126
O EVANGELHO DE SRI RAMANA MAHARSHI

Evangelho Do Maharshi

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Seleção de Conversas com Ramana Maharshi - Índia (1879 - 1950)

Citation preview

Page 1: Evangelho Do Maharshi

O EVANGELHO DE SRI RAMANA MAHARSHI

Page 2: Evangelho Do Maharshi

O Evangelho do Maharshi

LIVROS I & II

Respostas de

BHAGAVAN SRI RAMANA MAHARSHI

Às Questões Feitas A Ele pelos Devotos

SRI RAMANASRAMAM Tiruvannamalai

2002

Page 3: Evangelho Do Maharshi

© Sri Ramanasramam Tiruvannamalai Décima Terceira edição 2002 Cópias 2000 CC No: 1025 ISBN 81-88018-02-3 Preço: Rs. 25 Publicado por V.S. Ramanan Presidente do Conselho Administrativo Sri Ramanasramam Tiruvannamalai 606 603 Organizado e datilografado por Sri Ramanasramam Impresso por Kartik Offset Printers Chennai 600 015

Page 4: Evangelho Do Maharshi

PUBLICADO PELA PRIMEIRA VEZ NA OCASIÃO

do 60º JAYANTI (ANIVERSÁRIO)

de

Bhagavan Sri Ramana Maharshi 27 de Dezembro de 1939

Page 5: Evangelho Do Maharshi

PREFÁCIO

Correspondendo ao sincero desejo de um grande

número de devotos de Bhagavan Sri Ramana, as respostas para algumas questões feitas a Ele, de tempos em tempos, foram impressas na forma de um livro sob o título de EVANGELHO DO MAHARSHI, para o benefício do mundo como um todo.

Estas questões, algumas vezes, surgiram para muitos de nós e lutamos conosco para resolvê-las. As respostas dadas por Maharshi são a quintessência da Sabedoria Divina, sendo baseadas em Seu direto conhecimento e experiência. Suas respostas são de inestimável valor para o mais sincero buscador da Verdade.

A profunda verdade do Advaita, de que só uma Realidade é o Ser absoluto ou Brahman, em nenhum lugar foi mais lucidamente exposta do que nestas páginas. Porque, por um lado, Bhagavan Sri Ramana fala baseado na Sua mais alta experiência e, por outro, isto é feito através do ponto de vista da compreensão comum do leigo, o aspirante que busca conhecer a Verdade.

A verdade é a mesma para todos e Sri Bhagavan conduz o mais sincero aspirante a investigar e examinar criticamente sua própria experiência íntima e a buscar, por si mesmo, o cerne do seu ser, o Coração, que é eternamente idêntico com a Realidade Última e Única, da qual todas as coisas vistas ou conhecidas são meramente uma manifestação fenomênica.

Cada palavra que sai dos lábios do Sábio vem da essência do conhecimento dos Upanishads, do qual Ele Próprio é a Incorporação Suprema.1

O leitor devoto encontrará práticos conselhos nestas páginas e ganhará a convicção de que sua natureza essencial é Divina; e é esta convicção a que pode sustentá-lo em seu esforço espiritual.

O Evangelho do Maharshi é verdadeiramente o Evangelho da Verdade. 1 Remete o leitor ao Artigo de Sri Swami Siddheswarananda na pág. 111 deste livro.

Page 6: Evangelho Do Maharshi

CONTEÚDO

LIVRO I Capítulo

I II III IV V VI VII VIII

Trabalho e Renúncia Silêncio e Solidão Controle da mente Bhakti e Jnana Ser e Individualidade Auto-Realização Guru e Sua Graça Paz e Felicidade

Página 9 21 24 32 35 40 46 54

LIVRO II

I II III IV V VI

Auto-indagação Sadhana e Graça O Jnani e o Mundo O Coração é o Ser O Lugar do Coração Aham e Aham-Vritti Anexo Glossário

57 68 72 86 92 101 111 119

Page 7: Evangelho Do Maharshi

EVANGELHO DO MAHARSHI

LIVRO I

Page 8: Evangelho Do Maharshi

I

TRABALHO E RENÚNCIA

Discípulo: Qual é a mais alta das metas da experiência espiritual para o homem?

Maharshi: A realização do Ser. D: Um homem casado pode realizar o Ser (o

Si Mesmo)? M: Certamente. Casado ou não-casado, um

homem pode realizar o Ser; porque Este está aqui e agora. Se não fosse assim, mas se fosse atingível só por algum esforço num certo momento, e se fosse novo e tivesse que ser obtido, não valeria a pena buscar, porque o que não é natural também não é permanente. Mas, o que digo é que o Ser está aqui e agora e isto é tudo.

D: Um punhado de sal submergindo no mar não estará protegido por um agasalho impermeável. Este mundo no qual temos de trabalhar indefinidamente é como o oceano.

M: Sim, a mente é o agasalho. D: Assim, então, pode-se estar empenhado

em trabalhar e, livre de desejo, manter-se a própria solidão? Pois os deveres da vida deixam pouco tempo para sentar em meditação ou mesmo para orar.

M: Sim. O trabalho executado com apego é uma prisão, enquanto que o trabalho executado com desapego não afeta aquele que faz. Ele está

Page 9: Evangelho Do Maharshi

em solidão mesmo enquanto trabalha. Empenhar-se em seu dever é a verdadeira namaskar2 (prostração)…… e habitar em Deus é o único asana3 (postura meditativa) real.

D: Eu não deveria renunciar ao meu lar? M: Se este tivesse sido seu destino, a

questão não teria surgido. D: Por que, então, você deixou sua casa na

juventude? M: Nada ocorre exceto pela permissão

Divina. O caminho de conduta de uma pessoa nesta vida é determinado pelo seu prarabdha4 (carma).

D: É bom devotar todo meu tempo em busca do Ser? Se isto é impossível, devo simplesmente manter-me quieto?

M: Se você pode manter-se quieto, sem envolver-se com qualquer outra busca é muito bom: se isto não pode ser feito, onde está a utilidade de se ficar quieto, na medida em que a realização é afetada? Tanto quanto uma pessoa é obrigada a ser ativa, que ela não abandone as tentativas de realizar o Ser.

D: As ações de uma pessoa afetam seus nascimentos posteriores?

M: Você nasceu agora? Por que você pensa em outros nascimentos? O fato é que não existe nem nascimento e nem morte. Que aquele que nasceu pense na morte e no seu paliativo!

D: Você pode nos mostrar os mortos? 2 Namaskara: Prostração diante de Deus ou do Guru. 3 Asana: Postura corporal meditativa. 4 Prarabdha: a parte do karma da pessoa que deve ser executada nesta vida.

Page 10: Evangelho Do Maharshi

M: Você conhecia seus parentes antes de seus nascimentos de modo que deva procurar conhecê-los depois de suas mortes?

D: Como se encaixa um grihastha (homem de família) no esquema de moksha5 (liberação)? Ele não deve necessariamente tornar-se um mendigo para obter a liberação?

M: Por que você pensa que é um grihastha (homem de família)? Pensamentos deste tipo, de que você seja um sannyasin (asceta) 6, o perturbarão mesmo que renuncie como um sannyasin (asceta). Tanto se você continuar na sua casa quanto se renunciar a ela e for para a floresta, a sua mente continuará lhe perturbando. O ego é a fonte do pensamento. Ele cria o corpo e o mundo, e faz você pensar que é um grihastha (homem de família). Ao renunciar, você apenas substituirá o pensamento de grihastha (homem de família) por aquele de sannyasin (asceta), e o contexto do lar por aquele da floresta. Mas os obstáculos mentais estarão sempre ali para você. Eles até aumentam enormemente em ambientes novos. Modificar o contexto não ajuda. O único obstáculo é a mente; ela deve ser superada tanto em casa como na floresta. Se você pode superá-la na floresta, por que não pode em casa? Portanto, por que modificar o ambiente? 5 moksha: Liberacão; liberação espiritual.

6 sannyasi: asceta; aquele que renunciou ao lar, à propriedade, à casta e a todos os interesses humanos na busca espiritual. A renúncia é permanente e definitiva, ao passo que o sadhu (também um asceta) tem a liberdade de poder voltar à família. Um sannyasin usa o manto ocre como símbolo da sua renúncia, enquanto que um sadhu usa um dhoti (pano branco de algodão).

Page 11: Evangelho Do Maharshi

Mesmo agora, seus esforços podem ser feitos em qualquer contexto.

D: É possível desfrutar do samadhi7 enquanto nos ocupamos com o trabalho mundano?

M: O sentimento de que ‘eu trabalho’ é o impedimento. Pergunte a si mesmo ‘quem trabalha?’. Lembre-se de quem você é. Então, o trabalho não irá lhe atar; ele seguirá automaticamente. Nem faça esforço para trabalhar, nem para renunciar; seu esforço é a escravidão. O que está destinado a acontecer acontecerá. Se você está destinado a não trabalhar, o trabalho não poderá ser obtido mesmo se for atrás dele; se você estiver destinado a trabalhar, não será capaz de evitá-lo; será forçado a envolver-se com ele. Assim, deixe isso para o Poder Mais Alto; você não pode renunciar ou conservar por sua própria escolha.

D: Bhagavan disse ontem que enquanto estamos empenhados na busca de Deus ‘dentro’, o trabalho ‘externo’ seguiria automaticamente. Na vida de Sri Chaitanya8 é dito que durante suas conferências aos estudantes, ele estava realmente buscando Krishna (o Ser) dentro e, esquecendo tudo sobre seu corpo, seguia falando somente de Krishna. Isto levanta uma dúvida se o trabalho pode ser seguramente deixado a si mesmo. Não se

7 Samadhi: estado de concentração supremo. 8 Sri Chaitanya - líder religioso (1486-1533) que reavivou o movimento bhakti, devocional, através de cultos de evocação da vida de Krishna

Page 12: Evangelho Do Maharshi

deveria manter uma atenção parcial sobre o trabalho físico?

M: O Ser é tudo. Você é separado do Ser? O Ser é universal; assim, todas as ações seguirão se você se esforça para estar envolvido com elas ou não. O trabalho seguirá por si mesmo. Assim, Krishna disse a Arjuna que ele não precisava se preocupar por matar os Kauravas (seus primos perversos); eles já estavam mortos por Deus. Não era para ele decidir-se a trabalhar e afligir-se por isso, mas, sim, permitir que sua própria natureza cumprisse a vontade do Poder Mais Alto.

D: Mas o trabalho pode ser prejudicado se eu não prestar atenção a ele.

M: Prestar atenção ao Ser significa prestar atenção ao trabalho. Por causa da sua identificação com o corpo, você acha que é você quem faz o trabalho. Mas, o corpo e suas atividades, incluindo aquele trabalho, não estão separados do Ser. O que importa se você presta atenção ao trabalho ou não? Suponha que você caminhe de um lugar a outro: você não presta atenção aos passos que dá. Ainda assim, depois de um tempo, depara-se consigo mesmo em sua meta. Vê como o problema de caminhar segue sem sua atenção a ele. Assim também é com as outras espécies de trabalho.

D: É, então, como caminhar-adormecido? M: Como o sonambulismo? Isso mesmo.

Quando uma criança está profundamente adormecida, sua mãe a alimenta; a criança come o alimento tão bem como quando está

Page 13: Evangelho Do Maharshi

completamente desperta. Mas, na manhã seguinte, a criança diz a sua mãe: “Mãe, não comi nada na noite passada”. A mãe e os outros sabem que ela comeu, mas ela diz não ter comido, ela não estava ciente. Mesmo assim a ação tinha acontecido.

Um viajante em uma carroça cai adormecido. Os bois movem-se, ficam parados ou são desatrelados durante a viagem. O viajante não sabe destes eventos, mas encontra-se em um lugar diferente depois de despertar. Felizmente permaneceu ignorante dos acontecimentos do caminho, e a jornada terminou. Similarmente é com o Ser de uma pessoa. O sempre-desperto Ser é comparado ao viajante adormecido na carroça. O estado de vigília é o movimento dos bois; o samadhi é quando eles estão parados (porque samadhi é jagrat-sushupti9, isto é, a pessoa está desperta, mas não está envolvida na ação; os bois estão atrelados, mas não se movem); o sono profundo é o desatrelamento dos bois, pois há completa cessação da atividade, o que corresponde a libertar os bois do jugo. Ou ainda, tome o exemplo do cinema. As cenas são projetadas na tela numa sessão de cinema. Mas as imagens que se movem não afetam ou alteram a tela. O espectador presta atenção a elas, não à tela. Elas não podem existir separadamente da tela e, no entanto, a tela é ignorada. Assim também, o Ser é a tela 9 jagrat sushupti: sono profundo no estado desperto, no estado de vigília.

Page 14: Evangelho Do Maharshi

onde as imagens, atividades, etc; seguem e são vistas. O homem está ciente destas últimas, mas não está ciente do Ser. Entretanto, o mundo das imagens não está separado do Ser. Estando ele ciente ou inconsciente da tela, as ações continuarão.

D: Mas há um operador no cinema! M: A sessão de cinema é feita de materiais

insensíveis. A lâmpada, as imagens, a tela, etc., são todos insensíveis e, assim, precisam de um operador, o agente sensível. Por outro lado, o Ser é consciência absoluta e, logo, autônomo. Não pode existir um operador separado do Ser.

D: Eu não estou confundindo o corpo com o operador; ao invés, estou referindo-me às palavras de Krishna no versículo 61, capítulo XVIII do Gita:

“O Senhor Supremo está situado nos corações de todos, Oh Arjuna, e está dirigindo as andanças de todas as entidades vivas que estão sentadas num tipo de máquina feita pela energia material.” (Baghavad-Gita XVIII-61) 10

M: As funções do corpo que implicam a necessidade de um operador nascem na mente;

10 Versão de Swami Prabhupada traduzida para o português de ‘O Baghavad-Gita como Ele é’.

Page 15: Evangelho Do Maharshi

visto que o corpo é jada ou insensível, é necessário um operador sensível. Por que as pessoas pensam que elas são jivas (almas individuais) 11, Krishna disse que Deus reside no Coração como o Operador dos jivas. De fato, não existe, por assim dizer, nem jiva e nem um operador fora delas; o Ser compreende tudo. Ele é a tela, as imagens, o observador, os atores, o operador, a luz, o cinema e todo o resto. Essa sua confusão, que toma o Ser como o corpo e imagina que você é o ator, é como se o observador representasse a si mesmo como um ator na sessão de cinema. Imagine o ator que pergunta se ele pode fazer uma cena sem a tela!

Tal é o caso do homem que pensa que suas ações são separadas do Ser. 12

D: Por outro lado, é como pedir para que o espectador aja nas imagens do filme. Assim, devemos aprender a dormir acordados! (o sono profundo no estado de vigília - jagrat-sushupti ).

M: As ações e os estados existem de acordo com o próprio ponto de vista. Um corvo, um elefante, uma cobra, cada um destes faz uso de um dos seus membros para dois propósitos diferentes. Com um olho o corvo olha para 11 Jiva: a alma individual; o ego. 12 Uma possível leitura é: “Essa sua confusão [...] é como se o observador (o Atman) representasse a si mesmo como um ator (uma alma individual, jiva) na sessão de cinema (no estado de vigília, jagrat).” Shankaracharya assinala a mesma espécie de confusão no verso 267 do Vivekachudamani: “Mesmo depois que a Verdade foi realizada intimamente, perdura esta forte e obstinada impressão, sem princípio, de que se é ator e experimentador. Essa impressão é a causa do renascimento. Devemos arrancá-la com muito cuidado vivendo constantemente identificados com Brahman.” Transposta para o teatro a frase de Maharshi em itálico que aparece na sequência resultaria: “Imagine o ator que pergunta se ele pode fazer uma cena sem o espaço vazio do palco!”

Page 16: Evangelho Do Maharshi

ambos os lados; para o elefante a tromba tanto tem o propósito de mão como de nariz, e a serpente vê e ouve com seus olhos. Mesmo se você disser que o corvo tem um olho ou olhos, ou se referir à tromba do elefante como ‘mão’ ou ‘nariz’, ou chamar os olhos da serpente de seus ouvidos, significaria tudo o mesmo. Do mesmo modo, no caso do jnani (sábio)13, o sono profundo na vigília ou a vigília no sono profundo, o sono profundo no sono com sonhos ou a vigília no sono com sonhos, é tudo a mesma coisa.

D: Mas temos de lidar com um corpo físico em um mundo físico que está na vigília! Se dormirmos enquanto o trabalho está sendo feito, ou tentarmos trabalhar adormecidos, o trabalho irá seguir de modo equivocado.

M: O sono profundo não é ignorância, é o estado puro de uma pessoa; a vigília não é conhecimento, é ignorância. Existe plena consciência no sono profundo e ignorância total no estado de vigília. A sua natureza real cobre a ambos os estados e se estende além. O Ser está além do conhecimento e da ignorância. Os estados de sono profundo, de sono com sonhos e de vigília são apenas modos que passam diante do Ser: eles ocorrem estando você ciente deles ou não. Este é o estado do jnani (sábio) em quem passam os estados de samadhi, vigília, sono com sonhos e sono profundo; como os bois que se movem, param ou são

13 Jnani: o sábio; aquele que realizou o Ser, isto é, identificou-se com o Ser, o Um sem segundo.

Page 17: Evangelho Do Maharshi

desatrelados, enquanto o passageiro está adormecido. Estas respostas são dadas do ponto de vista do ajnani (ignorante)14; de outro modo tais questões não surgiriam.

D: É claro, elas não podem surgir para o Ser. Quem estaria lá para perguntar? Mas, infelizmente, eu ainda não realizei o Ser!

M: É exatamente este o obstáculo em seu caminho. Você deve descartar a idéia de que você é um ajnani (ignorante) e de que ainda tem que realizar o Ser! Você é o Ser. Houve algum momento em que você não estivesse ciente deste Ser?

D: Então, devemos experimentar o sono profundo na vigília ...... ou (experimentar) o dia no sono com sonhos?

M: (Risos). D: Eu sustento que o corpo físico do

homem que está imerso em samadhi como resultado de uma incessante ‘contemplação’15 do Ser, pode ficar sem movimento por esta razão. Ele pode ser ativo ou inativo. A mente estabelecida em tal ‘contemplação’ não será afetada pelos movimentos do corpo ou dos sentidos; nem o distúrbio da mente é o precursor da atividade física. Enquanto que outra pessoa afirma que a atividade física certamente impede o samadhi ou a ‘contemplação’ incessante. Qual é a opinião de

14 ajñani: o ignorante, aquele que não realizou o Ser. 15 A palavra contemplação é frequentemente utilizada livremente para se referir a um processo mental forçado, enquanto que samadhi está além do esforço. No entanto, na linguagem do misticismo Cristão, “contemplação” é invariavelmente utilizada como uma palavra sinônima de samadhi, e é neste sentido que a palavra é utilizada acima.

Page 18: Evangelho Do Maharshi

Bhagavan? Você é a prova permanente da minha afirmação.

M: Ambos estão certos: você se refere a sahaja nirvikalpa samadhi e o outro se refere a kevala nirvikalpa samadhi.16 No último caso, a mente fica imersa na luz do Ser (enquanto que no sono profundo a mesma mente fica na escuridão da ignorância); e o sujeito faz uma distinção entre samadhi e a atividade depois de despertar do samadhi. Além disso, a atividade do corpo, da visão, das forças vitais e da mente, e da cognição dos objetos, tudo isso é obstrução para aquele que busca realizar o kevala nirvikalpa samadhi. Em sahaja samadhi, entretanto, a mente se dissolveu no Ser e se perdeu. As diferenças e as obstruções mencionadas acima, portanto, não existem aqui. As atividades de tal Ser são como a alimentação de uma criança sonolenta, perceptível para a pessoa circunstante, mas não para o sujeito. O viajante adormecido na carroça em movimento não está ciente do movimento do carro, porque sua mente está submersa na escuridão. Considera-se que o sahaja jnani permanece inconsciente de suas atividades corporais porque sua mente está morta, tendo se dissolvido no êxtase de chidananda (felicidade do Ser).

