Alma cósmica
A alma da poesia é cósmica
da mesma essência ela se faz
encontramos nos versos de Pessoa
e em Rimbaud a mesma lógica tenaz
Em Drummond a rima não varia
o sarcasmo de Quintana me é igual
bons poetas se encontram num caminho
como as águas do mar fazendo o sal.
O problema da existência vira prosa
alguns vícios abismos tão iguais
este louco que rir de todo mundo
vagabundo, um cão entre os mortais.
Antologia Poética
241
Uma dor comum ao poeta
Vez por outra visita-me uma dor,
uma dor que não é comum a outro homem
não lamento a perda da alegria
nem a falta de razão que me consume.
Uma dor que me tirou a inocência
sem essência faço verso não rimado
que levou-me por caminho bem mais triste
foi-se embora o sorriso embriagado.
... É graças a esta dor que a poesia existe..
Antologia Poética
242
Mundo concreto
Neste mundo concreto não há sonho
Nem lugar para o amor nem poesia
Construtores fazem ponte sobre o rio
E quem fica do outro lado a alma esfria.
Na labuta diária temos preço
Vale mais quem aprende a barganhar
Dá-se a vida por um pouco de sossego
Sem apreço pela paz que está no mar.
Na disputa vence o forte que tem medo
De sorrir, sem fingir para conquistar.
Antologia Poética
243
Universos extintos
Num mundo civilizado,
poderemos discordar com segurança
todavia não devemos nos portar como criança
discordar por discordar sem o crivo da fiança.
Se cada um tem seu mundo
construído de papel, ora molha
ora se quebra, num vai e vem de cordel.
Somos todos experiências apanhadas pelo chão
pedaço de vida móvel que se perde em discussão
ora cai ora levanta nossa visão tão minguada
como sombra vista ao sol, como pó sobre a calçada.
Somos universos extintos como maré que se vai
O que sabemos da vida são só dúvidas dos mortais
Caminho diverso em verso criado por filho e pai
nossas dores são distintas, mas os espinhos iguais.
Antologia Poética
244
Alguém que duvida
Eu sou alguém
que duvida
duvida do mundo
duvida de todos
que na dúvida
duvida da vida.
Antologia Poética
245
Espinho da Carne
Se alguma coisa má te incomoda
Pode ser que lá se encontre de repente
Há na vida muitas pedras no caminho
Que se achegam à nossa alma sutilmente.
Não se pode remover alguns espinhos
Que aos poucos se tonaram uma coisa só
Nossas perdas e desencontros viram ninhos
Onde a alma se contenta e espera o pó.
Segue o vento não rejeite a vida em vão
Te consola em saber que não és único
Ha contigo desvalidos em multidão.
Antologia Poética
246
E que ninguém duvide
E que ninguém duvide
que tenho a poesia
no sangue e na alma
mais no sangue que na alma.
E que ninguém duvide
que EU consiga expressar
aquilo que pretendo
a poesia existe no meu sangue
mais a minha alma a segura
a segura por covardia.
E que ninguém duvide que é
Por medo de sucumbir à vaidade
aos elogios dos meus pares
de poucas almas, que me reconhecem
como irmão, no sangue e na poesia.
E que ninguém duvide
ser poeta nunca foi minha
maior obsessão.
Nasci para o anonimato
não para a glória
nem mesmo a póstuma.
Antologia Poética
247
Que ninguém duvide
não quero ter seguidores
nunca serei santo nem palhaço.
Mas se a vida me trouxe até aqui
ao panteão dos descontentes
serei eu poeta e visionário
de um futuro que o passado
me fará esquecer.
Que ninguém duvide
que eu tenho uma alma
que sangra...
e que meu sangue jorra
sobre o pó improdutivo
para que a poesia nasça.
Antologia Poética
248
O que há por trás da porta,
O que há por trás da porta, vidas,
desilusões, sonhos e desejos escondidos
esperanças ou amores perdidos.
Quem olha da rua só vê a porta
madeira bruta ou natureza morta
se a porta é fechada muitos ouvirão
pensamentos nocivos, morte, traição.
E se a porta se abrir
surge a liberdade, criança a correr
chuva e tempestade, lembranças e risos
medo de surpresa, grito de saudade.
Antologia Poética
249
Poeta escreve e chora
Poeta escreve e chora
depois ri como criança
confunde sentimentos
quando erra não sabe
a quem recorrer
sua poesia é oração
que não se ouve
a musa foge
o verso quebra
a mão se eleva
e Deus não escuta.
Antologia Poética
250
Tenho pouco para dar desta matéria
Tenho pouco para dar desta matéria
deste mundo onde impera imperfeição
tudo vale preço em ouro vil quimera
no crisol onde se queima olho e mão.
Tudo certo entre as partes, bom acordo
pedra bruta, lixo tóxico vira pão
não se escrevem mais romances nem poemas
as crianças já não pisam mais no chão.
Temos preço nesta bolsa de valores
que varia pela onda de outros mares
se chover um pouco mais na Inglaterra
nossa terra perde o sal e os seus pomares
Antologia Poética
251
Neruda, poeta revolução
Neruda, poeta revolução
de amores intensos
e sonho vão...
Por aqui Castro Alves se destaca
pela marca infantil libertação
canto lírico de escravos,
a piedade de um gênio
pela vã separação.
Carne e sangue se misturam
mesma luta, vida curta
no inverso de ilusão.
Mesmo homem, mesma sina
mesma cor, dissabores
de poeta, de irmão.
Antologia Poética
252
Pode me faltar pão e poesia
Pode me faltar pão e poesia
não necessariamente nesta ordem
que sobreviverei. Contudo se me faltar quem
se interesse em dividir o pão
e quem procure a poesia
que há entre os homens: não!
O unir-verso se desfragmentaria.
É fato que não se tem
motivos pra rir à toa
mas se pensamos bastante
a vida parece boa.
Usamos comparações
a mensurar os destinos
uns que brincam com a sorte
velhos que se parecem meninos.
somos números, estatísticas
que se misturam no caos
pra somar humanidade
num revés de bons e maus.
o belo alegra-nos tanto
Antologia Poética
253
como o feio entedia
somos filtros de papel
a mudar conforme o dia
vez por outra me distraio
a pensar melancolia
observando a tristeza
que nos vem à revelia.
Antologia Poética
254
Coisas que se completam
Há coisas que se completam
que juntas formam uma harmonia infinita:
o velho e o novo, a força e a sutileza
o bem o e mal no homem
o belo e o feio, num transmutar
que torna necessário à natureza.
a poesia que pensa o universo
a filosofia que não sabe fazer verso
são, juntas a base da existência
caminhos que devem se cruzar
em algum ponto alto da consciência.
Antologia Poética
255
Há apenas um mistério
Há apenas um mistério a descobrir
o saber qual é a causa, a consequência
de descermos quando queremos subir.
os caminhos se entrelaçam e se completam
e ninguém que se gosta anda só
somos parte de um todo em movimento
que se junta para fazer um bem maior.
neste caso não se rima com palavras
sentimentos como sombras ou mero pó
pelo som se conhece a língua pátria
toda alma quer viver à luz do sol.
Antologia Poética
256
Os versos não são nossos
Os versos não são nossos
são pássaros que voam
em outro universo
e ao poeta que sofre
que rejeita sua natureza
é permitido vez por outra
tocar nessas criaturas
de indescritível beleza.
Antologia Poética
257
Estou no cais
Estou no cais
à espera de um barco
mais o mar serena
nem barco nem sereia
apenas lodo, esquecimento
rastros e nomes apagados na areia.
Antologia Poética
258
A poesia é um tipo de comunicação
A poesia é um tipo de comunicação
que não se compreende
por pronunciação verbal,
ou se tem o sétimo sentido
para perceber a melodia
da música e a harmonia
dos sons de uma peça teatral
ou se perde a chance
de descobrir o impossível.
Antologia Poética
259
Um mundo ideal
Devagar se inventa outro mundo
não havendo guerra nem disputa
onde os homens inocentes se contentam
com a falta de amor e a vida curta.
Por aqui ninguém sonha nem deseja
É normal se viver de aparência
Numa eterna ilusão sem consciência
De que a vida é promissora e benfazeja.
Uma força desumana nos empurra
Para um vão de inercia sem cuidado
Os perigos de viver são esquecidos
Tudo em troca de prazer desmensurado.
Antologia Poética
260
Meu sonho é factível
Eu tenho sonho factível
Se é factível não é sonho
É projeto... Quem desenha sonha
Rabiscos simples de um arquiteto
O construtor planeja, realiza
e do papel faz o concreto.
Antologia Poética
261
Tudo é mar eterno, sol e maresia
Poeta é bicho presunçoso
Vive querendo explicar a vida
Há outros mais vaidosos ainda
Que tentam resumir a poesia.
A vida é longa para quem anda reto
O mundo é curto estando o céu aberto
avidamente tudo se define
então a vida encurta e o céu se estreita
os homens se perdem, a torto, à direita
não se explica a vida nem a poesia
tudo é mar eterno, sol e maresia.
O discurso é pródigo e ao- ouvido engana
o verso se quebra e a voz se inflama
tudo se resume num contraditório
vida e poesia, e um ser simplório.
Antologia Poética
262
Minha poesia
Faço uma poesia incomum
para alguns poetas contemporâneos
Emil de Castro, sobre o Cadafalso
disse que há momentos lapidares
também tradução perfeita do poeta,
que está madura a minha poesia
todavia, segundo ele, ela, a poesia
não deve ser apenas conceitual.
Me acredito mais pensador que poeta lírico
meu mundo não é empírico
me expresso, sobretudo de dentro para fora
não preciso olhar a natureza para escrever
sou esta mesma natureza, a humana
cheia de contradições e abismos.
Para quem escrevo? Para que tem ouvidos
para algo novo, não faço cócegas nos ouvidos
nem tampouco quero amenizar o que há de caos
e de subterrâneo na alma humana.
Sou o que sou e não há razão premeditada
no que faço da minha agonia existencial
meu minuto de lucidez, entrego todo ao criar
ao fazer, se por ventura distraio alguém, muito bem
mas não tenho esta intenção propriamente dita...
