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3 A evolução da Cooperação Técnica Internacional no Brasil The evolution of international technical cooperation in Brazil FERNANDO JOSÉ MARRONI DE ABREU i1 Resumo: O artigo apresenta a trajetória da cooperação internacional na política externa brasileira. Faz uma breve apresentação de sua evolução e de suas instituições. Apresenta reflexões sobre o vínculo entre a política externa brasileira e a cooperação técnica. Em seguida, concentra-se na cooperação sul-sul e no papel da Agência Brasileira de Cooperação em sua implementação; a cooperação técnica recebida pelo Brasil; assim como para a cooperação técnica triangular. O artigo fornece dados sobre iniciativas brasileiras. Palavras-chaves: cooperação sul-sul, cooperação técnica internacional, cooperação entre países em desenvolvimento, política externa brasileira. Abstract: The article features the trajectory of international cooperation in Brazilian foreign policy by offering a brief presentation on its evolution and its institutions. After providing information about the role of international technical cooperation within Brazilian foreign policy, the author focus on South-South cooperation and the role of the Brazilian Cooperation Agency, ABC in Portuguese) in implementing such policies; Brazil as a receiver of technical cooperation; as well as triangular technical cooperation. The article presents recent data about Brazilian experience as both donor and recipient of international cooperation. Keywords: south-south cooperation, international technical cooperation, cooperation between developing countries, Brazilian foreign policy. 1. Histórico Apesar de dicotômicas, a essência de sentimentos de cooperação, de um lado, e competição, de outro, estão na origem da humanidade. São conceitos básicos na evolução do homem e também fundamentam os alicerces das diversas civilizações no curso da história. A cooperação, ainda que incipiente e afetada por vários tipos de disputas, garantiu a sobrevivência da espécie humana. Em termos sociológicos, por cooperação entende-se o tipo particular de processo social em que dois ou mais indivíduos ou grupos atuam em conjunto para a consecução de um objetivo comum. É, portanto, requisito especial e indispensável para a manutenção e continuidade dos grupos e sociedades. Cabe lembrar que Durkheim entendia a cooperação como fundamento das ligações sociais, no nível da solidariedade mecânica própria das sociedades arcaicas (associa os indivíduos com competências e crenças semelhantes) ou da solidariedade orgânica das sociedades modernas (cada indivíduo, dependendo do trabalho de outrem, encontra-se organicamente ligado ao todo social). i1 Diretor Geral da Agência Brasileira de Cooperação/Ministério das Relações Exteriores, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em 23 de outubro de 2013 Received on October 23, 2013 DOI 10.12957/rmi.2013.8372

Evolução da Cooperação Técnica do Brasil (out-2013)

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    A evoluo da Cooperao Tcnica Internacional no Brasil

    The evolution of international technical cooperation in Brazil

    FERNANDO JOS MARRONI DE ABREUi1

    Resumo: O artigo apresenta a trajetria da cooperao internacional na poltica externa

    brasileira. Faz uma breve apresentao de sua evoluo e de suas instituies. Apresenta

    reflexes sobre o vnculo entre a poltica externa brasileira e a cooperao tcnica. Em

    seguida, concentra-se na cooperao sul-sul e no papel da Agncia Brasileira de

    Cooperao em sua implementao; a cooperao tcnica recebida pelo Brasil; assim

    como para a cooperao tcnica triangular. O artigo fornece dados sobre iniciativas

    brasileiras.

    Palavras-chaves: cooperao sul-sul, cooperao tcnica internacional, cooperao entre

    pases em desenvolvimento, poltica externa brasileira.

    Abstract: The article features the trajectory of international cooperation in Brazilian

    foreign policy by offering a brief presentation on its evolution and its institutions. After

    providing information about the role of international technical cooperation within

    Brazilian foreign policy, the author focus on South-South cooperation and the role of the

    Brazilian Cooperation Agency, ABC in Portuguese) in implementing such policies;

    Brazil as a receiver of technical cooperation; as well as triangular technical cooperation.

    The article presents recent data about Brazilian experience as both donor and recipient of

    international cooperation.

    Keywords: south-south cooperation, international technical cooperation, cooperation

    between developing countries, Brazilian foreign policy.

    1. Histrico

    Apesar de dicotmicas, a essncia de sentimentos de cooperao, de um lado, e

    competio, de outro, esto na origem da humanidade. So conceitos bsicos na evoluo

    do homem e tambm fundamentam os alicerces das diversas civilizaes no curso da

    histria. A cooperao, ainda que incipiente e afetada por vrios tipos de disputas,

    garantiu a sobrevivncia da espcie humana. Em termos sociolgicos, por cooperao

    entende-se o tipo particular de processo social em que dois ou mais indivduos ou grupos

    atuam em conjunto para a consecuo de um objetivo comum. , portanto, requisito

    especial e indispensvel para a manuteno e continuidade dos grupos e sociedades. Cabe

    lembrar que Durkheim entendia a cooperao como fundamento das ligaes sociais, no

    nvel da solidariedade mecnica prpria das sociedades arcaicas (associa os indivduos

    com competncias e crenas semelhantes) ou da solidariedade orgnica das sociedades

    modernas (cada indivduo, dependendo do trabalho de outrem, encontra-se organicamente

    ligado ao todo social).

    i1Diretor Geral da Agncia Brasileira de Cooperao/Ministrio das Relaes Exteriores, Brasil.

    E-mail: [email protected]

    Recebido em 23 de outubro de 2013

    Received on October 23, 2013

    DOI 10.12957/rmi.2013.8372

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    J a ideia de se promover aes de cooperao tcnica

    internacional bem mais recente, remontando ao incio

    do sculo passado. No momento da criao da Liga das

    Naes, em 1919, cogitou-se o uso da cooperao

    entre pases como instrumento de manuteno da paz e

    da segurana. No entanto, somente aps a II Guerra

    Mundial, a esta ideia ultrapassaria o discurso e levaria

    a aes concretas. Por um lado, havia a necessidade de

    reconstruir os pases afetados pelo conflito. De outro,

    as maiores economias da poca entenderam que a

    promoo do progresso social e econmico dos pases

    menos desenvolvidos - muitos inclusive em fase de

    independncia - era fator essencial para se lograr a

    estabilidade do sistema internacional. Subjacente a

    este cenrio, estava tentativa de manter e reforar o

    capitalismo na disputa pela hegemonia com o

    socialismo e as esferas de influncia num regime em

    que as estruturas imperialistas antes vigentes

    comearam a ruir.

