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Evolução das relações rural-urbano no Brasil:
dinâmicas demográficas e análise comparada em perspective histórica
Paper apresentado na International Conference “Dynamics of rural transformation in emerging
economies” New Delhi, India – Abril/2010
Arilson Favareto1
Introdução2
Que o Brasil rural mudou não há dúvida. A imagem tradicional de um país agrário vem
progressivamente dando lugar a um retrato multifacetado. Nele, a competitividade
internacional do agronegócio é uma das faces mais marcantes. Mas junto a ela é preciso
agregar outras dimensões como a consolidação de um importante segmento da
agricultura familiar, plenamente inserida em mercados dinâmicos, a emergência da
retórica do desenvolvimento territorial, as correspondências sociais e ambientais (nem
sempre positivas) associadas à competitividade, as metamorfoses da questão agrária e
da questão social brasileira. Amalgamando esse conjunto, existe um significado. Os
objetivos deste artigo são, justamente, apresentar este conjunto de mudanças por que
passou o rural brasileiro no período recente, e explicitar em quê consiste a unidade por
detrás da diversidade de faces assumidas por estes espaços no tempo presente. O que se
pretende demonstrar é que as mudanças experimentadas pelo Brasil rural representam o
fim de uma grande etapa da formação nacional. Em uma palavra, o rural brasileiro não é
mais o mesmo da geração anterior. Com a consolidação da urbanização e da
industrialização brasileira fechou-se um longo ciclo. O rural integrou-se definitivamente
ao urbano, numa integração contraditória e conflituosa. Por outro lado, as categorias de
apreensão e mesmo as instituições voltadas ao desenvolvimento rural, não foram ainda
modificadas em uma direção condizente com o estatuto desta nova etapa. Por isto,
reformar as instituições e as categorias de pensamento sobre o rural são dois grandes
desafios que se impõem para a próxima década.
Para expor esta idéia principal o texto está organizado em três partes, além desta
Introdução e de uma breve Conclusão. A primeira seção aborda o conteúdo de algumas
das principais mudanças experimentadas no decorrer das últimas duas décadas e meia –
1 Sociólogo, doutor em Ciência Ambiental, professor da Universidade Federal do ABC. E-mail:
[email protected] 2 Uma versão anterior e mais resumida deste texto foi publicada em espanhol na Revista Nueva Sociedad
em 2009.
portanto, desde a redemocratização do país. Com base nos achados dos principais
programas de pesquisa sobre o rural brasileiro são apresentadas seis tendências que,
como se tentará demonstrar, configuram a emergência de uma nova etapa na formação
sócio-espacial do Brasil. A segunda aborda as diferentes manifestações geográficas
desta nova etapa, com o objetivo de mostrar como o novo sentido experimentado pela
ruralidade brasileira não tende a uma homogeneização, mas antes o contrário: tem como
um de seus traços marcantes a diferenciação. A terceira seção procura indicar alguns
dos desdobramentos desta nova condição para se pensar as instituições voltadas ao
desenvolvimento rural.
1. As mudanças: seis tendências marcantes
As mudanças experimentadas pelo Brasil rural desde a segunda metade dos anos oitenta
atingem as dimensões demográfica, econômica e social. De maneira sistemática, mas
sem a pretensão de oferecer um panorama exaustivo, pode-se destacar seis tendências
marcantes, cujo conteúdo e sentido comportam uma mudança qualitativa em relação ao
momento anterior.
Primeira tendência: muda o perfil demográfico do rural brasileiro
Como se sabe, uma das marcas do rural brasileiro na segunda metade do Século XX foi
o intenso processo de êxodo rural. De acordo com estatísticas oficiais, no final dos anos
noventa quatro em cada dez brasileiros eram considerados urbanos (IBGE, 2000). Mas,
uma peculiaridade da definição brasileira sobre o que é rural e o que é urbano atrapalha
o entendimento mais preciso destas dinâmicas demográficas. O que ocorre é que, no
Brasil, a definição dos limites entre áreas rurais e urbanas é uma atribuição dos
municípios. Assim, o Poder Legislativo de cada um dos 5560 municípios pode definir a
extensão de suas áreas urbanas e rurais com relativa autonomia. Como resultado,
municípios com baixa densidade populacional, tamanho reduzido, frágil infraestrutura,
muitas vezes apresentam estatísticas que apontam um grau de urbanização superior a
muitas grandes cidades ou metrópoles. Além disso, esta maneira de definir o rural e o
urbano encobre situações como aquelas de agricultores que vivem nos pequenos núcleos
de cidades e vilarejos, que muitas vezes têm sua vida ligada às atividades agrícolas, e
que acabam, ainda assim, sendo enquadrados como urbanos.
