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Evangelho Segundo Espiritismo

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LUZ NO LAR

1ALLAN KARDEC

2O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

ALLAN KARDEC

O EVANGELHO Segundo O ESPIRITISMOContendo A EXPLICAO DAS MXIMAS MORAIS DE CRISTO E a concordncia das mximas morais do Cristo com o Espiritismo e as suas aplicaes s diversas circunstncias da vida Verso popular e atual

LUZ NO LAR

Van Moorsel Andrade & Cia. Ltda. Departamento Editorial Luz no Lar. 2004 So Paulo - SP 3ALLAN KARDEC

Copyright Van Moorsel, Andrade & Cia. Ltda.

Capa: Trilha Brasil Comunicao Reviso: Luiz Roberto MaltaTraduzido para o portugus por Roque Jacintho

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Jacintho, Roque Gabi e Kardec / Roque Jacintho. -- 2. ed.-So Paulo: Luz no Lar, 2002. Distribuio Gratuita 1. Gabi (Esprito) 2. Espiritismo 3. Espiritismo - Filosofia 4. Kardec, Allan 1804-1869 I. Ttulo.

02-1032

CDD-133.901

ndices para catlogo sistemtico: 1. Doutrina esprita 133.901 2. Espiritismo: Filosofia 133.901 3. Filosofia esprita 133.901

2 Edio

Todos os direitos desta edio reservados Van Moorsel, Andrade & Cia. Ltda. Departamento Editorial Luz no Lar Rua Souza Caldas, 343 - Pari 03025-040 - So Paulo - SP Fone: (11)6097-5710 - Fax: (11)6097-5711 www.luznolar.com.br [email protected]

4O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

SUMRIO Prefcio I II Finalidade desta obra Autoridade da Doutrina Esprita Controle universal dos ensinamentos dos espritos III IVNotcias histricas Scrates e Plato, precursores da idia crist e do Espiritismo 44 27 37 21 23 27

Resumo da Doutrina de Scrates e Plato UM No Vim Destruir a Lei Moiss Cristo O Espiritismo Aliana da Cincia e da Religio Instrues dos Espritos: A Nova Era 63 56 58 60 61 46

DOIS

Meu Reino No Deste Mundo

5ALLAN KARDEC

A vida futura A realeza de Jesus O ponto de vista Instrues dos Espritos: Uma realeza terrestre TRS H Muitas Moradas na Casa de Meu Pai Diferentes estados da alma na espiritualidade Diferentes categorias de mundos habitados Destinao da Terra Causas das misrias humanas Instrues dos Espritos: Mundos Inferiores e Mundos Superiores Mundos de expiao e de provas Mundos regeneradores Progresso dos mundos

68 70 71

74

76

77

79

80 84 86 88

QUATRO

Ningum Poder Ver o Reino de Deus, se No Nascer de Novo Ressurreio e reencarnao Os laos de famlia so fortalecidos6O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

91

pela reencarnao e enfraquecidos pela unicidade da existncia Instrues dos Espritos: Limites da encarnao Necessidade da encarnao CINCO Bem-Aventurados os Aflitos Justia das aflies Causas atuais das aflies Causas anteriores das aflies Esquecimento do passado Motivos de resignao O suicdio e a loucura Instrues dos Espritos: Bem e mal sofrer O mal e o remdio A felicidade no deste mundo Perda de pessoas amadas: Desencarnaes prematuras Se fosse um homem de bem, teria morrido Os tormentos voluntrios A verdadeira infelicidade7ALLAN KARDEC

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102 103

106 107 110 114 116 118

121 123 125

127

129 131 132

A melancolia Provas voluntrias: O verdadeiro cilcio Pr fim nas provas Abreviar a vida de um doente Sacrifcio da prpria vida

134

135 137 139 140

Proveito dos sofrimentos para outros 142

SEIS

O Cristo Consolador O jugo suave O Consolador prometido Instrues dos Espritos: Advento do Esprito de Verdade 145 143 144

SETE

Bem-Aventurados os Pobres de Esprito O que se deve entender por pobres de esprito Aquele que se eleva ser rebaixado Mistrios ocultos aos sbios e aos prudentes Instrues dos Espritos: O orgulho e a humildade8O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

149 151

153

155

Misso do homem inteligente na Terra 163

OITO

Bem-Aventurados os Puros de Corao Deixai vir a mim os pequeninos Pecado por pensamentos. Adultrio 165 167

Verdadeira pureza. Mos no lavadas 169 Cortar a mo Instrues aos Espritos: Deixai que venham a mim as criancinhas Os que tm os olhos fechados 174 176 171

NOVE

Bem-Aventurados os Mansos e os Pacificadores Injrias e violncias Instrues dos Espritos: A afabilidade e a doura A pacincia Obedincia e resignao A clera 181 182 183 184 179

DEZ

Bem-Aventurados os Misericordiosos Perdoai, para que Deus vos perdoe9ALLAN KARDEC

187

Reconciliar-se com os adversrios O sacrifcio mais agradvel a Deus O argueiro e a trave no olho No julgueis Instrues dos Espritos: Perdo das ofensas A indulgncia Repreender e divulgar o mal

188 190 191 192

194 197 200

ONZE

Amar o Prximo Como a Si Mesmo O grande mandamento A Csar o que de Csar Instrues dos Espritos: A lei do amor O egosmo A f e a caridade Caridade com os criminosos Expor a vida por um criminoso 206 211 213 214 216 203 204

DOZE

Amai os Vossos Inimigos Retribuir o mal com o bem 218

10O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

Inimigos desencarnados Ferir na face direita Instrues dos Espritos: A vingana O dio

221 223 225 226

TREZE

No Saiba a Tua Mo Esquerda o Que Faz a Tua Direita Fazer o bem sem ostentao Infortnios ocultos O bolo da viva Convidar pobres e estropiados Instrues dos Espritos: A caridade material e a caridade moral A beneficncia A piedade Os rfos Benefcios pagos com ingratido Beneficncia exclusiva 236 239 249 251 251 253 228 231 233 235

QUATORZE

Honrars Pai e Me Piedade filial Quem minha me e quem so11ALLAN KARDEC

255

meus irmos O parentesco corporal e o parentesco espiritual Instrues dos Espritos: A ingratido dos filhos e os laos de famlia

258

260

262

QUINZE

Fora da Caridade No H Salvao O necessrio para salvar-se Parbola do bom samaritano O grande mandamento Necessidade da caridade, segundo Paulo de Tarso Fora da Igreja no h salvao; Fora da caridade no h salvao Instrues dos Espritos: Fora da caridade no h salvao 275 273 272 268 271

DEZESSEIS

No se Pode Servir a Deus e a Mamom Salvao dos ricos Guardar-se da avareza Jesus na casa de Zaqueu Parbola do mau rico12O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

277 278 279 281

Parbola dos talentos Utilidade providencial da riqueza Desigualdade das riquezas Instrues dos Espritos: A verdadeira propriedade Emprego da fortuna Desprendimento dos bens terrenos Transmisso da riqueza

280 281 284

286 289 292 298

DEZESSETE

Sede Perfeitos Caractersticas da perfeio O homem de bem Os bons Espritas Parbola do Semeador Instrues dos Espritos: O dever A virtude Os superiores e os inferiores O homem no mundo Cuidar do corpo e do esprito 299 300 303 305 307 309 310 313 314

DEZOITO

Muitos os Chamados, Poucos os Escolhidos Parbola do festim das bodas13ALLAN KARDEC

317

A porta estreita Os que dizem: Senhor! Senhor! A quem muito foi dado Instrues dos Espritos: D-se ao que j tem O cristo e as obras

320 322 324

327 329

DEZENOVE

A F Transporta Montanhas O poder da f Condio da f inabalvel Parbola da figueira que secou Instrues dos Espritos: A f, me da esperana e da caridade A f divina e a f humana 339 340 332 334 337

VINTE

Os Trabalhadores da ltima Hora Instrues dos Espritos: Os ltimos sero os primeiros Misso dos Espritas Os obreiros do Senhor 343 346 349

VINTE E UM

Falsos Cristos e Falsos Profetas14O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

Conhece-se a rvore pelo fruto Misso dos profetas Prodgios dos falsos profetas No creiam em todos os espritos Instrues dos Espritos: Os falsos profetas

351 352 352 354

356

Caractersticas do verdadeiro profeta 358 Os falsos profetas da espiritualidade Jeremias e os falsos profetas 360 363

VINTE E DOIS No Separeis o Que Deus Juntou Indissolubilidade do casamento O divrcio 366 369

VINTE E TRS

Estranha Moral Quem no odeia seu pai e sua me Abandonar pai, me e filhos Deixai aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos No vim trazer a paz

371 371 373

376 377

VINTE E QUATRO No Pr a Luz Debaixo do Velador15ALLAN KARDEC

Luz sob o velador. Jesus falava por parbolas No ir aos gentios Os que precisam de mdico Coragem da f Carregar a cruz. Salvar a vida 383 388 390 392 394

VINTE E CINCO Buscai e Achareis Ajuda-te e o cu te ajudar Olhai as aves do cu Fadiga pelo ouro 396 399 401

VINTE E SEIS

Dai de Graa o que de Graa Recebestes Dom de curar Preces pagas Vendilhes expulsos do templo Mediunidade gratuita 404 404 406 407

VINTE E SETE Pedi e Obtereis Qualidades da prece Eficcia da prece Ao da prece. Transmisso do pensamento16O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

411 412

415

Preces compreensveis A prece pelos desencarnados e pelos espritos em sofrimento

420

421

Instrues dos Espritos: Modo de orar 425 Felicidade da prece 427

VINTE E OITO Coleo de Preces Espritas Prembulo I PRECES GERAIS Orao do Senhor Reunies Espritas Para os mdiuns II PRECES PELA PRPRIA PESSOA QUE ORA 429 431 431 440 443 446

Aos Espritos Protetores e aos Mentores Espirituais Para afastar os espritos malfazejos Para corrigir um erro Para resistir a uma tentao Na vitria sobre uma tentao Para pedir conselhos Nas aflies da vida Favor obtido17ALLAN KARDEC

446 449 450 452 453 453 454 455

Submisso e resignao Diante de um perigo Por escapar de um perigo Ao deitar para dormir Prevendo a morte III PRECES PELOS ENCARNADOS Por quem est aflito Agradecendo por benefcios concedidos a outra pessoa Pelos inimigos e os que nos querem mal Agradecendo pelo bem concedido aos inimigos Pelos inimigos do Espiritismo Por uma criana que nasce Por um agonizante IV PRECES PELOS DESENCARNADOS Pelo que acaba de desencarnar Por quem temos amizade Pelos sofredores que pedem preces Por um inimigo desencarnado Por um criminoso18O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

456 458 459 459 460 464 464

465

465

467 467 470 472 474 474 477 478 480 481

Por um suicida Pelos espritos arrependidos Pelos espritos endurecidos V PRECES PELOS DOENTES E PELOS OBSIDIADOS Pelos doentes Pelos obsidiados

481 483 484

488 488 490

19ALLAN KARDEC

20O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

Os Espritos do Senhor, que so as virtudes dos Cus, qual imensa legio a movimentar-se sob as ordens do Senhor, espalham-se por sobre toda a Terra, semelhantes a luzes que descem dos cus, dentro da noite, vindo clarear o destino e abrir os olhos aos cegos. Digo-lhe que so chegados os tempos. Todas as coisas, daqui para diante, tero o seu sentido real restabelecido, visando a dissipar as sombras, confundir os orgulhosos e glorificar os justos. As grandes vozes do Cu ressoam como o som de uma orquestra e o coro de anjos a elas se une. Voc est convidado ao divino concerto. Tome o seu instrumento e junte-se s nossas vozes, para que o hino sagrado se espraie e vibre em todo o Universo. Voc, irmo a quem amamos, sinta-nos junto de seu corao. Rogamos para que voc vivencie o mandamento do Senhor: Amai-vos uns aos outros. No Amor, faremos a vontade do Pai Celestial e voc, ento, poder dizer, do fundo de seu corao: Senhor! Senhor! e poder entrar no reino dos Cus. O Esprito da Verdade

Nota: Esta mensagem, recebida mediunicamente, resume o verdadeiro sentido do Espiritismo e a finalidade desta obra tambm e, por isso, aqui colocada como prefcio.

