Evolucao Das Concecoes Teoricas Da Avaliacao

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Origem da avaliação.Natureza da avaliaçãoContextos da avaliaçãoFunções da avaliaçãoSíntese:Do exposto ressaltam como principais aspectos que caracterizam este período os seguintes: (i) A aprendizagem escolar fica reduzida àquilo que é possível definir-se enquanto objectivos dos programas de cada disciplina (com especial destaque para os objectivos do domínio cognitivo) o que desvaloriza o desenvolvimento de experiências de aprendizagem de natureza mais interdisciplinar e globalizante, como seja, o trabalho de projecto. (ii) A avaliação, embora permaneça como uma medida, procura agora determinar o afastamento do desempenho a cada objectivo. (iii) Define-se um novo referencial, os objectivos, e o foco são tanto os processos, desenvolvimento e gestão de um programa, como os produtos finais, isto é, o desempenho dos alunos. (iv) Existem duas funções distintas da avaliação: uma de natureza social e outra de dimensão pedagógica. A estas novas ideias, agrupadas em redor dos objectivos, Guba e Lincoln (1989) designam como a segunda geração da avaliação.

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  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    Captulo 1

    Evoluo das concepes tericas da avaliao

    A avaliao est intimamente articulada com a actividade humana e, como tal, a sua

    histria parece ser tambm bastante antiga (Hadji, 1989). Segundo Romberg (1987),

    embora em termos muito rudimentares, a histria da medida do comportamento humano

    vem dos primrdios do Homem, desde a poca em que se conhecem registos. , por

    exemplo, o caso de registos de exames escritos realizados pelos chineses, por volta de

    2000A.C., com o objectivo de seleccionar os seus oficiais. A avaliao cumpria tambm

    uma funo de proteco dos mais novos, antes de desempenhar as funes e as tarefas

    inerentes vida adulta. Muitas vezes, eram postos prova mas com algumas margens

    de proteco pelos mais experientes, para salvaguarda em caso de fracasso. De resto,

    esta a ideia que prevalece mesmo no ensino medieval: o aprendente ao partilhar o

    quotidiano com o seu mestre, expunha-lhe a sua aco. Esta era objecto de uma anlise

    em casos considerados chave e permitia ao aprendente agir de um outro modo em

    situaes futuras. Podemos encontrar estas evidncias no romance O Nome da Rosa, de

    Humberto Eco. A avaliao, embora no tivesse a notoriedade de hoje era utilizada

    como um momento de aprendizagem.

    Entre os sculos XVI e XIX, Foucault (1975) situa as prticas e o desenvolvimento

    das tcnicas de exame num conjunto de actividades de vigilncia, de enclausuramento e

    de ortopedia social que se desenvolveram e reforaram nos hospitais, no exrcito, nas

    oficinas e na prpria escola, procurando tornar os indivduos dceis e teis s exigncias

    da nova ordem social. No campo da educao, Fernandes (1976) refere que os exames

    comearam a ser utilizados de uma forma mais sistemtica pelos Jesutas no sculo

    XVI, que preconizavam o ensino de muitos como se fossem um s, e atingiram o seu

    apogeu no perodo de ascenso plena da burguesia ao controlo do poder em termos

    sociais, isto , com a Revoluo Francesa. Nos ideais de liberdade, fraternidade e

    igualdade, onde a Escola Pblica se ancorou, os exames inscreviam-se num conjunto de

    prticas que procuravam combater os privilgios da aristocracia obtidos por nascimento

    e fortuna. A sociedade burguesa arvorava como bandeira a competncia alcanada

    Jorge Pinto e Leonor Santos 1

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    mediante o esforo, o trabalho e a dedicao. O exame era, assim, o revelador e o

    legitimador de um valor social simblico, uma vez que este valor era convertvel num

    diploma que por sua vez se transformava em estatuto social. Deste modo, os exames

    foram-se convertendo numa moeda de troca para a mobilidade geracional na hierarquia

    social. As suas formas de concretizao tambm foram mudando. Por exemplo, na

    Idade Mdia, os exames nas Universidades privilegiavam o poder de argumentao e a

    confrontao de ideias (Kilpatrick, 1991). J no sc. XVIII, nalgumas universidades,

    para algumas disciplinas, a importncia da componente oral transporta para a parte

    escrita dos exames.

    Mas a avaliao, tal como a conhecemos, tem um passado recente, estando

    intimamente ligada ao desenvolvimento da Escola Pblica de Massas. Assim, podemos

    dizer que a avaliao que conhecemos tem pouco mais de um sculo. Nesta sua breve

    histria que marcou vrias geraes e atravessou inmeras instituies, com particular

    destaque para a Escola, a avaliao sofreu vrias conceptualizaes. Embora no

    havendo uma unanimidade total entre vrios autores (Pelletier, 1976; Dominic, 1979;

    Hadji, 1989; Guba e Lincoln, 1989) na definio dos diversos momentos dessa

    evoluo, todos convergem no reconhecimento de quatro grandes ideias estruturantes,

    embora se refiram a elas de vrios modos, que marcaram a avaliao ao longo do ltimo

    sculo: a avaliao como uma medida; a avaliao como uma congruncia entre os

    objectivos e os desempenhos dos alunos; a avaliao como um julgamento de

    especialistas; a avaliao como uma interaco social complexa. Estas ideias

    naturalmente que no so estanques entre si. A emergncia de uma nova ideia no anula

    necessariamente as que j existem. Mas de salientar o diferencial que sempre houve

    entre as ideias e as prticas correspondentes. Estas mudam de uma forma muito mais

    lenta. Por isso, fcil encontrar hoje prticas que decorrem ainda das concepes

    iniciais de avaliao e de existirem prticas em mosaico, isto , decorrentes de vrias

    conceptualizaes, mas racionalizadas pela ideia considerada como mais moderna e

    ou mais adequada ao momento. A ausncia de reflexo sistemtica em redor destas

    relaes entre o que se pensa e faz, permite tambm o retorno a prticas do passado em

    nome de ideias pretensamente inovadoras. Os actuais discursos de reposio de exames

    em nome de um ensino mais eficaz e exigente so disto um bom exemplo.

    Na anlise que se segue tomaremos em conta trs dimenses: a natureza da

    avaliao, a relao entre o conceito de avaliao e o modelo pedaggico dominante e

    ainda as principais funes da avaliao.

    Jorge Pinto e Leonor Santos 2

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    A evoluo das ideais sobre avaliao no ocorreu ao mesmo tempo. Est

    intimamente relacionada com o desenvolvimento de outras ideias noutros campos,

    nomeadamente no campo social. Segundo Mateo (2000), a avaliao antes de mais

    uma forma especfica de abordar, de conhecer e de se relacionar com uma dada

    realidade, que no nosso caso a educativa. Trata-se de uma praxis que, para cumprir os

    seus objectivos, necessita de activar no s recursos culturais, como sociais e polticos

    dos contextos em que intervm. Assim, compreender a natureza da avaliao em cada

    paradigma essencial para dar sentido ao que nele valorizado.

    No possvel falar-se do sentido atribudo avaliao sem o relacionar com o que

    entende por ensino e aprendizagem. A avaliao est interrelacionada com o modelo

    pedaggico que assenta nas concepes entre ensinar e aprender e nas relaes que estas

    concepes determinam. Para estabelecer esta relao iremos recorrer a Houssaye

    (1993) que define a situao pedaggica como um tringulo composto por trs

    elementos: o saber (o que prescrito), o professor e os alunos, em que dois se

    constituem como sujeitos activos e o outro desempenha um papel passivo, ou de morto.

    Ora todo o modelo pedaggico se articula numa relao privilegiada entre dois dos trs

    elementos. Os tipos de agir pedaggico podem assim ser definidos atravs da

    compreenso de quem desempenha o papel de passivo e, em contraponto, quais so

    elementos activos.

    Contudo, cada um destes possveis processos pode ser ameaado, isto , o elemento

    passivo pode tornar-se subitamente activo, desorganizando a relao estabelecida. A

    persistncia de um processo estruturante acontece quando deixada alguma margem de

    manobra a outras possibilidades pedaggicas de modo a que possam eventualmente

    coexistir de uma maneira satisfatria com outras relaes estruturantes entre os trs

    elementos, embora numa lgica de segundo plano. A rigidez de um eixo leva

    frequentemente sua queda, porque o elemento passivo desenvolve mais facilmente

    processos reactivos transformando-se em hiperactivo, impedindo assim o seu

    funcionamento. Tal como na avaliao, na pedagogia no h processos lineares. um

    saber em aco que evolui por diversas ordens de razes: tericas, prticas, sociais,

    polticas e ticas. A existncia de um processo no significa que os outros no estejam

    presentes, nem que o seu abandono signifique uma mudana sem retorno. Examinar a avaliao do ponto de vista do desenvolvimento das funes um

    contributo enriquecedor para a compreenso da prpria noo de avaliao e do que

    significa em cada momento. A avaliao nunca acontece por acaso. A avaliao no se

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    faz apenas por fazer, mas tem sempre, implcitos ou explcitos, um conjunto de pedidos

    sociais. Ao longo do tempo, a avaliao enquanto prtica social institucional

    desempenhou diversas funes. Estas esto estreitamente ligadas, no s evoluo da

    Escola e dos sistemas educativos, mas tambm aos vrios conceitos de cultura e saber,

    bem como organizao do trabalho.

    A avaliao como uma medida

    A natureza da avaliao

    Segundo Mateo (2000), a utilizao de uma forma mais sistemtica da medida no

    campo das cincias humanas deve-se a Fechner, por volta da segunda metade do sculo

    XIX. a utilizao da medida primeiro em termos de psicofsica e posteriormente

    alargada a outras vertentes do comportamento humano, que est na base do nascimento

    da psicometria. Tambm Galton interessado no estudo das diferenas individuais

    introduz a noo de teste mental. Se as preocupaes de natureza cientfica

    impulsionaram o desenvolvimento da avaliao tambm as grandes transformaes

    sociais e da escola, em particular, foraram esse processo. A extenso da escolaridade

    obrigatria num grande nmero de pases, a constatao de que um elevado nmero de

    crianas no percorre a escolaridade com sucesso, a articulao mais estreita entre

    profisso e diplomas escolares colocam a problemtica da avaliao em primeiro plano.

    Segundo Barbier (1983), a verdadeira racionalizao da avaliao, enquanto prtica

    especfica, s aparece a partir de meados do sculo XIX. Para este facto contriburam

    essencialmente trs factores: (i) um interesse crescente pela medida, pelo seu rigor e

    pelos seus procedimentos; (ii) o aumento da complexidade dos sistemas educativos, que

    consigo acarreta novas exigncias de seleco e orientao no sistema escolar,

    nomeadamente a exigncia de uma maior normalizao das classes, quer ao nvel da

    idade, quer ao nvel escolar; e (iii) a tendncia geral para racionalizar e normalizar o

    comportamento humano em diversos campos onde a actividade humana se inscreve.