Visando contornar esse tipo de problema, estudos coordenados por Veiga (2001)
procuraram redefinir os contornos do rural brasileiro aplicando à realidade do país
critérios mais aceitos pela comunidade internacional. A partir de uma combinação de
variáveis envolvendo densidade populacional, tamanho dos municípios e sua
localização, chegou-se a conclusão de que aproximadamente 1/3 da população brasileira
poderia ser considerada rural, contra 18% das estatísticas oficiais. Mais importante do
que esta constatação sobre a magnitude do Brasil rural foi a descoberta de que muitas
regiões e municípios de características marcadamente rurais não vinham mais perdendo
população, como apontava a tendência das décadas anteriores. Ao contrário, o estudo de
Veiga mostrou como um número expressivo de localidades rurais vinham mesmo
atraindo população. Os estudos de caso realizados no âmbito desta pesquisa mostraram
que, por trás desta atratividade, não havia uma razão unívoca. As populações eram
atraídas por estas áreas por diferentes motivos, que vão desde a crise do emprego e o
processo de desindustrialização da algumas metrópoles para onde antes se dirigiam
outrora os migrantes, até o processo de desconcentração da atividade econômica que
vem lentamente ocorrendo no país, passando pela maior injeção de recursos nas áreas
interioranas por conta da ampliação das políticas sociais, ou pela maior disponibilidade
de amenidades naturais em algumas regiões rurais, particularmente aquelas situadas no
entorno de regiões metropolitanas.
Outros programas e pesquisas também se dedicaram a estudar aspectos demográficos
das áreas rurais, concentrando-se especificamente na composição das famílias de
agricultores ou nas dinâmicas de algumas regiões brasileiras. Sobre a mudança no perfil
demográfico, vale citar o interessante estudo de Abramovay (1998), onde se mostra uma
tendência de envelhecimento e masculinização da população rural, em algo muito
próximo àquilo que é tão bem retratado por Bourdieu (2002) para a realidade européia,
francesa em particular. Ou os mapas que mostram a heterogeneidade dos fluxos
demográficos em Girardi (2008). Especificamente sobre a juventude, o livro organizado
por Carneiro & Castro (2007) mostram como as demandas dos jovens rurais se
aproximam das mesmas demandas dos jovens urbanos: reconhecimento, ampliação das
oportunidades, incertezas de futuro, em algo próximo àquilo que Bourdieu chamou de
unificação dos mercados de bens simbólicos antes tipicamente rurais ou urbanos.
Segunda tendência: a agricultura ganha importância no competitivo cenário
internacional, mas perde importância na ocupação de trabalho e na formação das
rendas
Junto às mudanças demográficas, mudam também as bases econômicas dos espaços
rurais brasileiros. Não há dúvida de que a agricultura tem uma grande importância na
economia nacional: embora as atividades estritamente agrícolas correspondam a algo
em torno de 10% a 12% do Produto Interno Bruto nas últimas décadas, sua dinâmica
recente vem apresentando forte vigor, impulsionada pelo aumento dos preços pagos no
mercado internacional e por ganhos de competitividade. Se considerado o agregado do
setor agroindustrial, a participação sobre para em torno de 1/3 do PIB nacional.
Embora a participação da agricultura na pauta de exportações tenha recuado com o
processo de industrialização do país, aproximadamente ¼ do total ainda provém daquele
setor. O país destaca-se como grande exportador, com uma pauta diversificada e que
tem entre os principais produtos o café, o suco de laranja, a soja, açúcar, fumo,
cigarros, papel e celulose, carnes bovina, suína e de aves.
Quando se trata, no entanto, de analisar a repercussão desta dinâmica na formação das
rendas e na ocupação de trabalho, observa-se uma tendência inversa. Como mostram os
dados do Projeto Rurbano (Graziano da Silva. Del Grossi & Campanhola, 2005), no fim
dos anos noventa as rendas não-agrícolas já ultrapassavam as rendas das famílias rurais
brasileiras provenientes da atividade agropecuária. E não se trata de um fenômeno
localizado nas áreas mais urbanizadas ou industrializadas. Os mesmos autores destacam
que as atividades não-agrícolas se expandem e as agrícolas se retraem mesmo em
regiões de crescimento da agricultura mais tecnificada e capitalizada, como o Centro-
Oeste, ou nas regiões de maior população rural, como o Nordeste. Também sobre isso o
mapa da composição setorial do Produto Interno Bruto e da ocupação da População
Economicamente Ativa, disponível em Girardi (2008) são esclarecedores.
Três fatores explicam esse aparente paradoxo. O primeiro fator, responsável pela
contínua expansão da produção agropecuária, é a disponibilidade de fatores de produção
a custos relativamente baixos nas regiões de fronteira agrícola na porção setentrional do
país. Essa incorporação constante de terra e trabalho se faz muitas vezes sob condições
sociais e ambientais reprováveis. O segundo fator, responsável pela não tradução desta
expansão em mais renda e trabalho é o caráter fortemente poupador de mão-de-obra da
moderna agricultura brasileira. Dados da Fundação Seade mostravam que, em média, é
preciso aproximadamente 100 hectares de cana-de-açucar para gerar um emprego. Na
cultura da soja este número é de um emprego para cada 200 hectares. E na pecuária
extensiva tinha-se um emprego para cada 350 hectares. O terceiro fator é a mudança no
perfil demográfico associado à frágil desconcentração da atividade econômica e à
expansão das políticas sociais: com o fim do êxodo generalizado, uma população com
maior escolaridade habita as áreas rurais e, devido à desconcentração da atividade
econômica e à expansão dos programas sociais, encontra mais oportunidades de
trabalho em atividades não-agrícolas.
