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Evan do Carmo Antologia Poética Coleção de Flores Evan do Carmo 16/10/2014

Evan do Carmo Antologia Poética · 2016-01-13 · Morre o homem, a arte vive. ... Metafísica antipoética de Pessoa A natureza viva de Cabral de Melo O discurso sistemático cartesiano

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Evan do Carmo

Antologia Poética

Coleção de Flores

Evan do Carmo

16/10/2014

Antologia Poética

1

Antologia Poética

2

Antologia Poética

3

“O amor é a única coisa valiosa na vida, é difícil encontrá-lo,

mas quem o descobre encontra o sentido de tudo.”

―Evan Do Carmo

Só a maturidade do gênio produz, na arte e na vida a

simplicidade.

Antologia Poética

4

Antologia Poética

Evan do Carmo

2014

Antologia Poética

5

© Copyright by Evan do Carmo 2014

___________________________________________________

Programação Visual o Autor

Arte da capa o Autor

Revisão Iranete Pontes

___________________________________________________

Evan do Carmo

Antologia Poética

Evan do Carmo – Brasília 2014.

380 p.

1. Literatura, Brasil 1. Poesia. I. Título

__________________________________________________

ISBN-13: 978-1502952851

ISBN-10: 1502952858

___________________________________________________

Todos os direitos em língua portuguesa, no Brasil, reservados

de acordo com a lei. Nenhuma parte deste livro pode ser

reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer

meio, incluindo fotocópia, gravação ou informação

computadorizada, sem permissão por escrito do Autor.

Printed in Brazil

Antologia Poética

6

Com Giovanna, sua neta, foto tirada por Iranete Pontes do

Carmo, no Pontão do Lago Sul em Brasília... Um dos

momentos mais inspiradores na vida do Poeta.

Antologia Poética

7

Aqui o Poeta Evan do Carmo com sua Esposa e Musa, Iranete,

nesta foto comemoram 24 anos de união. Esta foto foi tirada em

2013 no Parque da Cidade, em Brasília.

Antologia Poética

8

Em 2010, lançamento do livro o Moralista, na Fnac em Brasília

Antologia Poética

9

Em casa do Poeta Emil de Castro em Mangaratiba no Rio de

Janeiro. Emil é um dos grandes poetas vivos, segundo Evan do

Carmo!

Antologia Poética

10

Aqui o Poeta Evan do Carmo com seu filho Evan Henrique, no

lançamento do seu livro o Fel e o Mel, na Fnac em Brasília em

2008

Antologia Poética

11

Evan do Carmo, com sua esposa Iranete Pontes em

Mangaratiba Rio de Janeiro.

Antologia Poética

12

“Todo ser humano tem suas preferências, alguns têm partidos,

outros religião, outros times de futebol, contudo, todos têm o

mesmo direito de escolha e o direito universal de se expressar,

quanto ao que acredita e defende. Eu sou poeta e, como tal, me

reservo a outro direito: Minha liberdade Poética, todavia tenho

um lado, o lado que me convém, desde que este lado me faça o

bem.”

Antologia Poética

13

Esta Antologia Poética tem como objetivo apresentar a obra do

poeta Evan do Carmo, em resumo da sua áurea artística, uma

síntese da sua poesia. Para isto, o próprio autor organizou uma

coleção, daquelas que considera suas mais robustas flores

poéticas. Há aqui poemas de vários períodos criativos, alguns

temas oportunos que revelarão ao leitor uma breve visão da

ótica do poeta sobre o mundo, sobre o cosmo, sobre a filosofia

que adotou como premissa para o amor, e, sobretudo para

melhor suportar a existência.

E por que então esta antologia com o poeta ainda vivo? A vida

é breve, a morte leve para quem fez da existência sua fortaleza

criativa. Morre o homem, a arte vive. Quem me garante que ela

seria publicada depois da minha morte? Sempre procurei eu

mesmo fazer com que a minha poesia fosse capaz de chegar ao

mundo, não importa se o mundo atual pouco tem ouvidos e

olhos para poesia, mas como teria se não houvesse quem

fizesse da poesia seu modo de vida?

Antologia Poética

14

São as nossas melhores qualidades que despertam inveja e

ciúmes, por elas não raro somos condenados, já pelos nossos

erros, quase sempre encontramos quem nos perdoe.

Antologia Poética

15

Pois sou humano

Não me fales de angústias

nem de medos, pois sou humano

não me fales de equívocos

e desengano, pois sou humano…

Não me fales de dores, de cabeça

ou de consciência, de insônias

ou de sonhos abortados,

pois sou humano.

Não me fales de desejos secretos

ou de esperanças vãs, pois, como tu,

nasci chorando, assustado

com a face tenebrosa da incerteza.

Não me fales da miséria cultural

que nós herdamos, pois

dela me alimento todos os dias

e repito os enganos dos meus pais.

Não me fales do futuro que me espreita,

como uma hiena pronta a estrangular

os sonhos das crianças, pois já fui criança,

reconheço muito bem o meu passado.

Não me fales da estupidez dos homens

que mesmo amando às vezes matam

ou da meiguice virtuosa das mulheres

que por amor fingem tanto e nos maltratam.

Antologia Poética

16

Não me fales da poesia da aurora

pois sou humano, quando devia ser poeta.

Não me fales dos enigmas que não queremos decifrar,

do medo da guerra que esquecemos,

se à noite é o dinheiro que nos impede de sonhar.

Não, não me fales destas coisas sem importância,

pois na vida, cedo ou tarde tudo perde a importância,

a convivência com a humanidade me fez indiferente,

insensível às dores do meu semelhante, todavia,

não me julgues, não me queiras mal,

pois afinal, eu sou humano.

Antologia Poética

17

Alma mediana

Tenho estatura mediana,

mas a minha alma é grande

imensa em confusão,

grande em abismo e desespero

longa em desvantagem

em distância do meu companheiro

que importância tem a minha vida

ou a minha alma, que de tão grande

chega a ser desmilinguida.

Que importância tem o mundo

tudo no mundo é sem importância

que geração passada, presente ou futura

saberá avaliar as angústias do poeta da tabacaria?

Apenas alguém que entra e sai da mesma cena

como um viciado que gasta todo seu dinheiro,

mas que ao partir ninguém se lembra do seu infortúnio

nem do seu nome ou do seu paradeiro

alguém sem teto ou latifúndio,

neste mundo em desespero.

Que importância tem a minha alma

se parece grande ou raquítica

os homens são da mesma espécie e estatura

animais que caminham de olhos no chão

vítimas de um tipo raro de loucura

basta um grito para que se dirijam

para outra direção, para outro destino,

tolos meninos correndo atrás

de borboletas coloridas ou bolas de sabão.

Antologia Poética

18

Que importância tenho eu neste contexto

ou a minha poesia medíocre, sem pretexto

que importância tem a minha alma

ou minha estatura mediana

que razão tenho eu para reclamar

da minha vida, este pré-texto

doutra vida extemporânea..

Antologia Poética

19

A atriz

A atriz enxuga o rosto, é outro ato

sua vida uma comédia essencial

se na vida sem fingir não é feliz

no teatro do existir nada é real.

Leva a vida com empenho incomum

pela glória de viver a fantasia

se a roupa não lhe cabe ela engorda

ignora o ultraje do papel

e recita a mais bela poesia.

Noutra cena ela é mãe ou filha errante

abre a porta da ilusão ao sonhador

quando chora nos ilude como amante

a sorrir nos liberta de uma dor.

Antologia Poética

20

Assim voam as borboletas

-Qual é o objetivo da vida?

Perguntam os inocentes.

Eu, se vejo uma borboleta voando

Logo encontro a resposta facilmente.

Para onde voam as borboletas?

Para que paraíso acreditam irem?

Mas as borboletas não têm metafísica

As borboletas voam sem inquietação.

Os homens que não sabem para onde vão

São mais vigorosos em seu caminhar

É preciso ter muita coragem

para seguir um rumo incerto.

Para ser feliz é preciso ser uma borboleta

Não ser como as borboletas

Pois só uma borboleta voa impávida

Rumo à mutação do nada.

Ela, a borboleta, se contenta

Em apenas ter sido lagarta

O homem, porém, não suporta

Nunca ter sido outra coisa

Por isso almeja o paraíso

Para ser borboleta

Antologia Poética

21

Vácuo

No vácuo, na falta de som

De luz, de poesia,

No caos da antimatéria

No infinito querer, jaz a ilusão:

Um pensamento morto

Uma discussão, a retórica

A dialética socrático-aristotélica

A coisa em si Kantesca (Kant)

Metafísica antipoética de Pessoa

A natureza viva de Cabral de Melo

O discurso sistemático cartesiano

O enfado amoroso kierkegaardiano

A impossibilidade da “república”

A ineficácia da “política”

O fracasso didático de Foucault

O erro freudiano, o sonho de Jung

O desejo superado de Lacan.

No vácuo, onde outrora estava o saber

Nada habita, sumiu a consciência

Só a falta de ar como indulgência

O temor de perceber que tudo,

Tudo é vácuo, percepção niilista

Representação, angústia Sartreana

Depressão, abismo, Schopenhauer.

O anarquismo, desgoverno, Proudhon

Sem coerção mental, pensamento avulso.

Foge-me a organização de Marx

“As massas” não se unem

Não há revolução… Nem salvação.

Morte à metafísica, lógica sem ação.

Antologia Poética

22

Nicotina

Poesia crônica, cigarro cubano

Prosa de Neruda, lascívia de Caetano

Um canto, lugar único no mundo

Um tenor no máximo da sua entonação

Um acorde perfeito, música de Wagner

Encantamento de Isolda e Tristão

Sonoridade efêmera que apetece

Destoa, enlouquece alma em combustão

Meu espírito demente sem ação.

Um perfume cítrico e agreste

Nicotina que impregna o coração.

Antologia Poética

23

O cais

Caminhei pelo Cais

Cais do mar, cais da vida

Pedra em meu caminho.

De que era feita a pedra

De Drummond?

De desesperança ou de vinho?

Antologia Poética

24

A sombra

Vesti o hábito para esconder o monge

falei bem alto num calar profundo

verti uma lágrima num sorriso tonto

fugi de mim pra me achar bem longe.

Foi tanto medo de dizer verdade

que a mentira se concretizou

de sonhos vagos fiz um pesadelo

agora o espelho não me diz quem sou.

O poeta e o monstro, uma só essência

já não há disputa, pois ninguém ganhou

a musa que era flor e primavera

sobras vãs, quimera, sombra que passou.

Antologia Poética

25

Conservar o entusiasmo pela vida requer evolução espiritual; o

homem que se concentra na prática do bem, fazendo da sua

vida uma ferramenta para estimular outros a cré no divino, seja

cada um à sua maneira, torna-se um agente produtor de

felicidade e de autoestima coletiva!!!

Antologia Poética

26

Se acaso partires.

Mesmo que os meus olhos não se encontrem nos teus

ainda que a minha dor não se dissolva ao teu afago

Mas aonde eu for levarei comigo a tua imagem

ela será como uma tatuagem espiritual, só eu a verei.

Nos doamos mutuamente, assim nos encontramos

na infinita procura de um amor veraz.

Nos doamos mutuamente, assim formamos o infinito.

Se acaso partires, não importa, ainda seremos

Indo embora, voltarei, sempre que fizeres uma prece

sempre que pedires que o passado volte atrás.

Assim, teu coração se despede, como chora uma criança

e o meu emudece ao te ver partir, mas o que foi nosso

permanece.

Antologia Poética

27

Ofício Incomum

Poesia é ofício incomum

é síntese de um todo

pelo verso impresso

de risos e de lágrimas

indivisível amálgama

uma sombra, uma dor!

O salto no escuro

quem pula nunca sabe

o que lhe espera

se é um rio

ou um sabre.

Não é delírio

nem devaneio

habita na ponta

habita no meio

entre o belo

e o feio

há um espanto

há um elo

um bem singelo

um desencanto.

Antologia Poética

28

Impossível expressão

Já ultrapassei os mil poemas

contudo, ainda procuro

a forma ideal para dizer

aquilo que não consigo

expressar pelos fonemas.

Talvez não consiga em poesia

revelar minha função em voz passiva

há sentimentos impronunciáveis

que na língua dos anjos não se explica

deuses e humanos se distraem e se complicam

Foi com este intuito que se inventou a poesia

a música de Bah e a pintura de Rembrandt

assim me tornei poeta, talvez presunçosamente

para buscar uma expressão correta sobre o amor

todavia me perdi no labirinto sem a musa.

Antologia Poética

29

Quase há tempo

Do tempo ficou

apenas seu presente

o passar do tempo

desagrada o futuro!

Há um muro

que separa o tempo

da criança que deseja

apanhar seu fruto

já maduro.

Contratempo, imprevisto

uma pedra sobre o tempo

que resta, uma fresta

entre o passado e o presente.

Antologia Poética

30

Delírio tardio

Ela andava distraída, descia e subia as calçadas

quem lhe via não podia supor que ela era triste

seus passos eram passos de liberdade, não de medo

seu andar descontraído escondia algum segredo.

Era moça, quase criança, alguém que se esquecera da vida

que não nutria nenhuma esperança. Era jovem, era bela

mas seu andar revelava sua história, tão incomum, tão singela.

Estava eu a observar o seu caminhar infantil

era quase noite, era tarde fria, ela continuava a andar

eu a seguia de olhar atento. Seus cabelos negros

vez por outra conversavam com o vento

eu não podia escutar aquele sublime diálogo

até que o sol se pôs, e eu a perdi definitivamente.

Acho que ela se perdeu nas nuvens

ou fora arrebatada ao olimpo, já que ao céu não poderia

mesmo sendo um anjo de beleza e lascividade, era uma deusa

daquelas de mármore, uma mistura de demônio com mulher.

era apenas uma prostituta, que andava nas ruas do rio, nos meus

devaneios de poeta.

Antologia Poética

31

Tua falta.

Há uma dor e um suspiro fatigante

advindos de acordar e não te ver

um buscar desesperado no horizonte

tua falta, fogo eterno a me aquecer.

Pela vida se caminha separados

quando juntos não se pode querer bem

somos todos companheiros desgarrados

esquecidos de abraçar a quem se tem.

Pode ser que erremos facilmente

distraídos mensurando os corações

por ser tanta natureza atraente

uma soma infinita de opções.

Antologia Poética

32

Musa

Hoje eu lembrei de ti… Não sei por que motivo

não ouvia nenhuma música especial,

que pudesse fazer relação com a tua voz e imagem.

Mas lembrei de ti com uma amargura abismal

acho que um demônio passou em minha volta

não posso conceber outro motivo

pelo qual pudesse lembrar de ti.

A paixão que um dia alimentei por tua alma

não por tua carne… o engano que foi pensar em ti

como musa e não como mulher.

São estas lembranças maléficas

para as quais não tenho explicação

que ainda me desperta o prazer pela criação

todavia não respeito o criador deste universo.

Aí a poesia volta, e eu escrevo como um lunático

passo por alto meu desgosto…

Mais uma vez sinto o gosto dos teus lábios, e o cheiro

inconfundível de tuas mãos.

Antologia Poética

33

Assim voam as borboletas

-Qual é o objetivo da vida?

Perguntam os inocentes

Eu se vejo uma borboleta voando

Logo encontro a resposta, facilmente.

Para onde voam as borboletas?

Para que paraíso acreditam irem?

Mas as borboletas não têm metafísica

As borboletas voam sem inquietação.

Os homens que não sabem para onde vão

São mais vigorosos em seu caminhar

É preciso ter muita coragem

para seguir um rumo incerto.

Para ser feliz é preciso ser uma borboleta

Não ser como as borboletas

Pois só uma borboleta voa impávida

Rumo à mutação do nada.

Ela, a borboleta, se contenta

Em apenas ter sido lagarta

O homem, porém, não suporta

Nunca ter sido outra coisa

Por isso almeja o paraíso

Para ser borboleta.

Antologia Poética

34

Enquanto ela dorme

É noite, e perto de mim dorme a minha amada.

Eu, à distância de mil pensamentos tento ouvir se ressonar.

Será que ela sonha?

Será que quando acordar se lembrará que vivo estou?

A minha amada tem os olhos azuis da cor da saudade

Suas mãos são finas, macias como lã de algodão.

Ela tem um corpo esculpido no mármore da perfeição.

Minha amada, quando sorri ilumina a noite da minha solidão.

Mas, a minha amada dorme, minha amada não sabe que morro

aqui,

Acordado, tentando dormir também para lhe encontrar.

Oh se ela pudesse me ouvir, oh se ela pudesse vir aqui.

Minha amada não respira o mesmo ar daqui

Onde estou não posso chegar até ela, a não ser em pensamento.

Nossa cama parece um imenso oceano, e eu só tenho as mãos

para lhe abraçar.

Tudo que eu queria nessa vida era que ela pudesse ouvir meus

pensamentos

Para que ela soubesse o quanto a desejo,

Oh, quem dera que ela um dia desses me acordasse com um

beijo.

Mas minha amada dorme, enquanto eu escrevo e a vejo…

Antologia Poética

35

Não quero a eternidade

Não me fale agora do futuro

Não procuro viver noutro lugar

O presente é maior e pulsa forte

Foi o hoje que nasci para inventar

Não me fale desta tal eternidade

Que para muitos é um sonho verdadeiro

Sou poeta vivo calmo neste instante

Na constante comunhão de um passageiro.

Quem irá alegrar os homens tristes

Que persistem em querer a ilusão?

Somos nós os jograis deste cometa

Que em breve cairá na imensidão

Antologia Poética

36

O que vi em tua boca

É possível assim beleza tanta

Em teu riso esplêndido e mortal?

Numa boca proibida que espanta

A libélula que do mel colheu o sal.

Vestes o manto da divina harmonia

Simetria ideal tão colossal

Se possível ao poeta quem diria

Descrever a tua boca sem igual.

Suplantei ao desejo vil insano

De querer-te nesta noite longa e fria

De abraçar o teu corpo nu, profano

E acordar abraçando a fantasia

Antologia Poética

37

A sombra

Vesti o hábito para esconder o monge

falei bem alto num calar profundo

verti uma lágrima num sorriso tonto

fugi de mim pra me achar bem longe.

Foi tanto medo de dizer verdade

que a mentira se concretizou

de sonhos vagos fiz um pesadelo

agora o espelho não me diz quem sou.

O poeta e o monstro, uma só essência

já não há disputa, pois ninguém ganhou

a musa que era flor e primavera

sobras vãs, quimera, sombra que passou.

Antologia Poética

38

Fomos lançados monte abaixo… um estranho poema

Tenho um desejo meio insano, algo que chega a ser quase um

desespero, um querer vigoroso, que não consigo esconder por

mais de um dia ou uma noite, é uma daquelas aspirações que

nos acompanham por toda a vida.

Sempre soube que existia, em algum um lugar, um paraíso à

minha espera. Sabia que esta vida natural, a que herdei dos

meus pais simples, não seria meu quinhão por muito tempo, eu

havia de me superar, embora não soubesse exatamente como,

mas lá no fundo da minha outra alma guardava esta certeza

meio maligna, como que uma inconformação existencial.

Eu não aceitava aquilo que os outros viam, as suas definições

sobre a minha pessoa interior e, quando me olhava no espelho,

lá no fundo da minha consciência, eu via outro ser que habitava

comigo em secreto, como um monstro sob a pele de um

cordeiro, outra alma escondida sob minha própria carne,

disfarçada com a minha aparência exterior.

Não tenho conhecimento de que entre os meus parentes alguém

tenha conseguido migrar da carência para a abastança, ou

mesmo da ignorância para a sapiência de um filósofo

desapegado de toda sorte de coisas materiais. Eu nasci na

miséria, não tive pompas nem presentes simples, nenhum tipo

de comemoração para me receber fora organizada, assim como

fazem os malditos burgueses deste mundo para anunciar seus

rebentos. Entrei neste mundo de loucos como todos entram.

Apenas neste quesito devo me comparar igual aos demais.

Antologia Poética

39

Estreie chorando, mas o choro foi de medo do rosto triste

daqueles que me aguardavam sem muita expectativa de

sucesso.

Filho de gente pobre muitas vezes é renegado durante a

gestação, isto quando não é literalmente abortado, por mães

inseguras e por pais omissos e covardes. Nascer sem

perspectiva e não nascer seria como que a mesma coisa, isto

para um espírito fraco amofinado, para um espermatozoide

desistente, todavia uma vez que se nasce, o futuro passa a ser

lançado, assim como se lançam os dados em um tabuleiro da

sorte.

Se lançarmos uma pedra sobre um alto monte não poderemos

nunca acertar o seu paradeiro, depois de algum tempo de sua

queda monte abaixo, não saberemos mensurar por quantas

cavidades ela passou ou por quantos abismos desconhecidos

por aquele que nunca desceu tal monte.

A vida é este lançar de pedras ou de dados, somos jogados

monte abaixo por uma força natural, que jamais saberemos

quantificar seu poder.

Temos apenas que descer montes e subir outros, pois esta força

descomunal nos impulsiona sempre para a mesma direção,

morro abaixo. A força nos é desconhecida, experimentamos seu

calor apenas ao nascer, este bravo impulso, mas quem poderia

retornar ao topo do monte de onde foi lançado e escolher outro

destino?

Antologia Poética

40

As tuas mãos

Impossível não ceder ao teu chamado

seja com os olhos ou com as mãos

Basta um olhar, logo estamos juntos

indivisível, assim é o amor quando é verdade.

Tua alma aquece meu corpo, basta um pensamento

e tuas mãos se estendem ao meu encontro.

Sem culpa e sem segredo, vencemos as barreiras

da distancia e do medo, e o vento nos transporta.

Em tuas mãos encontro a chave do prazer adormecido

tua pele me encobre e me protege do vulto do amor esquecido.

Antologia Poética

41

Se acaso partires.

Mesmo que os meus olhos não se encontrem nos teus

ainda que a minha dor não se dissolva ao teu afago

Mas aonde eu for levarei comigo a tua imagem

ela será como uma tatuagem espiritual, só eu a verei.

Nos doamos mutuamente, assim nos encontremos

na infinita procura de um amor veraz.

Nos doamos mutuamente, assim formamos o infinito

se acaso partires, não importa, ainda seremos

Indo embora, voltarei, sempre que fizeres uma prece

sempre que pedires que o passado volte atrás.

Assim, teu coração se despede, como chora uma criança

e o meu emudece ao te ver partir, mas o que foi nosso

permanece.

Antologia Poética

42

Impossível expressão

Já ultrapassei os mil poemas

contudo, ainda procuro

a forma ideal para dizer

aquilo que não consigo

expressar pelos fonemas.

Talvez não consiga em poesia

revelar minha função em voz passiva

há sentimentos impronunciáveis

que na língua dos anjos não se explica

deuses e humanos se distraem e se complicam

Foi com este intuito que se inventou a poesia

a música de Bah e a pintura de Rembrandt

assim me tornei poeta, talvez presunçosamente

para buscar uma expressão correta sobre o amor

todavia me perdi no labirinto sem a musa.

Antologia Poética

43

Quase há tempo

Do tempo ficou

apenas seu presente

o passar do tempo

desagrada o futuro!

Há um muro

que separa o tempo

da criança que deseja

apanhar seu fruto

já maduro.

Contratempo, imprevisto

uma pedra sobre o tempo

que resta, uma fresta

entre o passado e o presente.

Antologia Poética

44

A noite cai

E todo ser vivente

se apressa ao descanso

enquanto eu continuo

neste triste dilema

se deito ou me levanto.

A noite cai

Os pensamentos se reúnem

para construir o mundo

enquanto a noite canta embriagada

os homens se divertem

bebem e fazem filhos

outros fazem sexo

mas o animal descansa

enquanto o homem fuma seu cigarro

e a prostituta tira a roupa.

A noite cai

Na minha consciência há conflitos

iguais a todos, assim imagino

que não seja possível dormir

enquanto o mundo berra

enquanto crianças nascem

de parto anônimo

filhos da guerra, da miséria

dos homens poderosos

e dos deuses ausentes.

Antologia Poética

45

A metafísica é uma dor

Na vida aprendemos muitas coisas

entre as quais escolhemos a pior

pode ser uma forma de ironia

disfarçar ser o nosso bem maior.

Quem simula uma dor o faz contente

já que a dor neste caso não corrói

bons atores mascarados sem plateia

suportando com coragem o bem que dói.

Todavia não se pode fingir eternamente

ser eterno é frugal, é bem e mal

homem é pedra, só matéria animada

com uma alma indefesa e mortal.

Há um choque abismal, quando nos deparamos com uma

verdade vinda de um poema, que nos descontrói

irremediavelmente. É esta a sensação que experimento, toda

vez que releio este poema.

.

Antologia Poética

46

Para quem acredita no amor.

Dizem que o amor é abstrato

e que os sonhos são delírios

que na vida não se encontra

o ser amado, só retrato

dos amantes em seus martírios.

Todo ser que se perde atrás do mito

vive só num eterno desvario

como chuva que escorre para o mar

como pedra que se atira sobre um rio.