21ALLAN KARDEC

22INTRODUO

Tomando os Evangelhos, poderemos classificar as matrias neles contidas em cinco partes: os atos comuns da vida do Cristo; os chamados milagres; as predies; as parbolas que foram tomadas para estabelecer os dogmas da Igreja e os ensinamentos morais. As quatro primeiras partes tm sido objeto de discusses. A quinta parte, porm, que se refere aos ensinamentos morais, inatacvel e tais princpios esto acima de toda e qualquer controvrsia. A prpria incredulidade se curva, respeitosa, diante do cdigo divino proposto pelo Senhor, visto que sob seus fundamentos todos os cultos existentes podem reunir-se. So princpios sob os quais todos podem colocar-se, sejam quais forem as suas crenas. Jamais foram motivos para lutas religiosas, as quais sempre nasceram das questes dogmticas. As crenas que, porventura, viessem a discutir e questionar sobre os princpios morais dos Evangelhos, encontrariam nessa atitude a sua prpria condenao, uma vez que elas tendem a prender-se mais parte mstica, j que a parte moral exige a mudana de hbitos viciosos de cada um. Para voc, e para cada um de ns, os princpios morais dos Evangelhos so uma regra de conduta aplicvel a todas as circunstncias da vida comum e da vida pblica. Elevam-se como base fundamental de todas as relaes sociais e fundamento da mais rigorosa justia.

23INTRODUO

Os princpios morais dos Evangelhos so, finalmente, o manual de vida que nos assegurar a felicidade futura; um levantar da ponta do vu sobre o amanh. Esta parte a finalidade desta obra. Todos admiram a moral evanglica e anunciam a sua sublimidade e a sua necessidade para a nossa vida de relaes humanas. Quase todos, porm, assim o fazem to somente por crena ou por terem ouvido falar ou, ainda, por aceitarem princpios que se tornaram conhecidos popularmente. Entre esses todos, todavia, muitos poucos so aqueles que conhecem essa moral com mais profundidade e que lhes deduzam as conseqncias para a vida diria. Em grande parte, a ausncia de conhecimentos maiores resulta da dificuldade que muitos encontram para a leitura do prprio Evangelho. Ficam embaraados diante da forma alegrica, do misticismo intencional da linguagem e, no raro, a maioria ir l-lo como um dever religioso, uma obrigao ritualstica, assim como quem l preces sem compreend-las, e, com isso, no aproveitam os frutos dessa rvore generosa. Os princpios morais, respingados ao longo da leitura, para muitos passam desapercebidos na massa das narrativas. Torna-se difcil, assim, ao leitor menos avisado, apanh-los em seu conjunto e, com isso, sentem dificuldade em destac-los para sobre eles meditar. Algumas obras existem, sobre a moral evanglica, em que os seus autores pretendem dar-lhe um arranjo moderno. O modo de exp-la, porm, anula-lhe a primitiva simplicidade com que foi colocada por Jesus e, com isso, chega a esvazi-la de seu encanto e autenticidade. Outro tanto se faz com princpios que, reduzidos sua mais simples expresso, perdem uma grande parte de sua significao e de seu valor, por serem apresentados sem os seus acessrios e sem as circunstncias em que foram anunciados.24INTRODUO

Para no recair nesses inconvenientes, reunimos nesta obra os temas que podem constituir um cdigo de moral universal, sem distino de cultos e de crenas. Nas citaes que faremos, conservamos tudo o que seja til ao desenvolvimento do pensamento cristo, excluindo apenas o que seja estranho ao assunto a ser exposto. Respeitamos, nos Evangelhos, a traduo original de Sacy. Sem mantermos uma ordem cronolgica, impossvel e sem interesse real para o estudo, agrupamos e classificamos metodicamente as mximas morais segundo a sua natureza, para que umas decorram das outras, numa seqncia natural. Por conservamos a indicao dos nmeros de ordem dos captulos e dos versculos dos Evangelhos, se voc quiser poder recompor sua classificao comum, se julgar oportuno. Essa recomposio, porm, de utilidade secundria. O essencial colocar o seu conhecimento ao alcance de todos, com explicaes sobre passagens de mais difcil compreenso. Fazer, tambm, o desdobramento de todas as suas conseqncias, envolvendo a sua aplicao s diferentes circunstncias da vida. Isso o fizemos com o amparo dos bons Espritos que nos assistem. Muitos pontos do Evangelho, da Bblia e de autores sacros em geral, so de difcil compreenso. Alguns at parecem sem muito sentido, to somente pela falta de uma chave que lhes permita compreender o verdadeiro sentido. Essa chave que falta, temo-la no Espiritismo. Disso j se convenceram aqueles que se puseram a estud-lo seriamente, e como, mais tarde, todos o reconhecero. O Espiritismo, alis, se nos depara em todas as pocas de nossa Humanidade. Seus vestgios so transparentes em anotaes, em monumentos, em inscries. Atravs dele se descortinam os horizontes novos do futuro e, por ele, so projetadas luzes muito fortes sobre os mistrios do passado.25INTRODUO

Em complemento a cada preceito cristo estudado, adicionamos algumas instrues escolhidas entre as diversas ditadas pelos Espritos em vrios pases e recolhidas por diferentes mdiuns. Se essas instrues se originassem de uma nica fonte medinica, elas poderiam ter sofrido a influncia da personalidade do mdium ou do meio. As diversas origens, assim, provam que os Espritos distribuem indistintamente os seus ensinamentos e que nenhuma pessoa goza de qualquer privilgio (1). Esta obra para uso de todos. Atravs dela, voc pode ajustar a sua conduta moral do Cristo. Aos Espritas, porm, oferece aplicaes de modo especial. Graas s comunicaes, estabelecidas de uma maneira permanente entre voc e o mundo invisvel aos olhos comuns, a lei evanglica, ensinada a todas as naes pelos Espritos, a mesma. No so letras mortas. Voc a compreender e ser incessantemente solicitado a pratic-la, pelos prprios conselhos de seus guias espirituais. Os ensinamentos dos Espritos so, verdadeiramente, as vozes do cu, que vm esclarec-lo e convid-lo para a vivncia do Evangelho.1. Poderamos, sem dvida, apresentar um maior nmero de comunicaes obtidas em muitas cidades e agrupamentos espritas, alm das que citamos. Queremos, porm, evitar a monotonia de repeties que no acrescentariam noes novas. Limitamo-nos quelas que, pelo fundo e pela forma, se ajustam melhor ao propsito desta obra, reservando-nos para publicar as demais em outras oportunidades. No citamos os nomes dos mdiuns, porque a maioria deles prprios solicitaram que no os designssemos. Assim, generalizamos para no fazer excees. Os nomes dos mdiuns, inclusive, no acrescentariam coisa alguma ao trabalho dos Espritos. Nomelos seria dar-lhes uma satisfao ao amor-prprio, coisa que os mdiuns srios no cultivam. Eles compreendem que, por serem passivos no papel que lhes toca, o valor das comunicaes no pode ser atribudo ao mrito pessoal deles. Seria pueril repletarem-se de vaidade por um trabalho de inteligncia que no lhes pertence e ao qual prestaram um apoio mecnico.

26INTRODUO

CONTROLE UNIVERSAL DOS ENSINAMENTOS DOS ESPRITOS A Doutrina Esprita no de criao humana. Se ela o fosse, teramos por garantia somente as luzes de inteligncia de quem a houvera concebido e, na realidade, ningum poderia ter a pretenso de possuir a verdade absoluta. Se, por outro lado, os Espritos que a revelaram viessem a manifestar-se a um s homem, coisa alguma lhe garantiria a origem, porque teramos de acreditar, sob a sua palavra, em quem dissesse ter recebido os ensinamentos. Admitindo-se, em relao a esse homem, uma perfeita sinceridade, quando muito ele conseguiria convencer aqueles que privassem de suas relaes, reunindo alguns poucos proslitos, mas jamais chegaria a congregar todo o mundo. Deus quis que a nova revelao alcanasse rapidamente os homens. Por uma via mais autntica, incumbiu os Espritos de levla de um plo a outro, manifestando-se para todos, sem atribuir a ningum o privilgio exclusivo de ouvir-lhes a palavra. Um homem pode cometer abusos, enganando-se a si mesmo. Isso, porm, no ocorrer quando dezenas de milhares de outras criaturas ouvirem e recolherem as mesmas informaes. Nisso a garantia para um e para todos. Poderemos fazer desaparecer um homem, e com ele alguns princpios. Mas no poderemos, ao mesmo tempo, fazer desaparecer uma massa de homens. Poderemos queimar livros, destruir bibliotecas, mas no poderemos queimar os Espritos.

27INTRODUO

Queimem-se, pois, todos os livros. A fonte geradora da doutrina no ser afetada, porque ela no tem a sua sede na Terra. Ela ressurgir de todos os lugares e todos podero dessedentar-se nela. Se os homens no puderem difundi-la, os Espritos a difundiro. Os Espritos so os seus propagadores, com a colaborao de grande nmero de mdiuns, que os prprios Espritos vo multiplicando por todos os lados. Um nico mdium, mesmo servindo a diversos Espritos, e por maior fosse a sua fidelidade, tornaria o Espiritismo mal conhecido. Ele se tornaria motivo de preveno para muitos e as diversas naes no o teriam aceito. Os Espritos, por isso, comunicam-se em todas as partes. O intercmbio dos Espritos estabelecido em todos os povos, em todas as lnguas, em todas as naes. Por isso o Espiritismo aceito por todas as crenas e todas as pessoas. A Doutrina Esprita no tem nacionalidade. Qualquer pessoa, independentemente de sua crena e de classe social, poder receber instrues de seus parentes e amigos que j desencarnaram. Por isso, o Espiritismo pode conduzir todos fraternidade, por estar em terreno neutro. Na universalidade das comunicaes dos Espritos reside a fora mesma do Espiritismo. Igualmente, a razo de sua rpida propagao. A palavra de um s homem, mesmo com o apoio de todos os meios de comunicao, atravessaria sculos para alcanar a muitos e fazer-se presente em todos os recantos do planeta com a fora da verdade. Ouvem-se, no entanto, milhares de vozes espirituais adentrando os lares, os crculos fechados, buscando a doutos e ignorantes, falando dos mesmos princpios redentores, sem que haja um s deserdado de sua luz e consolao. Com essa vantagem nenhuma doutrina contou at hoje.28INTRODUO