Antologia Poética
263
Enquanto isso
O louco fantasia, enquanto o gênio cria
e o mundo segue seu curso irreparável
e eu ainda estou aqui, enquanto a noite esfria
a lua é testemunha do meu desalento
não sofro pela vida, agora inconfortável.
Antologia Poética
264
Se queres agradar com a tua arte
Se queres agradar com a tua arte
Não te prives de usar a fantasia
A razão com inteligência e sentimento
É um fermento que anima a alma fria.
Mesmo tendo uma plateia exigente
Se fizeres tudo isso vencerá
Faz sorrir o menino e o homem triste
Sem, contudo a loucura desprezar.
Antologia Poética
265
Como serpente
O poeta,
como serpente
sofre metamorfose sazonal
de tempo em tempo
troca a pele,
uma força imensa
lhe impele
e ressurge
do barro criativo
do efêmero comum,
da vida breve
rescreve outro texto
outra vida
reinventa
outro motivo...
Antologia Poética
266
O meu querer atua
Fogo que consome a pedra
água que derrete o sal
mágoa que destrói a alma
bem que sempre vence o mal
penso muito antes de agir
para ir ao centro do querer
residir em um lugar perfeito
para nunca me arrepender.
projetando um bem suficiente
que alcance outros com a paz
um fazer capaz, edificante
construindo um mundo mais veraz.
Antologia Poética
267
Um pouco de paz
Um pouco de paz
um copo de vinho
o fim da estrada
alcançado o caminho
descalço meus os pés
me visto de linho
atrelo-me ao sono
dedilhando o pinho.
Antologia Poética
268
Tempo, sentinela perpétuo
O tempo passa
como as águas do rio
e o relógio não sai da parede
como um sentinela perpétuo
seu tic tac não cessa de avisar
que o tempo passa, não para
e como as águas do rio
nunca mais voltará.
Antologia Poética
269
No rio
Um rio que corre pro mar,
assim é com o poeta,
sempre encontra o verso,
em seu amar, UNIVERSO.
Tenho um MAR
que quer ir ao Rio
estou no rio
onde O MAR é doce
meu pôr-do-sol
agora é setembro
perto do verão
um coração
se FOSSE!
A vida é curta
o mundo extenso
o universo infinito
o mar imenso.
Falamos sem pensar
um sentimento ambíguo
buscando um irmão
se perde um amigo.
Antologia Poética
270
Poema riqueza da alma
Há um poeta entre vós,
contudo não sabes escutar
a voz que no alto declama
sussurros de um delirar.
Se escreve palavras vulgares
que juntas constroem um castelo
a vida que corre do homens
ignora um dom tão singelo.
Alguns que ouviram este canto
pararam e aprenderam a olhar
o sonho que se busca no céu
na terra se pode encontrar.
Poema riqueza da alma
que alguns desenvolvem na dor
serenam assim seus desejos
e superam o limite do amor.
Antologia Poética
271
Um rio de lágrimas
Um rio de lágrimas
Onde muitos se atrevem a entrar
A vida, como um palco sombrio
O tempo restante a contar
Sem medo se entra no cio
Querendo um assombro criar
Um drama perfeito se inventa
De água e sangue a jorrar
Do lado de fora da alma
Sem calma pulamos no
Ar... Um fôlego separa o querer
Nascer neste mundo sem par.
Na vida se estreia chorando
Um pranto que não vai calar
E loucos vivemos cantando
Querendo o mundo alegrar.
Antologia Poética
272
O lago de um desejo
Enquanto olhava a noite,
dentro de uma escuridão profunda
Um pensamento saiu voando
como uma estrela cadente
E como um raio incandescente
Iluminou todo meu passado
Esquecido e tenebroso...
Me vi em outro mundo
Em outro tempo
Onde tudo parecia prazeroso
Havia um lago sereno
E em suas margens
Um casal de namorados
Trocavam carícias inocentes.
Muita gente vinha a este lago
Para ver a infância que crescia
Assim os casais ficavam velhos
E aos poucos perdiam alegria.
Lago de esperança, meu refúgio
E sempre volto a revê-lo
Em horas improváveis
Antologia Poética
273
Atemporal, esta recordação
É parte de mim, do meu desejo
Não da minha existência...
Antologia Poética
274
Por trás da porta
Por trás da porta
A rua segue seu curso
Como um rio,
pessoas descem
A água é o vento
Que as move
Passos distintos,
Caminhos iguais
São moléculas
Sem destinos
Poeiras outonais.
E eu atrás da porta
Sem coragem
De ir à rua
Penso no futuro
Mas o passado me espreita
Quem dera fosse largar
A rua que me espera
Mas a porta é estreita.
Antologia Poética
275
Olhe à janela
Olhe à janela
acaba de passar
muito baixo
um poema
um pássaro
se não viu
olhe amanhã
quem sabe
ele volte
em forma
de mulher
ou de amigo.
Antologia Poética
276
Redemoinho Cartesiano
Dentro de um redemoinho cartesiano
giram as coisas, como pó que saiu de uma balança
sem inicio ou final, sem um propósito
com um sopro exuberante
se fez girar as matérias, forças
inversamente constantes
se uniram pra fazer o inexistente existir.
Assim, como átomos do quase nada
somos nós, num bailar desequilibrado
como um bêbado, sem o chão,
sabendo que logo vai cair.
A loucura rege o homem
que percebe que se encontra
no olho de um imenso furacão
inocentes, fingindo entender o caos
atribuem a Deus esta desordem
vida e morte, bem e mal
mas é vento o que colhemos
no meio desta eterna tempestade.
Antologia Poética
277
Ilusão de descrever a Beleza
Muito se diz sobre o belo, em canções e em poesia, e há belezas
distintas, mundo a fora conceitos se confundem. Mais um
pensamento seria apropriado, o de que o belo não tem tradução,
a meu ver, o belo é uma imagem que nos atrai à primeira vista,
sem culpa, sem remorso. Olhamos rapidamente e até nos
esquecemos de que ponto estamos a observar a beleza exterior,
em alguém ou em algum objeto... Então, diante de um ponto de
vista universal, a beleza é, sobretudo fascinante. A beleza,
contudo não pode ser confundida com outra coisa, que à vista
masculina seria a imagem da mulher, a origem desta afirmação
do belo pela conquista.
Todavia não é necessariamente isto o que venha se concluir
como resumo da beleza aos olhos de um homem.
A beleza estética, aquela que nos salta aos olhos, pode ser
cruel, e, aliada a juventude chega a ser indecente. Este
pensamento não é nada mais que um vislumbre poético de
algum autor romântico ou de alguém muito apaixonado,
descrevendo uma beleza inalcançável, como a fascinação por
um deus ou por uma musa, como amor platônico, inatingível.
O fato é que o belo é imprescindível, e existe em tudo, basta
saber olhar para encontra-lo em qualquer lugar onde existir
vida. Relativamente, é possível enxergar beleza até na morte,
mas este argumento não é para os mortais, todavia, sobre uma
ótica metafísica, há beleza sim na transmutação do homem
Antologia Poética
278
carnal em homem espiritual, por este motivo não se deve
refutar sem uma profunda investigação, a beleza em outra
esfera que não seja meramente física.
Antologia Poética
279
Um homem que cantava
Um homem que cantava
Havia um homem, um homem que cantava
todos os dias eu acordava com o seu canto
era um canto triste... Aos ouvidos comuns, alegre. Eu, em
minha cama de enfermidade pensava como alguém pode ser tão
alegre, sendo pobre e rude?
Mas o homem cantava, dia após dia eu o ouvia cantar, era o
João, meu vizinho, ajudante de pedreiro, que não tinha
nenhuma vocação para música, mas cantava.
E eu, sendo músico e poeta, não tenho motivo nem coragem pra
cantar, a descoberta da verdade me cortou a voz, às vezes penso
será que ele canta de alegria ou para disfarçar a tristeza?
Sua alma exprime dor ou regozijo pela vida?
Sua vida é simples, de casa para o trabalho
trabalho que lhe consume a energia vital
mas o João prossegue cantando, com sua voz indecifrável de
rouxinol doente...
Não posso garantir que é de alegria seu cantar.
Antologia Poética
280
O filósofo sabe quase tudo
O filósofo sabe quase tudo, mas não supera a dor da
consciência, "Da Morte de Deus" nem pode vencer a distância
entre o Sim e o Não... O poeta finge bem e supera lógica e
razão.
Antologia Poética
281
Artificie de mãos calejadas
Artificie de mãos calejadas
Como ferreiro que manuseia
O cadinho para forjar da pedra o ouro
Tenho os olhos cansados da exposição
Aos raios nocivos de um sol que não se põe.
As letras para formar palavras eu procuro
Como quem busca o impossível, assim faço poesia
Mudar realidades, acordar quem dorme em bom descanso
Palavras que juntas formam um universo,
E, como alquimia dão luz à outra ideia, a outro verso.
É mesmo mágica esta ilusão criativa
Onde sem pensar a próxima palavra
Surge da página em branco uma ideia vigorosa
Sem rima, sem fórmula estética, assim escrevo a prosa.
Antologia Poética
282
A fugir de mim.
Sendo a vida este barco à deriva
Navegando sem destino a cais ou porto
Passageiro que sou desta miragem
Não me canso de olhar para este aborto.
Não há praia distante nem descanso
E o remanso do mar bate de açoite
Nesta frágil embarcação que me carrega
Sobre as ondas de ilusão e de alvoroço
Sou a sombra de um fantasma esquelético
A fugir de um deus de carne e osso.
Antologia Poética
283
Para Vinícius
Já dizia o poetinha com razão
“Samba bom tem que ser sofrido
é preciso um bocado de tristeza”
Para fazer poesia de valor
Se a vida fosse de outra forma
Solidão poderia até ser bom
Alegria não é só felicidade
Nem tristeza é ausência de amor.
Cantaria eu por toda parte
a canção infantil do lá-ia-lá-ia
se tivesse o amor sempre ao meu lado
sem ter tempo ou motivo pra pensar
sendo assim perderia a consistência
não teria amargura nem paixão
que enriquece a arte na tragédia
esta vida no palco da comédia
se um amor platônico fosse vão.