Terceira tendência: o enraizamento socioambiental da nova ruralidade e as
metamorfoses da questão agrária
As duas tendências anteriores poderiam ser interpretadas como um esvaziamento da
questão agrária brasileira. A agricultura não é mais a propulsora da formação das rendas
e da ocupação de trabalho, mas, no Brasil, não há escassez na produção de alimentos.
Ao mesmo tempo, no entanto, um olhar mais detido sobre o padrão de organização
espacial nas áreas onde predomina a agricultura patronal, comparativamente àquelas
onde predomina a agricultura familiar, deixa claro que os estilos de desenvolvimento de
cada uma diferem profundamente.
Em trabalho recente Favareto & Abramovay (2009) analisaram a evolução dos
indicadores de renda, desigualdade e pobreza do conjunto de municípios brasileiros,
contrastando o desempenho das grandes regiões e das áreas rurais e urbanas. São
poucos os municípios brasileiros que conseguiram, simultaneamente, durante os anos
noventa, diminuir a pobreza e a desigualdade, e ao mesmo tempo aumentar a renda de
seus habitantes. Mas mostra também que estas situações são mais comuns nas regiões
tipicamente rurais do que nas regiões metropolitanas. Nas áreas rurais, dois em cada dez
municípios conseguiram melhorar a renda e diminuir pobreza e desigualdade, mas nas
áreas mais urbanizadas este número cai pela metade. Tão importante quanto esta
constatação que desautoriza a simples associação entre urbanização e desenvolvimento
é a verificação de que não há coincidência entre a localização destes municípios
virtuosos e os chamados pólos dinâmicos das economias interioranas: não é
necessariamente nos perímetros irrigados, nem nas regiões a que chegaram as indústrias
petroquímicas, de calçados e têxteis que se encontram, nos anos 1990, os melhores
indicadores.
Mais ainda, o mesmo estudo mostra também como a região onde se encontra o menor
número de municípios com estas características é a região Centro-Oeste, aquela onde a
presença da agricultura patronal é maior comparativamente à familiar. Naquela região,
predominam municípios que experimentaram crescimento econômico, mas ampliando a
desigualdade. E, finalmente, mostra como na Amazônia brasileira praticamente
inexistem municípios com características de convergência positiva em renda,
diminuição da desigualdade e da pobreza.
O que ocorre, portanto, é uma metamorfose da questão agrária. O significado das
formas de posse e uso da terra não foram impedimento à modernização agrícola, mas
têm sido um obstáculo à adoção de um estilo de desenvolvimento socialmente
includente e ambientalmente sustentável, para usar os termos de Ignacy Sachs (2001). A
questão agrária torna-se indissociável da questão regional e da questão ambiental.
Quarta tendência: a convivência de duas formas sociais de produção na
agricultura brasileira
Em consonância com a atualidade da questão agrária brasileira, agora metamorfoseada,
observa-se a convivência – conflituosa, é verdade – de duas formas sociais de produção:
a agricultura patronal e a agricultura familiar. Enquanto não são divulgados os dados do
último Censo Agropecuário, trabalha-se com uma estimativa de que existam no país em
torno de quatro milhões de estabelecimentos familiares. Os dados até aqui divulgados
mostram que o tamanho médio das propriedades recuou de 78 para 63 hectares. E que
houve um aumento no número de proprietários na ordem de 350.000. Ao mesmo tempo,
existem hoje no país 900 mil famílias assentadas no programa de assentamentos de
reforma agrária, dos quais pouco mais de 500 mil durante os dois mandatos do atual
governo.
Estes dados mostram que não tem havido uma mudança substantiva na estrutura agrária
brasileira, em que pese, de um lado, as fortes exigências de competitividade que têm
sido dadas pelos mercados agrícolas – e que têm com conseqüência uma pressão
seletiva -, e de outro, os investimentos em assentamentos rurais – que, inversamente,
procuram alterar a concentração fundiária.
Como bem o demonstra Valente (2009), seria um brutal equívoco relacionar as
pequenas unidades produtivas ou a agricultura familiar a uma imagem de tradição e
atraso e as grandes unidades produtivas à agricultura comercial e competitiva. No
interior das duas formas de produção há segmentos à margem de patamares mínimos de
competitividade comercial, e em ambas há segmentos altamente inseridos em mercados
dinâmicos.
Quinta tendência: o território ganha espaço como unidade de planejamento, mas
as instituições e as forças sociais continuam sendo setoriais e o viés dos
investimentos continua sendo compensatório
Enquanto nos anos noventa uma das grandes novidades no âmbito das instituições e
políticas para o desenvolvimento rural foi a emergência da agricultura familiar como
objeto de investimentos públicos e o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar) como um dos principais instrumentos para isso, na atual década a
principal marca talvez seja a emergência da abordagem territorial nas políticas e
programas para as áreas rurais.
