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MEMÓRIA HISTÓRICA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE COMO DISCIPLINA DE ENSINO NA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 1925 a 1967 Nelly Martins Ferreira Candeias Departamento de Prática de Saúde Pública Faculdade de Saúde Pública Universidade de São Paulo São Paulo Universidade de São Paulo Faculdade de Saúde Pública 1988

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE COMO … · Não consta o nome do autor. Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP. ** Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP. bem o que, porque não

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MEMÓRIA HISTÓRICA

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE COMO DISCIPLINA DEENSINO NA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO

PAULO — 1925 a 1967

Nelly Martins Ferreira CandeiasDepartamento de Prática de Saúde PúblicaFaculdade de Saúde PúblicaUniversidade de São Paulo

São PauloUniversidade de São Paulo

Faculdade de Saúde Pública1988

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© Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São PauloAv. Dr. Arnaldo, 71501255 — São Paulo, SP — Brasil

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Por ocasião do Cinqüentenário da Universi-dade de São Paulo, em 1984, foi publicado arti-go comemorativo a respeito da memória histó-rica da Faculdade de Saúde Pública da Univer-sidade de São Paulo1. Este fundamentou-se naanálise de cartas, recortes de jornais, atas, foto-grafias, relatórios, projetos de lei e outros do-cumentos de significativo valor para a históriadesta Instituição, no período de 1918 a 1945.Todo esse valioso material encontra-se hojereunido no setor Pró-Memória, naquela Facul-dade.

Durante a elaboração do mencionadoartigo1, deparou-se com documentos que se re-feriam à Educação Sanitária, desde sua origemcomo disciplina de ensino, em 1925, até suatransformação na atual disciplina Educação emSaúde Pública, da Faculdade de Saúde Pública,em 1967. Esses documentos serviram de apoiopara o presente estudo.

ORIGEM DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE — 1925

Em 1922, os serviços estaduais de saúde pú-blica passaram a desenvolver atividades inova-doras em decorrência da atuação de GERAL-DO HORÁCIO DE PAULA SOUZA, Diretordo Instituto de Higiene da Faculdade de Medi-cina de São Paulo. Isto porque, naquela mesmaépoca, tornou-se ele também responsável pelaDireção Geral do Serviço de Saúde Pública doEstado. Por esta razão, passou a empenhar-seno estudo da organização do órgão que dirigiapara, em 1925, propor a reestruturação globaldessa repartição estadual.

Suas idéias podem ser assim resumidas*: adesinfecção terminal, símbolo de antiquadatendência, deveria desaparecer com todo o seuobsoleto material, por desnecessária e por nãose fundamentar em nenhuma medida científica;a ação sanitária local deveria realizar-se me-diante um único órgão local de saúde pública, ocentro de saúde, criado pela primeira vez noBrasil e na América Latina; este não deveria servisto como um órgão estático à espera apenasde doentes ou de suspeitos interessados emprocurá-lo. Esperava-se que sua ação fosse di-nâmica, indo a procura de todos os membrosda coletividade, fossem sãos, suspeitos oudoentes; a política sanitária, tão a gosto dos an-tigos dirigentes de saúde pública, deveria ser co-locada em situação secundária, sendo utilizada

como medicação excepcional. A população de-veria assimilar os preceitos necessários de higie-ne individual através da educação sanitária.