É na dor que o verbo se faz carne
E o espírito padece pelo pão
Pois sofrendo o poeta cria sonho
De alcançar o nirvana com a razão
Canta a vida sofrida e o abandono
Bota o pé nas estrelas, vai ao mar
Antologia Poética
285
Construtores de sonhos
Com engenho e graça o poeta faz a praça, onde amantes e
bêbados dormirão,
a lua, vez por outra também vem se enamorar... Se há flores
pouco importa, na folha morta vive a saudade a murmurar...
Outrora se viveu, canções e afagos...
A praça é feita de sonhos, como de sonhos são feitos os amores
que nunca se consumam... E como deuses no olimpo, poetas
tercem as linhas metafísicas de um amor romântico... Amor que
não lhes servem, como incrédulos de um deus que nunca
existiu... Mesmo que a praça seja para eles incolor, constroem
bancos, coretos e até jardins de uma época de ouro, de uma
cidade pacata e bucólica, que podem no futuro acolher novos
sonhadores, poetas do porvir.
Antologia Poética
286
A ponte
Havia uma ponte sobre um rio,
Um rio que cortava uma cidade
A carne que gemia, calafrio
Na ânsia de sentir uma saudade.
A ponte de tão frágil, caiu na` água
Só mágoa, num suspiro se afogou
Agora se travessa o rio a nado
corrente dos desejos se quebrou.
Antologia Poética
287
Pra Lou Salomé
O que sobrou de nós
Depois de tantos vendavais, poeira discussão
Outrora rocha, hoje lama de ofensas mútuas
Olhares distantes, sentimentos vão
Amigos deixados, amor e perdão
O que sobrou de nós... Uma sombra, um verão.
O que será de nós agora, que sozinhos... Outro caminho
Perdas e ganhos, experiência, dor de consciência
Outro corpo, outro vinho, possíveis destinos
Outro renascer, outro passo, outro ninho.
O que será de nós, Tristão e Isolda
Tristeza final, uma morte sagrada
Um pé na estrada do cruel desalento
Um viver separado, de infindo tormento
O que será de nós agora crescidos
Numa ópera de Vagner, vencidos amantes
Dois barcos irmãos, em mares distantes.
O que será de nós...
Musica e poesia, um deus afrontado
Um manto encarnado, flor-filosofia
Dois lados, uma sombra, coração que sangra
Um leito maculado, um verso quebrado
Antologia Poética
289
Findo o inverno
Chegou o fim do inverno
Aquelas noites serão esquecidas
Onde braços e bocas se entendiam
Findo o tempo, quando almas e corpos
Flutuavam num único pensamento.
Chegou o fim do inverno
Resta-nos a primavera
Quando florescerão as flores
E os amores, que entre cores
Desenharão sonhos... Quimera.
A saudade repousa junto ao mar
Junto ao fogo da nossa incandescente lareira
Onde nossos corpos se uniram
Se derretendo, formando gotas
De vida de uma imponente cachoeira.
Por que fomos tão rápido,
Do paraíso ao inferno?
Ou foi pequeno nosso empenho
De inverter as estações
De mudar a posição dos astros
E perpetuar nossa paixão
Em eterno inverno?
Antologia Poética
290
Era tarde da noite
Era tarde da noite, a rua estava deserta, ao chegar em casa a
porta aberta... Entrou, passos cautelosos, a luz do quarto
acesa... E sobre a cama uma mulher nua ensanguentada. Pega
um cobertor e embrulha o corpo gelado de sua mãe, chama
polícia e vai à rua para providenciar o enterro. Na rua, não
conta para ninguém o que acontecera... A sombra da noite lhe
persegue, quando ouve o barulho de carro a cruzar a rua acorda,
e não há nada, nem corpo nem mãe, apenas um cachorro
lambendo as suas chagas...
Antologia Poética
291
Tédio de escritor
A vida está sem graça
Há um vazio
Uma falta de atividade
A casa arrumada
A cama feita
A mesa posta
Na rua uma calma fúnebre
A janela dorme aberta
Não há medo
Uma paz tediante
E, diante de mim
Apenas livros
Vidas a terminar.
Antologia Poética
292
Dentes de Aço
Eu sei que não posso alcançar o vento
Também sei que a morte é comum
Mas não quero apenas nesta vida
Ser um tolo que esqueceu que é só um.
É muito duro este pão que amassamos
Sobre trevas que nos causa mui temor
Vale a pena viver um dia livre
Se soubermos nos fazer sério favor.
Aliviar as dores dos que sofre
Não, não carne, pois a carne é triste pó
É preciso levantar um novo rito
Para o homem se lembrar que vive só.
Nos é lícito possuir dentes de aço
Ter um braço que alcance a luz do sol
Ter os olhos protegidos dos enganos
Não ter medo de andar sob o crisol.
Não se perde nada por ser justo
Mas a terra todos termos de herdar
Se nascemos da argila e da água
Esta mágoa não devemos carregar.
Antologia Poética
293
Aos poetas de fins de semana
Faço poesia como quem late
Como cão que de raiva morde o rabo
Irritado com o desleixo da escrita
Que agora nossa mente ora invade
São poemas de cabeça e língua curta
Que assusta quem da forma sabe a lei
Que poemas não se faz por brincadeira
Tanta asneira que transborda o que eu o não sei
Não têm rimas, não tem música, almas rasas
São formigas que do chão querem voar
Mas se afundam muito mais nas lamas fétidas
Curtas asas, só retóricas, dialéticas.
Antologia Poética
294
É de ferro teu sorriso
O teu sorriso poderia ser de ouro
Um sonho de mel para uma criança
Se o teu sorriso fosse prata
Poderia me trazer paz e esperança
Mas o teu sorriso não é cobre
E não pode produzir luz onde estou
Quando riste para mim, primeira vez
Não notei que sorrias do meu choro
Encantado olhei teus dentes brancos
Que no fundo foi para mim só mau alouro
Mas um cego não consegue enxergar
Quando tem em sua frente o desconsolo
Um sorriso de mulher é tão singelo
Como elo entre a linha e o rolo
É de ferro teu sorriso, alma ingrata
E o homem solitário é sempre tolo
Antologia Poética
295
Almas Gêmeas
Se realmente existir amor
Um amor profundo e companheiro
Duas almas se encontram nesta vida
E jamais se separam por inteiro.
São eternos como eterno é o mar
A floresta, a montanha e o deserto
Não se perde um do outro vivem perto
Nem a morte lhes provoca sofrimento.
Pela vida vão tocando um só destino
De mãos dadas pela graça de viver
Irmanados como belos passarinhos
No seu ninho fazem o amor acontecer.
Antologia Poética
296
Do quase possível.
A ideia de um mundo quase possível
onde as flores falassem,
e que as mulheres fossem só perfumes.
No quase possível os homens não falaria de paz,
não, apenas viveria em paz... Sem ditador
nem dissidentes. A praça seria dos namorados
não dos meninos abandonados.
Em um mundo quase possível poetas não morreriam,
se encantavam...
Antologia Poética
297
Eterno Retorno
Tendo-se findado o ciclo da vida
De um eterno retorno sem razão
A natureza perverte sua lógica
Contradiz no seu texto a direção.
Não se sabe de fato quem primeiro
Se o homem, um verme, ou foi o cão
Perceberam que em todos os normais
O que brota mais cedo é a confusão.
Um desacordo, um medo do futuro
Desilude o sábio, alude a distorção
Se correr atrás da alegria não seria
Não ser triste... Em si contradição.
Antologia Poética
298
O improvável
O improvável ao poeta aconteceu a loucura dos cães doentes
lhe feriu descuidou-se dos perigos desta vida de repente a
paixão dos humanos lhe rendeu. Agora, como um tolo vive
rindo encontrou até razão para cantar hoje sonha que os homens
são iguais... Que vida no planeta faz sentido, no deserto pela
paz vive a clamar.
Antologia Poética
299
Neruda
Impossível não naufragar
Após uma leitura profunda de Neruda
O poeta que deu vida
Ao improvável, que surgiu
Das profundezas marítimas
Como quem sai de lá pra respirar
A leveza encontrada nas alturas
Em seus poemas encontramos
Sua alma irreverente
Impávida a navegar.
Impossível ler Neruda e continuar
No porto, o cais desaparece
O chão estremece em nossos pés
E em mar revolto encontramos
A paz almejada e o conforto
Neruda nos conduz ao mar
Impreterivelmente também
Ensina-nos sua forma inconfundível
De amar.
Antologia Poética
300
Benesse do sofrimento
Aprecio sobremaneira o sofrimento
pois é em seu leito frio
que me visita, em hora incerta a poesia
esta ninfa de
alma insaciável
de olhos vívidos e lábios ardentes
são as dores e os gemidos
deste esquecido moribundo
que lhe atrai
irresistível
ao meu
supremo
encantamento.
Antologia Poética
301
Língua de Fogo
Era tarde, muito tarde
era noite,
noite sombria
e o vento
do sul
açoitava
o túmulo
onde dormia
a vaidade dos poetas
quando a tua língua quente
tocou a minha orelha
teu hálito divino fez reviver
a minha vaidade congelada
então a língua de gelo
se fez de fogo
e a poesia renasceu,
do mármore
não das cinzas
Antologia Poética
302
Apolíneo e Dionisíaco.
Busco a medida exata, do apolíneo
Ao dionisíaco.
Uma forma de beleza
Que não me furte a razão,
Um prazer equilibrado
Que me permita ser
Por algumas vezes emoção.
Uma forma que não estrague o conteúdo
Um prazer que não deturpe o senso crítico
Que aceite sempre correção.
Este é meu maior e mais virtuoso desejo:
Entre a poesia e o pensamento filosófico
Mas no que respeita à vida: sou niilista
Com uma força descomunal
Capaz criar o novo a cada dia.
Antologia Poética
303
Olhares
Palavras, uma força criadora que edifica
E que destrói... Para um poeta, as palavras
São como bálsamo para anuviar a dor da solidão
Da incompreensão sofrida das almas contrária à poesia.