O Espiritismo, portanto, nascendo dos Espritos, no teme aos homens, nem as revolues morais e cientficas, nem as subverses fsicas da Terra, uma vez que nada disso atinge os Espritos. Esse seu carter, portanto, d-lhe excepcional posio. Faculta-lhe, ainda, uma garantia contra os cismas que pudessem nascer da ambio de alguns que lhe desposem os princpios. Tambm, evita-lhe as contradies de certos Espritos exclusivistas que pretendem fazer escolas prprias, uma vez que essas inevitveis contradies, embora sendo uma ocorrncia circunstancial, trazem consigo o prprio remdio para debel-las. Os Espritos no esto na posse de toda a verdade. Pela diferena de seu estgio evolutivo, cada um deles alcanou uma capacidade. Em decorrncia nem todos esto aptos a penetrar e dominar a todos os conhecimentos. Os Espritos vulgares no sabem mais do que muitos homens. H, tambm, entre eles os presunosos que julgam saber o que ignoram e os sistemticos que tomam por verdades as suas prprias idias, exatamente como ocorre entre os encarnados. Somente os Espritos de categoria mais elevada, os que se desenfeixaram dos laos materiais, que se encontram despojados das idias e preconceitos terrenos. Sabe-se, porm, que os Espritos enganadores no temem e nem guardam escrpulos para tomar os nomes que no lhes pertencem. Com tal denominao, comparecem para transmitir suas idias falsas, utpicas. Observe, portanto, que todas as comunicaes medinicas que estejam fora do campo moral, tero um carter individual. Devem ser consideradas opinies pessoais deste ou daquele Esprito. Ser imprudente aceit-las e propag-las como se fossem verdades definitivas. Tais comunicaes devem ser submetidas ao exame da razo. Sem exceo, todas as comunicaes devem ter esse controle.29INTRODUO

Toda teoria que contrarie, de modo manifesto, o bom senso, quando examinada com uma lgica rigorosa e com os elementos positivos j alcanados, mesmo que venha assinada por um nome respeitvel, deve ser rejeitada. Poder ocorrer, no entanto, que quem as submeta ao controle, tenha luzes insuficientes para interpret-las, por ser daquelas pessoas que tomam as suas prprias opinies pessoais para fazerem-se juzes definitivos. Que fazer diante desse fato? Deve buscar-se o parecer da maioria e tom-lo por guia. Os Espritos so os primeiros a indicar tal soluo. A concordncia que existe entre o que ensinam os Espritos, o melhor controle sobre as idias expostas, mas isso depender das condies em que se faz tal exame. Se, por exemplo, um mesmo mdium quem interroga vrios Espritos, querendo esclarecer-se sobre questes duvidosas que foram expostas, voc estar diante do mais frgil exame. Esse mdium poder estar sob uma obsesso ou, ento, estar lidando com o esprito mistificador, que lhe dir a mesma coisa sob diferentes nomes. Nenhuma garantia, igualmente, oferece a confirmao de instrues dentro de um mesmo agrupamento Esprita, porque todos podem estar sob a mesma influncia. Uma nica e sria garantia existe para validar os ensinamentos dos Espritos e essa a concordncia que existe entre as revelaes realizadas espontaneamente por intermdio de um grande nmero de mdiuns estranhos entre si e transmitidas em vrios lugares diferentes. No cogitamos das instrues de interesse secundrio. Tratamos daquelas que cogitam dos prprios princpios doutrinrios. Em verdade, a prpria experincia tem provado que, quando um princpio novo tem de ser enunciado, tais idias surgem espontaneamente em diferentes pontos, ao mesmo tempo, de uma30INTRODUO

maneira idntica, seno quanto forma, mas quanto ao fundo, quanto a seu sentido. Quando, portanto, surgir uma idia excntrica, baseada unicamente nas idias de um Esprito, com excluso da verdade, esse princpio ficar circunscrito. Terminar por desaparecer diante dos verdadeiros ensinamentos que so dados, ao mesmo tempo, em todas as partes. Essa unanimidade j fez cair por terra muitos sistemas parciais que surgiram quando da origem do prprio Espiritismo. Cada um interpretava os fenmenos segundo o seu ponto de vista, antes mesmo que conhecesse as leis que regem as relaes entre o mundo dos homens encarnados e o mundo invisvel aos nossos olhos e sentidos comuns. A unanimidade a base sobre a qual nos apoiamos. Quando formulamos um princpio da doutrina, no porque esteja de acordo com a nossa idia, j que no somos o rbitro supremo da verdade e a ningum jamais dissemos: Creia em tal coisa, porque somos ns que lhe dizemos. A nossa opinio, na realidade, no passa de uma opinio pessoal. Poder ser justa ou falsa, porque no somos mais infalveis que os outros. No porque um princpio doutrinrio nos foi ensinado que ele passar a ser verdade. Ns o enunciamos to somente quando ele recebeu a sano da concordncia universal. Recebemos comunicaes de perto de mil centros espritas srios, distribudos pelos mais diversos pontos da Terra. De posse de to farto material, achamo-nos em condies de ajuizar sobre quais princpios revelados se estabelece a unanimidade. Essa observao que nos tem guiado e nos guiar ao encontro dos novos campos que o Espiritismo ser chamado a explorar. estudando atentamente as comunicaes que nos vm de diversas partes, tanto da Frana quanto de outros pases, que reconhecemos a natureza toda especial das revelaes espirituais e a tendncia do31INTRODUO

Espiritismo de adentrar por novo caminho e que lhe chegou o momento certo de dar um passo adiante. As revelaes dos Espritos, algumas vezes feitas por palavras veladas, enquanto para alguns que as obtm passam desapercebidas, outros que as recebem julgam-se os nicos a t-las. Tomadas isoladamente elas pareceriam sem valor. A coincidncia delas, vindas de to diversas fontes, d-lhes seriedade. Inclusive, ao traz-las ao conhecimento do pblico em geral, muitos se lembram de terem alcanado instrues semelhantes, com o mesmo sentido. na observao desse movimento geral, e no seu estudo, com a assistncia de nossos orientadores espirituais, que julgamos a oportunidade de fazer uma coisa ou de abster-nos de faz-la. O controle universal, assim adotado, uma garantia para a unidade futura do Espiritismo. , tambm, uma garantia de anular todas as teorias contraditrias que alguns lhe queiram adicionar para satisfao de seu gosto pessoal. Esse o critrio da verdade. O que assegurou o sucesso da doutrina exposta em O Livro dos Espritos e O Livro dos Mdiuns, foi o fato de que, em toda parte, todos receberam diretamente dos Espritos a confirmao dos princpios expostos em tais obras. Se, no entanto, de todos os lados os Espritos viessem a contradiz-los, esses livros, depois de algum tempo, experimentariam a sorte de todos os que fazem concepes fantsticas. Nem o apoio dos meios de comunicao os salvaria. Privados, contudo, desse apoio, eles no apenas ficaram salvos do naufrgio das obras fantsticas, como tambm avanaram rapidamente por terem o apoio dos Espritos, cuja boa vontade compensou a m vontade dos homens.

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Todas as idias, pois, quer vindas dos Espritos ou dos homens, que no se apiem no controle universal, naufragam por no contarem com essa incontestvel fora. Suponhamos que seja da vontade de um certo Esprito ditar, sob um ttulo qualquer, um livro que seja de sentido contrrio aos j citados. Suponhamos mesmo que, em razo de inteno hostil, e visando desacreditar a doutrina, a maldade suscitasse comunicaes falsas. Que influncia poderiam exercer tais comunicaes, se por todos os lados fossem desmentidas pelos Espritos? com a colaborao dos Espritos, portanto, que se deve garantir todo aquele que queira lanar um sistema qualquer em seu nome. Do sistema de um s, ao aceito por todos, vai a distncia de uma opinio pessoal isolada, opinio universal. Que fora tero os argumentos dos detratores, para desmentilos, sobre a opinio das massas, quando milhares de vozes amigas, vindas da Espiritualidade, se fazem ouvidas em todo o Universo e no seio de cada famlia? As experincias no tm confirmado esses princpios? Onde esto todas as publicaes que pretendiam arrasar o Espiritismo? Quais as que, ao menos, atrasaram a sua marcha? No se considerou, at agora, essa questo sob este ponto de vista, alis um dos mais graves sem contestao, porque cada um dos contraditores contou consigo s, mas no contou com o apoio dos Espritos. A concordncia universal, por outro lado, uma garantia contra alteraes que seitas poderiam tentar com o Espiritismo, para ajust-lo a seus interesses menores. Quem tentasse desvi-lo de seu providencial objetivo, pela universalidade dos ensinamentos dos prprios Espritos veria cair por terra toda e qualquer modificao que se separe da verdade. Eis a o ponto central! Quem quer que se oponha corrente das idias consagradas pela universalidade das manifestaes espirituais, poder causar uma33INTRODUO

pequena perturbao local e momentnea. Jamais, porm, conseguir atingir todo o conjunto e, muito menos, domin-lo por inteiro, quer na hora presente, quer no futuro. H, portanto, atitude de cautela. As instrues dadas pelos Espritos, sobre pontos da Doutrina ainda no suficientemente elucidados, no se incorporaro ao conjunto de leis enquanto no forem sancionadas pela universalidade. A sua aceitao ficar sob reserva e a ttulo de esclarecimento. Antes de torn-las pblicas, h necessidade de prudncia. Se se julgar conveniente public-las, devero ser apresentadas como opinies individuais, mais ou menos provveis, porm que devem aguardar confirmao. Essa confirmao que se deve aguardar antes de apresentar um princpio como verdade absoluta, a fim de no ser acusado de leviandade ou credulidade cega. Os Espritos Superiores procedem, em suas revelaes, com extrema sabedoria. Abordam as grandes questes da Doutrina gradualmente, sem precipitao, medida que a inteligncia est apta a compreender uma verdade de ordem mais elevada. Aguardam, pois, as circunstncias propcias para emitir uma idia nova. Por esta cautela que, logo no incio das revelaes, no disseram tudo e nem tudo disseram at agora, jamais cedendo impacincia daqueles que querem colher os frutos antes do seu amadurecimento. intil querer avanar no tempo designado pela Providncia, uma vez que os Espritos verdadeiramente srios negam o seu concurso. Todavia, os Espritos levianos, que pouco se ocupam da verdade, estes respondero a tudo, indiferentemente, vindo da a causa de respostas contraditrias sobre questes prematuramente abordadas. Esses princpios, acima expostos, no so uma teoria pessoal. So eles, pelo contrrio, uma conseqncia forada das condies em que os Espritos se manifestam. Torna-se evidente, pois, que se um Esprito diz uma coisa e outros milhares de Espritos dizem o contrrio em outros lugares, a presuno da verdade no34INTRODUO

poder estar com esse que emite idias isoladamente. Querer algum ter razo contra todos seria uma falta de lgica da parte de um Esprito, tanto quanto o seriam da parte dos homens. Os Espritos sbios, quando no se sentem suficientemente esclarecidos sobre uma questo, jamais a resolvem de maneira absoluta. Preferem declarar que a tratam sob um ponto de vista seu, pessoal, e aconselham mesmo que se aguarde a confirmao. Mesmo que seja grande, bela e justa uma idia, impossvel que, desde o primeiro momento, ela polarize todas as opinies. Os conflitos que ela desencadeia so conseqncia inevitvel do movimento que se opera. Tais conflitos so mesmo necessrios para maior destaque da verdade e so extremamente teis para que as idias falsas sejam, de pronto, postas de lado. Os Espritas que alimentassem qualquer temor por isso, podem ficar tranqilos, uma vez que todas as pretenses isoladas desaparecero, pela fora das coisas, diante do grande e poderoso critrio do controle universal. No ser a opinio de um homem que se uniro os outros homens. A unio se dar em torno da voz unnime dos Espritos. No ser este ou aquele homem, como no ser qualquer outro homem, que criar o fundamento da ortodoxia esprita. Tambm no ser um Esprito que vir imp-la a quem quer que seja. Ela nascer da universalidade dos Espritos que se comunicam em toda a Terra por ordem de Deus. Esse o carter essencial da Doutrina Esprita. Essa a sua fora e a est a sua autoridade. Deus quis que a sua lei assentasse em base slida e, por isso, no quis que o seu fundamento repousasse sobre a cabea frgil de um s homem. Sob to poderosa assemblia de Espritos Sbios, onde no se cultivam faces, nem rivalidades ociosas, nem seitas, nem raas ou cores, que viro quebrarem-se todas as oposies, todas as ambies, todas as pretenses de supremacia individual. que35INTRODUO