Quem se entrega a esta vã filosofia

faz da vida uma quimera sem razão

perde o tempo se agarrando com um fio

labirinto sem a musa do cordão.

Antologia Poética

47

Um arrepio

Abro os olhos assombrado

Uma brisa que passou não volta mais

Sobre a minha mão, irreprimível

Deixo partir um fôlego irrecuperável.

À margem dos homens a vida passa

E um vendaval arrasta sábios e inocentes

O que restará dos sonhos das mulheres

Dos santos e dos bêbados irreverentes?

Que a luz do amanhã não venha a lume

E a noite que é fiel sendo inconstante

Com seu manto esqueça um filho errante

Não irei fazer a poesia que se espera

Na quimera de rimar com o vaga-lume.

Antologia Poética

48

Prometeu

Um deus amarrado à corrente

sobre as rochas, prisioneiro

do amor pelos mortais

se entregou à justiça

de um tirano, que não pôde

dividir-se com os normais.

Foi traído pelo zelo dos irmãos

que o prenderam num abismo inumano

seu amor pelo humano fê-lo fraco

e inválido aos pés do soberano.

Nem Poder nem a força de Vulcano

pôde dele se valer ou ter piedade

fez do fogo seu prazer, seu dom profano

transformou-se como Zeus num espartano

para Júpiter se firmar na majestade.

São os mitos todos falsos, fracassados

no olimpo da razão… Seja Grego

Babilônio ou Romano

todos eles são fantasmas de Adão

é o homem nosso deus mais criativo

continua a vencer a discussão.

Toma o lado que quiser nesta disputa

na labuta de inventar um ser maior

dia e noite cria deuses e mata homens

pelo fato de não ter a direção

um reflexo assombrado do acaso

que não sabe como andar na escuridão.

Antologia Poética

49

O cálice profundo

Bebia eu o cálice do conhecimento

que ao primeiro gole pareceu-me doce.

Eu, então, bebi como quem morre de sede

mas o cálice não se esvaziava

e, à medida em que eu que bebia

mas sede sentia…

O espaço em que órbita o pensamento é infinito.

Antologia Poética

50

Sônia, minha Irmã

É saudade o que sentimos

Quanto à ausência de alguém

Os dias idos, amores vividos

Vazio de um bem.

Sentir angústia sem fim

Um rio que levou folha morta

Amores que se foram, longe de mim

Agora saudade, um fechar de porta.

Entre o viver e o sentir, a lembrança

Um abismo intransponível

Um querer sem esperança

Um deitar e levantar impossível.

Nem lágrimas fazem sentido

A dor é minha, interior

Se outros soubessem nada mudaria

Pois é só meu, somente meu este amor.

Antologia Poética

51

Esquecimento

E se um dia perdesses a memória

a ponto de não mais reconhecer-me

e se você não se lembrasse do meu rosto

nem da minha voz? Nem que fui o único

a quem você amou.?

Então como viveria, sem poder recordar

os momentos de infinita alegria que juntos,

vivemos? Se um dia eu não mais existir

em sua mente, em seu olhar, e, sobretudo em sua pele?

E se um dia você perder a memória, como lembraremos

que nunca estivemos de fato juntos?

Antologia Poética

52

A sombra do que sou

Não cabe a mim uma exposição perfeita do que sou

Nem a convivência com outros me define

No dia-a-dia me revelo, num espelho escuro,

Há um muro entre o que sou e o que quero ser.

Na comunicação com os meus pares

Irmãos, nem a alma gêmea que me tem

Nos momentos noturnos de prazer e gozo

É capaz de me sondar completamente.

Pois quando penso e falo, não sou quem digo

Na verdade é outra alma que de tanto se esconder

entrou em mim, para fingir que mente.

Como vejo o mundo me revelo, mas a outra que houve

Não percebe, vê em mim aquilo que deseja

Na poesia efêmera desta vida

A imagem do belo que verseja.

Antologia Poética

53

Vernáculo de deuses

Sem palavra, vernáculo de deuses

Não se pode expressar uma paixão

Dos humanos se sabe que é o sangue

A maior verdade uma ilusão.

Quando pensam que sabem perdem a fala

Sempre calam diante do perdão

A vingança que encanta a tragédia

O desprezo que alimenta um louco amor.

Se palavras servissem como enredo

Só o vento saberia este segredo

Num abismo onde há razão e medo

Esta angústia, este fado, esta prisão.

Antologia Poética

54

Que motivo tenho para sorrir?

Que motivo tenho eu para sorrir

se os homens não querem mais viver

desistiram da luta pelo medo

e o segredo da paz vi se perder

Tá em baixo da lama despojada

onde a alma enterrou sem perceber

morre hoje o futuro deste mundo

lá fundo do verbo não-querer.

Que motivo teremos todos nós

para buscar nos escombros a razão

para crê que de tudo já se fez

se ainda não sabemos do perdão.

Se sorrindo o mundo se transforma

não queremos outra forma, inversão

é o mundo que gira roda a roda

mas o fim é o mesmo meu irmão.

Antologia Poética

55

Como Quixote

Como Quixote vivo a delirar

O que falta-me aos olhos

Sobra-me na mente

Penso mais que realizo

Preciso viver, preciso lutar

Montar meu Rocinante

Encontrar um dragão pra derrotar

Sair do mundo das ideias

Mas vivo preso ao passado

Passado que virou presente

Onde vivem as minhas Ducineias.

Antologia Poética

56

Se a poesia é dor que dilacera

E o amor indubitável fera

Sofrer não pode ser quimera

E sim virtude do existir

A paz lugar na consciência

Na luta infinda de um querer

Sofrendo se perde a esperança

Os dias são elos sem fiança

que separam o querer do conseguir.

Antologia Poética

57

Sonho de morte

Encontrei-me esta noite com você

Em um sonho sul real

Em um lugar bem conhecido nosso

Era numa praça, onde costumávamos ir

Você estava como sempre bela

Com um vestido amarelo.

Tudo parecia igual, embora irreal

Não podia ser verdade este encontro

Faz anos que nos separamos

E depois de algum tempo

Recebi a noticia triste de sua morte.

Mas era mesmo você… Aquela mesma mulher

Por quem um dia eu já morri de amores.

Ainda lembro com vivida convicção

De que havia flores no jardim,

Era talvez primavera

Mas não se ouvia o canto dos pássaros

Enquanto falávamos, sobre o passado distante

Surgiu um vendaval, tudo ficou de pernas pro ar

Uma tempestade seguiu o vento, que destruiu tudo

Tudo ao nosso redor sumira como encanto

Então acordei e você estava ainda comigo.

Antologia Poética

58

Venha querida

Venha querida, dê-me a sua mão

Sentemos à beira do rio

Olhemos a vida seguir seu curso

Abraça-me… Só nos teus braços

Eu posso pensar em eternidade

Venha querida, dê-me a sua mão

Sentemos à beira do rio

Deixemos a vida seguir seu curso

Beije-me para que eu possa sonhar

Com a eternidade.

Aperte a minha mão, e sinta o silêncio

Nenhuma palavra será suficiente

Para representar o que sinto agora.

Venha querida, dê-me a sua mão

Sentemos à beira do rio

Esperemos a vida seguir seu curso.

Venha querida… Esqueçamos o tempo

Não importa as pancadas do relógio

Vale mais a beleza do rio.

Aperte minha mão, e sinta o silêncio

Nenhuma palavra será suficiente

Para representar o que sinto agora

Venha querida, dê-me a sua mão

Antologia Poética

59

Sentemos à beira do rio

Esperemos a vida seguir seu curso.

Venha querida… Esqueçamos o tempo

Não importa as pancadas do relógio

Vale mais a beleza do rio.

Antologia Poética

60

“A poesia será sempre o teu abrigo

Uma casa segura, um conforto

Preenchendo a tua vida vã, vazia

Na agonia velada do teu rosto.”

Antologia Poética

61

De Angra a Parati!

Sonhos e alucinações me são frequentes

ao me lembrar do que nunca houve entre nós,

como um aceno teu, um sorriso complacente

de ti para mim, nem mesmo em pensamentos

me foram reveladas as tuas intenções

as imagens são curvas, sombras, calafrios

às vezes pesadelos.

Do teu corpo sinuoso nunca senti sequer o perfume

no máximo uma dança, de corpo ausente

e de alma distante... Um aperto de mão

um breve adeus, um até breve,

quem sabe um telefonema.

Assim me encontro, impávido,

com um incerto destino desafortunado

sempre na expectativa enfadonha

de um dia voltar a te encontrar

como quem anda por estradas perigosas

curvas, florestas e praias desertas

de Angra a Parati, de ti para mim.

Antologia Poética

62

Mulher, quase perfeição

É da natureza da mulher

ser Inconstante

e às vezes imutável

é esta inconstância

que nos fascina

sua imprevisibilidade

nos provoca e nos cativa.

É bom que seja assim

pois que graça teria a vida

se um homem estivesse

sempre seguro do amor

de sua mulher?

Os homens não estão

preparados para este

privilégio, a natureza

preferiu a mulher

para doar

sua quase perfeição.

Antologia Poética

63

Com gestos simples o amor tatua a alma

e em carne viva os amantes choram e gozam

como num crisol, corpos afins se purificam

o que antes não se compreendia se cristaliza

se solidifica em luz, em paz, em calma.

Antologia Poética

64

Nos verdadeiros amantes

os sentidos se apuram

no calor inevitável dos desejos

na linha irregular que separa a terra e o céu,

no espaço celeste que habita

o sabor adocicado dos teus beijos.

Antologia Poética

65

A beleza da criação artística reside na limitação de dois

mundos: Um, onde tudo se realiza com a perícia das mãos e

mente, e outro, onde se imagina concretizar o improvável

poético, entre a paixão e o racional, entre o belo utópico e a

matéria-prima que se tem em mãos.

Antologia Poética

66

Fora do trilho

Longe um do outro

como o olho e o cílio.

Na proa, no tombadilho

assisto o afastar do cais

me sufoca a brisa do desprezo

e a canção da saudade que dedilho

neste pinho afinado dos meus ais.

Infinito sofrer que compartilho

com a solidão do mar profundo

à deriva soltei meus remos n'água

não espero o sossego deste mundo.

Antologia Poética

67

A boca busca o beijo

Na boca arde um fogo, que

repousa num eterno verão

Na mão, uma espera por outra mão

para um cumprimento, ou um afago.

Os olhos se encontram na cumplicidade

na esperança frugal de um sonho breve

encantados à pueril contemplação da amizade.

Mas a boca só se cala com outra boca

num afago supremo de um beijo

duas almas se arrebatam e se prendem

em correntes de caricias e desejo.

Antologia Poética

68

Freud.

Pobre Freud, em tese, explicou que Deus é criação do homem,

pois a miséria cruel do seu destino lhe precipitou em um

abismo. A relação com um pai mortal, muitas vezes conturbada

e ausente inspirou-o a criar um pai supremo, onipresente e

eterno, capaz de lhe restituir a glória existencial em outro plano

ou sistema mais ideal ou perfeito. Pobre Freud, nada sabia

sobre a expressão "Tu és pó e ao pó voltarás."

Toda forma de expressão que agregue a metafísica, seja ela

capitalista ou filantrópica tem muito que ver com o desespero

do espírito humano e mortal, buscando reverter tal sentença

cruel, que não poderia ser proferida por um ser inteligente e

moralmente generoso.

Freud talvez se esquecera de tomar emprestado de Espinoza,

uma ideia mais avançada, para delimitar aquilo que não se

limita.

Antologia Poética

69

Segundo Fernando Pessoa,o homem não poderia jamais ver o

seu próprio rosto, apenas poderia ver a sombra da sua figura

sob o sol, a simbologia de sua forma, que nunca representaria

sua verdadeira imagem, foi portanto o inventor do espelho que

envenenou sua alma. Pobre Pessoal, mesmo sendo

extemporâneo, tinha apenas o mito de narciso para conceber

sua tese sobre a vaidade humana, imaginem se tivesse

conhecido a internete e o Facebook.

Antologia Poética

70

O homem é fruto do meio?

O homem é fruto do meio, isto segundo Freud, então ele não

tem domínio sobre seu Livre-arbítrio, não consegue vencer as

circunstâncias onde vive. Esta ideia pode se lógica para o senso

comum, pela sua simplicidade cognitiva, ou para os homens

comuns. Todavia, creio que reside aqui a mesma ideia das

castas indianas, onde o devoto acredita que não deve busca a

superação, mudar o status quo.

Contudo, numa visão mais consciente, e, sobretudo mais de

acordo com a nossa capacidade natural de buscar a luz do sol,

como se busca o crescimento espiritual, o homem pode sim

mudar por meio da livre escolha, as circunstâncias pode influir

na maneira de reagir, mas não determinará o futuro, uma vez

que o homem é o único ser na natureza que pode decidir para

que rumo caminhar.

Pois é esta condição que nos diferencia dos outros animais,

somos inteligentes, podemos escolher e até prever as

consequências de nossas escolhas. Logo a teoria do respeitável

doutor Freud cai por terra, temos os arquétipos que corroboram

com esta tese, o homem não é fruto do meio, senão não

teríamos os Cristos, os Mandelas, os Lulas, Obamas e outros

mais.

Antologia Poética

71

O poder de um vício

Um vício pode transformar

a vida de um homem,

de inútil em necessária,

assim como a indiferença

entre duas almas pode virá paixão

e com um pouco de vinho,

o ciúme vira zelo cuidadoso,

e a loucura se transforma fantasia,

e o ócio tediante em poesia.

Antologia Poética

72

Importa saber quem tu és

“Eu não sou nada, nunca serei nada,

mas tenho todos os sonhos do mundo."

(Fernando Pessoa.)

"Importa saber quem tu és,

o que os outros pensam

não deve ser

parâmetro para tua

felicidade e autoestima."

Eu sei que sou poeta,

o resto deixo por conta

dos curiosos e analistas

da vida alheia.

Antologia Poética

73

Amar

Eu te amo, acredite, amo-te

Que amor maior não cabe no meu peito

Do que esse amor, nos versos da poesia

Maior amor também não caberia.

E por te amar demais, e pelo encanto

Do amor que amar me faz, trago esse pranto

Porque eu te amo tanto todo dia

Neste pranto de amor e de alegria.

Amo-te, como um simples trovador

Que dedica seu amor num canto rouco

Esperando da amada o fim da dor

E te amo assim, quase doente, como um louco

Perdido na grandeza desse amor

Na convicta impressão

De que todo este amor ainda é pouco.

Antologia Poética

74

Chegada aos 50 anos

Diante da efêmera condição humana

quase nada nos importa, se estamos no verão

ou no inverno, se no século passado ou no presente,

quisera vivêssemos milênios,

talvez assim nos preocupássemos menos

com esta coisa de completar mais um ano

de vida ou de existência. Do pressuposto lógico

de que alguns homens vivem e outros existem,

pergunto: Que importa nossa idade, se velhos

ou jovens? Devemos nos perguntar diariamente

sobre a nossa vontade de viver, pois esta é a única

força capaz de nos conduzir às nossas realizações,

aos nossos objetivos, entre eles o mais importante

deve ser: "viver, e não apenas existir."

Antologia Poética

75

A regra de Ouro

Se formos falar do bem, ou do mal… devemos perceber que há

muitos outros sentimentos, como pontos cegos ou imaginários

entre estes dois universos.

As pessoas são frágeis para delimitar, de forma absoluta o que

pode ser bem e mal, e o mais importante nesta confusão de

ideias e sentimentos, sobre as nossas fraquezas, o que importa

realmente é o quanto de bem ou de mal praticamos para com o

nosso semelhante.

Se chegarmos a uma conclusão de bom senso ideal para sermos

mais humanos, teremos a preocupação justa de respeitar a regra

de ouro, e não precisamos nos aprofundar em tomos de

filosofias sobre ética e espiritualidade para entendermos

corretamente o que o bem e o mal devem produzir como

consequências de nossas ações. Penso que tudo se resume na

expressão: “Não faças aos outros o que não queres que te façam

a ti.”

Antologia Poética

76

Enfraquecimento mórbido

Aquilo que muita vezes nos assalta, e sem explicação nos

coloca num estado melancólico imprevisto e improvável; se nos

perguntassem do que se trata, diríamos se tratar de uma solidão

extrema, na verdade, são reflexos de meditação inconsciente,

que às vezes se dá durante um período sonolento do dia ou na

simples contemplação do horizonte, meditação esta que nos

revela o quanto nos distanciamos das coisas simples, é de fato

um tipo de solidão irreparável, pois constatamos, aos sair deste

estado de langor, (Enfraquecimento mórbido) que não há mais

como voltar ao passado nem ao ponto da nossa lastimável

ignorância, quando ainda vivíamos sossegado no meio da

multidão.

Antologia Poética

77

A melhor imagem que conseguimos descrever da liberdade

absoluta.

Uma criança segue caminhando em círculo, empurrando um

carrinho-de-mão cheio de flores. Ela intenciona alcançar a

porta da rua, a porta que dá para a liberdade. Na verdade, ela

foge de um jardim, de onde foi deixada por seus pais, de uma

prisão florida, um encanto, como um tipo imaginário que os

adultos conservam até hoje do paraíso perdido, do paraíso de

Adão, não o de Milton.

Ela é uma criança forte, foi bem alimentada durante os anos de

exílio longe dos seus pais, e acredita que de fato conseguirá

chegar ao portão. Mas o portão está fechado, contudo, a

criança, talvez por inocência ou excesso de confiança infantil,

acredita que poderá chegar à liberdade imaginada.

Esta imagem, ora descrita, é um lapso de memória coletiva: a

criança que busca a liberdade não existe, ela não tem cor nem

sexo definidos. É a criança que alimentamos e buscamos com

ela a cada dia uma porta ou janela, que nos conduza à liberdade

de voar, de sair do lugar comum em que habita toda

humanidade, perdida, que durante o dia caminha para um

descanso invisível, onde se encontra a paz e a liberdade,

pertencentes apenas aos inocentes, que ainda continuam a

brincar e a empurrar um carrinho cheio de flores em direção à

maioridade.

Antologia Poética

78

Não me propus ensinar,

com a poesia,

aos homens um novo canto

nem uma nova língua.

Desejo que ao me ouvirem

pelo som que emito

com palavras imperfeitas,

possam prosseguir

acreditando que a vida

sem a melodia que produz

a nossa língua escrita

não teria nenhum sentido

ou razão.

Antologia Poética

79

A Mosca

A mosca. Não a mosca azul

de Machado de Assis.

Apenas uma mosca.

Uma barata. Não a kafkaniana,

Uma baleia. Não a de Jonas,

Nem a Moby dick de Herman Melville.

Um corvo. Não o de Allan Poe.

Um leviatã. Não o de Thomas Hobbes.

O original, o antes de Jó...

A mosca volta, outra vez,

Sobre meu azul celeste.

Um abutre perfumado

Ronda minhas narinas,

À sombra, um corpo pesado

Não cede ao comando

Do espírito... Não quer lutar,

Já perdeu o combate.

A mosca voa sobre o mau cheiro

Que exalo... A putrefação é final,

Um cérebro que não produz

Riqueza mental deve

Ser devorado...

A mosca é o instinto...

Um monstro do subterrâneo.

Um verme que me rói a razão.

Antologia Poética

80

Rio de Janeiro

Que poeta passaria

Sobre ti adormecido?

Em tuas ruas estreitas

Há um mar imenso.

Os meninos da candelária

Não se esqueceriam de ti

Ao descreverem o paraíso.

Teus poetas atingem

Ainda em vida a perfeição

Tom Jobim,

Vinicius de Morais

Som e poesia,

Hermética canção.

Bruxo de Cosme, Emil de Castro

Chico Buarque

Embarque à perdição.

Que estrangeiro não morreria

Para que tu estejas sempre linda?

Todo carioca um dia vai ao morro

Caminho reto, da queda à ascensão.

Qual dos deuses não desceria do Olimpo

Para viver um dia apenas

Em tua copa ou em tuas cabanas?

Antologia Poética

81

"Qual será o preço da tua liberdade?... Não queira saber, é

muito caro para as tuas posses".

O que pode ser concebido como liberdade para um homem

pode variar de muitas maneiras. Há uma maioria entre eles que

não percebe a diferença entre prisão e liberdade.

Contudo, alguém deve dizer, ao ler este texto, que a liberdade é

o direito físico de poder ir e vir sem que seja interrompida a

caminhada. O fato é que só existe prisão mental, qualquer outra

forma de prisão pode ser rompida por qualquer estúpido,

carcereiro ou juiz. Já a prisão real, esta de que falo é muito

mais difícil de romper com os seus grilhões. Eu não tenho a

pretensão de ensinar como se faz a ninguém. Mas acredito que

foi pelas minhas próprias mãos, ou melhor, com meus próprios

olhos que me livrei das amarras da ignorância herdada,

especialmente das superstições religiosas, que representa, a

meu ver, a prisão mais nociva e perpétua.

Uma frase genial de Espinosa deve indicar a chave àqueles que

despertarem algum interesse por esta minha visão realista do

que pode ser chamada de verdadeira prisão, a psicológica!

“O Medo gera as Superstições.”

Antologia Poética

82

Consciência tribal

Vivemos ainda uma consciência tribal, a mesma que atirava

pedras na prostituta, ninguém tem pensamento próprio. Se há

um cão morto, todos chutam e seguem em frente com riso

sarcástico de quem praticou um ato de justiça.

Os falsos moralistas se aglomeram diante de uma causa que

nunca defenderam, sempre foram alienados e manipulados pelo

sistema que escraviza a todos, a quem comanda e a quem é

comandado.

Meu Ponto de Vista, sobre o que acontece hoje no Brasil,

concernente a justiça e a injustiça. Não há nenhuma virtude

intelectual em concordar ou discordar com a maioria, em

qualquer um dos casos é burrice e conformação decadente.

Antologia Poética

83

A musa é débil

A musa é débil, infantil e pródiga

esbanja beleza, mas se retrai

em conceder ao poeta a glória.

Ele nunca sabe dos seus passos

para que direção se encaminha

o seu balançar de meiguice agreste.

Sabe a cor dos seus olhos

mas não imagina em que terra

anda o seu coração infante.

Antologia Poética

84

Desconstruamos o velho para que o novo se apresente.

Desconstruo tudo que recebi seja por leitura, ensino verbal ou

intuição análoga, para inferir, livre de dogmas e teorias

preconcebidos, minha própria ideia de mundo, dos homens e de

Deus.

Toda as formas de pensar estes universos são hoje heranças de

povos tribais, contudo a maioria das pessoas prefere não buscar

outra forma de enxergar a vida e o homem atual.

René Descartes, com o seu método incomum, ou Espinosa com

a sua Ética quase infalível, Einstein com o seu Deus Cósmico,

ou Nietzsche com o seu Eterno Retorno, Cristo com sua Lei

Régia de amor ao próximo, ou Hitler com seu ódio racial, todo

pensamento existente não me serve como base, exceto como

algo a ser superado.

Depois de muita investigação constatei que todos eles foram

importantes em seu tempo, e a seu modo, agora não nos servem

mais, a não ser como algo a ser definitivamente descartado para

se criar uma aurora mais vibrante e realista. Quem pode

conceber algo realmente novo sem anula-los por completo?

Antologia Poética

85

Foi sem falar em saudade

Foi sem falar em saudade

Que lembrei de você

Dos seus olhos pequenos

A me enlouquecer

Do seu corpo moreno

Do seu beijo veneno

A me adormecer.

Foi sem querer que a tristeza

Chegou com a canção

Que eu fiz pra você

Naquele verão

Onde fiz do teus olhos

minha única razão

De viver, de sorrir, de sonhar

De paixão.

Foi sem falar de saudade

Que me veio a lembrança

Que perdi a esperança

De voltar a te ver.

Antologia Poética

86

“Há poesia em quase tudo.

Há poesia em quase tudo,

só não há poesia no beijo

nem no corpo da mulher mal-amada

nem no choro da criança

faminta, abandonada.

Há poesia em quase tudo

só não há poesia na falta de carinho

da mãe pelo filho inesperado.

Há poesia em quase tudo

no encontro dos amantes

proibidos, no afago da língua

sobre a rosa, no breve adeus

do poeta desta vida.

Há poesia em quase tudo

menos na falta de amor

do homem pelo homem

e na falta de fé no amanhã.

Há poesia nos lírios dos campos

quando catam, no por do sol

amarelado, há poesia na chuva

de outono, mas falta poesia

na primavera do oriente.

Há poesia em quase tudo

menos na falta de amor

Antologia Poética

87

do homem pelo homem

e na falta de fé no amanhã.”

Antologia Poética

88

João Fazendeiro.

O João era um menino peralta, e desde muito pequeno já sabia

que seria fazendeiro. Mas o João nasceu muito pobre, seu pai

era um lavrador de terra alheia. João perdeu o pai também

muito cedo. Com a orfandade teve que se mudar para a Bahia,

pois na Bahia teria trabalho. Morando com um tio, poderia

aprender uma profissão, mas João não queria ser pedreiro,

assim como os seus outros irmãos.