    O sculo XIX parece ser assim um marco importante de uma nova ordem social e

    consequentemente dos sistemas educativos da maioria dos pases em vias de

    industrializao. Neste sculo so geralmente apontados trs contributos essenciais para

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    o desenvolvimento da psicometria. Horace Mann, norte americano, que destacou as

    vantagens dos exames escritos quando comparados com provas orais1, e fez

    recomendaes para a sua elaborao sobre o nmero, a natureza e grau de

    complexidade das perguntas, que permanecem at actualidade. ao reverendo George

    Fisher, de nacionalidade inglesa, que se atribui a primeira escala de medida de

    desempenho e a J. M. Rice a criao de testes comparativos.

    Com o virar do sculo, comea-se a atender avaliao dos traos da personalidade

    para em seguida a ateno recair no desempenho dos alunos. em 1905 que so

    lanados, em Frana, por A. Binet e H. Simon, os fundamentos da psicometria que viria

    a servir de modelo aos testes utilizados no campo pedaggico atravs da elaborao e

    publicao de uma escala mtrica de inteligncia. Estes dois psiclogos constroem uma

    escala de actividades que traduziam traos de inteligncia, que de resto estava associada

    ao sucesso escolar. Este modelo de uma pergunta/resposta como revelador de um trao

    de inteligncia viria a servir de modelo aos testes utilizados no campo pedaggico.

    Embora a escala mtrica de inteligncia no fosse concebida exclusivamente para a

    avaliao dos saberes dos alunos na escola, tinha como objectivo detectar aqueles que

    poderiam vir a ter problemas de aprendizagem devido aos seus deficits de inteligncia,

    considerada como condio de sucesso escolar.

    Nos Estados Unidos, ainda no sculo XIX, J. M. Rice desenvolveu em 1894 uma

    bateria de testes sobre a ortografia2, considerado como um marco da medio em

    Pedagogia. A partir de 1910, comeam a aparecer as primeiras escalas de medida da

    escrita, ortografia e clculo aritmtico. Contudo, s em 1923, aparece o Standford

    Achivement Test, um teste de rendimento intelectual equivalente ao francs Binet-

    Simon, embora diferente na prpria conceptualizao de inteligncia, na construo e

    procedimentos do prprio teste. Assiste-se ento a uma preocupao centrada no

    desenvolvimento de instrumentos de medida, que respondam s exigncias de rigor,

    objectividade e normalizao. Os processos associados construo de testes

    psicolgicos, nomeadamente o seu carcter prescritvel e as condies de aplicabilidade,

    1 Entre as vantagens enunciadas, encontramos referncia imparcialidade, justia, impossibilidade de aplicar favoritismos, acessibilidade dos resultados, e possibilidade de apreciar o nvel de dificuldade das questes (Romberg, 1987). 2 Os resultados obtidos a partir da aplicao destes testes a um grupo de alunos, apontam para que os alunos que estudaram ortografia 30m por dia durante oito anos, no eram melhores nesta rea do que aqueles que estudaram o mesmo assunto 15m dirios durante igual perodo de tempo. Estes resultados foram muito mal aceites pela comunidade de educadores de ento. A heresia destes resultados ps em causa os processos de avaliao usados (Romberg, 1987).

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    que procuram controlar as variveis parasitas, so transpostos para a educao. A

    criao de testes deste tipo desenvolve-se de tal modo, que nos Estados Unidos da

    Amrica mais de 200 testes de rendimento esto disposio das escolas primrias e

    secundrias nos anos 20 do sc. XX.

    Durante a I Guerra Mundial e nos anos seguintes, foi possvel acumular dados e

    estabelecer comparaes entre os resultados obtidos em diversos tipos de testes

    aplicados a populaes diferentes e em diferentes pases. Tambm no campo educativo,

    o sucesso/insucesso escolar merecem ateno particular. Assim, vai aumentando o

    interesse pelo estudo dos exames, dos seus resultados e das condies em que ocorrem.

    Desenvolvem-se esforos para que os instrumentos de medio sejam vlidos (meam

    aquilo para o qual foram feitos) e fiveis (o resultado obtido numa prova independente

    de quem o avalia). A convico do sucesso deste empreendimento tal que a

    divergncia entre os avaliadores justificada pela mesma teoria que explica o erro da

    medida em Fsica (Laugier & Weinberg in Noizet & Caverni, 1978), o erro da pessoa

    que mede.

    A avaliao no contexto pedaggico

    No paradigma que encara a avaliao como uma medida, privilegia-se o eixo

    professor/saber, dando ao aluno um lugar passivo (ver fig. 1). o modelo pedaggico

    do ensinar.

    Saber

    Professor Aluno

    Saber

    Professor Aluno

    Figura 1. Modelo pedaggico centrado no ensinar

    Neste processo, a preocupao dominante centra-se na transposio didctica, isto

    , na passagem do saber institudo ao saber a transmitir aos alunos. Ensinar significa

    transmitir o saber da forma mais adequada possvel. Aprender significa reter o saber

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    transmitido, isto , ser capaz de reproduzir tal como foi ensinado. Este tipo de processo

    est centrado no professor e na sua palavra. Assegurar a transposio de uma forma

    adequada da informao, que constitui o programa, a sua misso.

    As dificuldades de aprendizagem so atribudas sobretudo aos defeitos dos prprios

    alunos, em particular a falta de ateno ou de memria, a incapacidade intelectual, a

    ausncia de esforo ou de trabalho, ou ento a uma transmisso/enunciao deficiente

    por parte do professor. Contudo, dado o facto do professor ser um profissional, que tem

    como centro da sua actividade a transmisso dos saberes, esta ltima justificao

    aparece sempre como pouco provvel. Nesta perspectiva, a avaliao no tem lugar na

    relao entre ensino e aprendizagem, ela exterior a este processo.

    Ensino e aprendizagem

    AvaliaoEnsino e

    aprendizagem

    Ensino e aprendizagem

    AvaliaoEnsino e

    aprendizagem

    Figura 2. A avaliao e o processo de ensino e aprendizagem

    Neste modelo pedaggico, a avaliao acontece sempre no final de um perodo de

    ensino, num momento especialmente criado para este fim (ver fig. 2). O teste escrito,

    feito individualmente e em tempo limitado, o instrumento de avaliao usado por

    excelncia. O foco da avaliao recai no saber-se ou no a resposta correcta sobre um

    dado assunto, isto , no que o aluno capaz de fazer mais do que no modo como se

    desenvolve a sua aprendizagem (Romberg, 1991). A avaliao assim entendida como

    a medio da diferena existente entre o modelo do professor e a reproduo desse

    modelo que o aluno consegue fazer. Os resultados assim produzidos do origem,

    normalmente, a hierarquizaes de excelncia implcitas ou explcitas. O erro uma

    falta e um sinal a ter em considerao numa contabilizao para a nota, ou para outro

    tipo de apreciao um sinal de ignorncia, ou deficitrio, no tendo um valor

    informativo sobre a natureza das dificuldades do aluno. Uma vez que as razes para o

    insucesso recaem sobre o aluno, face a resultados no satisfatrios no esperado que o

    professor mude as suas prticas (Begg, 1991).

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    Como medida, ter que lhe estar associada um valor numrico, uma nota. Esta ser

    determinada em relao mdia do grupo, seja este a turma, a escola ou o pas. Da, e

    tendo presente as tcnicas estatsticas em que se apoia, os resultados obtidos devero

    ajustar-se tanto quanto possvel a uma curva normal, ou curva de Gauss (Hadji, 1989).

    Por outras palavras, estamos presente uma avaliao normativa.

    Funes da avaliao

    As transformaes sociais que ocorreram nos finais do sc. XIX constituem uma

    razo explicativa para a afirmao de novas funes da avaliao. Estas funes so

    ainda, passado um sculo, bastante prximas das actuais funes da avaliao, talvez

    no tanto ao nvel dos discursos, mas sobretudo ao nvel das prticas. Tambm as

    transformaes introduzidas pela Escola Pblica de Massas esto ainda bem presentes

    nalguns sistemas de ensino. A fragmentao e disperso curricular; a organizao

    vertical dos sistemas educativos e a linearidade na sua progresso; a classe como

    estrutura organizativa e a normalizao com o valor, tanto ao nvel das tarefas de ensino

    como das aprendizagens dos alunos, encaminham a avaliao para funes

    essencialmente administrativas. A seleco e a certificao so aspectos centrais para o

    funcionamento deste sistema. O exame, ou os seus substitutos, so a expresso da ideia

    de medida, o gesto avaliativo. A aprovao ou reprovao, a consequncia do acto

    avaliativo. Este, quase sempre percebido em termos individuais, est simbolicamente

    articulado com o esforo, o empenho ou as faculdades intelectuais. A integrao ou a

    excluso, no limite fruto da responsabilidade individual, so os efeitos sociais mais

    visveis.

    A avaliao aparece ento neste quadro pedaggico como um meio de verificao e

    controle da aprendizagem dos alunos, independentemente do momento em que feito

    ou da multiplicidade desses momentos ao longo do ano. Assim, este modelo pedaggico

    refora uma avaliao centrada na medida dos resultados de um programa. O discurso

    do professor funciona como norma ou referncia para esta tarefa de medida.

    A avaliao ao assumir estas novas funes de seleco/orientao e de certificao

    adquire um peso significativo no s no campo social, mas tambm na vida de cada

    cidado. O devir pessoal depende em larga escala da avaliao. A ideia de medida vem

    emprestar avaliao uma legitimidade cientfica. O exame e os seus rituais, tido como

    o instrumento de medida, acabam por preencher por completo a prpria noo de

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    avaliao. Assim, avaliar transforma-se simblica e realmente em exame, ou noutras

    situaes mais ou menos semelhantes. Hameline (1979) refere-se s situaes de exame

    como uma das modalidades mais gerais das regras sociais. De igual modo, Bartolomeis

    (1981) refere que os aspectos tcnicos da avaliao esto subordinados aos aspectos

    sociais que influenciam o rendimento e o comportamento. Tambm Bourdieu &

    Passeron (1970) chamaram a ateno para o papel da avaliao nos mecanismos de

    reproduo social. Os exames so a prpria avaliao. Os rituais do exame garantem a

    validade da medida e conferem avaliao uma legitimidade social indiscutvel. Fruto

    destas associaes e por convenincia poltica o exame passa a ser sinnimo de

    exigncia e de esforo, em suma de controlo de qualidade. Se os alunos no tm xito,

    tm um deficit no seu mrito com consequncias imprevisveis, se os professores no

    conseguem que os seus alunos tenham sucesso, dentro de certos limites, so olhados

    como potencialmente incompetentes pela tutela. A avaliao fecha-se num crculo que

    se auto refora prevalecendo, ainda, nos nossos dias.