Foi pois a reforma do Código Sanitário, de-corrente do Decreto 3.876, de 11 de julho de1925, aprovado e submetido à modificação pelaLei 2121, de 30 de dezembro desse mesmo ano,que deu origem a um auxiliar, de nível médio,explícito nas referidas formulações. Entre ou-tras inovações, propôs a criação da Inspetoriade Educação Sanitária e de Centros de Saúde ea inclusão de Curso de Educação Sanitária noInstituto de Higiene da Faculdade de Medicinade São Paulo. A propósito, disse JOSÉ EURI-CO SANTOS ABREU, em discurso proferidoem 15 de agosto de 1927, dirigido a GERALDOHORÁCIO DE PAULA SOUZA**: "Encarastesde frente, destemeroso e firme, gravíssimosproblemas de saúde pública, que vêm atraves-sando os anos a desafiar a intelligência dos sá-bios e a escarnecer do thesouro de nações ar-gentarías. Todos mereceram o vosso mais cui-dadoso estudo, a vossa mais criteriosa atten-ção; e, se na sua totalidade, não se viram inte-gralmente solucionados é porque, dependendosobretudo das condições econômicas do Estadoe do Município e da educação sanitária do po-vo, não se poderiam resolver, só por vontadevossa, de chofre e com a infallivel precisão dasfórmulas mathemáticas. Entretanto, não cru-zastes os braços. Sem vos aferrardes ao concei-to de GAUBIUS, faltoso no seu exaggero -Melius est sistere gradium quam progredi portenebras - nem caminhastes por trevas, nem vosdetivestes acorbadado... Estabelecestes a espe-cialização das funções com a divisão do traba-lho, donde ressaltou a perfeita e efficiente uni-dade funcional do Departamento que tão bri-lhantemente superintendestes".

Mas, no que diz respeito à criação da Inspe-toria da Educação Sanitária e Centros de Saú-de, a cuja frente se colocou WALDOMIRO DEOLIVEIRA, nem todos viram com bons olhosa proposta de inclusão do novo auxiliar no sis-tema de atendimento à saúde. Ao contrário,muitos a consideraram como "fantasia teó-rica7" - "querer-se agora dar educação sanitá-ria por meio de conferências, feitas por médi-cos, acadêmicos e uma nova entidade que sãoos educadores, educadores especializados ousimples educadoras. Estes serão professoresque, depois de um curso de um ano praticadono Instituto de Higiene, irão fazer - não fazer

* "Paula Souza, o Sanitarista Social" — Palestra realizada no Departamento de Higiene e Medicina Tropical da Associa-ção Paulista de Medicina, em 5 de junho de 1951. Não consta o nome do autor. Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

** Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

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bem o que, porque não sendo médicos, não ten-do educação especializada, pouco ou muitopouco poderão fazer"*.

O argumento era corporativista e imprevi-dente - ignorava a proposta de criação de umaequipe multiprofissional atuando de forma in-tegrada no planejamento, implementação eavaliação da prática da Saúde Pública. Nãoobstante, como veremos a seguir, tinha algumafundamentação.

De acordo com o Decreto 3.876, cabia à Ins-petoria de Educação Sanitária ''promover aformação da consciência sanitária da popula-ção em geral"**. A expressão fora infeliz - por''consciência sanitária" se compreendia, naépoca, a disseminação de conhecimentos naárea da saúde, a que se denominava, também,de "educação higiênica"***. De acordo comPAULA SOUZA, a educação sanitária deveriase desenvolver com toda a generalidade possívele pelos processos mais práticos, de modo a im-pressionar e convencer os educandos a implan-tar hábitos de higiene. Dirigia-se ao indivíduo,isoladamente, ou a grupos, se conviesse, sendodesenvolvida nos Centros de Saúde, em visitasdomiciliarias, em estabelecimentos escolares,hospitalares e fabris, entre outros****.

Além da inadequada utilização, a nosso ver,da expressão "consciência sanitária", algumasdas apreciações a respeito do papel da educaçãoem saúde da época eram, de fato, questioná-veis, como a que, por exemplo, se apresenta aseguir3: "os custosos aparelhamentos sempreformados de Higiene Pública, mantidos pelosgovernos, consumindo verbas consideráveissem proveito apreciável, as inovações e arreme-dos introduzidos sem critérios e as adaptaçõesforçadas que não levaram em conta o meio e oshábitos do nosso povo, serviram entretanto pa-ra demonstrar que, sem a consciência sanitária,nada se pode conseguir em matéria de higiene.E como conseguir essa consciência sanitária?Educando o povo. E é esse trabalho que osCentros de Saúde se propõem a desempenharem primeiro lugar... Da educação higiênica de-pende incontestavelmente a elevação do nívelmoral e físico da nossa raça e a formação de um

povo viril e são. E para tanto não se requer tan-to sacrifício. Um pouco de boa vontade, esco-lha criteriosa de educadores adrede preparados -eis tudo. A consciência sanitária, uma vez for-

mada, jamais desaparecerá e antes se perpetua-rá pelas gerações vindouras, porque produzirábenefícios... O doente que possui a consciênciasanitária, jamais será um foco de infecção e,procurando curas inteligentemente, evitará quesua moléstia se propague, pelas práticas de boahigiene que consequentemente adquiriu".