quebraremos a ns mesmos, na realidade, se pretendermos substituir, por nossas prprias idias, os decretos soberanos do Pai. Somente a Ele caber decidir sobre as questes que causam litgio, impondo silncio s dissidncias e dando razo a quem a tenha. frente desse portentoso acordo de todas as Vozes do Cu, o que pode a opinio de um homem ou mesmo de um Esprito isolado? Poder menos que uma gota que se perde no oceano, menos que a voz de uma criana, abafada pela tempestade. A opinio universal o juzo supremo. Ela a ltima instncia. A opinio universal forma-se pela soma de todas as opinies individuais. Se uma delas verdadeira, tem o seu peso relativo na balana da verdade. Se, porm, for falsa, ela no prevalecer sobre todas as outras. Nesse imenso concurso, as personalidades se apagam e, nisto, se encontra um novo insucesso para o orgulho humano. J se esboa, pois, o harmonioso conjunto. Este sculo no passar sem que o harmonioso conjunto resplandea em todas as suas luzes, de maneira a afastar todas as sombras das incertezas. Poderosas vozes tero recebido a misso de se fazerem entender, a fim de congregar os homens sob uma mesma bandeira, to logo o campo se ache suficientemente preparado para a sementeira. Enquanto isso no se d, o homem que estiver flutuando entre dois sistemas opostos poder observar em que sentido se forma a opinio geral: a indicao certa ser aquela em que se pronuncia a maioria dos Espritos sobre os diversos princpios da Doutrina, nos diversos pontos em que se comuniquem. o sinal certo de qual dos dois sistemas prevalecer.

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Para bem compreender certas passagens dos Evangelhos, fazse necessrio conhecer o valor de algumas palavras que so freqentemente empregadas. Elas caracterizam o estado dos costumes e da prpria sociedade judia da poca. Essas palavras, j no tendo o mesmo sentido na atualidade, so freqentemente mal interpretadas e, por isso, resultam em alguma incerteza. A significao delas, na poca, lhe permitir conhecer o verdadeiro sentido de certas mximas que, sem o seu domnio, lhe parecero um tanto confusas. Samaritanos Aps o cisma das dez tribos, Samaria tornouse a capital do reino dissidente de Israel. Destruda e reconstruda muitas vezes, ela se tornou, sob a administrao dos romanos, a cabea da Samaria, sendo uma das quatro divises da Palestina. Herodes, aquele chamado o Grande, chegou a embelez-la com suntuosos monumentos e, para ser agradvel a Augusta, deu-lhe o nome de Augusta, em grego Sebaste. Os samaritanos estiveram, quase sempre, em guerra com os reis de Jud. Uma averso profunda, nascida desde a separao, perpetuava-se constantemente entre os dois povos que, por isso, evitavam relaes entre si. Os samaritanos, ainda para aprofundar a separao e no terem de ir a Jerusalm para a celebrao das festas religiosas, construram um templo particular e adotaram algumas reformas. Admitiram apenas o Pentateuco, que continha a lei de Moiss, e rejeitaram todos os demais livros que lhe foram anexados.

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Os seus livros sagrados eram escritos em caracteres hebraicos da mais alta antigidade. Para os judeus ortodoxos, os samaritanos eram considerados herticos e, por isso mesmo, menosprezados, anatematizados e perseguidos. O antagonismo das duas naes tinha, por nico fundamento, a divergncia das opinies religiosas, se bem que as suas crenas tivessem a mesma origem. Eles eram os protestantes de seu tempo. Os samaritanos so encontrados, ainda hoje, em algumas regies do Oriente, particularmente em Nablusa e em Jafa. Observam com mais rigor a lei de Moiss do que os demais judeus. S contraem aliana entre si. Nazarenos Este era o nome dado, na antiga lei, aos judeus que faziam voto, ou por toda a vida ou apenas temporariamente, de conservar uma pureza perfeita. Comprometiam-se, portanto, a manter a castidade, a no tomar bebidas alcolicas e a conservar a cabeleira. Sanso, Samuel e Joo Batista eram nazarenos. Os cristos, mais tarde, receberam esse nome dos judeus, por aluso a Jesus de Nazar. Essa foi, tambm, a denominao duma seita hertica dos primeiros sculos do cristianismo que, do mesmo modo que os ebionitas, dos quais adotava certos princpios, mesclavam as prticas do moisasmo com dogmas cristos. Esta seita desapareceu no sculo quarto. Publicanos Na antiga Roma, eram chamados de publicanos aqueles que eram arrendatrios de tributos pblicos, encarregados da cobrana de impostos, taxas e rendas de qualquer natureza, na prpria Roma e em outras partes do Imprio Romano. Eram anlogos aos arrendatrios do antigo regime francs e que ainda existem em certas regies. Os riscos a que se sujeitavam, no desempenho de suas funes, levavam a que se fechassem os olhos para as riquezas que acumulavam e que, da parte de alguns,38INTRODUO

eram produtos de corrupo e benefcios escandalosos. Mais tarde, o nome de publicano se estendeu a todos os que manipulam o dinheiro pblico e a seus auxiliares subalternos. Atualmente esse um designativo pejorativo, atribudo a financistas e agentes pouco escrupulosos no trato com negcios. Algumas vezes se diz: vido como um publicano ou rico como um publicano, para indicar uma fortuna de m origem. O tributo foi o que mais dificilmente os judeus aceitaram, de toda a dominao romana. Tornou-se a causa de muita irritao. Em razo dele nasceram muitas revoltas e, finalmente, transformaramno em questo religiosa, apresentado como sendo contrrio lei. Formou-se, inclusive, um partido poderoso, frente do qual se colocou um certo Jud, chamado O gaulonita, partido esse que tinha por base o no pagamento do tributo. Os judeus tinham horror pelos tributos, e por conseqncia, por todos os que eram encarregados de receb-los. Da nascia a averso deles pelos publicanos de todas as categorias, entre os quais, no entanto, podiam encontrar-se pessoas de bem. Mas em razo de suas funes, eram desprezadas, assim como as demais pessoas que com elas mantinham relaes, as quais eram atingidas pela mesma reprovao. Os judeus mais distintos consideravam que se comprometeriam se tivessem alguma intimidade com os publicanos. Os portageiros Estes eram arrecadadores de baixa categoria, incumbidos, principalmente, da cobrana de direitos de entrada nas cidades. Suas funes correspondiam aproximadamente s dos empregados de alfndega e de recebedores de pedgio e de direitos de barreira. Devotava-se-lhes a mesma repulsa que se dava aos publicanos em geral. por esta razo que, nos Evangelhos, se depara freqentemente com a palavra publicano, seguida da expresso gente de m vida. Esta qualificao no implicava uma ponta de deboche ou consider-los vadios, mas era sinnimo de gente de m39INTRODUO

companhia, indigna de freqentar a casa e a roda de pessoas muito distintas. Fariseus (do hebreu parasch, significando diviso, separao). A tradio formava uma parte importante na teologia judaica. Consistia numa compilao de interpretaes sucessivamente dadas s Escrituras e que, por isso, se transformavam em dogmas. Tais interpretaes, entre os doutores, se sujeitavam a interminveis discusses, algumas vezes por simples questo de palavras ou de formas de coloc-las. Resultavam numa disputa teolgica do mesmo gnero que o das sutilezas escolsticas da Idade Mdia. Dessas discusses nasceram diferentes seitas que pretendiam trazer para si o monoplio da verdade. Como decorre desses acontecimentos, as seitas se detestavam cordialmente uma s outras. A mais influente, dentre essas seitas, era a dos fariseus, que teve por chefe Hilel, doutor judeu nascido em Babilnia e fundador duma escola clebre, cujos ensinamentos propunham que s se devia depositar crena nas Escrituras. A origem desta seita remonta a 180 ou 200 anos antes de Cristo. Os fariseus foram perseguidos em diversas pocas, notadamente sob Hircano, soberano pontfice e rei dos judeus, Aristbulo e Alexandre, rei da Sria. Releva notar que este ltimo, Alexandre, conferiu honras e bens aos fariseus, que os conservaram at a runa de Jerusalm, no ano 70 da era crist, poca em que se apagou o nome deles com a disperso dos judeus. Os fariseus tomavam uma parte ativa nas discusses religiosas. Com atitudes de servis observadores das prticas exteriores do culto e de cerimoniais, demonstravam zelo ardente por fazer proslitos. Colocavam-se como inimigos dos invasores e afetavam uma grande severidade de princpios. Contudo, por trs dessa aparncia de grande devoo, ocultavam costumes dissolutos, excessivo orgulho, alimentando-se de grande desejo de dominao. A religio, para

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eles, era simples meio para chegarem a outros fins, sem que tivessem pela religio uma f sincera. A virtude, para eles, era mera aparncia. Atravs dela exerciam grande influncia sobre o povo, por passarem diante do vulgo como personalidades santificadas. Assim que se tornaram muito poderosos em Jerusalm. Acreditavam, ou pelo menos fingiam acreditar, na Providncia, na imortalidade da alma, na eternidade das penas e na ressurreio dos mortos (cap. IV, n. 4). Jesus, que valorizava, sobretudo, a simplicidade e as qualidades dos sentimentos, que preferia da Lei antes o esprito que vivifica do que a letra que mata, durante toda a sua misso se aplicou a desmascarar essa hipocrisia. Por conseqncia, tinha neles grandes inimigos, estando aqui, portanto, a razo principal pela qual os fariseus se uniram aos principais sacerdotes judeus para amotinar o povo contra Jesus, a fim de elimin-lo. Escribas Este era o nome dado, em princpio, aos secretrios dos reis de Jud, e, tambm, a certos intendentes das foras armadas judaicas. Mais tarde, porm, passou a ser a designao especialmente aplicada aos doutores que ensinavam a Lei de Moiss e a interpretavam para o povo. Eles faziam causa comum com os fariseus, abraando-lhes os princpios e a antipatia contra os inovadores. Eis o motivo pelo qual Jesus os envolvia na mesma reprovao. Sinagoga (do grego synagogu, significando assemblia, congregao). No existia, em Jerusalm, nenhum outro templo, alm do de Salomo onde eram celebradas as grandes cerimnias do culto. Os judeus, todos os anos, iam em peregrinao para as principais festas judaicas, tais como as da Pscoa, as da Dedicao e as dos Tabernculos. Por ocasio dessas festas, Jesus se dirigia tambm para Jerusalm.41INTRODUO