Então, ser fazendeiro seria algo muito distante das suas reais

condições. Mas João, depois de algum tempo na Bahia, se

mudou para Brasília, encontrou uma boa mulher que já tinha

duas filhas, que trabalhava como costureira. Então João

começou a negociar. João não era religioso, mas tinha um tino

de judeu para os negócios. Não demorou muito para que João

se tornasse proprietário do seu próprio negócio.

João, antes de se tornar fazendeiro, foi vidraceiro, montador de

móveis que ele mesmo vendia, depois comprou um mercado,

logo depois comprou umas terras, e começou a plantar tomates

para vender no seu próprio mercado.

João já não lembrava mais do que queria ser, já tinha posses, e,

depois dos tomates, começou a plantar milho, depois a criar

porcos. Hoje João cria gado, cria porco, cria galinhas. João,

sem se preocupar demais com o seu verdadeiro sonho, se

tornou fazendeiro.

João é meu irmão querido, que merece meu amor e minha

consideração, assim como os demais. Mas eu nunca quis ser

Antologia Poética

89

escritor, mas assim como o João, hoje eu me tornei criador de

sonhos.

Antologia Poética

90

Mais que improvável

Em qualquer lugar, fora do tempo

noutro espaço, longe ou perto daqui

dentro do meu finito querer, ele ainda existe.

Este amor imaginado... Esta ilusão passiva

este pesadelo insone, numa lembrança morta

no futuro desejado, no presente atento

na viagem perdida, em qualquer lugar

atrás da porta.

Em outra dimensão, num sonho impossível

na realidade dolorida, não importa o não ter

o meu querer é quem dita, que este delírio

pode não ser assim tão improvável

quanto acredita.

Antologia Poética

91

Absurdo

Poderia se quisesse, numa poesia definir o mundo,

talvez num longo romance épico ou numa peça teatral

Shakespeariana, pois o mundo de Homero é encantado,

mesmo Shakespeare nos ilude e nos engana.

Talvez, como Milton, criaria um paraíso, onde a dor

e lágrima mórbida não existiria

todavia, não seria eu poeta, um artífice vulgar da fantasia.

Mas o mundo que descrevo é real

onde os homens se perderam atrás do ouro

com instinto violam os seus direitos, uns aos outros

se ferem sem razão... Fazem guerras pela falsa liberdade

pela paz se comete atrocidades, no a fã de ser Deus ou ser

Jesus.

Este mundo que agora vislumbraste, absurdo de palavras

em confusão, é o cerne de tua alma boa, humana,

discordante em perfeita erudição, não aceitas a alcunha

de animal, mas comprazes com a fama de vilão.

Antologia Poética

92

No desvão cósmico,

onde habita o nada

há um abismo infinito,

onde cabe quase tudo

a voz lacônica do infortúnio

e o regozijo da musa

as penas da fênix

e a poesia anônima de Deus.

Antologia Poética

93

A poesia é arte da síntese

Assim como a saudade é a solidão

em desespero, é o resumo do amor

outrora tido...

... é o apego ao passado ressentido.

É a recusa de viver o vil presente

a negação do futuro repetido

é a sombra do destino perseguido

é desejo de comer o pão dormido.

É a seiva da ilusão inconsciente

que ocupa o pensamento incontido

a saudade é a solidão em desespero

é canteiro de um jardim adormecido.

Antologia Poética

94

Engenho de Deus

Será engenho de Deus esta vida

dolorida demais para aguentar

se a corrida se perde é desatino

se chegamos mais cedo é azar

Será engenho de Deus esta vida

dolorida demais para aguentar

pescadores em barco sem destino

naufragados no abismo do além mar

Será engenho de Deus esta vida

dolorida demais para aguentar

a corrida não é do mais ligeiro

chega cedo aquele que fraudar.

Será engenho de Deus esta vida

dolorida demais para aguentar

Perde-se a força na labuta infinda

sem descanso há peleja noutro mar.

Antologia Poética

95

“Evitemos todo tipo de insanidade religiosa concernente à

eternidade, pois a única possível ao homem até agora foi a

literatura.”

Antologia Poética

96

Esperemos o futuro

Assim se deve renovar a vida,

a cada perda uma possibilidade

a cada saída uma descoberta

a cada partida um destino novo.

O amanhã um despertar constante

um raio cálido de esperança

que a alma indecisa de hoje

possa ser um rio sereno no futuro

e um homem maduro uma eterna criança.

Antologia Poética

97

Meu pai

Em teu rosto posso ver o amanhã

tuas rugas são marcas do tempo

que revela a tua senil bravura

tua luta incomum pelo incerto

neste mar de ilusões e de agrura.

Sei das dores que velas escondido

da candura do teu velho coração

de um desejo por ti já reprimido

a incerteza da vida e do pão.

Há em ti um enigma divino

que explica facilmente a eternidade

neste elo infalível de amor

onde o PAI cumpre o acerto da vontade

de no filho imprimir a sua alma

na perpétua lição de uma verdade

Antologia Poética

98

Poesia como pétalas

Lancei-me ao mar sem remo ou âncora

fiz um pacto com vento a um destino

e nas mãos do acaso reprovável

não espero alcançar um porto adino

Como pétalas de rosa perfumada

que o amante atira na janela à sua amada

eu vou colhendo palavras improváveis

que na mente floresceram à madrugada.

Antologia Poética

99

À inteligência o sumo licor da consciência de que na solidão há

um encontro inesperado com a razão, a confirmação do êxito

sobre a presunção da estupidez.

Aquele que sabe ser amado tem força para enfrentar o mundo.

Já os infelizes se tornam invejosos e despeitados e lutam

desesperadamente para que todos se tornem infelizes como

eles.

Antologia Poética

100

Havia um homem que seguia diuturnamente um sábio e, em

silêncio aprendia belas lições. Até que um dia aconteceu o

inesperado. O sábio se encontrou com um fariseu, um daqueles

que condenara o Cristo por perdoar uma prostituta e por curar

num dia de sábado. Então, por não entender a razão do

preconceito do fariseu, o sábio se tornou estúpido e travou uma

discussão acalorada com o hipócrita, resultado: o Homem

comum, que por algum tempo acreditou numa verdade abstrata,

desistiu de seguir o sábio que se tornara estúpido.

Antologia Poética

101

De barro ou de água

É preciso adoecer de sofrimento

para que o espírito da poesia toque o pinho

num assombro encantador angustiante

vem à tona um verso livre em puro linho

Em silêncio a solidão vibrar perene

a buscar a perfeição sem variante

é sentido que a alma sobe ao alto

sem olhar o que se vê de inconstante.

E dor em dor se forma a lágrima

e da face muitas vezes não se enxuga

vendo a morte que se expande como praga

a levar homem-menino sem ter ruga.

.

Antologia Poética

102

Voz doce da poesia.

Amputaram-me os pés,

amputaram-me as mãos

depois furaram-me os olhos

em seguida amputaram-me a língua

perguntaram-me se ainda sentia dor.

Eu não podia andar, era fato

nem podia ver, nem apalpar

contudo, meu melhor sentido

ainda permanecia, não se alterara

ainda podia ouvir o som do vento,

e a voz doce da poesia.

Antologia Poética

103

Azul

Azul é o mar, sob o horizonte

Azul é céu, Azul é o monte

Azul é o vago, Azul é a ponte

Azul é o olho que mira esta fonte.

Azul de beleza, de sonho sem fim

Azul de esperança, pintada por mim

Azul é teu nome, ninfa prateada

Azul teu cabelo, minha selva encantada.

Azul infinito, onde mora o querer

Azul de conflito, entre o ser e o não ser

Azul de desejos, azul de ilusão

Azul, me refiro ao meu coração.

Antologia Poética

104

Universo caos

Imagine um turbilhão de partículas flutuando no abismo. É a

isto que cognominamos de universo. Partículas de todos os

tamanhos e formas, fruto de um caos, desgoverno sem

propósito.

E o homem, apenas mais uma partícula atômica empurrada

pelas leis naturais, física e gravitacional. A inteligência lutando

em vão contra a perversidade do caos, com o fim de organizar,

elaborar sistemas, classificar espécies e formas que garantam a

sua existência duvidosa. Qual a condição e a possibilidade do

homem reverter este fato que é o caos universal?

Mesmo que todos os homens, como partículas integrantes deste

sistema sem objetivo se tornassem inteligentes, a ponto de

desenvolver instrumentos para se isolar dos demais sistemas

caóticos, não seria possível contornar nosso destino abismal,

pois as inteligências difeririam e, logo estaria formado outro

caos dentro do caos, as ideologias, cada grupo "inteligente"

apontado apenas para seu umbigo, e a desunião causaria a

destruição da espécie. Eis o mundo atual.

Antologia Poética

105

A ilusão

Fomos nós que inventamos toda esta ilusão,

somos nós os redentores de nossa maldição

Há ilusão no querer, há ilusão no saber

há ilusão no mandar, há ilusão no poder.

Há ilusão nas estrelas, no céu azul a esconder

a ilusão desta vida, a ilusão de morrer

De ilusão somos feitos, por mais real que pareça

há ilusão do amor, que brevemente se esqueça.

Há ilusão de um sonho, de uma alegria sem fim

há ilusão no destino, mesmo que seja ruim

Há ilusão voa alto, que não se pode alcançar

na ilusão nós estamos na terra a caminhar.

A ilusão é fugas, a quem não quer aceitar

que somos bolas de gás, que Deus irá espetar.

Antologia Poética

106

Saramago escreveu um texto sobre Fernando Pessoa, que a meu

ver justificaria o Nobel que recebeu, a imagem poética que ele

consegue sintetizar é impossível de ser superada, nem mesmo

Pessoa poderia. Esta essência genial do gênio que multiplica os

gênios criadores e dão mais vigor ao ofício do gênio imortal.

Chorei ao fim da leitura, até hoje apenas dois textos foram

capazes de me elevar a tão alto entendimento do que pode ser a

poesia.

Antologia Poética

107

O querer e o agir

O hiato que existe entre o querer e o agir

não é fácil ser superado

há, portanto um opção

pular ou não sobre o abismo.

Decidir: Ação que torna o sujeito

dono de sua vida.

Todavia, se decidirmos sob pressão

não somos nós responsáveis direto pelo ato.

Vendo por este ângulo, todas as nossas

decisões são afetadas por um vento exterior

que sempre vem de algum lugar

do sul ou do norte.

Antologia Poética

108

Neruda

Hoje desenterram o corpo de Neruda

o poeta que viveu sua vida em plenitude

se engajou na luta dos pequenos

defendeu a liberdade e morreu por ela

Neruda não se omitiu, nem se calou

diante da força e da tirania dos poderosos

Neruda ainda viveu, além da luta social

o seu grande amor privado.

Neruda, quem dera se levante outra voz iguala tua

na América Latina a injustiça a ainda impera

seja pela fraqueza democrática

ou pela falta de bom senso dos chavistas.

Neruda, quem mais se lembrará da poesia?

Hoje se lembraram do teu corpo

tua luta ainda revira túmulos e avenidas

e tua voz ecoa nas mentes dos poetas atuais.

Antologia Poética

109

Sou dependente da palavra

como sou também do pão

a palavra sem o verbo

é barco que vaga em vão

o vento traça o caminho

a vela a direção

quem fala quando não deve

desperdiça a criação.

Antologia Poética

110

Poesia, no meu caso, não é fuga

nem sombra do ócio permissivo

também não é missão

nem compromisso.

Não penso no que deve ser escrito

poesia é uma dor pungente

uma aflição sem medida

é uma força de expressão desconhecida.

Antologia Poética

111

Uma imagem infantil

Havia nos meus sonhos infantis

uma imagem persistente

onde um pássaro de bico dourado

vinha bicar a minha porta.

As pancadas de martelo

que o pássaro infringia à madeira bruta

ressoava dentro do meu peito

como um presságio intrigante.

Porque esta imagem obscura

sem nenhum sentido aparente

me perturbou por toda infância?

ainda não consegui entender.

hoje, vez por outra, ele ainda volta

só que o pássaro não tem mais bico de ouro

e quando eu procuro escutar as marteladas

da infância, escuto só um sussurrar incompreensível.

Antologia Poética

112

Um conto absurdo

Um homem caminha silenciosamente, sobre uma calçada de

São Paulo, voltando do trabalho, fatigado de suor e cansaço de

mais um dia de trabalho.

Neste instante em que narro esta simples realidade literária,

escuto um barulho, ensurdecedor, como de uma bomba.

Pensei, terá sido outro meteoro? Não, não foi um meteoro, este

tipo de fenômeno não ocorre por aqui no terceiro mundo.

Foi o chão que cedeu, a calçada por onde caminhava o cidadão

anônimo virou uma imensa cratera, e o homem se perdeu no

abismo vulcânico.

Eis o absurdo da vida real superando a ficção genial de Kafka.

Antologia Poética

113

Viver é a ponte

Imaginemos uma ponte,

por onde muitos se atrevem a passar

à primeira vista nos parece natural sua travessia

contudo, uma vez posto o pé sobre ela

se percebe os perigos.

A vida! Eis a ponte, a experiência necessária

onde o ser pensante precisa passar.

Dizem os santos e os poetas, que viver é perigoso

só se esqueceram de acrescentar

que viver é imprescindível

se queremos encontrar a felicidade.

A ponte existe entre o ser e o não ser

mas, acima de tudo queremos estar,

perpetuar... Existir.

Se a felicidade nos sorrir, muito bem,

senão, devemos ter a consciência

de que fazer outros felizes será factível

e provável, se encaramos a vida

da maneira que deve ser vivida,

com coragem...

Eis a ponte sobre o nada

façamos então dela a transição

entre o querer e o ser.

Antologia Poética

114

Instalei um relógio noutro tempo

a espera eterna passará

é possível viver em outra era

se alma crescer pode alcançar.

Como Dante, vencer barreira física

ir ao encontro da musa no além-mar

supra ideia humana, metafísica

de um deus no horizonte a duvidar.

Antologia Poética

115

O que se leva desta vida é a experiência

isto se for real para nós outro habitat

se a consciência em outro estágio permanece

seremos o mesmo homem imaginário

como a flor que perde a cor e fenece

nos unimos ao existente cosmo vivo

e o perfume exalado não se esquece.

Antologia Poética

116

Para Evan Henrique, meu príncipe

Tenho filho mais que especial, não mais especial que os outros,

mas especial por ser único, singular em seu modo de viver.

Este filho que ainda me chama de paizinho apesar de ser um

homem vigoroso e forte com fibras morais que não herdou

apenas de mim, foi a junção de duas almas ternamente

apaixonadas que o formaram. Ele é a materialização do amor

em nossas vidas, a certeza de que sonhos se realizam.

Sua mãe e eu ainda o tratamos como uma criança, e a ideia de

que ele precisa enfrentar este mundo cruel e injusto

provavelmente em pouco tempo sem a nossa dedicação diária

me assusta. Tenho medo de que alguém lhe faça algum mal,

que não lhe trate com o respeito que dispensa a todas as pessoas

com que tem relação. Ele desperta sentimento paternal mesmo

em pessoas que ainda não tiveram seus próprios filhos,

ouvimos diariamente amigos dizerem que só teriam um filho se

pudessem saber de antemão que lhe seria igual.

Este filho que agora fará vinte anos, com sonhos e conquistas

em curso, me faz enxergar o mundo com alguma expectativa

boa. Vale a pena viver, constituir e preservar uma família,

mesmo num mundo onde o imprevisto pode nos tirar a paz e a

alegria.

A soma de todas as experiências pode ser a conclusão de que o

mundo pode até não ter o objetivo, mas o amor sempre terá.

Vejo-o crescendo, tomando posição no mundo e construindo

seu próprio universo, uma alma de altíssima sensibilidade e

inteligência.

Antologia Poética

117

Aos vinte anos geralmente, para quem não se adiantou ao

tempo e à natureza, é a idade ideal para se apaixonar e para se

descobrir prazeres especiais que só o amor recíproco pode

oferecer.

Me lembro com forte emoção a canção de Fagner, onde ele

canta "um rapaz novo e encantado com vinte anos de amor,"

construindo castelos e oferecendo estrelas para sua amada.

Evan Henrique, quanta honra me foi concedia em ser teu Pai

Antologia Poética

118

A contradição humana

Que sorte de homem é este

que jamais diz o que sente

ora aceita, não discorda

noutra hora chora e mente

se a vida lhe sorrir

ele cospe descontente.

Que sorte de home é este

que se esquece de onde veio

se esconde dos amigos

e na morte bota arreio

não discute com os tolos

e dos sábios tem receio.

Antologia Poética

119

A lembrança do teu cheiro

Ao entardecer bate uma lembrança

uma ideia vaga do que foste

a confirmação do inevitável

vem à noite, quando tudo cala,

neste imenso quarto escuro

onde apenas o teu cheiro exala.

Digamos que assim seria

a minha vida, se você

resolvesse ir embora

ou me deixar...

Posso imaginar como seria

mas jamais poderia suportar.

Antologia Poética

120

"Amores possíveis" tema de um livro de poesia de Saramago, a

ideia de impossível, digo ideia, pois só conhecemos o

impossível como ideia nunca como fato... Então tudo que

desejamos está no campo da ideia, portanto pode ser possível se

acreditamos e fazemos acontecer, logo deixa de ser ideia para

se tornar fato. Assim ocorreu comigo, queria ser escritor, hoje

um fato. Ainda tenho outros desejos, não sonhos, estou

trabalhando para que eles deixem o mundo das ideias e se

materializem.

Antologia Poética

121

A vida é isso, é isso aí que te enfada, e te incomoda.

Quando a vida passa suave, sem dores e rumores de tragédias

profetizadas, a vida parece que não está presente, pelo menos

não causa angústia ou sofrimento.

A vida é este turbilhão de sonhos que jamais serão realizados.

A vida devia ser mais simples, menos complicada. Como uma

caminhada no parque, com um jantar com a esposa ou

namorada, um cinema com pipocas e chocolates, depois um

dormir satisfeito, com amor reciproco ou inventado.

Mas a vida não foi de forma alguma planejada, nem por quem a

vive nem por quem a idealiza plena e objetiva. Mas a vida é

mesmo um trem desgovernado.

A vida segue e não nos deve nada, somos nós devedores

eternos da sua complacência desnaturada. A vida, queria um

poeta, que fosse um sopro de um ser eterno, que não sabe o que

é viver dentro do caos.

Mas a vida é muito mais que isso, é um querer desesperado,

uma corrida sem inicio nem chegada, por isso a queremos tanto

viver, entender fica para os santos ou filósofos desocupados.

Antologia Poética

122

Átomo eterno da poesia

Sou pobre, mais que um miserável

Não possuo uma cama para me deitar.

Durmo ao relento, contra o tempo

Sem um nicho para acampar,

Mesmo assim sou feliz ao som do vento.

Meu destino é correr pelas veredas

Por onde passa a tristeza e a solidão.

Não nasci em berço esplêndido

Vim ao mundo para fazer uma doação.

Dar meu sangue, nos poemas, rimas e versos,

Para causar no universo uma confusão.

Um poeta se assemelha a um meteoro

Que depois de vagar entre as estrelas,

Para morrer, necessita vir ao chão.

Como átomo eterno se transforma

De pedra bruta e areia fria

Voltará a ser semente de nobre pão.

Antologia Poética

123

Há beleza que não é deste mundo

e ao mortal cabe o dom de apreciar.

Quase sempre na guerra mora a paz

como os ais do poeta a delirar.

Na tristeza do mundo vive o sonho

de um dia o eterno festejar.

Sem angústia a vida se enfada

e depois do querer há o encontrar.

Antologia Poética

124

Quando penso em partir

logo desisto, pois querer

quase sempre é desistir.

Na constante ilusão

de estar presente

vive presa a ideia de sair.

iludidos enganamos até o tempo

o relógio, a matéria a inquerir

se nascemos ou morremos inocentes,

nesta breve alusão de existir.

Antologia Poética

125

Ela cuida de mim

Ela cuida de mim

Nós cuidamos um do outro

Seu amor é assim

Meu eterno conforto.

Ela é minha estrela

Neste mar de ilusão

O amor nos conduz

Numa só direção.

Ela cuida de mim

Está sempre ao meu lado

Não há tempo ruim

Que me deixe abalado.

Ela é minha estrela

Estou sempre com ela

A usar sua luz

De beleza singela

Ela cuida de mim

Sem qualquer condição

Ela é minha mulher

Meu prazer, redenção.

Ela cuida de mim

Não me sinto perdido

Num olhar revelamos

Um segredo esquecido.

Antologia Poética

126

Ela cuida de mim

É meu sol não varia

Está sempre constante

A brilhar no meu dia.

Canção para Iranete.

Antologia Poética

127

É noite

E todo ser vivente

se apressa ao descanso

não tenho sono

me relego ao abandono

é muito tarde, continuo

no mesmo dilema

sem saber se me deito

ou me levanto.

É noite

E os pensamentos se reúnem

para construir o mundo

a madrugada passa embriagada

os homens se divertem

bebem e fazem filhos

outros fazem sexo na calçada

animais descansam em seu retiro

enquanto o homem fuma seu cigarro

e a prostituta tira a roupa.

É noite

Na minha consciência há conflitos

inconfessáveis, iguais a todos,

assim imagino compreender a noite

que não seja possível alguém dormir

enquanto o mundo geme e berra

enquanto crianças nascem

de parto prematuro e de pais anônimos

Antologia Poética

128

filhos da guerra ou da miséria

dos homens poderosos

e dos deuses ausentes.

Antologia Poética

129

Olhando os homens

Descobri o caminho das pedras,

o segredo que move os mortais

o que busca encontrar todo homem

nesta vida de sonhos irreais.

Querem a fama, o poder e a discórdia

suprimir os desejos normais

preferi caminhar sobre nuvens

a olhar para baixo os iguais.

Quando vejo o destino dos sábios

a medir seu quinhão sem valor

uma obra, uma vila, ou cidade

me afaga o saber meu redentor.

Antologia Poética

130

Da crença no amor

Dizem do amor, apenas os que amam

que encontraram a razão de estar aqui

a procura do sonho encantado,

o universo real passa a existir.

Só o amor inconsciente e não recíproco

poderia de fato nos suprir, mas a troca

de afagos, beijos, lágrimas

se resume no querer sem conseguir.

Diz do amor, quem acredita

que a sorte no futuro vai sorrir

esta vida de encanto e desencontro

faz do homem um insano a perseguir.

Antologia Poética

131

O limite do amor, que não é paciente, que não pode esperar,

que sempre é ciumento.

Um homem prepara um café especial para sua amante junto

com uma boa intenção de pedido de desculpas, isso depois de

chegar ao amanhecer em casa, depois de uma noite de orgia

com mulheres e amigos embirados, ausente da criatura amada,

então faz o café especial e bate à porta.

- Olá meu amor, olá meu doce, olá minha alma.

A amante não responde, ele irritado joga a bandeja sobre a

porta que permanece fechada, em seguida volta para outra

mulher que conhecera durante a noite.

Depois de uma semana, longe da cidade e de sua amada, é que

descobre que ela havia se suicidado enquanto ele se divertia, e

mentia que a amava.

Antologia Poética

132

Samba do desamor

Quero que vá tudo para inferno

vou comprar um novo terno

vou atrás de outro amor

Este amor que outrora era alegre,

hoje é calafrio, é quase febre,

já não acalenta a minha dor.

Se não discutimos a relação

pois nem relação existe mais

as palavras ferem como espadas

quando são mal atiradas

como pedra em tua mão.

Vou mandar tudo para inferno

vou comprar um novo terno

vou atrás de outro amor

Nossa convivência virou aparência

de uma mesma essência de contradição

os anos que se foram levaram os amores

sobrou só rancores e a desilusão.

Vou mandar tudo para inferno

vou comprar um novo terno

vou atrás de um outro amor

Antologia Poética

133

Delírio de Poeta

Há uma excessiva intenção do poeta de se auto explicar, uma

tolice vulgar, a meu ver, coisa de poeta imaturo. Não há

nenhuma profundidade neste pensamento, querer se colocar em

um pedestal, em um lugar superior entre os mortais. O que

existe de fato na alma do poeta, quando este se entende como

mero pintor da natureza humana já formatada pelos séculos, é

uma intensa insatisfação, um querer se eternizar em um

universo plural de tantos versos naturais. Toda esta vaidade

brutal, como em todo ser vivente que carrega em seu instinto o

desejo de gozar a eternidade evolutiva, se esvairá para o éter

supremo do abismo, onde toda matéria se equipara, para criar

outra ilusão, a da ressurreição do intelecto, outro delírio de

poeta embriagado.

Antologia Poética

134

Por trás da porta

O que há por trás da porta,

vidas, desilusões

sonhos e desejos escondidos

esperanças e amores perdidos.

Quem olha da rua só vê a porta

madeira bruta, natureza morta

se a porta se fecha muitos dirão

pensamentos nocivos, morte e traição.

E se a porta se abre

surge a liberdade, criança a correr

chuva e tempestade, lembranças e risos

medo de surpresa, grito de saudade.