    Sntese

    Do exposto, podemos dizer que neste primeiro perodo:

    (i) A avaliao e a medio so conceitos estreitamente interligados. Medir e

    avaliar so conceitos inseparveis e no existem um sem o outro.

    (ii) A avaliao, depois de um primeiro perodo procura de caminhos,

    fortemente influenciada pela psicometria, concentrando as suas preocupaes na medida

    e nos processos que a sustentam, tal como os exames, testes, etc. Pretende-se que a

    avaliao seja um acto puro e perfeito que s a falha humana pode prejudicar.

    (iii) A avaliao est pouco relacionada com os programas e o desenvolvimento do

    currculo. As provas procuram informaes somente acerca dos desempenhos escolares

    dos alunos atravs do desenvolvimento de procedimentos e processos normalizados

    para permitir diferenciar os alunos entre si, de uma forma objectiva e fivel.

    (iv) A avaliao, influenciada pela psicometria, procura apenas apreciar os

    conhecimentos demonstrados por cada aluno. O recurso a medidas tipificadas, a

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  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    garantia das mesmas condies de aplicao e a comparao dos resultados de cada

    aluno com o grupo de referncia, normalmente o grupo/turma, permite construir uma

    hierarquia de excelncia dentro do grupo. A avaliao utiliza assim um processo de

    referncia normativa, isto , a comparao dos resultados individuais com um sistema

    que se institui como norma.

    (v) A avaliao assume como uma trave mestra da Escola Pblica de Massas, pois

    ela, ou melhor atravs dela que se garantem os processos de normalizao para a

    organizao das classes/turmas. Ao transformar as diferenas individuais em

    desigualdades escolares, permite que as classes se organizem aparentemente em grupos

    de maior homogeneidade escolar.

    (vi) A principal e nica funo da avaliao marcada por uma dimenso social,

    isto , prende-se mais fortemente com pedidos de natureza social do que pedaggicos.

    Responde, entre outros, s exigncias do sistema, ao controlo das qualificaes

    profissionais, rentabilidade dos recursos investidos na educao. No tem sentido

    haver um processo de regulao pedaggica. Para tal, seria necessrio aceitar que as

    coisas podem mudar devido a uma interveno reguladora no processo de

    ensino/aprendizagem. Ora, nesta situao pedaggica, tal no se verifica.

    esta a esta etapa da avaliao que Guba e Lincoln (1989) chamam a gerao da

    medida.

    A avaliao como uma congruncia entre os objectivos e os desempenhos dos

    alunos

    A acumulao de observaes e dados fazem surgir a ideia da pouca fidelidade e

    validade das medidas efectuadas. Assiste-se, assim, contestao da ideia de avaliao

    como medida, que acompanhada pelo desenvolvimento de estudos, nomeadamente ao

    nvel dos instrumentos e dos procedimentos, para tornar a avaliao, e os exames, mais

    objectivos, fidedignos e vlidos. neste quadro que Piron, em 1930, prope um novo

    domnio de estudo, a docimologia, que tem como objectivo o estudo sistemtico dos

    exames, dos sistemas de notao, dos comportamentos tanto dos examinadores como

    Jorge Pinto e Leonor Santos 10

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    dos examinados (Piron, 1963). Esta nova rea de saber emergente constituda por

    duas disciplinas com os seguintes objectivos: (i) a docimstica, o estudo dos exames e

    das suas tcnicas; (ii) a doxologia, o estudo sistemtico do papel que a avaliao

    desempenha na educao escolar. H, assim, um eixo mais centrado nas tcnicas e outro

    mais centrado nas pessoas, nas prticas avaliativas e nos seus valores, isto , na cultura

    de avaliao. Todavia, o primeiro eixo que se desenvolve relegando para segundo

    plano as preocupaes relativas ao segundo eixo. Apesar deste facto, os estudos

    realizados no mbito da docimologia vieram pr em evidncia os problemas da

    avaliao enquanto medida. Embora no apresentem solues credveis para combater a

    falta de rigor evidenciada em termos dos procedimentos de avaliao, vieram mostrar a

    debilidade e a falta de rigor cientfico nos processos de avaliao. Apesar destas

    dificuldades, mantm-se a preocupao por uma avaliao mais rigorosa. Abre-se ento

    uma outra janela na forma de conceptualizar e de praticar a avaliao.

    A natureza da avaliao

    Na sequncia de uma investigao sobre os efeitos dos currculos nos resultados

    dos alunos entrada para a universidade, R.W. Tyller, coordenador do estudo, insiste na

    ideia de que o currculo necessita de se organizar em torno de objectivos (Mateo, 2000).

    Estes seriam a base da planificao curricular e os termos de referncia para preparar os

    exames. O desenvolvimento desta ideia conduz a que a referncia central da avaliao

    passe a ser o conjunto de objectivos pr estabelecidos, deixando de lado as provas de

    carcter normativo centradas no grupo/turma. Por outras palavras, h um sistema de

    referncia igual para todos os alunos que frequentem um determinado ciclo de estudos.

    A avaliao assim uma comparao entre os objectivos que constituem o sistema de

    referncia e o estado do aluno na consecuo desses objectivos. Ultrapassa-se a ideia de

    simples classificao dos alunos por relao aos seus pares, uma vez que a avaliao

    perspectivada, tanto com o objectivo de verificar se os alunos atingem os objectivos

    educativos definidos, como tambm atravs da introduo de procedimentos correctivos

    para melhorar a gesto do programa em curso, atravs da observao do comportamento

    dos alunos. A avaliao passa assim a ter um sistema de referncia criterial, isto , o

    termo de comparao so os critrios previamente definidos que permitem verificar a

    mestria dos objectivos e j no, apenas, a matria dada pelo professor.

    Jorge Pinto e Leonor Santos 11

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    Em virtude das grandes crticas feitas em redor do sistema educativo nos Estados

    Unidos nos anos 50, estas ideias no fazem grande caminho. Na realidade, preciso

    esperar at aos finais da dcada de 60 para ver reaparecer estas mesmas ideias, mas com

    novos desenvolvimentos.

    Segundo (Mateo, 2000), na dcada de 60, Cronback e Scriven trazem importantes

    contributos para a evoluo do conceito de avaliao. Cronbach (1980) ao fazer um

    balano sobre as funes e a metodologia da avaliao na perspectiva de melhorar a sua

    valia chama a ateno para:

    (i) a necessidade da avaliao passar a fazer incidir a sua actividade em redor das

    decises tomadas em funo da prpria avaliao;

    (ii) o facto de no incidir s no fim dos programas, mas pelo contrrio, actuar

    durante o desenvolvimento do programa;

    (iii) a necessidade da avaliao se preocupar mais com as caractersticas estruturais

    do prprio programa do que em fazer comparaes.

    Tambm Glasser (1963), que se preocupava no s com a definio dos objectivos,

    mas tambm com a melhor forma de os avaliar, desenvolveu a noo de teste criterial,

    por contraponto com os anteriores que eram referidos norma. Estabelece assim uma

    distino bsica entre a medio com referncia norma ou normativa, em que se

    procura detectar a posio relativa de um aluno no interior do seu grupo, e a medio

    com referncia ao critrio, que se obtm atravs da comparao do estado do aluno com

    o nvel de qualidade absoluto, isto , com o que se espera que seja o desempenho se o

    objectivo estiver completamente atingido.

    neste quadro que B. Bloom e seus colaboradores (Bloom et al., 1971) introduzem

    algumas destas novas ideias na avaliao escolar decorrente do seu modelo pedaggico

    conhecido como a pedagogia por objectivos. Nesta perspectiva conceptual, Bloom

    destaca o papel estratgico que a avaliao tem na melhoria da gesto do processo

    ensino/aprendizagem. A este tipo de avaliao chamou de avaliao formativa. O

    diagnstico e a remediao so as duas componentes fundamentais nesta nova ideia de

    avaliao.

    Jorge Pinto e Leonor Santos 12

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    A avaliao no contexto pedaggico

    No paradigma que encara a avaliao como o meio de determinar a concordncia

    ou o afastamento entre os objectivos pr-definidos e os desempenhos dos alunos,

    privilegia-se o eixo professor/aluno, dando ao saber o estatuto de passivo (ver fig. 3).

    o modelo pedaggico do formar. A preocupao dominante coloca-se ao nvel das

    relaes entre professor e aluno. As regras entre professores e alunos no esto

    definidas de uma forma antecipada. Deste modo, necessrio defini-las, e torn-las

    consensuais de modo a que integrem tambm o terceiro elemento, o saber. Nesta

    perspectiva, a comunicao enquanto instrumento de relao, tem um lugar de destaque

    neste processo.

    Saber

    Professor Aluno

    Saber

    Professor Aluno Figura 3. Modelo pedaggico centrado no formar

    O papel central do professor assegurar o desenvolvimento de uma boa relao que

    passa necessariamente por desenvolver uma boa comunicao. A relao e a

    comunicao tm como funo fundamental criar e manter um bom nvel de motivao

    no aluno, condio necessria para que o saber seja integrado neste processo. Ora a

    compatibilizao entre o nvel de motivao e a aprendizagem exige uma particular

    ateno forma como se conduz o processo de ensino/aprendizagem. Deste modo, a

    avaliao vai jogar aqui um papel decisivo, na medida em que fornece informaes

    relevantes ao professor sobre o estado dos alunos no sentido de o ajudar a gerir o

    processo de ensino/ aprendizagem. Pode dizer-se assim que este contexto no s

    favorece, como necessita de uma avaliao continuada que seja posta ao servio da

    gesto curricular: a avaliao formativa. A avaliao aparece como um instrumento que

    fazendo o balano do estado real do aluno em relao ao estado esperado, ajuda o

    Jorge Pinto e Leonor Santos 13

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    professor a tomar decises ao nvel da gesto do programa, no sentido de criar melhores

    condies de aprendizagem.