Mas há forças além da poesia que podem ser visitadas
Por qualquer criatura que raciocina:
A comunicação sentimental,
Aquela que nos diferem dos outros animais
Comunicamo-nos por gestos, por olhares e sorrisos
Aceitamos um olhar, quando nos é recíproco
E até combinamos uma vida futura, uma união
Um êxtase secreto, mesmo a produção de um filho
Tudo pode ser acertado
Por meio de olhares de cumplicidade.
Antologia Poética
304
De ti não tenho nenhuma lembrança
Há mesmo coisas que não se esquecem
Como nadar, andar de bicicleta e escrever correto
Como há coisas que desejamos esquecer
A morte de um grande amor
A intensidade de um dor
Como a amputação de um braço.
De ti não tenho nenhuma lembrança
Esqueci teu nome
A cor de tua pele
Teu sorriso de esfinge
Tua boca sinuosa
Memória e razão, duas entidades
Que se apartaram do meu corpo
De ti, não tenho nenhuma lembrança
Só a esperança
De te esquecer completamente.
Antologia Poética
305
Acordei
Um cão latiu ao pé de minha porta
Um estalo de luz em meu desvão
Era eu, a consciência morta
A angústia saiu na contramão.
Brilha o sol, a enseada acorda
Canta a vida em ritmo de canção
Tenho calma n’alma, penso ativo
Estou vivo, que bela ilusão.
Antologia Poética
306
Ponto perdido
Angustiante paciente do crepúsculo
A aurora distante perscrutou
Tens agora mais um dia, o derradeiro
O Amanhã é um engano que aspirou
Acreditar: embriaguez empirista
Quimera, presunção decadente
É o acaso que dita tua sina, otimista.
A curva é sinuosa até para a serpente
A medicina falha, dor não arrefece
Tua veia sangra, teu pulso mente
A morfina abranda, afina o fio-morte
E viver não basta, queres a utopia
Um gozo celeste, sombra e poesia.
Antologia Poética
307
À filosofia
Oh! Senhora de toda sabedoria
Detentora de todas as prisões
Psicológicas existenciais.
Rogo-te, que por piedade
Tenhas sempre a meu favor
Em mãos e aberto, um livro
Capaz de fazer-me retroceder
Do caminho da presunção.
Antologia Poética
308
Virgílio ou Beatriz?
Na divina comédia,
Entraremos pelos fundos
Do fim para o começo.
Experimentaremos Primeiro o paraíso,
Antes do purgatório e inferno
Pois em tua companhia estremeço.
Diga-me glorioso espírito,
Esclareça-me: Sendo eu Dante
Quem és tu para mim? Virgílio ou Beatriz?
Antologia Poética
309
A dor da poesia
E preciso sentir uma dor imensa
Pra fazer poema de riso e não chorar
Esta dor há de ser tão profunda
Que ninguém poderá ver-te ao luar
Está além dos delírios dos profetas
Dos desejos dos mudos de cantar
Esta dor é tudo que eu espero
Para um verso perfeito engendrar
Já tentei com as dores da saudade
Com a febre de não me apaixonar
É a dor que lateja em Florbela
Lamento que viveu sem revelar
É à sombra de uma vida bela,
Poesia do mestre do além mar
É da alma que brota este abismo
Como um sol brilhante a faiscar.
Antologia Poética
310
O canto da solidão
Ouvi um canto na solidão
O que pode ser pensado
Falado, vivido ou plasmado
Na solidão? Na solidão
Só cresce o medo
Medo de ficar só
Na solidão tudo é vago,
Espaçoso, imenso, distante
Na solidão não bate o sol
A noite é longa e infinita.
Era eu quem cantava,
Cantava e não sabia
Era tão fraco o canto
Me pareceu vir de muito longe
E não de mim, aquele canto suprimido.
Era minha alma que saíra por instante
E cantava para acordar o sangue
Que havia parado em meu pulmão
Eu dormia ou começa desfalecer
A solidão não mata, apenas corta o ar
Então, mesmo morrendo eu ainda cantava.
Antologia Poética
311
Mulher
Acordei menstruada
Meu parceiro queria sexo
Que coisa nojenta é o amor
Repugnante é o afago
De quem nos deseja
Pelo prazer, não pela dor.
Antologia Poética
312
Nego-te
Com uma realidade sempre inversa
Como amigo, como amante:
Com verdade e força desumana
Canta um sentimento nulo:
Pela eternidade e nesse instante,
Privando a liberdade com grande fúria.
No presente, hoje, pela eternidade
Por merecimento, com firmeza,
Sem desejo lascivo permanente
Sem mistério, sem virtude, custa
Como um ser superior, és injusta
De mais a mais,
O que for de mim parati, Eu Nego
Negando-te persisto, para que vivas!
Antologia Poética
313
Fausto sem poeta
Preferi a solidão e a tua ausência
Pra saber se tu tinhas consciência
do vazio que deixaste ao partir
Foram dias e noites de delírios
Entre sonhos, insônias e loucuras
sem achar um motivo pra sorrir
Meu espírito no corpo aprisionei
Não pensei em você como dieta
Fiz do abismo um painel e te pintei
Uma musa liberta do poeta.
Preferi o circo ao holocausto
Escolhi a obra mais sublime
O palhaço de FAUSTO inventei
O poeta perdeu o seu papel
Dispensei a plateia e recitei:
Que importa os risos e os aplausos
Dos perdidos condenados sem amor?
Minha arte maior será bendita
Se pulsar com verdade e vigor
Não serei lembrado pelo oficio
Sem o vicio mais nobre do autor
Pinto a vida, declamo a liberdade
No fundo sou fealdade, dissabor.
Antologia Poética
314
Agonia
Entre um verso e outro
como cálice de absinto
A cada gole de saudade morro
Mais obstinado fico, socorro
Quero perfeição,
vem a embriaguez e o labirinto
Almejo o inalcançável
A presença de Ariadne
Como o espírito Faustiano
Mas quem me chega
É a embriaguez indispensável
A discussão prossegue
Entre mim e a poesia
Ela reluta, luta
Vence-me à revelia.
Apago o que escrevo
Desisto de um natimorto
Vago sem destino
Procuro outro porto.
Alcanço enfim outro cais
Ventos, temporais
Antologia Poética
315
Assusta-me o conforto
Quero o verso certo
Quero a utopia
Quero os teus abraços
Sobra-me agonia.
Antologia Poética
316
Um rascunho
Sigo rascunhando um sonho
Num ambiente frio, onde habita
A tua falta e o teu olhar distante
A loucura é amiga constante
Do poeta, toda atitude
é poesia...
Ela é a própria musa
E o poeta vaga, divaga em texto
De filosofia, para explicar o que sente
Ou o que não sente pela vida.
A vida é um piso em falso
A inteligência e o cadafalso
A Prova da culpa,
O delírio, a contenda
A dor, o desvario
A arte em desalinho
Uma fuga, um ninho
Pássaro de aço
A força estreita
O vazio do abraço.
Antologia Poética
317
Epitáfio
Houve um dia em que você não veio me ver
Nesse dia eu quase morri, a solidão foi tanta
Que eu resolvi beber, beber a tua ausência.
Mas não pude embriagar-me.
Estava com uma resistência incomum
Então, antes que o dia terminasse, pois era tarde,
Eu já desistia de afogar as minhas mágoas
Em copos de desilusão.
Como último recurso, resolvi cometer suicídio.
Nem assim você apareceu.
Ao meu funeral, poucas pessoas vieram
Não permiti que rezassem.
Jogaram algumas flores sobre minha lápide
E no epitáfio escreveram:
Jaz aqui um tolo que não soube se declarar.
Antologia Poética
318
Os filhos que pari
Estou em processo de amadurecimento
Toda noz precisa ser colhida... Para se dá à luz
Faz-se necessário antes ficar prenhe.
Minha poesia, não é maior nem menor
É apenas minha poesia... Como são meus os filhos
Que produzi... Os filhos, porém, não são apenas meus
Eles precisaram de uma mãe para vir ao mundo.
A poesia que hoje faço não possui genitora
Sou pai e mãe dos meus filhos deficientes
Alguns lhes faltam as pernas, outros os braços.
Há aqueles que não enxergam muito bem
Mas amo a cada um dos meus filhos feios
Arranquei-os das minhas entranhas
Não para que eles pudessem mudar o mundo
Mas com um intuito de por meio deles
Suportar a natureza humana
Por eles morri, para que vivessem.
Meu espírito de poeta é como uma mãe
Que tira da sua boca o único pão
Para alimentar os filhos que pariu.
Por isso persisto num oficio delinquente.
Antologia Poética
319
Um tiro no pé
Uma luz pagada, como se guia cego
Uma panela vazia, a fome à espreita
Um gesto amigável, o pão satisfeito
A barriga nas costas, um peso nas mãos
Um filho no peito... A mãe é menina
A menina é mulher, o pai é covarde
A fuga, o desengano, um caso desfeito
Um tiro no pé.
Antologia Poética
320
O verme e a carne
Por que a indecisão? Por que a falta de ação
diante do o inesperado?
A mudança assusta o verme que persegue a escória,
onde projetou seu prazer.
Não há vontade para se afastar do nefasto,
da contínua destruição.
O verme rói a carne.
A carne que um dia já foi a própria alma.
Em breve o verme será comido.
Antologia Poética
321
Depressão
Eu não sou poeta de porto nem de mar
Escrevo nas trevas minhas pérolas de luz
Quando vir a lume um mote que reluz
Minha arma de fogo é o punhal
O verso sangrando, abutre visceral
Roendo as entranhas, sem tempero,
Sem sal... O tédio é bem-vindo
Minha aurora fatal só existe de fato
No meu bálsamo umbral.
Crio sempre na véspera do enterro
Do dia, quando escuto o lamento
Dos que perderam um tesouro.
Um chorar é cantiga e redenção
A tristeza do jeca, a desgraça de Jó.
A sorte de José, a dor de Jacó
Não há obra perfeita que não possa imitar
Só a morte é direita, pois não há correção
Como não existe poeta sem boa depressão.