16 sahaja samadhi: samadhi que vem naturalmente e está sempre presente. kevala samadhi: samadhi no qual as atividades do corpo e da mente estão submersas. nirvikalpa samadhi: o estado de concentração mais alto no qual a alma perde todo o sentido de ser diferente do Ser universal, mas que (no caso de kevala) é um estado temporal do qual há um retorno à consciência-ego.

Page 19: Evangelho Do Maharshi

Nota: A diferença entre sono profundo, kevala nirvikalpa samadhi e sahaja nirvikalpa samadhi pode ser claramente posta em uma tabela como a dada por Sri Bhagavan:

Sono Profundo

Kevala Nirvikalpa

Samadhi

Sahaja Nirvikalpa

Samadhi

1) a mente está viva.

2) submersa no esquecimento.

1) a mente está viva. 2) submersa na Luz.

3) como um balde amarrado a uma corda e deixado na água de um poço.

4) será retirado puxando-se a outra extremidade

da corda.

1) a mente está morta.

2) dissolvida no Ser (no Si Mesmo).

3) como um rio que desemboca no oceano e perde sua

identidade. 4) um rio que não pode

ser devolvido pelo oceano.

A mente do Sábio que realizou o Ser está totalmente destruída. Ela está morta. Para o espectador, entretanto, pode parecer que ele possui uma mente igual a do leigo. Em consequência, o ‘eu’ no Sábio tem apenas uma aparente ‘realidade objetiva’. No entanto, de fato, não tem nem uma existência subjetiva, nem uma realidade objetiva.

Page 20: Evangelho Do Maharshi

II

SILÊNCIO E SOLIDÃO

D: O voto de silêncio é útil? M: O silêncio interior é auto-rendição. E

isto significa viver sem o senso de ego. D: A solidão é necessária para um

sannyasin (asceta)? M: A solidão está na mente de um homem.

Uma pessoa pode estar no burburinho do mundo e ainda manter uma perfeita serenidade da mente; tal pessoa está sempre em solidão. Outra pode ficar na floresta e, no entanto, ser incapaz de controlar sua mente. Não se pode dizer que ela esteja em solidão. Solidão é uma atitude da mente; um homem apegado às coisas da vida não pode obter solidão, onde quer que possa estar. Um homem desapegado está sempre em solidão.

D: O que é mouna (silêncio)? M: O estado que transcende o discurso e o

pensamento é mouna; é meditação sem atividade mental; a meditação profunda é o discurso eterno. O silêncio está eternamente-falando; é o perene fluxo da ‘linguagem’. Ele se interrompe através da fala; pois as palavras obstruem esta ‘linguagem’ muda. As leituras podem entreter os indivíduos por horas sem melhorá-los. O silêncio, por outro lado, é permanente e beneficia o todo da

Page 21: Evangelho Do Maharshi

humanidade.... Por silêncio entende-se eloquência17. As leituras orais não são tão eloquentes quanto o silêncio. O silêncio é eloquência incessante.... É a melhor linguagem.

Há um estado quando as palavras cessam e o silêncio prevalece.

D: Como, então, podemos comunicar nossos pensamentos uns com os outros?

M: Isto se torna necessário se o sentido de dualidade existe....

D: Por que Bhagavan não sai por aí e prega a Verdade ao povo em geral?

M: Como você sabe que não estou fazendo isso? Será que a pregação consiste em montar um palanque e ficar discursando às pessoas em torno? Pregar é a simples comunicação de Conhecimento; pode ser realmente feito somente em silêncio. O que você acha de um homem que ouve um sermão, por uma hora, e vai embora sem ter sido impressionado pelo discurso, de modo a modificar sua vida? Compare-o com outro que se senta em uma sagrada Presença e vai embora, depois de algum tempo, com sua visão de vida totalmente modificada. O que é melhor: pregar em voz alta sem efeito ou sentar-se silenciosamente enviando força interior para fora?

Além disso, como surge o discurso? Há o conhecimento abstrato de onde surge o ego, que por sua vez dá nascimento ao pensamento, e do pensamento vem a palavra falada. Assim, a

17 Capacidade de expressar-se facilmente.

Page 22: Evangelho Do Maharshi

palavra é bisneta da fonte original. Se a palavra é capaz de produzir efeito, julgue por si mesmo, quão mais poderosa é a pregação através do silêncio! Mas as pessoas não entendem esta nua e simples verdade, a verdade do seu dia a dia, a experiência eterna, sempre-presente. Esta verdade é aquela do Ser. Existe alguém que não esteja ciente do Ser? Mas elas nem mesmo gostam de ouvir esta verdade, embora estejam ansiosas de saber o que existe no além, saber sobre o céu, o inferno e a reencarnação.

Por que elas amam o mistério e não a verdade, as religiões as entretêm para que, então, finalmente, estas possam trazê-las de volta ao Ser. Quaisquer que sejam os meios adotados, você deve, por fim, retornar ao Ser: então, porque não habitar no Ser aqui e agora? Para ser um espectador dos outros mundos, ou para especular sobre estes outros mundos, o Ser é necessário; portanto, eles não são diferentes do Ser. Mesmo o homem ignorante quando vê os objetos, vê apenas o Ser.

Page 23: Evangelho Do Maharshi

III

CONTROLE DA MENTE

D: Como posso controlar a mente? M: Não há mente para ser controlada se o

Ser (o Si Mesmo) é realizado. O Ser brilha quando a mente se desvanece. No homem realizado, a mente pode estar ativa ou inativa, o Ser existe sozinho. Pois, a mente, o corpo e o mundo não estão separados do Ser; e não podem permanecer à parte do Ser. Eles podem ser outra coisa do que o Ser? Ao estar ciente do Ser, por que preocupar-se a respeito destas sombras? Como elas afetam o Ser?

D: Se a mente é meramente uma sombra, como, então, alguém pode conhecer o Ser?

M: O Ser é o Coração, auto-luminoso. A iluminação surge do Coração e alcança o cérebro, que é a sede da mente. O mundo é visto com a mente; assim você vê o mundo através da luz refletida do Ser. O mundo é percebido através de um ato da mente. Quando a mente está iluminada, ela está ciente do mundo; quando não está assim iluminada, não está ciente do mundo.

Se a mente volta-se para dentro, em direção a Fonte da iluminação, o conhecimento objetivo cessa e apenas o Ser brilha como o Coração.

A lua brilha pelo reflexo da luz do sol. Quando o sol se põe, a lua é útil para mostrar

Page 24: Evangelho Do Maharshi

os objetos. Quando o sol, nasce ninguém precisa da lua, embora seu disco esteja visível no céu. Assim é com a mente e o Coração. A mente se faz útil pela luz que nela se reflete. É utilizada para ver objetos. Quando se dirige para dentro, ela submerge na Fonte da iluminação que brilha por si Mesma e a mente fica, então, como a lua à luz do dia.

Quando está escuro, uma lâmpada é necessária para dar luz. Mas quando o sol surge, a lâmpada já não se faz necessária; os objetos estão visíveis. E para ver o sol nenhuma lâmpada é necessária; é suficiente se você voltar seus olhos para o auto-luminoso sol. É o mesmo com a mente; para ver os objetos, a luz refletida da mente é necessária. Para ver o Coração, é suficiente que a mente se direcione a ele. Então, a mente não conta e o Coração é auto-refulgente.

D: Depois de partir deste Ashram18 em Outubro, estive consciente da Paz que prevalece na Presença de Sri Bhagavan envolvendo-me por uns dez dias. Todo o tempo em que estava ocupado em meu trabalho, havia uma contínua corrente subterrânea desta Paz na unidade; era quase como a consciência dual que se experimenta quando se está meio adormecido numa árida leitura. Então, desapareceu por completo e as velhas asneiras tomaram seu lugar. O trabalho não dá tempo para a meditação em separado. É suficiente lembrar-se

18 Ashram ou asrama: lugar no qual vivem ascetas e sábios.

Page 25: Evangelho Do Maharshi

constantemente de ‘EU SOU’, enquanto se trabalha?

M: (Depois de uma curta pausa). Se você fortalecer a mente, aquela paz irá continuar por todo tempo. Sua duração é proporcional à força da mente que foi adquirida pela repetida prática. E tal mente é capaz de manter-se firme na corrente. Nesse caso, envolvido ou não com o trabalho, a corrente permanece ininterrupta e imperturbada. Não é o trabalho que atrapalha, mas a idéia de que é você quem o está fazendo.

D: A meditação sentada é necessária para fortalecer a mente?

M: Não, se você sempre mantiver diante de si a idéia de que não é você quem a faz. De início, o esforço é necessário para lembrar-se da meditação, mas depois ela se torna natural e contínua. O trabalho seguirá por sua própria conta e sua paz permanecerá imperturbada.

A meditação é sua verdadeira natureza. Você a chama agora de meditação porque existem outros pensamentos lhe distraindo. Quando estes pensamentos são dissipados, você permanece só – isto é, no estado de meditação, livre de pensamentos; e esta é sua natureza real que você, agora, está tentando ganhar descartando outros pensamentos. Esse descarte de pensamentos é, agora, chamado de meditação. Mas quando a prática tornar-se firme, a natureza real mostra a si mesma como verdadeira meditação.

D: Outros pensamentos surgem mais forçosamente quando se tenta a meditação!

Page 26: Evangelho Do Maharshi

M: Sim, todos os tipos de pensamentos surgem na meditação. Isto é correto; pois o que fica escondido em você vem para fora. A menos que ele desponte, como poderá ser destruído? Os pensamentos surgem espontaneamente, por assim dizer, apenas para serem extintos do modo certo, fortalecendo assim a mente.

D: Há momentos em que as pessoas e as coisas tomam uma forma vaga, quase transparente, como em um sonho. Deixa-se de observá-las como se estivessem fora, mas se é passivamente consciente da existência delas, enquanto não estamos ativamente consciente de qualquer espécie de individualidade. Há uma profunda quietude na mente. É em tais momentos que a pessoa fica pronta para mergulhar no Ser? Ou esta condição não é saudável e resulta de um auto-hipnotismo? Deve ser encorajada como algo que produz paz temporal?

M: Há Consciência ao lado de quietude na mente; isto é exatamente o estado da mente a ser almejado. O fato de que a questão foi formulada sobre este ponto, sem a percepção de que isso é o Ser, mostra que o estado não é estável, mas casual.

A palavra ‘mergulhar’ é apropriada quando existem tendências de extroversão e, nesse sentido, quando a mente tem de ser direcionada e voltada para dentro, há um mergulho sob a superfície das exterioridades. Mas, quando a quietude prevalece sem a obstrução da Consciência, onde está a necessidade de

Page 27: Evangelho Do Maharshi

mergulho? Se aquele estado não foi percebido como sendo o Ser, o esforço que deve ser feito pode ser chamado de ‘mergulho’. Neste sentido, pode ser dito que este estado é apropriado tanto para a realização quanto para o mergulho. E as duas últimas questões que você fez não surgiriam.

D: A mente continua a sentir-se parcial em relação às crianças, possivelmente porque o modelo de uma criança é frequentemente utilizado para personificar o Ideal. Como esta preferência pode ser aumentada?

M: Mantenha-se firme no Ser. Por que pensar nas crianças e nas suas reações a elas?

D: Esta terceira visita a Tiruvannamalai19 parece ter intensificado o senso de egoísmo em mim e tornou a meditação menos fácil. Esta é uma fase passageira e sem importância ou um sinal de que deveria evitar tais lugares daqui por diante?

M: É imaginário. Este lugar ou qualquer outro estão dentro de você. Tal imaginação deve cessar; pois lugares como este não têm nada a ver com as atividades da mente. Também é assim com seus ambientes particulares. Eles são meramente um problema da sua escolha individual; estão lá como uma questão de fato; e você deveria erguer-se acima deles e não permitir-se emaranhar neles. (Um menino de oito anos e meio sentou-se no salão por volta das cinco da tarde, quando Sri

19 Cidade ao lado do Ashram, situada na parte central do sul da Índia.

Page 28: Evangelho Do Maharshi

Bhagavan subiu a Colina. Durante Sua ausência, o menino falou sobre yoga20 e Vedanta21 num tâmil puro, simples e literário, citando livremente os ditos dos santos e as sagradas escrituras. Quando Sri Bhagavan entrou no salão, depois de cerca de quarenta e cinco minutos, somente prevalecia o silêncio. Por vinte minutos, o menino sentou na presença de Sri Bhagavan não falando uma só palavra, mas apenas olhando-O. Então, lágrimas escorreram de seus olhos. Ele as enxugou com sua mão esquerda e, logo depois, deixou o local dizendo que ainda espera pela Auto-Realização).

D: Como deveríamos explicar as extraordinárias características do menino?

M: As características de seu último nascimento estão fortes nele. Mas, por mais fortes que possam estar, elas não se manifestam salvo com uma mente quieta e calma. Está dentro da experiência de todos que as tentativas de lembrar algo na memória, às vezes, falham, enquanto que algo brilha na mente quando ela está calma e quieta.

D: Como a mente rebelde pode se tornar calma e quieta?

M: Ou vendo sua fonte, de modo que possa desaparecer, ou, então, entregando-se de modo que desmorone. Auto-entrega é o mesmo que 20 yoga: união (com o Ser Supremo). 21 A palavra Vedanta é um composto sânscrito que pode ser interpretado como: • veda = "conhecimento" + anta = "fim, conclusão": "o ápice do conhecimento" ou "adendo aos Vedas". • veda = "conhecimento" + anta = "essência", "centro", ou "dentro": "a essência dos Vedas".).

Page 29: Evangelho Do Maharshi

Auto-conhecimento e ambos, necessariamente, implicam em auto-controle. O ego se submete somente quando reconhece o Poder Superior.

D: Como posso escapar do samsara22 que parece ser a causa real que torna a mente inquieta? A renúncia não é um meio efetivo para realizar a tranquilidade da mente?

M: Samsara está somente na sua mente. O mundo não sai por aí dizendo: “Aqui estou eu, o mundo”. Se ele assim o fizesse, sempre estaria lá fazendo com que sua presença fosse sentida por você, mesmo no seu sono profundo. Mas já que, entretanto, ele não está lá no sono profundo, é impermanente. Sendo impermanente, lhe falta substância. Ao não ter nenhuma realidade separada do Ser, é facilmente subjugado pelo Ser. Apenas o Ser é permanente. Renúncia é não identificar o Ser com o não-Ser. Quando a ignorância que identifica o Ser com o não-Ser for removida, o não-Ser cessa de existir, e esta é a verdadeira renúncia.

D: Podemos executar ações desapegadas mesmo na ausência de tal renúncia?

M: Somente um atma jnani23 pode ser um bom karma yogui24.

D: Bhagavan condena a Filosofia dvaita25?

22 samsara: o ciclo de nascimentos e mortes que apenas a Auto-realização interrompe. A vida humana. As atribulações e encargos da vida. 23 atma jñani: aquele que realizou o Ser (Si Mesmo). 24 karma yogui: aquele que segue a via espiritual da ação. 25 dvaita: dualidade. advaita: não-dualidade.

Page 30: Evangelho Do Maharshi

M: O dvaita só pode subsistir quando você identifica o Ser com o não-Ser. Advaita é não identificação.

Page 31: Evangelho Do Maharshi

IV

BHAKTI e JNANA26

D: Sri Bhagavata27 assinala um caminho para encontrar Krishna no Coração, prostrando-se a todos e olhando a todos como o Próprio Senhor. Este é o correto caminho que conduz à libertação? Não é mais fácil adorar a Bhagavan em todas as coisas que a ‘mente’ encontra, do que buscar o Supramental através da indagação mental ‘Quem sou Eu?’?

M: Sim, quando você vê Deus em tudo, você pensa em Deus ou não? Você certamente deve pensar em Deus para ver Deus em tudo ao seu redor. Manter Deus em sua mente torna-se dhyana28 (contemplação) e dhyana é o estágio anterior à Realização. A Realização só pode ser no Ser (no Si Mesmo) e do Ser (do Si Mesmo). Nunca pode ser separada do Ser: e dhyana (contemplação) deve precedê-La. Se você faz dhyana em Deus ou no Ser, isto é irrelevante já que a meta é a mesma. Você não pode, por nenhum meio, escapar do Ser. Você quer ver Deus em tudo, mas não em você mesmo? Se tudo é Deus, você não está incluído neste todo? Sendo você mesmo Deus, é um milagre que tudo seja Deus? Este é o método aconselhado 26bhakti marga: o caminho da devoção, e, jñana marga: o caminho do conhecimento. 27 Refere-se a obra do líder religioso Sri Caitanya Bhagavata (1486-1533) que reavivou o movimento bhakti, devocional, através de cultos de evocação da vida de Krishna. 28 dhyana: estágio avançado de meditação, contemplação.

Page 32: Evangelho Do Maharshi

no Sri Bhagavata, e em outros lugares por outros. Mas mesmo para esta prática deve haver o observador ou o pensador. Quem é ele?

D: Como ver Deus que é Onipresente? M: Ver Deus é ser Deus. Não há um ‘todo’

que esteja separado de Deus para Ele penetrar. Sozinho Ele é.

D: Deveríamos ler o Gita29 de vez em quando?

M: Sempre. D: Qual é a relação entre jnana e bhakti? M: O eterno, ininterrupto e natural estado

de habitar no Ser é jnana. Para habitar no Ser você deve amar o Ser. Já que Deus é, realmente, o Ser, amar o Ser (o Si Mesmo) é amar a Deus; e isto é bhakti. Jnana e bhakti são, portanto, um e o mesmo.

D: Ao fazer nama japa (repetição do nome de Deus)30 por uma hora ou mais, eu caio num estado semelhante ao sono profundo. Ao despertar, recordo que meu japa foi interrompido. Assim, tento novamente.

M: ‘Semelhante ao sono profundo’, isto é correto. É o estado natural. Pela razão de que você, agora, está associado com o ego, você considera que o estado natural é algo que interrompe seu trabalho. Assim, deve ter que repetir a experiência até perceber que este é o

29 Refere-se ao Bhagavad-Gita, texto tradicional hindu, já citado, que apresenta o diálogo travado entre Krishna e Arjuna diante dos lados adversários de uma imensa e eminente batalha. 30 nama japa: repetição do Nome de Deus. Por exemplo: repetição da sílaba OM ou, dentro da tradição Cristã, a repetição contínua da Oração de Jesus, ver a “A Arte da Prece – Uma Antologia Ortodoxa Cristã”.

Page 33: Evangelho Do Maharshi

seu estado natural. Você perceberá, então, que o japa é externo e, no entanto, continuará automaticamente. Sua dúvida atual é devida a esta falsa identidade, isto é, identificar-se com a mente que faz o japa. Japa significa agarrar-se a um único pensamento com a exclusão de todos os outros. Este é o seu propósito. Conduz a dhyana que termina em Auto-Realização ou jnana.

D: Como devo continuar com o nama japa? M: Não se deveria usar o nome de Deus

mecanicamente e superficialmente sem o sentimento de devoção. Para utilizar o nome de Deus deve-se invocar com ardente anseio e entregar-se irrestritamente a Ele. Somente após tal entrega, o nome de Deus fica constantemente com o homem.