    O Brasil no se manteve alheio nesse cenrio. Logo

    adotou a prtica, inicialmente como receptor de

    cooperao de pases desenvolvidos e de organismos

    internacionais. Registra-se no pas a primeira iniciativa

    de sistematizar a recepo de assistncia tcnica

    internacional ocorrida em 1950, com a criao da

    Comisso Nacional de Assistncia Tcnica (CNAT),

    composta por representantes da Secretaria de

    Planejamento da Presidncia da Repblica, do

    Ministrio das Relaes Exteriores e de ministrios

    setoriais. Buscava-se, assim, decidir a prioridade e a

    relevncia das solicitaes de instituies brasileiras de

    ajuda tcnica estrangeira. Dentre as competncias

    legais da CNAT encontravam-se os estudos relativos

    participao do Brasil em programas de assistncia

    tcnica das Naes Unidas e da Organizao dos

    Estados Americanos.

    Nessas primeiras dcadas de intercmbio, o foco da

    cooperao centrou-se no apoio estruturao de

    instituies pblicas federais e entidades nacionais

    especializadas em reas ento consideradas

    estratgicas para a economia nacional. So exemplos a

    Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

    (Embrapa), a Telecomunicaes Brasileiras S.A.

    (Telebrs), o Instituto Nacional de Propriedade

    Industrial (INPI), o Departamento de Aviao Civil

    (DAC) e o Servio Nacional de Aprendizagem

    Industrial (Senai), que contaram com o apoio de

    consultores internacionais e com a doao de

    equipamentos para capacitao de recursos humanos

    (criando, desta maneira, massa crtica de especialistas)

    e ampliao de suas infraestruturas tcnicas. Nessa

    poca, os programas de cooperao tcnica eram

    fundamentalmente financiados por recursos externos.

    A cooperao prestada pelo Brasil ao exterior, por sua

    vez, era muito reduzida.

    Durante a dcada de 1960 foi realizada uma ampla

    reforma do Sistema de Cooperao Tcnica, com

    vistas a dar soluo s limitaes estruturais de

    coordenao da CNAT e enfrentar a crescente

    complexidade resultante do volume de cooperao.

    Com o expressivo volume de recursos externos postos

    disposio das instituies brasileiras de ensino e de

    pesquisa, tornou-se necessrio fortalecer o sistema e

    adequar a demanda s diretrizes e prioridades definidas

    nos Planos Nacionais de Desenvolvimento. As

    competncias bsicas de cooperao tcnica

    internacional (i.e. planejamento, negociao,

    coordenao, execuo, acompanhamento e avaliao)

    foram poca centralizadas na Subsecretaria de

    Cooperao Econmica e Tcnica Internacional

    (Subin) da Secretaria de Planejamento da Presidncia

    da Repblica (Seplan) e na Diviso de Cooperao

    Tcnica do Ministrio das Relaes Exteriores (MRE).

    No obstante a referida reforma ter significado avano

    sensvel na gesto da cooperao tcnica internacional

    no mbito do Governo brasileiro verificou-se

    novamente, na dcada de 1980, a necessidade de

    reavaliao de todo o sistema. Vrios elementos,

    internos e externos, contribuam para isso. Na dcada

    de 70, o acmulo de experincias positivas dos pases

    em desenvolvimento passveis de serem transferidas

    para outros pases com realidades semelhantes fez com

    que as Naes Unidas desenvolvessem e fomentassem

    o conceito de cooperao tcnica entre pases em

    desenvolvimento (CTPD), em contraponto

    cooperao Norte-Sul. Em 1974, foi criada a

    Unidade Especial para CTPD do PNUD, visando

    promoo dessa modalidade de cooperao. Em 1978,

    as diretrizes elaboradas foram propostas na

    Conferncia das Naes Unidas sobre Cooperao

    Tcnica entre Pases em Desenvolvimento e suas

    recomendaes aprovadas na forma do Plano de Ao

    de Buenos Aires.

    No contexto brasileiro, teve incio, a partir dos anos

    1980, um trabalho efetivo de estruturao da

  • 5

    cooperao tcnica prestada pelo Brasil a outros pases

    em desenvolvimento. Para tanto, o Governo brasileiro

    optou por extinguir tanto a Subin quanto a Diviso de

    Cooperao Tcnica do Itamaraty para criar, em 1987,

    a Agncia Brasileira de Cooperao (ABC),

    subordinada ao Ministrio das Relaes Exteriores.

    Por ocasio de sua criao, definiu-se que a ABC

    atuaria exclusivamente em cooperao tcnica. Outras

    modalidades de cooperao brasileira ao exterior, a

    exemplo das vertentes financeira, educacional,

    humanitria e cultural foram atribudas a outros rgos

    do Governo brasileiro. Os programas de cooperao

    tcnica aprovados e coordenados pela ABC incluem

    desde a cooperao entre pases em desenvolvimento

    como a recebida do exterior, seja em mbito bilateral

    (entre o Brasil e outros pases) ou multilateral (entre o

    Brasil e organismos internacionais). O principal

    elemento de inovao na criao da ABC foi, todavia,

    oferecer ao Governo brasileiro um instrumento

    eficiente para a promoo da cooperao Sul-Sul,

    expresso que se difundiu para designar a cooperao

    entre pases em desenvolvimento. Dotou-se, assim, o

    pas de um rgo especializado em cooperao tcnica

    internacional, que unificava as funes tcnicas pauta

    da poltica externa brasileira.

    De 1987 at hoje, a estrutura organizacional da ABC

    permanece basicamente a mesma: uma diretoria, trs

    reas finalsticas (cooperao Sul-Sul; cooperao

    recebida multilateral e cooperao recebida bilateral) e

    uma unidade responsvel pela administrao e

    oramento. No caso da cooperao Sul-Sul, os

    trabalhos so assim divididos entre uma unidade

    responsvel pelos programas com a Amrica Latina e

    Caribe; duas unidades responsveis pelos programas

    com pases africanos; e uma unidade responsvel pelas

    relaes de cooperao com o Mercosul e organismos

    de mbito regional interamericano ou ibero-americano.

    Os programas de cooperao Sul-Sul com pases da

    sia, Oceania, Oriente Mdio e Europa do Leste so

    tratados em sub-unidades dentro das unidades

    principais. As coordenadorias vinculadas cooperao

    tcnica multilateral e bilateral recebida do exterior no

    so desdobradas em sub-unidades.

    2. Poltica Externa Brasileira e diretrizes da

    Cooperao Tcnica

    A poltica externa brasileira tem dimenso global,

    embora confira nfase s relaes mantidas com as

    naes com as quais tem um patrimnio histrico,

    lingustico, cultural e tnico comum. Nesse arcabouo

    e em razo do extenso acervo de conhecimentos e de

    experincias disponveis em inmeras instituies

    nacionais, bem como luz da capacidade brasileira de

    criar solues inovadoras para problemas que se

    reproduzem em outros pases em desenvolvimento, a

    cooperao tcnica brasileira compartilhada com

    pases em desenvolvimento tem-se consolidado como

    um significativo instrumento de correo de

    assimetrias sociais e econmicas. A agenda de

    cooperao brasileira evoluiu de forma a refletir essa

    consolidao e contribuiu para reafirmao da

    cooperao tcnica coordenada pela Agncia Brasileira

    de Cooperao (ABC) como instrumento fundamental

    da poltica externa brasileira. Nesse contexto, a ABC

    tem feito da cooperao entre pases em

    desenvolvimento a pedra angular de poltica de

    cooperao tcnica internacional do Governo

    brasileiro.