Como justificativa para um programa desaúde pública mais amplo, a argumentação daépoca a respeito dos resultados da atuação donovo auxiliar motrava-se, às vezes, não só ingê-nua, mas também falha. Considerada apenas apartir desta concepção, o que não é justo, justi-ficaria até, e plenamente, a denominação de"fantasia teórica", embora a proposta, anali-sada objetivamente e em termos da especializa-ção das funções profissionais, de fato, não ofosse. Isto porque PAULA SOUZA foi um rea-lizador hábil, não um teórico distanciado da rea-lidade. Contudo, nos termos referidos por al-guns, parecia-se sugerir, às vezes, que grandescontingentes da população em nosso país pu-dessem tomar decisões, "com um pouco de boavontade", sem explicitar que, de fato, os riscosmais importantes não são auto-impostos, po-rém sociais e ambientais. Dessa forma, é lógicoque nem emergem e nem se solucionam a nívellocal. A saúde como objeto de estudo das ciên-cias sociais aplicadas estava, na época, longe dese concretizar***** e o otimismo decorrentedas brilhantes conquistas científicas do séculoXIX, da "Era Bacteriológica", enviezava per-cepções e distorcia os argumentos a respeito doobjetivo da educação sanitária nas primeirasdécadas do século XX. Faltaram, portanto, asvirtudes do meio termo.

O PRIMEIRO CURSO DE EDUCAÇÃOSANITÁRIA — 1926

Como consta no artigo da Lei 2121, o curso,de nível médio, dirigia-se a professores primá-

* Anais da Assembléia Legislativa, 1925.

** A população da capital era de cerca de 800.000 habitantes na época.

*** É interessante observar a equivalência das expressões ''consciência sanitária" e "educação higiênica" nos documen-tos da época.

**** Paula Souza, o Sanitarista Social — Palestra realizada no Departamento de Higiene e Medicina Tropical da Associa-ção Paulista de Medicina, em 5 de junho de 1951. Não consta o nome do autor. Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

***** Ver Nunes, Everardo Duarte, Tendências e perspectivas das pesquisas em ciências sociais em saúde na América Lati-na: uma visão geral. In: Nunes, E.D. org. As ciências sociais em saúde na América Latina, Tendências e perspectivas.Brasília, OPAS, 1985.

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rios, regentes de classe. O objetivo expresso eraministrar conhecimentos teóricos e práticos dehigiene para que estes professores os introduzis-sem, posteriormente, nos recém-criados Cen-tros de Saúde e em escolas públicas, a partir deuma proposta eminentemente profilática.

No relatório apresentado por PAULA SOU-ZA a JOSÉ MANUEL LOBO, em 1925, jáconstava o regulamento do Curso para Educa-dores Sanitários, a ter início em 1926, cujo in-tuito, como já se disse, seria a disseminação deconhecimentos de higiene entre a população(''consciência sanitária") e, além disso, a coo-peração em campanhas profiláticas*.

O ensino do primeiro curso de EducaçãoSanitária compreendia nove cadeiras: 1) No-ções de Bacteriologia aplicada à Higiene; 2) No-ções de Parasitologia e Entomologia aplicada àHigiene; 3) Noções de Estatística Vital e de Epi-demiologia; 4) Higiene Pessoal, Nutrição e Die-tética; 5) Higiene Infantil; 6) Higiene Mental,

Social e do Trabalho; 7) Higiene Municipal edas Habitações; 8) Ética, Educação e Adminis-tração Sanitária; 9) Princípios e Processos deEnfermagem em Saúde Pública.

"Alea jacta est". No ano de 1927, realizou-sea cerimônia de entrega de certificados às educa-doras sanitárias da primeira turma do Institutode Higiene para que, na Inspetoria de EducaçãoSanitária e nos "Centros de Saúde", passassema promover a formação de "consciência sanitá-ria" da população em geral. Esta foi certamen-te a primeira reação oficial contra a polícia sa-nitária em nosso meio.