D: Onde está, então, a necessidade da indagação ou vichara31?

M: A entrega só pode ter efeito quando feita com pleno conhecimento sobre o que significa a verdadeira entrega. Tal conhecimento chega após a indagação e a reflexão, e termina invariavelmente em auto-entrega. Não há diferença entre jnana e entrega absoluta ao Senhor, isto é, em pensamento, palavra e ação. Para ser completa, a entrega deve ser incondicional; o devoto não pode barganhar com o Senhor ou exigir favores de Suas mãos. Essa completa entrega compreende tudo; é jnana e vairagya32, devoção e amor. 31 vichara marga: o caminho da indagação espiritual: “Quem sou Eu?”. 32 vairagya: desapego; não-apego.

Page 34: Evangelho Do Maharshi
Page 35: Evangelho Do Maharshi

V

SER E INDIVIDUALIDADE

D: A morte não dissolveria a individualidade de uma pessoa, de modo que não pudesse haver renascimento, assim como os rios que deságuam no oceano perdem suas individualidades?

M: Quando as águas evaporam e retornam como chuva nas montanhas, elas uma vez mais fluem na forma de rios e caem no oceano; assim também é com as individualidades que, durante o sono profundo, perdem suas separatividades e quando acordam, de novo retornam como indivíduos de acordo com seus samskaras33 ou tendências passadas. Assim também acontece na morte; e a individualidade da pessoa com samskaras não é perdida.

D: Como pode ser isto? M: Veja como uma árvore cujos galhos

foram cortados, cresce novamente. Na medida em que as raízes da árvore permanecem intactas, a árvore continuará a crescer. Similarmente, os samskaras que meramente submergiram no Coração no momento da morte - mas que, por essa razão, não pereceram - causam o renascimento no devido tempo; e é assim que os jivas (as almas individuais) renascem.

33 samskara: tendências passadas e inatas.

Page 36: Evangelho Do Maharshi

D: Como os inumeráveis jivas e o amplo universo cuja existência é correlata àquela dos jivas, brotam desses samskaras tão sutis submersos no Coração?

M: Do mesmo modo que uma grande figueira da Índia brota de uma pequenina semente, assim os jivas e o inteiro universo com seus nomes e formas brotam dos sutis samskaras.

D: Como a individualidade emana do Ser Absoluto, e como seu retorno se faz possível?

M: Como uma centelha procede do fogo, a individualidade emana do Ser Absoluto. A centelha é denominada de ego. No caso de um ajnani (ignorante), o ego identifica-se com algum objeto ao mesmo tempo em que surge. Ele não pode permanecer sem essa associação com os objetos.

Esta associação é devido à ajnana (ignorância), cuja destruição é o objetivo de seus esforços. Se esta tendência a identificar-se com os objetos é destruída, o ego torna-se puro e, então, ele também se dilui em sua fonte. A falsa identificação de si mesmo com o corpo é dehatma-buddhi ou a idéia ‘eu-sou-o-corpo’. Esta identificação deve desaparecer antes que possam ocorrer bons resultados.

D: Como posso erradicá-la? M: Você existe em sushupti (sono profundo)

sem estar associado com o corpo e a mente, mas, nos outros dois estados você está associado com eles. Se você fosse um com o corpo, como poderia existir sem o corpo em

Page 37: Evangelho Do Maharshi

sushupti? Você pode separar-se do que lhe é externo, mas não daquilo que é um com você. Portanto, o ego não pode ser um com o corpo. Isto deve ser realizado no estado de vigília. Os três estados são estudados para se obter este conhecimento.

D: Como pode o ego, que está confinado a dois dos estados, esforçar-se para realizar Este que compreende todos os três estados?

M: O ego em sua pureza é experimentado nos intervalos entre dois estados ou entre dois pensamentos. O ego é como a lagarta que larga um apoio somente depois de agarrar a outro. Sua verdadeira natureza é conhecida quando está livre do contato com objetos e pensamentos. Você deve perceber este intervalo como a Realidade permanente e sem mudança, seu verdadeiro Ser, através da convicção ganha pelo estudo dos três estados, jagrat, svapna e sushupti. (vigília, sono com sonhos e sono profundo).

D: Não posso permanecer em sushupti (sono profundo) quando quiser e, também, estar nele tanto quanto queira, assim como fico na vigília? Qual é a experiência do jnani (sábio) com estes três estados?

M: Sushupti (sono profundo) também existe no seu estado de vigília. Mesmo agora, você está em sushupti. Este deveria ser penetrado e alcançado conscientemente neste mesmo estado de vigília. Não existe nenhuma entrada e saída real dele. Estar ciente de sushupti (sono

Page 38: Evangelho Do Maharshi

profundo) no estado jagrat (vigília) é jagrat-sushupti, e isso é samadhi34.

O ajnani não pode permanecer muito em sushupti, porque ele é forçado pela sua natureza a emergir dele. Seu ego não está morto e surgirá de novo e novamente. Mas o jnani esmaga o ego na sua Fonte. Ele parece emergir de tempos em tempos, no caso, como se também fosse impelido pelo prarabdha (carma)35. Isto é, também no caso do jnani (sábio), para todos os propósitos externos, o prarabdha parece sustentar e manter o ego, como no caso do ajnani (ignorante); mas há uma diferença fundamental porque quando o ego do ajnani surge (e realmente ele só retrocedeu no sono profundo) ele é completamente ignorante da sua Fonte; em outras palavras, o ajnani não fica consciente de seu sushupti (sono profundo) nos estados de vigília e sono com sonhos; no caso do jnani, ao contrário, o surgimento ou a existência do ego é apenas aparente, e ele desfruta da sua incessante e transcendental experiência a despeito de tal aparente surgimento ou existência do ego, mantendo sua atenção (lakshya) sempre na Fonte. Este ego é inofensivo; ele não é mais que o esqueleto de uma corda queimada – embora tenha uma forma, é inútil para atar qualquer coisa. Mantendo-se constantemente a atenção na

34 O estado de sono-profundo obtido em plena vigília é a Realização. (samadhi) 35 prarabdha: a parte do karma de uma pessoa que deve ser executada nesta vida.

Page 39: Evangelho Do Maharshi

Fonte, o ego é dissolvido naquela fonte assim como um punhado de sal no oceano.

D: Qual é o significado da Crucificação? M: O corpo é a cruz. Jesus, o filho do

homem, é o ego ou a idéia ‘eu-sou-o-corpo’. Quando o filho do homem é crucificado na cruz, o ego perece e aquilo que sobrevive é o Ser Absoluto. É a ressurreição do glorioso Ser, do Cristo – o filho de Deus.

D: Mas como justificar a Crucificação? Matar não é um crime terrível?

M: Todo mundo está cometendo um suicídio. O eterno, feliz e natural estado foi asfixiado por esta vida ignorante. Assim, a vida atual é devida à morte da eterna e positiva existência. Não é realmente um caso de suicídio? Então, por que preocupar-se a respeito de matanças, etc?

D: Sri Ramakrishna diz que o nirvikalpa samadhi36 não pode durar mais do que vinte e um dias; persistindo-se nele, a pessoa morre. É um fato?

M: Quando o prarabdha se esgota, o ego fica completamente dissolvido, sem deixar qualquer traço para trás. Esta é a liberação final (nirvana). A menos que o prarabdha seja extinto, o ego surgirá como pode parecer fazê-lo no caso dos jivanmuktas37.

36 nirvikalpa samadhi: o estado de concentração mais alto, no qual a alma perde

todo sentido de ser diferente do Ser Universal, mas que é um estado temporal do qual há um retorno à consciência-ego.

37 jivanmukta: aquele que libertou-se em vida.

Page 40: Evangelho Do Maharshi

VI

AUTO-REALIZAÇÃO

D: Como eu posso obter a Auto-realização? M: A Realização não é algo novo para ser

ganho, ela já está lá. Tudo que é necessário é descartar o pensamento: ‘Eu não O realizei’.

Quietude ou paz é Realização. Não há nenhum momento em que o Ser (o Si Mesmo) não exista. Tanto quanto haja a dúvida ou o sentimento da não-realização, a tentativa que deveria ser feita é aquela de se desfazer destes pensamentos. Eles são devidos à identificação do Ser com o não-Ser. Quando o não-Ser desaparece, apenas permanece o Ser. Para abrir espaço, é suficiente que o impedimento seja removido; não se traz espaço interno de nenhum outro lugar.

D: Já que a Realização não é possível sem vasanakshaya (cessação da tendência mental), como eu vou realizar este estado no qual os vasanas são efetivamente destruídos38?

M: Você está neste Estado agora! D: Quer dizer que aderindo ao Ser, os

vasanas devem ser destruídos no momento e na forma que emergem?

M: Eles mesmos serão destruídos se você permanecer como você é.

38 vasana: hábito da mente; tendência ou impressão latente. vasana kshaya: término dos vasanas.

Page 41: Evangelho Do Maharshi

D: Como eu obterei o Ser? M: Não há nenhuma obtenção do Ser. Se o

Ser tivesse que ser alcançado, significaria que o Ser não existe aqui e agora, mas que ainda tem que ser obtido. Aquilo que é obtido como novo, também será perdido. Assim, será impermanente. O que não é permanente não é digno de ser obtido. Portanto, eu digo que o Ser não é alcançado. Você é o Ser; você já é Isso.

O fato é que você é ignorante do seu estado de felicidade. A ignorância sobrevém e estende um véu sobre o puro Ser que é Felicidade. Os esforços se dirigem apenas para remover este véu de ignorância que é mero conhecimento equivocado. O conhecimento equivocado é a falsa identificação do Ser com o corpo, a mente, etc. Esta Falsa identificação deve desaparecer e, então, só permanece o Ser.

Portanto, a Realização é para todos; a Realização não faz nenhuma diferença entre os aspirantes. A própria dúvida se você O pode realizar e a atitude “eu não O realizei” são os próprios obstáculos. Esteja livre destes obstáculos também.

D: Qual é a utilidade do samadhi, e nesse momento (de realização) o pensamento perdura?

M: Apenas o samadhi pode revelar a Verdade. Os pensamentos atiram um véu sobre a Realidade e, assim, Ela não é percebida como tal a não ser no estado de samadhi. No samadhi há apenas o sentimento ‘EU SOU’ e nenhum

Page 42: Evangelho Do Maharshi

pensamento. A experiência ‘EU SOU’ é ficar quieto.

D: Como eu posso repetir a experiência de Samadhi ou a quietude que obtenho aqui?

M: Sua experiência atual ocorre devido à influência da atmosfera no qual você se encontra. Você pode obtê-la fora desta atmosfera? A experiência é intermitente. Até que se faça permanente, a prática é necessária.

D: Às vezes, uma pessoa tem vívidos lampejos de uma consciência cujo centro está fora do ser normal, e que parece ser toda-inclusiva. Sem nos preocuparmos com conceitos filosóficos, como Bhagavan me aconselharia a trabalhar em direção a obtenção, retenção e extenção daqueles raros lampejos? Em tal experiência, abhyasa (a prática) envolve o retiro?

M: Do lado de fora! Para quem existe do lado de dentro e do lado de fora? Estes só podem existir na medida em que existam sujeito e objeto. Para quem, novamente, surgem estes dois? Na indagação você descobrirá que eles se dissolvem somente no sujeito. Veja quem é o sujeito; e esta indagação o conduz à pura Consciência além do sujeito. O ser normal é a mente. Esta mente está com limitações. Mas a pura Consciência está além das limitações, e é alcançada pela investigação como se assinalou acima.

Obtenção: o Ser está sempre aqui. Você só precisa eliminar o véu que obstrui a revelação do Ser.

Page 43: Evangelho Do Maharshi

Retenção: uma vez que você realizou o Ser, isto se torna sua experiência direta e imediata. Não se perde nunca.

Extensão: não há nenhuma extensão do Ser, já que o Ser é, como sempre, sem contração ou expansão.

Retiro: habitar no Ser é solidão. Porque não há nada estranho ao Ser. O retiro deve ser de um lugar ou estado para outro. Nem um nem outro existem em separado do Ser. Sendo o Ser Tudo, o retiro é impossível e inconcebível.

Abhyasa (a prática): é apenas a prevenção da perturbação da paz inerente. Você está sempre em seu Estado natural quer faça abhyasa ou não.... Permanecer como você é, sem questionamento ou dúvida, é seu Estado natural.

D: Ao realizar o samadhi, os siddhis (poderes ocultos)39 também são obtidos?

M: Para exibir os siddhis, devem existir outros que os reconheçam. Portanto, os siddhis não são dignos de se pensar; apenas jnana (conhecimento) deve ser almejado e obtido.

D: Minha Realização ajuda outros? M: Sim, e é a melhor ajuda que você possa

dar aos outros. Aqueles que descobriram grandes verdades assim o fizeram nas tranquilas profundidades do Ser. Mas, realmente, não existem ‘outros’ a serem auxiliados. Pois, o Ser Realizado vê apenas o Ser, assim como o ourives vê apenas o ouro ao

39 siddhi: poderes sobrenaturais; realização; logro.

Page 44: Evangelho Do Maharshi

avaliá-lo em várias jóias feitas de ouro. Quando você se identifica com o corpo, o nome e a forma existem. Mas quando você transcende a consciência do corpo, os ‘outros’ também desaparecem. O Realizado não vê ao mundo como diferente Dele Mesmo.

D: Não seria melhor se os santos se misturassem com os outros?

M: Não existem ‘outros’ com os quais se misturar. O Ser é a única Realidade.

D: Não deveria tentar ajudar ao mundo sofredor?

M: O Poder que criou você criou o mundo também. Se Ele pode tomar conta de você, similarmente, ele também pode tomar conta do mundo.... se Deus criou o mundo, é Sua a incumbência de cuidá-lo, não sua.

D: Não é nosso dever sermos patriotas? M: Seu dever é ser e não ser isto ou aquilo.

‘EU SOU O QUE SOU’40 resume toda a verdade; o método é resumido em ‘esteja quieto’.

E o que significa a quietude? Significa ‘destruir a si mesmo’; porque todo nome e forma é a causa do transtorno. ‘Eu-Eu’ é o Ser. ‘Eu sou isto’ é o ego. Quando o ‘eu’ é mantido apenas como ‘Eu’, é o Ser. Quando se segue pela tangente e se diz: “eu sou isto ou aquilo, eu sou tal e qual”, isto é o ego.

D: Quem, então, é Deus? M: O Ser é Deus. ‘EU SOU’ é Deus. Se Deus

fosse separado do Ser, Ele teria que ser um 40 Em Êxodo (3.14) está escrito: “Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros.

Page 45: Evangelho Do Maharshi

Deus sem Ser, o que é um absurdo. Tudo o que é requerido para realizar o Ser é estar quieto. O que pode ser mais fácil que isto? Por isso, atma vidya41 é o aprendizado mais fácil de se obter.

41 atmavidya: conhecimento do Ser. vidya: aprender ou aprendizagem; atma (atman): o Ser (o Si mesmo).

Page 46: Evangelho Do Maharshi

VII

O GURU E SUA GRAÇA

D: O que é a guru kripa42? Como ela conduz a Auto-Realização?

M: O Guru é o Ser.... Algumas vezes um homem fica insatisfeito com a sua vida, e, não contente com o que tem, busca a satisfação dos seus desejos através da prece a Deus, etc. Sua mente é gradualmente purificada até que ele anseie conhecer a Deus, ansiando mais pela obtenção da Sua graça do que a satisfação dos seus desejos mundanos. Então, a graça de Deus começa a se manifestar. Deus toma a forma de um Guru e aparece ao devoto, ensina a ele a Verdade e, além disso, purifica sua mente por associação. A mente do devoto ganha força e torna-se capaz, então, de voltar-se para dentro. Através da meditação, ela é ulteriormente purificada e permanece quieta sem a menor agitação. Esta calma expansão é o Ser.

O Guru existe tanto ‘externa’ como ‘internamente’. Do ‘exterior’ ele dá um impulso para que a mente volte-se para dentro; do ‘interior’ Ele puxa a mente em direção ao Ser e ajuda no aquietamento da mente. Esta é a guru kripa. Não há nenhuma diferença entre Deus, o Guru e o Ser (o Si Mesmo).

42 A Graça do Guru.

Page 47: Evangelho Do Maharshi

D: Na Sociedade Teosófica eles meditam para buscar Mestres que os guiem.

M: O Mestre está dentro. A meditação existe para remover a idéia ignorante de que Ele está somente fora. Se Ele fosse um estranho a quem você espera, Ele estaria destinado a desaparecer também. Onde está a utilidade de um ser transitório como este? Mas, na medida em que ache que você está separado ou que você é o corpo, nesta medida o Mestre ‘fora’ também é necessário; e Ele aparecerá como se fosse um corpo. Quando a equivocada identificação de si mesmo com o corpo cessa, se entende que o Mestre não é nada mais do que o Ser.

D: O Guru nos ajudará a conhecer o Ser através da iniciação, etc.?

M: O Guru o leva pela mão e sussurra em seu ouvido? Você pode imaginar que Ele seja o que você mesmo é. Por que você pensa que está com um corpo, pensa também que Ele tem um corpo para fazer algo tangível para você. Seu trabalho reside dentro, no reino espiritual.

D: Como se encontra o Guru? M: Deus, que é imanente, em Sua graça,

tem piedade do amoroso devoto e manifesta a Si Mesmo de acordo com o desenvolvimento do devoto. Este acha que o Guru é um homem e espera uma relação como entre dois corpos físicos. Mas o Guru, que é Deus ou o Ser encarnado, trabalha de dentro, ajuda o homem a ver o equívoco em seus caminhos e o guia na correta via até que ele realize o Ser dentro.

Page 48: Evangelho Do Maharshi

D: O que o devoto deveria fazer, então? M: Ele tem apenas que agir segundo as

palavras do Mestre e trabalhar dentro. O Mestre está tanto ‘dentro’ como ‘fora’ de você, assim, Ele cria condições para levar-lhe dentro e, ao mesmo tempo, prepara o ‘interior’ para arrastar-lhe ao Centro. Assim, Ele dá um empurrão de ‘fora’ e exerce um puxão vindo de ‘dentro’, de modo que você possa fixar-se no Centro.

Você acha que o mundo pode ser conquistado por seus próprios esforços. Quando você está externamente frustrado e é levado para dentro, você sente: ‘Oh! Há um Poder que é superior ao homem!’

O ego é como um poderoso elefante que não pode ser posto sob controle por nada menos poderoso do que um leão que, neste exemplo, não é outro do que o Guru, cujo próprio olhar faz o ego, semelhante ao elefante, vacilar e morrer.

Você saberá no devido tempo que sua glória reside onde você cessa de existir. Para ganhar este estado, você deveria render-se. Então, o Mestre vê que você está num estado adequado para receber orientação, e Ele lhe orienta.

D: Como o silêncio do Guru, que não dá iniciação nem qualquer outro ato tangível, pode ser mais poderoso do que Sua palavra, etc? De que modo esse silêncio é melhor do que o estudo das escrituras?

M: O silêncio é a forma de trabalho mais potente. Por mais vastas e enfáticas que as

Page 49: Evangelho Do Maharshi

escrituras possam ser, elas fracassam em seus efeitos. O Guru é quieto e a Graça prevalece em tudo. Este silêncio é mais vasto e mais enfático do que todas as escrituras postas juntas.