    A cooperao recebida pelo Brasil do exterior gerou,

    nos ltimos sessenta anos, resultados positivos para o

    pas, uma vez que proporcionou a transferncia de

    conhecimentos para o fortalecimento institucional de

    diversos rgos pblicos, o avano de programas

    inovadores na rea ambiental e a modernizao do

    setor produtivo. No entanto, observe-se que o nvel de

    desenvolvimento econmico e social alcanado pelo

    Brasil levou-o a se afastar dos critrios internacionais

    de elegibilidade para recebimento da chamada "ajuda

    oficial ao desenvolvimento". Os programas de

    cooperao recebida do exterior, sejam estes bilaterais

    ou multilaterais, seguem tendncia de retrao.

    Se no depende mais de cooperao em larga escala - o

    que no quer dizer que h pouco a fazer para o Brasil

    se desenvolver - o Governo brasileiro percebe,

    entretanto, que deve retribuir a colaborao recebida

    prestando assistncia a outros pases da mesma

    maneira como foi ajudado. Se verdade que o Brasil

    ainda no tem o padro de vida dos pases

    desenvolvidos, tampouco essa limitao o impede de

    ajudar, pois acumulou muito conhecimento para

    transferir e larga experincia sobre como faz-lo,

    justamente pela cooperao que recebeu ao longo das

    ltimas dcadas e pelos aspectos positivos e negativos

    que notou nesse processo.

  • 6

    O Brasil tem feito grandes esforos para implementar e

    divulgar a modalidade de cooperao Sul-Sul, balizada

    fundamentalmente pela misso de contribuir para o

    adensamento de suas relaes com os pases em

    desenvolvimento. Essa cooperao inspirou no

    conceito de diplomacia solidria, prtica na qual o

    Brasil coloca disposio de outros pases em

    desenvolvimento as experincias e conhecimentos de

    instituies especializadas nacionais, com o objetivo

    de colaborar na promoo do progresso econmico e

    social de outros povos. Ao prover cooperao, o Brasil

    tem particular cuidado em atuar com base nos

    princpios do respeito soberania e da no-interveno

    em assuntos internos de outras naes. Sem fins

    lucrativos e desvinculada de interesses econmicos e

    comerciais, a cooperao Sul-Sul do Brasil pretende

    compartilhar nossos xitos e melhores prticas nas

    reas demandadas pelos pases parceiros, sem

    imposies ou condicionalidades polticas. O objetivo

    ltimo do Brasil o desenvolvimento integral dos

    parceiros, capaz de impulsionar mudanas estruturais

    em suas economias, levando a um crescimento

    sustentvel que garanta, igualmente, maior incluso

    social e respeito ao meio ambiente.

    A troca de experincias e de conhecimentos que

    materializa o sentimento de solidariedade recproca

    entre os povos, certamente beneficia no somente os

    pases parceiros das instituies cooperantes

    brasileiras, mas tambm essas ltimas, j que nesse

    processo no h ator que saiba tanto que no tenha

    algo a aprender, nem to pouco que no tenha algo a

    ensinar. Os mecanismos de cooperao, em funo de

    sua neutralidade e do empenho dos profissionais que

    deles participam, demonstram que sempre possvel

    realizar atividades de elevado contedo

    socioeconmico mesmo em contextos desafiadores em

    termos polticos, econmicos ou sociais, desde que

    haja disposio e vontade poltica. A poltica de

    cooperao tcnica do Governo brasileiro em suas

    relaes com pases em desenvolvimento busca

    distinguir-se pelo compromisso em identificar e

    conceber, de forma conjunta com o pas-parceiro,

    iniciativas que promovam mudanas estruturais,

    ancoradas no desenvolvimento efetivo de capacidades

    locais, orientao que fortalece o exerccio da

    apropriao e potencializa a auto-estima dos

    beneficirios diretos dos programas e projetos.

    Para atingir esses objetivos da cooperao Sul-Sul do

    Brasil, o rgo do Governo responsvel pela

    cooperao, a Agncia Brasileira de Cooperao do

    Ministrio das Relaes Exteriores procurou

    implementar, numa vertente, orientao "estruturante"

    para seus programas/projetos, ou seja, aes que

    pudessem desenvolver capacidades individuais e

    institucionais com resultados sustentveis nos pases

    beneficiados, em contraposio atuao tradicional

    de projetos pontuais, cujos impactos so via de regra

    mais localizados. Os projetos estruturantes oferecem

    diversas vantagens: aumenta-se o impacto social e

    econmico sobre o pblico-alvo da cooperao; logra-

    se assegurar maior sustentabilidade dos resultados dos

    programas/projetos; facilita-se a mobilizao de

    instituies brasileiras para a implementao de

    diferentes componentes dos programas/projetos; bem

    como cria-se espao para a mobilizao de parcerias

    triangulares com outros atores internacionais. No

    entanto, apresentam a limitao do seu relativo elevado

    custo, caracterstica que exige seguidos incrementos

    oramentrios para garantir sua implementao.

    A limitao de recursos oramentrios quando da etapa

    em que o Brasil comeou a prestar sistematicamente

    cooperao, na dcada de 1980, imps restries em

    termos das modalidades operacionais que poderiam ser

    adotadas. A partir das capacidades ento disponveis, a

    ABC buscou identificar mecanismos que permitissem

    otimizar a mobilizao de recursos humanos e

    materiais do pas para o exterior. O resultado desses

    esforos alcanou um sucesso to evidente que

    fortaleceu a percepo de que deveria seguir um

    caminho diferente dos pases doadores tradicionais. A

    adoo, pelo Brasil, de princpios e de prticas de

    cooperao internacional especificamente talhadas

    para as realidades e expectativas dos pases em

    desenvolvimento contribuiu, junto com aes

    semelhantes conduzidas por outros pases da Amrica

    Latina, frica e sia, para a consolidao da

    cooperao Sul-Sul como um dos principais

    mecanismos de promoo do desenvolvimento em

    mbito global. Assim, a cooperao Sul-Sul no ,

    nesse sentido, uma extenso da cooperao Norte-Sul

    por outros meios. Portanto, ainda que o Governo

    pudesse dotar a ABC com oramentos maiores que lhe

    permitissem agir com mais eficincia em face da

    cooperao crescente, o Brasil no tem pretenso de se

    tornar um pas doador no mbito da cooperao

  • 7

    internacional para o desenvolvimento, dada as

    diferenas de enfoque e de prtica entre as

    modalidades Norte-Sul e Sul-Sul, de um lado, e a

    limitao de recursos, por outro.