Antologia Poética
322
Ditirrambo
A imagem de uma estrada sem curvas
Uma cena vulgar, como música tribal
Ou sereia a cantar... Todo som faz vibrar
Uma fibra no peito,
Quem enxerga no escuro um artista perfeito?
Minha língua ideal... Aprendi no quilombo
Como canção, ópera-ditirrambo.
Um escravo, um canto-perfeição
A voz da poesia vara a erudição
Escreve-se com tinta, não se ouve a razão
Um poema maldito... A fiel construção,
Na vida não há rima, uma prosa-canção,
Uma estrada de espinhos,
Que ninguém pisará... Há um homem
Franzino se afogando no mar...
Quem inventa uma porta
Do inferno pro céu?
O espírito de Dante, num eterno tropel
A buscar Beatriz e seus lábios de mel.
Antologia Poética
323
Que rima
Na rima não há pobreza
Há, de fato, peso e leveza
Se a poesia fosse prosa,
Se toda mulher fosse rosa,
A vida, que graça teria?
O lixo não parece bom
Mas se procurar em baixo
Há etanos e matizes,
Cores e som.
Na rima não há pobreza
Há, de fato, peso e leveza
Se a poesia fosse prosa
Se toda mulher fosse rosa
A vida, que graça teria?
O lixo não parece bom
Mas se procurar em baixo
Há etanos e matizes,
Cores e som.
Antologia Poética
324
Medo da chuva
Quando criança eu tinha medo da chuva
A cada tarde chuvosa,
Eu achava que seria mais um dilúvio
Que viria para punir os homens pelos seus erros...
Estas estórias que ouvimos dos mais velhos,
Estórias que eles contam, muitas vezes inventadas
São prejudiciais para o crescimento intelectual...
Crescemos já com a mente possuída por mitos
Por crenças que nos aprisionam por toda vida.
A chuva, um bem que nos refrigera a alma,
Que molha a terra para brotar semente,
Não podia ser usada para outro fim...
Eu quero ensinar para meu filho que a chuva é benéfica
Que do céu não cai pedras de saraiva
Para matar homens pecadores ou inocentes...
Eu nunca me livrei do medo da chuva,
Agora, nas tardes chuvosas eu sinto muito medo,
Mais medo do que quando era criança...
Mas o medo que agora sinto, é por conta da solidão,
Por não ter mais aquele medo inocente
De que Deus se importa com o que acontece aqui na terra.
Antologia Poética
325
Um inseto
Um pensamento persiste
Em me tirar o sono... Qual
Deve ser o seu objetivo?
Vencer a barreira entre
O mundo das ideias,
Se materializar,
E se tornar objeto?
Um pensamento persistente,
Com uma voz estranha,
Latente... Dia após dia,
Como uma dor consciente.
Mas eu apenas penso.
Eu não posso prescindir
Do que ele sente.
Aceito... Seu argumento
É quase perfeito...
Não serei mais indiferente
Ao seu labor constante,
Ao infundir-me à alma
Um tom lucilante,
Um canto sobrepujante.
Soou forte. Foi sem rima.
Antologia Poética
326
O inseto cheira a rosa
Costuma dizer por cima
Aquele que chora e goza
Prefere soltar um grito
A calar em via lousa.
Sou poeta faço prosa.
Sobre minha mente repousa
Uma mosca negra malcheirosa
A causar-me uma forte cefaleia.
Há uma maldita discussão...
Agora é uma abelha que me fere
---Com uma agulha em fogo,
Em brasa, à imodéstia, à consciência.
Antologia Poética
327
Alma sintética
I
Uma alma que jaz ainda viva,
Num espaço e num tempo que perdeu
Que perdura na cova da saudade
À procura de um bem que a vida não lhe deu.
Uma alma que ainda vive a carne
E os ossos no ócio esqueceu
Uma alma que sofre a desventura
Uma agrura de um sonho que era seu.
Esta alma que fala das alturas
Com candura a ternura ofereceu.
II
Uma alma feliz por seu destino
Consumada de vida e de prazer
Minha alma ainda está ativa
Porque a ti a alma concedeu.
Tua alma jamais rimou com calma
Teu espírito ativo sempre está
Produzindo um verso sem inconexo
Para as almas que sabem sem rimar.
Antologia Poética
328
É loucura viver como tu vives
Numa prosa, num constante delirar
Foste alto demais agora chega
Pra sair de onde estás só se voar.
Mas um corpo pesado não flutua
Há a lei da gravidade a respeitar
Permanece aí no topo por um tempo
Sem alento a contento do esperar.
Que outra alma sintética como a tua
Sobre alua resolva te buscar
Por enquanto respiras o ar gelado
Da montanha que teu ego erigiu
Não descuida-te dos ventos traiçoeiros
És o único que ainda não caiu.
III
Uma alma insepulta cheira mal
Cá embaixo não há lugar pra ti
Onde as almas rastejam sobre o caos
Como sorte pedem a morte pra subir.
Em qualquer canto que haja a vida
Concebida por lógica ou por prazer
Logo cansa de ser apenas vida
Antologia Poética
329
Constrangida não pediu para nascer.
Mas se nasce com uma força viva
Esforça-se pra nunca perecer.
Antologia Poética
330
Ainda respiro... e penso.
Neste instante em que ainda respiro
Minha razão sabe os perigos da vida,
E dos encantos da morte;
Estou entregue ao comando do acaso,
E aos desmandos da sorte.
Antologia Poética
331
O arco-íris
O fim justifica os meios,
O fim da história deve ser a conclusão
Para se chegar ao termo da questão.
Quando criança acreditamos
Que o arco-íris seja um portal
Para se alcançar a felicidade.
Quando crescemos,
Vem a tempestade
E leva-nos o arco-íris
E suas cores
Que nos enchiam de esperança...
Antologia Poética
332
Ser humano
Não acredito no ser humano
Que um dia possa se tornar humano.
Não é humano,
Quem ataca pelas costas
Quem maltrata inocentes
Quem destrói flores à toa
Quem magoa bom parente
Quem fomenta guerras vis
Quem se esconde do presente
Quem sonega a mão amiga
Quem se empenha pela briga
Quem atira num irmão.
Antologia Poética
333
Um adeus
Um poema para quem não tem emoção,
Uma pena sobre a água
a mágoa, vida sem canção...
Um pai triste, mundo estreito
um caminho sem destino,
a mãe que não chorou, a dor no peito,
foi até a porta, um desatino... Esperança morta.
Uma conclusão, uma perda única
partida sem volta, uma flor murcha.
uma revolta, insurreição..
uma estrada distante,
um rio seco, saudade, uma ferida,
uma dor cortante, constante,
é a vida.
Antologia Poética
334
Queimem os livros
Queimem os livros de todo ocidente
A república de fato tem razão,
Como Emerson também falou verdade
Como disse Omar sobre o Alcorão
Toda arte e engenho superou
Num empenho maior de redenção.
Escrever as palavras com sentido
Imbuído de máxima erudição
Como Nietzsche falou com Zaratustra
Sua justa e mais clara confissão.
Todo forte supera a bondade
E ser fraco é perder o discurso da razão
Só é bom quem não sofre a consciência
Quem não pensa o remorso da descrença
E ignora um tolo como um cão.
Disse Sócrates o que era virtude
E morreu pra salvar uma geração.
O maior bem do homem não é ouro
É ser livre do mal, da escravidão
É viver à altura do desejo,
De falar o que pensa à multidão.
Antologia Poética
335
No meu livro elogio eu me resumo
E assumo minha sina de ermitão
Revirei os túmulos dos ídolos
E queimei as sagradas escrituras
Dos filósofos, de Demócrito a Platão.
Mas ainda poderia me expressar
Como disse Camus sobre a prisão
Que o homem que viver um só minuto
Viverá por cem anos a redenção
Relembrando por toda sua vida
Que a leitura é que trás libertação.
Antologia Poética
336
Ver o mundo de olhos fechado
Feche os olhos,
a vida passa muito rápido
Não dará tempo planejar o futuro
Olhando o passado.
Melhor permanecer no escuro
Desconsidera as paisagens;
De olhos vendados, sentirás melhor
O som da vida, e saberás supor
Quando se aproximar de ti a morte.
Antologia Poética
337
Abismo
Teu sorriso é para mim um abismo,
Como uma fera que quer me estrangular
Boca de serpente, sem dente, vai abocanhar,
A rir expele um ar lascivo, um ar de cinismo.
No teu olhar paira o mal, um tremor convulsivo
Meu corpo se depara com o horror de um delirar
Com um mórbido sentimento, um não suportar
Perdido nos labirintos da paixão... Um mal ativo
Teu semblante de calma exala a morte
E quem, sendo humano resistirá com sorte?
Trilhar um caminho sinuoso, coisa impossível.
A paixão faz um gigante ficar fraco, sem porte,
Os ataques de um coração frágil é algo forte
Minha possessão vem do meu ser sensível.
Antologia Poética
338
Livre
Ser livre, falar o que pensa... Andar
No limiar da discrição, agir pela inocência
Um homem versado, senhor da inteligência
Que compreende o mundo, apenas no olhar.
A altivez destrói um bom juízo, está certo... Pensar
Antes de falar aos quatro ventos, evita a consequência
Perceber os perigos, não macular a toa consciência
Um bom companheiro, amigo da justiça... Julgar
Sem ser parcial, aplicar o mesmo bem, Livrar do mal
Quem não tem proteção, que vive ao temporal
Acolher um estranho, não negar sua mão.
Perto estar de que sofre, ou de quem pede abrigo
Distribuir as riquezas que cura o coração... Ser amigo,
Escutar lamuria fazer o bem com devoção.
Antologia Poética
339
O peso do mundo
O peso do mundo, sobre a fé de um cristão
As dores de Eva, o parto de adão.
Caim assassino, Abel seu irmão
A morte primeira, o fim da perfeição.
Um século criativo, no meio do crisol
A culpa do homem, futuro sem sol.
A promessa ora feita, Abrão a vagar
Por uma utopia, destino a findar.
Na terra e no céu, atrás da fartura,
Do leite e do mel.