    O erro aparece neste processo como uma sinalizao sobre o funcionamento

    pedaggico. Contudo, tomar uma deciso para a interveno implica ter um quadro

    conceptual que permita interpretar essa informao (Allal, 1986). Acontece que, os

    quadros conceptuais mais influentes sobre ensino/aprendizagem, em particular na

    pedagogia por objectivos, so ainda muitas vezes de natureza comportamental, no

    permitindo o desenvolvimento de hipteses muito diversas. Dar mais tempo para

    aprender, repetir mais vezes, e estabelecer uma melhor relao entre objectivos a

    trabalhar e as possibilidades do aluno, ou seja, dar a matria mais devagar ou

    simplificar as tarefas, so as mais frequentes. Mas, mesmo estas intervenes entram

    muitas vezes em coliso com a necessidade de cumprir um programa num certo perodo

    de tempo. A presso do tempo e a prpria presso social leva muitas vezes ao abandono

    desta postura pedaggica. Em organizaes que se estruturam tomando como modelo a

    escola de massas, h uma tenso permanente entre a necessidade do grupo e a

    necessidade do aluno na sua especificidade. Esta tenso acaba por colocar na primeira

    linha de preocupaes a necessidade de uma nova organizao social do trabalho

    escolar nomeadamente do trabalho cooperativo em grupo e da gesto das relaes e dos

    processos de comunicao entre professores e alunos, em particular um maior papel dos

    avaliados no prprio processo de avaliao reconhecendo que o aluno um actor e no

    um produto passivo dominado pelas suas heranas biolgicas ou pertenas sociais

    Podemos deste modo dizer que o processo, assente nesta relao, toma a avaliao mais

    como um sinalizador de dificuldades no processo de ensino/aprendizagem, do que um

    meio para as ultrapassar.

    Neste modelo pedaggico, os contedos programticos devero ser divididos em

    pequenas unidades temticas de ensino. Para alm deste procedimento, um conjunto

    hierarquizado de tarefas, do mais simples para o mais complexo, dever ser

    estabelecido. Comeando por trabalhar os termos e factos, seguem-se-lhe ideias mais

    abstractas, como conceitos e princpios, terminando com processos mais complexos, tais

    como a aplicao e a anlise. Por outras palavras, o ensino orientado pela taxionomia

    de Bloom.

    A avaliao formativa realiza-se depois de um perodo de ensino e aprendizagem e

    antecede sempre um momento de avaliao sumativa. Entre estes dois momentos os

    Jorge Pinto e Leonor Santos 14

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    alunos realizam actividades de remediao ou aprofundamento, de acordo com os

    resultados obtidos atravs da avaliao formativa (ver fig. 4).

    Ensino e aprendizagem

    Avaliao formativa

    Ensino e aprendizagem

    Actividades de aprofundamento

    Actividades de aprofundamento Avaliao

    sumativa

    Figura 4. A avaliao e o processo de ensino e aprendizagem

    Enquanto a avaliao formativa tem por inteno homogeneizar, sendo portanto os

    alunos testados em todos os objectivos pr-definidos, a avaliao sumativa diferencia,

    recorrendo a uma amostra de objectivos. Procura-se que a avaliao formativa altere a

    curva de Gauss. seu propsito que a aprendizagem dos alunos, objectivo a objectivo,

    se v aproximando cada vez mais a uma curva em J, significando que medida que o

    tempo vai passando (eixo das abcissas) o seu desempenho (eixo das ordenadas) se

    aproxime sucessivamente at atingir o objectivo estabelecido.

    Funes da avaliao

    neste perodo que, pela primeira vez, se procura introduzir um nova dimenso na

    avaliao, uma dimenso pedaggica, que toma expresso, quer com a avaliao

    diagnstica, quer com a avaliao formativa. Ocorrendo ou no incio ou durante o

    processo de ensino e aprendizagem, tm por principal objectivo orientar a aco,

    sobretudo a do professor.

    Tambm Scriven (1967) destaca a possibilidade da avaliao poder assumir

    diversas funes, nomeadamente a formativa e a sumativa. A formativa aquela que se

    pe ao servio de um programa em desenvolvimento, com o objectivo de o melhorar. A

    sumativa a que se orienta para comprovar a eficcia do programa no final do seu

    desenvolvimento. Este autor critica ainda a quase obsesso pelos objectivos

    Jorge Pinto e Leonor Santos 15

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    previamente estabelecidos, sem olhar o seu valor intrnseco. nesta linha que Scriven

    introduz a noo de avaliao intrnseca e extrnseca. A primeira avalia o elemento em

    si prprio, a segunda os seus efeitos.

    De acordo com este modelo, estas duas modalidades de avaliao, no pressupem

    desencadear uma anlise e uma reflexo sobre as razes justificativas dos afastamentos

    em relao aos objectivos pr-estabelecidos. As aces do professor so normalmente

    normalizadas e apresentam apenas dois possveis desenvolvimentos: as actividades de

    remediao ou de aprofundamento. Uma vez que as dificuldades sentidas pelos alunos

    durante o perodo de aprendizagem no so detectadas pelo professor, no perodo

    dedicado s actividades de remediao h um retorno aos objectivos no atingidos. A

    funo reguladora proporcionada pela avaliao formativa , deste modo, pontual e tem

    uma natureza retroactiva (Allal, 1986). Tm-se, assim, uma funo orientadora do

    professor, num sentido restrito.

    Apesar de chamar a ateno para os processos, a avaliao coloca um grande peso

    nos resultados finais, os comportamentos observveis, que so o critrio base da

    avaliao. Olhar o aluno mesmo durante o processo a partir destes critrios ltimos, cria

    necessariamente uma viso desvalorizada sobre os alunos, porque a lgica que se

    instala, independentemente do momento em que a avaliao ocorre, a de identificar o

    que ainda no se domina desses critrios. Tambm Cardinet (1992) salienta que o xito

    da avaliao formativa, ao assentar na remediao, exige a existncia de uma teoria

    psicolgica vlida sobre a aprendizagem humana. S ela permite interpretar os

    resultados e guiar a aco pedaggica. Contudo, esta teoria tendo as suas bases no

    behaviorismo, no consegue responder de uma forma satisfatria a estas exigncias,

    conduzindo estes processos de remediao a um certo acaso e rigidez, a processos

    pobres e pouco consistentes do ponto de vista da aprendizagem.

    Concomitantemente, ao existir uma avaliao sumativa, a dimenso social mantm-

    se, tal como j se verificava no perodo anterior. Por outras palavras, continua a existir

    uma funo de seleco/orientao que procura fundamentar um prognstico sobre a

    evoluo futura do aluno e uma funo de certificao, que ter por objectivo o

    reconhecimento das aprendizagens realizadas.

    Jorge Pinto e Leonor Santos 16

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    Sntese

    Do exposto ressaltam como principais aspectos que caracterizam este perodo os

    seguintes:

    (i) A aprendizagem escolar fica reduzida quilo que possvel definir-se enquanto

    objectivos dos programas de cada disciplina (com especial destaque para os objectivos

    do domnio cognitivo) o que desvaloriza o desenvolvimento de experincias de

    aprendizagem de natureza mais interdisciplinar e globalizante, como seja, o trabalho de

    projecto.

    (ii) A avaliao, embora permanea como uma medida, procura agora determinar o

    afastamento do desempenho a cada objectivo.

    (iii) Define-se um novo referencial, os objectivos, e o foco so tanto os processos,

    desenvolvimento e gesto de um programa, como os produtos finais, isto , o

    desempenho dos alunos.

    (iv) Existem duas funes distintas da avaliao: uma de natureza social e outra de

    dimenso pedaggica.

    A estas novas ideias, agrupadas em redor dos objectivos, Guba e Lincoln (1989)

    designam como a segunda gerao da avaliao.

    A avaliao como um julgamento de especialistas

    O modelo pedaggico assente na relao privilegiada entre professor e aluno

    determina a necessidade de uma avaliao que regule esta relao. Contudo, esta

    situao pedaggica torna-se, na maior parte das vezes, insustentvel quando o seu

    tempo muito dilatado porque os professores, no s tm de provocar a aprendizagem

    nos alunos, como os alunos e os pais exigem que se ensine a matria. Esta situao,

    tanto da parte dos alunos, como dos professores, traz para primeiro plano a urgncia dos

    saberes, desorganizando a relao professor/aluno. A soluo pode ser um regresso ao

    Jorge Pinto e Leonor Santos 17

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    passado, isto , situao pedaggica de ensinar ou ento um salto para a frente. So

    estas duas situaes que procuraremos em seguida apresentar para com elas descrever o

    terceiro perodo de avaliao.

    A natureza da avaliao

    Os novos olhares sobre a avaliao, provocados por Cronback e Scriven, estimulam

    o aparecimento e proliferao de vrios modelos avaliativos tendo como preocupao

    central a sistematizao da prpria aco de avaliao. Daqui resultam modelos com

    grande alcance heurstico e prescritivo. Estes modelos desenvolvem-se em redor de duas

    grandes linhas conceptuais. Uma, aprofundando a perspectiva de Ralph Tyler, baseada

    no desenvolvimento de uma tecnologia ao servio dos objectivos e da sua medida; isto

    , a sua nfase centra-se no desenvolvimento dos instrumentos que sustentam a

    avaliao. A outra, desenvolvendo a proposta de Cronbach, associa a avaliao ao

    processo de tomada de decises. Por outras palavras, passa a considerar-se que a

    avaliao no se reduz ao processo de recolha de informao, mas inclui de igual modo

    o processo de julgamento sobre a informao recolhida.

    Tecnologia ao servio dos objectivos e da sua medida. Esta linha continua no que

    j tinha sido iniciado no segundo perodo da avaliao. Uma vez mais h a tentativa de

    responder s falhas e pontos fracos da gerao anterior. Continua-se, por um lado, o

    trabalho em redor de uma maior clarificao dos objectivos e, por outro, investe-se na

    construo de instrumentos de avaliao que possam ser fiveis e testem aquilo que de

    facto importante na aprendizagem. nesta linha que dado aos especialistas a tarefa de

    construo de bancos de instrumentos postos disposio do professor. Sabendo que

    estes instrumentos esto centrados nos objectivos terminais de cada programa, a sua

    utilizao permite verificar a evoluo dos alunos nos diferentes domnios do saber. H

    aqui implicitamente a ideia de que o professor no sabe ou no tem tempo para

    construir e aferir estatisticamente esses instrumentos. Cabe assim aos especialistas criar

    os instrumentos necessrios para apoiar as decises a tomar pelo professor.

    Stufflebeam (1973) define a avaliao como o processo de delimitar, obter e

    providenciar informao til para ponderar possveis decises. O acto de avaliar a

    produo de conhecimento. Ele contempla a recolha, organizao e tratamento de

    informao seguindo um mtodo cientfico, tratamento de dados e anlise estatstica.

    Jorge Pinto e Leonor Santos 18

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    Deste modo, a avaliao um processo que permite sustentar as tomadas de deciso em

    informao rigorosa e cientfica.