D: Mas o devoto pode obter felicidade? M: O devoto entrega-se ao Mestre e isto

significa que não há nenhum vestígio de individualidade retido nele. Se a entrega é completa, todo sentido de si é perdido, e, então, não pode haver miséria ou pesar.

O Ser Eterno não é nada mais que Felicidade. Isto chega como uma Revelação.

D: Como posso obter a Graça? M: A Graça é o Ser. Também não é algo que

se adquire; você só precisa saber que ela existe. O sol é apenas brilho. O sol não vê

escuridão. No entanto, você fala da escuridão que foge quando o sol se aproxima. Assim também, a ignorância do devoto, como o fantasma da escuridão, se desvanece sob o olhar do Guru. Você está permeado pela luz solar; ainda assim, se você quer ver o sol deve virar em sua direção e olhar para ele. Assim, também, a Graça é encontrada pela adequada aproximação que você faz, embora ela esteja aqui e agora.

D: A Graça não pode acelerar o amadurecimento no buscador?

M: Deixe tudo ao Mestre. Entregue-se a Ele sem reservas.

Uma destas duas coisas deve ser feita: entregar-se porque você percebeu sua inabilidade e a necessidade de um poder

Page 50: Evangelho Do Maharshi

superior que lhe ajude; ou investigar sobre a causa da miséria, ir a Fonte e assim submergir no Ser. Por ambos os caminhos, você se libertará da miséria. Deus ou o Guru nunca abandona o devoto que se entregou.

D: Qual é o significado da prostração ao Guru ou a Deus?

M: Prostração significa o rebaixamento do ego, e significa a imersão na Fonte. Deus ou o Guru não podem ser enganados por genuflexões, reverências e prostrações. Ele vê se o ego está lá ou não.

D: Bhagavan não me dará alguma prasad (oferenda)43 do Seu prato como um sinal de Sua Graça?

M: Coma sem o pensamento do ego. Então, o que você comer se tornará um prasad do Bhagavan.

D: O homem instruído não está melhor qualificado para a Iluminação no sentido de que ele não tem necessidade da guru kripa (graça do guru)?

M: Mesmo um homem instruído deve se prostrar diante de um Sábio analfabeto. O analfabetismo é ignorância e a educação é ignorância aprendida. Ambas são ignorantes da verdadeira meta. O Sábio é ignorante em uma linha diferente. É ignorante por que não há nenhum ‘outro’ para Ele.

43 prasad(a): graça; alimento; etc., oferecida a Deus e distribuída, depois, entre os devotos.

Page 51: Evangelho Do Maharshi

D: Não é para obter a Graça do Guru que presentes são oferecidos a Ele? Assim, os visitantes oferecem presentes a Bhagavan.

M: Por que eles trazem presentes? Será que eu os quero? Mesmo se recusasse, eles confiariam os presentes a mim. Para que? Não é como dar uma isca para pegar um peixe? O pescador está ansioso para alimentá-los? Não, ele está ansioso para se alimentar com o peixe.

D: A idéia Teosófica de que deve-se oferecer sucessivas iniciações para a obtenção de moksha(liberação)44 é verdadeira?

M: Aqueles que obtêm moksha em uma vida devem ter passado através de todas as iniciações em suas vidas anteriores.

D: A Teosofia diz que jnanis (sábios) depois da morte têm que escolher quatro ou cinco linhas de trabalho, não necessariamente neste mundo. Qual é a opinião de Bhagavan?

M: Alguns podem dar início a um trabalho, mas não todos.

D: Você é consciente de uma Irmandade de Rishis45 invisíveis?

M: Se são invisíveis, como você pode vê-los? D: Na consciência. M: Não há nada externo na Consciência. D: Posso percebê-los? M: Se você perceber sua própria Realidade,

então, aquelas dos Rishis e Mestres se tornarão

44moksha: Liberação; liberação espiritual. 45 rishi (rshi): aquele que vê; um sábio.

Page 52: Evangelho Do Maharshi

claras para você. Há um único Mestre e este é o Ser.

D: A reencarnação é verdadeira? M: A reencarnação existe somente na

medida em que exista ignorância. Não existe realmente nenhuma reencarnação de fato, nem agora, nem antes. Nem haverá nenhuma no futuro. Esta é a verdade.

D: Pode um yogi conhecer suas vidas passadas?

M: Você conhece a vida presente de modo que queira conhecer as passadas? Encontre o presente, então, o resto se seguirá. Mesmo com nosso limitado conhecimento atual, já sofremos tanto; por que você deveria se sobrecarregar com mais conhecimento? É para sofrer mais?

D: Bhagavan usa poderes ocultos para fazer com que outros realizem o Ser, ou o mero fato da Realização de Bhagavan é suficiente para isto?

M: A força espiritual da Auto-Realização é muito mais poderosa do que o uso de todos os poderes ocultos. Além disso, como não existe um ego no Sábio, não existem ‘outros’ para Ele. Qual é o mais alto benefício que lhe pode ser conferido? É Felicidade, e a Felicidade nasce da Paz. A Paz pode reinar apenas onde não há perturbações e as perturbações ocorrem devido aos pensamentos que surgem na mente. Quando a própria mente estiver ausente, haverá perfeita paz. A menos que uma pessoa tenha aniquilado a mente, ela não pode obter Paz e ser Feliz. E, a menos que ele próprio seja

Page 53: Evangelho Do Maharshi

Feliz, ele não pode dar Felicidade aos ‘outros’. Desde que, entretanto, não existem ‘outros’ para o Sábio que não tem mente, o mero fato da Sua Auto-Realização é, em si mesmo, suficiente para tornar os ‘outros’ Felizes.

Page 54: Evangelho Do Maharshi

VIII

PAZ E FELICIDADE

D: Como posso conseguir paz? Não parece que eu a esteja obtendo através da vichara (auto-indagação).

M: Paz é o seu estado natural. É a mente que obstrui o estado natural. Sua vichara (auto-indagação) tem sido feita apenas na mente. Investigue o que é a mente e ela desaparecerá. Não há tal coisa como uma mente separada do pensamento. Entretanto, por causa do surgimento do pensamento, você supõe algo do qual ele se inicia e o denomina de mente. Quando tenta ver como ela é, percebe que não há tal coisa como a mente. Quando a mente assim se desvaneceu, você percebe a paz eterna.

D: Através da poesia, música, japa (repetição da palavra de Deus)46, bhajana (louvação)47, visão de belas paisagens, leitura de estrofes de versos espirituais, etc., se experimenta, às vezes, um verdadeiro sentido da unidade de tudo. Esse sentimento de profunda felicidade tranquilizadora (onde a noção de si não tem lugar) é o mesmo que entrar no Coração ao qual se refere Bhagavan? A prática disto conduzirá a um samadhi mais

46 japa: repetição de uma palavra ou sílaba sagrada, ou, de um nome de Deus. 47 bhajana: cantar aos louvores de Deus, especialmente em coro.

Page 55: Evangelho Do Maharshi

profundo e assim, finalmente, a uma plena visão do Real?

M: Existe felicidade quando coisas agradáveis são apresentadas à mente. Esta é a Felicidade inerente ao Ser e não existe nenhuma outra Felicidade. Não é alheia e nem está distante. Você está submergindo no Ser nestas ocasiões que considera agradáveis; esta submersão resulta em Felicidade auto-existente. Mas a associação de idéias é responsável por misturar esta Felicidade a outras coisas ou acontecimentos enquanto que, de fato, esta Felicidade está dentro de você. Nestas ocasiões você está submergindo no Ser, embora inconscientemente. Se você fizer isto conscientemente, com a convicção que surge da experiência de que você é idêntico com a Felicidade que, certamente, é o Ser, a Realidade única, você o chamará de Realização. Eu quero que você mergulhe conscientemente no Ser, isto é, no Coração.

Page 56: Evangelho Do Maharshi

EVANGELHO DO MAHARSHI

LIVRO II

Page 57: Evangelho Do Maharshi

I

AUTO-INDAGAÇÃO

Discípulo: Como se deve realizar o Ser (o Si Mesmo)?

Maharshi: O Ser de quem? Descubra. D: Meu, mas quem sou eu? M: Descubra a si mesmo. D: Eu não sei como. M: Apenas pense sobre a questão. Quem é

este que diz: “Eu não sei”? Quem é ‘eu’ na sua afirmação? O que não é conhecido?

D: Alguém ou algo em mim. M: Quem é este alguém? Em quem? D: Talvez algum poder. M: Descubra. D: Por que eu nasci? M: Quem nasceu? A resposta é a mesma

para todas as suas questões. D: Quem sou eu, então? M (Sorrindo) Você vem interrogar a mim?

Você é que deve dizer quem você é. D: Por mais que eu tente, não pareço

apreender o ‘eu’. Nem mesmo é claramente discernível.

M: Quem é que diz que o ‘eu’ não é discernível? Existem dois ‘eus’ em você de modo que um não seja discernível pelo outro?

Page 58: Evangelho Do Maharshi

D: Ao invés de indagar ‘Quem sou eu?’, posso colocar a questão ‘Quem é Você?’ para mim mesmo, já que aí, minha mente pode estar fixa em Você a quem eu considero ser Deus na forma de Guru? Talvez, estaria mais próximo da meta da minha busca por esta indagação do que perguntando a mim mesmo: ‘Quem sou eu?’

M: Qualquer que seja a forma que a sua indagação possa tomar, no fim, você deverá chegar ao único eu, o Ser.

Todas estas distinções feitas entre o ‘eu’ e o ‘você’, Mestre e discípulo, etc; são meramente um sinal da própria ignorância. Só o ‘Eu-Supremo’ é. Pensar de outro modo é enganar a si mesmo.

Uma estória purânica48 do Sábio Ribhu e seu discípulo Nidagha é particularmente instrutiva neste contexto.

Embora Ribhu tenha ensinado a seu discípulo a suprema Verdade do Único Brahman sem um segundo, Nidagha, apesar de sua erudição e entendimento, não obteve suficiente convicção para adotar e seguir o caminho do jnana (conhecimento), mas instalou-se em sua cidade natal para seguir uma vida devotada à observância da religião cerimonial. Porém, o Sábio amava seu discípulo 48 Purana (sânscrito: पुराण), textos pertencentes à classe de livros sagrados hindus

denominados smirtis, ou livros a serem memorizados. Ao contrário dos shrutis, ou livros que devem ser ouvidos da fonte certa, os smirtis são inferências feitas pelos sábios de inúmeras eras sobre as idéias, formas e conceitos originais e eternos mencionadas nos shrutis. É tarefa extremamente difícil datar-se a maioria dos Maha-puranas, uma vez que as narrativas purânicas referem-se a eras e a ciclos de criação muito diferentes dos conceitos atuais.

Page 59: Evangelho Do Maharshi

tão profundamente como o discípulo venerava seu Mestre. Apesar de sua idade, Ribhu quis ir até a cidade, ele próprio, apenas para ver quão longe o discípulo havia desenvolvido seu ritualismo. Às vezes, o Sábio ia disfarçado, para que pudesse observar como Nidagha agiria quando não soubesse que estava sendo observado por seu Mestre.

Numa certa ocasião, Ribhu, que tinha se colocado sob o disfarce de um rústico camponês, encontrou Nidagha observando atentamente uma procissão real. Sem ser reconhecido pelo cidadão Nidagha, o camponês rústico perguntou a razão de todo aquele alvoroço e lhe foi dito que o rei estava saindo em procissão.

“Oh! É o rei. Ele está em procissão! Mas, onde está ele?”- perguntou o rústico.

“Ali, sobre o elefante”, disse Nidagha. “Você diz que o rei está sobre o elefante.

Sim, eu vejo os dois”, disse o rústico, “Mas, qual é o rei e qual é o elefante?”

“O que!” exclamou Nidagha, “Você vê os dois, mas não sabe que o homem que está acima é o rei e o animal abaixo é o elefante? Qual é a utilidade de falar com um homem como você?”

“Rogo-lhe, não seja impaciente com um homem ignorante como eu”- implorou o rústico. “Mas você disse ‘acima’ e ‘abaixo’, o que eles significam?”

Nidagha não pôde mais suportar. “Você vê o rei e o elefante, um acima e o outro abaixo.

Page 60: Evangelho Do Maharshi

Ainda assim você quer saber o que significa ‘acima’ e ‘abaixo’?” – gritou Nidagha. “Se as coisas vistas e as palavras faladas lhe podem comunicar tão pouco, apenas a ação pode lhe ensinar. Abaixe-se aí no chão e você saberá tudo muito bem!”

O rústico fez como lhe foi dito. Nidagha subiu sobre seus ombros e disse: “Percebe agora. Eu estou acima como o rei, e você está embaixo como o elefante. Está suficientemente claro?”

“Não, ainda não”, foi a tranquila resposta do rústico. “Você diz que você está acima como o rei, e eu estou embaixo como o elefante. O ‘rei’, o ‘elefante’, ‘acima’ e ‘abaixo’, tudo isso está muito claro. Mas rogo-lhe, diga-me o que você quer dizer com ‘eu’ e ‘você’?

Quando Nidagha foi assim confrontado, repentinamente, com o grande problema em definir o ‘você’ separado do ‘eu’, uma luz veio em sua mente. De pronto, ele saltou e caiu aos pés do seu Mestre dizendo: “Quem mais além do meu venerável Mestre, Ribhu, poderia ter retirado minha mente das superficialidades da existência física até a verdadeira Existência do Ser? Oh, bendito Mestre, suplico suas bênçãos”.

Portanto, enquanto sua meta é, aqui e agora, transcender estas superficialidades da existência física através de atma vichara49, onde está o propósito em se fazer as distinções entre

49atma vichara: indagação no Ser através de “Quem sou Eu?”.

Page 61: Evangelho Do Maharshi

‘você’ e ‘eu’, que pertencem somente ao corpo? Quando você volta a mente para dentro, buscando a fonte do pensamento, onde está o ‘você’ e onde está o ‘eu’?

Você deve buscar e existir no Ser que inclui a tudo.

D: Mas não é curioso que o ‘eu’ deve estar buscando pelo ‘eu’? A indagação ‘Quem sou eu?’ não se converte numa fórmula vazia? Ou vou ficar fazendo a questão para mim, interminavelmente, repetindo-a como algum mantra50?

M: A auto-indagação com certeza não é uma fórmula vazia; é mais do que a repetição de qualquer mantra. Se a indagação: ‘Quem sou eu?’ fosse mero questionamento mental, não seria de muito valor. O real propósito da Auto-indagação é focar a totalidade da mente em sua fonte. Não é, portanto, o caso de um ‘eu’ buscando por outro ‘eu’.

A Auto-indagação está muito longe de ser uma fórmula vazia, pois ela envolve uma intensa atividade da plenitude da mente para mantê-la constantemente pousada na pura ciência do Ser.

A Auto-indagação é o único meio infalível, o único meio direto para realizar o incondicionado, o Ser Absoluto que você realmente é.

50 mantra: formas de som cósmico dos Vedas, que são usadas para a adoração e a oração; também, letras-sementes para a meditação sobre a forma do Senhor; encantamento ritual.

Page 62: Evangelho Do Maharshi

D: Por que apenas a Auto-indagação deveria ser considerada o meio direto para jnana? (o conhecimento)

M: Porque toda espécie de sadhana51 (prática), exceto aquela de atma vichara (indagação no Ser), pressupõe a retenção da mente como o instrumento para se completar a sadhana (a prática), e sem a mente ela não pode ser praticada. O ego pode tomar, em estágios diferentes da prática da pessoa, formas diferentes e sutis, mas ele mesmo nunca é destruído.

Quando Janaka exclamou: “Agora, eu descobri o ladrão que esteve me arruinando todo o tempo. Será tratado sem demora”, o Rei estava realmente se referindo ao ego ou a mente.

D: Mas o ladrão pode muito bem ser apreendido também pelos outros sadhanas (métodos).

M: A tentativa de destruir o ego, ou a mente, através de outros sadhanas que não sejam atma vichara, é apenas algo como o ladrão assumindo o disfarce de um policial para pegar o ladrão, que é ele mesmo. Apenas atma vichara (a indagação no Ser) pode revelar a verdade que nem o ego e nem a mente existem realmente, e pode capacitar alguém a realizar a indiferenciada e pura existência do Ser ou do Absoluto.

51 sadhana: método de prática espiritual.

Page 63: Evangelho Do Maharshi

Tendo realizado o Ser, não resta nada mais para se conhecer, porque isto é Felicidade perfeita, é o Todo.

D: Posso eu perceber, uma só vez, a Felicidade do Ser, mesmo nesta vida que está cercada de limitações?

M: Esta Felicidade do Ser está sempre com você, e você a encontrará por si mesmo, se você a buscar de modo sério.

A causa da sua miséria não está na vida exterior; ela está em você, assim como o ego. Você impõe limitações a si mesmo e, então, empreende uma luta vã para transcendê-las. Toda limitação é devida ao ego; com ele chega todo o seu problema. Qual é o proveito de dizer que os acontecimentos da vida são a causa da miséria que, de fato, está dentro de você? Que felicidade pode ser obtida das coisas externas a você mesmo? Quando a obtiver, quanto tempo irá durar?

Se você negasse o ego e o queimasse, ignorando-o, você estaria livre. Se você o aceita, ele lhe irá impor limitações e lhe jogará em uma luta vã para transcendê-las. Desse modo foi que o ladrão procurou ‘arruinar’ o Rei Janaka.

Existir como o Ser (ser o Si Mesmo) que você realmente é, é o único meio de realizar a Felicidade que é sempre sua.

D: Não tendo percebido a verdade de que só o Ser existe, não deveria adotar bhakti e yoga margas (caminhos da yoga e da devoção) como sendo mais adequados para os propósitos da sadhana (prática) do que o vichara marga

Page 64: Evangelho Do Maharshi

(caminho da indagação espiritual)? A realização do Ser Absoluto que é Brahma jnana (conhecimento de Brahma), não é algo muito inatingível para um leigo como eu?

M: Brahma jnana não é um conhecimento que deva ser adquirido, de modo que ao adquiri-lo possa-se obter a felicidade. É a sua própria visão ignorante aquilo que uma pessoa deveria abandonar. O Ser que você busca conhecer é realmente você mesmo. Sua suposta ignorância lhe causa uma desnecessária aflição igual àquela dos dez homens tolos que lamentavam a ‘perda’ do décimo homem que nunca havia desaparecido.

Na parábola, os dez homens tolos atravessaram uma corredeira e, ao alcançar a outra margem, quiseram se certificar de que todos haviam atravessado a corredeira em segurança. Um dos dez começou a contar, mas enquanto contava, deixou a si mesmo de fora. “Eu vejo apenas nove; com certeza perdemos um. Quem pode ser?” ele disse. “Você contou corretamente?” perguntou outro, e começou ele mesmo a contar. Mas, ele também contou apenas nove. Um após o outro, dos dez, contou apenas nove, deixando a si próprio de fora. “Nós somos apenas nove”, todos eles concordaram, “mas quem é que está faltando?”, perguntaram a si mesmos. Todos os esforços feitos para descobrirem o indivíduo ‘faltante’ fracassaram. “Quem quer que seja aquele que se afogou” disse o mais sentimental dos dez tolos, “nós o

Page 65: Evangelho Do Maharshi

perdemos.” Assim dizendo, irrompeu em lágrimas e os restantes nove o seguiram.