As outras cidades na Judia no possuam templo, mas apenas sinagogas. As sinagogas eram pequenas construes onde os judeus se congregavam aos sbados, a fim de fazerem preces pblicas sob a direo dos Ancios, dos escribas ou dos doutores da Lei. Eles faziam leituras dos livros sagrados e sobre elas ofereciam explicaes e comentrios. Por isso que Jesus, sem ser sacerdote, ensinava nas sinagogas nos dias de sbado. Depois da runa de Jerusalm e da disperso dos judeus, as sinagogas, nas cidades por eles habitadas, servem de templo para a sua celebrao de culto. Saduceus Seita judia, formada cerca do ano 248 antes de Cristo. Esse nome lhe veio de Sadoc, seu fundador. Os saduceus no acreditavam nem na imortalidade da alma, nem na ressurreio, nem em bons ou maus anjos. Acreditavam, no entanto, em Deus. Nada, contudo, esperando aps a morte, eles serviam a Deus esperando recompensas imediatas. Nisso, segundo eles, se reduzia a Providncia divina. Por decorrncia desse modo de pensar, tinham na satisfao dos sentidos fsicos todo o seu objetivo central de vida. Quanto s Escrituras, prendiam-se ao texto da lei antiga, no admitindo elementos da tradio e, menos ainda, quaisquer interpretaes. Consagravam as boas obras e a execuo pura e simples da Lei acima das prticas exteriores do culto. Eram, como se deduz, os materialistas. os destas e os sensualistas da poca. Esta seita no era muito numerosa, mas contava com personalidades importantes. Tornou-se um partido poltico constantemente em oposio aos fariseus. Essnios ou esseus Seita judaica formada ali por 150 anos antes de Cristo, ao tempo dos macabeus. Seus membros, que habitavam uma espcie de mosteiro, formavam entre si uma associao moral e religiosa. Eles se distinguiam pelos seus costumes brandos e por virtudes austeras, ensinando o amor a Deus e ao prximo, a imortalidade da alma, e acreditavam na ressurreio. Viviam42INTRODUO

em celibato, condenando a escravido e a guerra, trazendo seus bens em comunidade, e trabalhavam na agricultura. Opondo-se aos saduceus, que negavam a imortalidade da alma, e aos fariseus rgidos apenas nas prticas exteriores e de qualidades apenas aparentes, jamais os essnios tomaram parte nas querelas que dividiam essas duas seitas. O gnero de vida que levavam os fez assemelharem-se muito com os primeiros cristos e, pelos princpios morais que professavam, levaram muitas pessoas a pensar que Jesus fizera parte dessa seita antes do incio de sua misso pblica. Certamente Jesus teria conhecido essa seita, mas nada prova que a ela se filiara, sendo que tudo o que se escreveu a tal respeito hipottico (1). Terapeutas (do grego thrapeutai, formado de thrapeuein, significando servir, curar, ou seja, servidores de Deus ou curadores). Sectrios judeus contemporneos do Cristo, estabelecidos principalmente em Alexandria, no Egito. Eles cultivavam grandes relaes com os essnios, adotando-lhes os princpios. Adotavam, tambm, a prtica de todas as virtudes. Alimentavam-se frugalmente, sendo tambm celibatrios, voltados contemplao e vida solitria. Formavam uma verdadeira ordem religiosa. Flon, filsofo judeu platnico, de Alexandria, foi o primeiro a falar dos terapeutas, considerando-os uma seita do judasmo. Eusbio, Jernimo e outros Padres da Igreja* pensavam que eles eram cristos. Fossem judeus ou cristos, o que se evidncia que, do mesmo modo que os essnios, eles formam um trao de unio entre o judasmo e o cristianismo.1. A morte de Jesus, supostamente escrita por um irmo essnio, um livro completamente apcrifo, escrito to-somente para servir de apoio a uma opinio, trazendo em si mesmo a prova de sua origem moderna. (*) Padres da Igreja era a denominao dada aos autores de textos sagrados da Igreja primitiva, mais ou menos do sculo primeiro ao sculo stimo. Tais escritos foram importantes no desenvolvimento do pensamento do incio do cristianismo.

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Jesus conheceu a seita dos essnios. Seria equivocado, porm, concluir-se que a sua doutrina foi inspirada nessa seita e que, se houvera estado em outro meio, abraaria outros princpios. As grandes idias jamais surgem subitamente. Todas aquelas que tm por base a prpria verdade contam com precursores que lhes preparam parcialmente as sendas. Depois, quando chegar o tempo justo, Deus envia um homem com misso de resumir, coordenar e completar os elementos esparsos, formando um corpo doutrinrio. No surgindo bruscamente a idia, ao aparecer encontrar almas dispostas a aceit-la. Assim, se deu, portanto, com a idia crist, que foi recolhida como que no ar sculos antes de Jesus e dos essnios, tendo em Scrates e Plato os seus principais precursores. Scrates, assim como Jesus Cristo, nada escreveu ou, pelo menos, nenhum escrito pessoal deixou. Como Jesus, experimentou a morte imposta a criminosos, vtima de fanatismo, por ter combatido as crenas que encontrara e posto a virtude acima da hipocrisia e dos simulacros das formas, evidenciando os preconceitos religiosos. Assim como Jesus foi acusado pelos fariseus de corromper o povo com os seus ensinamentos, Scrates foi acusado pelos fariseus de seu tempo, j que h fariseus em todas as pocas, de corromper a juventude ao proclamar a unidade de Deus, a imortalidade da alma e a existncia da vida futura alm do corpo fsico.

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Igualmente como conhecemos a doutrina de Jesus pelos Evangelhos escritos pelos seus discpulos, ns somente conhecemos os pensamentos de Scrates pelos escritos de seu discpulo Plato. Cremos, por isso, ser til que reunamos os pontos de maior destaque dos ensinamentos de Scrates, para demonstrar a concordncia desses princpios com os do cristianismo. Alguns podero considerar tal propsito uma profanao. Diro que no se pode estabelecer um paralelo entre a doutrina de um pago e a do Cristo. Responderemos que a doutrina de Scrates no era paganismo, mas visava a combater o paganismo. A doutrina do Cristo, por sinal mais completa e pura que a de Scrates, no perder coisa alguma na comparao. A grandeza da misso divina do Cristo no poder ser reduzida, uma vez que se trata de um fato da Histria que no possvel apagar. O homem atingiu um ponto tal, hoje, em que a luz explode por si mesma, indo ao encontro de todas as conscincias. Acha-se voc, portanto, em condio de encar-la face a face, graas sua maturidade. Pior ser para aqueles que no querem abrir os olhos e v-la. tempo de ver as coisas mais largamente e de um modo elevado. No mais, portanto, de um ponto de vista mesquinho e condicionado aos interesses de seitas e castas. As citaes que faremos, por isso, provaro que se Scrates e Plato pressentiram a idia do cristianismo, pressentiram tambm os princpios fundamentais da Doutrina Esprita.

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I. O homem uma alma encarnada. Antes de sua encarnao, ela estava unida aos tipos primordiais, unida s idias da verdade, do bem e do belo. Separando-se desse estado, ao encarnar, ela se sente mais ou menos atormentada ao recordar o seu passado, por desejar voltar ao que era. Seria quase impossvel enunciar com mais clareza a distino e independncia entre o princpio inteligente e o princpio material. Destaca-se, tambm, por outro lado, a doutrina da preexistncia da alma; da vaga intuio que ela conserva de um mundo pelo qual aspira; da sua sobrevivncia ao corpo; de sua vinda do mundo espiritual para encarnar e de seu retorno a esse mesmo mundo de origem, aps a morte. Esse o germe da doutrina dos Anjos decados ou depostos. II. A alma se extravia e se perturba, quando se utiliza do corpo para contatar qualquer objeto. Sente vertigem, qual se estivesse embriagada, porque se une s coisas que so, pela prpria natureza, sujeitas a mudanas. Quando, porm, ela contempla a sua prpria essncia, ela contata com o que puro, eterno, imortal e, portanto, igual sua prpria natureza, permanecendo a unida pelo mais longo tempo que possa. Cessam, aqui, os seus extravios e a sua perturbao, uma vez que ela est unida ao que imutvel e a esse estado que se chama sabedoria. Se voc aprecia alguma coisa de modo terra a terra, do ponto de vista material, criar em voc mesmo uma iluso. Para apreci-la, porm, com justeza, dever examin-la de modo mais46INTRODUO

alto, menos terra a terra, partindo para consider-la do ponto de vista espiritual. Voc ser verdadeiramente prudente se, em todas as circunstncias, isolar a alma do corpo para ver com os olhos do esprito. Este , tambm, um ensinamento do Espiritismo (cap. II, n. 5). III. Ao estarmos em nosso corpo e a alma permanecer mergulhada na corrupo, jamais possuiremos o objeto de nossos desejos: a verdade. O corpo nos cria mil obstculos, pela necessidade mesmo de cuidarmos dele com esmero. Ele nos enche de desejos, de apetites, de temores, de mil quimeras e de mil tolices, de tal modo que se torna impossvel sermos de bom senso por algum instante. Mas, se nos torna impossvel conhecer puramente alguma coisa, enquanto a alma est unida ao corpo, entre essas duas coisas haver uma: ou no conheceremos jamais a verdade ou iremos conhec-la aps a morte. Libertos dos grilhes do corpo, conversaremos ento, lcito esper-lo, com outros homens igualmente livres, libertos, e conheceremos por ns mesmos a essncia das coisas. Em decorrncia disso que os verdadeiros filsofos se exercitam em morrer e a morte no lhes parece, de nenhum modo, terrvel. Este o princpio de obscurecimento das faculdades da alma, por ter de manifestar-se por intermdio dos rgos corporais e o da expanso de suas faculdades aps a morte. Essa expanso, contudo, se dar com almas elevadas, despojadas das impurezas, no ocorrendo o mesmo com as almas impuras (O Cu e o Inferno, 1 parte, cap. II; 2 parte, cap. I). IV. A alma impura, nesse estado, sente-se oprimida e arrastada para o mundo visvel, pelo horror que sente pelo que invisvel e imaterial. Ela vagueia, diz-se, em torno de monumentos e de tmulos, junto aos quais j se tem visto tenebrosos fantasmas,47INTRODUO

como devem ser as imagens das almas que deixaram os corpos fsicos sem terem alcanado a pureza. Conservando qualquer coisa da forma material, isso faz com que as vistas humanas possam perceb-las. Esses fantasmas no so as almas dos bons, mas dos impuros. Elas se vem foradas a vagar por tais lugares, carregando a pena de sua primeira vida. Continuaro a vagar, at que os apetites inerentes forma material de que se revestiram as reconduzam a um novo corpo. Elas retornaro, sem dvida, aos mesmos costumes que, no curso de sua primeira vida, foram o objeto de sua predileo. No temos a, somente o princpio da reencarnao, inteiramente e claramente expresso. Temos, tambm, o estado das almas que se mantm presas matria, descrito da mesma forma que o Espiritismo mostra nas evocaes. Diz-se, tambm, que a reencarnao da alma num corpo material uma conseqncia da prpria impureza da alma, enquanto que as almas purificadas esto livres, franqueadas de reencarnar. O Espiritismo no diz outra coisa. Acrescenta-se, tosomente, que a alma que boas resolues tomou quando na erraticidade, e que possui conhecimentos adquiridos, traz consigo, ao renascer, menos defeitos, mais virtudes e muitas idias intuitivas de sua precedente existncia. Assim que cada existncia significa para a alma um progresso intelectual e moral (O Cu e o Inferno, 2 parte: Exemplos). V. Aps a nossa morte, o gnio (daimon, demnio) que nos acompanhou durante a nossa vida, leva-nos a um lugar onde se renem todos aqueles que devem ser conduzidos ao Hades para serem julgados. As almas, aps permanecerem no Hades o tempo necessrio, so trazidas a esta vida em numerosos e longos perodos. A palavra daimon, da qual se originou o termo demnio, no se referia ao mal em si, na poca em que era utilizada. Somente na era moderna tem ela esse sentido. No designava, portanto, entidades malfazejas, mas os Espritos de um modo48INTRODUO