    Procura-se ainda ir alargando o mbito do objecto de avaliao. Das aprendizagens

    realizadas pelos alunos, importa agora juntar a avaliao dos currculos, e da qualidade

    do ensino, em geral. A ideia de avaliao como medida tomando como quadro de

    referncia as orientaes curriculares ao nvel do prescrito a que se pretende ento

    desenvolver.

    A avaliao passa assim a estar separada de qualquer modelo pedaggico pois

    existe fora do contexto da aprendizagem. uma avaliao externa escola, mas a que

    esta pode e deve recorrer. Contudo, se esta exterioridade da avaliao responde s

    exigncias de uma informao fidedigna, ela arrisca-se a ser de pouca utilidade para

    cada professor, em particular, porque os seus alunos, os seus ritmos, a sua prpria

    interpretao e gesto do programa no se coadunam com essa informao tecnicamente

    perfeita.

    As funes que procura dar resposta so ainda formativas, mas sobretudo mais

    marcadas por uma lgica de certificao e de validao de aspectos do prprio sistema

    educativo.

    Processo de tomada de deciso. No h hoje nenhuma concepo moderna de

    avaliao que no aceite que a avaliao s tem sentido se permitir sustentar a deciso

    sobre alternativas de aco. Hadji (1989) pe em evidncia o significado de avaliao

    enquanto acto de julgamento entendido como processo de tomada de deciso. Segundo

    ele, no h avaliao sem uma tomada de juzo de valor. Avaliar tomar posio face

    ao valor de algo. Esta , alis, a grande diferena que a separa do acto de observar ou do

    de prescrever. Quem observa afirma o que v. Quem prescreve afirma como a realidade

    dever ser. Quem avalia aprecia o que v. Este juzo de valor depende, por um lado,

    dum enunciado prescritivo que o precede, dado que no poderei apreciar sem

    estabelecer uma comparao com aquilo que entendo que deveria ser, e por outro, de

    um julgamento do observador, uma vez que no poderei estabelecer uma apreciao

    sem conhecer algo daquilo que estou a apreciar.

    Encarar a avaliao como um processo de recolha de informao e de tomada de

    deciso torna o avaliador num juiz. Esta nova funo coloca inevitavelmente novas

    exigncias/competncias ao avaliador, o de saber apreciar os dados para uma tomada de

    deciso adequada. Da considerar-se que a avaliao deve ser da responsabilidade dos

    Jorge Pinto e Leonor Santos 19

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    especialistas. a eles que cabe a responsabilidade de a realizar e desenvolver. H,

    contudo, algumas consideraes em redor da prpria noo de avaliao como um

    julgamento profissional que importa clarificar. A este propsito, Hadji (1989) coloca

    duas observaes. A primeira prende-se com a natureza do prprio conceito de

    avaliao. Se avaliar tomar uma deciso entre diferentes possibilidades, atravs de um

    julgamento, o que est no centro da definio, no a deciso, mas o prprio

    julgamento. A segunda observao, que decorre da anterior, prende-se com a relao

    entre o avaliador e a prpria avaliao. Estando o julgamento no centro do conceito de

    avaliao, como possvel assumir que o acto de julgar, em si mesmo, no seja

    considerado tendo em conta o ponto de vista do avaliador? Apesar de se assumir que a

    avaliao um julgamento profissional feito por especialistas, no aceitvel defender-

    se que a avaliao aquilo que os especialistas sabem fazer. Neste raciocnio

    tautolgico, a avaliao corre o risco de se tornar num cofre de segredos bem

    guardados, em vez de ser um ecr de clarificao dos dados, dos critrios e dos padres

    que se utilizam para avaliar. Hadji (1989) salienta a importncia dum trabalho exaustivo

    na clarificao do acto de julgamento que de facto um processo de tomada de deciso

    baseado em escolhas que cada avaliador faz. Para alm disso, no podendo o avaliador

    ser apenas os olhos, as orelhas e o crebro do decisor, ele tem que ser considerado como

    parte integrante da prpria avaliao. Desta forma, no s os actos, mas tambm a

    pessoa que os produz, o avaliador, passa, ou deve passar, a ser tomado em conta nos

    processos de avaliao. Estas questes abrem novas portas ao pensamento sobre

    avaliao.

    Em meados dos anos 70, a emergncia do paradigma qualitativo no campo das

    cincias sociais e humanas vem influenciar as concepes sobre avaliao na medida

    em que as novas metodologias permitem tomar como objectos de estudo aspectos que

    at data no eram contemplados, nomeadamente as atitudes, os valores subjacentes

    aos actos de avaliao e dos seus actores, bem como os significados sociais das prprias

    aces avaliativas. Deste modo, os modelos qualitativos podem agrupar-se em dois

    grupos de orientao:

    (i) os que se inscrevem numa perspectiva interpretativa procurando revelar a cultura

    de avaliao que sustenta o funcionamento dos actos avaliativos. Eisner (1986) um

    dos maiores expoentes desta corrente ao sublinhar que o avaliador um perito em

    educao que interpreta a realidade em funo do meio cultural saturado de

    Jorge Pinto e Leonor Santos 20

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    significados. A interpretao depende da compreenso que se tem do contexto e da sua

    cultura, isto , do espao e tempo onde se cruzam os actores e as aces, onde emergem

    os objectos de avaliao e acontecem os procedimentos de avaliao;

    (ii) os que se inscrevem numa perspectiva scio-crtica que procuram revelar,

    atravs do dilogo e da negociao com os actores da cena social em estudo, os factos

    mais relevantes de uma inovao que se pretende introduzir. No caso da escola isto

    tanto vlido para os professores, como para os pais.

    Esta segunda linha de desenvolvimento a que nos referimos no se limita apenas a

    compreender a tomada de deciso como produto de um sistema mas preocupa-se

    igualmente com as consequncias da prpria deciso, no sentido de a entender como um

    mecanismo ao servio da inovao. A deciso enquanto reflexo sobre a aco pode

    ajudar a investir em aces que se considerem mais adequadas e consentneas com as

    metas pretendidas.

    A relao no contexto pedaggico

    Ao destacar a importncia no s dos actos avaliativos, mas tambm a importncia

    do prprio avaliador e das relaes sociais onde a avaliao ocorre, eclodem vrias

    perspectivas de avaliao que enfatizam novos aspectos a tomar em considerao pela

    avaliao. Destacam-se os modelos que preconizam uma abordagem sistmica. Em

    particular, comea a questionar-se at que ponto as tomadas de deciso so neutras.

    Assumindo-se que as tomadas de deciso no so feitas no vazio, mas sim num dado

    contexto, ela condicionada pela rede de relaes que a circunscreve. Mais ainda, a

    avaliao no s condicionada pelo visvel imediato, mas tambm pelos contextos

    ausentes. Assim, no falamos apenas do contexto mais imediato, como seja o modelo

    pedaggico onde o acto avaliativo se realiza, mas sim de mltiplos contextos que se

    interrelacionam entre si, de forma interdependente. Vejamos, a ttulo de exemplo a fig.

    5, que ilustra uma destas situaes.

    Jorge Pinto e Leonor Santos 21

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    TurmaEscola

    Sociedade

    Avaliao prescrita

    Avaliao apropriada

    Avaliao concretizada

    Figura 5. Contextos de tomada de deciso do processo de avaliao

    Ao nvel do contexto poltico-administrativo so tomadas um conjunto de decises

    para a avaliao, que tomam forma atravs de leis ou outro tipo de regulamentao

    (avaliao prescrita). Ao nvel do contexto institucional, estas medidas e orientaes

    expressas nos normativos para a avaliao vo ser lidas, interpretadas e definidas a um

    nvel mais fino (avaliao apropriada). Por ltimo, o nvel da relao professor-aluno,

    constitui o terceiro nvel de tomada de deciso, o contexto turma (avaliao

    concretizada). Enquanto que nos dois primeiros contextos de deciso, estas decises so

    em geral tomadas no colectivo e so marcadas pela generalizao e normalizao, no

    contexto da realizao, as tomadas de deciso acontecem sobretudo a nvel individual e

    procuram a especificao e diferenciao. Aquilo que imediatamente visvel o

    contexto turma, mas no se pode perceber o que se faz e porque se faz, se no tivermos

    em conta os dois contextos menos visveis.

    Assim, ao incorporar o contexto em que o acto de avaliar se desenvolve, bem como

    o jogo de relaes em presena, a perspectiva de avaliao que temos vindo a

    apresentar, chama a ateno para alguns aspectos a ter em considerao num modelo de

    avaliao:

    (i) Toda a realidade avaliada tem uma ordem formal que deve ser objecto de

    anlise.

    (ii) Toda a realidade est em relao com o meio que a envolve.

    (iii) A interdependncia dos elementos internos e externos do sistema devem ficar

    explcitos no quadro de referncia da avaliao.

    Jorge Pinto e Leonor Santos 22

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    Funes da avaliao

    Seja o modelo pedaggico do ensinar, seja o do formar, procura-se neste perodo

    desenvolver a avaliao formativa entendida como um meio de regulao no interior de

    um sistema de formao. Segundo Allal (1986), existem duas formas de regulao: uma

    que visa assegurar que as caractersticas dos sujeitos em formao correspondam s

    exigncias do sistema e a outra que procura garantir que os meios de formao sejam

    adequados s caractersticas daqueles para quem a formao dirigida. nesta segunda

    perspectiva que a avaliao formativa poder contribuir para a diferenciao dos modos

    de aco e de interaco pedaggica a fim de assegurar uma aco educacional mais

    adequada.

    Segundo esta autora, o processo de regulao passa por trs fases: a recolha de

    informao, relativa aos processos de aprendizagem desenvolvidos por cada aluno, com

    identificao dos aspectos conseguidos e das dificuldades sentidas e obstculos que se

    lhe levantaram; a interpretao da informao recolhida, no sentido de compreender a

    situao observada, nomeadamente fazendo um levantamento de possveis razes

    explicativas da situao; e a adaptao das actividades de ensino e de aprendizagem de

    acordo com a interpretao desenvolvida.

    Tendo subjacente um modelo cognitivista da aprendizagem, o que importa acima

    de tudo compreender o funcionamento cognitivo do aluno face a uma dada situao que

    lhe proposta. O processo de interpretao recai sobretudo numa lgica de

    compreender os processos mentais do aluno e no tanto na correco do resultado

    obtido. Deste modo, o erro pode ser um dado interessante, uma vez que pode revelar ao

    professor pistas sobre as representaes ou as estratgias elaboradas pelo aluno. A

    adaptao pedaggica procura ajudar e orientar o aluno na realizao da tarefa proposta.