PAULA SOUZA trouxera a idéia, não a for-ma de implantação, dos Estados Unidos, ondepermanecera por dois anos (1918-1920) para,juntamente com BORGES VIEIRA, fazer seucurso de doutoramento na recém-criada"School of Public Health" da Universidade deJohns Hopkins. De fato, em um dos livros de

* Relatório apresentado a sua Excelência o Senhor Doutor JOSÉ MANUEL LOBO, M.D. Secretário do Interior, peloDr. GERALDO DE PAULA SOUZA, Director do Instituto de Hygiene de São Paulo — Anno de 1925, Arquivo daPró-Memória FSP/USP.

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sua biblioteca particular, editado porRavenel12, em 1921, já se mencionava o"Bureau of Education", de recente origem, aoqual competia a supervisão da saúde escolar.

Naquele país, a educação em saúde na escolareporta-se ao ano de 1840, quando HORACEMANN (1796-1859), líder de um movimento li-gado à educação em saúde, passou amanifestar-se sobre a importância de dissemi-nar conhecimentos oriundos das áreas de fisio-logia e de higiene, recomendando a instruçãoem saúde2. A proposta prendia-se, portanto,apenas ao nível cognitivo e a instrução em saú-de foi, de fato, a partir de uma perspectiva his-tórica, o primeiro objetivo da educação em saú-de. Sabe-se, hoje em dia, que não basta apenasinformar — o que realmente importa é o que sefaz com esse conhecimento. Há pois uma dis-tinção fundamental entre educação em saúde einformação em saúde5.

Mas voltando ao passado, de acordo comMEANS, mencionado por Cleary2, no períodode 1850 a 1900, muitos dos esforços a ní-

vel nacional, estadual e local visavam a estimu-lar a educação em saúde na escola. Ao se orga-nizar o campo de atuação da prática da saúdepública, particularmente a nível estadual, a en-tão emergente educação em saúde na escola nãopoderia deixar de ter influência significativa.Profissionalmente treinados, os educadores desaúde na escola surgiram precisamente no refe-rido período, tendo seu preparo se realizado emescolas normais. Anos depois, como seria de es-perar, as universidades passaram a oferecercursos de graduação e de pós-graduação nessaárea. O primeiro curso de Educação em Saúderealizou-se em 1921-22 na Faculdade de SaúdePública associada à Universidade Harvard(EUA) — MIT (Massachusetts Institute ofTechnology). O primeiro doutorado em educa-ção em saúde na escola foi concedido pela Uni-versidade da Columbia (EUA) no ano de 19212.Rosen13, Means8,9, Galli4 e Cleary2, entre ou-tros, discorrem sobre a perspectiva histórica daeducação em saúde, complementando observa-ções aqui sucintamente apresentadas.

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Não admira pois que PAULA SOUZA, emi-nente representante da saúde pública da época,tivesse se entusiasmado com a idéia e com suaimplementação. Esta se concretizaria justamen-te no período em que, como diretor do Institutode Higiene, passou, como já se disse, aresponsabilizar-se pela direção geral do Serviçode Saúde Pública do Estado. Dois fatores fun-damentaram esta iniciativa: o reconhecimentoemergente, a nível internacional, da importân-cia da educação em saúde na prática da saúdepública e a inexistência de enfermeiras na redede serviços do Estado, nesta País. Note-se que aEscola de Enfermagem foi criada pelo Decreto-Lei 13.040, em 31 de dezembro de 1942, portan-to, dezessete anos após a criação do curso deEducação Sanitária.