O início da adoção de políticas territoriais havia sido dado no âmbito do próprio Pronaf.
Primeiro com o reconhecimento de que políticas setoriais não são o bastante para
promover o desenvolvimento dessas regiões. Daí a introdução, no âmbito daquele
programa, de uma vertente voltada à dotação de infraestruturas físicas. Mais tarde,
buscou-se ampliar esses investimentos para uma escala intermunicipal, sinalizando a
necessidade de focalizar uma escala geográfica mais ampla do que as comunidades e
municípios. Logo depois, avançou-se um pouco mais com a criação de uma secretaria
com esse fim, mas que ficou confinada a um ministério setorial e periférico, o
Ministério do Desenvolvimento Agrário. E nos anos recentes, mais um tímido passo foi
dado com a perspectiva de integração de ações interministeriais no Programa Territórios
da Cidadania.
Porém, os territórios continuam sendo vistos como um repositório de investimentos.
Não mais que isso. Sob esse prisma, vê-se que o programa Territórios da Cidadania é
mais uma inovação parcial. Para uma incorporação a contento da chamada abordagem
territorial, tal como ensina a experiência internacional, seria preciso no mínimo superar
a dicotomia entre redução da pobreza e dinamização econômica. Obras de infra-
estrutura e políticas sociais ou focalizadas são condições básicas, mas estão longe de ser
o bastante para isso. Como explicar, por exemplo, a ausência, no âmbito do programa,
dos ministérios do Turismo, da Indústria e Comércio ou da Ciência e Tecnologia? Seria
possível promover o desenvolvimento regional sem ações que estão na alçada destes
ministérios?
Além disso, os estudos e levantamentos realizados sobre os fóruns e espaços
participativos criados para gerir os investimentos territoriais do Governo Federal
revelam que a composição é francamente majoritária de representantes do setor
agropecuário. Algo que se começa a tentar corrigir no Programa Territórios da
Cidadania, mas de maneira ainda muito embrionária.
Estas duas características, o viés setorial e o viés de políticas sociais mostram que ainda
há um amplo terreno a ser percorrido no aprimoramento das instituições voltadas à
promoção do desenvolvimento rural. E que uma dificuldade é, justamente, encontrar
portadores sociais que possam expressar a nova condição, necessariamente
multifacetada em diferentes segmentos econômicos, da nova ruralidade brasileira.
Sexta tendência: o surgimento de uma economia da nova ruralidade
Uma pergunta natural que emerge destas constatações é: se não há coincidência entre os
pólos dinâmicos das economias regionais e a melhoria dos indicadores nas áreas rurais,
nem há um efeito direto das tentativas de promoção do desenvolvimento rural, e nem
mesmo uma conseqüência positiva derivada da competitividade agrícola, o quê, então,
pode explicar o bom desempenho das regiões rurais nos anos recentes?
Há uma tendência em atribuir as causas desses bons indicadores às transferências de
rendas via previdência social e progrmas sociais que, no Brasil, se acentuaram
significativamente nos últimos vinte anos. Esta resposta, contudo, é incompleta, pois ela
não permite entender as razões do enorme contraste que continua a existir mesmo entre
regiões rurais onde o peso desta modalidade de programas sociais é idêntico.
As análises de Favareto & Abramovay (2009) levantam uma hipótese. Tudo indica que
houve diversas áreas em que a estas transferências públicas vieram acrescentar-se cinco
outros fatores importantes, capazes de dinamizar de maneira mais duradoura algumas
áreas das regiões rurais mais pobres do país: a) transferências privadas decorrentes do
trabalho tanto na venda de mercadorias (roupas e redes, por exemplo), como no
assalariamento agrícola sazonal (da cana-de-açúcar, entre outros produtos); neste caso, é
nítida a tendência de que os indivíduos migrem de maneira provisória, gastando o
dinheiro que ganharam nestas atividades em suas regiões de origem; b) programas de
aumento da produção vinculado à distribuição pública de leite; estes programas datam
do final dos anos 1990, mas ampliaram-se de maneira consistente no período atual com
objetivo claramente distributivo: as políticas atuais privilegiam o fornecimento de leite
por parte de agricultores familiares fixando um teto por produtor acima do qual o
produto não é comprado pelo Governo; c) a diversificação das economias rurais e o
trabalho industrial a domicílio em pequenos municípios parece acentuar-se com a
transferência de indústrias antes concentradas no Sudeste e com o fortalecimento de
indústrias tradicionais locais na área de têxteis e de calçados; d) a ampliação do público
do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) com mais de
um milhão de tomadores de empréstimo no Nordeste; e) as infra-estruturas e a prestação
de serviços públicos no Brasil interiorano ainda se encontram em situação precária, mas
com nítido avanço, sobretudo em educação, saúde e telecomunicações, com a ampliação
do acesso a energia elétrica, generalização do uso da internet e do celular; é importante
mencionar também o aumento da mobilidade espacial com maior rapidez no transporte
entre os Estados bem como com a impressionante expansão do uso local de pequenas
motocicletas, fatores que praticamente suprimiram o secular isolamento das áreas mais
distantes.