    Note-se que do exposto ressalta a nfase que dada em todo este processo ao professor.

    a ele que cabe o desenvolvimento de cada uma destas etapas. Por outras palavras, o

    principal agente da regulao o professor.

    Esta regulao, ao contrrio do perodo anterior, procura ir acompanhando o

    processo de ensino e aprendizagem. Pela observao dos alunos, procura-se ir

    detectando durante o desenvolvimento do processo de aprendizagem as dificuldades dos

    alunos, interpretar essa informao e adequar no imediato. Os processos de avaliao

    formativa esto integrados nas actividades de ensino e aprendizagem (ver fig. 6). um

    processo de regulao contnuo e de natureza interactiva (Allal, 1986).

    Jorge Pinto e Leonor Santos 23

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    ensino e aprendizagem

    avaliao

    Figura 6. A avaliao e o processo de ensino e aprendizagem

    Sntese

    Do exposto ressaltam como principais aspectos deste perodo:

    (i) Avaliar entendido como um processo que envolve um julgamento, isto , uma

    tomada de deciso.

    (ii) A evoluo do pensamento sobre a avaliao alargou-se definitivamente

    passando a englobar o contexto e o quadro de relaes. Passa a ser considerada uma

    viso mais complexa dos processos avaliativos, entrando em linha de conta com redes

    de inter-relaes e interdependncias existentes entre diversos contextos de tomada de

    deciso.

    (iii) Verifica-se um alargamento da noo de avaliao formativa, tanto pelos

    quadros conceptuais mais ricos que as perspectivas cognitivistas abrem na compreenso

    dos processos de aprendizagem, como na compreenso dos processos de regulao

    entendidos como contnuos e interactivos. Procura-se adaptar o ensino ao aluno e no o

    contrrio. Uma lgica de normalizao substituda por uma lgica de diferenciao.

    (iv) O desenvolvimento da reflexo terica sobre a prpria avaliao e suas prticas

    consolidou definitivamente a investigao avaliativa como um campo especfico da

    investigao cientfica.

    o perodo a que Guba e Lincoln (1989) chamam de terceira gerao da

    avaliao.

    Jorge Pinto e Leonor Santos 24

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    A avaliao como uma interaco social complexa, inscrita numa dinmica

    relacional com mltiplos significados

    Nos anos 90 com a afirmao clara do paradigma construtivista nas cincias sociais

    e humanas, a avaliao perspectivada a partir de novos olhares em que se destaca de

    uma forma explcita: (i) a sua natureza relacional, atravs da comunicao interpessoal,

    (ii) a sua contextualizao num quadro de relaes inscritas numa dinmica de aco

    mais ou menos complexa (iii) e um sistema de valores a ela associada, como em

    qualquer outra prtica social. Assim, pode entender-se que a avaliao, longe de ser um

    processo socialmente neutro (Pinto, 2002), uma construo social ao servio de

    determinadas finalidades que enformam certos valores. Deste modo, a avaliao j no

    pode ser vista como a deciso de algum que espreita uma certa realidade para

    produzir um juzo avaliativo, mas algum que pelo facto de agir nessa realidade,

    tambm dela faz parte. Esta nova postura no anula a importncia da deciso, mas

    desloca o olhar para as consequncias e os significados do prprio processo de

    avaliao.

    A natureza da avaliao

    Como se pode deduzir, a natureza da avaliao no s se alarga, mas tambm se

    torna mais complexa. Esta complexidade advm de trs principais ordens de razo, que

    apresentaremos de seguida.

    Em primeiro lugar, da sua natureza relacional, assente num processo de

    comunicao (ver fig. 7). Para que haja um processo de comunicao , desde logo,

    necessrio que haja uma intencionalidade recproca entre os actores numa relao.

    ainda indispensvel que a mensagem seja adequada a essa relao, quer quanto ao seu

    contedo, quer quanto aos afectos que veicula. Mas para que a mensagem seja eficaz

    necessrio, que haja uma partilha, parcial ou total, de um cdigo. ela que permite

    que o emissor construa uma mensagem de certo tipo e, por seu turno, que o receptor a

    compreenda, para que o ciclo de comunicao se estabelea. Por exemplo, entre duas

    pessoas que falam duas lnguas, mas que uma delas ou ambas percebam um pouco da

    lngua do outro, a intensidade da e qualidade da comunicao depende fortemente da

    intencionalidade. Mas se ambas partilham reciprocamente as lnguas e se mantiver a

    Jorge Pinto e Leonor Santos 25

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    intencionalidade, a qualidade da comunicao pode aumentar substancialmente.

    Contudo, se a intencionalidade recproca baixar ou desaparecer, o processo de

    comunicao acaba.

    Emissor ReceptorCdigo CdigoMensagem

    codificao descodificao

    descodificao codificao

    Contedo

    relao

    intencionalidade

    intencionalidade

    Contexto facilitadorinibidor

    Figura 7. Processo de comunicao

    O contexto pode ainda ser um facilitador ou inibidor deste processo de

    comunicao. Ora se passarmos para outras situaes em que avaliao ocorre, situemo-

    nos nas organizaes sociais onde as relaes so mediadas tambm por redes de poder,

    este poder pode repercutir-se na intencionalidade, nos cdigos usados e ainda no

    contexto criado, e assim influenciar decisivamente a qualidade e a eficcia do processo

    de comunicao. A avaliao pode tornar-se num processo de dilogo entre actores que,

    naturalmente, podem ter pontos de vista diferentes sobre um mesmo facto, mas que so

    capazes de, atravs da explicitao das suas divergncias, chegarem a consensos, ou

    pelo contrrio fazerem da avaliao um monlogo, utilizando um esquema unilateral de

    transporte de informao sem procurar transform-lo num processo de comunicao

    eficaz. Naturalmente, que toda esta problemtica desloca o olhar da avaliao para o

    funcionamento dos processos de comunicao num quadro de relaes complexas,

    como so os sistemas organizacionais.

    Em segundo lugar, porque a avaliao, que normalmente entendida como algo de

    pessoal, essencialmente um processo social que se inscreve num quadro de relaes

    existente, com a sua cultura e as suas dinmicas de aco. Deste modo, numa

    organizao social mais ou menos complexa, seja um projecto, uma escola ou uma

    empresa, h o vivido pelos vrios actores em redor de factos ou de objectos ou de

    Jorge Pinto e Leonor Santos 26

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    relaes, que implicam necessariamente pontos de vista diversos. A evidncia e a

    explicitao destes pontos de vista, a sua compreenso para uma clarificao de

    divergncias e/ou construo de convergncias, que em todo o caso tm um forte

    impacto nas dinmicas de aco, s possvel na base de processos de comunicao

    com alguma solidez. Assim, a avaliao desloca-se definitivamente no s para os

    quadros de relao, mas tambm, para as dinmicas de aco de que a prpria avaliao

    tambm faz parte, contribuindo para que os actores encontrem os melhores caminhos

    face aos seus objectivos. Por outras palavras, a avaliao passa a preocupar-se tambm

    com a adequao, a eficcia e o sentido das aces resultantes das decises/julgamentos

    avaliativos.

    Em terceiro lugar, para interrogar o sentido no s dos processos de avaliao mas

    tambm das consequncias que dela decorrem necessrio questionarmos o sistema de

    valores que est implcito s finalidades da prpria dinmica de avaliao, isto , tomar

    a avaliao como uma prtica social que sustenta e sustentada por um sistema de

    valores. Deste modo, a avaliao, na sua complexidade, pode ser olhada tambm como

    um objecto que a expresso de uma cultura (de ideias, prticas e significados

    partilhados) que por sua vez a pode reforar ou transformar. Assim, a avaliao passa

    tambm a preocupar-se por entender os significados das dinmicas de aco nos

    diversos contextos, isto , compreender quais as experincias vividas pelos actores

    envolvidos nas dinmicas de aco e como respondem aos seus direitos e/ou s suas

    necessidades.

    Tendo em conta os trs aspectos referidos (a natureza relacional, o quadro de

    relaes e o sistema de valores) podemos dizer que a prioridade da avaliao, atravs

    do(s) avaliador(es), responder a problemas e a questes reais que afectam os diversos

    actores num determinado contexto ou numa situao concreta. A avaliao deixa de se

    reger por procedimentos rgidos e normalizados, e passa a assumir no seu seio uma

    pluralidade de abordagens sobre uma mesma realidade, e consequentemente uma

    diversidade de respostas. Estes diversos olhares, que no se excluem, podem mesmo

    enriquecer-se mutuamente, atravs da incorporao de alguns elementos de outros

    considerados pertinentes para a sua aco.

    Deste modo, a avaliao torna-se, em larga medida, numa aco feita por pessoas e

    para pessoas sendo o seu principal objectivo encontrar respostas em situao dinmica,

    para melhorar o desenvolvimento, tanto das aces, como das relaes numa dada

    situao social. A avaliao , assim, entendida como um processo de construo social

    Jorge Pinto e Leonor Santos 27

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    e poltico, que envolve uma colaborao entre vrios parceiros, que toma a realidade

    como socialmente construda e dinmica, que admite a divergncia, que lida com

    resultados imprevisveis e em que sua aco vai tambm gerando a prpria realidade.

    Podemos dizer, ainda, que a avaliao tambm um processo gerador de valores

    apropriados pelas pessoas e pelas instituies (Jorro, 2000) que servem por sua vez de

    base, para a construo de imagens ou de representaes sobre o vivido.

    A avaliao no contexto pedaggico

    O processo aprender assenta fundamentalmente sobre a relao privilegiada entre

    os alunos e o saber, desempenhando o professor o papel passivo. Este processo, em

    larga medida influenciado pelos avanos da psicologia construtivista, reconhece que os

    alunos podem aceder directamente ao saber, sem a mediao forada do professor,

    como acontece no processo de ensinar (ver fig. 8).

    Saber

    Professor Aluno

    Figura 8. Modelo pedaggico centrado no aprender

    Se os alunos so os construtores do seu prprio conhecimento, na medida em que

    este resulta de um processo pessoal de atribuio de significado ao que se est a

    aprender, ento o acesso ao saber pode fazer-se de uma forma directa, isto , pondo o

    aluno em relao com o corpo de conhecimentos que se pretende que o aluno aprenda.

    Sendo os alunos os construtores do seu prprio conhecimento, o acesso ao saber pode

    fazer-se de uma forma imediata e directa. O professor no se anula, muda simplesmente

    de papel. De transmissor de saber passa a organizador dos contextos e a acompanhante

    privilegiado dos alunos nas aprendizagens.