Antologia Poética

135

Melancolia da ausência

Oh! Minha irmã

alma igual a minha

por estradas distintas

tua alma caminha.

Oh! irmã minha, de angústias mil

quisera eu que assim fosse

que o teu caminho cruzasse com o meu

mesmo que em outra direção

eu indo para sul e tu para o norte.

Não há solidão maior que esta

quando se estar presente

querendo estar distante

viver separado estando junto.

Oh! Minha alma irmã

sou como tu, fantasma nu

em um mundo de carne e osso.

Antologia Poética

136

Há dias não escrevo poesia

Há dias não escrevo poesia

não me consta ser a verve que partiu

é a falta do poeta que se esconde

quando volto ao mesmo ponto não viril

do filósofo que me causa amargor

e espanta a meiguice do assobio.

Tenho um santo que acredita no impossível

e um poeta tragicômico e imbecil

um filósofo amargurado e descrente

persistente no afã de ser gentil.

Tenho a calma ansiosa e descontente

vou na frente recitando um verso só

poderia rir em forma de poesia

ou cantar minha vã filosofia

sendo eu me equilibrando a cada dia

sobre o abismo que me serve de crisol

Antologia Poética

137

Não guardo nada na lembrança

pois a lembrança é algo externo

lembrar é um não perder de vista

é uma contínua forma de viver

já aos que amam verdadeiramente

lembrar seria um esquecer consciente

se precisamos da lembrança para reviver

é porque já estamos mortos de alguma maneira.

Antologia Poética

138

Há contradição em quase tudo.

Quando duas almas se perdem

num desejo infinito de se encontrar

quando o destino carrega

para sempre a desilusão

do desencontro.

A isto chamamos de contradição

contudo, na natureza existem caminhos díspares

rios e mares que vivem distantes

sendo da mesma essência, mesmo separados.

Almas são presas em tártaros para evoluir ou engordar

rios doces correm da nascente ao grande mar, lá viram sal

sementes de uma mesma flor tem perfumes distintos

homens e mulheres têm o mesmo espírito,

a mesma energia vital apesar de corpos e sexos diferentes.

Antologia Poética

139

O mel que cura

O difícil de fazer poema lírico

é não rimar o comum

com o mundo empírico

é do senso vulgar da poesia

fazer uso de mais da fantasia

pra chegar ao ponto do prazer

Agradar aos olhos e ouvidos

que não têm tempo pra viver

os que andam nesse mundo

aqui perdidos, esquecidos

que há um livro pra se ler.

O poeta assustado morre cedo

vive pouco e o que fala se perde pelo ar.

Escolhi contar aqui o bom segredo

e sem medo pare um pouco

e olhe para o chão

e depois olhe o céu e as estrelas

percebê-las está á sua mão.

Muitas vozes ecoam no universo

eu só peço um minuto de atenção

há nos versos mel que sempre cura

quem procura, curará a aflição.

Antologia Poética

140

Como me superei

Assim me superei, quando me permiti duvidar, quando me

permiti perguntar, quando me permiti dizer não. Assim me

tornei outro homem, outra pessoa, mais real, mais consciente,

não apenas diante no meu espelho interior, mas, especialmente

frente ao lago, que outrora me achava belo e mais sábio do que

realmente eu era.

Hoje sou assim, independe radicalmente inconformado com a

maioria, que ainda acredita no sucesso que a sorte pode lhe

ofertar. Assim, fazendo mais e idealizando menos, seremos

capazes de atingir a própria superação, outro estágio de

consciência, a de que nem tudo é possível, mas tudo será

provável.

Antologia Poética

141

Tudo é eterno enquanto queremos

À sombra de uma amendoeira dois amantes trocam juras

eternas

de um amor fugaz. De tempos em tempos, enquanto o sol finge

que se movimenta, e a sombra obedece as suas ordens para

mudar de lado, na ausência dos amantes, o mundo parece um

lugar ideal para se projetar o futuro do seu amor.

Os amantes sempre voltam e se encontram, na mesma sombra,

numa mesma hora, em que o sol brilha e orienta a sombra para

que durante a presença dos amantes não mude de lugar.

Assim, o movimento da terra sob o comando do sol inspira nos

amantes a ideia de eternidade, pois a saudade que sentem um

do outro, quando estão separados, roubam-lhes a lucidez e a

consciência de que nem mesmo o amor recíproco é eterno.

Antologia Poética

142

Palavras ao vento

Tropeçamos em palavras todo dia

estranhamos sua eterna confusão

as palavras são tijolos de uma estrada

e o discurso uma ponte, a fusão.

Sem ação exigimos um movimento

das palavras que não podem caminhar

emitimos estes sons que nos iludem

nos arrastam para um barco a naufragar.

A palavra é um elo consciente

da corrente que o humano engendrou

resolvemos as questões de foro íntimo

e a palavra empenhada caducou.

Antologia Poética

143

A minha verdade

É a perpetuação do meu desejo,

com ela vivo bem e me deleito,

sou dono e escravo da vontade,

por montes perambulo e sou aceito...

Há outra verdade

mais presente e crucial,

é o ponto de vista alheio

ao meu direito,

desta verdade professar

sendo imperfeito.

Antologia Poética

144

Escrever

Escrever, algo crível,

concreto, possível

meu verbo incompleto,

repleto, um elo falível.

A língua é confusa

semimínima, uma fusa

porção dissonante

consoante à musa.

Antologia Poética

145

"As cartas de amor são ridículas", disse Fernando Pessoa, Aí,

para superar seu mestre, Mário de Sá-Carneio comenta, em sua

carta de despedida, antes do seu suicídio, que por achar as

cartas de despedidas mais ridículas do que as cartas de amor,

lamentava escrevê-la, todavia resolve lhe comunicar sua

partida, na carta ele diz que está satisfeito, contudo, cita o

motivo da sua desistência da vida: a sua perene falta de

dinheiro.

Antologia Poética

146

Quem dera que a vida fosse flores

Encontramos no mundo a doçura

de um amor que nos prende

em laço terno, este mesmo amor

nos faz de tolo e nos pode levar para o inferno.

A doçura do amor que nos liberta

o abraço do corpo nos apraz

procuramos viver eternamente

nos afagos do prazer de um amor veraz.

Quem nos dera que a vida fosse flores

e que sempre desviássemos dos espinhos

tendo apenas um momento de carinho

esquecemos no passado os seus rancores.

Antologia Poética

147

Uma melodia infantil

Desejo assim caminhar

desejo assim pertencer

desejo assim prosseguir

desejo assim terminar.

Aquilo que vim fazer

daquilo que existi

por isso vivo a buscar

a sorte que escolhi

Uma canção sublime

cantava o rouxinol

que voava subindo

ao encontro do sol.

Antologia Poética

148

Apenas os poetas falam da morte

assim tão liberais, eu já escolhi o dia

em que morrei. Será em um belo dia de sol

há de fazer bastante calor, para que o fogo

termine brevemente com seu ofício sacramental

queimará meu corpo, mas aprimorará a minha essência

no estado de cinzas, portanto mais leve.

A poesia divina ecoará nos quatro cantos do universo

o pó, que tão frágil se negou ao pó voltar, transmutará

em matéria quântica, em almas tantas, que ao cosmo se unirá.

Antologia Poética

149

O tempo ignora passivamente

os movimentos do teu corpo

enquanto o teu olhar especulativo

procura as causas e os efeitos

da alma viver exaustivamente

num experimentar contemplativo.

Antologia Poética

150

Ninguém virá ao meu encontro

com bandeja de prata, com iguaria

nem um santo virá ao meu enlace

transformar pedra em pão, ou fantasia

no deserto que habito bebo vinho,

que da terra forjei em poesia.

Antologia Poética

151

Um olhar no passado

Todos os dias, às seis da tarde, ele se sentava na mesma

cadeira, na mesma calçada, esperando por alguém que um dia

viu passar, na mesma calçada, da mesma cidade, daquele

imenso mar

Era um bar à beira-mar, onde passava muita gente, mas este

solitário observador nunca conseguiu realizar seu antigo sonho,

o sonho de ver passar, na mesma calçada aquela figura que um

dia lhe roubou alma.

Agora, depois que o mar avançou e cobriu a calçada, o homem

continua a olhar, do mesmo ponto, o mesmo mar, da mesma

cidade, onde não existe mais calçada nem transeuntes, apenas

existe o mar e uma dor que não serena.

Antologia Poética

152

Ao pé da luz discreta e arquejante

afino o pinho dos lamentos, em dores

relembrando a canção do eterno amante

Sobre a noite inimiga da memória

que escreve destinos sempre errante

Em versos sem rima sem doçura

que não cura a angústia cruciante.

Antologia Poética

153

Com uma língua de fogo,

consumisses a Minh’ alma fria, congelada,

que agora corre para o infinito abismo

onde jaz a mais alta esperança de um mortal.

Antes era só o grande mar do descontente

sempre escuro, mas esperançoso, delinquente

prisioneiro do mais aprazível ócio,

eis que agora é sombra intermitente.

Antologia Poética

154

Não tenho certeza

Quando penso duvido

quando quero desisto

se espero me canso

se alcanço persisto.

Na fuga me perco

na chegada há conflito

não importa distância

só constância do mito.

Estou sempre partindo

quando quero ficar

a palavra confunde

ando a tropeçar.

Na certeza e na dúvida

há um mesmo caminho

a imagem que mente

é ressaca de vinho.

Na estrada há destino

que não quero trilhar

escolhi ficar perto

da miragem do mar.

Se a rima conflita

Antologia Poética

155

deixo o verso para trás

como um amor proibido

sobre a pedra do cais.

Antologia Poética

156

Ouvi um assovio, era o vento

dizendo para o tempo que estava atrasado

o tempo parou para escutar

seu lamento... Disse o vento para tempo,

Estou correndo demais,

e voltando sempre aos mesmos lugares.

O tempo porém respondeu, não corra

ande mais lento, assim poderás

observar a paisagem, quem sabe

até se refrescar no rio

depois meu amigo, que importância

tem a tua correria, se sou eu quem determino

se haverá ou não chegada?

Antologia Poética

157

Amor imperfeito, humano

O amor é perfeito na medida e no querer

é sereno na vontade e no desejo de esperar

na esperança acredita e não se cansa

numa eterna conquista canta e dança

um infinito sentir, uma febre incomum, um delirar.

Amor que às vezes entende e ignora, vez por hora

se perde e quer deixar, sem calma se lança no abismo

o que era sonho se esqueceu de acordar

o amor, aos que sofrem é um conforto,

com o seu modo incomum de perdoar.

Este amor de quem falo é humano

que o tempo em divino quer forjar

em eternas virtudes as suas faltas

já ouvimos dizer por entre os montes

que os que amam também podem matar.

Antologia Poética

158

Do que é feito a poesia

de sangue e suor

de lágrima e fantasia

de morte e nascimento

de noite e madrugada

de sol e alegria

de canto e desencanto

num cântaro de agonia.

Antologia Poética

159

Desassossego, desassossego

de esperança em esperança

como criança se vence o medo

viver é esta coisa que nos assusta

e nos diverte. Viver é tudo que

devemos fazer, mesmo com medo

nunca devemos perder a esperança.

Antologia Poética

160

O amor é simples e discreto

generoso e complicado

falta lógica no seu preço

uma dedicação de alma

em troca de um sorriso

de um sim interessado

uma vida toda sem culpa

sem prejuízo, é o amor

toda esta busca do homem

para encontrar o paraíso.

Antologia Poética

161

Quem pode agradar uma mulher?

É fácil agradar a um homem

basta dizer-lhe uma boa mentira

já com a mulher é diferente

quando chora nos confunde

quando sorri não sabemos se contente.

Se no amor se mostra fria ou distraída

pode ser que lhe falte o bem ausente

se contarmos-lhe uma história incomum

geralmente se disfarça e diz que aceita

mas no fundo é uma alma descontente.

Antologia Poética

162

Alma cósmica, a poesia

A alma da poesia é cósmica

da mesma essência ela se faz

encontramos nos versos de Pessoa

e em Rimbaud uma lógica tenaz

Em Drummond a rima não varia

o sarcasmo de Quintana é igual

bom poeta se encontra num caminho

como as águas do mar fazendo o sal.

O problema da existência vira prosa

alguns vícios abismos tão iguais

este louco que rir de todo mundo

vagabundo, um cão entre os mortais.

Antologia Poética

163

O pedreiro e o poeta

De tijolo em tijolo faz-se a casa

o pedreiro e o poeta são iguais

da ilusão de um mundo sem barreiras

edificam a morada dos mortais.

Construindo do abstrato e do concreto

mundo reto, um abrigo aos temporais.

Se o vento vier sobre os destroços

de ideias efêmeras sobre o pó

nada sobra que o tempo não revire

e a obra do poeta vive só.

Antologia Poética

164

Há coisas que se completam

que juntas formam uma harmonia infinita:

o velho e o novo, a força e a sutileza

o bem o e mal no homem

o belo e o feio, num transmutar

que torna necessário à natureza.

a poesia que pensa o universo

a filosofia que não sabe fazer verso

são, juntas a base da existência

caminhos que devem se cruzar

em algum ponto alto da consciência.

Antologia Poética

165

Doce proibido

Eu nada sei de amor e paixão

Nunca amei... Nunca me apaixonei

Penso que um amor interessante

Uma paixão perfeita, seria como

Um bolo de chocolate

Infinitamente doce e mortal

Para um diabético

Um eterno desejo proibido.

Antologia Poética

166

A trilha obscura

Segue o verso e o teu destino

Não importa saída só chegada

Um perfeito caminho é desatino

Como flecha lançada no escuro

Tu despertas a lua e tua amada.

Ela dorme em sonhos nebulosos

Só um verso primoroso acordaria

Uma ninfa ignara dos prazeres

Separada dos vícios dos mortais

Mutilada por uma tirania.

Não é santa de crença não nasceu

Não comunga da carne o gosto vil

É um anjo errante pelo éter

Supra-luz que das trevas emergiu.

Antologia Poética

167

Quimera

"Viver é sofrer!"

É uma gota de sangue

É uma lágrima no olhar

É uma dor infinita

É suar do rosto

É um lamento

É um desgosto.

O que o viver?

É o inverso da vida

Não será um morrer?

É um estado sublime

Sem razão sem querer

É a paz almejada

É um eterno buscar

É um silêncio sonoro

É descanso no mar.

O que o desejo?

Quem deseja reprime

Liberdade veraz

O ser livre de fato

É viver sem pensar

Antologia Poética

168

É descer da montanha

Para o rio encontrar.

O que é o pensar?

O pensar nos liberta

Do presente real

Sem começo e sem fim

De um triste final

Para nos encarcerar

No futuro ideal.

Antologia Poética

169

Uma Prosa

Uma prosa, um verso amargo

meu café sem açúcar,

meu vagar noite a dentro

minha visão tão curta.

Meu caminho de pedra

minha alma em assalto

um suspiro na curva

uma luva um retrato.

Meu correr sem destino

o meu tempo perdido

meu cantar sem toada

sem você desafino.

Vida breve não passa

sou o frio no escuro

perdido vagando

do outro lado do muro.

Esperança é de neve

à distancia é fatal

minha água turvou-se

estou à sombra do mal.

Antologia Poética

170

Noite alta de sombras

vultos rondam no ar

acordei só cansaço

tempestade no mar.

Uma prosa com rima

minha vida atual

mas vivo a poesia

minha água com sal.

Antologia Poética

171

Delírio

Na angústia da noite te sinto ao meu lado,

A procurar-me com tua boca circunspeta.

Com uma fadiga ativa surpreende-me e me cativa

Não fujo do teu assédio, nem do teu aceno.

Teu olhar sinuoso fere-me como uma seta

Não sei sair do alcance do teu perfume

Nem me esquivar do teu veneno

Embora seja sonho, ou ilusão consciente

Eu me entrego ao teu capricho

E me curvo aos delírios da minha mente

Fujo do meu mundo, embrenho-me no teu nicho.

Nas garras vorazes do teu desejo eu fico impávido

E como se veraz fosse esse delírio, gozo acordado.

Antologia Poética

172

Trair-te,

Trair-te, não seria nada fácil,

Pois teu espírito anda ao meu lado

Trair-te, seria para mim um tanto complicado,

Um ato repugnante, cuspir no prato das delícias,

Das tuas virtudes, onde me fartei do teu sangue,

Que me garantiu vida e saúde.

Trair-te, não será para mim possível,

Entre nós não há divisão de alma ou de espaço

Não vivo sem o alcance da tua mão

Sem a proteção dos teus braços.

Trair-te, seria suicídio consciente,

Não se mata o corpo se a alma está ausente.

Trair-te, não será ação para um homem

Que se tornou um deus depois que o adoraste

Trair-te, coisa atroz que só pode ser praticada

Por um covarde, que não tenha conhecido

Tua alma clara e veraz.

Trair-te, não pode ter razão nem direito à vida

Quem em sã consciência fosse capaz.

Trair-te, eu não poderia, se é na tua lealdade

Que consigo ver motivação para minha insignificante vida.

Trair-te, é para mim algo improvável;

Pois é em tua alma que encontro frescor e ar respirável.

Trair-te, como poderia enterrar um filho vivo,

E uma mãe lactante?

Ou separar a lua dos poetas e dos amantes?

Antologia Poética

173

Trair-te, melhor parar com este funesto poema

Já está me faltando oxigênio para continuar,

Apenas com esta conjectura...

Antologia Poética

174

Minha amada dorme

É noite, e perto de mim dorme a minha amada.

Eu, à distância de mil pensamentos tento ouvir se ressonar.

Será que ela sonha?

Será que quando acordar se lembrará que vivo estou?

A minha amada tem os olhos azuis da cor da saudade

Suas mãos são finas, macias como lã de algodão.

Ela tem um corpo esculpido no mármore da perfeição.

Minha amada, quando sorrir ilumina a noite da minha solidão.

Mas, a minha amada dorme, minha amada não sabe que morro

aqui,

Acordado, tentando dormir também para lhe encontrar.

Oh se ela pudesse me ouvir, oh se ela pudesse vir aqui.

Minha amada não respira o mesmo ar daqui

Onde estou não posso chegar até ela, a não ser em pensamento.

Nossa cama parece um imenso oceano, e eu só tenho as mãos

para lhe abraçar.

Tudo que eu queria nessa vida era que ela pudesse ouvir meus

pensamentos

Para que ela soubesse o quanto a desejo,

Oh, quem dera que ela um dia desses me acordasse com um

beijo.

Mas minha amada dorme, enquanto eu escrevo e a vejo.

Antologia Poética

175

Ao meu amor indescritível

Cogitei te fazer um poema novo

E de novo atingir a perfeição,

Ascendi ao ponto alto, nas estrelas,

Para vê-la sobre a luz do coração.

És perfeita e constante ao meu prazer,

Como o sol que não perde a posição

Tua vida, teu amor, o que respiras,

Doaste-me sem nenhuma restrição.

Iranete é teu nome fidedigno,

A quem amo,

Como o máximo da minha imperfeição.

Resolvi como os homens neste dia,

Te fazer uma homenagem de doação,

Para ti, que durante toda vida

Tua vida colocaste em minha mão.

Perdoe-me a fraca poesia

Pois mereces muito mais erudição.

Há quem diga que o amor é coisa simples

Que de fato, quem escuta é o coração.

Só espero que não haja divergência,

Antologia Poética

176

Que tua alma esteja pronta ao perdão.

Que desculpe a minha intransigência

E a rudeza que por vezes, sem pensar,

Te jogo em vão.

Teu espírito é profundo e generoso,

O bastante pra não ver o meus erros

E defeitos sem perdão.

Antologia Poética

177

“Se arriscar nas grandes conquistas, em busca de fama e de

glória, seguindo o próprio instinto, correndo risco proporcional

aos desejos de conquista, é muito mais interessante e salutar do

que não lutar, assim como fazem os fracassados por natureza,

que não se arriscam, mas também não gozam as vitórias

alcançadas nem sofrem os revés das derrotas experimentadas.”

Antologia Poética

178

A vida pode ter seus altos e baixos, isto é natural, mas quando

se atinge a maturidade recíproca de um verdadeiro amor, tudo

permanece inalterável, a cumplicidade generosa e o respeito

mútuo, fruto da doação diária sustenta qualquer tempestade

física. Tudo pode mudar, contudo, a lealdade de duas almas

irmãs, no riso e no pranto, não se abala, a ponto de se perderem

uma da outra, neste labirinto que é a existência humana.

Antologia Poética

179

O campo dos sonhos

Lá, para onde caminhamos juntos e de mãos dadas não existe

inverno nem verão, só uma estação perene, uma eterna

primavera. Um campo de flores encantadas de fragrância

incomparável, que inebria. Imersos nele, os nossos sentidos se

aguçam, e paz nos alivia como criança a receber presente, na

expectativa gloriosa da chegada, nós pulamos e cantamos de

alegria.

Antologia Poética

180

Desejei mergulhar no teu olhar,

mas hesitei, não tive certeza

quanto a que substancia encontraria,

se água, lágrima ou pedras de indiferença.

Antologia Poética

181

O bom escritor, o que realmente se faz necessário ao nosso

crescimento intelectual e espiritual, é aquele que fala com a

parte secreta da sua alma, aquele que consegue chegar aonde

jamais ousamos admitir interferência exterior.

Antologia Poética

182

Os homens atuais necessitam imediatamente de inspiração, um

pouco de Quixotismo pode ser a saída, da apatia para um estado

de êxtase, onde os sonhos se realizam pela vontade do

sonhador.

Antologia Poética

183

Habita perpetuamente em mim uma revolta visceral,

concernente ao descaso do homem pelo homem. Não há

nenhuma preocupação em preservar sua própria espécie.

Antologia Poética

184

Sobre os Livros "Caim de Saramago e Memórias de Minhas

Putas Tristes" de Gabriel García Márquez.... Gênios também

fazem caca.

Antologia Poética

185

Encontramo-nos diante de uma coisa pavorosa, esta coisa nos

mete medo por se tratar de algo inédito, imprevisto. Esta coisa

é como um abismo, pode ser um rio caudaloso ou um mar

insondável que temos que transpor - um problema tem esta

mesma natureza, diante dele, como um entrave, só nos resta

uma saída. Apenas enfrentando-o seremos capazes de nos

livrar, um mal superado é um mal esquecido, um fantasma

dominado, um abismo em nossas costas, para o qual podemos

olhar aliviado.

Antologia Poética

186

Os estúpidos geralmente têm uma posição formada sobre tudo,

esta sempre reside entre dois hemisférios, bem e mal, feio e

bonito, largo e estreito, errado e direito, vermelho e azul. São

reunidos em dois rebanhos.

Antologia Poética

187

A literatura, como forma de educar deve ser capaz de

transformar mentalidades, e forjar algo novo e melhor para toda

a humanidade, não apenas formar intelectuais estéreis e

insensíveis.

As afinidades se desenvolvem com a convivência, no princípio

basta empatia. Ser humano é nossa maior virtude, no final

nossos gostos são todos iguais, só diferem na intensidade.

Antologia Poética

188

O homem primeiro é defraudado pela família, depois pelos

amigos, por últimos pelos estranhos, cabe aos poucos que

desenvolveram algum grau de inteligência buscar o exílio, a

solidão social, se pretendem produzir algo novo, autêntico e

original. A solidão para quem cria, sobretudo a arte, é apenas

escolha e não consequência.

Antologia Poética

189

Existem aqueles que gostam de dizer que amam a poesia, mas

nas suas vidas não têm nada de poesia, mesmo alguns que se

atrevem a escrevê-la, nada sabem de real sobre a poesia. O que

determina se há poesia em algum lugar é a maneira como se

encara a vida, poesia não busca ter poder nem fama, poesia se

produz com abnegada retidão de caráter, sobre os temas

comuns dos homens, poesia não procura dominar nem ser

conhecida, sobretudo dos que a ignora, sem este afastamento do

mundo e das pessoas ambiciosas e fúteis a poesia não existiria.

Antologia Poética

190

Amo a solidão, a solidão interior, e mesmo assim ela não é

princípio, mas um elemento vital à criação artística, que requer

distanciamento do mundo comum e barulhento dos homens

indoutos. Contudo, a minha solidão, a solidão que de fato

aprecio, me faz feliz sem qualquer disposição ou chaga

romântica ou sentimental, é na verdade um "vício virtuoso",

uma necessidade natural como ar para os pulmões, ou água

para o peixe.

Antologia Poética

191

O mundo precisa de muito mais, de amizade, lealdade, e de

tolerância, mas nós só compreendemos até agora, que a paz se

alcança por meio de guerras, e a justiça pela força, também que

precisamos ser iguais ou melhor que os outros.

Só seremos felizes quando aceitarmos o que a natureza nos

ensina sem custo, que os seres vivos são todos da mesma

importância para manutenção e preservação da vida, cada um

com sua peculiaridade, mas todos imprescindíveis ao equilíbrio

evolutivo de todas as espécies!

Quantos aos homens são todos distintos, em dons e talentos, em

habilidades e beleza, em força e sutileza, contudo, da mesma

essência divina: Humanos.