Em síntese, ainda de acordo com Favareto & Abramovay (2009), a causa dos bons
indicadores estaria numa conjugação entre a força da economia residencial (com
transferência de recursos privados e públicos) com o fornecimento de serviços públicos
básicos e políticas que estimulam a inserção mercantil de atividades econômicas de
pequena escala. Os autores sublinham que o fundamento desta hipótese não está numa
suposta transferência do eixo dinâmico do crescimento econômico para as regiões
rurais: é óbvio que as grandes metrópoles estão na dianteira da inovação tecnológica, do
dinamismo econômico e aí se concentram os esforços para reunir atributos competitivos
capazes de atrair capitais internacionais. Mas as regiões rurais têm a grande virtude e o
imenso potencial de atrair os ganhos decorrentes da aposentadoria, de parte das rendas
públicas, da volta de processos migratórios e, com base nesta força da economia
residencial, de promover dinâmicas que valorizem atributos locais não expostos –
contrariamente ao que ocorre nas metrópoles – à concorrência globalizada.
O significado das mudanças recentes do rural brasileiro
As seis tendências acima dão substância à emergência de uma nova ruralidade. Para
além de tendências isoladas ou fragmentadas, pode-se encontrar um significado comum
subjacente a elas? Em Favareto (2007) procurou-se demonstrar que na base da
emergência do que se convencionou chamar por “nova ruralidade” há um deslizamento
no conteúdo social e na qualidade da articulação das suas três dimensões definidoras
fundamentais: a proximidade com a natureza, os laços interpessoais, e as relações rural-
urbano.
A relação entre sociedade e natureza, que encerra um primeiro traço distintivo da
ruralidade, é objeto de um deslocamento onde as formas de uso social dos recursos
naturais passam do privilégio à produção de bens primários a uma multiplicidade de
possibilidades onde se destacam aquelas relativas à valorização e aproveitamento das
amenidades naturais, à conservação da biodiversidade, e à utilização de fontes
renováveis de energia. As relações de proximidade, segundo traço distintivo da
ruralidade, também são alvo de um deslocamento: a relativa homogeneidade que
marcava as comunidades rurais dá lugar a uma crescente heterogeneização e um certo
esgarçamento dos laços de solidariedade que eram a marca da ruralidade pretérita. A
relação com as cidades, último traço distintivo, deixa de se basear na exportação de
produtos primários para dar origem a tramas territoriais complexas e multifacetadas,
com diferentes mecanismos de composição entre os dois pólos, agora baseados em
novas formas de integração entre os mercados de trabalho, de produtos físicos e
serviços, e também de bens simbólicos. De exportadora de recursos como bens
materiais e trabalho, os territórios rurais passam a ser atrativos de novas populações e de
rendas urbanas. Em suma, desaparece todo o sentido em tratar o rural exclusivamente
como o oposto do urbano, em proclamar seu desaparecimento, ou em resumi-lo a
apenas uma de suas dimensões atuais: o agrário.
Mas este significado não se projeta de maneira uniforme no território brasileiro. A
próxima seção aborda a diferenciação espacial da manifestação desta nova etapa.
2. Os estilos do desenvolvimento rural brasileiro
O desenho a seguir, também formulado em Favareto (2007) têm a intenção de ilustrar o
que poderia ser um sistema de oposições típico da “nova ruralidade”. No eixo X, os
territórios rurais passam a variar sua posição dependendo do maior ou menor grau de
utilização de novas formas de uso social de recursos naturais. Neste eixo a oposição se
desloca do grau de integração do rural para uma nova qualidade de integração, aquela
ditada pela nova forma de enraizamento ambiental da ruralidade e seus correspondentes
para as estruturas sociais e as instituições. No eixo Y mantém-se a variação das posições
de acordo com o maior grau de concentração e de especialização destes territórios, já
que também na nova ruralidade os processos de desenvolvimento obedecem, em parte,
às mesmas regras de outras esferas e tem a ver com desconcentração e diversificação
dos tecidos sociais e também dos ecossistemas.
Figura 1
Sistema de oposições da nova ruralidade
Ambiental
Especialização e
concentração
Diversificação e
desconcentração
A B
D C
Agrário
Em linhas gerais, os quatro quadrantes que surgem nesse desenho poderiam ser
definidos de acordo com seus significados em termos de enraizamento ambiental,
estruturas sociais e instituições. Cada uma desta situações é detalhada e exemplificada
na sequência.
Situação A –
Ruralidade ambiental e estruturas sociais mais diversificadas e desconcentradas
Nesta primeira situação, um determinado padrão de urbanização associado a
características morfológicas do território, envolvendo o meio-ambiente e a estratificação
social, favoreceu a que ali se criasse uma forma de uso social dos recursos naturais onde
a busca pela conservação encontra correspondentes em formas de dinamização da vida
social. A diversificada economia local conta com um alto grau de integração econômica
e de coesão territorial. Paisagem, cultura e economia se entrelaçam de uma maneira a
fazer com que se consiga associar a dinamização econômica com bons indicadores
sociais e com desempenho positivo em indicadores ambientais. A título de exemplo, é o
que ocorre em regiões como o Vale do Itajaí, em Santa Catarina.