    O uso da diversidade de formas de trabalhar na sala de aula, nomeadamente o

    trabalho em grupo, em redor de tarefas de resoluo de problemas e desenvolvimento de

    Jorge Pinto e Leonor Santos 28

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    projectos, o trabalho autnomo orientado para a sistematizao dos novos saberes ou

    para ultrapassar os pontos fracos de cada um so prticas desenvolvidas por alguns

    professores. possvel, neste quadro, caminhar para o desenvolvimento de uma

    pedagogia que permita que os alunos trabalhem sobre as suas necessidades mais

    prementes e tambm sobre saberes abordados pelo colectivo dos alunos. Ora, neste

    processo de aprender a questo central coloca-se justamente nos processos de

    aprendizagem, ou melhor, nas formas de relao do aluno com os saberes.

    A avaliao desempenha neste processo um papel central no prprio processo de

    aprendizagem. Toda a aprendizagem comporta necessariamente dificuldades e erros,

    justamente porque um processo de reestruturao de representaes prvias de saberes

    que o aluno j possua. Esta reconstruo no se faz de uma vez s, mas um processo

    com avanos e recuos at uma estabilizao. Sendo a avaliao um revelador de erros,

    pode atravs da compreenso da natureza desses prprios erros tornar-se num

    instrumento ao servio das aprendizagens. Contudo, para que o erro possa ser

    ultrapassado necessrio que seja reconhecido e compreendido no s pelo professor,

    mas fundamentalmente pelo prprio aluno. Neste sentido, os instrumentos de avaliao

    devem ajudar o indivduo no s a reconhecer os seus pontos mais fracos, mas

    fundamentalmente a perceb-los e a ser capaz de encontrar meios para os ultrapassar.

    Encarar o aluno como o protagonista da sua prpria avaliao, determina que a

    auto-avaliao aparea como a forma de avaliao privilegiada. Uma vez que est

    centrada no aluno cria-lhe oportunidade de reflectir sobre o seu prprio percurso

    enquanto sujeito em aprendizagem. Contudo, ser em simultneo sujeito e objecto num

    processo de reflexo uma tarefa muito exigente, e mesmo, por vezes, bastante difusa

    porque no claro qual o referencial a utilizar, isto , o termo de comparao. Deste

    modo, o trabalho em redor dos critrios de avaliao torna-se numa prioridade de modo

    a criar as condies para que estes critrios apropriados negociados ou no pelo

    aluno funcionem como referencial da auto-avaliao. Uma vez mais o papel do

    professor determinante no apoio que este pode dar ao aluno no desenvolvimento deste

    trabalho to exigente. Uma atitude de permanente ateno sobre os indicadores que o

    professor pode recolher ao longo dos momentos de ensino e aprendizagem so

    determinantes. Uma vez mais, a avaliao no mais um processo que acontece ao fim

    de um perodo mais ou menos alargado no tempo, mas sim um processo que deve

    acontecer em integrao com o acto pedaggico (ver figura 9).

    Jorge Pinto e Leonor Santos 29

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    ensino e aprendizagem avaliao

    Figura 9. A avaliao e o processo de ensino e aprendizagem

    de fazer notar que este processo de funcionamento pode tambm entrar em

    ruptura se os alunos pressionam o professor para que d a matria ou uma resposta aos

    seus problemas, de uma forma pronta a consumir, em formato nico. Por seu lado, o

    professor pode tambm assumir que os alunos ainda no tm, ou que, por fora das

    circunstncias, no podem usar a autonomia, indispensvel neste processo. Assim, pode

    cair-se numa situao de ensinar. O que sai no exame transforma-se com o tempo no

    prprio programa. O que socialmente exigido ao professor, no tanto que os alunos

    aprendam, mas que ele os prepare para terem xito no exame, isto que d a matria

    pronta a consumir e a utilizar na situao de exame. Fazer outra coisa perder tempo.

    Funes da avaliao

    Embora a funo reguladora da avaliao no surja pela primeira vez ela toma

    agora um novo significado. Mais do que ter por objectivo assegurar a articulao entre

    as caractersticas dos alunos e o processo de ensino, dirige-se essencialmente ao

    propsito de focar-se na aco do aluno como principal agente regulador da sua

    aprendizagem. A avaliao desenvolvida pelo professor passa deste modo a ter uma

    funo de ajuda no processo, mas no constitui por si s o seu ncleo. este o sentido

    da designao de avaliao formadora (Nunziatti, 1990).

    As possibilidades de compreenso do erro, alargadas pela emergncia do paradigma

    cognitivista, contriburam tambm para que a avaliao pudesse desempenhar este outro

    papel na relao com a aprendizagem. Assim, a regulao continua a ser a chave para

    que a avaliao seja um contributo para a formao, mas, como refere Hadji (1997), esta

    tarefa de regulao pedaggica essencialmente uma tarefa do prprio aluno. Esta

    forma de avaliao emergente, a auto-avaliao regulada (Nunziatti, 1990) um

    processo de metacognio (Santos, 2002) e como tal, um meio de aprendizagem. Neste

    Jorge Pinto e Leonor Santos 30

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    processo, o aluno tem que comparar os seus desempenhos reais com os esperados que

    constituem o referencial e identificar os seus pontos de realizao ou de no

    realizao. Mas, reconhecer um erro ou identificar uma dificuldade j um processo de

    aprendizagem (Meirieu, 1989). Para alm disso, a tomada de conscincia do erro ou da

    dificuldade por parte do aluno permite, no s pedir ajuda de forma mais precisa, como

    desenvolver estratgias pessoais mais centradas na superao das dificuldades. nesta

    perspectiva que a avaliao se transforma num instrumento pessoal ao servio das

    aprendizagens.

    O fim ltimo da avaliao no identificar, embora isso seja necessrio, mas ajudar

    a tomar a melhor deciso em termos de uma aco reguladora. Contudo, o prprio

    processo de avaliao desenvolvido pelo aluno j em si mesmo um momento de

    aprendizagem. Naturalmente que, para alm da auto-avaliao, utilizam-se outras

    modalidades ou meios de avaliao, mas o objectivo , em ltima instncia, fazer um

    balano para encontrar os melhores caminhos na superao das dificuldades.

    Embora a avaliao continue a desempenhar uma funo de classificao, seleco

    e certificao que a prpria estrutura do sistema educativo impe, surge uma nova

    funo reguladora, cujo peso se sobrepe s j existentes.

    Por ltimo, discute-se hoje a necessidade da avaliao ter tambm uma funo

    informativa. Muitos sistemas educativos assumem de forma clara essa funo para a

    avaliao, preconizando que deve ser dada informao aos pais de forma a regular a

    situao e evoluo escolar dos seus filhos. Contudo, Perrenoud (2001) questiona se se

    trata efectivamente de uma nova funo ou se, pelo contrrio, a informao no uma

    componente de toda a avaliao. De facto, os professores quando fazem a avaliao dos

    alunos, de algum modo do conhecimento dela ou parte dela aos seus pares, aos alunos,

    aos pais e administrao. Parece assim, que a informao associada avaliao no

    uma novidade. Contudo, a insistncia sobre uma maior visibilidade informativa pode

    induzir a ideia da necessidade de outras avaliaes com o objectivo de produzir

    informao especfica para os pais ou para a administrao. Caso contrrio, corre-se o

    risco de instituir uma avaliao informativa baseada em dados autnomos, esquecendo

    outros dados que permitem um acompanhamento efectivo da aprendizagem dos alunos.

    Isto coloca um outro problema, no tanto sobre a necessidade de informao, que

    indiscutvel, mas sobre o tipo de informao e os seus objectivos.

    Jorge Pinto e Leonor Santos 31

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    Sntese

    Do exposto podemos afirmar que a avaliao um processo gerador de uma cultura

    de avaliao (Pinto, 1991):

    (i) Procura-se afirmar pela pluralidade de perspectivas e recusa-se o fechamento da

    avaliao numa perspectiva unilateral, seja ela mais psicomtrica ou tecnicista.

    (ii) Assume-se a avaliao como um acto que incide sobre uma realidade em aco

    onde se cruzam diversos actores, colocando em destaque a problemtica da

    comunicao e a necessidade da partilha de cdigos que assegurem o seu

    funcionamento entre os diversos actores. Daqui resulta a importncia que assume o

    trabalho em redor da explicitao, das intenes, dos objectivos, dos meios a utilizar na

    recolha das informaes.

    (iii) Entende-se a avaliao como um processo aberto e negociado entre os vrios

    actores, onde as regras do jogo so conhecidas, clarificando e respeitando uma tica do

    agir avaliativo.

    (iv) Considera-se uma avaliao cujos objectivos estejam centrados na tomada de

    decises suportes de uma aco que responda aos problemas dos diversos actores,

    gerando assim novas realidades.

    (v) Procura-se que a avaliao permita uma reflexo crtica sobre a prpria aco

    avaliativa e trace novas perspectivas de futuro enquadrando os novos problemas

    emergentes.

    a este perodo que Guba e Lincoln (1989) chamam a quarta gerao da

    avaliao.

    Jorge Pinto e Leonor Santos 32

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    Consideraes finais

    A ausncia de uma histria da avaliao dificulta a perspectiva que aqui se

    pretendeu dar sobre a evoluo do significado de avaliao em toda a sua extenso. A

    avaliao uma prtica social inscrita num sistema mais vasto de outras prticas que

    tiveram importantes funes em situaes de reorganizao social no caminho do seu

    desenvolvimento. As funes da avaliao e a sua evoluo esto assim estreitamente

    articuladas com os prprios movimentos da sociedade e das suas culturas.

    Contudo, possvel dizer-se que neste movimento evolutivo houve de uma forma

    clara o deslocamento, sobretudo em termos tericos, de uma concepo tcnica e

    instrumental da avaliao centrada em produtos, para uma viso mais alargada centrada

    nos processos e nos seus significados tanto culturais como polticos que os sustentam.

    Tambm a avaliao deixa de ser entendida como um gesto pessoal, para se inscrever

    numa prtica social que cumpre determinadas misses. nesta perspectiva que

    podemos dizer que a avaliao sempre a resposta a um pedido, mais ou menos

    alargado ou restrito. As instituies, so normalmente as entidades que, no terreno,

    interpretam, organizam e concretizam os pedidos. A forma como o fazem cria leques de

    possibilidades mais ou menos restritos de prticas avaliativas. Em contrapartida, os

    contextos sociais podem inibir ou catalisar a evoluo da prpria avaliao, que como

    vimos est intimamente articulada com os processos de ensino/aprendizagem.