Vendo-os chorando às margens do rio, um simpático viajante perguntou pela causa. Eles relataram o que tinha acontecido e disseram que mesmo depois de contarem-se muitas vezes, não puderam encontrar mais do que nove. Ao ouvir a história e vendo todos os dez diante dele, o viajante adivinhou o que tinha acontecido. Para fazer que eles soubessem por eles mesmos que estavam, na verdade, em dez, de que todos tinham chegado a salvos da travessia, ele assim falou: “Cada um de vocês deve contar por si mesmo, mas um depois do outro numa ordem sequencial: um, dois, três e assim por diante, enquanto que darei em cada um de vocês uma pancada, de maneira que todos estejam seguros de terem se incluído na contagem, e incluído uma só vez. O décimo homem ‘faltante’ será, então, encontrado. Ouvindo isto eles se alegraram na esperança de encontrar o camarada ‘perdido’ e aceitaram o método sugerido pelo viajante.

À medida que o amável viajante dava uma pancada em cada um dos dez à sua vez, aquele que recebia a pancada contava a si mesmo em voz alta. “Dez” disse o último homem no momento em que, na sua vez, recebeu a última pancada. Perplexos, olharam-se entre si: “Nós somos dez” - disseram em uma só voz e agradeceram ao viajante por ter removido a aflição deles.

Page 66: Evangelho Do Maharshi

Esta é a parábola. De onde surgiu o décimo homem? Em algum momento ele havia se perdido? Ao saberem que ele estava ali todo o tempo, eles aprenderam alguma coisa nova? A causa da aflição deles não era a perda real de nenhum dos dez, era a própria ignorância deles e não a suposição conjunta de que um havia se perdido (embora não pudessem dizer quem era), porque tinham contado apenas nove.

Tal é o caso também com você. Verdadeiramente, não há nenhuma causa para você ser miserável e infeliz. Você mesmo é que impõe as limitações sobre sua real natureza de Ser Infinito, e, então, derrama lágrimas de que seja apenas uma criatura finita. Então, você empreende esta ou aquela sadhana (prática) para transcender as limitações não-existentes. Mas, se a sua sadhana, ela mesma, assume a existência das limitações, como ela pode ajudá-lo a transcendê-las?

Por essa razão, eu digo, saiba que você é realmente o Infinito, a Pura Existência, o Ser Absoluto. Você é este Ser sempre e nada mais do que o Ser; sua ignorância é meramente uma ignorância formal, como a ignorância dos dez homens tolos sobre o décimo homem ‘perdido’. É esta ignorância que causou a aflição deles.

Saiba, então, que o verdadeiro conhecimento não cria uma nova Existência para você, ele só remove a sua ‘ignorância ignorada’. A Felicidade não é adicionada à sua natureza, ela é meramente revelada como sendo o seu estado natural e verdadeiro, eterno e

Page 67: Evangelho Do Maharshi

imperecível. O único caminho para se desfazer da sua aflição é conhecer e existir como o Ser. Como isto pode ser inatingível?

Page 68: Evangelho Do Maharshi

II

SADHANA E GRAÇA

D: A busca por Deus tem ocorrido desde tempos imemoriais. Já foi dita a última palavra? M: (Mantém Silêncio por algum tempo) D: (Embaraçado) Deveria considerar o silêncio de Sri Bhagavan como a resposta para a minha questão? M: Sim. Mauna (Silêncio) é Iswara svarupa (Forma Real de Deus)52. Por conseguinte, o texto:

“A verdade do Supremo Brahman proclamada através da eloquencia silenciosa.” D: Diz-se que Buda ignorou tais indagações a respeito de Deus. M: E por isto ele foi chamado de um sunya vadin53 (niilista). De fato, Buda preocupou-se mais com conduzir o buscador para realizar, aqui e agora, a Felicidade, do que com discussões acadêmicas sobre Deus, etc. D: Deus é descrito como manifesto e imanifesto. Como o primeiro, é dito que Ele inclui o mundo como uma parte da Sua

52Isvara: Deus; o Ser Supremo em Seu aspecto de Senhor do Mundo. Svarupa (swarupa): natureza; forma real. 53 Literalmente: “Teórico do Vazio.”

Page 69: Evangelho Do Maharshi

Existência. Se isto é assim, nós, como partes desse mundo, deveríamos tê-Lo facilmente reconhecido na forma manifestada. M: Conheça a si mesmo antes de tentar decidir sobre a natureza de Deus e do mundo. D: Conhecer a mim mesmo implica conhecer Deus? M: Sim, Deus está dentro de você. D: Então, o que impede o caminho do conhecimento de mim mesmo ou de Deus?

M: Sua mente divagante e seus caminhos pervertidos.

D: Eu sou uma pobre criatura. Mas, por que o poder superior do Senhor interno não remove os obstáculos?

M: Sim, Ele removerá se você tiver a aspiração.

D: Por que Ele não cria a aspiração em mim?

M: Então, se entregue. D: Se eu me entrego, não é necessária

nenhuma oração a Deus? M: Entregar-se é em si uma oração

poderosa. D: Mas não é necessário compreender Sua

natureza antes que alguém se entregue? M: Se você acredita que Deus fará por você

todas as coisas que quer que Ele faça, então, se entregue a Ele. De outro modo, deixe Deus em paz e conheça-se.

D: Deus ou o Guru tem alguma solicitude por mim?

Page 70: Evangelho Do Maharshi

M: Se você busca a um ou a outro – eles não são realmente dois, mas um e idênticos – fique certo de que eles estão lhe buscando com uma solicitude maior do que você possa imaginar.

D: Jesus deu a parábola da moeda perdida, onde a mulher procura-a até que seja encontrada.54

M: Sim, isto representa adequadamente a verdade de que Deus ou o Guru está sempre em busca do buscador sincero. Se a moeda fosse uma peça falsificada, a mulher não teria feito uma busca tão longa. Você vê o que isso significa? O buscador deve qualificar a si mesmo através da devoção, etc.

D: Mas não se pode estar completamente seguro da Graça de Deus.

M: Se a mente imatura não sente Sua Graça, não significa que a Graça de Deus está ausente, pois isto implicaria que Deus, às vezes, não é gracioso, isto é, que Ele deixa de ser Deus.

D: Isso é o mesmo que o dito de Cristo: “Seja feito conforme tua fé” 55.

M: Exatamente o mesmo. D: Os Upanishads dizem: Disseram-me,

assim, que apenas conhece o Atman56 aquele

54 Lucas - 15.8 - Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma, não acende a candeia, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la? 15.9 - E, tendo-a achado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque achei a dracma que eu tinha perdido. 15.10 - Eu vos afirmo que, de igual modo, há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende. 55 Mateus 8.13 - Então, disse Jesus ao centurião: Vai-te, e seja feito conforme a tua fé. E, naquela mesma hora, o servo foi curado. 56 Atman: o Ser ou o Espírito.

Page 71: Evangelho Do Maharshi

que o Atman escolhe. Por que o Atman deveria escolher, afinal? Se ele escolhe, por que escolhe alguém em particular.

M: Quando o sol nasce, apenas alguns brotos florescem, não todos. Você culpa o sol por isso? Também não é possível que o broto floresça por si mesmo, há necessidade da luz do sol para isso.

D: Não podemos dizer que a ajuda do Atman é necessária, porque é o Atman que estende sobre si mesmo o véu de maya57?

M: Pode-se dizer assim. D: Se o Atman estendeu o véu sobre si

mesmo, não é ele mesmo que deveria remover o véu?

M: Assim o fará. Veja para quem é o véu? D: Por que devo fazer isso? Que o próprio

Atman remova o véu! M: Se o Atman fala sobre o véu, então, o

próprio Atman o eliminará. D: Deus é pessoal? M: Sim, Ele é sempre a primeira pessoa, o

Eu, que sempre permanece diante de você. Porque você dá preferência a coisas mundanas, parece que Deus retrocedeu para o fundo. Se você abandona tudo mais e busca apenas por Ele, só Ele permanecerá como Eu, o Ser.

D: É dito que o estado final de Realização, de acordo com o Advaita, seja a absoluta União com o Divino e, de acordo com Visishtadvaita, 57 maya: ilusão; o poder inerente ao Brahman, pelo qual Ele manifesta o mundo. No Swetasvatara Upanishads, ‘maya’ também é definida como “o poder que une a mente e a matéria”.

Page 72: Evangelho Do Maharshi

seja uma união qualificada; enquanto que o Dvaita sustenta que não há união de fato. Qual destas deveria ser considerada como a perspectiva correta?

M: Por que especular sobre algo que acontecerá no futuro? Todos nós estamos de acordo de que o ‘eu’ existe. Seja qual for a escola de pensamento a qual o sincero buscador pertença, que ele encontre, primeiramente, o que é o ‘eu’. Então, haverá tempo suficiente para ele saber qual será o Estado Final, se o ‘eu’ se submergirá no Supremo Ser ou se ele permanecerá separado Dele. Não vamos antecipar a resposta, mas manter uma mente aberta.

D: Mas se tivermos algum entendimento sobre o Estado Final, não será uma boa ajuda mesmo para o aspirante?

M: Não serve a nada tentar decidir agora sobre qual será o estado final da Realização. Não tem nenhum valor intrínseco.

D: Por quê? M: Porque você procede com base num

princípio equivocado. Sua verificação depende do intelecto que, por sua vez, apenas brilha por causa da luz que deriva do Ser. Não é presunçoso da parte do intelecto, sentar-se sentenciando sobre Aquilo do qual ele é apenas uma manifestação limitada, e do qual ele tira sua pequena luz?

Como o intelecto - que jamais pode alcançar o Ser - pode ser competente para verificar isto, e, tanto mais, para decidir sobre a

Page 73: Evangelho Do Maharshi

natureza do Estado de Realização Final? É como tentar medir a luz do sol na sua fonte com o padrão de luminosidade dado por uma vela. A cera se derreterá antes de chegar a algum lugar próximo ao sol.

Ao invés de ceder a meras especulações, devote-se, aqui e agora, a procurar pela Verdade que está sempre dentro de você.

Page 74: Evangelho Do Maharshi

III

O JNANI E O MUNDO

D: O mundo é percebido pelo jnani58? M: De quem é a pergunta? É de um jnani

ou de um ajnani? D: De um ajnani, eu admito. M: É o mundo que procura decidir a

questão sobre sua realidade? A dúvida surge em você. Conheça em primeiro lugar quem é este que duvida e, então, você poderá considerar se o mundo é real ou não.

D: O ajnani vê e conhece o mundo e seus objetos, que afetam seus sentidos de toque, sabor, etc. O jnani experimenta o mundo de modo igual?

M: Você fala de ver e conhecer o mundo. Mas sem conhecer a si mesmo, o sujeito que conhece, (sem o qual não há conhecimento do objeto), como você pode conhecer a verdadeira natureza do mundo, o objeto conhecido? Sem dúvida, os objetos afetam o corpo e os órgãos dos sentidos, mas é para o seu corpo que surge a questão? Por acaso é o corpo que diz: “Eu sinto o objeto, ele é real”? Ou então, é o mundo que diz a você: “Eu, o mundo, sou real”?

D: Eu apenas estou tentando entender o ponto de vista do jnani a respeito do mundo. O mundo é percebido após a realização? 58 Jñani: sábio; aquele que realizou o Ser (o Si mesmo). Ajnani: ignorante.

Page 75: Evangelho Do Maharshi

M: Por que preocupar-se sobre o mundo e o que acontece após a Auto-realização? Primeiro, realize o Ser. O que importa se o mundo é percebido ou não. Você ganha algo que lhe ajude na sua investigação através da não-percepção do mundo que ocorre durante o sono profundo? Inversamente, o que você perde, agora, pela percepção do mundo? É completamente indiferente para o jnani ou o ajnani se ele percebe o mundo ou não. É visto por ambos, mas seus pontos de vista são diferentes.

D: Se o jnani e o ajnani percebem o mundo da mesma maneira, onde está a diferença entre eles?

M: Ao ver o mundo, o jnani vê o Ser que é o substrato de tudo que é visto; o ajnani, vendo ou não vendo o mundo, é ignorante da sua verdadeira Existência, o Ser (o Si Mesmo).

Tome o exemplo das imagens que se movem na tela de um cinema. O que há diante de você antes do filme começar? Apenas a tela. Naquela tela você vê toda a apresentação, e, por todas as aparências, as imagens são reais. Mas vá até lá e tente pegá-las. O que você consegue pegar? Apenas a tela sobre a qual as imagens pareciam ser reais. Depois do filme, quando as imagens desaparecem, o que resta? A tela, outra vez!

Assim é com o Ser. Somente Isto existe; as imagens vêm e vão. Se você se aderir no Ser, não será enganado pela aparência das imagens. E, de fato, também não importa se as imagens aparecem ou desaparecem.

Page 76: Evangelho Do Maharshi

Ao ignorar o Ser, o ajnani pensa que o mundo é real, do mesmo modo que quando ignora a tela ele meramente vê as imagens, como se elas existissem separadas. Se alguém sabe que sem o Observador não há nada para ser visto, assim como não existem imagens sem a tela, esta pessoa não é enganada. O jnani sabe que a tela, as imagens e a visão de tudo isso são apenas o Ser. Com as imagens, o Ser está na sua forma manifesta; sem as imagens, Ele permanece na forma imanifesta. Para o jnani é completamente indiferente se o Ser está numa ou noutra forma. Ele sempre é o Ser. Mas o ajnani, vendo o jnani ativo, fica confuso.

D: É justamente esse ponto que me incitou a fazer minha primeira pergunta; se aquele que realizou o Ser percebe o mundo como nós o percebemos e, se assim for, eu gostaria de saber como Sri Bhagavan sentiu a respeito do misterioso desaparecimento da foto ontem...

M: (Sorrindo) Você está se referindo à foto do templo Madurai. Uns poucos minutos antes, ela estava passando pelas mãos dos visitantes que a olhavam um por vez. Evidentemente, deve ter se extraviado entre as páginas de um ou outro livro que estavam consultando.

D: Sim, foi este incidente. Como Bhagavan o vê? Houve uma ansiosa procura pela foto que, no fim, não pôde ser encontrada. Como Bhagavan vê o misterioso desaparecimento da foto, bem no momento em que ela estava sendo requerida?

Page 77: Evangelho Do Maharshi

M: Suponha que você sonha que está me levando para o seu distante país, a Polônia. Você desperta e me pergunta: “Eu sonhei assim e assim. Você também teve algum sonho ou soube de algum outro modo que eu estava levando você para a Polônia?” Que significado você dará a uma indagação como esta?

D: Mas, com respeito ao sumiço da foto, todo o incidente aconteceu diante de Sri Bhagavan.

M: A visão da foto, seu desaparecimento, assim como sua atual indagação são meras operações da mente.

Há uma estória Purânica que ilustra o ponto. Quando Sita desaparecu do eremitério na floresta, Rama saiu em busca dela, lamentando-se: “Oh Sita, Sita!” Diz-se que Parvati e Parameswara viram de cima o que estava acontecendo na floresta. Parvati expressou sua surpresa a Siva e disse: “Você louvava Rama como o Ser Perfeito. Veja como ele se comporta e se entristece pela perda de Sita!” Siva respondeu: “Se você é cético a respeito da perfeição de Rama, então, coloque-o a prova você mesmo. Através de sua yoga maya transforme-se na aparência de Sita e apareça diante dele”. Parvati assim fez. Ela apareceu diante de Rama com a mesma aparência de Sita, mas, para seu espanto, Rama ignorou sua presença e seguiu em frente como antes, gritando: “Oh Sita, Oh Sita”, como se ele estivesse cego.

Page 78: Evangelho Do Maharshi

D: Sou incapaz de entender a moral da estória.

M: Se Rama estivesse realmente procurando pela presença corpórea de Sita, ele teria reconhecido a pessoa que estava diante dele como a Sita que havia desaparecido. Mas não, a Sita desaparecida era tão irreal como a Sita que apareceu diante dos seus olhos. Rama não estava realmente cego; mas para Rama, o jnani, a existência anterior de Sita no eremitério, seu desaparecimento, sua consequente busca por ela, assim como a atual presença de Parvati disfarçada de Sita, eram todos igualmente irreais. Você entende, agora, como o sumiço da foto foi visto?

D: Não posso dizer que está de todo claro para mim. É o mundo que é visto, sentido e percebido por nós, em inúmeras maneiras, algo como um sonho, uma ilusão?

M: Não há nenhuma alternativa para você que não seja aceitar o mundo como irreal, se você está buscando a Verdade e somente a Verdade.

D: Por que é assim? M: Pela simples razão de que a menos que

você abandone a idéia de que o mundo é real, sua mente sempre estará indo atrás dele. Se você toma a aparência como sendo real, nunca conhecerá o próprio Real, embora aquilo que exista seja apenas o Real. Este ponto é ilustrado pela analogia da ‘serpente na corda’. Enquanto você vê a serpente, não pode ver a corda como tal. A serpente não-existente torna-

Page 79: Evangelho Do Maharshi

se real para você, enquanto que a corda real parece completamente não-existente como tal.59 D: É fácil aceitar teoricamente que, em última instância, o mundo não é real, mas é difícil ter a convicção de que ele é verdadeiramente irreal.

M: O seu mundo sonhado é igualmente real enquanto você está dormindo. Tanto quanto o sonho dure, tudo que você vê, sente, etc.; nele é real.

D: Então, o mundo não é nada melhor do que um sonho?

M: O que há de errado com o sentido de realidade que você tem enquanto está sonhando? Você pode estar sonhando algo bastante impossível, por exemplo, de estar tendo uma agradável conversa com uma pessoa morta. Apenas por um momento, você, no sonho, pode duvidar e dizer para si mesmo: “Ela não tinha morrido?”, mas de algum modo a mente reconcilia-se com a visão do sonho, e a pessoa está tão viva quanto boa para os propósitos do sonho. Em outras palavras, o sonho como um sonho não lhe permite que você duvide de sua realidade. Do mesmo modo, você é incapaz de duvidar da realidade do mundo em sua experiência no estado de vigília. Como a mente que criou por si mesma o mundo pode aceitar que ele é irreal? Este é o significado da comparação feita entre o mundo da experiência 59 Vendo a corda no solo, na escuridão, a mente gera com isso uma serpente [pensa que é uma serpente] e sente medo.

Page 80: Evangelho Do Maharshi

desperta e o mundo dos sonhos. Ambos são criações da mente e na medida em que a mente está absorvida em ambos, ela encontra-se incapaz de negar a realidade do mundo dos sonhos enquanto dorme e do mundo da vigília enquanto está desperta. Se, ao contrário, você retira completamente sua mente do mundo e a volta para dentro, permanecendo assim, isto é, se você se mantém sempre desperto para o Ser, que é o substrato de toda experiência, descobrirá que o mundo, do qual apenas agora está ciente, é tão irreal quanto o mundo no qual você vivia em seu sonho.

D: Como disse antes, nós vemos, sentimos e percebemos o mundo de inúmeras maneiras. Estas sensações são as reações aos objetos vistos, sentidos, etc.; e não são criações mentais como nos sonhos, que não só são diferentes de pessoa para pessoa como são também diferentes, inclusive em relação a uma mesma pessoa. Isto não é suficiente para provar a realidade objetiva do mundo?

M: Toda esta conversa sobre as inconsistências e suas atribuições ao mundo do sonho surgem somente agora, quando você está desperto. Enquanto você está sonhando, o sonho era um todo perfeitamente integrado. Isto é, se você sentia sede em um sonho, o beber ilusório de uma água ilusória satisfazia sua sede ilusória. Mas tudo isto era real e não era ilusório, enquanto você não sabia que o próprio sonho era ilusório. É a mesma coisa com o mundo da vigília; e as sensações que você tem

Page 81: Evangelho Do Maharshi

agora, coordenam-se para lhe dar a impressão de que o mundo é real.