A terra prometida
Partida ao meio, um povo errante
Flagrante receio.
A crença impedida no Egito sem paz,
José rei divino a fome cessou,
por um desatino de um faraó...
Expulso da terra, para sempre viver,
Antologia Poética
341
Sossego
Quero sossego, um silêncio profundo, absoluto
para que a minha voz interior possa vir à luz,
quero silêncio senhores superiores
para que a minha meia-noite
possa rir do vosso meio-dia,
quem sabe eu tenha coragem
de dizer, em silêncio, o que penso sobre vós.
Antologia Poética
342
Natureza
Natureza, vida ou morte?
Quem planta sabe dizer,
Que às vezes se depara
Com a fome no colher
A mão que dá com fartura
Retira com o mesmo afã
Destrói o que não criou
Como se tivesse o dom
De fazer nascer de novo
A vida com o mesmo som.
Mãe que alimenta e mata
Guerreiro sem piedade
Causa mal com tanta fúria
Que nos inspira maldade
É a natureza santa,
ou maléfica sem igual
Um mar de sombra e de medo
Um céu que não tem final.
Bendita seja a natureza
Que aniquila o homem
Antologia Poética
344
Triste sorriso
Não se é triste apenas por que chora
A tristeza é algo bem maior
Sendo triste de dor a alma chora
Mas o riso é mais vil do que a dor.
Um sorriso que sai La das entranhas
Não consegue vibrar todos os tons
La no fundo d’ alma de quem chora
Há um sorriso infantil daqueles bons.
Nem sempre vem a lume um bom desejo
Há um longo caminho a percorrer
Uma ideia de luz de um benfazejo
Uma flor que murchou ao entardecer.
Um sorriso doce vira lágrima
Nesse amargo turbilhão de ilusões
Onde as almas ensaiam seu viver
Na procura por boas emoções.
Antologia Poética
345
Um rio
Um rio calmo que passa por um estreito caminho
em suas margens moram os ricos ribeirinhos
.
Um rio que vem de muito longe,
os nativos, que habitam à suas margens
não sabem onde fica a sua nascente.
Rio, indiferente àqueles que vivem às minhas
custas, passo como quem nada vê.
Desço montanha, desço penhasco
Rumo mar sigo, apenas sigo
Um rio não tem outra função, senão
dar ao seu curso um canto livre
caminhar sem se perder por labirintos.
Um rio não é homem para chorar as dores dos
seus pares, um rio é só é um rio.
Antologia Poética
346
Lógica
Por que a flor murchou?
Pergunta uma criança, mas não sabe
o pai, o que o filho quer saber com
esta simples pergunta.
A flor não murchou,
foi o sol que lhe sugou a seiva vital. Diz o pai.
Então a flor não murcha pai? - Claro, meu filho.
Toda causa tem sua consequência.
Nesse caso da flor, quem é a causa?
Pergunta o Pai para perceber
a inteligência do filho.
É assim, uma pergunta gera outra,
e a lógica é esquecida
quando se quer concluir um assunto.
Grande incógnita são os porquês da vida.
Antologia Poética
347
Tempo de calar
Em pleno deserto, em tórrida discussão,
Onde as ideias não se combinam,
Expor o que se quer dizer
Não é fácil superar a surdez,
Como falar sem o dom da palavra?
Preferi calar por algum tempo
Esperar que a tempestade de areia se vá.
Ainda mantenho um pouco de amor-próprio
Para não me envolver em luta insalubre
Minhas energias hão de sustar-me
Meu fôlego também resistirá
Minhas roupas perduraram por quarenta anos
Chegarei do outro lado do rio
Na terra prometida
Onde os sábios residem sem amor ao pão
Sem necessidade de grandes palácios.
Antologia Poética
348
Choro na estrada
Ouço um suspirar,
alguém na estrada caminha,
passos de desequilíbrio.
Parece que chora,
um choro de dor.
Que mal terá sofrido
foi mal de amor...
Um sofrer que perturba,
quem de longe escutar.
Pode ser criança
pois homem não é.
Mas o choro é penoso,
Então é mulher.
Antologia Poética
349
Deleite
Prolongar o prazer implica
Ter com o que pagar.
O que move o homem
Para tal felicidade,
É o afã de um gozo pleno.
No coração do homem
Mora um sonho comum:
Se tornar um Deus,
Ser imortal,
E para isso inventou
A Arte,
A política
E a religião.
Antologia Poética
350
Quanto vale um coração.
Que bem é maior que um coração livre?
Quem tem fortuna, tem em abundância ansiedade.
E para se ter um coração livre, é necessário mais que dinheiro;
Um coração livre, só terá quem nunca amou
Nem uma mulher nem o dinheiro.
Então só duas coisas prendem o homem?
-Há ainda outra coisa: A busca de um coração livre.
Antologia Poética
351
Alma humana
Alma humana
Contradição divinal
Um ato descontraído
Ferido por bem e mal.
Alma humana
Insana contradição
Um pensamento perdido
Desenhos de confusão.
Alma humana
Coisa que certo não é
Um sonho, desejo triste
Ser humano é não ter fé.
Alma humana
Ação vil, pecado certo
Quem busca compreender
Perde a luz, escuro perto.
Alma humana
Irmão, virtude alheia
Erro longe, tudo bem
Se for perto a flor enfeia.
Antologia Poética
352
Uma alma insepulta.
O medo é algo assustador,
Só tem medo quem desconhece a sua origem,
Todo medo provem da crença, não da razão.
Como age um ser apaixonado,
Uma espécie de loucura que acomete os humanos.
Sobretudo os mais fracos...
Se apaixonar é como ficar sem roupas
Em meio a uma grande multidão... Até um tolo percebe
Quando há por perto uma vitima da paixão,
É como um cadáver que cheira mal...
Uma alma insepulta.
Antologia Poética
353
Apolo
Tu não me queres,
E ainda preferes
Transforma-te em pedra,
Ou em uma frígida árvore,
Foste deveras cruel ao fazer
Esta escolha.
Eu perdi também
A razão para existir em carne e osso,
Como homem...Para que sorrir,
Se tua boca não sorrirá ao meu afago!
Vou cercar-me por todos os lados
Com os teus galhos,
Vou me transformar em homem rude
Para lavrar o campo onde acampas,
Onde moras.
Terei pelo menos as sombras das tuas folhas,
Como um abrigo, como um refrigério,
Para os dias de forte calor,
E também para me proteger da chuva fria.
Dormirei aos teus pés, e à noite,
Tu voltaras à tua forma de ninfa original,
E eu, eu te darei outro tratamento.
Não serei mais tão arrogante,
Como fui enquanto rei
Dono de todos os mortais.
Antologia Poética
354
Uma nota do subsolo
Queres um conto triste,
de triste eu nada contarei
apenas um relato vívido
da vida que abracei
Fui um dia um homem triste
por não ter um sonho meu
numa vida que resiste
pra não dar o que é seu.
Uma sorte que suprisse
meu abismo de carência
foi assim que me perdi
nas curvas da consciência.
Que destino há pro louco
que descalço vê o chão
que anda a desenhar nuvens
em perfeita confusão?
Quem perdeu um dia claro
e não fez sua lição
há de se cansar mais cedo
de sua obrigação.
Antologia Poética
355
Para tudo há um tempo
da teoria à ação
se o caminho for torto
não se chega à conclusão.
Viver não é coisa simples
por isso se diz viver
para quem não sabe a vida
melhor escolher morrer.
Antologia Poética
356
Chora e sorrir
Preciso encontrar a paz,
perdida não sei onde,
se soubesse onde perdi,
mas desconfio que não perdi,
creio que não sei o que é paz.
Nasci para a dor,
para um sofrer constante
não sei chorar,
talvez seja por isso
que também não sei sorrir.
Nunca entendi, por que chorar e rir
qual a razão para este espetáculo
a vida é uma comédia-trágica?
ou um ato vergonhoso natural?
como se rir e chorar tivesse razão.
Prefiro ser frio
a estes dois descuidos,
se me virem chorar,
logo me virão sorrir.
De fato sou amargo,
é, fazer o que?
Antologia Poética
358
Vida-prosa
Uma prosa, um verso amargo
meu café sem açúcar,
meu vagar noite a dentro
minha visão tão curta.
Meu caminho de pedra
minha alma em assalto
um suspiro na curva
uma luva, um retrato.
Meu correr sem destino
o meu tempo perdido
meu cantar sem toada
sem você desafino.
Vida breve não passa
sou o frio no escuro
perdido vagando
do outro lado do muro.
Esperança é de neve
à distância é fatal
minha água turvou-se
estou à sombra do mal.
Antologia Poética
359
Noite alta de sombras
vultos rondam no ar
acordei só cansaço
tempestade no mar.
Uma prosa com rima
minha vida atual
mas vivo a poesia
minha água com sal.
Antologia Poética
360
Beatriz
Beatriz rima com riso
com amor, com ser feliz
nada supera a verdade
que a sua vida nos diz.
A ti foi destinado o sossego
vida plena e um grande amor
um ser que traz este nome
já nasceu superior.
Beatriz, canção celeste,
poema de um redentor
virtude de um ser humano
que um Deus maior criou.
Beatriz queremos ter-te
por toda vida ao redor
caminhar ouvindo a voz
de um lindo rouxinol
Beatriz como vieste
nesse mundo habitar
nós fomos agraciados
por este tão doce olhar.
Antologia Poética
361
Dores de parto
Diz o grande Poeta, que nunca atingimos o que buscamos na
vida. Por que isso se dá? Não temos traçada de ante mão uma
rota, a natureza nos produziu em dores de parto, e para cada um
deu uma dor diferente... Por isso nos surpreendemos com o
caminho dos nossos pares, que não são assim tão iguais a nós.
Cada um com uma força e um desejo diferente. Para uns, o
pouco é muito e para outros o muito não existe...
Antologia Poética
362
Crie, apenas crie.
No processo de seleção natural que é a vida intelectual do
homem, é natural que alguns pensamentos se percam, e que
algumas ideias não virem projetos ou obra acabada. Isso não é
motivo para desânimo ou sentimento de inutilidade.