geral. Distinguiam-se, entre eles, os Espritos Superiores, chamados de deuses, e os Espritos menos elevados, estes os demnios propriamente ditos, que se comunicavam diretamente com os homens. O Espiritismo diz, tambm, que os Espritos povoam o espao; que Deus no se comunica diretamente com os homens e que so os puros Espritos que se comunicam para transmitiremlhes a vontade do Criador. Substitua a palavra demnio pela Espritos e voc ter a Doutrina Esprita. Substitua a palavra demnio por anjo e voc ter a doutrina crist. VI. Os demnios ocupam o espao que separa o cu da Terra. Eles so o liame que une o Grande Todo a si mesmo. A divindade no entra jamais em comunicao direta com o homem, a no ser por intermdio dos demnios. Atravs destes que os deuses fazem o intercmbio e se entretm com os homens, quer durante a viglia, quer durante o sono. Esta a doutrina dos Anjos guardies ou Espritos protetores e, tambm, das reencarnaes sucessivas aps intervalos mais ou menos longos na erraticidade. VII. A preocupao constante do filsofo (tal como a compreendiam Scrates e Plato) de tomar grande cuidado com a alma, menos pelo que ocorre nesta vida, que representa apenas um instante, porm mais pela prpria eternidade. Se a alma imortal, no ser sabedoria viver em funo da prpria eternidade? O cristianismo e o Espiritismo ensinam a mesma coisa. VIII. Se a alma imaterial, ela tem de passar, aps esta vida, para um mundo igualmente invisvel e imaterial, do mesmo modo que o corpo, por ser material, dever entrar em decomposio e seus elementos retornarem matria. Importa, ento, somente distinguir a alma pura, verdadeiramente imaterial, que se alimenta, como Deus, de cincia e de pensamentos, da alma mais ou menos49INTRODUO

marcada por impurezas materiais, que a impedem de elevar-se ao divino e que a retm nos mesmos lugares de sua estada na Terra. Scrates e Plato, como voc pode ver, compreendiam perfeitamente os diferentes graus de desmaterializao da alma. Eles insistem sobre a diferente situao que resulta para ela de sua maior ou menor pureza. O que eles disseram por intuio, o Espiritismo prova por numerosos exemplos que nos so postos diante dos olhos. (O Cu e o Inferno, 2 parte.) IX. Se a morte representasse a dissoluo total do homem, isso seria um grande ganho para os maus, uma vez que aps a morte eles se veriam, ao mesmo tempo, livres do corpo, da alma e dos vcios. Aquele, porm, que enriquecer a sua alma, no com valores que lhe sejam estranhos, mas com valores que lhe so prprios, somente esse que poder aguardar tranqilamente a hora de sua partida para o outro mundo. Em outros termos, isto quer dizer que o materialismo, ao proclamar que nada existe aps a morte, est anulando toda e qualquer responsabilidade moral posterior morte e, por conseqncia, estimulando o homem para o mal, significando que o mau tem tudo a ganhar da existncia do nada aps a morte. No entanto, ser apenas o homem que se enriqueceu de virtudes que poder aguardar tranqilamente o despertar na outra vida. O Espiritismo lhe mostra, atravs de exemplos que todos os dias so postos debaixo de seus olhos, quanto penoso para o mau a sua passagem desta vida para a outra. (O Cu e o Inferno, 2 parte, cap. I.) X. Os corpos conservam os sinais bem marcados dos cuidados recebidos ou dos acidentes que sofreram. D-se a mesma coisa com a alma. Quando se despe do corpo, ela carrega os traos evidentes de seu carter, de suas afeies e as marcas de todos os atos de sua vida. Assim a grande infelicidade que pode acometer o homem ir50INTRODUO

para o outro mundo com a alma marcada de crimes. Veja, Clicles, que nem voc, nem Plux, nem Grgias podero provar que devemos levar uma outra vida que nos seja til quando estejamos do outro lado. Entre tantas opinies diversas, a nica que permanece inaltervel a de que vale mais receber do que cometer uma injustia. Cuidemos, portanto, em aplicar-nos no a simplesmente parecer um homem de bem, mas a ser um homem de bem. (Dilogo de Scrates com seus discpulos, na priso.) Eis, aqui, um outro ponto capital, hoje confirmado pela experincia: a alma no depurada conserva as idias, as tendncias, o carter e as paixes de que se alimentou durante a sua vida na Terra. J na mxima: vale mais receber do que cometer uma injustia, no est por inteiro o cristianismo? Esse o mesmo pensamento que Jesus expressou, utilizando a seguinte imagem: Se algum lhe bater numa face, oferea-lhe a outra. (Cap. XII, n. 7 e 8.) XI. De duas coisas, uma: ou a morte uma destruio absoluta ou a passagem da alma para outro lugar. Se a morte extingue tudo, poderemos torn-la como uma dessas raras noites que passamos sem sonhos e sem conscincia de ns mesmos. Porm, se a morte apenas uma mudana de morada, a passagem para o lugar onde os mortos se renem ser a felicidade de reencontrar-nos com aqueles a quem conhecemos! Meu maior prazer seria examinar de perto os habitantes dessa outra morada e de distinguir, qual me ocorre aqui, os que so sbios daqueles que se dizem tais e no o so. tempo, contudo, de separar-nos, eu para morrer e vocs para viverem (Scrates, falando a seus juzes). Segundo Scrates, os homens que viveram sobre a Terra se reencontram aps a morte e se reconhecem. O Espiritismo nos mostra continuamente que as relaes que entre as criaturas se estabeleceram, prosseguem aps a morte sem uma s

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interrupo, nem a cessao da vida, mas por uma transformao sem soluo de continuidade. Se Scrates e Plato houvessem conhecido os ensinamentos que o Cristo difundiu quinhentos anos mais tarde, e o que os Espritos difundem, no teriam falado de outro modo. No h, aqui, no entanto, nada que surpreenda, se considerarmos que as grandes verdades so eternas e que os grandes Espritos ho de t-las conhecido antes de vir Terra para onde as trouxeram. Scrates, Plato e os grandes filsofos daquele tempo bem podem estar, mais tarde, entre aqueles que secundaram o Cristo em sua divina misso, escolhidos precisamente por se acharem, entre outros, em condies de compreenderem seus sublimes ensinamentos. Fazem eles, hoje, parte da pliade de Espritos encarregados de ensinar aos homens as mesmas verdades. XII. Jamais se deve retribuir uma injustia com outra injustia, nem fazer mal a qualquer pessoa, seja qual for o dano que nos haja feito. Poucas sero as pessoas que admitiro este princpio e esses tais, por certo, desprezaro uns aos outros. No est a o que ensinamos, com base no princpio da caridade, que no devemos retribuir o mal com o mal e que devemos perdoar aos nossos inimigos? XIII. Pelos frutos se conhece a rvore. Toda ao qualificada pelo que produz: diremos ser m, quando dela provenha o mal; diremos ser boa, quando dela se origine o bem. Esta mxima: Pelos frutos se conhece a rvore se encontra, textualmente, repetida muitas vezes no Evangelho. XIV. A riqueza um grande perigo. Todo homem que ama a riqueza no ama a si mesmo e nem o que seu. Ama, por certo, uma coisa que lhe ainda mais estranha do que aquilo que lhe pertence (Cap. XVI).

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XV. A mais bela das preces e os mais formosos sacrifcios causam menos glorificao Divindade que uma alma virtuosa que se esfora para assemelhar-se s virtudes sublimes. Seria uma coisa muito grave que os deuses dispensassem mais ateno s nossas oferendas que nossa prpria alma. Se tal acontecesse, os mais culpados poderiam se tornar os mais favorecidos. Mas tal no se d, sendo que somente os verdadeiramente justos e sbios so os que, por suas palavras e atos, cumprem os seus deveres para com os deuses e para com os homens. (Cap. X, n. 7 e 8.) XVI. Chamo de homem vicioso a esse amante vulgar, que ama o seu prprio corpo, mais que a sua alma. O amor est por toda a natureza que nos convoca a exercer a nossa inteligncia. At no movimento dos astros o encontramos. Esse amor o que adorna a natureza de seus ricos tapetes. Ele se enfeita e fixa morada onde haja flores e perfumes. ainda o amor que traz paz aos homens, que acalma o mar, que silencia os ventos e abranda a dor. O amor, que h de unir os homens por um liame fraternal, uma conseqncia desta teoria de Plato sobre o amor universal como lei da natureza. Scrates disse: Amor no nem um deus, nem um mortal, mas um grande demnio. Com isso, quis dizer que um grande esprito preside o amor universal, sendo que essa colocao lhe foi interpretada como crime. XVII. A virtude no pode ser ensinada. Ela vem por um dom de Deus aos que a possuem. Isso o que quase prega a doutrina crist sobre a graa. Se, porm, a virtude um dom de Deus, isso um favor que nos levar a perguntar: Por que Ele no a concede a todos?. Por outro lado, se a virtude um dom, no h mrito em quem a possui. O Espiritismo mais claro a esse respeito, esclarecendo que aquele que possui a virtude a adquiriu por esforo prprio,53INTRODUO

no curso de suas existncias sucessivas, despojando-se, pouco a pouco, de suas imperfeies. A graa, esta sim, a fora com que Deus favorece a todos os homens de boa vontade para despojar-se do mal e para praticar o bem. XVIII. uma disposio natural em todos ns, a de no nos apercebermos bem de nossos prprios defeitos, vendo mais os defeitos dos outros. O Evangelho ensina: Voc v a palha que est no olho de seu prximo e no v a trave que est no seu. (Cap. X, n. 9 e 10.) XIX. Se os mdicos so mal-sucedidos ao tratar da maior parte das molstias porque tratam do corpo sem tratar da alma. que, se o todo no est em bom estado, ser impossvel que parte dele passe bem. O Espiritismo d a chave das relaes que existem entre a alma e o corpo. Prova que h uma reao incessante de um sobre o outro. Abre assim um campo novo para a Cincia. Revelando a verdadeira causa de certas doenas, d-lhe os meios de as combater. Quando a cincia, portanto, levar em conta a ao do elemento espiritual na sua tcnica de curar, seus insucessos sero menos freqentes. XX. Todos os homens, desde a infncia, fazem mais o mal do que o bem. Esta expresso de Scrates aborda a grave questo da predominncia do mal sobre a Terra. Essa questo insolvel sem o conhecimento da pluralidade dos mundos e da destinao da prpria Terra, habitada que por uma parte mnima da Humanidade. O Espiritismo d-lhe a soluo, que se encontra desenvolvida nesta mesma obra, nos captulos II, III e V. XXI. Ajuizado voc ser, se no supuser saber o que voc ignora.54INTRODUO

Esta vai para os crticos apressados. Dirige-se, como princpio de sabedoria, aos que criticam ao que desconhecem. Plato completa esse pensamento de Scrates, dizendo: Tentemos primeiramente torn-los, se possvel, mais honestos nas palavras. Se isso no conseguirmos, no nos ocupemos mais com eles. Empenhemo-nos to-somente em buscar a verdade. Cuidemos de instruir-nos, sem nos sentirmos injuriados. Os Espritas devem proceder dessa forma diante dos seus contraditores de boa ou de m-f. Se Plato revivesse hoje encontraria as coisas quase no mesmo p das do seu tempo. Poderia, por isso, usar a mesma linguagem que usou. Scrates, por sua vez, voltaria a topar com criaturas que zombariam de sua crena nos Espritos e que o tratariam como se ele fosse louco, dando esse mesmo tratamento a seu discpulo Plato. Por professar esses princpios que Scrates foi ridicularizado, acusado impiedosamente e condenado a beber cicuta. As verdades novas levantam, contra si, os interesses e os preconceitos que elas contrariam e, por isso, no se podem firmar sem fazer mrtires.