Situação B –
Ruralidade ambiental e estruturas sociais mais especializadas e concentradas
Embora as características morfológicas do território, no que diz respeito ao meio-
ambiente, favoreçam a conservação, as características da estratificação social não
contribuem para que, nas regiões nesta situação, sejam criadas as instituições capazes de
diminuir as fraturas entre grupos sociais, por conta de sua posição social. A conservação
encontra-se em conflito com as possibilidades de dinamização da vida local. O padrão
de urbanização é ainda incipiente ou não se deu numa direção capaz de valorizar o rural.
Este é o caso típico de certas áreas da Amazônia, onde a presença da floresta convive
com o avanço da agricultura de negócios. As estruturas sociais locais não apresentam
vigor e um padrão de interação suficiente para fazer frente ao movimento de expansão
das atividades primárias, resultando em perda de biodiversidade e em depleção dos
recursos naturais como terra e águas. Há um alto grau de conflito entre instituições e as
populações locais são fortemente afetadas por eles.
Situação C –
Ruralidade setorial e estruturas sociais mais especializadas e concentradas
Aqui as características morfológicas do território, em termos ambientais e sociais,
engendram uma relação de exploração com o rural com restritas possibilidades, tanto de
conservação como com maior risco de esgarçamento dos tecidos sociais, apesar da
possível dinamização econômica derivada do setor primário e de transformação. As
regiões que experimentam um forte dinamismo dependente da atividade agrícola se
encaixam neste tipo. Ali a riqueza gerada estabelece uma relação entre o município pólo
do território e os demais onde todos os recursos são concentrados, não resultando em
expansão da riqueza para o conjunto dos grupos sociais. As possibilidades de
conservação ambiental são restritas aos mínimos exigidos por lei, como no caso de
preservação de remanescentes, matas ciliares e vegetação de topo de morro. A
biodiversidade local é fortemente comprometida ou ameaçada pelo vigor da exploração
agrícola comercial. Nos casos das regiões mais dinâmicas, como algumas áreas do
interior do Estado de São Paulo, o padrão de urbanização oferece uma infra-estrutura e
serviços até razoáveis, mas concentrados. Em outras, menos dinâmicas, a especialização
setorial e o enrijecimento das estruturas sociais levam ainda a um padrão onde impera a
precariedade, caso das regiões cacaueira na Bahia ou na Zona da Mata pernambucana.
Situação D –
Ruralidade setorial e estruturas sociais mais diversificadas e desconcentradas
São situações onde, embora as características morfológicas do território já não sejam tão
promissoras no que diz respeito aos recursos naturais, as estruturas sociais poderiam
favorecer um processo de mudança e de criação de novas instituições. No entanto, as
formas de dominação econômica impedem ou bloqueiam esta inovação. Há fissuras
entre o setorial e o ambiental, e entre os grupos sociais. Um exemplo deste tipo de
território é o Oeste Catarinense. Uma concentração de grandes empresas agroindustriais
convive com uma estrutura social baseada num expressivo segmento de agricultores
familiares. A região apresenta uma dinâmica econômica razoável, mas convivendo com
indicadores sociais e de desigualdade não tão bons e com vários problemas ambientais
relativos a solos e águas. As possibilidades de reprodução dos grupos sociais locais
ainda depende muito dos vínculos extra-locais, favorecendo a perda de recursos
humanos valiosos. Com isso bloqueia-se a possibilidade aberta pela configuração social
local de maiores interações e de criação de novas instituições, capazes de mudar o rumo
do desenvolvimento territorial.
3. Implicações para uma agenda institucional.
Diante desse esboço de tipologia, caberia perguntar que variáveis podem incidir em sua
configuração futura. Certamente elas são muitas. Mas as iniciativas hoje em curso,
ainda que com impactos e inovações importantes – dentre os quais o Pronaf, talvez seja
o exemplo mais destacado - não chegam a conformar uma verdadeira estratégia de
desenvolvimento para o Brasil rural. Em Favareto & Veiga (2007) há um esboço de
cenários para os próximos anos. Este exercício não pode ser reproduzido integralmente
aqui. Nas próximas páginas se pretende apenas destacar o que têm sido traços marcantes
no desenho geral das políticas voltadas para o desenvolvimento rural no Brasil recente e
que mudanças precisariam ser introduzidas.
As definições sobre o que é o rural brasileiro
Superar a definição hoje adotada nas estatísticas oficiais brasileiras é um passo
necessário para se pôr em pauta, nos debates sobre o desenvolvimento do país,
estratégias e investimentos voltados a estes espaços. Uma coisa é discutir e definir
investimentos num espaço onde vivem 18% da população e numa tendência de declínio,
como mostram estas estatísticas. Outra bem diferente é fazer o mesmo para um espaço
onde vive 1/3 da população nacional e numa tendência de estabilidade, como mostram
os estudos que criticam os critérios oficiais.