Se, pelo contrário, o mundo é uma realidade auto-existente (isto é o que você evidentemente entende por sua objetividade), o que impede o mundo de revelar-se a você no sono profundo? Você não diz que você não existia em seu sono profundo.

D: Nem mesmo posso negar a existência do mundo enquanto eu estou no sono profundo. Ele esteve existindo todo o tempo. Se, durante meu sono profundo, eu não o via, outros que não estavam dormindo o viam.

M: Para dizer que você existia enquanto dormia profundamente, é necessário solicitar pela evidência dos outros, de modo a provar isto para você? Por que você busca a comprovação deles, agora? Aqueles “outros” podem lhe contar de terem visto o mundo (durante o seu sono profundo) apenas quando você está no estado de vigília. Com relação a sua própria existência é diferente. Ao despertar você diz que teve um bom sono, de modo que, nessa mesma medida, você está ciente de si mesmo no sono mais profundo, enquanto que não tem a mínima noção da existência do mundo naquele momento. Mesmo agora, enquanto está desperto, é o mundo que diz: “Eu sou real”, ou é você?

D: É claro que eu digo isso, mas eu digo isso do mundo.

M: Muito bem, então, este mundo que você diz que é real está zombando de você, por tentar

Page 82: Evangelho Do Maharshi

provar sua realidade, enquanto que da sua própria Realidade você é ignorante.

Você quer sustentar, de um modo ou de outro, que o mundo é real. Qual é o padrão da Realidade? Apenas é Real aquilo que existe por si mesmo, que se revela por si mesmo e que é eterno e imutável.

O mundo existe por si mesmo? Foi ele visto alguma vez sem a ajuda da mente? No sono profundo não há nem mente, nem mundo. Ao despertar há a mente e há o mundo. O que significa esta concomitância invariável? Você está familiarizado com os princípios da lógica indutiva, que são consideradas as próprias bases da investigação científica. Por que você não decide esta questão da realidade do mundo à luz destes princípios da lógica aceitos?

De si mesmo, você pode dizer ‘Eu existo’. Isto é, a sua existência não é uma mera existência, é a Existência da qual você é consciente. Na realidade a Existência é idêntica com a Consciência.

D: O mundo pode não ser consciente de si mesmo e, ainda assim, existir.

M: A Consciência é sempre Auto-consciência. Se você é consciente de algo você é essencialmente consciente de si mesmo. A existência que não é auto-consciente é uma contradição nos termos. Não é, em absoluto, uma existência. É meramente uma existência atribuída, ao passo que a verdadeira Existência, o Sat, não é um atributo, é a própria

Page 83: Evangelho Do Maharshi

Substância60. É o vastu61. A Realidade é, portanto, conhecida como sat-chit, Ser-Consciência, e nunca meramente como algo à exclusão do outro. O mundo nem existe por si mesmo, nem é consciente da sua existência. Como você pode dizer que tal mundo é real?

E qual é a natureza do mundo? É uma perpétua mudança, um fluxo interminável e contínuo. Um mundo sempre-mutável, dependente e não consciente de si mesmo não pode ser real.

D: Não apenas a ciência empírica* considera o mundo como real, mas, os Vedas, etc.; dão elaboradas descrições cosmológicas do mundo e sua origem. Por que eles assim o fariam se o mundo é irreal?

M: O propósito essencial dos Vedas, etc.; é ensinar-lhe a natureza do imperecível Atman, e declarar com autoridade: “Tu és Isso”.

D: Eu aceito. Mas por que devem dar descrições cosmológicas desenvolvidas com grande detalhe, a menos que considerassem o mundo como real?

M: Adote na prática aquilo que você aceita como teoria, e deixe o resto. Os sastras (as escrituras) têm que conduzir cada espécie de buscador até a Verdade, e todos eles não possuem o mesmo tipo de disposição mental. O

60 A palavra Substância também se refere a Substrato (subs.tra.to) sm. 1 A parte principal de algo; ESSÊNCIA. 2 O que sustenta, fundamenta algo; BASE. 3 Fig. O que causa ou dá origem a algo. 4 Biol. Superfície ou meio em que um ser se desenvolve. 61 Vastu: substância, substrato; realidade.

Page 84: Evangelho Do Maharshi

que você não pode aceitar trate como artha vada ou como um argumento auxiliar.

* NOTA

Nas últimas análises, o mundo da percepção-sensória se definiu como em duas categorias de tempo e espaço, e a seguir segue-se aquilo que ‘Sir James Jeans’ escreve em seu livro, The New Background of Science, como a conclusão advinda de experimentos baseados na Teoria da Relatividade de Einstein. “Descobrimos que o espaço nada significa à parte da nossa percepção dos objetos, e o tempo nada significa à parte da nossa experiência dos eventos. O espaço começa a aparecer meramente como uma ficção criada pelas nossas mentes (nossos corpos físicos são apenas coisas no espaço – veja verso 16, Truth Revealed), uma ilegítima extensão à Natureza através de um conceito subjetivo que nos ajuda a entender e descrever a disposição dos objetos como vistos por nós; enquanto que o tempo aparece como uma segunda ficção (sem o passado e o futuro, o tempo como é geralmente concebido é apenas um mito – veja verso 15, Truth Revealed), servindo a um propósito similar para organização dos eventos que nos sucedem.” O leitor deve notar que quando tempo e espaço são considerados como meras criações de nossas próprias mentes, objetos e eventos tornam-se ipso facto meras criações da mente (veja os versos 17 & 18 Truth Revealed) porque eles não podem existir sem o tempo e o espaço. Em relação à solidez atribuída pelo leigo à matéria, as seguintes conclusões tiradas da física experimental moderna fornecem a resposta. 1. A Ciência nada sabe a respeito da real natureza dos constituintes do átomo. Eles apenas sabem sobre as radiações que saem dele, mas nunca a respeito da própria fonte. 2. Desde que o átomo continuamente irradia energia, o elétron de um momento nunca pode ser identificado com o elétron de outro momento. 3. ‘O elétron deixa completamente de ter as propriedades de uma “coisa” como concebida pelo senso

Page 85: Evangelho Do Maharshi

comum, sendo apenas uma região da qual a energia pode irradiar. (Outline of Philosophy por Bertrand Russell). O que se segue é a conclusão que Bertrand Russell fez: “Agora, devido principalmente a dois físicos alemães, Heisenberg e Schrodinger, os últimos vestígios do átomo sólido se desfizeram, a matéria tornou-se tão espectral como qualquer coisa em uma séance espírita.” Que o leitor possa agora julgar por si mesmo de que maneira o mundo da percepção-sensória é fundamentalmente diferente do mundo do sonho, lembrando-se daquilo que foi afirmado acima, no corpo do capítulo, e do seguinte trecho de ‘Quem Sou Eu?’: “À exceção que o estado de vigília é longo e aquele do sonho é curto, não há nenhuma diferença entre os dois”. Esta verdade, ecoada na ciência moderna, é expressa pelo Dr. Eddington assim: “A franca percepção de que a ciência física está ocupada com o mundo das sombras é um dos mais significativos avanços.... No mundo da física assistimos à representação da sombra esquemática do drama da vida familiar (a imagem que surge na tela, como Sri Bhagavan a nomeia, ou as sombras da Caverna de Platão). A sombra do meu cotovelo descansa na mesa sombra, assim como a tinta sombra flui sobre o papel sombra”. (The Nature of the Physical World)

Page 86: Evangelho Do Maharshi

IV

O CORAÇÃO É O SER

D: Sri Bhagavan fala do coração como a sede da Consciência e como idêntico ao Ser. O que o Coração significa exatamente? M: A questão sobre o Coração surge porque você está interessado em buscar a fonte da consciência. Para todas as mentes de pensamento profundo, a indagação sobre o ‘eu’ e sua natureza são de uma irresistível fascinação. Chame-o por qualquer outro nome: Deus, Ser, o Coração ou a sede da Consciência, é tudo o mesmo. O ponto a ser compreendido é que o Coração significa o próprio cerne do Ser de uma pessoa, o Centro, sem o qual nada existe. D: Mas Sri Bhagavan especificou um determinado lugar para o Coração dentro do corpo físico, que é no peito, duas polegadas à direita da linha média. M: Sim, este é o centro da experiência espiritual de acordo com o testemunho dos Sábios. Este Coração-Central espiritual é bem diferente do órgão muscular que bombeia o sangue, conhecido pelo mesmo nome.

O Coração-Central espiritual não é um órgão do corpo. Tudo que você pode dizer do Coração é que ele é o real núcleo da sua existência. Aquilo com o qual você é realmente idêntico (como a palavra em sânscrito

Page 87: Evangelho Do Maharshi

literalmente significa), esteja você desperto, dormindo ou sonhando, esteja você ocupado no trabalho ou imerso no samadhi.

D: Neste caso, como ele pode ser localizado em qualquer parte do corpo? Fixar um lugar para o coração implicaria impor limitações fisiológicas para Aquilo que está além do espaço e do tempo.

M: Isto é correto. Mas a pessoa que colocou a questão sobre a posição do coração considera-se como existindo com o corpo ou no corpo. Ao fazer a questão agora, você diria que apenas seu corpo está aqui e você está falando de algum outro lugar? Não, você aceita sua existência corporal. É deste ponto de vista que qualquer referência ao corpo físico vem a ser feita.

Falando verdadeiramente, a Consciência Pura é indivisível, existe sem partes. Não tem forma nem aspecto, não tem ‘dentro’ nem ‘fora’. Não há ‘direita’ ou ‘esquerda’ para ela. A pura Consciência, que é o Coração, inclui tudo; e nada existe fora dela ou à parte dela. Esta é a Verdade última.

Deste ponto de vista absoluto, o Coração, o Ser ou a Consciência, não pode ter nenhum lugar assinalado no corpo físico. Por qual razão? O corpo é, em si, uma mera projeção da mente; e a mente não é mais que um pobre reflexo do Coração radiante. Como pode Aquilo, no qual tudo está contido, ser ele próprio confinado numa estreita parte do corpo físico

Page 88: Evangelho Do Maharshi

que é apenas uma manifestação fenomenal, infinitesimal da Realidade Única?

Mas as pessoas não entendem isto. Elas não podem evitar pensar em termos do corpo físico e do mundo. Por exemplo, você diz: “Eu cheguei a este ashram (comunidade) percorrendo todo o caminho, vindo desde o meu país que está além dos Himalaias”. Mas isto não é a verdade. Onde está o ‘ir’ e ‘vir’ ou qualquer outro movimento, para o Espírito, o Um onipresente que você realmente é? Você está onde você sempre esteve. É o seu corpo que se moveu ou foi transportado de um local a outro até que ele chegou a este ashram.

Esta é a simples verdade, mas para uma pessoa que se considera como um sujeito vivo num mundo objetivo, isto parece ser algo completamente visionário!

É por descermos ao nível do entendimento comum que um lugar é assinalado para o Coração no corpo físico.

D: Como, então, eu devo entender a afirmação de Sri Bhagavan de que a experiência do Coração-Central existe neste específico lugar do peito?

M: Uma vez aceito que, do ponto de vista real e absoluto, o Coração como Pura Consciência está além do espaço e do tempo, será fácil para você entender o resto na sua correta perspectiva.

D: É somente sobre esta base que coloquei a questão sobre a posição do coração. Estou perguntando sobre a experiência de Bhagavan.

Page 89: Evangelho Do Maharshi

M: A Pura Consciência plenamente inconexa ao corpo físico e transcendente à mente é uma questão de experiência direta. Os Sábios conhecem sua própria Existência eterna e sem corpo, assim como um leigo conhece sua existência corporal. Mas a experiência da Consciência pode existir tanto com a percepção corporal quanto sem ela. Na experiência incorpórea da Pura Consciência, o Sábio está além do espaço e do tempo e nenhuma questão sobre a posição do Coração pode, então, de fato, surgir.

No entanto, já que o corpo físico não pode subsistir (com vida) à parte da Consciência, a percepção corpórea tem que ser sustentada pela Pura Consciência. A consciência do corpo, por sua natureza, é limitada e jamais pode ser co-extensiva com a Consciência que é infinita e eterna. A consciência do corpo é meramente como uma mônada62, como um reflexo em miniatura da Pura Consciência com a qual o Sábio realizou sua identidade. Para ele, portanto, a consciência-corpórea é apenas um raio refletido, por assim dizer, da Consciência infinita e auto-radiante que é ele mesmo. É apenas neste sentido que o Sábio está ciente de sua existência corpórea.

Desde que, durante sua experiência do Coração como Pura Consciência sem corpo, o

62 (mô.na.da, mô.na.de) sf. 1. Biol. Unidade orgânica diminuta e muito simples. 2. Fil. Na teoria de Leibniz, partícula indivisível que entra na composição de todos os seres.

Page 90: Evangelho Do Maharshi

Sábio não está de todo consciente do corpo, aquela absoluta experiência é localizada por ele dentro dos limites do corpo físico por uma espécie de sensação de recordação desenvolvida enquanto ele está com a consciência corpórea.

D: Para homens como eu, que não tiveram a experiência direta do Coração nem a consequente recordação, a questão parece um pouco difícil de compreender. Sobre a própria posição do Coração, talvez, seja necessário depender de alguma espécie de adivinhação.

M: Se a determinação da posição do Coração fosse dependente de adivinhação, mesmo no caso de leigos, a questão certamente não valeria a pena de ser considerada. Não, não é de nenhuma adivinhação que você tem que depender, é de uma infalível intuição.

D: Intuição para quem? M: Para si e para todos. D: Sri Bhagavan acredita que eu tenha um

conhecimento do Coração? M: Não, não do Coração, mas da posição do

Coração em relação a sua identidade. D: Sri Bhagavan diz que eu, intuitivamente,

conheço a posição do Coração no corpo físico? M: Por que não? D: (Apontando para si mesmo) É a mim

pessoalmente – que Sri Bhagavan se refere? M: Sim. Esta é a intuição. Como você se

referiu a si mesmo neste exato momento? Você não colocou seu dedo no lado direito do seu peito? Este é exatamente o lugar do Coração-Central.

Page 91: Evangelho Do Maharshi

D: Assim, então, na ausência de conhecimento direto do Coração-Central, tenho que depender desta intuição?

M: O que há de errado com isto? O que é que um menino diria na escola: “Fui eu que fiz a soma corretamente”, ou quando ele lhe perguntasse: “Quer que eu corra e pegue o livro para você?”; ele iria apontar para a cabeça que fez a conta corretamente, ou às pernas que o levariam depressa até o seu livro? Não, em ambos os casos, seu dedo fica apontado muito naturalmente em direção ao lado direito do seu peito, dando, assim, uma inocente expressão para a profunda verdade de que a fonte da ‘eu-dade’63 nele está ali. É uma intuição infalível que o faz se referir a si mesmo, ao Coração que é o Ser, desta maneira. O ato é bastante involuntário e universal, isto é, é o mesmo para o caso de todo indivíduo.

Que prova mais contundente você precisa a respeito da posição do Coração-Central no corpo físico?

63 No inglês: ‘I’-ness.

Page 92: Evangelho Do Maharshi

V

O LUGAR DO CORAÇÃO

D: Mas eu ouvi que foi dito por um Santo que sua experiência espiritual era sentida no lugar entre as sobrancelhas.

M: Como disse, anteriormente, esta é a última e perfeita Realização que transcende a relação sujeito-objeto. Quando esta é obtida, não importa onde a experiência espiritual seja sentida.

D: Mas a questão é: qual é a visão correta destas duas, a saber: (1) o centro da experiência espiritual é o local entre as sobrancelhas ou (2) é o Coração.

M: Para os propósitos da prática, você pode concentrar-se entre as sobrancelhas, isto seria, então, bhavana ou contemplação imaginativa da mente; enquanto que o estado supremo de anubhava ou Realização, com o qual você torna-se completamente identificado e onde sua individualidade é completamente dissolvida, transcende a mente. Então, não pode existir nenhum centro objetivado a ser experimentado por você, como um sujeito distinto e separado dele (o estado de Realização Suprema).

D: Eu gostaria de pôr a minha questão em palavras ligeiramente diferentes. Pode ser dito que o lugar entre as sobrancelhas é a sede do Ser?

Page 93: Evangelho Do Maharshi

M: Você aceita que o Ser é a derradeira fonte da consciência e que ela subsiste igualmente durante todos os três estados da mente. Mas, veja o que acontece quando uma pessoa em meditação é vencida pelo sono. No primeiro sintoma de sono, sua cabeça começa a ceder, o que de nenhum modo poderia acontecer se o Ser estivesse situado entre as sobrancelhas ou em qualquer outro lugar da cabeça.

Se durante o sono profundo a experiência do Ser não é sentida entre as sobrancelhas, este centro não pode ser chamado de sede, sem implicar que o Ser possa amiúde abandonar seu próprio lugar, o que seria absurdo.

O fato é que o sadhaka64 (o aspirante) pode ter sua experiência em qualquer centro ou chakra65 no qual ele concentra sua mente. Mas, por esta razão, aquele particular local de sua experiência não se torna ipso facto a sede do Ser.

Há uma interessante estória sobre Kamal, o filho do Santo Kabir, que serve como ilustração para mostrar que a cabeça (e com

64 sadhak(a): um aspirante espiritual; aquele que segue um método de disciplina

espiritual. 65 chakra: À parte dos três diferentes e principais caminhos: Bhakti (Devoção), Jnana (Conhecimento) e Karma (Ação Desinteressada); existem dois outros caminhos que são desenvolvidos a partir de Bhakti que são aqueles da Yoga e Tantra, caminhos mais elaborados e preparatórios, isto é, menos diretos. Nos caminhos da Yoga e do Tantra a força-espírito (shakti-kundalini), em sua forma feminina, dinâmica e primordial no homem, é liberada de sua latência na base da espinha e sobe através de uma série de centros espirituais no corpo. Cada qual desses centros é chamado de roda ou chakra. Cada chakra representando um diferente estágio de desenvolvimento que é franqueado quando a kundalini o atinge. (Nota colhida do vocabulário do livro Ramana Maharshi e o Caminho do Auto-Conhecimento de Arthur Osborne (Pensamento, 1973)

Page 94: Evangelho Do Maharshi

maior razão, o lugar entre as sobrancelhas) não pode ser considerada como a sede do Ser.

Kabir era intensamente devotado a Sri Rama, e nunca deixou de alimentar aqueles que cantavam em louvor ao Senhor de sua devoção. Numa ocasião, entretanto, aconteceu dele não ter os meios necessários para prover alimento para tal agrupamento de devotos. Para ele, de qualquer modo, não poderia haver outra alternativa que não fosse fazer todo o possível para cumprir com os preparativos, antes da manhã seguinte. Assim, ele e seu filho saíram de noite para assegurar as provisões necessárias.

A estória segue dizendo que depois que pai e filho retiraram provisões da casa de um comerciante, através de um buraco que fizeram na parede, o filho retornou a casa só para acordar a família e contar, por uma questão de princípio, que a casa deles havia sido assaltada. Quando, após ter despertado a família, o rapaz tentou escapar através do buraco e encontrar seu pai do outro lado, seu corpo se enroscou na abertura. Para evitar ser identificado pela família que estava em seu encalço (porque, se fosse descoberto, não haveria nenhum alimento para todos os devotos na manhã seguinte), ele chamou por seu pai e lhe disse para cortar-lhe a cabeça e levar as provisões com ele. Isto feito, Kabir escapou prontamente com as provisões roubadas junto com a cabeça de seu filho a qual, ao chegar em casa, foi escondida para de modo algum ser achada. No dia seguinte, Kabir

Page 95: Evangelho Do Maharshi

deu uma festa aos bhaktas (devotos), bem esquecido daquilo que tinha acontecido na noite anterior. “Se foi a vontade de Rama” disse Kabir a si mesmo, “que meu filho devesse morrer, bem está feito.” À tarde, Kabir e os convivas saíram, como sempre, em procissão pela cidade em bhajana (louvação), etc.