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1. No cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; no os vim destruir, mas cumpri-los. Porque, em verdade vos digo que, at que o cu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitir da lei, sem que tudo seja cumprido. (Mateus, captulo 5, versculos 17 e 18. )

MOISS 2. H duas partes distintas na lei mosaica. Uma delas a lei de Deus, promulgada no monte Sinai e, a outra, a lei civil ou disciplinar estabelecida pelo prprio Moiss. A primeira delas invarivel. A segunda, porm, era to-somente apropriada para reger os costumes e as caractersticas do povo hebreu, sendo, portanto, modificada com o tempo. A lei de Deus est contida nos dez mandamentos seguintes: I. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos retirei do Egito, da casa da servido. No tereis outros deuses diante de mim. No fareis imagem esculpida, nem figura alguma do que est em cima do cu, nem embaixo da terra, nem do que se encontra sob a terra. No os adorareis e nem lhes prestareis culto soberano. II. No tomareis em vo o nome do Senhor, vosso Deus. III. Lembrai-vos de santificar o dia do sbado. IV. Honrai o vosso pai e a vossa me, a fim de viverdes longo tempo na terra que o Senhor vos dar.

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V. No mateis. VI. No cometais adultrio. VII. No roubeis. VIII. No presteis testemunho falso contra o vosso prximo. IX. No desejeis a mulher do vosso prximo. X. No cobiceis a casa do vosso prximo, nem o seu asno, nem alguma outra coisa que lhe pertena. Esta Lei de todos os tempos e de todos os pases. Por ser a mesma para todos, tem um carter divino. Todas as demais so leis estabelecidas por Moiss, que se via obrigado a manter, pelo temor, um povo naturalmente turbulento e indisciplinado. Esse povo, que ele retirara do Egito, adquirira, durante o perodo de servido, maus costumes que se enraizaram na sua alma. E ele tinha de combater esses abusos e preconceitos. Para dar autoridade s suas leis, Moiss lhes atribua uma origem divina, assim como faziam os demais legisladores de povos primitivos. L, a autoridade de um homem deveria apoiar-se na de Deus. Contudo, somente a idia de um Deus terrvel podia impressionar homens ignorantes, nos quais o senso moral e sentimento de uma reta justia se encontravam pouco desenvolvidos. Est suficientemente evidente que aquele que transmitira, entre seus mandamentos: No mateis; no causareis dano a vosso prximo, no poderia contradizer-se fazendo da exterminao um dever. As leis mosaicas, propriamente ditas, tinham caractersticas essencialmente transitrias.

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CRISTO 3. Jesus no veio destruir a lei. Ele veio cumprir a lei de Deus, desenvolvendo-a, dando-lhe o seu verdadeiro sentido e a apropriando ao degrau evolutivo alcanado, ento, pelos homens. Por isso que, na base de sua doutrina, Ele estabelece o princpio dos deveres para com Deus e para com o prximo. Quanto s leis civis de Moiss, propriamente ditas, Ele as modifica profundamente, quer quanto ao fundo, quer quanto forma. Combate, tambm constantemente, todos os abusos das prticas exteriores e das falsas interpretaes. Jesus no poderia submet-las a uma reforma mais radical, do que as reduzindo as estas palavras: Amar a Deus acima de todas as coisas e o prximo como a si mesmo e lhes acrescentando: nisto esto toda a lei e os profetas. Quando Jesus disse: At que o cu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitir da lei, sem que tudo esteja cumprido, Ele estava a dizer que era necessrio que a lei de Deus tivesse cumprimento integral. Deveria ser praticada na Terra em toda a sua pureza, com toda a extenso que se lhe possa dar e com todas as suas conseqncias. De que serviria estabelecer aquela lei, se ela viesse a constituirse o privilgio de alguns poucos homens ou mesmo de um simples povo? Todos os homens so filhos de Deus e so, por isso, sem nenhuma distino entre eles, objeto da mesma ateno, da mesma solicitude da parte do Pai Celestial. 4. O papel de Jesus no foi simplesmente o de um legislador moralista, cuja autoridade repousasse exclusivamente em sua prpria palavra. Cabia-lhe cumprir, tambm, as profecias que lhe anunciavam a vinda.58NO VIM DESTRUIR A LEI

A sua autoridade lhe vinha da natureza excepcional de seu Esprito e de sua misso divina. Ele veio fazer com que os homens aprendessem que a verdadeira vida no est sobre a Terra, mas ela se encontra no reino dos cus. Veio ensinar-lhes o verdadeiro caminho que conduz a esse reino; os meios de reconciliar-se com Deus e ensin-los a pressentir no desenvolvimento das coisas futuras o cumprimento dos destinos humanos. Jesus, porm, no pde dizer tudo em seu tempo. Sobre muitos pontos de sua doutrina. Ele pde lanar apenas alguns germes de verdade que, segundo Ele prprio declarou, s poderiam ser compreendidos no futuro. Falou de tudo, mas em termos mais ou menos claros. Para alcanar-lhe o sentido de algumas palavras, fazia-se necessrio que novas idias e novos conhecimentos viessem trazerlhes a chave indispensvel. Estas idias, porm, no poderiam surgir antes que o esprito humano houvesse alcanado um certo grau de maturidade. A cincia deveria contribuir poderosamente para a ecloso e o desenvolvimento de tais idias e, em razo disso, deveria dar-se Cincia o tempo de progredir.

59CAPTULO I

O ESPIRITISMO 5. O Espiritismo a nova cincia que vem revelar aos homens, atravs de provas irrecusveis, a existncia e a natureza do mundo espiritual e as relaes desse mundo espiritual com o mundo corporal. O Espiritismo nos mostra o mundo espiritual, no como uma coisa sobrenatural, mas, ao contrrio, como uma das foras vivas e incessantemente atuantes da natureza. Fenmenos incompreendidos e, por decorrncia, rejeitados e relegados ao domnio do fantstico e do maravilhoso, passam a ter nele uma fonte de esclarecimentos. So essas relaes entre os dois mundos, a que o Cristo faz aluso em muitas circunstncias, que fazem com que muitas das coisas que Ele disse permaneam pouco compreensveis ou sejam falsamente interpretadas. O Espiritismo a chave para explicar tudo de modo fcil. 6. A Lei do Velho Testamento est personificada em Moiss. A do Novo Testamento est personificada em Jesus Cristo. O Espiritismo, porm, como a terceira revelao da lei de Deus, no est personificado em nenhum indivduo. O Espiritismo fruto dos ensinamentos dados, no por um homem, mas pelos Espritos. Estes que so As Vozes do Cu, manifestadas em todos os pontos da Terra, com a colaborao de uma multido inumervel de mdiuns. O Espiritismo , de certo modo, um ser coletivo, formado de seres do mundo espiritual. Estes vieram trazer aos homens a contribuio de suas luzes, para faz-los conhecer este mundo e o destino que lhes est reservado. 7. O mesmo que Cristo disse: No cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; no os vim destruir, mas cumpri-los, dir

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igualmente o Espiritismo: No cuideis que vim destruir a lei crist, mas cumpri-la. Coisa alguma o Espiritismo ensina contrrio ao que ensinou o Cristo. Contudo, o Espiritismo desenvolve, completa e explica, em termos que sejam claros para todo mundo, o que foi dito sob forma alegrica. Vem, portanto, cumprir, no tempo previsto, o que Cristo anunciou, e preparar o cumprimento das coisas futuras. O Espiritismo , por conseqncia, obra do Cristo. , pois, o prprio Cristo a presidir, consoante o que Ele prprio anunciou, regenerao que se opera, preparando a instalao do reino de Deus sobre a Terra.

ALIANA DA CINCIA E DA RELIGIO 8. Cincia e Religio so as duas alavancas da inteligncia humana. Enquanto a primeira revela as leis do mundo material, a segunda revela as leis do mundo moral. Essas leis, porm, vindo de um mesmo princpio, que Deus, no podem contradizer-se entre si. Se elas forem a negao uma da outra, uma estar necessariamente em erro e a outra com a razo, visto que Deus no pode pretender destruir a sua prpria obra. A incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas ordens de idia resulta de um defeito de observao e do excesso de exclusivismo de cada uma das partes. Nasce, portanto, dessa falha humana o conflito que deu origem incredulidade e intolerncia. So chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo devem receber a sua complementao. O vu, lanado intencionalmente sobre parte dos ensinamentos, deve ser levantado. A prpria Cincia, deixando de ser exclusivamente materialista, deve completar-se com o elemento espiritual. A Religio, por outro lado, deixando de rejeitar as leis orgnicas e imutveis da matria, aceitando as duas61CAPTULO I

foras da natureza, onde uma apia a outra, estabelecer o concerto com a Cincia, e ambas se apoiaro mutuamente. A Religio, no mais negada pela Cincia, adquirir uma fora indestrutvel, por colocar-se de acordo com a razo, no mais se opondo lgica irresistvel dos fatos. Cincia e Religio no puderam, at hoje, entender-se. Cada uma examinando as coisas de seu ponto de vista exclusivo, mutuamente se repeliam. Faltava qualquer coisa para preencher o vazio que as separava. Faltava-lhes um trao de unio que as aproximasse. Esse trao de unio est no conhecimento das leis que regem o mundo espiritual e suas relaes com o mundo corporal, leis estas to imutveis quanto aquelas que regulam o movimento dos astros e a existncia dos seres. Essas relaes entre os dois mundos, uma vez constatadas pela experincia, so uma luz nova que se fez: a f dirigiu-se razo e a razo coisa alguma encontrou de ilgico na f. O materialismo est vencido. H pessoas, porm, que param no tempo. Como em todas as coisas, alguns tentam resistir a este posicionamento. Surgem como estranhos diante do movimento geral, tentando opor-lhe resistncia, mas se no o acompanharem sero esmagados pelos fatos. Esta uma revoluo moral que se realiza, trabalhada pelos Espritos. Foi elaborada durante dezoito sculos e a sua realizao marca uma nova era para a Humanidade. As conseqncias desta revoluo moral so fceis de prever. Elas determinaro, nas relaes sociais, inevitveis modificaes, diante das quais ningum conseguir opor-se, porque esto nos desgnios de Deus e nascem da lei do progresso, que uma lei de Deus.

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INSTRUES DOS ESPRITOS: A NOVA ERA 9. Deus um s, nico. Moiss o Esprito que Deus enviou em misso para tornar conhecido o princpio da unicidade divina, no somente dos hebreus, mas tambm de todos os povos pagos. O povo hebreu, aqui, comparece como o instrumento de que Deus se serviu para fazer tal revelao por Moiss e pelos profetas. As prprias dificuldades pelas quais passou o povo hebreu foram para chamar a ateno de todos e, tambm, para fazer cair o vu que ocultava aos homens o domnio desse princpio divino. Os mandamentos de Deus, transmitidos atravs de Moiss, contm o germe da moral que o cristianismo desdobrou. Os comentrios da Bblia, porm, restringiam-lhe o sentido, porque se tivesse iniciado aquele povo em toda a sua pureza, no a teria compreendido. Nem por isso, contudo, os dez mandamentos de Deus deixavam de ser como uma introduo brilhante, como um farol a clarear a Humanidade sobre o caminho que deveria percorrer. A moral ensinada por Moiss era apropriada ao estgio evolutivo daqueles povos. Semi-selvagens, ainda, no tocante ao aperfeioamento da alma, no teriam compreendido que se pudesse adorar a Deus sem ser por meio de holocausto, nem que se devesse perdoar a um inimigo. A inteligncia desse povo, embora notvel do ponto de vista das coisas materiais e, mesmo, das artes e das cincias, estava muito pouco desenvolvida sobre as questes de moralidade. No lhes seria fcil converterem-se sob o domnio de uma religio inteiramente espiritual. Eles eram carentes de uma representao semimaterial. Isso o que lhes ofertava a religio hebraica.