A legislação brasileira foi moldada nos anos 30 do século passado, exatamente no
período em que o país iniciava sua tendência de urbanização. Era plausível imaginar,
oitenta anos atrás, que a urbanização seria envolvente a ponto de tornar os espaços
rurais algo ligado ao passado. Mas hoje, passado quase um século, é necessário reformar
estes critérios de classificação.
Do setor ao território
A emergência da abordagem territorial do desenvolvimento territorial está assentada em
pelo menos três vetores, como destacado nas páginas anteriores: a) a valorização das
novas vantagens comparativas, expressas naquilo que se vem chamando por ´novo
rural´: a exploração do potencial paisagístico e produtivo da biodiversidade, os nichos
de mercado voltados para segmentos promissores do consumo urbano, e a exploração de
aspectos singulares e não passíveis de serem expostos à ´comoditização´; b) a
intersetorialidade, expressa na tentativa de passar da valorização das atividades
primárias para uma articulação entre os diferentes setores das economias locais; c) a
intermunicipalidade, ampliando a escala das intervenções do âmbito comunitário para
uma ênfase na relação entre os espaços rurais e as cidades, ou, em outros termos, para se
pensar as regiões como escala de planejamento.
Contudo, o viés das políticas, apesar da emergência de uma retórica territorial, ainda é
eminentemente setorial. Isso pode ser verificado pelas contradições e ambigüidades
contidas nos documentos de referência de órgãos de governo e de agências multilaterais
e de cooperação, pelo perfil dos investimentos realizados, e também pelo lugar que estas
políticas territoriais ocupam nas estruturas governamentais: elas são, em geral,
subordinadas a ministérios setoriais, sem poder, portanto, mobilizar os fundos públicos
e as complementaridades necessárias a uma verdadeira estratégia territorial de
desenvolvimento. Em suma, uma limitação derivada de uma tripla inércia institucional
que se manifesta em bases cognitivas, nos agentes envolvidos, e no desenho das
estruturas governamentais.
Descentralização e participação
A reorientação das políticas de desenvolvimento rural ao longo dos últimos anos tem
apostado em processos combinados de descentralização e participação social. Há uma
dupla origem neste movimento. De um lado, a diminuição dos custos de transação e de
obtenção de informação, que seria propiciada pela maior proximidade com a população
alvo destas políticas e o que isto implica em termos de uma maior focalização dos
investimentos e gastos naquilo que é considerado mais necessário por estes agentes
locais. De outro, o controle social destas mesmas populações em relação aos
investimentos e gastos públicos, coibindo desvios e contribuindo assim para a maior
legitimidade das políticas e programas. Como conseqüência, descentralização e
participação seriam uma condição capaz de gerar maior responsividade e eficiência
(Gaventa, 2003, Avritzer, 2003).
No entanto, estudos mais recentes têm destacado uma série de problemas que dificultam
que este ideal contido na associação entre descentralização, participação e eficiência
ocorra conforme previsto: a) a ausência de mecanismos de enforcement das diretrizes
que se pretende executar com a descentralização: descentralizam-se as atribuições mas
não os recursos e competências em igual proporção, nem tampouco se instituem
mecanismos de contratualidade entre níveis e esferas de governo capazes de levar a
tanto (Ray, 2002); b) se é verdade que as políticas de tipo top down apresentam
problemas relativos à racionalidade limitada dos planejadores de políticas, é igualmente
verdade que o desenho do tipo bottom up ou as community-led strategies apresentam
problemas similares: os agentes locais possuem também eles um viés de leitura sobre
onde e como fazer aplicações e investimentos, que não necessariamente são guiados
pelas possibilidades de melhor aplicação de recursos; c) embora a transferência à escala
local de poder para definir prioridades seja mais democrática e contribua para o próprio
empoderamento das forças sociais ali situadas, há uma tendência a que a esfera
participativa reproduza a estrutura da esfera política local, levando à captura destes
espaços por agentes mais tradicionais e mais bem providos de recursos para tanto
(Coelho & Favareto, 2007).
A ênfase no combate à pobreza
A ênfase que vem sendo conferida ao combate à pobreza no desenho de estratégias e
políticas de desenvolvimento rural encontra, por certo, um correspondente na base
social e econômica dos países da América Latina, por exemplo. Com isso, não há
dúvida de que se alcança muitas vezes uma maior focalização, com ganhos para a
eficiência na aplicação de recursos. E com isso se toca também numa preocupação
fundamental das estratégias de desenvolvimento, que consiste em promover mínimos
necessários visando o aplacamento de tensões sociais.