Neste entretempo, a família roubada fez queixa ao rei, mostrando-lhe o corpo decapitado de Kamal, o que não dava a eles nenhuma pista. Para assegurar sua identificação, o rei amarrou o corpo numa proeminência elevada na rua principal, de modo que quem quer que assim desejasse pudesse pegá-lo (já que nenhum corpo é abandonado sem que sejam feitos os últimos ritos por parentes e amigos) e fosse interrogado ou preso pela polícia que estava secretamente escondida, vigiando.

Kabir e seus convivas, com a bhajana em plena efervescência, chegaram pela rua principal quando, para o espanto de todos, o corpo decapitado de Kamal (que foi considerado tão morto como um prego de batente) começou a bater palmas marcando ritmo para a canção entoada pela festa da louvação, a bhajana.

Esta estória desmente a sugestão de que a cabeça ou o lugar entre as sobrancelhas seja a sede do Ser. Também pode ser acrescentado que quando, no campo de batalhas, a cabeça de um soldado em ação é cortada do corpo por um repentino e avassalador golpe de espada, o corpo continua a correr, ou a mover seus membros, como se estivesse ainda lutando,

Page 96: Evangelho Do Maharshi

apenas por um momento, antes que finalmente caia morto.

D: Mas o corpo de Kamal estava morto horas antes?

M: O que você chama de morte não é, realmente, nenhuma experiência extraordinária para Kamal. Sigo com a estória daquilo que havia acontecido quando ele ainda era mais jovem.

Quando era um garoto, Kamal tinha um amigo da mesma idade com quem ele costumava jogar bolinha de gude. Uma regra geral, que observavam entre eles, era que se alguém perdesse ao outro uma ou duas partidas, o mesmo deveria ser ressarcido no dia seguinte. Um dia, eles se despediram com uma partida de crédito para Kamal. No dia seguinte, para pedir o ‘pagamento’, Kamal foi à casa do garoto, onde viu o menino estendido na varanda, enquanto que seus pais choravam ao seu lado. “Qual é o problema?” perguntou-lhes Kamal, “ele jogou comigo noite passada e me deve ainda uma partida”. Os pais choraram ainda mais dizendo que o menino estava morto. “Não”, disse Kamal, “ele não está morto, mas só está fingindo, só para evitar o pagamento do jogo que me deve”. Os pais protestaram, chamando Kamal para ver por ele mesmo que o menino estava realmente morto, que o corpo estava enrijecido e frio. “Mas tudo isso é só um fingimento do menino, eu sei. E daí que o corpo está duro e frio? Eu também posso ficar assim”.

Page 97: Evangelho Do Maharshi

Assim dizendo, Kamal se deitou no chão e, num piscar de olhos, morreu.

Os pobres pais que estavam chorando, até então, pela morte do filho, ficaram consternados, aflitos e, logo, começaram a chorar pela morte de Kamal também. Porém, Kamal, erguendo-se de bruços, declarou: “Vocês estão vendo, agora? Como diriam vocês, eu estava morto, mas já estou novamente de pé, vivo e serelepe. É desse modo que ele quer me enganar, mas não pode me ludibriar assim com esses fingimentos.”

No fim, a estória segue e a inerente santidade de Kamal dá vida ao menino novamente e Kamal consegue receber a partida que lhe era devida. A moral é que a morte do garoto não é a extinção do Ser. A relação do Ser com o corpo não está limitada pelo nascimento e morte, e seu lugar no corpo físico não está circunscrito pela experiência de alguém a um determinado lugar, como por exemplo, entre as sobrancelhas, por causa da prática de dhyana (meditação avançada) feita naquele centro. O supremo estado de Auto-Consciência nunca está ausente; ele transcende aos três estados da mente, como também transcende a vida e a morte.

D: Já que Sri Bhagavan diz que o Ser pode funcionar através de qualquer um dos centros ou chakras, enquanto que sua sede está no Coração, não é possível que pela prática de intensa concentração, ou dhyana, entre as

Page 98: Evangelho Do Maharshi

sobrancelhas, este centro possa tornar-se a sede do Ser?

M: Na medida em que se está meramente no estágio da prática de concentração, através da fixação de um lugar de controle para sua atenção, qualquer consideração sobre a sede do Ser seria mera teorização. Você se considera como o sujeito, o observador, e o lugar onde você fixa sua atenção torna-se o objeto visto. Isto é meramente bhavana (uma idéia). Quando, pelo contrário, você vê o próprio Observador, você submerge no Ser, você se torna Um com Ele; este é o Coração.

D: A prática de concentração entre as sobrancelhas é, então, aconselhável?

M: O resultado final da prática de qualquer tipo de dhyana (meditação) é que o objeto, sobre o qual o sadhaka (aspirante) fixa sua mente, deixa de existir como distinto e separado do sujeito. Eles (sujeito e objeto) tornam-se o Ser Único, e este é o Coração.

A prática da concentração no centro entre as sobrancelhas é um dos métodos de sadhana (disciplina espiritual), e, com o tempo, os pensamentos são efetivamente controlados. A razão é esta. Todo pensamento é uma atividade extrovertida da mente; e o pensamento, em primeira instância, segue a ‘visão’, física ou mental. Deve-se, entretanto, notar, que esta sadhana (disciplina) de fixar a atenção entre as sobrancelhas deve ser acompanhada por japa66. 66 japa: repetição de uma palavra ou sílaba sagrada, ou de um nome de Deus.

Page 99: Evangelho Do Maharshi

Porque, próximo em importância ao olho físico é o ouvido físico, tanto para controlar como para distrair a mente. E próximo em importância ao olho da mente (isto é, a visualização mental do objeto) é o ouvido da mente (isto é, a articulação mental do discurso), seja para controlar e, portanto, fortalecer a mente, seja para distrair e, portanto, dispersá-la.

Assim, ao fixar o olho da mente em um centro, como, por exemplo, entre as sobrancelhas, você deveria praticar a articulação mental de um nama (nome) ou mantra (sílaba sagrada ou sílabas). De outro modo, você logo irá perder sua atenção sobre o objeto de concentração.

Sadhana (a prática) como descrita acima leva a identificação do Nome, Palavra ou Ser – como quer que o chame – com o centro escolhido para os propósitos de dhyana (meditação). A pura Consciência, o Ser ou o Coração é a realização final.

D: Por que Sri Bhagavan não nos orienta a praticar a concentração em algum particular centro de chakra?

M: Yoga sastras (as escrituras do Yoga) dizem que o sahasrara67 ou o cérebro é a sede do Ser. Purushasukta (um hino védico) declara

67 Sahasrara é o sétimo e O mais importante dos chacras, situa-se no alto da cabeça e relaciona-se com o padrão energético global da pessoa. Conhecido como chakra da coroa, é representado na tradição indiana por uma flor-de-lótus de mil pétalas na cor violeta. Através dele recebe-se a luz divina. A tradição de coroar os reis fundamenta-se no princípio da estimulação deste chakra, de modo a dinamizar a capacidade espiritual e a consciência superior do ser humano. O batismo Cristão também se relaciona a esta dinamização.(Ver ‘The Art of Prayer – An Orthodox Anthology ’ Cap. V-i, p.172) Obtida de "http://pt.wikipedia.org/wiki/Sahasrara"

Page 100: Evangelho Do Maharshi

que o Coração é sua sede. Para capacitar o sadhaka (o aspirante) a se afastar de possíveis dúvidas, eu digo-lhe para seguir o ‘fio’ ou os vestígios da ‘eu-dade’ ou da ‘eu-sou’-dade e segui-la até sua fonte. Porque, primeiramente, é impossível que alguém mantenha alguma dúvida sobre sua noção de ‘eu’; em segundo lugar, qualquer que seja a sadhana (disciplina) adotada, a meta final é a realização da Fonte da ‘eu-sou’-dade que é o dado primário da sua experiência.

Se, portanto, você pratica atma vichara (indagação no Ser) você chegará ao Coração que é o Ser.

Page 101: Evangelho Do Maharshi

VI AHAM E AHAM-VRITTI68

D: Como uma indagação iniciada pelo ego pode revelar sua própria irrealidade? M: O fenômeno da existência do ego é transcendido quando você submerge na Fonte de onde surge o ahamvritti (o pensamento “eu”). D: Mas o aham-vritti não é apenas uma das três formas na qual o ego se manifesta? Yoga Vasishtha e outros textos antigos descrevem o ego como tendo uma forma ternária. M: Assim é. O ego é descrito como tendo três corpos, o grosseiro, o sutil e o causal, mas é assim apenas para os propósitos da exposição analítica. Se o método da indagação fosse depender da forma do ego, você poderia considerar que qualquer indagação se tornaria de todo impossível, porque as formas que o ego pode assumir são uma legião. Portanto, para os propósitos da jnana vichara (auto-indagação), você deve proceder sobre a base de que o ego tem somente uma forma, denominada como aham-vritti.

D: Mas isso pode provar-se ser inadequado para realizar jnana (o conhecimento).

M: A auto-indagação ao seguir os vestígios de aham-vritti (o pensamento ‘eu’) é como o cachorro que segue a pista do seu dono através do seu cheiro. O dono pode estar a alguma 68 Aham: ‘eu’. Aham-vritti: o pensamento ‘eu’, a sensação limitada da ‘eu’- dade, do ego.

Page 102: Evangelho Do Maharshi

distância, num lugar desconhecido, mas isto não o impede em absoluto que siga o rastro. O cheiro do dono é como uma pista infalível para o animal e nada mais conta, tal como as roupas que veste, ou seu porte e estatura, etc. O cachorro, ao buscar pelo dono, se mantém imperturbavelmente sobre aquele cheiro e, finalmente, consegue encontrá-lo.

D: A questão sobre o porquê a busca pela fonte do aham-vritti (o pensamento ‘eu’), que se distingue de outros vrittis (pensamentos), deve ser considerada como o meio direto para a Auto-Realização, ainda permanece.

M: A palavra ‘aham’, ‘eu’, é em si mesma muito sugestiva. As duas letras da palavra, a saber, a (A) e h (HA), são a primeira e a última das letras do alfabeto sânscrito. A sugestão que se tenta transmitir através da palavra é que ela compreende tudo. Como? Por que aham significa a própria existência.

Embora o conceito de ‘eu’-dade ou ‘eu-sou’-dade seja conhecido usualmente como aham-vritti, ele não é realmente um vritti como os outros vrittis da mente. Por que, diferentemente dos outros vrittis que não possuem nenhuma inter-relação essencial, o aham-vritti é igualmente e essencialmente relacionado a cada um e a todo vritti da mente. Sem o ahamvritti (o pensamento ‘eu’) não pode existir nenhum outro pensamento, mas o ahamvritti pode subsistir por si mesmo sem depender de qualquer outro pensamento da mente. O

Page 103: Evangelho Do Maharshi

pensamento ‘eu’ é, fundamentalmente, diferente de todos os outros pensamentos.

Assim, portanto, a busca pela fonte do aham-vritti (o pensamento ‘eu’) não é apenas a busca da base de uma das formas do ego, mas é a busca da própria e definitiva Fonte do qual surge a ‘eu-sou’-dade. Em outras palavras, a busca e a realização da Fonte do ego na forma de aham-vritti, necessariamente implica na transcendência do ego em cada uma das suas formas possíveis.

D: Concedendo que o pensamento ‘eu’ compreende essencialmente todas as formas do ego, por que deveríamos escolher apenas este pensamento como meio para a Auto-indagação?

M: Porque é o único dado irredutível da sua experiência; porque buscar sua Fonte é a única via prática que você pode adotar para realizar o Ser. É dito que o ego tem um corpo causal, mas como você pode torná-lo como sujeito da sua investigação? Quando o ego adota esta forma, você está imerso na escuridão do sono profundo.

D: Mas o ego, nas suas formas sutil e causal, não é demasiado inatingível para ser detectado através da indagação pela Fonte do aham-vritti que é conduzida enquanto a mente está desperta?

M: A indagação pela Fonte do aham-vritti toca na própria existência do ego. Portanto, a sutileza da forma do ego não é uma consideração importante.

Page 104: Evangelho Do Maharshi

D: Já que a única meta é realizar a incondicionada e pura Existência do Ser que de nenhum modo é dependente do ego, como pode ser que uma indagação que diz respeito ao ego, na forma de aham-vritti (do pensamento ‘eu’), seja de alguma utilidade?

M: Do ponto de vista funcional, a forma, a atividade ou como quiser denominar o ego (é irrelevante, já que é fugaz), ele tem uma e apenas uma característica. O ego funciona como o nó entre o Ser que é Pura Consciência e o corpo físico que é inerte e inanimado. O ego é, portanto, chamado de chit-jada granthi69. Na sua investigação pela Fonte do aham-vritti (pensamento ‘eu’), você toma o essencial aspecto chit (da consciência) do ego; e por esta razão a indagação deve conduzir a realização da Pura Consciência do Ser.

D: Qual é a relação entre a Pura Consciência realizada pelo jnani (sábio) e a ‘eu-sou’-dade que é aceita como o dado primordial da experiência?

M: A consciência indiferenciada do Puro Ser é o Coração ou hridayam que você realmente é, como o próprio significado da palavra (hrit + ayam = o Coração sou Eu). Do Coração surge a ‘eu-sou’-dade como o dado primordial da experiência de alguém. Por si mesma ela é suddha-sattva70 (pureza não contaminada) em 69 Chit-jada-granthi: o nó entre o Ser, que é pura consciência, e o corpo, que é inanimado. 70 Suddha-sattva: pureza não contaminada ou sattva (uma das três qualidades, tendências ou forças primordiais que acompanham todas as manifestações no Universo, sattva é o modo da inteligência ou bondade; que se difere de rajas, modo da paixão ou atividade, e de tamas, modo da ignorância ou inércia.)

Page 105: Evangelho Do Maharshi

seu caráter. E é nesta suddha-sattva svarupa (forma) (isto é, nesta forma pura e não contaminada por rajas e tamas), que o ‘Eu’ parece subsistir no jnani (sábio)……..

D: No jnani, o ego subsiste na forma sattvica e por isso aparece como algo real. Estou certo?

M: Não. A existência do ego em qualquer forma, tanto no jnani (sábio) como no ajnani (ignorante) é em si uma aparência. Mas para o ajnani (ignorante) que está iludido pensando que o estado de vigília e o mundo são reais, o ego também parece ser real. Na medida em que vê o jnani (sábio) agir como qualquer indivíduo, ele sente-se constrangido a impor alguma noção de individualidade também em relação ao jnani.

D: Como funciona, então, o aham-vritti (o penamento ‘eu’) no jnani?

M: Não funciona nele, em absoluto. A lakshya 71(meta) do jnani é o próprio Coração, porque ele é um e idêntico com esta Pura e indiferenciada Consciência Pura, referida como Prajnana pelos Upanishads. Prajnana é verdadeiramente o Brahman, o Absoluto e não há outro Brahman que Prajnana.

D: Como, então, a ignorância desta Única e Una Realidade surge, infelizmente, no caso do ajnani?

M: O ajnani (ignorante) vê apenas a mente que é um mero reflexo da luz da Pura

71 lakshya: objetivo, branco, meta. lakshyartha: significado implícito.

Page 106: Evangelho Do Maharshi

Consciência que surge do Coração. Do próprio Coração ele é ignorante. Por quê? Porque sua mente é extrovertida e nunca buscou pela sua Fonte.

D: O que impede que a luz infinita e indiferenciada da Consciência surgindo do Coração revele-se ao ajnani?

M: Assim como a água em um jarro reflete o imenso sol dentro dos estreitos limites do jarro, assim também os vasanas ou as tendências latentes da mente do indivíduo, agindo como meio refletor, apreendem a luz onipresente da Consciência surgida do Coração e a apresentam na forma de um reflexo, o fenômeno chamado de mente. Vendo apenas este reflexo, o ajnani é iludido na crença de que ele é um ser finito, o jiva.

Se a mente torna-se introvertida através da indagação pela Fonte do aham-vritti (o pensamento ‘eu’), os vasanas72 se extinguem, e, na ausência do meio refletor, o fenômeno da reflexão, a saber, a mente, também desaparece sendo absorvido na luz da Única Realidade, o Coração.

Este é o total e a substância de tudo aquilo que um aspirante necessita saber. O que é imperativamente requerido dele é uma sincera e bem aguçada indagação pela Fonte do aham-vritti, pela Fonte do pensamento ‘eu’.

D: Mas, qualquer tentativa que ele possa fazer fica limitada à mente no estado de vigília. 72 vasana: hábito da mente; tendência ou impressão latente..

Page 107: Evangelho Do Maharshi

Como, tal indagação feita em apenas um dos três estados da mente, pode conduzir a destruição da própria mente?

M: Indagar pela Fonte do aham-vritti é, sem dúvida, iniciada pelo sadhaka (aspirante) no estado de vigília da mente. Não pode ser dito que nele a mente tenha sido destruída. Mas o processo de Auto-indagação irá revelar, por si, que a alternância ou transmutação dos três estados da mente, assim como os próprios três estados, pertencem ao mundo dos fenômenos o qual não pode afetar sua intensa indagação interna.

A Auto-indagação é realmente possível apenas através de intensa introversão da mente. O que é finalmente realizado, como resultado de tal indagação pela Fonte de ahamvritti, é, verdadeiramente, o Coração como luz indiferenciada de Pura Consciência, na qual a luz refletida da mente fica completamente absorvida.

D: Para o jnani, então, não há distinção entre os três estados da mente?

M: Como pode existir, quando a própria mente é dissolvida e se perde na luz da Consciência?

Para o jnani, todos os três estados são igualmente irreais. Mas o ajnani é incapaz de compreender isto, porque para ele o padrão da realidade é o estado de vigília, enquanto que para o jnani, o padrão de realidade é a própria Realidade. Esta Realidade de Pura Consciência é eterna por sua natureza e, portanto, subsiste

Page 108: Evangelho Do Maharshi

igualmente durante o que você chama estado de vigília, sono com sonhos e sono profundo. Para aquele que é Um com esta Realidade, não há a mente, nem seus três estados e, portanto, nem introversão nem extroversão.

O seu estado é aquele sempre-desperto, porque ele está desperto para o eterno Ser; seu é o estado sempre-sonhado, porque para ele o mundo não é melhor do que um fenômeno de sonho que se apresenta repetidamente; e seu é o estado sempre profundamente adormecido, porque ele está em todos os momentos sem a consciência do ‘corpo-sou-eu’.

D: Devo, então, considerar que Sri Bhagavan esteja falando comigo num estado de vigília- sonho sonhado – profundamente adormecido?

M: Por que sua experiência consciente é agora limitada à duração da extroversão da mente, você chama o momento atual de estado de vigília, enquanto que durante todo o tempo sua mente tem estado adormecida para o Ser, e, portanto, você está agora dormindo realmente.

D: Para mim, o sono profundo é um mero vazio.

M: Isto é assim, porque seu estado de vigília é uma mera efervescência da mente inquieta.

D: O que quero dizer por vazio é que eu dificilmente fico ciente de algo no meu sono profundo; para mim é o mesmo que uma não-existência.

M: Mas você existia durante o sono profundo.