    Os custos da cooperao brasileira conseguem ser

    reduzidos sem que se perca efetividade, principalmente

    porque os tcnicos responsveis so cedidos, em geral,

    por instituies governamentais. Esses profissionais

    proporcionam assessoria tcnica qualificada sem que a

    ABC tenha que suportar gastos adicionais ao salrio

    pelo servio prestado, evitando que a Agncia tenha

    que arcar com o que h de mais caro na cooperao, o

    trabalho de especialistas, normalmente remunerados

    como consultores em outras modalidades de

    cooperao. A economia gerada com o uso de

    profissionais vinculados ao setor pblico nacional

    permitiu, inclusive, que a ABC financiasse projetos de

    maior envergadura, com aquisio de bens, materiais,

    servios e mesmo a adequao de infraestruturas

    fsicas.

    A cooperao Sul-Sul tem crescido constantemente e,

    no obstante constar da agenda diplomtica dos pases

    em desenvolvimento desde a dcada de 1960, seu

    volume e o impacto de seus resultados ganharam novo

    flego somente na ltima dcada. Os ganhos do Brasil

    com a cooperao entre pases em desenvolvimento

    so muitas vezes ignorados, sob o argumento de que h

    muito a fazer no plano interno, dadas as desigualdades

    internas do Pas. Entretanto, luz dos benefcios que a

    cooperao horizontal pode gerar no longo prazo em

    termos de ampliao do acervo de experincias de

    instituies e de especialistas brasileiros, alm da

    prpria imagem do pas no exterior como nao

    comprometida com os ideais de desenvolvimento,

    pode-se notar que h um extenso espao a ser

    desbravado. Somente a aprendizagem dos tcnicos que

    a prestam j seria resultado suficientemente vantajoso

    para justificar a ampliao da cooperao tcnica Sul-

    Sul, ressaltando-se ser um processo de custos

    limitados. Mais importantes so, no entanto, a

    contribuio brasileira para a valorizao da

    solidariedade como mecanismo de desenvolvimento

    global entre pases em desenvolvimento e a

    diversificao e adensamento das relaes

    internacionais do pas, instrumentos da maior

    relevncia para a poltica externa do pas.

    No esteio do crescimento da cooperao tcnica

    bilateral brasileira em parceria com pases em

    desenvolvimento, o Brasil tem igualmente investido

    em um novo caminho, o da cooperao triangular. A

    cooperao triangular permite potencializar a

    cooperao tcnica Sul-Sul bilateral clssica e deve ser

    entendida como ao complementar mesma. Na

    triangulao, congregam-se, de um lado, as vantagens

    comparativas do Brasil em termos de afinidade

    cultural, diversidade tnica, solidariedade e a

    existncia de tecnologias melhor adaptadas s

    realidades de outros pases e, de outro lado, as

    vantagens comparativas dos pases doadores

    tradicionais (recursos financeiros, estrutura logstica

    etc.) ou a experincia acumulada e os conhecimentos

    especficos das organizaes internacionais.

    3. Cooperao Sul-Sul

    Conforme mencionado, no mbito das relaes

    internacionais entre pases em desenvolvimento, a

    cooperao horizontal ou Sul-Sul consolidou-se como

    eficiente ferramenta de disseminao,

    compartilhamento e de adaptao de conhecimentos,

    tecnologias e experincias de desenvolvimento.

    Na viso do Governo brasileiro, a troca de

    experincias materializa o sentimento de solidariedade

    e responsabilidade entre os povos, favorecendo todas

    as partes envolvidas. Sem fins lucrativos e

    desvinculada de interesses comerciais, a cooperao

    tcnica mantida entre o Brasil e outros pases em

    desenvolvimento busca compartilhar suas melhores

    prticas nas reas demandadas por outras naes. Para

    atingir esse objetivo de aprimoramento das

    instituies, a ABC lana mo de uma srie de

    estratgias que foram sendo desenvolvidas ao longo

    das mais de trs dcadas de sua existncia. Acima de

    tudo, mantm contato frequente com vrios rgos

    governamentais, organismos internacionais e entidades

    da sociedade civil organizada, com inteno de

    aumentar a eficcia de seus projetos, com grande

    diversidade temtica, conforme demonstrado no

    diagrama abaixo.

  • 8

    Durante algum tempo a principal estratgia da ABC foi

    priorizar o que se convencionou nomear projetos

    estruturantes por visarem criao e estruturao de

    instituies para capacitao de mo-de-obra em reas

    deficientes nos pases que demandavam essa

    cooperao. A ideia, aplicada pela primeira vez em

    Angola e no Paraguai, com a instalao de Centros de

    Formao de Profissionais em parceria com o Servio

    Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), foi to

    bem sucedida que a ABC concluiu para pertinncia de

    tornar essa experincia numa poltica sistemtica.

    Entre tais projetos, ressaltam-se a instalao de

    unidades demonstrativas de cultivo de algodo no Mali

    (iniciativa "Cotton-4", que abrange tambm o Chade,

    Benin e Burkina Faso), o projeto de rizicultura no

    Senegal (ao que se estender ao Mali e Guin

    Bissau), o programa de segurana alimentar no Haiti, a

    previso de 11 Centros de Formao Profissional do

    Senai (sendo 5 j em operao no Timor-Leste,

    Paraguai, Cabo Verde, Guatemala e Guin Bissau e a

    previso de 6 novas unidades no Haiti, Bolvia,

    Moambique, Colmbia, Jamaica e So Tom e

    Prncipe, devendo estes dois ltimos serem

    inaugurados ainda em 2013) e o Programa trilateral

    Pr-Savana em Moambique. Ainda no Haiti, caberia

    registrar a implantao de Unidades de Pronto-

    Atendimento e o estabelecimento do Instituto Haitiano

    de Reabilitao de Pessoas com Deficincia. Em Gana,

    a ABC apoiou os trabalhos iniciais para a construo

    de um hemocentro para tratar a anemia falciforme. Na

    Guin-Bissau, caberia registrar o Centro de Formao

    de Policiais, com apoio da Polcia Federal brasileira,

    com as atividades suspensas em funo da situao

    poltica no pas.

    Os esforos para cumprir compromissos pelo Governo

    brasileiro junto a pases em desenvolvimento e a sua

    efetiva implementao permitiram aumentar em 10

    vezes o volume anual de desembolsos dos recursos

    oramentrios da Agncia. Logrou-se saltar de uma

    mdia de US$ 3 milhes no trinio anterior a 2009

  • 9

    para uma mdia de US$ 28 milhes no trinio 2009-

    2011, em 2012 para US$ 16,5 milhes e alcanando

    em setembro de 2013 uma carteira total de

    aproximadamente US$ 122 milhes em projetos em

    execuo e negociao. Ademais, ampliou-se em mais

    de 4 vezes o nmero de pases em desenvolvimento

    beneficirios da cooperao brasileira, que

    correspondiam a cerca de 21 pases h onze anos atrs

    para abranger 98 pases no momento presente, dos

    quais 43% na frica, 31,5% na Amrica Latina e

    Caribe e 25,5% nas demais regies geogrficas.