A própria vida é um fenômeno da mesma espécie, o empenho
criativo da natureza vez por outra fracassa, e nasce um poeta
quando devia nascer um filósofo. Mas nada pode ser pior para
quem cria, do que passar um dia sem pôr as mãos na massa
cinzenta. Crie e deixe que seus filhos tomem seus próprios
caminhos.
Antologia Poética
363
Vontade, existência...
O conceito de objeto reside no fenômeno e não no próprio
objeto - ou seja, somos o que produzimos, é a nossa vontade
quem dita nossa consciência e essência. Tudo que
representamos é o que desejamos ser, por isso, nossa existência
se resume à nossa vontade de existir.
Antologia Poética
364
Voz da poesia
Tô afeito a fazer voltar o tempo
Concertar com canção o meu cantar
Por no alto da montanha meu lamento
Esquecer os malefícios do penar.
Aos ouvidos dos que ouvem bem a vida
Orquestrar um virtuoso pôr-do-sol
Colorir paredes brancas do passado
Por de lado o vitupério ao meu redor.
Alcançar melhores dias hoje ainda
Ser bem-vinda ao meu regato a tua mão
Que afague o meu sonho esquecido
Resolvido volto agora ao teu perdão.
Só não quero que te esqueças das virtudes
Da firmeza que guardei no coração
Para te dar um dia apenas de carinho
Em teu ninho sob o afã da devoção.
(Brasília 09/05/2007)
Antologia Poética
365
DELÍRIO DA DOR
QUERO O DELÍRIO DA DOR
À ANGÚSTIA DA RAZÃO
DE SABER QUE MORRO CEDO
MAS AO MEDO DIGO NÃO.
PREFIRO ENCARAR A VERDADE
A TER QUE FUGIR DE UM CÃO
QUE LADRA MAS NUNCA MORDE
QUEM DOMINA A AFLIÇÃO
DO SABER QUE A VIDA É BREVE
QUE A CHUVA VOLTA AO CHÃO
QUERO O DELÍRIO DA DOR
CONSCIENTE DO FINAL
PARA QUE A LÁGRIMA CAIA
MISTURA-SE À AGUA O SAL.
QUERO O DELÍRIO DA DOR
A TER QUE DIZER SEGREDO
PARA QUEM NÃO TÊM OUVIDOS
QUE À NOITE DOMEM CEDO.
12/2008
Antologia Poética
366
À minha esposa.
Minha esposa, minha querida companheira, me refiro sempre à
sua pessoa quando quero expor de modo certo, até que ponto
pode o amor chegar, quantas barreiras uma pessoa pode vencer
ou ultrapassar para chegar a um objetivo com relação a agradar
o ser amado.
Para mim, a maior virtude do amor reside na capacidade de
suportar as diferenças de opiniões. Quem ama, a meu ver, não
insiste em mudar o ser amado, aceita suas virtudes e defeitos,
quando se ama verdadeiramente, embora não saiba até que
ponto esta expressão seja adequada, pois para o amor só existe
um nível, uma noção de juízo.
Quem vive um amor é porque avançou para um estado sublime
de tolerância, não se pode dar nome ao que se apresenta nos
nossos dias, sobretudo nas relações maritais, de amor, pelo
simples fato: vemos muitos casais que se suportam pelas
convenções sociais, basta que surjam dificuldades, seja de
origem prática ou sentimental para que venha à tona uma
verdadeira aversão à pessoa que se dizia amar, por quem até se
morreria. Discuto este assunto, para que possa causar alguma
reflexão nas pessoas que vivem juntas por comodismo ou
conformismo.
Acredito no amor, na cumplicidade marital, quando ambos
olham para o mesmo horizonte. É preciso que o tempo mostre o
que muitos fingem não ver, muito menos admitir: conviver com
alguém por vinte anos ou mais e não se tornarem inimigos
Antologia Poética
367
literais, isso pode ser um bom indício de que essas duas pessoas
no mínimo se respeitam.
Poderíamos trocar o sentido da palavra amor, talvez por
tolerância? Não é este o caso, a semântica talvez, o sentido não.
Sobre aquela pessoa que me é cara, minha afortunada metade,
devo dizer, o que me tem feito crer no amor, isso já por vinte
anos: é o fato de apesar dos meus incontáveis defeitos, ela tem
me agüentado e sido sujeita a esse amor por quem ela vive.
Minha querida esposa, devo a ti a minha crença no amor, na
vida e até em Deus. Te amo, acredito que seja isso o que quer
dizer amar alguém, querer sempre o melhor para a pessoa
amada. Devo confessar que não sou o melhor, mas sou o que
sou para te agradar, para te fazer feliz, e para que nunca percas
a fé que tens no amor e na vida. Minha cara alma metade,
Iranete!
Evan do Carmo. 30/11/08
Antologia Poética
368
Sina comum
eu não creio em carma
nem em sorte,
ou tampouco em tolices
desse tanto.
nasce o homem
com uma sina apenas,
como nascem
a mosca e o pirilampo.
é mister manter
a mente são,
liberta do abismo
que prende
o homem crente
à corrente
aos pés de algum santo.
Antologia Poética
369
Sonho suspenso,
Há um sonho suspenso,
uma ideia que não veio à luz,
Um projeto abstrato incompleto,
um suspiro que a dor não produz.
Um desejo que não tem sabor
uma flor de aroma sem sais
Uma pedra à beira da estrada,
uma espada de lados iguais..
À distância do mar e da praia,
uma arraia que pica os mortais,
Há um sonho suspenso na noite,
que o açoite do vento levou...
Hoje penso que não sou humano,
sou a sombra da flor que murchou.
02/11/2008
Antologia Poética
370
Condenado
Um condenado a contemplar a luz
Acredita não mais ver o sol brilhar
Seu olhar de encantamento treme
De saber que a luz para o amanhã na há.
Um condenado pela lei suprema
Julgado foi para se entregar
Ao sumo ego dos seus vis desejos
E em breve tempo ter que se ajustar
À natureza de um homem fraco
Que não suporta a luz contemplar
Por toda vida se escondeu da vida
Agora finda o seu procurar.
O que maltrata a alma do vivente
É ser semente de um não plantar
Quem rega a planta é dono do tempo
E o movimenta quando quer parar.
Mesmo com virtude o homem não pode
Alterar a marchar do seu caminhar
O destino é certo pra quem vive a terra
A luz se encerra com o não respirar.
Antologia Poética
371
Aqui o poeta Evan do Carmo está com sua Irmã Sônia,
sobrinha Nina, e seu filho Heverson Henrique
Antologia Poética
372
Cai a chuva
Cai a chuva sobre o telhado,
todavia o telhado não é de zinco
mesmo assim, ouço os pingos da água
como que formando palavras de um poema triste.
A solidão é insuportável
ainda mais quando não brilha o sol
ou cai uma grande tempestade
então é que nos vem à consciência
de que estamos sós
através da voz penetrante do silêncio.
Antologia Poética
374
Efêmera fonte
Fazer poesia por vício ou ofício,
Não importa.
Até mesmo os poetas místicos têm valor singular,
Mesmo quando dão vida às pedras, e às águas,
Que mesmo mortas correm em seu leito fúnebre.
Ninguém que beber dessa fonte terá sede outra vez.
Mesmo aquelas criaturas que dormem
Sobre a cama do anonimato, despertarão um dia
Para respirar um ar puro que produz vida em plenitude.
A chama ardente queimará o coração álgido dos espíritos
brutos
Que tiverem apenas um contato com a flama chamejante da
poesia.
Antologia Poética
375
Estou Prenhe
O pôr-do-sol, uma luz flamejante desce sobre o meu horizonte
Dentro de mim há um inalcançável deserto,
Perdi em algum lugar, o que os homens chamam de paz.
Meu eterno buscar me veio com mais força que antes
Como um vulcão que dormira por milênios
É assim que ruge no fundo d’alma meu espírito inconstante,
As vezes penso que algo muito grande vai sair de dentro de
mim.
Não pode ser outro poema, nem pode ser um livro novo
O que esperneia no meu ventre é algo assustador
Mesmo para quem tá acostumado dar à luz filhos estranhos
Mesmo para um espírito criador esta sensação é deveras
incomum
Um período longo de gravidez produziu em mim
Ou alimentou dentro mim um ser bizarro.
Antologia Poética
376
Amor Recíproco
Posso roubar a tua alma
absorver teu espírito
me embriagar na tua essência leve
mais nunca tocarei teu corpo
sem tua permissão.
antes que tenhas por mim
paixão e desejo ardente.
Não concebo o amor físico
sem ser recíproco.
Antologia Poética
377
Tudo tem um fim. (uma metáfora)
A termo, por certo, tudo chegará um dia.
O sol que nasce vibrante, pra lua enfim clarear.
O vento que baila que canta e assobia.
A noite febril dos alucinados que parte aos primeiros raios da
manhã.
A primavera imponente de cores mil, o outono árido e sombrio,
O inverno que aquece os corações amantes.
O amor eterno dos que amam sem limite,
Tudo nessa vida é passageiro,
E não se sabe ao certo para onde vão tantos caminhos.
Entram dias e saem dias, e nada altera o poder do dinheiro.
Os homens buscam a todo custo a fama,
Em vão querem perpetuar suas glórias,
Todavia, até as glórias sã fugazes...
Antologia Poética
378
Humano
Humano, demasiadamente humano.
Eis tudo que não quero ser
Sou progênie de um sangue antigo
Que um amigo me lego ao alvorecer.
Meu destino é correr atrás da vida
Percebida aos que querem reviver
Das entranhas, dos enigmas dos mitos
Acredito ter o dom de convencer...
Para os ídolos dos mortos um aceno,
Obsceno, pois é tudo que aos meus olhos podem ter.
Em tom claro Grito aos mudos distraídos
Convertidos à crença do existir.
Já chegou, ao meu gosto o tempo certo
Um deserto em oásis transformou
Aos que antes vagueavam tão incertos
Uma luz das alturas iluminou....
Antologia Poética
379
Sobre mim
Derramarei meu espírito no mais alto grau de confissão
Para que meu ego saiba como sou um bonachão,
Só que nunca suportei face da presunção.