Page 109: Evangelho Do Maharshi

D: Se existia, não estava ciente disso. M: Você não quer dizer, seriamente, que

você deixou de existir durante seu sono profundo! (Rindo). Se você foi dormir como Sr. Fulano você acordou como Sr. Ciclano?

D: Eu sei da minha identidade, talvez, por um ato de memória.

M: Considerando o fato, como é possível a menos que haja uma continuidade de consciência?

D: Mas eu não estava ciente desta consciência.

M: Não. Quem diz que você era inconsciente no sono profundo? É a sua mente. Havia alguma mente em seu sono profundo? Qual é o valor do testemunho da mente sobre a tua existência ou experiência durante o sono profundo? Buscar o testemunho da mente para refutar a tua existência ou consciência durante o sono profundo é como convocar o testemunho do filho para refutar o fato de que você nasceu!

Você se lembra que eu disse a você anteriormente, doutra vez, que existência e consciência não eram duas coisas diferentes, mas uma única e mesma coisa? Bem, se por alguma razão você se sinta constrangido a admitir o fato da sua existência no sono profundo, esteja certo de que você também estava consciente desta existência.

Aquilo que você realmente não é ciente no sono profundo é da sua existência corporal. Você está confundindo esta consciência corporal com a verdadeira Consciência do Ser

Page 110: Evangelho Do Maharshi

que é eterna. Prajnana, que é a Fonte da ‘eu-sou’-dade, sempre subsiste não afetada pelos três estados transitórios da mente, capacitando-o, assim, de reter sua identidade inalterada.

Prajnana está também além destes três estados, devido a que pode subsistir sem eles e apesar deles.

É esta Realidade que você deveria buscar durante o seu, assim chamado, estado desperto, seguindo os vestígios de aham-vritti (do pensamento ‘eu’) até sua Fonte. Uma intensa prática nesta investigação revelará que a mente e seus três estados são irreais e que você é a eterna, infinita consciência de Pura Existência, o Ser (o Si Mesmo) ou o Coração.

Page 111: Evangelho Do Maharshi

ANEXO BHAGAVAN SRI RAMANA MAHARSHI

Por SRI SWAMI SIDDESHWARANANDA

Sri Swami Siddheswarananda foi um estudioso erudito da Vedanta e um distinto membro da Ordem da Missão Sri Ramakrishna, estando como responsável pelo seu ramo em Paris. Na Índia, ele era um frequente visitante do ashram e era um ardente devoto de Bhagavan Sri Ramana Maharsh,i a quem adorava como a encarnação viva da Verdade, unificado com o universo como um todo, o Ser de Todos. Este artigo é um resumo da tradução inglesa feita pelo Major A. W. Chadwick, O.B.E., feita a partir do artigo original em francês. SRI RAMANA MAHARSHI EXPÕE um

sistema de pensamento e filosofia de vida, que encarna a essência dos ensinamentos Vedânticos. Na Índia, uma filosofia de vida não pode ter absolutamente nenhuma influência, exceto quando estiver refletida na vida de quem a difunde. Devemos também dizer que é a vida de um indivíduo e suas "Realizações", que dão oportunidade para a construção de um sistema filosófico, e tal vida traz uma compreensão e abre um horizonte que afeta a sociedade como um todo e melhora o relacionamento entre os homens.

Page 112: Evangelho Do Maharshi

Quando os profetas da antiga Índia atingiram as verdades supremas as quais expressaram, imediatamente, nos hinos Védicos e nos ensinamentos dos Upanishads, eles foram considerados como o sal da terra, porque se tornaram como faróis que orientam a humanidade hesitante no seu caminho.

As verdades que estes grandes seres descobriram estavam escondidas em suas almas. E o que eles ensinam ao homem é apenas o meio de penetrar em si mesmo para trazer às claras o tesouro secreto que todos possuem. Este é o aspecto do direito que cada um tem em fazer a sua própria introspecção, o que confere dignidade ao esforço do homem, porque a Verdade é nossa herança legítima.

Os Upanishads dirigem-se nesses termos a todos aqueles que aspiram pela Verdade: “Ó, vós que sois herdeiros da felicidade imortal!” Pode haver coisa mais encorajadora que estas palavras de esperança? Não é no pecado original que o homem encontra a base de sua existência, mas é na chama dourada da luz do Atman.

O Maharshi descobriu isso, ele a encontrou por sua própria conta, sem qualquer ajuda exterior. Quando era ainda muito jovem, um estudante colegial, foi tomado pelo medo da morte. Jogou fora os livros - que escondem a Verdade muito mais do que a revelam - e deitou-se no chão, fechando os olhos e imitando todos os sintomas da morte.

O que se segue é o que ele mesmo disse sobre esta experiência:

Page 113: Evangelho Do Maharshi

“Agora, a morte chegou; o que isso significa? O que é isso que morreu? O corpo material morre. Eu, de pronto, dramatizei a cena da morte. Eu estendi meus membros e mantive-os rígidos. Eu segurei minha respiração. ‘Muito bem’, disse a mim mesmo, ‘este corpo está morto, eles vão vir e levá-lo para a área de cremação e reduzi-lo a cinzas. Mas quando o corpo está morto, eu estou morto? Esse corpo sou eu? Ele é inerte e, além disso, eu sinto a minha identidade independente dele. Sou, então, o Espírito imortal que transcende o corpo que vive e morre’. Tudo isso surgiu diante de mim intensamente, sem ter que ser expresso, como uma viva verdade percebida de imediato e quase sem discussão. O medo da morte desapareceu totalmente e definitivamente. Esta consciente e imediata presença do ‘Eu’ ou Ser, totalmente independente do corpo físico, continuou desde então.”

Essa experiência direta do Ser é chamada Aparokshanubhuti, ela é diferente de todos os conhecimentos obtidos por esforço intelectual, o que sempre implica uma relação entre o sujeito e o objeto e, consequentemente, é limitada pelo espaço e pelo tempo, e é sem qualquer valor transcendental.

Aquele que teve essa experiência direta do Ser é considerado um Liberado, mesmo enquanto ele ainda está vivo. Ele é chamado de Jivanmukta (liberado em vida). A existência de tais indivíduos que estão vivendo

Page 114: Evangelho Do Maharshi

encarnações da Verdade, torna esta Verdade demonstrável. A realização Vedântica destes grandes seres dá em efeito a possibilidade de uma aplicação prática, e suas realizações elevam o nível da consciência humana.

É este aspecto da Vedanta, que tem atraído a atenção dos estudiosos para os seus ensinamentos. A pesquisa Vedântica é muito mais profunda do que toda a análise objetiva da matéria, ela vai à base fundamental da percepção e, como tal, nos dá uma síntese da Verdade, em vez de uma visão reduzida. O interesse que o Ocidente tem pela vida e pelos ensinamentos de Sri Ramana Maharshi prova a universal atração da Vedanta, o que pode ser visto encarnado no Sábio de Tiruvannamalai.

Em um artigo sobre Yoga Hindu, M. Lacombe da Universidade de Paris escreveu sobre o Maharshi:

Sua pessoa verte uma força composta de inteligência e domínio do Ser. Um olho brilhante, intenso e fixo, mas sem rigidez, uma olímpica leveza de gesto, fino e delicado, num corpo imóvel; ele é considerado por excelentes peritos como sendo um Yogi verdadeiramente autêntico, tendo atingido a mais alta Realização.

Cito essa passagem só para mostrar a impressão produzida por uma visita ao Maharshi em alguém que aprecia a atmosfera que circunda o Sábio.

É, no entanto, muito difícil para um europeu, moldado nas tradições da Teologia e

Page 115: Evangelho Do Maharshi

da Filosofia Ocidental, ter qualquer contato com a concepção da vida do Maharshi.

Gostaria, respeitosamente, observar ao instruído professor que o Maharshi é muito mais um tattva jnani (sábio real)73 do que um yogi; sua concepção de vida abarca toda a vida, o que para um hindu abrange os três estados, jagrat (vigília), svapna (sono com sonhos) e sushupti (sono profundo). A Yoga é a experiência do "eu" como identificação cósmica que toma o jagrat (o estado de vigília) como o campo fundamental da experiência. Se alguém buscasse exemplos desta cósmica e universal experiência do "eu", como M. Lacombe a chama, não encontraria na Índia, uma falta de místicos que tivessem suficientemente atingido a realização nesta base de experiência.

Mas o Maharshi é acima de tudo um tattva jnani e o campo de sua busca e experiência é muito maior do que aquela de um místico. Um Sábio transcende os limites dos três estados.

O Maharshi aceita a terminologia sancionada pela tradição, que sempre foi empregada pelos sábios da Índia desde o tempo dos Upanishads.

Os ensinamentos do Maharishi estão em perfeita consonância com as escrituras filosóficas e espirituais da Índia antiga e procedem diretamente dos grandes sábios do passado.

73 tattva: verdade; essência de uma coisa. jñani: sábio; aquele que realizou o Ser (o Si mesmo).

Page 116: Evangelho Do Maharshi

Quem tem oportunidade de observar face a face o Maharshi, sabe muito bem que ele não é nem um ‘extrovertido’, nem um ‘introvertido’. Ele é o homem mais normal que alguém jamais pôde encontrar. Ele é, na verdade, um sthitaprajna, um homem cuja inteligência é solidamente fundada. Eu já o vi aparentemente mergulhado em si mesmo, todos acreditando que estivesse absorto em seu próprio Eu; mas, quando, neste momento, alguém no fim do corredor cometera um erro na recitação de certos versos em tâmil, o Maharshi abriu seus olhos, corrigiu o erro e, então, fechou novamente os olhos, retornando ao seu estado anterior. Eu já afirmei que não se pode dizer que o mundo exterior não lhe interessa. Ele chegou a um grau extraordinário de concentração e como essa concentração repousa perpetuamente em um estado habitual de vida em jnana (conhecimento) ou - como os Sábios a chamam - sahajasthiti, ele não é nem um introvertido nem um extrovertido.

Ele É simplesmente. E, por seu conhecimento da suprema Realidade, ele é Um com Essa na sua expressão de múltipla manifestação, ele é Um com o Universo tomado como um Todo.

Quando o vi, achei nele o exemplo perfeito da descrição que Sri Shankaracharya (Sábio Hindu do Século IX) dá em seu Vivekachudamani (A Jóia Suprema do Discernimento), quando explica o que

Page 117: Evangelho Do Maharshi

caracteriza um jivanmukta (liberado em vida). O versículo 429 diz:

“Aquele que, ainda que tenha sua mente submersa em Brahman, está bem alerta e ao mesmo tempo está livre das características do estado de vigília (não reconhece os objetos sensórios nem está apegado a eles), cuja

realização está livre dos desejos, é reconhecido como jivanmukta.”

A noção de introversão e extroversão não

pode ser aplicada a alguém cuja filosofia de vida repousa igualmente sobre toda a experiência do estado de vigília.

No Panchadasi que é uma obra de autoridade sobre o Advaita, encontramos no versículo 13 do capítulo VI, uma afirmação que é extremamente importante a esse respeito. O autor, Vidyaranya, diz:

“A destruição do mundo e do jiva (a alma individual, o ego) não significa que eles devam tornar-se imperceptíveis para os sentidos, mas

que deva ocorrer uma determinação da natureza irreal deles. Se esse não fosse o caso,

Page 118: Evangelho Do Maharshi

as pessoas poderiam encontrar a realização sem fazer qualquer esforço pessoal, como no sono profundo ou num desmaio (quando todas as percepções desaparecem completamente)”

Como diz o Gita, o Atman, esquecendo-

se da sua real natureza, acredita que ele é o ego e o autor de todas as ações, o que é a causa de todos os mal-entendidos. Um homem como Maharshi, que transcendeu o ego, é considerado pelos Upanishads como sendo o Ser de Todos. Se pudéssemos passar algum tempo ao lado do Maharshi, seríamos, então, capazes de entender melhor, à luz das palavras ditas pelo Sábio sobre os problemas filosóficos, que sua vida de iluminação - como o grande fogo que brilha sobre o Monte Arunachala - é um autêntico farol para aqueles que desejam encontrar na Índia moderna, os revivificantes efeitos dos ensinamentos dos Upanishads, consagrados pelo tempo.

Page 119: Evangelho Do Maharshi

GLOSSÁRIO

A

Abhyasa: prática espiritual. Advaita: não-dualidade; também a doutrina do não dualismo. Aham: «eu». Aham-vritti: o pensamento «eu», a sensação limitada de «eu»-dade. Ajnana: a ignorância da própria natureza de si. Ajnani: uma pessoa que é ignorante da sua verdadeira natureza. Anubhava: experiência, especialmente a experiência do conhecimento do Ser. Aparokshanubhuti: experiência direta (do conhecimento do Ser). Artha-Vada: argumento explicativo dado para adaptar-se a um propósito particular. Asan: postura, especialmente uma postura adotada para a meditação. Asramam: a morada de um Sábio ou asceta. Atman: o Ser (o Si mesmo) real. Atma-jnani: uma pessoa que obteve o conhecimento do Ser. Atma-vichara: Auto-indagação, a prática de vasculhar ou prestar atenção à sensação «eu» para encontrar «Quem sou eu?» Atma-vidya: Conhecimento do Si mesmo.

B

Page 120: Evangelho Do Maharshi

Bhajana: o canto de cantos devocionais. Bhakta: devoto. Bhakti: devoção. Bhavana: imaginação, meditação. Brahma-jnana: conhecimento do Brahman. Brahman: a realidade não dual absoluta, que é o Ser ou Atman.

C Chakra: Cada um dos seis centros iogues principais no corpo. Chidananda: a felicidade da pura consciência. Chit: pura consciência, que é a natureza do Ser real. Chit-jada-granthi: o nó entre o Ser, que é pura consciência, e o corpo, que é inanimado.

D Dehatma-buddhi: a sensação «eu sou este corpo». Dhyana: meditação. Dvaita: dualidade; também a doutrina do dualismo.

G Gita: o Bhagavad Gita, uma das mais renomadas escrituras hindus. Guru: o verdadeiro mestre espiritual, que é um com Deus ou o Ser real. Guru-kripa: a Graça do Guru.

Page 121: Evangelho Do Maharshi

Grihasta: homem de família, uma pessoa que leva uma vida de matrimônio.

H Hridayam: o Coração, que é o Ser real.

I Iswara-svarupa: a natureza de Deus ou Iswara.

J

Jada: insensível, inanimado. Jagrat: o estado de vigília. Jagrat-sushupti: o estado de sono (profundo) no estado de vigília, no qual não existem pensamentos a não ser a plena consciência da existência-consciência «eu sou». Japa: repetição de um mantra ou de um nome de Deus. Jiva: uma alma individual. Jivanmukta: uma pessoa que atinge a liberação enquanto vive no corpo. Jnana: conhecimento, especialmente, conhecimento do Ser real. Jnana-vichara: Auto-indagação, a indagação que leva a Jnana ou ao conhecimento do Ser. Jnani: uma pessoa que obteve o conhecimento do Ser.

K

Page 122: Evangelho Do Maharshi

Karma-yogi: uma pessoa cujas ações não estão motivadas pelo desejo de benefício pessoal nem por nenhum outro tipo de apego. Kevala nirvikalpa samadhi: um estado passageiro de samadhi ou de absorção no Ser.

L Lakshya: mira, meta (naquilo que se focaliza a atenção), isso que se mantém em vista.

M

Maharshi: um grande Sábio. Mantra: uma fórmula sagrada usada para japa ou repetição. Marga: um caminho espiritual Maya: engano, ilusão. Moksha: liberação. Mouna: silêncio.

N Nama: um nome (de Deus). Nama-japa: repetição de um nome de Deus. Namaskar: o ato de reverência. Nirvana: o estado de liberação ou não-egoísmo. Nirvikalpa samadhi: o estado de absorção no Ser.

P

Page 123: Evangelho Do Maharshi

Prarabdha: destino, a porção do fruto das ações passadas de uma pessoa que são designadas para serem experimentadas nesta vida. Prasad: alimento oferecido ao Guru ou a uma divindade, uma porção que pode ser devolvida ao devoto como um sinal de bendição. Purusha Sukta: um hino do Rig Veda (10:90). Prajnana: pura consciência.

Q Quem sou Eu?: a obra Nan Yar? de Bhagavan Sri Ramana.

R Rajas: o segundo dos tres gunas ou qualidades da natureza, a saber, a qualidade da inquietude, o desejo e a paixão. Rishi: um Sábio.

S Sadhana: uma prática espiritual, um meio adotado para o progresso espiritual. Sadhaka: uma pessoa que pratica sadhana. Sahaja jnani: uma pessoa que repousa em seu estado natural, ao ter obtido o conhecimento do Ser. Sahaja nirvikalpa samadhi: o estado permanente e natural de samadhi ou a completa absorção no Ser. Sahaja-sthiti: o estado natural.

Page 124: Evangelho Do Maharshi

Sahasrara: o cérebro, descrito metaforicamente como um loto de mil pétalas. Samadhi: o estado de absorção no Ser, no qual, como define Sri Bhagavan, «existe só a sensação “eu sou” sem pensamentos». Samsara: o estado de atividade mundana ou existência mundana. Samskara: uma impressão ou tendência mental que continua vindo das vidas passadas. Sannyasa: renúncia. Sannyasin: aquele que renunciou. Sastras: as escrituras. Sat: existência ou ser verdadeiro. Sat-chit: existência-consciência. Sattva: o primeiro dos três gunas ou qualidades da natureza, a saber, a qualidade de quietude, bondade e pureza. Sáttvico: da natureza de sattva. Siddhis: poderes ocultos. Sri Bhagavata: um dos dezoito puranas, um texto sagrado centrado principalmente em torno da vida de Sri Krishna. Sthita-prajna: uma pessoa que mora firmemente no estado de conhecimento do Ser. Suddha-sattva: pureza não contaminada ou sattva. Suddha-sattva svarupa: a forma não contaminada de sattva. Sunya-vadin: um ateu, uma pessoa que nega a existência de Deus ou de qualquer realidade última. Sushupti: sono profundo. Svapna: sono com sonhos.

Page 125: Evangelho Do Maharshi

T

Tamas: o último dos três gunas ou qualidades da natureza, a saber: a qualidade da obscuridade, da ignorância e do mal. Tattva-jnani: uma pessoa que conhece a realidade.

U Upanishads: as partes posteriores e mais filosóficas dos Vedas.

V Verdade Revelada: a obra Ulladu Narpadu por Bhagavan Sri Ramana. Vairagya: não desejo. Vasana: uma tendência mental que continua, vinda das vidas anteriores. Vasana-kshaya: a destruição de todos os vasanas. Vastu: a realidade ou substância última. Vedas: as mais antigas das escrituras hindus. Vedanta: a filosofía dos Upanishads. Vichara: indagação ou investigação, isto é, a prática da Auto-indagação ou atmavichara (ver acima). Vichara marga: o caminho da Auto-indagação. Visishtadvaita: a doutrina do não dualismo qualificado. Vritti: pensamento, atividade da mente.

Page 126: Evangelho Do Maharshi

Y

Yoga: literalmente «união» ou «unindo-se»; esta palavra é usada em muitos sentidos diferentes, mas geralmente se refere ao caminho do raja yoga exposto pelo Sábio Patanjali. Yoga marga: o caminho da raja yoga. Yoga-maya: o poder de velar a natureza de algo e criar uma aparência ilusória. Yoga-sastras: as escrituras que expõem o caminho do raja yoga. Yoga-Vasishtha: um renomado texto sagrado que expõe o caminho do conhecimento ou jnana yoga. Yogui: aquele que pratica yoga.