    INICIATIVAS DO BRASIL DE COOPERAO TCNICA SUL-SUL

    EXERCCIOS 2008 2009 2010 2011 2012 2013

    Atividades Isoladas executadas 164 323 354 345 203 61

    Projetos iniciados 91 94 153 102 70 28

    TOTAL 255 417 507 447 273 89

    Execuo financeira da cooperao tcnica Sul-Sul:

    EXERCCIO Execuo em US$

    2006 5.270.000

    2007 3.580.000

    2008 6.320.000

    2009 19.000.000

    2010 36.210.000

    2011 26.000.000

    2012 16.458.000

    2013 (at setembro) 8.355.000

    Obs: Execuo entre 2008 e 2013: 112.343.000

  • 10

    4. Cooperao tcnica recebida do exterior

    Instituies brasileiras so beneficirias de cooperao

    tcnica internacional multilateral e bilateral. A

    primeira vertente formada pela cooperao com uma

    organizao internacional; a segunda, com um pas

    desenvolvido. Em termos gerais, a cooperao tcnica

    recebida do exterior tem como objetivo a acelerao do

    processo de desenvolvimento social e econmico

    nacional, a partir da capacitao de instituies

    nacionais nos trs nveis da federao, via

    transferncia de tecnologia e de conhecimento.

    Privilegia-se, nesse sentido, o acesso a conhecimentos

    e prticas ainda no dominadas pelo pas. Do lado

    brasileiro, as instituies nacionais oferecem, como

    contrapartida aos consultores do exterior,

    infraestrutura, equipamentos e recursos humanos para

    a viabilizao da cooperao. Cabe ressaltar que aes

    de cunho assistencial ou de reforo oramentrio direto

    a servios pblicos no so elegveis para fins de

    cooperao tcnica no Brasil, ao contrrio do que

    ocorre em pases menos desenvolvidos. Na vertente

    multilateral, a maioria absoluta dos programas e

    projetos auto-financiada pelas instituies nacionais,

    dada a limitao do acesso a recursos internacional

    pelo Brasil, em funo do seu atual nvel de

    desenvolvimento econmico.

    4.1. Cooperao Tcnica Recebida Multilateral

    Na cooperao recebida multilateral, os projetos

    contemplam concepo conjunta de novas experincias

    e conhecimentos entre o Brasil e uma organizao

    internacional. Assegura-se a aplicao dos princpios

    de neutralidade e universalidade que balizam a atuao

    dos organismos internacionais, responsveis por

    disseminar os frutos da cooperao internacional. A

    execuo de projetos e demais atividades nessa

    modalidade de cooperao envolve aporte de insumos

    tcnicos e financeiros mobilizados por um organismo

    internacional e por instituies nacionais, ou de fundos

    internacionais canalizados por uma das partes

    envolvidas.

    Os programas de cooperao tcnica com organismos

    internacionais tm sido instrumentais para apoiar

    programas inovadores do Governo brasileiro. A rea

    multilateral da ABC atua como contraparte

    governamental de 25 organismos internacionais e com

    a Unio Europeia para programas e projetos de

    cooperao tcnica. Dentre os principais temas

    cobertos por essas parcerias, caberia ressaltar:

    fortalecimento da gesto pblica, meio ambiente,

    desenvolvimento social, gerao de emprego e renda

    em reas urbanas e rurais, educao, sade, direitos

    humanos, desenvolvimento agrrio e segurana

    pblica, dentre outros. Entre fins de 2008 e meados de

    2013, foram aprovados cerca de 300 novos projetos

    junto a organismos internacionais, bem como

    negociados mais de 800 aditivos e/ou revises nos

    projetos j em implementao, atendendo a quase uma

    centena de instituies pblicas dos nveis federal,

    estadual e municipal, alm da sociedade civil e do

    setor produtivo. Os desembolsos anuais do conjunto

    dos programas de cooperao tcnica multilateral entre

    2008 e 2012 encontram-se discriminados no quadro

    abaixo.

    Exerccio: 2008 2009 2010 2011 2012

    Desembolsos

    totais (em US$

    milhes)

    332.0 255.0 340.0 280.0 256.0

    Em virtude da graduao do Brasil nas classificaes

    de diversas organizaes internacionais em funo do

    crescimento econmico do pas, tem se verificado, na

    ltima dcada, uma tendncia declinante de acesso a

    recursos externos para o financiamento de programas

    de cooperao tcnica. A atual conjuntura pode ser

    traduzida por uma situao de transio do modelo de

    cooperao com organismos internacionais no pas. De

    um lado, observa-se a diminuio progressiva dos

    antigos grandes programas de cooperao tradicional

    e, de outro lado, cresce o nmero de parcerias

    trilaterais, nas quais o Brasil se associa a organismos

    internacionais para prover cooperao a outros pases

    em desenvolvimento. Atualmente, a ABC mantm

    parcerias triangulares com a OIT, PNUD, FAO, PMA,

    FNUAP, OTCA, UNODC, IICA, Unesco, OMPI e

    Segib. Outros organismos internacionais vm

    mantendo contatos com a ABC com vistas a discutir

    possibilidades de parcerias triangulares. Observe-se

    que, na grande maioria dos casos envolvendo parcerias

    trilaterais, o Brasil assume a responsabilidade pela

    parte principal do financiamento dos respectivos

    projetos.

  • 11

    Apesar da reduo da cooperao tcnica multilateral

    que ocorre no pas desde meados da primeira dcada

    do sculo XXI, o Governo brasileiro mantm o

    interesse em continuar a celebrar programas e projetos

    com organismos internacionais. Busca, desta maneira,

    aprimorar a relao de trabalho e adequ-la ao atual

    nvel de desenvolvimento do Brasil. No h inteno

    do Governo brasileiro de promover uma ruptura nas

    relaes de cooperao com organismos

    internacionais. A reduo do nmero de projetos e dos

    seus respectivos oramentos resultado natural desse

    processo de focalizao da cooperao em aes com

    maior valor agregado e com menor volume de

    componentes operacionais. Em linha com a posio

    brasileira de valorizar o multilateralismo, a renovao

    dos programas de cooperao tcnica com organismos

    internacionais vista pelo Governo brasileiro como

    uma oportunidade de instituies nacionais e de

    organismos internacionais desenvolverem, em

    conjunto, novas ideias e solues para os desafios ao

    desenvolvimento, tanto em benefcio dos prprios

    cidados brasileiros como tambm em benefcio de

    terceiros pases, usando-se como instrumento a

    cooperao trilateral.