Antologia Poética

192

Soneto do amor improvável

Quando menos se esperava fez-se o riso

do silêncio e da inércia aplauso e canto

e da boca outrora muda em desencanto

um aceno e um convite ao paraíso.

Quem vivia há tempo em desespero

tendo olhos marejados de suplício

castigado com a dor do amor efêmero

incontente, amargurado, entregue ao vício.

Improvável, não mais que improvável

Fez-se alegre e doce, amigo e confidente

de solitário e esquecido, agora amável.

A esperança renasceu sem medo

da insegurança se revelou o segredo

que do amor se espera o improvável.

Antologia Poética

193

Mulheres!

Mulheres, Imprescindíveis!

para o amor e para a criação

no abraço e na chegada

na poesia e na canção.

Mulheres, mães companheiras

abrigo, sustento e pão

conselheiras da virtude

mágica da multiplicação.

Mulheres, quem inventaria

algo tão superior?

... Fonte de inspiração

desejo, sonhos de amor!

Antologia Poética

194

A improvável Sombra

No desassossego noturno

ele procurava por imagens

às vezes chegava a encontrar

como sombra, como fumo

entrando e saindo da tabacaria.

Voltava a dormir, não raro sonhava

com a musa que o inspirou

o livro do desassossego

todavia, quase sempre

acordava urinado de melancolia

e sobre a sua cama um poema

desenhado em forma de morcego.

Antologia Poética

195

Haveremos de nos tornar aquilo que buscamos ser diariamente,

e para que isto aconteça de forma segura, se faz necessária a

publicação de uma errata regularmente, caso contrário, não

concluiremos nossa tese natural, aperfeiçoada pela autocrítica.

Corrija seus erros, mas faça você mesmo, sem se preocupar se

errará outra vez. Viver deve ser corretamente, sempre uma

sequência de erros e acertos.

Antologia Poética

196

Arco-íris de ilusão

A musa sempre volta

quando menos se espera

lá está ela atrás da porta.

Então alma do poeta vibra

como cordas de alaúde

que outrora vivera inútil

desafinado, jogado ao pé

de alguma coisa morta.

O mundo se transforma

ao enfermo terminal

volta-lhe o espírito

com um pincel na mão

para pintar um arco-íris.

mesmo que seja de ilusão.

Antologia Poética

197

Mesmo aos mestres da palavra

uma cautela, pois o verbo vez por outra

nos inflama, sendo a língua um espírito

indomável, é provável que te lance em desespero

e que te jogue sobre a face pedra e lama.

Antologia Poética

198

Todas as formas de luta dos homens consistem em buscar o

prazer, que advém do poder injusto sobre outros iguais. Quando

superarmos todos medos, especialmente o medo da tirania,

aquela que habita na mente e no coração dos fracos, saberemos

que a morte não nos amedrontam mais. Só assim

encontraremos a segurança e a paz que outrora buscávamos

sem compreender sua origem e essência.

Antologia Poética

199

Poetas deviam ser como pássaros

Poetas deviam ser como pássaros

viajantes e ociosos, que planam em correntes

de ar quente, poupando ao máximo suas energias.

Não raro são, ao contrário, puxadores do mundo

escravos que se curvam ao poder do vil metal

muitos são escrachados pela insensibilidade urbana.

Antologia Poética

200

A arte é este encanto

Existe um apego sobre humano,

de minha parte ao que é belo,

e, ao produzir algo imperfeito

me deleito, neste projeto,

de tal maneira que me pareça

algo singelo...

A arte é este encanto

que muitos chamam de desencanto

e o artista verte em pranto.

Antologia Poética

201

Miniconto

"Deixou um barco partir, depois outro, até que todos os barcos

se foram. Adormeceu frente ao mar, de manhã, quando o sol

esquentou a praia, a maré trouxe-lhe uma rosa, a rosa era roxa,

a mesma rosa que havia oferecido branca e perfumada."

Antologia Poética

202

Uma prosa

Enquanto o rio corre

o mar escorre,

ninguém socorre

é tudo amar.

Antologia Poética

203

À espera de outro dia.

A vida é única

e de sonhos em sonhos

se faz a esperança

olhando o rio a passar

um pouco à tarde

trêmulos ficamos à sua margem

à espera de outro dia.

Antologia Poética

204

Sou amante do belo

Sou amante do belo

como artista não fujo

deste sonho singelo.

A beleza é simples

arrebata um mortal

são os deuses que querem

ser humanos, um ideal.

Antologia Poética

205

Um sonho perdido

A sensação de perda de tempo é suportável. Mesmo sendo fato

que o relógio não pode esperar por nós, todavia, Há uma perda

irreparável que nenhum mortal pode reverter, é como quando se

tem nas mãos um pássaro colorido e raro, que vem como que

por encantamento ao nosso encontro, nos acostumamos com

sua beleza e canto, e o apertamos tanto em nosso processo de

possuir que ele foge, então ao amanhecer, quando a natureza

desperta os racionais, você procura o belo pássaro, a cotovia

encantada, e ela não canta, não vive mais. Todo poema é

confissão.

Antologia Poética

206

Arte estética

Arte só tem compromisso

com o belo estético

a poesia seria doce, mesmo

que poeta fosse diabético.

Antologia Poética

207

Universos possíveis

Raciocínio de um ponto singelo,

as realidades existem

no imaginável... Escolhemos

a que nos agrada, entre milhões

de universos paralelos, são os afetos

que nos prendem ao viver concreto.

Assim como os poemas, os amores

são todos possíveis, dentro da expectativa

humana de apreciar o belo... Depois da poesia

tudo que se deseja é factível.

O pensamento faz a ponte entre

o que somos e o que queremos ser

aos céticos toda realidade é quântica

o poeta é um esquizofrênico consciente.

Antologia Poética

208

A existência é um grande rio

A existência é um grande rio

ou um imenso mar,

e os sonhos são barcos

que navegam ora para o sul

ora para o norte,

sem contar com a sorte

são lançados mar adentro

ou rio afora...

Antologia Poética

209

A luz que nos guia é falível

Vai, segue o teu caminho em paz

cada um escolhe em que direção deve andar,

a esperança é o que move o homem.

Todos buscam algo além do horizonte

o sol nasce para todos, despertando-nos

criando uma expectativa gloriosa.

Em qualquer direção que caminharmos

encontraremos impreterivelmente à noite

aí percebemos que a terra é esférica.

A luz que nos guia é falível, como os nossos olhos

vemos o que desejamos, antes de pegar a estrada

contudo, nossa esperança sempre renasce a cada dia.

Antologia Poética

210

Um homem que dançava

Um homem que dançava em praça pública

foi preso por alguém que não podia ouvir

a canção que embalava os seus sonhos,

era um bailarino que dançava sobre uma corda

que fazia ponte entre o abismo e paraíso.

Antologia Poética

211

Temos sempre duas vidas

Temos sempre duas vidas

uma certa outra perdida

uma que pensa outra que faz

contudo, no fim da conta

somos cotas divididas

na chegada ou na partida

pelo mar sem rumo e paz.

Antologia Poética

212

Obstinado

Nos meus dias mais difíceis

Quando me assalta uma angústia

Infernal, irrepreensivelmente

Tenho à mão um livro meu como remédio

Basta abri-lo e na primeira expressão lida

Sinto a brisa refrescante da liberdade

O mundo não vale uma lágrima

Nem os homens um dia de preocupação

Assim retorno ao mundo dos obstinados

E o sorriso da esfinge me atrai

Então o verme vira um deus

Que se eterniza na prosa ácida

No abismo desejado onde mora

Eu e a aminha bendita presunção

À poesia.

Antologia Poética

213

"Balada na prisão"

Havia um grande gênio, um poeta

que vivia deslumbrando na orgia

acreditava saber tudo sobre o amor

e de festas e banquetes com a nobreza

da beleza universal pintava a musa

e da arte o seu o deus e redentor.

Desprezava as dores dos humildes

não sabia da existência de uma flor

recebia elogios de alguns sábios

era dono de um intelecto promissor

tinha muitos poderosos aos seus pés

nem sonhava ser um dia perdedor

A justiça lhe sorria à revelia

seu pedido de suborno era favor

mas a culpa que carrega todo homem

certo dia pela carne o condenou

os amores e amigos se afastaram

muito cedo, nem visita ele ganhou.

Conheceu na prisão a vilania

do sistema que ajudou a construir

do requinte, da riqueza do seu terno,

ao inferno sem roupa para se cobrir

Antologia Poética

214

se entregou à compaixão de um irmão

na desgraça aprendeu a dividir.

Antologia Poética

215

Amo-te, que mais poderia dizer?

Tive um impulso lírico de fazer-te um poema

mas tudo que foi possível a um mortal eu já te disse

palavras de tantos sentidos, e tantos aromas, amor,

este é nosso limite, amar nossa possessão divina.

Amo-te, que mais poderia dizer?

Antologia Poética

216

Amor sem limite

Ela é a expressão maior dos meus sentimentos

tudo que faço se resume no objetivo de vê-la feliz.

Quando se percebe um verdadeiro amor

tudo se torna possível, uma só carne

um só destino, um caminho calmo

de flores e espinho.

Este amor só é verdadeiro porque é recíproco

duas almas raramente conseguem este feito

amar sem limites terrenos, sem remorso ou preconceito.

a isto se chama amor, amor singular, amor perfeito.

Antologia Poética

217

Caminhamos torto

Assim pensando reto

caminhamos torto

o vento que move a palha

é o mesmo mar que banha o porto

O homem é pluma sem destino

o tempo é a força que empurra

um barco que carrega um peso morto

Antologia Poética

218

Não tenho certeza

Quando penso duvido

quando quero desisto

se espero me canso

se alcanço persisto.

Na fuga me perco

na chegada há conflito

não importa distância

só constância do mito.

Estou sempre partindo

quando quero ficar

a palavra confunde

ando a tropeçar.

Na certeza e na dúvida

há um mesmo caminho

a imagem que mente

é ressaca de vinho.

Antologia Poética

219

Sem tempo e espaço

O tempo e o espaço que tenho

na vida me forçam a correr

distante de algumas contendas

dos homens e de um falso querer.

Abraço os que não têm amigos

espero o melhor dos que têm

mas falta a franqueza dos justos

não buscam a recíproca do bem.

Eu quero encontrar um sorriso

sem lástima e sem condição

que seja infalível a doçura

conquista de um bom coração.

Antologia Poética

220

O filosofo é um paroleiro

O filósofo é um paroleiro

vive lutando consigo

dizendo que nada sabe

que o tolo é seu amigo.

De balelas em balelas

não convence a ninguém

finge que sabe a verdade

que o poeta finge bem.

Sendo ele enganador

ainda procura a paz

já se encontrou com a dor

mas é um bobo sagaz.

Antologia Poética

221

Sobre minha janela

Sobre minha janela

passam toda sorte de sonhos

minha visão turva

logo perde o foco

e a cor dos sonhos

como pássaros azulados

se misturam com

o cinza do infinito

Antologia Poética

222

Na cabeça um vazio

Na cabeça um vazio

Uma falta de atividade

Ninguém entra

Ninguém sai.

A casa arrumada

A cama feita

A mesa posta

Na rua um silêncio fúnebre

A janela dorme aberta

Não há medo

Uma paz tediante

Diante de mim

Apenas livros a escrever

Vidas a terminar.

Antologia Poética

223

No infinito o verbo perde a hora.

Talvez tudo já tenha sido dito

nas relações dos homens até agora

talvez saibamos tudo o que é preciso

que no infinito o verbo perde a hora.

Palavras ditas não foram capazes

de concluir uma discussão

se o amor existe falta atitude

nem toda virtude sai do coração.

Antologia Poética

224

O tempo sabe tudo

O tempo vigia constante

se posta à espreita da vida

com garras de aços nos fere

causando-nos no peito a ferida.

A ponte que ora se quebra

não deixa o cortejo avançar

e sangue na terra semear

um corpo que não pode andar.

O tempo é senhor do destino

e ninguém pode voltar atrás

na busca se perde o menino

no fundo são coisas iguais.

Antologia Poética

225

Há no cerne da alma uma ideia

Há no cerne da alma uma ideia

que o humano vez por outra contempla

a consciência de que não morrerá

No entanto este sono longo e sereno

que chamamos de eternidade

pode ser a resposta concreta

aos que buscam a serenidade.

Antologia Poética

226

Percebi uma particularidade nas pessoas que riem muito

Percebi uma particularidade nas pessoas que riem muito e que

nunca ficam carrancudas, que levam a vida sempre na

esportiva, estes que vivem desta forma sem guardar rancores,

demonstram que apreciam mais que os outros a experiência

única que têm para usufruir a vida em plenitude... Em suma,

estes são como crianças em um belo parque, e querem

aproveitar cada minuto de um bonito dia de sol.

Antologia Poética

227

De rima em rima faz-se a vida

De passo em passo, passo avante

confiante na manhã de um girassol

do passado me esqueço num instante

em que a luz que espero é o sol.

De grão em grão se faz o milho

e o pássaro errante come o pó

a serpente caminha sobre o trilho

e o peixe é mais rápido que o anzol.

Na boca do mundo morre o homem

na saliva de um beijo da maré

afogando-se na ânsia de um desejo

pela estrada da vida anda a pé.

Antologia Poética

228

Insônia de um sonho

Na fadiga da noite eu procuro

Um espaço de folga sem pensar

Mas a luta diária me sufoca

E à noite não posso descansar.

Tento dormir, me vem o sonho

É um sonho difícil de acordar

Numa luta travada no silêncio

Sempre quero o mundo carregar.

Mas as dores do homem não têm cura

Nem um deus pôde delas se livrar

Mais um pobre, sou eu, igual destino

Neste mar de ilusão a navegar.

Quem pode viver livre de insônia

Sendo humano, no mar a se afogar?

Caminhamos para o meio de um abismo

Que humano virá para nos salvar.

Antologia Poética

229

Quem pode agradar uma mulher?

É fácil agradar a um homem

basta dizer-lhe uma boa mentira

já com a mulher é diferente

quando chora nos confunde

quando sorri não sabemos se contente.

Se no amor se mostra fria ou distraída

pode ser que lhe falte o bem ausente

se contarmos-lhe uma história incomum

geralmente se disfarça e diz que aceita

mas no fundo é uma alma descontente.

Antologia Poética

230

Quase despedida

Num quase vida, um quase nada

perpetuou um quase homem,

no quase tudo, um quase deus

assim criou, quase menino

quase destino, quase pintou

assim, o quase eu se aprontou

num quase ir, num quase vir

num quase amor, num quase fim,

num quase flor, quase jardim...

Em quase tudo, o amor se ilude

no quase vida, no quase morte

no quase eu fui, então fiquei

no quase não, no quase sim

no quase bom, quase ruim

o quase homem, quase mulher,

quase querer, quase sofrer,

um quase viver, um quase desistir.

Num quase dor, o quase amor

quase ferir, apenas cor

de um dissabor, num despedir.

Antologia Poética

231

Para se entender a vida

Para se entender a vida

não é necessário virar monge

nem dominar todos saberes do mundo

basta uma tarde a observar um rio

ou alguns minutos o riso das crianças

Antologia Poética

232

Na solidão ilusória

Na solidão ilusória do saber universal

o homem deita sobre livros

a luz se apaga, os olhos cansam

e ele acorda mais confuso

é um fuso de enrolar retóricas.

Antologia Poética

233

“Há esperança, não para nós” Kafka

Se tem objetivo o caos

qual seria?... O crescimento

não pode ser pré-determinado

ele se dá conforme for alimentado.

Aí começamos a pensar grande

No efeito humano sobre o universo

Coisa vã, empenho tolo

Partículas de pó que ora viram bolhas

A espocar no ar debilmente.

Estamos dentro deste evento

Deste assombro, a nos espantar

Com a contagem do tempo

Para onde vai o homem

Dentro deste carrossel de impedimento?

Se a esperança é palavra construída

Pelo desejo de viver eternamente

Não seremos nós observadores

a verificar para onde irá o vento?

Antologia Poética

234

Para chorar ou para rir

Não consigo fazer poesia sorrindo

também chorando não devo

mas não tenho motivo para sorrir

todavia, motivos para chorar

tenho bastante.

Aos que leem e não entendem

o meu lamento, sinto muito

pois não tenho intenção

de fazer sofrer quem me escuta

nesta vida, embora curta há razão

há razão para os que choram

como há para quem rir

mas a mim, não desejo ser

perfeito, com direito

de fingir ou de mentir.

Se consigo escrever faço com medo

de dizer coisas que possam até ferir

sei que existe gente boa, um segredo

no presente não espero confundir

mas meu verso, no geral é quase triste

vai que existe uma razão para tanto mal

se a minha poesia assim resiste

não direi o porquê, nem o ideal.

Antologia Poética

235

O amor é perfeito, desumano.

Desejamos o amor,

o amor impossível

amor que jamais veremos

o amor é perfeito, desumano

queremos a perfeição

algo divino, ou inumano

porque nunca a teremos.

Antologia Poética

236

Um esquecer permanente

Um dia no paraíso seria suficiente

encontrando o amor de alma

ou razão pra ser contente.

A memória é muita curta

e o esquecer permanente

se deixa o viver passado

para ser feliz no presente.

A liberdade é sagrada

mas no afã de ver o vento

num bailar em corda bamba

se perde a rima a contento.

Antologia Poética

237

Paraíso Perdido

Proust escreveu Em busca do Mundo Perdido,

e assim criou uma obra inalcançável

o gênio do ciúme, a tese inigualável.

Todos nós temos o mundo deixado em algum

canto da memória ou da carne

outros um carinho esquecido, uma dor silenciosa.

O paraíso de Milton ou de Adão

buscamos o impossível, a perfeição

o improvável nos ilude, com isso crescemos

atrás da auto superação.

Antologia Poética

238

A noite Cai

A tarde fatídica se apronta para partir,

mas a rua continua clara,

parece que daqui de dentro,

de onde estou a olhar a vida passar,

não consigo ver o que se aproxima,

o que trará a noite em suas mãos sombrias

para meu desgosto se tornar maior que o dia que se vai?

Nasci do desfavor de Deus e dos homens,

me encontro na prisão comum aos miseráveis

aos filhos que não conheceram seus pais,

nem mãe tive para me acalentar quando ainda criança,

perdi tudo ao nascer, nasci por acaso, sem esperança.

A noite Cai

Eu estou a olhar a rua,

pessoas passam sem me notar

à janela, eu não me atrevo a chamar alguém

mas quem daria atenção a um desocupado?

Quem se importaria com a minha vida inútil?

A noite Cai

Todos passam apressados,

nem mesmo irmãos se cumprimentam,

Antologia Poética

239

da janela, olhando o mundo, eu só vejo cinzas

cinzas de uma humanidade desumana

mas eu sou parte dessa desumanidade

no meu mundo egoísta, não quero ser visto

escolhi viver à margem da espécie a que pertenço

A noite Cai

E eu continuo a esperar o amanhã

o dia de ontem foi muito triste, enfadonho

pensei em ir ao mar, quem sabe falar com um pescador

talvez mate minha sede de viver um dia por inteiro

talvez me embriague com a alegria dos inocentes

mas o mar fica muito longe de onde eu vivo agora

soube que talvez levo uma eternidade para lá chegar

de qualquer modo eu tenho muito medo do mar

nunca aprendi a nadar nem a andar de barco

meus braços não são braços de mar

nasci para andar no chão, preso em alguma corrente

como um cão doente e raivoso

posso morder quem me sorrir distraído.

Antologia Poética

240

Alma cósmica

A alma da poesia é cósmica

da mesma essência ela se faz

encontramos nos versos de Pessoa

e em Rimbaud a mesma lógica tenaz

Em Drummond a rima não varia

o sarcasmo de Quintana me é igual

bons poetas se encontram num caminho

como as águas do mar fazendo o sal.

O problema da existência vira prosa

alguns vícios abismos tão iguais

este louco que rir de todo mundo

vagabundo, um cão entre os mortais.

Antologia Poética

241

Uma dor comum ao poeta

Vez por outra visita-me uma dor,

uma dor que não é comum a outro homem

não lamento a perda da alegria

nem a falta de razão que me consume.

Uma dor que me tirou a inocência

sem essência faço verso não rimado

que levou-me por caminho bem mais triste

foi-se embora o sorriso embriagado.

... É graças a esta dor que a poesia existe..

Antologia Poética

242

Mundo concreto

Neste mundo concreto não há sonho

Nem lugar para o amor nem poesia

Construtores fazem ponte sobre o rio

E quem fica do outro lado a alma esfria.

Na labuta diária temos preço

Vale mais quem aprende a barganhar

Dá-se a vida por um pouco de sossego

Sem apreço pela paz que está no mar.

Na disputa vence o forte que tem medo

De sorrir, sem fingir para conquistar.

Antologia Poética

243

Universos extintos

Num mundo civilizado,

poderemos discordar com segurança

todavia não devemos nos portar como criança

discordar por discordar sem o crivo da fiança.

Se cada um tem seu mundo

construído de papel, ora molha

ora se quebra, num vai e vem de cordel.

Somos todos experiências apanhadas pelo chão

pedaço de vida móvel que se perde em discussão

ora cai ora levanta nossa visão tão minguada

como sombra vista ao sol, como pó sobre a calçada.

Somos universos extintos como maré que se vai

O que sabemos da vida são só dúvidas dos mortais

Caminho diverso em verso criado por filho e pai

nossas dores são distintas, mas os espinhos iguais.

Antologia Poética

244

Alguém que duvida

Eu sou alguém

que duvida

duvida do mundo

duvida de todos

que na dúvida

duvida da vida.

Antologia Poética

245

Espinho da Carne

Se alguma coisa má te incomoda

Pode ser que lá se encontre de repente

Há na vida muitas pedras no caminho

Que se achegam à nossa alma sutilmente.

Não se pode remover alguns espinhos

Que aos poucos se tonaram uma coisa só

Nossas perdas e desencontros viram ninhos

Onde a alma se contenta e espera o pó.

Segue o vento não rejeite a vida em vão

Te consola em saber que não és único

Ha contigo desvalidos em multidão.

Antologia Poética

246

E que ninguém duvide

E que ninguém duvide

que tenho a poesia

no sangue e na alma

mais no sangue que na alma.

E que ninguém duvide

que EU consiga expressar

aquilo que pretendo

a poesia existe no meu sangue

mais a minha alma a segura

a segura por covardia.

E que ninguém duvide que é

Por medo de sucumbir à vaidade

aos elogios dos meus pares

de poucas almas, que me reconhecem

como irmão, no sangue e na poesia.

E que ninguém duvide

ser poeta nunca foi minha

maior obsessão.

Nasci para o anonimato

não para a glória

nem mesmo a póstuma.

Antologia Poética

247

Que ninguém duvide

não quero ter seguidores

nunca serei santo nem palhaço.

Mas se a vida me trouxe até aqui

ao panteão dos descontentes

serei eu poeta e visionário

de um futuro que o passado

me fará esquecer.

Que ninguém duvide

que eu tenho uma alma

que sangra...

e que meu sangue jorra

sobre o pó improdutivo

para que a poesia nasça.

Antologia Poética

248

O que há por trás da porta,

O que há por trás da porta, vidas,

desilusões, sonhos e desejos escondidos

esperanças ou amores perdidos.

Quem olha da rua só vê a porta

madeira bruta ou natureza morta

se a porta é fechada muitos ouvirão

pensamentos nocivos, morte, traição.

E se a porta se abrir

surge a liberdade, criança a correr

chuva e tempestade, lembranças e risos

medo de surpresa, grito de saudade.

Antologia Poética

249

Poeta escreve e chora

Poeta escreve e chora

depois ri como criança

confunde sentimentos

quando erra não sabe

a quem recorrer

sua poesia é oração

que não se ouve

a musa foge

o verso quebra

a mão se eleva

e Deus não escuta.

Antologia Poética

250

Tenho pouco para dar desta matéria

Tenho pouco para dar desta matéria

deste mundo onde impera imperfeição

tudo vale preço em ouro vil quimera

no crisol onde se queima olho e mão.

Tudo certo entre as partes, bom acordo

pedra bruta, lixo tóxico vira pão

não se escrevem mais romances nem poemas

as crianças já não pisam mais no chão.

Temos preço nesta bolsa de valores

que varia pela onda de outros mares

se chover um pouco mais na Inglaterra

nossa terra perde o sal e os seus pomares

Antologia Poética

251

Neruda, poeta revolução

Neruda, poeta revolução

de amores intensos

e sonho vão...

Por aqui Castro Alves se destaca

pela marca infantil libertação

canto lírico de escravos,

a piedade de um gênio

pela vã separação.

Carne e sangue se misturam

mesma luta, vida curta

no inverso de ilusão.

Mesmo homem, mesma sina

mesma cor, dissabores

de poeta, de irmão.

Antologia Poética

252

Pode me faltar pão e poesia

Pode me faltar pão e poesia

não necessariamente nesta ordem

que sobreviverei. Contudo se me faltar quem

se interesse em dividir o pão

e quem procure a poesia

que há entre os homens: não!