Mas há um outro lado da moeda nesta opção, que se revela perverso para as
possibilidades de desenvolvimento a médio prazo destas áreas: a) cria-se uma falsa
contradição entre políticas sociais e políticas produtivas, ignorando os ganhos potenciais
(produtivos e econômicos mesmo) da eficiência distributiva; e b) cria-se um efeito
perigoso, no qual a apropriação pelos pobres do discurso contra a pobreza amplia suas
possibilidades de acesso a recursos que antes não existiam ou não lhes eram acessíveis,
mas ao mesmo tempo restringem-se as possibilidades e os instrumentos a eles
direcionados, com impactos igualmente restritivos no campo de recursos que teriam que
ser mobilizados para, de fato, afastar definitivamente a pobreza e substituí-la por
alternativas de inserção econômica mais promissoras.
Os contornos de um desenho compatível com um novo compromisso institucional
O quadro a seguir sintetiza estas principais lições em um conjunto de proposições de
desenho de políticas e programas de desenvolvimento, capazes de sustentar um novo
compromisso institucional condizente com a abordagem territorial.
Quadro 1
Desenho de políticas e compromisso institucional na abordagem territorial
A visão do desenvolvimento territorial
Valorização das novas vantagens comparativas do ´novo rural´, com destaque para a produção de bens
materiais e de erviços não comoditizáveis, destacadamente aqueles relacionados a aspectos culturais e
às amenidades naturais.
Intersetorialidade, para além do agrícola e do agrário estimulando a diversificação e a conectividade das
economias locais
Intermunicipalidade e rural-urban linkages, adotando as micro-regiões rurais e suas cidades como escala
de planejamento
Critérios de eficiência
Mais além do que o simples critério de retorno por unidade investida, a eficiência precisa ser pensada de maneira a
aproveitar e valorizar os trunfos do território, o que envolve as capacidades humanas e os recursos naturais. Daí a
necessidade de combinar quatro diferentes critérios de eficiência, em geral enfatizados por diferentes escolas da
Teoria Econômica:
Eficiência alocativa – Busca de maiores retornos econômicos por unidade investida.
Eficiência locacional – Busca de promoção e aproveitamento de reflexos do entorno e no entorno
Eficiência distributiva – Busca de impactos dos investimentos nas capacidades humanas. Capacidades
econômicas, mas também cognitivas ou de mobilização de bens simbólicos
Eficiência ambiental – Busca de impactos na contenção da degradação e, igualmente, na promoção de
formas promissoras de uso social dos recursos naturais
Critérios de eficácia
Da mesma forma, o desenho das políticas precisa ganhar em racionalidade, combinando diferentes critérios de
eficácia, tais como:
Coerência – Medida pela capacidade de influência real no conflito a que os investimentos se direcionam,
em oposição ao mero discurso normativo sobre o ´dever ser´.
Complementadidade – Medida pelo grau de convergência entre políticas e programas, em oposição à
tendência de fragmentação e especialização.
Subsidiaridade – Medida pelo grau de convergência entre níveis e esferas de governo, em oposição à
tendência de sobreposições e omissões.
Contratualidade – Medida pela adoção de compromissos com resultados como base para o reforço da
aprendizagem e para a continuidade ou eventual redefinição de investimentos e gastos.
Conclusão
Neste texto procurou-se demonstrar como o Brasil rural passou por um profundo
processo de mudanças nas últimas décadas. E não se trata de mudanças marginais ou
meramente incrementais. São mudanças que representam uma nova etapa na formação
espacial do país. Nesta nova etapa, perde todo o sentido tratar o rural brasileiro como
sinônimo de atraso, ou como um espaço cuja dinâmica é determinada exclusivamente
por processos agrícolas e agrários. Trata-se mesmo da erosão de um padrão de
organização social, econômica e ambiental e, com ele, de um paradigma de
compreensão do que são as regiões rurais e por onde passam suas possibilidades de
futuro. Trata-se do fim do paradigma agrário.
Porém, estas mesmas páginas mostraram que não se erigiu ainda um novo paradigma. A
emergência da abordagem territorial e o enraizamento ambiental da nova ruralidade
demandam a criação de novas instituições e de novas categorias de classificação e
apreensão do rural que existem somente embrionariamente. Reformar as teorias e as
instituições para o desenvolvimento rural numa direção condizente com o estatuto desta
nova ruralidade é o principal desafio das próximas décadas.
Referências bibliográficas
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Agricultura, n. 22. Abril/2004.
ANEXOS
Tabela Configuração territorial básica do Brasil (2000)
Tipos de MRG
Número População 2000 (milhões)
Variação 1991-2000 (%)
Peso relativo em 2000
Marcadas por aglomerações
63 83,1 19,0 49,0
Significativamente urbanizadas
107 34,1 17,4 20,1
Predominantemente rurais
388 52,4 9,3 30,9
TOTAL 558 169,6 15,5 100,0
Fonte dos dados brutos: Censos demográficos, IBGE. Reproduzido de: Veiga (2004b)
Mapa Configuração territorial básica do Brasil (2000)
Crescimento populacional nos municípios brasileiros
(1991-2000)
Reproduzido de: Girardi (2008)
Crescimento populacional nos municípios brasileiros
(2001-2007)
Reproduzido de: Girardi (2008)