    4.2. Cooperao Tcnica Recebida Bilateral

    A cooperao tcnica recebida bilateral refere-se,

    atualmente, aos projetos de capacitao de instituies

    nacionais apoiados pelo Japo, Alemanha, Espanha,

    Frana e Estados Unidos, com prioridade para meio

    ambiente, energias renovveis, agricultura, sade,

    administrao pblica, trabalho, promoo do tecido

    econmico e desenvolvimento social. No momento,

    existem cerca de 42 projetos em execuo,

    acompanhados e apoiados pela ABC, atendendo

    instituies pblicas federais, estaduais e municipais,

    alm da sociedade civil. As aes de cooperao

    recebida bilateral movimentam um oramento anual

    estimado em US$ 80 milhes, sendo US$ 30 milhes

    de recursos externos, aplicados a fundo perdido,

    destinados ao pagamento de servios de consultoria,

    treinamentos e doao de equipamentos. No h,

    entretanto, doao ou transferncia de recursos

    financeiros a instituies nacionais no mbito da

    cooperao tcnica recebida bilateral. Para o

  • 12

    desenvolvimento dos projetos de cooperao tcnica,

    as instituies brasileiras oferecem infraestrutura,

    equipamentos e recursos humanos.

    Nos ltimos 15 anos, a cooperao tcnica bilateral

    com pases desenvolvidos envolveu a execuo de

    mais de 2000 aes, das quais 1166 projetos so de

    longa durao e 1217 atividades (de prazo mximo de

    um ano), contabilizando aproximadamente US$ 2,3

    bilhes. Desse montante anual, em mdia US$100

    milhes foram provenientes da parte dos principais

    pases parceiros, na forma de consultoria de longa,

    mdia e curta durao, treinamentos e investimentos

    em geral. Com a reduo dos programas bilaterais e o

    fechamento de escritrios de agncias de pases

    desenvolvidos no Brasil, a tendncia de reduo

    progressiva desses valores. A contrapartida nacional se

    materializada, por sua vez, pela disponibilizao de

    recursos humanos, infraestrutura e outros tipos de

    investimento de instituies brasileiras.

    Como pas recipiendrio de cooperao tcnica, o

    Brasil obteve benefcios substantivos e de relevante

    utilidade nas ltimas dcadas. Com isso, entidades

    fundamentais para o desenvolvimento nacional foram

    estruturadas, como, por exemplo, o Servio Nacional

    de Aprendizagem Industrial (Senai), a Empresa

    Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa), o

    Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro) e o

    Programa Nacional de Combate AIDS do Ministrio

    da Sade.

    Conforme mencionado anteriormente, a nova

    tendncia das relaes bilaterais do Brasil com pases

    doadores tradicionais a montagem de operaes de

    cooperao trilateral em benefcio de pases de menor

    desenvolvimento relativo. Os principais parceiros so

    Alemanha (Meio Ambiente, Metrologia), Japo

    (Agricultura, Sade, Formao Profissional,

    Administrao Pblica, Meio Ambiente e Segurana

    Pblica), Estados Unidos (Agricultura, Sade,

    Combate ao Trabalho Infantil), Frana (Agricultura e

    Sade), Espanha (Meio Ambiente), Sua (Recursos

    hdricos e saneamento) e Itlia (Meio ambiente e

    Desenvolvimento Urbano).

    5. Cooperao Tcnica Triangular

    A cooperao tcnica trilateral ou triangular define-se

    como uma parceria na qual dois atores de cooperao

    internacional (sejam estes um pas em

    desenvolvimento, um pas desenvolvido ou um

    organismo internacional) se associam para montar um

    programa ou projeto de cooperao em benefcio de

    um pas em desenvolvimento. O Brasil tem assumido

    compromissos crescentes nessa rea, por entender que

    a cooperao triangular permite ampliar a escala e o

    impacto da cooperao Sul-Sul brasileira. Na

    cooperao triangular, unem-se os esforos dos dois

    parceiros externos, favorecendo a otimizao do uso de

    recursos financeiros, humanos e de infraestrutura. Para

    a ABC, a cooperao triangular precisa apresentar,

    necessariamente, vantagens comparativas em relao

    aos mecanismos de cooperao bilateral. Nesse

    sentido, as parcerias triangulares geralmente envolvem

    projetos de maior envergadura se comparados aos dos

    programas bilaterais de cooperao tcnica. Em

    setembro de 2013 a ABC, em parceria com agncias

    bilaterais, contabilizou 37 projetos de cooperao

    triangular em negociao e em execuo. Essa carteira

    de projetos representa montante superior a US$ 54

    milhes, dos quais a ABC financia pelo menos 45% e

    coordena a execuo tcnica de instituies brasileiras.

    A modalidade de cooperao triangular traz vantagens

    tanto para o pas beneficiado quanto para os parceiros

    prestadores de cooperao. H mtuo aprendizado, j

  • 13

    que sempre se aprende e se transmite conhecimentos

    em ambos os sentidos. Alm disso, para o Brasil, a

    fora motriz da promoo do desenvolvimento em

    terceiros pases a solidariedade internacional,

    exercida em especial com aquelas sociedades com as

    quais o Brasil compartilha sua histria e cultura a

    exemplo das naes latino-americanas e dos Pases

    Africanos de Lngua Oficial Portuguesa (Palop).

    As vantagens comparativas de cada parceiro

    englobam, de um lado, a estrutura logstica e os

    recursos financeiros de pases doadores tradicionais de

    cooperao tcnica internacional. De outro lado, conta-

    se com o domnio de conhecimentos e tecnologias

    orientados para a realidade de pases em

    desenvolvimento e j testados e validados em situaes

    reais. Nesse sentido, a cooperao triangular representa

    um avano em relao tradicional cooperao Norte-

    Sul, ao favorecer a adoo de abordagem horizontal e

    menos paternalista. Ao mesmo tempo, essa modalidade

    complementar e amplia a cooperao tcnica Sul-Sul.

    Ao unir foras com pases desenvolvidos e

    organizaes internacionais, a cooperao

    internacional brasileira potencializada e seu resultado

    tem maior impacto e sustentabilidade.

    Assim como na cooperao bilateral, a participao do

    Brasil na modalidade triangular baseia-se na demanda

    dos pases em desenvolvimento, aos quais cabe a

    iniciativa de solicitar ajuda internacional. Uma vez

    solicitada, a ajuda internacional deve visar

    transferncia efetiva de conhecimento entre os pases

    envolvidos no projeto. Valoriza-se, tambm, a

    apropriao local dos programas aplicados. A incluso

    dos projetos em programas locais e no oramento

    nacional, de forma que o Governo beneficiado passe a

    control-los e a mant-los aps o fim da cooperao

    internacional, caminho que o Brasil procura

    favorecer. Nesse intuito, busca-se o fortalecimento

    institucional dos pases beneficiados e a convergncia

    de esforos entre iniciativas oficiais, do setor privado e

    de ONGs. Do ponto de vista externo, h preocupao

    em se evitar disperso de iniciativas e em promover

    maior sinergia, coordenao e harmonizao entre

    diferentes parceiros e projetos internacionais de

    cooperao.