O unir-verso se desfragmentaria.

É fato que não se tem

motivos pra rir à toa

mas se pensamos bastante

a vida parece boa.

Usamos comparações

a mensurar os destinos

uns que brincam com a sorte

velhos que se parecem meninos.

somos números, estatísticas

que se misturam no caos

pra somar humanidade

num revés de bons e maus.

o belo alegra-nos tanto

Antologia Poética

253

como o feio entedia

somos filtros de papel

a mudar conforme o dia

vez por outra me distraio

a pensar melancolia

observando a tristeza

que nos vem à revelia.

Antologia Poética

254

Coisas que se completam

Há coisas que se completam

que juntas formam uma harmonia infinita:

o velho e o novo, a força e a sutileza

o bem o e mal no homem

o belo e o feio, num transmutar

que torna necessário à natureza.

a poesia que pensa o universo

a filosofia que não sabe fazer verso

são, juntas a base da existência

caminhos que devem se cruzar

em algum ponto alto da consciência.

Antologia Poética

255

Há apenas um mistério

Há apenas um mistério a descobrir

o saber qual é a causa, a consequência

de descermos quando queremos subir.

os caminhos se entrelaçam e se completam

e ninguém que se gosta anda só

somos parte de um todo em movimento

que se junta para fazer um bem maior.

neste caso não se rima com palavras

sentimentos como sombras ou mero pó

pelo som se conhece a língua pátria

toda alma quer viver à luz do sol.

Antologia Poética

256

Os versos não são nossos

Os versos não são nossos

são pássaros que voam

em outro universo

e ao poeta que sofre

que rejeita sua natureza

é permitido vez por outra

tocar nessas criaturas

de indescritível beleza.

Antologia Poética

257

Estou no cais

Estou no cais

à espera de um barco

mais o mar serena

nem barco nem sereia

apenas lodo, esquecimento

rastros e nomes apagados na areia.

Antologia Poética

258

A poesia é um tipo de comunicação

A poesia é um tipo de comunicação

que não se compreende

por pronunciação verbal,

ou se tem o sétimo sentido

para perceber a melodia

da música e a harmonia

dos sons de uma peça teatral

ou se perde a chance

de descobrir o impossível.

Antologia Poética

259

Um mundo ideal

Devagar se inventa outro mundo

não havendo guerra nem disputa

onde os homens inocentes se contentam

com a falta de amor e a vida curta.

Por aqui ninguém sonha nem deseja

É normal se viver de aparência

Numa eterna ilusão sem consciência

De que a vida é promissora e benfazeja.

Uma força desumana nos empurra

Para um vão de inercia sem cuidado

Os perigos de viver são esquecidos

Tudo em troca de prazer desmensurado.

Antologia Poética

260

Meu sonho é factível

Eu tenho sonho factível

Se é factível não é sonho

É projeto... Quem desenha sonha

Rabiscos simples de um arquiteto

O construtor planeja, realiza

e do papel faz o concreto.

Antologia Poética

261

Tudo é mar eterno, sol e maresia

Poeta é bicho presunçoso

Vive querendo explicar a vida

Há outros mais vaidosos ainda

Que tentam resumir a poesia.

A vida é longa para quem anda reto

O mundo é curto estando o céu aberto

avidamente tudo se define

então a vida encurta e o céu se estreita

os homens se perdem, a torto, à direita

não se explica a vida nem a poesia

tudo é mar eterno, sol e maresia.

O discurso é pródigo e ao- ouvido engana

o verso se quebra e a voz se inflama

tudo se resume num contraditório

vida e poesia, e um ser simplório.

Antologia Poética

262

Minha poesia

Faço uma poesia incomum

para alguns poetas contemporâneos

Emil de Castro, sobre o Cadafalso

disse que há momentos lapidares

também tradução perfeita do poeta,

que está madura a minha poesia

todavia, segundo ele, ela, a poesia

não deve ser apenas conceitual.

Me acredito mais pensador que poeta lírico

meu mundo não é empírico

me expresso, sobretudo de dentro para fora

não preciso olhar a natureza para escrever

sou esta mesma natureza, a humana

cheia de contradições e abismos.

Para quem escrevo? Para que tem ouvidos

para algo novo, não faço cócegas nos ouvidos

nem tampouco quero amenizar o que há de caos

e de subterrâneo na alma humana.

Sou o que sou e não há razão premeditada

no que faço da minha agonia existencial

meu minuto de lucidez, entrego todo ao criar

ao fazer, se por ventura distraio alguém, muito bem

mas não tenho esta intenção propriamente dita...

Antologia Poética

263

Enquanto isso

O louco fantasia, enquanto o gênio cria

e o mundo segue seu curso irreparável

e eu ainda estou aqui, enquanto a noite esfria

a lua é testemunha do meu desalento

não sofro pela vida, agora inconfortável.

Antologia Poética

264

Se queres agradar com a tua arte

Se queres agradar com a tua arte

Não te prives de usar a fantasia

A razão com inteligência e sentimento

É um fermento que anima a alma fria.

Mesmo tendo uma plateia exigente

Se fizeres tudo isso vencerá

Faz sorrir o menino e o homem triste

Sem, contudo a loucura desprezar.

Antologia Poética

265

Como serpente

O poeta,

como serpente

sofre metamorfose sazonal

de tempo em tempo

troca a pele,

uma força imensa

lhe impele

e ressurge

do barro criativo

do efêmero comum,

da vida breve

rescreve outro texto

outra vida

reinventa

outro motivo...

Antologia Poética

266

O meu querer atua

Fogo que consome a pedra

água que derrete o sal

mágoa que destrói a alma

bem que sempre vence o mal

penso muito antes de agir

para ir ao centro do querer

residir em um lugar perfeito

para nunca me arrepender.

projetando um bem suficiente

que alcance outros com a paz

um fazer capaz, edificante

construindo um mundo mais veraz.

Antologia Poética

267

Um pouco de paz

Um pouco de paz

um copo de vinho

o fim da estrada

alcançado o caminho

descalço meus os pés

me visto de linho

atrelo-me ao sono

dedilhando o pinho.

Antologia Poética

268

Tempo, sentinela perpétuo

O tempo passa

como as águas do rio

e o relógio não sai da parede

como um sentinela perpétuo

seu tic tac não cessa de avisar

que o tempo passa, não para

e como as águas do rio

nunca mais voltará.

Antologia Poética

269

No rio

Um rio que corre pro mar,

assim é com o poeta,

sempre encontra o verso,

em seu amar, UNIVERSO.

Tenho um MAR

que quer ir ao Rio

estou no rio

onde O MAR é doce

meu pôr-do-sol

agora é setembro

perto do verão

um coração

se FOSSE!

A vida é curta

o mundo extenso

o universo infinito

o mar imenso.

Falamos sem pensar

um sentimento ambíguo

buscando um irmão

se perde um amigo.

Antologia Poética

270

Poema riqueza da alma

Há um poeta entre vós,

contudo não sabes escutar

a voz que no alto declama

sussurros de um delirar.

Se escreve palavras vulgares

que juntas constroem um castelo

a vida que corre do homens

ignora um dom tão singelo.

Alguns que ouviram este canto

pararam e aprenderam a olhar

o sonho que se busca no céu

na terra se pode encontrar.

Poema riqueza da alma

que alguns desenvolvem na dor

serenam assim seus desejos

e superam o limite do amor.

Antologia Poética

271

Um rio de lágrimas

Um rio de lágrimas

Onde muitos se atrevem a entrar

A vida, como um palco sombrio

O tempo restante a contar

Sem medo se entra no cio

Querendo um assombro criar

Um drama perfeito se inventa

De água e sangue a jorrar

Do lado de fora da alma

Sem calma pulamos no

Ar... Um fôlego separa o querer

Nascer neste mundo sem par.

Na vida se estreia chorando

Um pranto que não vai calar

E loucos vivemos cantando

Querendo o mundo alegrar.

Antologia Poética

272

O lago de um desejo

Enquanto olhava a noite,

dentro de uma escuridão profunda

Um pensamento saiu voando

como uma estrela cadente

E como um raio incandescente

Iluminou todo meu passado

Esquecido e tenebroso...

Me vi em outro mundo

Em outro tempo

Onde tudo parecia prazeroso

Havia um lago sereno

E em suas margens

Um casal de namorados

Trocavam carícias inocentes.

Muita gente vinha a este lago

Para ver a infância que crescia

Assim os casais ficavam velhos

E aos poucos perdiam alegria.

Lago de esperança, meu refúgio

E sempre volto a revê-lo

Em horas improváveis

Antologia Poética

273

Atemporal, esta recordação

É parte de mim, do meu desejo

Não da minha existência...

Antologia Poética

274

Por trás da porta

Por trás da porta

A rua segue seu curso

Como um rio,

pessoas descem

A água é o vento

Que as move

Passos distintos,

Caminhos iguais

São moléculas

Sem destinos

Poeiras outonais.

E eu atrás da porta

Sem coragem

De ir à rua

Penso no futuro

Mas o passado me espreita

Quem dera fosse largar

A rua que me espera

Mas a porta é estreita.

Antologia Poética

275

Olhe à janela

Olhe à janela

acaba de passar

muito baixo

um poema

um pássaro

se não viu

olhe amanhã

quem sabe

ele volte

em forma

de mulher

ou de amigo.

Antologia Poética

276

Redemoinho Cartesiano

Dentro de um redemoinho cartesiano

giram as coisas, como pó que saiu de uma balança

sem inicio ou final, sem um propósito

com um sopro exuberante

se fez girar as matérias, forças

inversamente constantes

se uniram pra fazer o inexistente existir.

Assim, como átomos do quase nada

somos nós, num bailar desequilibrado

como um bêbado, sem o chão,

sabendo que logo vai cair.

A loucura rege o homem

que percebe que se encontra

no olho de um imenso furacão

inocentes, fingindo entender o caos

atribuem a Deus esta desordem

vida e morte, bem e mal

mas é vento o que colhemos

no meio desta eterna tempestade.

Antologia Poética

277

Ilusão de descrever a Beleza

Muito se diz sobre o belo, em canções e em poesia, e há belezas

distintas, mundo a fora conceitos se confundem. Mais um

pensamento seria apropriado, o de que o belo não tem tradução,

a meu ver, o belo é uma imagem que nos atrai à primeira vista,

sem culpa, sem remorso. Olhamos rapidamente e até nos

esquecemos de que ponto estamos a observar a beleza exterior,

em alguém ou em algum objeto... Então, diante de um ponto de

vista universal, a beleza é, sobretudo fascinante. A beleza,

contudo não pode ser confundida com outra coisa, que à vista

masculina seria a imagem da mulher, a origem desta afirmação

do belo pela conquista.

Todavia não é necessariamente isto o que venha se concluir

como resumo da beleza aos olhos de um homem.

A beleza estética, aquela que nos salta aos olhos, pode ser

cruel, e, aliada a juventude chega a ser indecente. Este

pensamento não é nada mais que um vislumbre poético de

algum autor romântico ou de alguém muito apaixonado,

descrevendo uma beleza inalcançável, como a fascinação por

um deus ou por uma musa, como amor platônico, inatingível.

O fato é que o belo é imprescindível, e existe em tudo, basta

saber olhar para encontra-lo em qualquer lugar onde existir

vida. Relativamente, é possível enxergar beleza até na morte,

mas este argumento não é para os mortais, todavia, sobre uma

ótica metafísica, há beleza sim na transmutação do homem

Antologia Poética

278

carnal em homem espiritual, por este motivo não se deve

refutar sem uma profunda investigação, a beleza em outra

esfera que não seja meramente física.

Antologia Poética

279

Um homem que cantava

Um homem que cantava

Havia um homem, um homem que cantava

todos os dias eu acordava com o seu canto

era um canto triste... Aos ouvidos comuns, alegre. Eu, em

minha cama de enfermidade pensava como alguém pode ser tão

alegre, sendo pobre e rude?

Mas o homem cantava, dia após dia eu o ouvia cantar, era o

João, meu vizinho, ajudante de pedreiro, que não tinha

nenhuma vocação para música, mas cantava.

E eu, sendo músico e poeta, não tenho motivo nem coragem pra

cantar, a descoberta da verdade me cortou a voz, às vezes penso

será que ele canta de alegria ou para disfarçar a tristeza?

Sua alma exprime dor ou regozijo pela vida?

Sua vida é simples, de casa para o trabalho

trabalho que lhe consume a energia vital

mas o João prossegue cantando, com sua voz indecifrável de

rouxinol doente...

Não posso garantir que é de alegria seu cantar.

Antologia Poética

280

O filósofo sabe quase tudo

O filósofo sabe quase tudo, mas não supera a dor da

consciência, "Da Morte de Deus" nem pode vencer a distância

entre o Sim e o Não... O poeta finge bem e supera lógica e

razão.

Antologia Poética

281

Artificie de mãos calejadas

Artificie de mãos calejadas

Como ferreiro que manuseia

O cadinho para forjar da pedra o ouro

Tenho os olhos cansados da exposição

Aos raios nocivos de um sol que não se põe.

As letras para formar palavras eu procuro

Como quem busca o impossível, assim faço poesia

Mudar realidades, acordar quem dorme em bom descanso

Palavras que juntas formam um universo,

E, como alquimia dão luz à outra ideia, a outro verso.

É mesmo mágica esta ilusão criativa

Onde sem pensar a próxima palavra

Surge da página em branco uma ideia vigorosa

Sem rima, sem fórmula estética, assim escrevo a prosa.

Antologia Poética

282

A fugir de mim.

Sendo a vida este barco à deriva

Navegando sem destino a cais ou porto

Passageiro que sou desta miragem

Não me canso de olhar para este aborto.

Não há praia distante nem descanso

E o remanso do mar bate de açoite

Nesta frágil embarcação que me carrega

Sobre as ondas de ilusão e de alvoroço

Sou a sombra de um fantasma esquelético

A fugir de um deus de carne e osso.

Antologia Poética

283

Para Vinícius

Já dizia o poetinha com razão

“Samba bom tem que ser sofrido

é preciso um bocado de tristeza”

Para fazer poesia de valor

Se a vida fosse de outra forma

Solidão poderia até ser bom

Alegria não é só felicidade

Nem tristeza é ausência de amor.

Cantaria eu por toda parte

a canção infantil do lá-ia-lá-ia

se tivesse o amor sempre ao meu lado

sem ter tempo ou motivo pra pensar

sendo assim perderia a consistência

não teria amargura nem paixão

que enriquece a arte na tragédia

esta vida no palco da comédia

se um amor platônico fosse vão.

É na dor que o verbo se faz carne

E o espírito padece pelo pão

Pois sofrendo o poeta cria sonho

De alcançar o nirvana com a razão

Canta a vida sofrida e o abandono

Bota o pé nas estrelas, vai ao mar

Antologia Poética

284

Pensa outra maneira de existir

Sem, contudo perder o dom de amar.

Antologia Poética

285

Construtores de sonhos

Com engenho e graça o poeta faz a praça, onde amantes e

bêbados dormirão,

a lua, vez por outra também vem se enamorar... Se há flores

pouco importa, na folha morta vive a saudade a murmurar...

Outrora se viveu, canções e afagos...

A praça é feita de sonhos, como de sonhos são feitos os amores

que nunca se consumam... E como deuses no olimpo, poetas

tercem as linhas metafísicas de um amor romântico... Amor que

não lhes servem, como incrédulos de um deus que nunca

existiu... Mesmo que a praça seja para eles incolor, constroem

bancos, coretos e até jardins de uma época de ouro, de uma

cidade pacata e bucólica, que podem no futuro acolher novos

sonhadores, poetas do porvir.

Antologia Poética

286

A ponte

Havia uma ponte sobre um rio,

Um rio que cortava uma cidade

A carne que gemia, calafrio

Na ânsia de sentir uma saudade.

A ponte de tão frágil, caiu na` água

Só mágoa, num suspiro se afogou

Agora se travessa o rio a nado

corrente dos desejos se quebrou.

Antologia Poética

287

Pra Lou Salomé

O que sobrou de nós

Depois de tantos vendavais, poeira discussão

Outrora rocha, hoje lama de ofensas mútuas

Olhares distantes, sentimentos vão

Amigos deixados, amor e perdão

O que sobrou de nós... Uma sombra, um verão.

O que será de nós agora, que sozinhos... Outro caminho

Perdas e ganhos, experiência, dor de consciência

Outro corpo, outro vinho, possíveis destinos

Outro renascer, outro passo, outro ninho.

O que será de nós, Tristão e Isolda

Tristeza final, uma morte sagrada

Um pé na estrada do cruel desalento

Um viver separado, de infindo tormento

O que será de nós agora crescidos

Numa ópera de Vagner, vencidos amantes

Dois barcos irmãos, em mares distantes.

O que será de nós...

Musica e poesia, um deus afrontado

Um manto encarnado, flor-filosofia

Dois lados, uma sombra, coração que sangra

Um leito maculado, um verso quebrado

Antologia Poética

288

De alma vazia... um canto ecoado

... No palco da vida... O que será de nós

Antologia Poética

289

Findo o inverno

Chegou o fim do inverno

Aquelas noites serão esquecidas

Onde braços e bocas se entendiam

Findo o tempo, quando almas e corpos

Flutuavam num único pensamento.

Chegou o fim do inverno

Resta-nos a primavera

Quando florescerão as flores

E os amores, que entre cores

Desenharão sonhos... Quimera.

A saudade repousa junto ao mar

Junto ao fogo da nossa incandescente lareira

Onde nossos corpos se uniram

Se derretendo, formando gotas

De vida de uma imponente cachoeira.

Por que fomos tão rápido,

Do paraíso ao inferno?

Ou foi pequeno nosso empenho

De inverter as estações

De mudar a posição dos astros

E perpetuar nossa paixão

Em eterno inverno?

Antologia Poética

290

Era tarde da noite

Era tarde da noite, a rua estava deserta, ao chegar em casa a

porta aberta... Entrou, passos cautelosos, a luz do quarto

acesa... E sobre a cama uma mulher nua ensanguentada. Pega

um cobertor e embrulha o corpo gelado de sua mãe, chama

polícia e vai à rua para providenciar o enterro. Na rua, não

conta para ninguém o que acontecera... A sombra da noite lhe

persegue, quando ouve o barulho de carro a cruzar a rua acorda,

e não há nada, nem corpo nem mãe, apenas um cachorro

lambendo as suas chagas...

Antologia Poética

291

Tédio de escritor

A vida está sem graça

Há um vazio

Uma falta de atividade

A casa arrumada

A cama feita

A mesa posta

Na rua uma calma fúnebre

A janela dorme aberta

Não há medo

Uma paz tediante

E, diante de mim

Apenas livros

Vidas a terminar.

Antologia Poética

292

Dentes de Aço

Eu sei que não posso alcançar o vento

Também sei que a morte é comum

Mas não quero apenas nesta vida

Ser um tolo que esqueceu que é só um.

É muito duro este pão que amassamos

Sobre trevas que nos causa mui temor

Vale a pena viver um dia livre

Se soubermos nos fazer sério favor.

Aliviar as dores dos que sofre

Não, não carne, pois a carne é triste pó

É preciso levantar um novo rito

Para o homem se lembrar que vive só.

Nos é lícito possuir dentes de aço

Ter um braço que alcance a luz do sol

Ter os olhos protegidos dos enganos

Não ter medo de andar sob o crisol.

Não se perde nada por ser justo

Mas a terra todos termos de herdar

Se nascemos da argila e da água

Esta mágoa não devemos carregar.

Antologia Poética

293

Aos poetas de fins de semana

Faço poesia como quem late

Como cão que de raiva morde o rabo

Irritado com o desleixo da escrita

Que agora nossa mente ora invade

São poemas de cabeça e língua curta

Que assusta quem da forma sabe a lei

Que poemas não se faz por brincadeira

Tanta asneira que transborda o que eu o não sei

Não têm rimas, não tem música, almas rasas

São formigas que do chão querem voar

Mas se afundam muito mais nas lamas fétidas

Curtas asas, só retóricas, dialéticas.

Antologia Poética

294

É de ferro teu sorriso

O teu sorriso poderia ser de ouro

Um sonho de mel para uma criança

Se o teu sorriso fosse prata

Poderia me trazer paz e esperança

Mas o teu sorriso não é cobre

E não pode produzir luz onde estou

Quando riste para mim, primeira vez

Não notei que sorrias do meu choro

Encantado olhei teus dentes brancos

Que no fundo foi para mim só mau alouro

Mas um cego não consegue enxergar

Quando tem em sua frente o desconsolo

Um sorriso de mulher é tão singelo

Como elo entre a linha e o rolo

É de ferro teu sorriso, alma ingrata

E o homem solitário é sempre tolo

Antologia Poética

295

Almas Gêmeas

Se realmente existir amor

Um amor profundo e companheiro

Duas almas se encontram nesta vida

E jamais se separam por inteiro.

São eternos como eterno é o mar

A floresta, a montanha e o deserto

Não se perde um do outro vivem perto

Nem a morte lhes provoca sofrimento.

Pela vida vão tocando um só destino

De mãos dadas pela graça de viver

Irmanados como belos passarinhos

No seu ninho fazem o amor acontecer.

Antologia Poética

296

Do quase possível.

A ideia de um mundo quase possível

onde as flores falassem,

e que as mulheres fossem só perfumes.

No quase possível os homens não falaria de paz,

não, apenas viveria em paz... Sem ditador

nem dissidentes. A praça seria dos namorados

não dos meninos abandonados.

Em um mundo quase possível poetas não morreriam,

se encantavam...

Antologia Poética

297

Eterno Retorno

Tendo-se findado o ciclo da vida

De um eterno retorno sem razão

A natureza perverte sua lógica

Contradiz no seu texto a direção.

Não se sabe de fato quem primeiro

Se o homem, um verme, ou foi o cão

Perceberam que em todos os normais

O que brota mais cedo é a confusão.

Um desacordo, um medo do futuro

Desilude o sábio, alude a distorção

Se correr atrás da alegria não seria

Não ser triste... Em si contradição.

Antologia Poética

298

O improvável

O improvável ao poeta aconteceu a loucura dos cães doentes

lhe feriu descuidou-se dos perigos desta vida de repente a

paixão dos humanos lhe rendeu. Agora, como um tolo vive

rindo encontrou até razão para cantar hoje sonha que os homens

são iguais... Que vida no planeta faz sentido, no deserto pela

paz vive a clamar.

Antologia Poética

299

Neruda

Impossível não naufragar

Após uma leitura profunda de Neruda

O poeta que deu vida

Ao improvável, que surgiu

Das profundezas marítimas

Como quem sai de lá pra respirar

A leveza encontrada nas alturas

Em seus poemas encontramos

Sua alma irreverente

Impávida a navegar.

Impossível ler Neruda e continuar

No porto, o cais desaparece

O chão estremece em nossos pés

E em mar revolto encontramos

A paz almejada e o conforto

Neruda nos conduz ao mar

Impreterivelmente também

Ensina-nos sua forma inconfundível

De amar.

Antologia Poética

300

Benesse do sofrimento

Aprecio sobremaneira o sofrimento

pois é em seu leito frio

que me visita, em hora incerta a poesia

esta ninfa de

alma insaciável

de olhos vívidos e lábios ardentes

são as dores e os gemidos

deste esquecido moribundo

que lhe atrai

irresistível

ao meu

supremo

encantamento.

Antologia Poética

301

Língua de Fogo

Era tarde, muito tarde

era noite,

noite sombria

e o vento

do sul

açoitava

o túmulo

onde dormia

a vaidade dos poetas

quando a tua língua quente

tocou a minha orelha

teu hálito divino fez reviver

a minha vaidade congelada

então a língua de gelo

se fez de fogo

e a poesia renasceu,

do mármore

não das cinzas

Antologia Poética

302

Apolíneo e Dionisíaco.

Busco a medida exata, do apolíneo

Ao dionisíaco.

Uma forma de beleza

Que não me furte a razão,

Um prazer equilibrado

Que me permita ser

Por algumas vezes emoção.

Uma forma que não estrague o conteúdo

Um prazer que não deturpe o senso crítico

Que aceite sempre correção.

Este é meu maior e mais virtuoso desejo:

Entre a poesia e o pensamento filosófico

Mas no que respeita à vida: sou niilista

Com uma força descomunal

Capaz criar o novo a cada dia.

Antologia Poética

303

Olhares

Palavras, uma força criadora que edifica

E que destrói... Para um poeta, as palavras

São como bálsamo para anuviar a dor da solidão

Da incompreensão sofrida das almas contrária à poesia.

Mas há forças além da poesia que podem ser visitadas

Por qualquer criatura que raciocina:

A comunicação sentimental,

Aquela que nos diferem dos outros animais

Comunicamo-nos por gestos, por olhares e sorrisos

Aceitamos um olhar, quando nos é recíproco

E até combinamos uma vida futura, uma união

Um êxtase secreto, mesmo a produção de um filho

Tudo pode ser acertado

Por meio de olhares de cumplicidade.