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Os sacrifcios falavam-lhes aos sentidos grosseiros, enquanto que a idia do Deus nico lhes falava ao Esprito. O Cristo foi o iniciador da moral mais pura, da mais sublime. A moral evanglica crist renovar o mundo, aproximando os homens por torn-los irmos uns aos outros, fazendo germinar em todos os coraes a caridade, o amor ao prximo, criando entre todos os homens uma solidariedade comum. Essa moral transformar a Terra. Far do nosso mundo uma morada de Espritos superiores aos que hoje a habitam, porque essa a lei do progresso, a que a natureza est submetida, e que aqui se cumprir. O Espiritismo a alavanca de que Deus se serve para fazer avanar a humanidade. Os tempos so chegados, para que as idias morais fermentem no corao humano, a fim de realizarem os progressos que esto nos desgnios de Deus. Essas idias seguiro a mesma senda que as da liberdade, suas percursoras. No se pense, porm que ser um progresso sem lutas. Elas no dispensam, para atingir a sua maturidade, os abalos e as discusses, a fim de atrair a ateno das massas. Uma vez, contudo, centralizada a ateno das massas, a beleza e a santidade da moral tocaro os espritos. Estes, a, abraaro uma cincia que lhes doe a soluo da vida futura e lhes abra as portas da felicidade eterna. Moiss abriu o caminho; Jesus continuou a obra e o Espiritismo a completar. (Um Esprito israelita. Mulhouse, 1861.) 10. Um dia, Deus, em sua inesgotvel caridade, permitiu ao homem ver a verdade atravessar as trevas. Esse dia foi o advento do Cristo. Aps a Luz viva, voltaram as trevas. O mundo, ferido pelas alternativas de verdade e sombras em que vivia, perdeu-se novamente. Foi quando que, semelhantes aos profetas do Antigo Testamento, os Espritos se puseram a falar e a64NO VIM DESTRUIR A LEI

lhe advertir. O seu mundo, a partir da, est abalado em suas bases e voc ouvir o ribombar dos troves, mas seja firme! O Espiritismo de ordem divina. Ele repousa nas leis da prpria natureza e, guarde certeza, que tudo o que de ordem divina tem um objetivo grande e til. Na verdade, voc sabe que o seu mundo se perdia. A cincia, desenvolvida com o sacrifcio do que seja de ordem moral, conduzindo-o ao encontro do bem-estar material, tornava-se em proveito do esprito das sombras. Voc sabe, como cristo, que o corao e o amor devem marchar unidos Cincia. O reino do Cristo, apesar de passados dezoito sculos, e mesmo com o sangue de tantos mrtires, ainda no veio. Cristos, voltem-se para o Mestre que os quer salvar. Tudo fcil para aquele que cr e ama. O amor o encher de inefvel ventura! Filhos, o mundo est abalado. Os bons Espritos lhes dizem de sobra. Dobrem-se diante da tempestade, a fim de no carem por terra. Preparem-se para que no lhes seja dado imitarem as virgens loucas, que estavam desatentas quando lhes chegou o esposo. A transformao que surge moral e no material. Os grandes Espritos, mensageiros divinos, estimulam a f, para que todos vocs obreiros esclarecidos e ardorosos, faam com que a sua voz humilde seja ouvida. Vocs so minsculos gros de areia, mas sem os gros de areia no se erguem as grandes montanhas. Que a expresso somos pequenos, coisa alguma seja para vocs. A cada um a sua misso e a cada um o seu trabalho. No constri a formiga a sua comunidade e pequenos animaizinhos no elevam continentes? A nova cruzada est comeando.

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Apstolos da paz universal, e no de uma guerra, modernos Bernardos, levantem os olhos e sigam para frente: a lei dos mundos a lei do progresso (Fnelon, Poitiers, 1861). 11. Agostinho um dos grandes divulgadores do Espiritismo. Manifesta-se por quase toda parte. Vamos encontrar a razo dessa sua atividade espiritual de agora, na prpria vida desse grande filsofo cristo. Pertence ele a essa vigorosa falange dos Pais da Igreja, a quem o cristianismo deve seus mais slidos alicerces. Assim como vrios outros, ele foi arrancado do paganismo ou, dizendo melhor, foi arrancado da impiedade mais profunda para o claro da verdade. Quando entregue aos desvarios, sentiu em sua alma uma certa vibrao que o fez voltar-se para si mesmo. Compreendeu, ento, que a felicidade estava alm dos prazeres enervantes e fugidios. No seu caminho de Damasco, ele ouviu a voz santa a lhe gritar: Saulo, Saulo, por que me persegues? e Agostinho clamou: Meu Deus! Meu Deus! perdoai-me, eu creio, sou cristo!. Ele se tornou um dos firmes sustentculos do Evangelho. Voc poder ler, nas marcantes confisses que nos deixou esse eminente Esprito, as palavras caractersticas e profticas ao mesmo tempo, que pronunciou aps a perda de Mnica: Estou convencido de que a minha me, Mnica, voltar a visitar-me e a dar-me conselhos, em me revelando o que nos aguarda na vida futura. Que ensinamentos nessas palavras e que previso brilhante da futura doutrina! Por isso que hoje, vendo chegada a hora para a divulgao da verdade que, no passado, pressentira, ele se faz o seu ardente propagador e se multiplica, por assim dizer, para responder a todos que o chamam. (Erasto, discpulo de Paulo de Tarso, Paris, 1863.) Nota Agostinho, acaso, estaria demolindo aquilo que edificou? Seguramente que no! Como tantos outros, porm,66NO VIM DESTRUIR A LEI

passou a ver com os olhos do esprito aquilo que no via como homem. Sua alma, liberta, entreviu novas luzes. Compreende, agora, o que antes no compreendia. As novas idias lhe revelam a verdade contida em certas expresses. Enquanto encarnado, julgava as coisas segundo os conhecimentos que possua. Mas, to logo uma nova luz o iluminou, pde ajuiz-las mais claramente. Abandonou, por isso, a crena referente a espritos ncubos e scubos e o antema que lanara contra a teoria dos antpodas. Agora que o cristianismo lhe surge com toda a sua pureza, pode ele, sobre certos pontos, repensar diferentemente de quando na vida, sem deixar de ser o apstolo cristo. Ele pde, sem renegar a sua f, fazer-se o propagador do Espiritismo, porque v cumprir as coisas que foram preditas. Com as suas colocaes, faz-nos chegar a uma interpretao mais sbia e mais lgica dos textos. Assim , tambm, com outros Espritos, que se encontram em posio semelhante.

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1. Tornou pois a entrar Pilatos na audincia, e chamou a Jesus e disse-lhe: Tu s o Rei dos judeus? Respondeu Jesus: O meu reino no deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos para que eu no fosse entregue aos judeus. Mas agora o meu reino no daqui. Disse-lhe pois Pilatos: Logo tu s rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que da verdade ouve a minha voz. (Joo, captulo 18, versculos 33, 36 e 37.)

A VIDA FUTURA 2. Jesus indica claramente a vida futura, que Ele apresenta em todas as circunstncias como sendo a meta da Humanidade. O homem dever faz-la o objeto principal de suas preocupaes na Terra. Todas as mximas de Jesus reportam-se a esse princpio. Sem a vida futura, com efeito, a maior parte de seus preceitos morais nenhuma razo teriam. Aos que no crem na vida futura, por parecer-lhes que Ele fala da vida presente, seus preceitos morais no so bem compreendidos ou se tornam pueris. A vida futura o ponto fundamental de sua doutrina, podendo ser considerada o piv dos ensinamentos do Cristo. Por

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tal motivo que a colocamos entre os primeiros lugares desta obra. que a vida futura tem de estar na mira de todos os homens. Somente ela justifica as anomalias da vida terrena e as harmoniza com a Justia Divina. 3. Os judeus tinham idia muito vaga sobre a vida futura. Eles acreditavam nos anjos, quais se fossem seres privilegiados da Criao. No sabiam, porm, que os homens podem tornar-se futuramente anjos e partilhar da felicidade deles. Segundo os judeus, o cumprimento rigoroso das leis de Deus lhes traria como recompensa os bens materiais deste mundo, a supremacia de sua nao, a vitria sobre seus inimigos. Concluam, portanto, que as calamidades pblicas e as derrotas eram conseqncia direta do no cumprimento das leis divinas. Moiss no pudera dizer outra coisa a um povo pastor e ignorante, que deveria ser sensibilizado, antes de tudo, pelas coisas deste mundo. Jesus quem veio, mais tarde, revelar-lhes que existe um outro mundo, onde a justia de Deus segue seu curso. E esse o mundo que promete aos que vivenciam os mandamentos divinos, onde os bons recolhero seus frutos. A vida futura o reino de Jesus. Nesse mundo que se encontra toda a glria e para onde Ele voltaria aps cumprir a sua misso na Terra. Entretanto, a ajustar os seus ensinamentos ao degrau evolutivo dos homens na poca em que lhes falava, no pde dar-lhes completamente a luz, que poderia ofusc-los, visto que eles no o compreendiam. Jesus limitou-se, portanto, a apresentar a vida futura em traos ligeiros, como uma lei da natureza da qual ningum pode escapar. Hoje, porm, todo cristo forosamente cr na vida futura, embora muitos faam dela uma idia vaga e incompleta e, por isso mesmo, falsa em muitos pontos.69CAPTULO II

Para muita gente, porm, a vida futura no mais que uma crena, sem certeza absoluta e, por isso, alimentam-se de dvidas e mesmo de incredulidade. O Espiritismo veio completar esse princpio, assim como muitos outros dos ensinamentos do Cristo, no momento em que os homens alcanaram maturidade para compreender a verdade. Com o Espiritismo, a vida futura no , simplesmente, um artigo de f, um dogma ou mera hiptese. uma realidade demonstrada pelos fatos. So as prprias testemunhas oculares que a descrevem em todas as suas fases e em todas as suas particularidades. Excluem, pois, todas as dvidas. Permite-se, assim, que at a mais vulgar inteligncia possa imagin-la em seus verdadeiros aspectos, da mesma forma que se poder imaginar um determinado pas do qual se leu uma descrio detalhada. A descrio da vida futura, no Espiritismo, minuciosa. As condies da existncia feliz ou infeliz, relatadas pelos que nela se encontram, so to racionais que qualquer um termina por concordar que no poderia ser de outra forma e que essa vida futura bem representa a Justia Divina.

A REALEZA DE JESUS 4. O reino de Jesus no deste mundo. Se todos compreendem que o seu reino no deste mundo, no ter Jesus, sobre a Terra, tambm uma realeza? O ttulo de rei no implica, necessariamente, o exerccio de um poder temporal. Esse ttulo atribudo, tambm, por um consenso unnime, a todo aquele que, pelo seu gnio, alcana o primeiro lugar numa ordem de idias, quaisquer sejam elas. ttulo

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dado aos que dominam seu sculo e influem sobre o progresso da Humanidade. nesse sentido que se diz: o rei ou prncipe dos filsofos, dos artistas, dos poetas, dos escritores etc. Essa realeza, nascida do mrito pessoal, consagrando a personalidade para a posteridade, no revela uma realeza bem maior do que aquela de quem porta uma coroa real? A realeza do mrito permanente. A realeza, contudo, que decorre de uma coroa real, essa est sujeita a um jogo de circunstncias, tanto que as geraes futuras podero bendizer a primeira e maldizer a se