Eu mesmo tenho fugido do meu destino final,
Que é ser dono do mundo de um modo desigual,
Não tive amor nem dinheiro, só falta do que fazer,
Ganhei as dores da vida porque não soube viver.
Ainda falta-me muito na terra a realizar
Vencer o medo da morte e o perigo de voar,
Navegar por entre mares nas profundezas do chão
Cavar em busca da vida que perdi em discussão,
Saciar o meu desejo e a sede do coração.
Falta-me beber o vinho das loucas noites de paz
Abraçar um corpo livre das covas, dos ideais,
Embriagar-me com um sorriso do anjo mais pertinaz
Enfim ter o meu quinhão, ser dono de um amor veraz.
Antologia Poética
380
Caminho do vento
Descobri o caminho do vento
sei onde passa suas horas de folga
onde deita seu corpo enfadonho e sedento,
vi-o se distraindo com o passar do tempo.
nos seus dias de tédio afogando as mágoas
em atroz sofrimento, reclamando a sorte
perdido em eterno lamento.
é, eu vi o espírito do vento
não me custa dizer
que sou, mais um desatento
que perdi a razão,
que não soube sentir as vibrações da vida
nem a marcas do tempo.
Antologia Poética
381
Para Quintana
Um poeta da altura de Drummond
Que pudesse as estrelas alcançar,
Não concebo a vaidade do saber
Quando não anda junto do ensinar.
Ser pessoa para mim o mais dileto
Me completo com a falta do pensar,
Todavia, não devia me esquecer,
Da virtude de Quintana a delirar,
Sua nobre estirpe não pecou,
Foram os homens que perderam
A hombridade do julgar.
Ser comum aos mortais é algo certo,
E por certo, não iriam me aceitar,
Assumiram uma postura desigual
Fora vil sua maneira parcial,
Colocaram nas cadeiras imortais
Alguns mortos que em vida
Não chegaram a respirar.
Eu aqui nos meus enleios emblemáticos,
Sou enfático quando digo sem pensar,
Antologia Poética
382
Peço calma aos arautos da justiça
Sem preguiça não permitam o vaguear,
Olhe os homens pela obra, não oprimam
Os que primam pela arte de somar.
Não confundam popular com qualidade
Pois o cristo não seria exemplar
Há, de fato, uns estranhos nas estrelas,
Pois, sem vê-las não podiam caminhar
É verdade o que diz um sábio antigo,
Meu amigo, nas sombras, quando
O sol não aparece, qualquer farol
Parece iluminar o mar.
Antologia Poética
383
O Poeta com seu cunhado Zé Cruzeiro e sua irmã Sônia, no dia
em que ela faleceu.
Antologia Poética
384
Almoço em família, na casa do poeta, July, Zé Cruzeiro, Sônia,
Nina e dona Nanú.
Antologia Poética
385
O Poeta com sua Esposa e Musa, Iranete Pontes, em Caldas
Novas, lugar para onde sempre iam para descansar e namorar.
Antologia Poética
386
Em 2005, em Vicente Pires, DF. Aqui o poeta fazia fotos junto
com sua esposa Iranete Pontes.
Antologia Poética
387
O Poeta Evan do Carmo, com seus filhos, Luana do Carmo,
Evan Henrique e Heverson Henrique, no aeroporto de Brasília.
Antologia Poética
390
Aqui o poeta, oficializando seu casamento com Iranete Pontes
em 1993, pois já viviam juntos há 3 anos.
Antologia Poética
391
O poeta fazendo sua casa em 2008. Construiu com suas
próprias mãos, esta é, segundo ele, a sua maior obra. Há muitas
referências em sua poesia, ao criador, construtor e até ao
pedreiro.
Antologia Poética
392
O Poeta Evan do Carmo, com sua Esposa Iranete, em
Mangaratiba, no Rio de Janeiro, o poeta sempre visitava a
cidade de Emil de Castro.
Antologia Poética
393
Evan do Carmo com seus filhos Evan Henrique e Heverson
Henrique em Aruanã Goiás
Antologia Poética
396
Autobiografia
A vaidade do homem é o que lhe sustenta a vida, seu ego é o
centro das suas motivações mais secretas. Não escolhi ser
escritor, nem jamais poderia acreditar se ouvisse de alguém este
presságio. Contudo, dizem os sábios que o mundo dá muitas
voltas, isto realmente é um fato concreto, irrefutável.
Sem me ater aqui aos filósofos com suas teorias do eterno
retorno, eu falo mesmo é da sabedoria popular, daquela que
nós adquirimos de gerações passadas. Vejam os senhores, eu
nasci a 29/04/1964, no sertão da Paraíba, precisamente em
Monteiro, filho de Heleno e Nanú, meu pai era agricultor,
minha mãe costureira, não estudei formalmente na escola mais
do que quatro anos regulares, perdi meu pai aos 11 anos de
idade, tive que ir morar com o tio Sebastião, que era pedreiro
em juazeiro da Bahia.
Uma vez com este tio, que tinha o ofício de construir casas,
logo eu aprenderia a mesma profissão, todavia escola não era
viável para meu projeto de vida atual. Morei com ele até 0s 19
anos, durante este tempo aprendi a tocar violão, olhando os
meus amigos, mesmo sem ter um instrumento próprio consegui
alcançar certa perícia com o instrumento, pois foi por aí que
comecei a andar na trilha incomum e apertada da poesia.
Aos 20 anos resolvi partir para outra aventura, deixei meu tio
na Bahia e vim morar em Brasília com meu irmão mais velho,
Jadeilson. Em Brasília eu já me aventurava com certa timidez a
cantar nas noites, nos bares da vida. Ainda não estava em meus
planos factíveis alguma possibilidade real de estudo regular, de
uma aspiração intelectual.
Antologia Poética
397
Nos bares, onde vivi por 15 anos, conheci muita gente, a
primeira esposa, que me deu um filho homem, Heverson
Henrique, mas vivemos juntos apenas por três anos, então
sozinho, tive que assumir a criação deste filho, uma dádiva das
alturas, mas logo viria minha verdadeira redenção. Encontrei
Iranete, minha esposa atual, e para toda eternidade, a minha
outra metade, é verdade, meus amigos, ela existe. Iranete
Pontes do Carmo, além de escrever poemas, também me deu
um filho homem, Evan Henrique, seu belo nome foi a melhor
homenagem já recebida em vida, creio que não será superada
após a morte.
Com Iranete a vida se tonou um verdadeiro paraíso, ela adotou
a mim e a meu filho, o criou como uma verdadeira mãezinha, é
assim que ele a chama.
Eu ainda precisava estudar, para desenvolver minha arte de
escrever, foi Iranete também quem me corrigiu e corrige até
hoje a minha ortografia. Aos trinta anos voltei à escola, fiz um
curso técnico de informática, com segundo grau, ainda era
preciso algo mais, minha arte de escrever necessitava de mais
qualidade ou qualificação.
Aos 40 anos, durante uma crise existencial, resolvi cursar
jornalismo, mas não entendia porque este curso; se eu tinha
como base uma cultura braçal, construir casas, coisas do tipo!
Logo se revelaria em mim outro espírito, outra aptidão; conheci
logo no primeiro semestre uma dezena de autores clássicos, que
até então eu não sabia que existia, havia já lido muitos livros,
mas foi ali que realmente me despertou a poesia e a filosofia
verdadeiramente ditas.
Antologia Poética
398
Deixei para trás a música que havia me conferido alguns
privilégios e amizades, gravei CD, fiz shows com gente muito
boa na música, mas eu queria algo maior – escrever um
romance, produzir textos e ensaios filosóficos, era um
verdadeiro delírio, para um pedreiro, contudo, foi uma
revelação rápida e produtiva, logo estava eu com vários livros
escritos e publicados. Ganhei concursos de literatura, fui
convidado inexplicavelmente para ser jurado de um concurso
nacional, com remuneração importante, e o jornalismo me
conduzia para outros caminhos, muito conhecimento na área da
política, comecei a editar jornais, jornais que eu mesmo
criei em cidades de Brasília, mas minha verdadeira vocação é
ganhar um Nobel de Literatura, outro abismal delírio para um
ex. pedreiro, agora jornalista e escritor de muitos livros, mas
tudo estava ainda no campo da imaginação, o que eu havia
concebido como arte, literatura e poesia não poderia ser visto
por pessoas comuns como algo extraordinário, apenas para
mim e para minha esposa companheira fiel e verdadeira, tudo
isto parecia e parece um belo e longo sonho – eu poeta e
escritor.
Tudo encaminhado, em 2014 resolvi editar uma série de
biografias de políticos do Brasil, com intuito de trazer ao
conhecimento popular, fatos noticiados na mídia, para isto
publiquei vários livros de personalidades controvérsias, como
são todos os políticos brasileiros. Minha obra conta hoje, com
estes livros, 42 títulos publicados, entre eles destaco o
Moralista e o livro mais importante para meu aprendizado
filosófico, que é Elogio à loucura de Nietzsche, que retrata bem
a minha presunção nesta área do saber poético.
Antologia Poética
399
Esta autobiografia fora de hora, tem como objetivo chegar a
este ponto culminante da minha vaidade, pois bem, acabo de
assinar contrato com uma editora americana para tradução e
publicação de dois livros meus, estes dois citados como sendo
os mais importantes.
Quem poderia prever que este garoto peralta, fugido da Paraíba,
órfão de pai, sem estudo formal, conseguisse tudo que já
consegui, estou estarrecido, com este fenômeno que foi
produzido pela leitura obstinada, despretensiosa, contudo,
nunca perdi o foco, mesmo que através do sonho, buscar a auto
superação.
Evan do Carmo 15/02/2014
Antologia Poética
400
A poesia segue existindo, não só nos meus versos e de outros
poetas anônimos, segue existindo também nas lembranças e nos
desejos humanos para o futuro. A Poesia é a certeza da nossa
humanidade, somos e seremos capazes de amar, desde que não
permitamos que a poesia morra, só assim estaremos seguros, e
seremos fortes e verdadeiramente humanos.
Evan do Carmo