Antologia Poética

304

De ti não tenho nenhuma lembrança

Há mesmo coisas que não se esquecem

Como nadar, andar de bicicleta e escrever correto

Como há coisas que desejamos esquecer

A morte de um grande amor

A intensidade de um dor

Como a amputação de um braço.

De ti não tenho nenhuma lembrança

Esqueci teu nome

A cor de tua pele

Teu sorriso de esfinge

Tua boca sinuosa

Memória e razão, duas entidades

Que se apartaram do meu corpo

De ti, não tenho nenhuma lembrança

Só a esperança

De te esquecer completamente.

Antologia Poética

305

Acordei

Um cão latiu ao pé de minha porta

Um estalo de luz em meu desvão

Era eu, a consciência morta

A angústia saiu na contramão.

Brilha o sol, a enseada acorda

Canta a vida em ritmo de canção

Tenho calma n’alma, penso ativo

Estou vivo, que bela ilusão.

Antologia Poética

306

Ponto perdido

Angustiante paciente do crepúsculo

A aurora distante perscrutou

Tens agora mais um dia, o derradeiro

O Amanhã é um engano que aspirou

Acreditar: embriaguez empirista

Quimera, presunção decadente

É o acaso que dita tua sina, otimista.

A curva é sinuosa até para a serpente

A medicina falha, dor não arrefece

Tua veia sangra, teu pulso mente

A morfina abranda, afina o fio-morte

E viver não basta, queres a utopia

Um gozo celeste, sombra e poesia.

Antologia Poética

307

À filosofia

Oh! Senhora de toda sabedoria

Detentora de todas as prisões

Psicológicas existenciais.

Rogo-te, que por piedade

Tenhas sempre a meu favor

Em mãos e aberto, um livro

Capaz de fazer-me retroceder

Do caminho da presunção.

Antologia Poética

308

Virgílio ou Beatriz?

Na divina comédia,

Entraremos pelos fundos

Do fim para o começo.

Experimentaremos Primeiro o paraíso,

Antes do purgatório e inferno

Pois em tua companhia estremeço.

Diga-me glorioso espírito,

Esclareça-me: Sendo eu Dante

Quem és tu para mim? Virgílio ou Beatriz?

Antologia Poética

309

A dor da poesia

E preciso sentir uma dor imensa

Pra fazer poema de riso e não chorar

Esta dor há de ser tão profunda

Que ninguém poderá ver-te ao luar

Está além dos delírios dos profetas

Dos desejos dos mudos de cantar

Esta dor é tudo que eu espero

Para um verso perfeito engendrar

Já tentei com as dores da saudade

Com a febre de não me apaixonar

É a dor que lateja em Florbela

Lamento que viveu sem revelar

É à sombra de uma vida bela,

Poesia do mestre do além mar

É da alma que brota este abismo

Como um sol brilhante a faiscar.

Antologia Poética

310

O canto da solidão

Ouvi um canto na solidão

O que pode ser pensado

Falado, vivido ou plasmado

Na solidão? Na solidão

Só cresce o medo

Medo de ficar só

Na solidão tudo é vago,

Espaçoso, imenso, distante

Na solidão não bate o sol

A noite é longa e infinita.

Era eu quem cantava,

Cantava e não sabia

Era tão fraco o canto

Me pareceu vir de muito longe

E não de mim, aquele canto suprimido.

Era minha alma que saíra por instante

E cantava para acordar o sangue

Que havia parado em meu pulmão

Eu dormia ou começa desfalecer

A solidão não mata, apenas corta o ar

Então, mesmo morrendo eu ainda cantava.

Antologia Poética

311

Mulher

Acordei menstruada

Meu parceiro queria sexo

Que coisa nojenta é o amor

Repugnante é o afago

De quem nos deseja

Pelo prazer, não pela dor.

Antologia Poética

312

Nego-te

Com uma realidade sempre inversa

Como amigo, como amante:

Com verdade e força desumana

Canta um sentimento nulo:

Pela eternidade e nesse instante,

Privando a liberdade com grande fúria.

No presente, hoje, pela eternidade

Por merecimento, com firmeza,

Sem desejo lascivo permanente

Sem mistério, sem virtude, custa

Como um ser superior, és injusta

De mais a mais,

O que for de mim parati, Eu Nego

Negando-te persisto, para que vivas!

Antologia Poética

313

Fausto sem poeta

Preferi a solidão e a tua ausência

Pra saber se tu tinhas consciência

do vazio que deixaste ao partir

Foram dias e noites de delírios

Entre sonhos, insônias e loucuras

sem achar um motivo pra sorrir

Meu espírito no corpo aprisionei

Não pensei em você como dieta

Fiz do abismo um painel e te pintei

Uma musa liberta do poeta.

Preferi o circo ao holocausto

Escolhi a obra mais sublime

O palhaço de FAUSTO inventei

O poeta perdeu o seu papel

Dispensei a plateia e recitei:

Que importa os risos e os aplausos

Dos perdidos condenados sem amor?

Minha arte maior será bendita

Se pulsar com verdade e vigor

Não serei lembrado pelo oficio

Sem o vicio mais nobre do autor

Pinto a vida, declamo a liberdade

No fundo sou fealdade, dissabor.

Antologia Poética

314

Agonia

Entre um verso e outro

como cálice de absinto

A cada gole de saudade morro

Mais obstinado fico, socorro

Quero perfeição,

vem a embriaguez e o labirinto

Almejo o inalcançável

A presença de Ariadne

Como o espírito Faustiano

Mas quem me chega

É a embriaguez indispensável

A discussão prossegue

Entre mim e a poesia

Ela reluta, luta

Vence-me à revelia.

Apago o que escrevo

Desisto de um natimorto

Vago sem destino

Procuro outro porto.

Alcanço enfim outro cais

Ventos, temporais

Antologia Poética

315

Assusta-me o conforto

Quero o verso certo

Quero a utopia

Quero os teus abraços

Sobra-me agonia.

Antologia Poética

316

Um rascunho

Sigo rascunhando um sonho

Num ambiente frio, onde habita

A tua falta e o teu olhar distante

A loucura é amiga constante

Do poeta, toda atitude

é poesia...

Ela é a própria musa

E o poeta vaga, divaga em texto

De filosofia, para explicar o que sente

Ou o que não sente pela vida.

A vida é um piso em falso

A inteligência e o cadafalso

A Prova da culpa,

O delírio, a contenda

A dor, o desvario

A arte em desalinho

Uma fuga, um ninho

Pássaro de aço

A força estreita

O vazio do abraço.

Antologia Poética

317

Epitáfio

Houve um dia em que você não veio me ver

Nesse dia eu quase morri, a solidão foi tanta

Que eu resolvi beber, beber a tua ausência.

Mas não pude embriagar-me.

Estava com uma resistência incomum

Então, antes que o dia terminasse, pois era tarde,

Eu já desistia de afogar as minhas mágoas

Em copos de desilusão.

Como último recurso, resolvi cometer suicídio.

Nem assim você apareceu.

Ao meu funeral, poucas pessoas vieram

Não permiti que rezassem.

Jogaram algumas flores sobre minha lápide

E no epitáfio escreveram:

Jaz aqui um tolo que não soube se declarar.

Antologia Poética

318

Os filhos que pari

Estou em processo de amadurecimento

Toda noz precisa ser colhida... Para se dá à luz

Faz-se necessário antes ficar prenhe.

Minha poesia, não é maior nem menor

É apenas minha poesia... Como são meus os filhos

Que produzi... Os filhos, porém, não são apenas meus

Eles precisaram de uma mãe para vir ao mundo.

A poesia que hoje faço não possui genitora

Sou pai e mãe dos meus filhos deficientes

Alguns lhes faltam as pernas, outros os braços.

Há aqueles que não enxergam muito bem

Mas amo a cada um dos meus filhos feios

Arranquei-os das minhas entranhas

Não para que eles pudessem mudar o mundo

Mas com um intuito de por meio deles

Suportar a natureza humana

Por eles morri, para que vivessem.

Meu espírito de poeta é como uma mãe

Que tira da sua boca o único pão

Para alimentar os filhos que pariu.

Por isso persisto num oficio delinquente.

Antologia Poética

319

Um tiro no pé

Uma luz pagada, como se guia cego

Uma panela vazia, a fome à espreita

Um gesto amigável, o pão satisfeito

A barriga nas costas, um peso nas mãos

Um filho no peito... A mãe é menina

A menina é mulher, o pai é covarde

A fuga, o desengano, um caso desfeito

Um tiro no pé.

Antologia Poética

320

O verme e a carne

Por que a indecisão? Por que a falta de ação

diante do o inesperado?

A mudança assusta o verme que persegue a escória,

onde projetou seu prazer.

Não há vontade para se afastar do nefasto,

da contínua destruição.

O verme rói a carne.

A carne que um dia já foi a própria alma.

Em breve o verme será comido.

Antologia Poética

321

Depressão

Eu não sou poeta de porto nem de mar

Escrevo nas trevas minhas pérolas de luz

Quando vir a lume um mote que reluz

Minha arma de fogo é o punhal

O verso sangrando, abutre visceral

Roendo as entranhas, sem tempero,

Sem sal... O tédio é bem-vindo

Minha aurora fatal só existe de fato

No meu bálsamo umbral.

Crio sempre na véspera do enterro

Do dia, quando escuto o lamento

Dos que perderam um tesouro.

Um chorar é cantiga e redenção

A tristeza do jeca, a desgraça de Jó.

A sorte de José, a dor de Jacó

Não há obra perfeita que não possa imitar

Só a morte é direita, pois não há correção

Como não existe poeta sem boa depressão.

Antologia Poética

322

Ditirrambo

A imagem de uma estrada sem curvas

Uma cena vulgar, como música tribal

Ou sereia a cantar... Todo som faz vibrar

Uma fibra no peito,

Quem enxerga no escuro um artista perfeito?

Minha língua ideal... Aprendi no quilombo

Como canção, ópera-ditirrambo.

Um escravo, um canto-perfeição

A voz da poesia vara a erudição

Escreve-se com tinta, não se ouve a razão

Um poema maldito... A fiel construção,

Na vida não há rima, uma prosa-canção,

Uma estrada de espinhos,

Que ninguém pisará... Há um homem

Franzino se afogando no mar...

Quem inventa uma porta

Do inferno pro céu?

O espírito de Dante, num eterno tropel

A buscar Beatriz e seus lábios de mel.

Antologia Poética

323

Que rima

Na rima não há pobreza

Há, de fato, peso e leveza

Se a poesia fosse prosa,

Se toda mulher fosse rosa,

A vida, que graça teria?

O lixo não parece bom

Mas se procurar em baixo

Há etanos e matizes,

Cores e som.

Na rima não há pobreza

Há, de fato, peso e leveza

Se a poesia fosse prosa

Se toda mulher fosse rosa

A vida, que graça teria?

O lixo não parece bom

Mas se procurar em baixo

Há etanos e matizes,

Cores e som.

Antologia Poética

324

Medo da chuva

Quando criança eu tinha medo da chuva

A cada tarde chuvosa,

Eu achava que seria mais um dilúvio

Que viria para punir os homens pelos seus erros...

Estas estórias que ouvimos dos mais velhos,

Estórias que eles contam, muitas vezes inventadas

São prejudiciais para o crescimento intelectual...

Crescemos já com a mente possuída por mitos

Por crenças que nos aprisionam por toda vida.

A chuva, um bem que nos refrigera a alma,

Que molha a terra para brotar semente,

Não podia ser usada para outro fim...

Eu quero ensinar para meu filho que a chuva é benéfica

Que do céu não cai pedras de saraiva

Para matar homens pecadores ou inocentes...

Eu nunca me livrei do medo da chuva,

Agora, nas tardes chuvosas eu sinto muito medo,

Mais medo do que quando era criança...

Mas o medo que agora sinto, é por conta da solidão,

Por não ter mais aquele medo inocente

De que Deus se importa com o que acontece aqui na terra.

Antologia Poética

325

Um inseto

Um pensamento persiste

Em me tirar o sono... Qual

Deve ser o seu objetivo?

Vencer a barreira entre

O mundo das ideias,

Se materializar,

E se tornar objeto?

Um pensamento persistente,

Com uma voz estranha,

Latente... Dia após dia,

Como uma dor consciente.

Mas eu apenas penso.

Eu não posso prescindir

Do que ele sente.

Aceito... Seu argumento

É quase perfeito...

Não serei mais indiferente

Ao seu labor constante,

Ao infundir-me à alma

Um tom lucilante,

Um canto sobrepujante.

Soou forte. Foi sem rima.

Antologia Poética

326

O inseto cheira a rosa

Costuma dizer por cima

Aquele que chora e goza

Prefere soltar um grito

A calar em via lousa.

Sou poeta faço prosa.

Sobre minha mente repousa

Uma mosca negra malcheirosa

A causar-me uma forte cefaleia.

Há uma maldita discussão...

Agora é uma abelha que me fere

---Com uma agulha em fogo,

Em brasa, à imodéstia, à consciência.

Antologia Poética

327

Alma sintética

I

Uma alma que jaz ainda viva,

Num espaço e num tempo que perdeu

Que perdura na cova da saudade

À procura de um bem que a vida não lhe deu.

Uma alma que ainda vive a carne

E os ossos no ócio esqueceu

Uma alma que sofre a desventura

Uma agrura de um sonho que era seu.

Esta alma que fala das alturas

Com candura a ternura ofereceu.

II

Uma alma feliz por seu destino

Consumada de vida e de prazer

Minha alma ainda está ativa

Porque a ti a alma concedeu.

Tua alma jamais rimou com calma

Teu espírito ativo sempre está

Produzindo um verso sem inconexo

Para as almas que sabem sem rimar.

Antologia Poética

328

É loucura viver como tu vives

Numa prosa, num constante delirar

Foste alto demais agora chega

Pra sair de onde estás só se voar.

Mas um corpo pesado não flutua

Há a lei da gravidade a respeitar

Permanece aí no topo por um tempo

Sem alento a contento do esperar.

Que outra alma sintética como a tua

Sobre alua resolva te buscar

Por enquanto respiras o ar gelado

Da montanha que teu ego erigiu

Não descuida-te dos ventos traiçoeiros

És o único que ainda não caiu.

III

Uma alma insepulta cheira mal

Cá embaixo não há lugar pra ti

Onde as almas rastejam sobre o caos

Como sorte pedem a morte pra subir.

Em qualquer canto que haja a vida

Concebida por lógica ou por prazer

Logo cansa de ser apenas vida

Antologia Poética

329

Constrangida não pediu para nascer.

Mas se nasce com uma força viva

Esforça-se pra nunca perecer.

Antologia Poética

330

Ainda respiro... e penso.

Neste instante em que ainda respiro

Minha razão sabe os perigos da vida,

E dos encantos da morte;

Estou entregue ao comando do acaso,

E aos desmandos da sorte.

Antologia Poética

331

O arco-íris

O fim justifica os meios,

O fim da história deve ser a conclusão

Para se chegar ao termo da questão.

Quando criança acreditamos

Que o arco-íris seja um portal

Para se alcançar a felicidade.

Quando crescemos,

Vem a tempestade

E leva-nos o arco-íris

E suas cores

Que nos enchiam de esperança...

Antologia Poética

332

Ser humano

Não acredito no ser humano

Que um dia possa se tornar humano.

Não é humano,

Quem ataca pelas costas

Quem maltrata inocentes

Quem destrói flores à toa

Quem magoa bom parente

Quem fomenta guerras vis

Quem se esconde do presente

Quem sonega a mão amiga

Quem se empenha pela briga

Quem atira num irmão.

Antologia Poética

333

Um adeus

Um poema para quem não tem emoção,

Uma pena sobre a água

a mágoa, vida sem canção...

Um pai triste, mundo estreito

um caminho sem destino,

a mãe que não chorou, a dor no peito,

foi até a porta, um desatino... Esperança morta.

Uma conclusão, uma perda única

partida sem volta, uma flor murcha.

uma revolta, insurreição..

uma estrada distante,

um rio seco, saudade, uma ferida,

uma dor cortante, constante,

é a vida.

Antologia Poética

334

Queimem os livros

Queimem os livros de todo ocidente

A república de fato tem razão,

Como Emerson também falou verdade

Como disse Omar sobre o Alcorão

Toda arte e engenho superou

Num empenho maior de redenção.

Escrever as palavras com sentido

Imbuído de máxima erudição

Como Nietzsche falou com Zaratustra

Sua justa e mais clara confissão.

Todo forte supera a bondade

E ser fraco é perder o discurso da razão

Só é bom quem não sofre a consciência

Quem não pensa o remorso da descrença

E ignora um tolo como um cão.

Disse Sócrates o que era virtude

E morreu pra salvar uma geração.

O maior bem do homem não é ouro

É ser livre do mal, da escravidão

É viver à altura do desejo,

De falar o que pensa à multidão.

Antologia Poética

335

No meu livro elogio eu me resumo

E assumo minha sina de ermitão

Revirei os túmulos dos ídolos

E queimei as sagradas escrituras

Dos filósofos, de Demócrito a Platão.

Mas ainda poderia me expressar

Como disse Camus sobre a prisão

Que o homem que viver um só minuto

Viverá por cem anos a redenção

Relembrando por toda sua vida

Que a leitura é que trás libertação.

Antologia Poética

336

Ver o mundo de olhos fechado

Feche os olhos,

a vida passa muito rápido

Não dará tempo planejar o futuro

Olhando o passado.

Melhor permanecer no escuro

Desconsidera as paisagens;

De olhos vendados, sentirás melhor

O som da vida, e saberás supor

Quando se aproximar de ti a morte.

Antologia Poética

337

Abismo

Teu sorriso é para mim um abismo,

Como uma fera que quer me estrangular

Boca de serpente, sem dente, vai abocanhar,

A rir expele um ar lascivo, um ar de cinismo.

No teu olhar paira o mal, um tremor convulsivo

Meu corpo se depara com o horror de um delirar

Com um mórbido sentimento, um não suportar

Perdido nos labirintos da paixão... Um mal ativo

Teu semblante de calma exala a morte

E quem, sendo humano resistirá com sorte?

Trilhar um caminho sinuoso, coisa impossível.

A paixão faz um gigante ficar fraco, sem porte,

Os ataques de um coração frágil é algo forte

Minha possessão vem do meu ser sensível.

Antologia Poética

338

Livre

Ser livre, falar o que pensa... Andar

No limiar da discrição, agir pela inocência

Um homem versado, senhor da inteligência

Que compreende o mundo, apenas no olhar.

A altivez destrói um bom juízo, está certo... Pensar

Antes de falar aos quatro ventos, evita a consequência

Perceber os perigos, não macular a toa consciência

Um bom companheiro, amigo da justiça... Julgar

Sem ser parcial, aplicar o mesmo bem, Livrar do mal

Quem não tem proteção, que vive ao temporal

Acolher um estranho, não negar sua mão.

Perto estar de que sofre, ou de quem pede abrigo

Distribuir as riquezas que cura o coração... Ser amigo,

Escutar lamuria fazer o bem com devoção.

Antologia Poética

339

O peso do mundo

O peso do mundo, sobre a fé de um cristão

As dores de Eva, o parto de adão.

Caim assassino, Abel seu irmão

A morte primeira, o fim da perfeição.

Um século criativo, no meio do crisol

A culpa do homem, futuro sem sol.

A promessa ora feita, Abrão a vagar

Por uma utopia, destino a findar.

Na terra e no céu, atrás da fartura,

Do leite e do mel.

A terra prometida

Partida ao meio, um povo errante

Flagrante receio.

A crença impedida no Egito sem paz,

José rei divino a fome cessou,

por um desatino de um faraó...

Expulso da terra, para sempre viver,

Antologia Poética

340

em terras estranhas, em um padecer,

mas lá estava Deus, para os socorrer....

Antologia Poética

341

Sossego

Quero sossego, um silêncio profundo, absoluto

para que a minha voz interior possa vir à luz,

quero silêncio senhores superiores

para que a minha meia-noite

possa rir do vosso meio-dia,

quem sabe eu tenha coragem

de dizer, em silêncio, o que penso sobre vós.

Antologia Poética

342

Natureza

Natureza, vida ou morte?

Quem planta sabe dizer,

Que às vezes se depara

Com a fome no colher

A mão que dá com fartura

Retira com o mesmo afã

Destrói o que não criou

Como se tivesse o dom

De fazer nascer de novo

A vida com o mesmo som.

Mãe que alimenta e mata

Guerreiro sem piedade

Causa mal com tanta fúria

Que nos inspira maldade

É a natureza santa,

ou maléfica sem igual

Um mar de sombra e de medo

Um céu que não tem final.

Bendita seja a natureza

Que aniquila o homem

Antologia Poética

343

Com a mesma sutileza

que o criou...

Antologia Poética

344

Triste sorriso

Não se é triste apenas por que chora

A tristeza é algo bem maior

Sendo triste de dor a alma chora

Mas o riso é mais vil do que a dor.

Um sorriso que sai La das entranhas

Não consegue vibrar todos os tons

La no fundo d’ alma de quem chora

Há um sorriso infantil daqueles bons.

Nem sempre vem a lume um bom desejo

Há um longo caminho a percorrer

Uma ideia de luz de um benfazejo

Uma flor que murchou ao entardecer.

Um sorriso doce vira lágrima

Nesse amargo turbilhão de ilusões

Onde as almas ensaiam seu viver

Na procura por boas emoções.

Antologia Poética

345

Um rio

Um rio calmo que passa por um estreito caminho

em suas margens moram os ricos ribeirinhos

.

Um rio que vem de muito longe,

os nativos, que habitam à suas margens

não sabem onde fica a sua nascente.

Rio, indiferente àqueles que vivem às minhas

custas, passo como quem nada vê.

Desço montanha, desço penhasco

Rumo mar sigo, apenas sigo

Um rio não tem outra função, senão

dar ao seu curso um canto livre

caminhar sem se perder por labirintos.

Um rio não é homem para chorar as dores dos

seus pares, um rio é só é um rio.

Antologia Poética

346

Lógica

Por que a flor murchou?

Pergunta uma criança, mas não sabe

o pai, o que o filho quer saber com

esta simples pergunta.

A flor não murchou,

foi o sol que lhe sugou a seiva vital. Diz o pai.

Então a flor não murcha pai? - Claro, meu filho.

Toda causa tem sua consequência.

Nesse caso da flor, quem é a causa?

Pergunta o Pai para perceber

a inteligência do filho.

É assim, uma pergunta gera outra,

e a lógica é esquecida

quando se quer concluir um assunto.

Grande incógnita são os porquês da vida.

Antologia Poética

347

Tempo de calar

Em pleno deserto, em tórrida discussão,

Onde as ideias não se combinam,

Expor o que se quer dizer

Não é fácil superar a surdez,

Como falar sem o dom da palavra?

Preferi calar por algum tempo

Esperar que a tempestade de areia se vá.

Ainda mantenho um pouco de amor-próprio

Para não me envolver em luta insalubre

Minhas energias hão de sustar-me

Meu fôlego também resistirá

Minhas roupas perduraram por quarenta anos

Chegarei do outro lado do rio

Na terra prometida

Onde os sábios residem sem amor ao pão

Sem necessidade de grandes palácios.

Antologia Poética

348

Choro na estrada

Ouço um suspirar,

alguém na estrada caminha,

passos de desequilíbrio.

Parece que chora,

um choro de dor.

Que mal terá sofrido

foi mal de amor...

Um sofrer que perturba,

quem de longe escutar.

Pode ser criança

pois homem não é.

Mas o choro é penoso,

Então é mulher.

Antologia Poética

349

Deleite

Prolongar o prazer implica

Ter com o que pagar.

O que move o homem

Para tal felicidade,

É o afã de um gozo pleno.

No coração do homem

Mora um sonho comum:

Se tornar um Deus,

Ser imortal,

E para isso inventou

A Arte,

A política

E a religião.

Antologia Poética

350

Quanto vale um coração.

Que bem é maior que um coração livre?

Quem tem fortuna, tem em abundância ansiedade.

E para se ter um coração livre, é necessário mais que dinheiro;

Um coração livre, só terá quem nunca amou

Nem uma mulher nem o dinheiro.

Então só duas coisas prendem o homem?

-Há ainda outra coisa: A busca de um coração livre.

Antologia Poética

351

Alma humana

Alma humana

Contradição divinal

Um ato descontraído

Ferido por bem e mal.

Alma humana

Insana contradição

Um pensamento perdido

Desenhos de confusão.

Alma humana

Coisa que certo não é

Um sonho, desejo triste

Ser humano é não ter fé.

Alma humana

Ação vil, pecado certo

Quem busca compreender

Perde a luz, escuro perto.

Alma humana

Irmão, virtude alheia

Erro longe, tudo bem

Se for perto a flor enfeia.

Antologia Poética

352

Uma alma insepulta.

O medo é algo assustador,

Só tem medo quem desconhece a sua origem,

Todo medo provem da crença, não da razão.

Como age um ser apaixonado,

Uma espécie de loucura que acomete os humanos.

Sobretudo os mais fracos...