    O Brasil defende que a cooperao triangular seja

    centrada na formao de conhecimento tcnico local

    de produo e gerenciamento. Tendo em vista maior

    eficcia, a capacitao precisa ter amplo alcance e

    evitar atividades pontuais j beneficiadas por canais

    bilaterais. Os projetos devem ser estruturantes, i.e.,

    visar criao de instituies para capacitao de

    recursos humanos, e passveis de se reproduzirem

    automaticamente, incitando respostas regionais e

    nacionais. A cooperao brasileira espera fomentar a

    dinmica prpria e a sustentabilidade do projeto, para

    que seu impacto no seja efmero. O pas beneficiado

    incentivado a no ser mero espectador da cooperao

    recebida. Ao contrrio, sua participao na definio

    das reas prioritrias da ajuda e na gerncia dos

    programas indispensvel para interligar o esforo

    internacional com sua prpria estratgia de

    desenvolvimento. A imposio externa de diretrizes e

    de condicionantes cooperao, com potencial de

    interferncia em assuntos internos no aceitvel no

    modelo adotado pelo Brasil.

    Desde o incio do sculo XXI, vrios pases e

    organizaes internacionais tm cooperado com o

    Brasil na ajuda triangular ao desenvolvimento. O

    Japo, por meio da Agncia Japonesa de Cooperao

    Internacional (JICA, na sigla em ingls), foi pioneiro

    na triangulao com a ABC, em associao que ala a

    novo patamar a tradicional cooperao prestada por

    aquele pas ao Brasil. O Programa Nipo-Brasileiro para

    o Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), idealizado

    e implantado na dcada de 1970, exemplo de sucesso

    nessa rea. Essa longa e exitosa parceria tcnica levou

    o Brasil a se engajar no Programa de Parceria Brasil-

    Japo (JBPP), o qual ensejou a primeira experincia

    brasileira na modalidade triangular de Cooperao

    Tcnica por meio do Programa de Treinamento para

    Terceiros Pases (TCTP), criado e aplicado pelos

    japoneses. Em vinte anos de existncia, o TCTP

    contabilizou mais de 1.350 tcnicos estrangeiros

    capacitados no Brasil nas reas de meio ambiente,

    sade, agricultura, desenvolvimento urbano e

    transporte. Permitiu-se, ademais, intenso intercmbio

    de especialistas do Brasil e do Japo, capacitao de

    centenas de tcnicos brasileiros e atualizao, em cerca

    de vinte instituies brasileiras de excelncia, de

    tecnologias e conhecimentos.

    Outro exemplo de Cooperao Triangular com o Japo

    o projeto de implantao de programa similar ao

    Prodecer nas savanas do norte de Moambique. Trata-

    se de projeto de perfil estruturante, que busca replicar,

    com a necessria adaptao e atualizao nesse pas, o

  • 14

    sucesso da experincia da cooperao da JICA no

    cerrado brasileiro. Caso seja bem-sucedido, pretende-

    se que o projeto seja tambm executado em outras

    nao africanas. A experincia pioneira desenvolvida

    com o Japo, de implementao de projetos de

    cooperao triangular com a frica e Amrica Latina,

    foi o ponto de partida para formulao de nova

    estratgia de parcerias entre o Brasil e tradicionais

    pases doadores, em benefcio de pases em

    desenvolvimento.

    O Brasil trabalha, igualmente, na formulao de

    projetos estruturantes com os Estados Unidos, por

    meio da Agncia dos Estados Unidos para o

    Desenvolvimento Internacional (USAID). Em

    Moambique, uma possibilidade a implantao de

    projetos-piloto na rea de sade, em apoio ao Conselho

    Nacional de Combate ao HIV/AIDS de Moambique

    (CNCS), e do Plano Estratgico de Pesquisa e de

    Fortalecimento do Instituto de Investigao Agrria de

    Moambique (IIAM), para a implantao de fazendas-

    modelo. H, ainda, parceria para o combate malria

    em So Tom e Prncipe e para modernizao do

    sistema legislativo de Guin-Bissau.

    Alm da Cooperao Triangular com pases doadores,

    a ABC tambm possui projetos triangulares com

    agncias da Organizao das Naes Unidas (ONU).

    No mbito da Agenda Hemisfrica de Trabalho

    Decente da Organizao Internacional do Trabalho

    (OIT), o Brasil implementa projetos na Bolvia, no

    Paraguai e no Equador, no tema de combate ao

    trabalho infantil e futuros projetos no campo da

    Previdncia Social. Com o Fundo de Populao das

    Naes Unidas (FNUAP), h os projetos de Combate

    Violncia de Gnero no Haiti e de Demografia no

    Paraguai, Haiti, Senegal, So Tom e Prncipe e em

    Guin-Bissau. Com o Banco Mundial (BIRD), h o

    Programa de Merenda Escolar e Programa para

    Manejo de Resduos Slidos no Haiti. Com o

    Escritrio das Naes Unidas sobre Drogas e Crimes

    (UNODC), h projeto de Segurana Pblica em Guin-

    Bissau. Cabe mencionar a parceria do Frum ndia

    Brasilfrica do Sul (IBAS) com o Programa das

    Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cujo

    Projeto de Manejo de Dejetos Slidos mereceu, em

    2006, prmio institudo pela ONU por representar

    modelo de cooperao entre pases em

    desenvolvimento. No que se refere ao financiamento

    dos projetos, a ABC pretende administrar diretamente

    a maior parcela de suas despesas, evitando o risco de

    ociosidade em sua utilizao.

    Como se demonstrou, a cooperao triangular com o

    Brasil atende ampla gama de reas, como, por

    exemplo, luta contra trabalho infantil, aviao civil,

    educao, sade, combate contra malria, produo de

    biocombustveis, modernizao de processos

    legislativos, administrao pblica, meio ambiente,

    combate fome a pobreza, agricultura, regenerao de

    reas urbanas, biossegurana, manuteno de recursos

    hdricos, treinamento profissional, e-government,

    desenvolvimento urbano, fortalecimento de

    instituies judicirias, segurana alimentar,

    treinamento vocacional, educacional e esportivo,

    sociedade da informao, relaes trabalhistas, reforo

    da infraestrutura. A atual demanda para atuao

    conjunta entre o Brasil e pases desenvolvidos ou

    organismos multilaterais, demonstra reconhecimento

    explcito da excelncia e da efetividade operacional da

    cooperao tcnica internacional que vem sendo

    prestada pelo Brasil.

    6. Concluso

    Num momento de reflexo, necessrio que ressaltar

    que a poltica de cooperao tcnica enfrenta alguns

    desafios, de diferentes natureza e magnitude, dizendo

    respeito ao oramento, quadro de pessoal, vinculao

    estrutural e marco jurdico e regulatrio.