    O reconhecimento actual da complexidade da aco avaliativa, que se foi

    construindo ao longo do tempo, supe a coexistncia de diferentes abordagens, que em

    funo da sua razo de ser, se podem agrupar em redor de trs grandes ideias, que no

    sendo mutuamente exclusivas, tambm no se confundem entre si:

    (i) A avaliao centrada nos resultados, associada ao uso de tcnicas e de

    procedimentos normalizados de recolha e anlise de dados. Os resultados sendo

    normalmente parciais e fragmentados, tm muitas vezes a pretenso de serem

    generalizveis;

    (ii) A avaliao orientada para o estudo dos processos, procura, atravs de uma

    compreenso global da informao, chegar a concluses que fundamentem uma

    interveno nas realidades educativas imediatas sujeitas avaliao. A sua utilizao

    fica confinada situao em que ocorre.

    Jorge Pinto e Leonor Santos 33

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    (iii) a avaliao centrada na aco vista como um todo (processos, produtos e

    dinmicas contextuais e relacionais) tem por objectivo central sustentar a decises sobre

    as melhores respostas para os problemas emergentes dos diversos actores em interaco.

    O seu objectivo influenciar num sentido positivo a dinmica da aco considerada.

    Esta rede complexa que sustenta o agir avaliativo exige uma abordagem

    interdisciplinar para a sua compreenso. Esta convoca um conjunto de disciplinas cada

    vez mais alargado desde as mais tradicionais, tais como a psicologia, sociologia e

    pedagogia, at s disciplinas emergentes neste campo como a comunicao, a filosofia e

    a teoria da aco. Esta postura eclctica trouxe necessariamente novas metodologias de

    trabalho cientfico, nomeadamente aqueles que se enquadram no paradigma qualitativo.

    O debate hoje j no se centra tanto na legitimidade dos mtodos mas antes na sua

    compatibilidade/incompatibilidade com as diversas concepes de avaliao, as suas

    finalidades e os seus objectos de estudo.

    Embora a avaliao tenha estado sempre muito ligada escola e, em particular, s

    situaes pedaggicas que a ocorrem, visvel nas ltimas dcadas o seu afastamento

    para outros campos e outros objectos para alm dos espaos escolares formais. A

    evoluo da avaliao esteve e est muito interrelacionada com os modelos pedaggicos

    que assentam sobre as concepes entre ensinar e aprender e nas relaes que estas

    concepes determinam. A razo de ser da avaliao pedaggica define-se pelo papel

    que esperado desempenhar num determinado modelo pedaggico. Vimos que este

    depende de um sistema de relaes triangulares que se organiza de forma bipolar,

    constituindo assim um campo de fora entre dois plos do tringulo e remetendo o outro

    plo para uma situao passiva. A identificao dos plos activos e do passivo

    permitem-nos perceber o processo estruturante dos diversos funcionamentos

    pedaggicos e deduzir o papel que se espera da avaliao. Deste modo, (i) no modelo

    ensinar, que privilegia o eixo professor/saber e que d ao aluno o lugar passivo, a

    avaliao est normalmente associada medida dos produtos/desempenhos; (ii) no

    modelo formar, que privilegia o eixo professor/aluno e torna o saber passivo e que

    coloca em evidncia as relaes e a comunicao, a avaliao est mais centrada nos

    processos que sustentam os produtos/desempenhos; (iii) no modelo aprender, que

    privilegia o eixo aluno/saber e toma o professo como passivo, d avaliao um papel

    Jorge Pinto e Leonor Santos 34

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    de destaque na medida em que esta o instrumento de compreenso e de aco

    reguladora das relaes que se estabelecem entre o processo e o produto.

    Cada uma destas situaes pedaggicas, bem como o modelo de avaliao que lhe

    est associado, tm tendncia a funcionar em ciclo fechado. difcil suportar, em

    termos de prticas, um funcionamento na lgica do ensinar e uma avaliao baseada na

    auto-avaliao regulada, associada ao modelo do aprender, porque esta no faz sentido

    no processo de ensinar. Podem naturalmente acontecer situaes episdicas mas tendem

    a desaparecer com o tempo. A consistncia da mudanas nas prticas de avaliao,

    implicam uma mudana de lgica no prprio processo de ensino/aprendizagem, ou vice-

    versa, isto , a passagem de um processo a outro traz necessariamente uma mudana na

    lgica de avaliar. Uma mudana decisiva no processo de avaliao acarreta uma

    mudana na prpria situao pedaggica (Gather-Thurler & Perrenoud, 1988) o que

    torna a avaliao uma grande avenida de entrada nos processos de inovao pedaggica.

    As lgicas destes trs processos parecem ser assim mais exclusivas do que

    complementares.

    Podemos ainda dizer que a avaliao, ao longo do ltimo sculo, assumiu funes

    que se prendem mais fortemente com pedidos de natureza social do que pedaggicos. O

    controlo das qualificaes profissionais, a rentabilidade dos recursos investidos na

    educao e a garantia da segurana dos indivduos e das comunidades atravs da

    regulao do exerccio de certas profisses, so trs razes sociais invocadas por

    Reuchelin (1974), que justificam e legitimam a avaliao, no s no passado, como no

    presente.

    Contudo, medida que os sistemas educativos vo evoluindo, que as crises nos

    sistemas educativos se vo instalando, e que as reformas aparecem, novos pedidos so

    feitos avaliao, nomeadamente a sua interveno no campo pedaggico. A gesto do

    processo de ensino aprendizagem, os apoios s dificuldades dos alunos exige da

    avaliao novas funes, colocando-lhe novos desafios nomeadamente no campo

    pedaggico.

    De acordo com Cardinet (1983) pode dizer-se que so trs as funes da avaliao:

    (i) A regulao dos processos de ensino/aprendizagem, que se destina prpria

    aco didctica, no sentido de lhe fornecer informaes teis para um funcionamento

    mais eficaz. Esta a ltima funo a emergir luz do dia, mas provavelmente aquela

    que tem um maior sentido no campo pedaggico. neste sentido que Hadji (1997)

    Jorge Pinto e Leonor Santos 35

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    coloca a questo de saber se a actividade de avaliao no espao escolar no deveria ser

    antes do mais uma prtica pedaggica ao servio das aprendizagens.

    (ii) A certificao, com o objectivo de um reconhecimento de aprendizagens ou

    validao de competncias, perante terceiros, no final de um ciclo de estudos.

    (iii) A seleco/orientao em que se procura fundamentar um prognstico sobre a

    evoluo futura do aluno. Trata-se assim de assumir uma aptido presumida face a uma

    nova situao de aprendizagem.

    Estas funes devem implicar instrumentos e dispositivos especficos para a

    consecuo de cada uma delas (Cardinet, 1983). A utilizao do mesmo instrumento e

    do mesmo dispositivo para assegurar todas as funes torna a avaliao mais limitada e

    necessariamente mais redutora. Embora os dados recolhidos no mbito destas trs

    funes no sejam necessariamente diferentes, o que as diferencia o modo como se

    analisam esses dados que sustentam diferentes tipos de decises em articulao com os

    critrios especficos de cada funo (Perrenoud, 2001). Temos assim:

    (i) Uma avaliao formativa que sustenta a regulao do ensino e aprendizagem

    durante o perodo em que esta decorre.

    (ii) Uma avaliao certificativa que sustenta a garantia social das aquisies

    feitas atravs do ciclo de estudos e que deve ocorrer quando o ciclo termina.

    (iii) Uma avaliao de diagnstico e prognstico que sustenta as decises, quer

    de seleco, quer de orientao em funo de uma antecipao do futuro prximo do

    aluno em termos das suas competncias para prosseguir determinados nveis de estudo

    subsequentes. Esta ocorre em certos momentos especialmente destinados a esse fim.

    O desenvolvimento das funes da avaliao referidas no foi gratuito ou

    meramente casustico, antes uma resultante da evoluo da sociedade, dos sistemas de

    ensino e das suas relaes com o mundo de trabalho e com a prpria noo de cultura.

    Como refere Perrenoud (1984), a cultura com sentido universal passou a estar

    Jorge Pinto e Leonor Santos 36

  • Captulo 1(verso de trabalho) Janeiro 2005

    fortemente limitada cultura escolar. A cultura passou a ser aquilo que definido como

    tal no contexto escolar, algo a ensinar e a transmitir, codificada num curriculum que

    especifica os contedos e os temas do ensino e do discurso magistral. Toda a formao

    tende a orientar-se para a aquisio dessa cultura escolar. A avaliao assim o meio de

    reconhecimento da posse dessa cultura. ela que tambm responsvel pela

    hierarquizao dos indivduos em funo da sua excelncia em termos dos seus saberes

    escolares e consequentemente culturais. A prpria cultura vai sendo invadida

    lentamente no s pelos saberes escolares tericos e prticos, mas tambm pelos valores

    que so inerentes ao funcionamento escolar. O domnio de uma cultura escolar de base

    torna-se numa norma qual ningum escapa e ser o melhor sobrepe-se ao saber mais,

    numa escola obrigatria e de massas, que ensina o mesmo a todos. A est a avaliao,

    como instrumento e meio de certificar atravs de uma medio do que cada um sabe, ou

    melhor da determinao do lugar que ocupa na hierarquia de excelncia escolar. A

    vertente certificativa da avaliao ganha um peso social incomparvel no contexto

    escolar e social e vai funcionar como imagem de toda a avaliao. Mas esta importncia

    social tem que ser compatvel com rigor, equidade e iseno da medida. No por acaso

    que esta foi e ainda uma preocupao dominante no campo da avaliao.

    Por ltimo, de fazer notar que, como em geral acontece noutros domnios sociais,

    a rapidez da evoluo terica no foi acompanhada da necessria evoluo das prticas.

    Assim, h uma tendncia para um certo encaixe de umas prticas nas outras, no

    parecendo claro que algumas perspectivas de avaliao implicam uma ruptura no

    sentido epistemolgico com a concepo anterior. Deste modo, as prticas no podem

    seguir uma lgica de continuidade, mas tm elas prprias de se ancorar noutros

    pressupostos. Concebida como uma medida, que se destinava a vrios processos

    administrativos de organizao e gesto dos sistemas educativos, a avaliao hoje

    entendida como um processo de deciso compreensiva (Weiss, 1996) orientada para a

    interveno reguladora. Estas diferentes formas de olhar a avaliao ocorreram mais

    rapidamente no plano terico que no prtico (Dominic, 1979). Assim, natural que a

    imagem da avaliao como medida seja ainda muito forte. Esta lenta transio entre os

    conceitos e as prticas teve tambm como efeito a coexistncia das vrias ideias, muitas

    vezes sob as mesmas prticas. As prticas de avaliao mais conservadoras ligadas

    medida atravs dos exames ou seus substitutos mais aligeirados marcam hoje no s o

    universo conceptual, mas tambm as prticas profissionais de professores (Pinto, 2002).

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