Se apaixonar é como ficar sem roupas

Em meio a uma grande multidão... Até um tolo percebe

Quando há por perto uma vitima da paixão,

É como um cadáver que cheira mal...

Uma alma insepulta.

Antologia Poética

353

Apolo

Tu não me queres,

E ainda preferes

Transforma-te em pedra,

Ou em uma frígida árvore,

Foste deveras cruel ao fazer

Esta escolha.

Eu perdi também

A razão para existir em carne e osso,

Como homem...Para que sorrir,

Se tua boca não sorrirá ao meu afago!

Vou cercar-me por todos os lados

Com os teus galhos,

Vou me transformar em homem rude

Para lavrar o campo onde acampas,

Onde moras.

Terei pelo menos as sombras das tuas folhas,

Como um abrigo, como um refrigério,

Para os dias de forte calor,

E também para me proteger da chuva fria.

Dormirei aos teus pés, e à noite,

Tu voltaras à tua forma de ninfa original,

E eu, eu te darei outro tratamento.

Não serei mais tão arrogante,

Como fui enquanto rei

Dono de todos os mortais.

Antologia Poética

354

Uma nota do subsolo

Queres um conto triste,

de triste eu nada contarei

apenas um relato vívido

da vida que abracei

Fui um dia um homem triste

por não ter um sonho meu

numa vida que resiste

pra não dar o que é seu.

Uma sorte que suprisse

meu abismo de carência

foi assim que me perdi

nas curvas da consciência.

Que destino há pro louco

que descalço vê o chão

que anda a desenhar nuvens

em perfeita confusão?

Quem perdeu um dia claro

e não fez sua lição

há de se cansar mais cedo

de sua obrigação.

Antologia Poética

355

Para tudo há um tempo

da teoria à ação

se o caminho for torto

não se chega à conclusão.

Viver não é coisa simples

por isso se diz viver

para quem não sabe a vida

melhor escolher morrer.

Antologia Poética

356

Chora e sorrir

Preciso encontrar a paz,

perdida não sei onde,

se soubesse onde perdi,

mas desconfio que não perdi,

creio que não sei o que é paz.

Nasci para a dor,

para um sofrer constante

não sei chorar,

talvez seja por isso

que também não sei sorrir.

Nunca entendi, por que chorar e rir

qual a razão para este espetáculo

a vida é uma comédia-trágica?

ou um ato vergonhoso natural?

como se rir e chorar tivesse razão.

Prefiro ser frio

a estes dois descuidos,

se me virem chorar,

logo me virão sorrir.

De fato sou amargo,

é, fazer o que?

Antologia Poética

357

Bebida que presta

não é doce.

Antologia Poética

358

Vida-prosa

Uma prosa, um verso amargo

meu café sem açúcar,

meu vagar noite a dentro

minha visão tão curta.

Meu caminho de pedra

minha alma em assalto

um suspiro na curva

uma luva, um retrato.

Meu correr sem destino

o meu tempo perdido

meu cantar sem toada

sem você desafino.

Vida breve não passa

sou o frio no escuro

perdido vagando

do outro lado do muro.

Esperança é de neve

à distância é fatal

minha água turvou-se

estou à sombra do mal.

Antologia Poética

359

Noite alta de sombras

vultos rondam no ar

acordei só cansaço

tempestade no mar.

Uma prosa com rima

minha vida atual

mas vivo a poesia

minha água com sal.

Antologia Poética

360

Beatriz

Beatriz rima com riso

com amor, com ser feliz

nada supera a verdade

que a sua vida nos diz.

A ti foi destinado o sossego

vida plena e um grande amor

um ser que traz este nome

já nasceu superior.

Beatriz, canção celeste,

poema de um redentor

virtude de um ser humano

que um Deus maior criou.

Beatriz queremos ter-te

por toda vida ao redor

caminhar ouvindo a voz

de um lindo rouxinol

Beatriz como vieste

nesse mundo habitar

nós fomos agraciados

por este tão doce olhar.

Antologia Poética

361

Dores de parto

Diz o grande Poeta, que nunca atingimos o que buscamos na

vida. Por que isso se dá? Não temos traçada de ante mão uma

rota, a natureza nos produziu em dores de parto, e para cada um

deu uma dor diferente... Por isso nos surpreendemos com o

caminho dos nossos pares, que não são assim tão iguais a nós.

Cada um com uma força e um desejo diferente. Para uns, o

pouco é muito e para outros o muito não existe...

Antologia Poética

362

Crie, apenas crie.

No processo de seleção natural que é a vida intelectual do

homem, é natural que alguns pensamentos se percam, e que

algumas ideias não virem projetos ou obra acabada. Isso não é

motivo para desânimo ou sentimento de inutilidade.

A própria vida é um fenômeno da mesma espécie, o empenho

criativo da natureza vez por outra fracassa, e nasce um poeta

quando devia nascer um filósofo. Mas nada pode ser pior para

quem cria, do que passar um dia sem pôr as mãos na massa

cinzenta. Crie e deixe que seus filhos tomem seus próprios

caminhos.

Antologia Poética

363

Vontade, existência...

O conceito de objeto reside no fenômeno e não no próprio

objeto - ou seja, somos o que produzimos, é a nossa vontade

quem dita nossa consciência e essência. Tudo que

representamos é o que desejamos ser, por isso, nossa existência

se resume à nossa vontade de existir.

Antologia Poética

364

Voz da poesia

Tô afeito a fazer voltar o tempo

Concertar com canção o meu cantar

Por no alto da montanha meu lamento

Esquecer os malefícios do penar.

Aos ouvidos dos que ouvem bem a vida

Orquestrar um virtuoso pôr-do-sol

Colorir paredes brancas do passado

Por de lado o vitupério ao meu redor.

Alcançar melhores dias hoje ainda

Ser bem-vinda ao meu regato a tua mão

Que afague o meu sonho esquecido

Resolvido volto agora ao teu perdão.

Só não quero que te esqueças das virtudes

Da firmeza que guardei no coração

Para te dar um dia apenas de carinho

Em teu ninho sob o afã da devoção.

(Brasília 09/05/2007)

Antologia Poética

365

DELÍRIO DA DOR

QUERO O DELÍRIO DA DOR

À ANGÚSTIA DA RAZÃO

DE SABER QUE MORRO CEDO

MAS AO MEDO DIGO NÃO.

PREFIRO ENCARAR A VERDADE

A TER QUE FUGIR DE UM CÃO

QUE LADRA MAS NUNCA MORDE

QUEM DOMINA A AFLIÇÃO

DO SABER QUE A VIDA É BREVE

QUE A CHUVA VOLTA AO CHÃO

QUERO O DELÍRIO DA DOR

CONSCIENTE DO FINAL

PARA QUE A LÁGRIMA CAIA

MISTURA-SE À AGUA O SAL.

QUERO O DELÍRIO DA DOR

A TER QUE DIZER SEGREDO

PARA QUEM NÃO TÊM OUVIDOS

QUE À NOITE DOMEM CEDO.

12/2008

Antologia Poética

366

À minha esposa.

Minha esposa, minha querida companheira, me refiro sempre à

sua pessoa quando quero expor de modo certo, até que ponto

pode o amor chegar, quantas barreiras uma pessoa pode vencer

ou ultrapassar para chegar a um objetivo com relação a agradar

o ser amado.

Para mim, a maior virtude do amor reside na capacidade de

suportar as diferenças de opiniões. Quem ama, a meu ver, não

insiste em mudar o ser amado, aceita suas virtudes e defeitos,

quando se ama verdadeiramente, embora não saiba até que

ponto esta expressão seja adequada, pois para o amor só existe

um nível, uma noção de juízo.

Quem vive um amor é porque avançou para um estado sublime

de tolerância, não se pode dar nome ao que se apresenta nos

nossos dias, sobretudo nas relações maritais, de amor, pelo

simples fato: vemos muitos casais que se suportam pelas

convenções sociais, basta que surjam dificuldades, seja de

origem prática ou sentimental para que venha à tona uma

verdadeira aversão à pessoa que se dizia amar, por quem até se

morreria. Discuto este assunto, para que possa causar alguma

reflexão nas pessoas que vivem juntas por comodismo ou

conformismo.

Acredito no amor, na cumplicidade marital, quando ambos

olham para o mesmo horizonte. É preciso que o tempo mostre o

que muitos fingem não ver, muito menos admitir: conviver com

alguém por vinte anos ou mais e não se tornarem inimigos

Antologia Poética

367

literais, isso pode ser um bom indício de que essas duas pessoas

no mínimo se respeitam.

Poderíamos trocar o sentido da palavra amor, talvez por

tolerância? Não é este o caso, a semântica talvez, o sentido não.

Sobre aquela pessoa que me é cara, minha afortunada metade,

devo dizer, o que me tem feito crer no amor, isso já por vinte

anos: é o fato de apesar dos meus incontáveis defeitos, ela tem

me agüentado e sido sujeita a esse amor por quem ela vive.

Minha querida esposa, devo a ti a minha crença no amor, na

vida e até em Deus. Te amo, acredito que seja isso o que quer

dizer amar alguém, querer sempre o melhor para a pessoa

amada. Devo confessar que não sou o melhor, mas sou o que

sou para te agradar, para te fazer feliz, e para que nunca percas

a fé que tens no amor e na vida. Minha cara alma metade,

Iranete!

Evan do Carmo. 30/11/08

Antologia Poética

368

Sina comum

eu não creio em carma

nem em sorte,

ou tampouco em tolices

desse tanto.

nasce o homem

com uma sina apenas,

como nascem

a mosca e o pirilampo.

é mister manter

a mente são,

liberta do abismo

que prende

o homem crente

à corrente

aos pés de algum santo.

Antologia Poética

369

Sonho suspenso,

Há um sonho suspenso,

uma ideia que não veio à luz,

Um projeto abstrato incompleto,

um suspiro que a dor não produz.

Um desejo que não tem sabor

uma flor de aroma sem sais

Uma pedra à beira da estrada,

uma espada de lados iguais..

À distância do mar e da praia,

uma arraia que pica os mortais,

Há um sonho suspenso na noite,

que o açoite do vento levou...

Hoje penso que não sou humano,

sou a sombra da flor que murchou.

02/11/2008

Antologia Poética

370

Condenado

Um condenado a contemplar a luz

Acredita não mais ver o sol brilhar

Seu olhar de encantamento treme

De saber que a luz para o amanhã na há.

Um condenado pela lei suprema

Julgado foi para se entregar

Ao sumo ego dos seus vis desejos

E em breve tempo ter que se ajustar

À natureza de um homem fraco

Que não suporta a luz contemplar

Por toda vida se escondeu da vida

Agora finda o seu procurar.

O que maltrata a alma do vivente

É ser semente de um não plantar

Quem rega a planta é dono do tempo

E o movimenta quando quer parar.

Mesmo com virtude o homem não pode

Alterar a marchar do seu caminhar

O destino é certo pra quem vive a terra

A luz se encerra com o não respirar.

Antologia Poética

371

Aqui o poeta Evan do Carmo está com sua Irmã Sônia,

sobrinha Nina, e seu filho Heverson Henrique

Antologia Poética

372

Cai a chuva

Cai a chuva sobre o telhado,

todavia o telhado não é de zinco

mesmo assim, ouço os pingos da água

como que formando palavras de um poema triste.

A solidão é insuportável

ainda mais quando não brilha o sol

ou cai uma grande tempestade

então é que nos vem à consciência

de que estamos sós

através da voz penetrante do silêncio.

Antologia Poética

373

Evan do Carmo, com sua Mãe Nanú e sua irmã Sônia

Antologia Poética

374

Efêmera fonte

Fazer poesia por vício ou ofício,

Não importa.

Até mesmo os poetas místicos têm valor singular,

Mesmo quando dão vida às pedras, e às águas,

Que mesmo mortas correm em seu leito fúnebre.

Ninguém que beber dessa fonte terá sede outra vez.

Mesmo aquelas criaturas que dormem

Sobre a cama do anonimato, despertarão um dia

Para respirar um ar puro que produz vida em plenitude.

A chama ardente queimará o coração álgido dos espíritos

brutos

Que tiverem apenas um contato com a flama chamejante da

poesia.

Antologia Poética

375

Estou Prenhe

O pôr-do-sol, uma luz flamejante desce sobre o meu horizonte

Dentro de mim há um inalcançável deserto,

Perdi em algum lugar, o que os homens chamam de paz.

Meu eterno buscar me veio com mais força que antes

Como um vulcão que dormira por milênios

É assim que ruge no fundo d’alma meu espírito inconstante,

As vezes penso que algo muito grande vai sair de dentro de

mim.

Não pode ser outro poema, nem pode ser um livro novo

O que esperneia no meu ventre é algo assustador

Mesmo para quem tá acostumado dar à luz filhos estranhos

Mesmo para um espírito criador esta sensação é deveras

incomum

Um período longo de gravidez produziu em mim

Ou alimentou dentro mim um ser bizarro.

Antologia Poética

376

Amor Recíproco

Posso roubar a tua alma

absorver teu espírito

me embriagar na tua essência leve

mais nunca tocarei teu corpo

sem tua permissão.

antes que tenhas por mim

paixão e desejo ardente.

Não concebo o amor físico

sem ser recíproco.

Antologia Poética

377

Tudo tem um fim. (uma metáfora)

A termo, por certo, tudo chegará um dia.

O sol que nasce vibrante, pra lua enfim clarear.

O vento que baila que canta e assobia.

A noite febril dos alucinados que parte aos primeiros raios da

manhã.

A primavera imponente de cores mil, o outono árido e sombrio,

O inverno que aquece os corações amantes.

O amor eterno dos que amam sem limite,

Tudo nessa vida é passageiro,

E não se sabe ao certo para onde vão tantos caminhos.

Entram dias e saem dias, e nada altera o poder do dinheiro.

Os homens buscam a todo custo a fama,

Em vão querem perpetuar suas glórias,

Todavia, até as glórias sã fugazes...

Antologia Poética

378

Humano

Humano, demasiadamente humano.

Eis tudo que não quero ser

Sou progênie de um sangue antigo

Que um amigo me lego ao alvorecer.

Meu destino é correr atrás da vida

Percebida aos que querem reviver

Das entranhas, dos enigmas dos mitos

Acredito ter o dom de convencer...

Para os ídolos dos mortos um aceno,

Obsceno, pois é tudo que aos meus olhos podem ter.

Em tom claro Grito aos mudos distraídos

Convertidos à crença do existir.

Já chegou, ao meu gosto o tempo certo

Um deserto em oásis transformou

Aos que antes vagueavam tão incertos

Uma luz das alturas iluminou....

Antologia Poética

379

Sobre mim

Derramarei meu espírito no mais alto grau de confissão

Para que meu ego saiba como sou um bonachão,

Só que nunca suportei face da presunção.

Eu mesmo tenho fugido do meu destino final,

Que é ser dono do mundo de um modo desigual,

Não tive amor nem dinheiro, só falta do que fazer,

Ganhei as dores da vida porque não soube viver.

Ainda falta-me muito na terra a realizar

Vencer o medo da morte e o perigo de voar,

Navegar por entre mares nas profundezas do chão

Cavar em busca da vida que perdi em discussão,

Saciar o meu desejo e a sede do coração.

Falta-me beber o vinho das loucas noites de paz

Abraçar um corpo livre das covas, dos ideais,

Embriagar-me com um sorriso do anjo mais pertinaz

Enfim ter o meu quinhão, ser dono de um amor veraz.

Antologia Poética

380

Caminho do vento

Descobri o caminho do vento

sei onde passa suas horas de folga

onde deita seu corpo enfadonho e sedento,

vi-o se distraindo com o passar do tempo.

nos seus dias de tédio afogando as mágoas

em atroz sofrimento, reclamando a sorte

perdido em eterno lamento.

é, eu vi o espírito do vento

não me custa dizer

que sou, mais um desatento

que perdi a razão,

que não soube sentir as vibrações da vida

nem a marcas do tempo.

Antologia Poética

381

Para Quintana

Um poeta da altura de Drummond

Que pudesse as estrelas alcançar,

Não concebo a vaidade do saber

Quando não anda junto do ensinar.

Ser pessoa para mim o mais dileto

Me completo com a falta do pensar,

Todavia, não devia me esquecer,

Da virtude de Quintana a delirar,

Sua nobre estirpe não pecou,

Foram os homens que perderam

A hombridade do julgar.

Ser comum aos mortais é algo certo,

E por certo, não iriam me aceitar,

Assumiram uma postura desigual

Fora vil sua maneira parcial,

Colocaram nas cadeiras imortais

Alguns mortos que em vida

Não chegaram a respirar.

Eu aqui nos meus enleios emblemáticos,

Sou enfático quando digo sem pensar,

Antologia Poética

382

Peço calma aos arautos da justiça

Sem preguiça não permitam o vaguear,

Olhe os homens pela obra, não oprimam

Os que primam pela arte de somar.

Não confundam popular com qualidade

Pois o cristo não seria exemplar

Há, de fato, uns estranhos nas estrelas,

Pois, sem vê-las não podiam caminhar

É verdade o que diz um sábio antigo,

Meu amigo, nas sombras, quando

O sol não aparece, qualquer farol

Parece iluminar o mar.

Antologia Poética

383

O Poeta com seu cunhado Zé Cruzeiro e sua irmã Sônia, no dia

em que ela faleceu.

Antologia Poética

384

Almoço em família, na casa do poeta, July, Zé Cruzeiro, Sônia,

Nina e dona Nanú.

Antologia Poética

385

O Poeta com sua Esposa e Musa, Iranete Pontes, em Caldas

Novas, lugar para onde sempre iam para descansar e namorar.

Antologia Poética

386

Em 2005, em Vicente Pires, DF. Aqui o poeta fazia fotos junto

com sua esposa Iranete Pontes.

Antologia Poética

387

O Poeta Evan do Carmo, com seus filhos, Luana do Carmo,

Evan Henrique e Heverson Henrique, no aeroporto de Brasília.

Antologia Poética

388

Evan do Carmo, com esposa e seus netos, Beatriz e Fábio

Junior.

Antologia Poética

389

Evan do Carmo, com Mateus, neto carioca.

Antologia Poética

390

Aqui o poeta, oficializando seu casamento com Iranete Pontes

em 1993, pois já viviam juntos há 3 anos.

Antologia Poética

391

O poeta fazendo sua casa em 2008. Construiu com suas

próprias mãos, esta é, segundo ele, a sua maior obra. Há muitas

referências em sua poesia, ao criador, construtor e até ao

pedreiro.

Antologia Poética

392

O Poeta Evan do Carmo, com sua Esposa Iranete, em

Mangaratiba, no Rio de Janeiro, o poeta sempre visitava a

cidade de Emil de Castro.

Antologia Poética

393

Evan do Carmo com seus filhos Evan Henrique e Heverson

Henrique em Aruanã Goiás

Antologia Poética

394

Evan do Carmo com Telma Fonseca, época em que tocava nos

bares da vida.

Antologia Poética

395

Evan do Carmo com seu irmão mais velho, Jadeilson

Antologia Poética

396

Autobiografia

A vaidade do homem é o que lhe sustenta a vida, seu ego é o

centro das suas motivações mais secretas. Não escolhi ser

escritor, nem jamais poderia acreditar se ouvisse de alguém este

presságio. Contudo, dizem os sábios que o mundo dá muitas

voltas, isto realmente é um fato concreto, irrefutável.

Sem me ater aqui aos filósofos com suas teorias do eterno

retorno, eu falo mesmo é da sabedoria popular, daquela que

nós adquirimos de gerações passadas. Vejam os senhores, eu

nasci a 29/04/1964, no sertão da Paraíba, precisamente em

Monteiro, filho de Heleno e Nanú, meu pai era agricultor,

minha mãe costureira, não estudei formalmente na escola mais

do que quatro anos regulares, perdi meu pai aos 11 anos de

idade, tive que ir morar com o tio Sebastião, que era pedreiro

em juazeiro da Bahia.

Uma vez com este tio, que tinha o ofício de construir casas,

logo eu aprenderia a mesma profissão, todavia escola não era

viável para meu projeto de vida atual. Morei com ele até 0s 19

anos, durante este tempo aprendi a tocar violão, olhando os

meus amigos, mesmo sem ter um instrumento próprio consegui

alcançar certa perícia com o instrumento, pois foi por aí que

comecei a andar na trilha incomum e apertada da poesia.

Aos 20 anos resolvi partir para outra aventura, deixei meu tio

na Bahia e vim morar em Brasília com meu irmão mais velho,

Jadeilson. Em Brasília eu já me aventurava com certa timidez a

cantar nas noites, nos bares da vida. Ainda não estava em meus

planos factíveis alguma possibilidade real de estudo regular, de

uma aspiração intelectual.

Antologia Poética

397

Nos bares, onde vivi por 15 anos, conheci muita gente, a

primeira esposa, que me deu um filho homem, Heverson

Henrique, mas vivemos juntos apenas por três anos, então

sozinho, tive que assumir a criação deste filho, uma dádiva das

alturas, mas logo viria minha verdadeira redenção. Encontrei

Iranete, minha esposa atual, e para toda eternidade, a minha

outra metade, é verdade, meus amigos, ela existe. Iranete

Pontes do Carmo, além de escrever poemas, também me deu

um filho homem, Evan Henrique, seu belo nome foi a melhor

homenagem já recebida em vida, creio que não será superada

após a morte.

Com Iranete a vida se tonou um verdadeiro paraíso, ela adotou

a mim e a meu filho, o criou como uma verdadeira mãezinha, é

assim que ele a chama.

Eu ainda precisava estudar, para desenvolver minha arte de

escrever, foi Iranete também quem me corrigiu e corrige até

hoje a minha ortografia. Aos trinta anos voltei à escola, fiz um

curso técnico de informática, com segundo grau, ainda era

preciso algo mais, minha arte de escrever necessitava de mais

qualidade ou qualificação.

Aos 40 anos, durante uma crise existencial, resolvi cursar

jornalismo, mas não entendia porque este curso; se eu tinha

como base uma cultura braçal, construir casas, coisas do tipo!

Logo se revelaria em mim outro espírito, outra aptidão; conheci

logo no primeiro semestre uma dezena de autores clássicos, que

até então eu não sabia que existia, havia já lido muitos livros,

mas foi ali que realmente me despertou a poesia e a filosofia

verdadeiramente ditas.

Antologia Poética

398

Deixei para trás a música que havia me conferido alguns

privilégios e amizades, gravei CD, fiz shows com gente muito

boa na música, mas eu queria algo maior – escrever um

romance, produzir textos e ensaios filosóficos, era um

verdadeiro delírio, para um pedreiro, contudo, foi uma

revelação rápida e produtiva, logo estava eu com vários livros

escritos e publicados. Ganhei concursos de literatura, fui

convidado inexplicavelmente para ser jurado de um concurso

nacional, com remuneração importante, e o jornalismo me

conduzia para outros caminhos, muito conhecimento na área da

política, comecei a editar jornais, jornais que eu mesmo

criei em cidades de Brasília, mas minha verdadeira vocação é

ganhar um Nobel de Literatura, outro abismal delírio para um

ex. pedreiro, agora jornalista e escritor de muitos livros, mas

tudo estava ainda no campo da imaginação, o que eu havia

concebido como arte, literatura e poesia não poderia ser visto

por pessoas comuns como algo extraordinário, apenas para

mim e para minha esposa companheira fiel e verdadeira, tudo

isto parecia e parece um belo e longo sonho – eu poeta e

escritor.

Tudo encaminhado, em 2014 resolvi editar uma série de

biografias de políticos do Brasil, com intuito de trazer ao

conhecimento popular, fatos noticiados na mídia, para isto

publiquei vários livros de personalidades controvérsias, como

são todos os políticos brasileiros. Minha obra conta hoje, com

estes livros, 42 títulos publicados, entre eles destaco o

Moralista e o livro mais importante para meu aprendizado

filosófico, que é Elogio à loucura de Nietzsche, que retrata bem

a minha presunção nesta área do saber poético.

Antologia Poética

399

Esta autobiografia fora de hora, tem como objetivo chegar a

este ponto culminante da minha vaidade, pois bem, acabo de

assinar contrato com uma editora americana para tradução e

publicação de dois livros meus, estes dois citados como sendo

os mais importantes.

Quem poderia prever que este garoto peralta, fugido da Paraíba,

órfão de pai, sem estudo formal, conseguisse tudo que já

consegui, estou estarrecido, com este fenômeno que foi

produzido pela leitura obstinada, despretensiosa, contudo,

nunca perdi o foco, mesmo que através do sonho, buscar a auto

superação.

Evan do Carmo 15/02/2014

Antologia Poética

400

A poesia segue existindo, não só nos meus versos e de outros

poetas anônimos, segue existindo também nas lembranças e nos

desejos humanos para o futuro. A Poesia é a certeza da nossa

humanidade, somos e seremos capazes de amar, desde que não

permitamos que a poesia morra, só assim estaremos seguros, e

seremos fortes e verdadeiramente humanos.

Evan do Carmo

Antologia Poética

401

Fim

23/10/2014

Antologia Poética

402

Antologia Poética

403