  • 15

    Embora tenha sido mantido o mesmo montante

    oramentrio aprovado pelo Congresso Nacional, no

    valor de 36 milhes de reais, a desvalorizao do real e

    a elevao de certos custos, como os das passagens

    internacionais, tem afetado a capacidade de

    implementao de projetos. Os esforos de gesto tm

    garantido Agncia a execuo de cem por cento dos

    recursos alocados, certamente caso nico na

    Administrao Federal. No entanto, seria importante

    ressaltar que a capacidade de o Governo brasileiro

    manter o mpeto da bem sucedida e internacionalmente

    reconhecida agenda de cooperao Sul-Sul em

    benefcio de pases em desenvolvimento depende,

    diretamente, da capacidade oramentria da ABC. A

    propsito, caberia lembrar que o oramento previsto

    para a Ao Cooperao Internacional no PPA at

    2015 prev aportes anuais de R$ 50 milhes. No

    ltimo trinio, conforme adiantado, em nenhum

    momento a ABC contou com esse aporte oramentrio.

    As crescentes responsabilidades internacionais do

    Brasil envolvem iniciativas de diversas naturezas.

    Nesse contexto, a cooperao internacional uma das

    aes de maior relao custo-benefcio, pois requer

    recursos no to vultosos, para resultados muito

    positivos imagem do pas no exterior. Nesse sentido,

    seria estrategicamente oportuno para o Governo

    brasileiro no apenas assegurar o oramento previsto

    no PPA para a ABC, mas tambm avaliar a

    possibilidade de dotaes oramentrias

    suplementares, em bases crescentes e anuais.

    Atualmente, o principal desafio enfrentado pela ABC

    se deve fundamentalmente insuficincia de recursos

    oramentrios e financeiros para atender a crescente

    demanda de novos projetos por parte de nossos

    parceiros. Essa a demonstrao inequvoca da

    excelncia do modelo de cooperao internacional

    adotado pelo Brasil, baseado na solidariedade, na

    construo de parcerias igualitrias e horizontais,

    vistas como geradora de benefcios mtuos, na no-

    condicionalidade, ou seja, a ausncia de vinculao

    entre os projetos implementados e eventuais obtenes

    de vantagens comerciais ou econmicas; o respeito

    diferena e autonomia das organizaes, o

    compartilhamento das responsabilidades, o incentivo

    internalizao e manuteno do conhecimento

    transmitido aos pases beneficirios das aes

    implementadas, a flexibilizao e harmonizao dos

    procedimentos de gesto e a associao de diferentes

    instituies, com vistas a promover capacidades

    tcnicas e intercmbio de expertise entre os parceiros.

    Nesse aspecto, o objetivo ltimo do Brasil o

    desenvolvimento integral dos parceiros, que

    impulsione mudanas estruturais em suas economias,

    levando a um crescimento sustentvel que garanta,

    igualmente, incluso social e respeito ao meio

    ambiente.

    Tambm para incrementar a capacidade operacional da

    ABC seria necessrio dot-la de um quadro

    permanente de pessoal, preferencialmente uma quarta

    carreira do Servio Exterior brasileiro, reconhecendo-

    se as peculiaridades das funes exercidas pelos

    tcnicos e analistas da Agncia. Trabalhar com

    cooperao internacional exige conhecimentos

    especficos e experincia acumulada. A lotao de

    dezenas das carreiras de Oficiais de Chancelaria e

    Assistentes de Chancelaria na ABC nos ltimos anos

    no ofereceu a ncora necessria para estabilizar o

    trabalho da Agncia, apesar de algumas notveis

    excees. As contnuas e inevitveis remoes e

    misses ao exterior dos servidores das duas carreiras

    resultaram em macia perda de pessoal e na ruptura da

    memria institucional, com inegvel impacto sobre a

    capacidade de a ABC dar vazo a centenas de

    compromissos assumidos pelo Governo Brasileiro no

    exterior. A soluo temporria foi a contratao de

    analistas por meio de projeto com o PNUD, em 2009,

    que se encontra na iminncia do encerramento dos

    contratados temporrios. Com a perspectiva do breve

    encerramento dos contratos, mais uma vez a Agncia

    enfrenta o srio risco de que a qualidade e,

    principalmente, o interesse nacional que perpassa os

    programas e projetos de cooperao tcnica com entes

    estrangeiros sejam fortemente afetados.

    A experincia histrica demonstra que h vrios

    modelos de atuao das agncias de cooperao, sendo

    a maioria delas vinculada aos ministrios de relaes

    exteriores, principalmente nos principais atores da

    cooperao Sul-Sul. Embora alguns pases doadores

    tradicionais tenham agncias autnomas, como os

    Estados Unidos e o Japo, por exemplo, h

    reconhecida necessidade de estreita coordenao com a

    poltica externa e a maioria dos pases da OCDE tem

    suas agncias subordinadas s estruturas das

    chancelarias. Alguns pases que ensaiaram tentativas

    de agncias autrquicas, como o Canad e a Austrlia,

    decidiram recentemente retornar ao modelo

  • 16

    tradicional, em vistas de resultados desanimadores. A

    prtica demonstrou que a articulao entre a poltica

    externa e a implementao de projetos de cooperao

    tcnica no pode ser executada sem o envolvimento

    dirio do Ministrio das Relaes Exteriores, por meio

    de suas embaixadas, que desempenham papel relevante

    na interlocuo com as diferentes instncias e

    autoridades estrangeiras, na informao e anlise

    poltica do contexto no qual se inserem as atividades

    de cooperao e na administrao das diversas aes

    de cooperao, como o apoio s misses tcnicas e

    gesto de recursos de modo eficiente.

    Com a evoluo rpida do perfil do Brasil no cenrio

    mundial, passando de beneficirio a ator relevante da

    cooperao internacional, a ABC ainda carece de um

    marco regulatrio prprio, principalmente legislao

    que ampare a cooperao Sul-Sul do Brasil, alm da

    necessidade de aprimoramento do arcabouo legal da

    cooperao recebida (princpio XI do artigo 4 da

    constituio, decreto 551/04 e portaria MRE 717/06).

    Isso a obriga a operar por meio de organizaes

    internacionais, em especial o PNUD, por meio do

    Manual de Execuo Nacional de Projetos PNUD-

    Brasil, de 2006, que nos contempla com alguns

    benefcios, mas tambm com evidentes desvantagens

    como a burocracia excessiva, as frequentes mudanas

    de parmetros e atrasos injustificveis na

    implementao de projetos. Agregue-se, ademais, os

    custos decorrentes de cobranas de taxas de

    administrao, que variam entre 5 e 13 por cento. Em

    termos de medidas j adotadas, mencione-se a

    preparao de manual de cooperao e mecanismos de

    avaliao de projetos, instrumentos que consolidaro

    as prticas e conhecimentos da Agncia. Assim, em

    termos legais, na ausncia de legislao abrangente e

    consolidada, particularmente com vistas a cooperao

    com os pases em desenvolvimento, atividades como a

    aquisio de material e equipamentos, contratao de

    pessoal no exterior e transferncia de recursos para

    execuo de projetos so executadas em parceria com

    o PNUD e outras organizaes internacionais. A

    aprovao de um marco regulatrio para a cooperao

    recebida e prestada garantiria maior eficincia e

    flexibilidade poltica de cooperao internacional do

    Brasil.