SUPERPOSIÇÃO FUNCIONAL

Embora não caiba aqui discorrer com porme-nor sobre a problemática representada pela su-perposição funcional dessas duas categorias

profissionais, cumpre registrar, entretanto al-go a respeito. Em carta enviada por BORGESVIEIRA a PAULA SOUZA, em 15 de marçode 1948 lê-se: "Tendo acompanhado de pertoa magnífica atuação de V. Excia, no campo dasaúde, desde cerca de 1920, assisti ao nascedou-ro dos educadores sanitários e penso mesmoque não fosse a criação desse tipo de auxilia-res, V. Excia. não teria talvez obtido tão plenoêxito como obteve com a reforma de 1925, re-forma essa que marcou época na história dasaúde desde cerca de 1920, assisti ao nascedou-nessa época, como ainda hoje, tem-se procura-do suprir a falta de enfermeiras visitadoras sembase alguma de curso secundário. Não dispon-do de enfermeiras de alto padrão, V. Excia.procurou formar as auxiliares referidas, partin-do de pessoas com preparo equivalente ou mes-mo superior ao exigido para admissão as esco-las de enfermagem de alto padrão e em curso deduração mínima de um ano letivo, incluindo es-tágios... No início foi pensamento de V. Excia.,creio eu, destinar essas auxiliares para o campode educação sanitária, mas logo depois V. Excia.

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houve por bem confiar-lhes outras funções,que incluem muitas das atividades de enferma-gem de saúde pública, por não dispor de ele-mentos outros para tal fim... No futuro, quan-do tivermos enfermeiras de saúde pública emnúmero suficiente, então poder-se-ão delimitaras funções das duas atividades, ficando as edu-cadoras sanitárias na educação sanitária de gru-pos de população e as enfermeiras nos serviçosde enfermagem de saúde pública"...

Em 18 de março desse mesmo ano, ALE-XANDRE WANCOLLE, professor da Facul-dade de Higiene e Saúde Pública, referiu-se aessa mesma problemática*: "esta classe de au-xiliares de saúde pública, embora tendo de iní-cio a importante porém quase que exclusivafunção da educação sanitária, foi obrigada a es-tender seu campo de ação, passando adesincumbir-se então de outras funções, muitasdas quais ligadas com atividades de Enferma-

gem de Saúde Pública... Quando, mais adiante,pudermos contar com um número suficiente deenfermeiras de saúde pública, então automati-camente os educadores sanitários voltarão, deacordo com a idéia original de sua criação, aexercer suas atividades, limitadas à educaçãosanitária de grupos da população".

As primeiras duas décadas de atuação dessenovo auxiliar foram, portanto, muito difíceis,embora pouco a pouco se fossem gradativa-mente delineando as diferenças entre as duas ca-tegorias profissionais. Em 1943, PAULA SOU-ZA visitou MORGAN, em Chapel Hill (EUA),registrando os seguintes pontos em seu Relató-rio de Viagem**: "quanto à Educação Sanitá-ria, há poucos anos apenas WINSLOW haviadesenvolvido esse curso na sua escola***. Ago-ra, a Dra Morgan, aqui (Carolina do Norte) es-ta desenvolvendo, há vários anos, também essaatividade. Os primeiros "health educators" foram

* Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

** Relatório da Viagem aos Estados Unidos, em 1943. Arquivo Pró-Memória, FSP/USP.

*** Trata-se de Charles-Edward Amory Winslow (1877-1957), um dos mais notáveis líderes na área da saúde pública nosEstados Unidos e no mundo.

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treinados em 1942 graças á Kellogg Founda-tion. Utilizam-se desses educadores para atingira maior massa possível de gente (Block Plan ouChannel). Estão abandonando os antigos siste-mas de propaganda, substituindo por educaçãotanto quanto possível individual (há tanta genteque ou não sabe ler ou lê mal). Para o curso dePublic Health Educator requerem Bacharelato,seja em Home Economics ou equivalente".

Sua satisfação evidencia-se em entrevistaconcedida ao "O Estado de São Paulo", no dia20 de janeiro de 1944: ''No que se refere à edu-cação sanitária, tivemos a grata oportunidadede verificar que a orientação por nós seguidaem São Paulo, há 18 anos, com a criação daseducadoras sanitárias diferenciadas das enfer-meiras de saúde pública, tanto no seu preparocomo na sua órbita de ação, vem encontrandoagora o amparo dos mais distintos sanitaristas eprofessores, a ponto de ter sido organizada essaclasse de auxiliares de saúde pública em váriossetores da atividade sanitária norte-americana.Várias Escolas de Higiene possuem cursos dessanatureza".

Muito embora historicamente tivesse havidouma superposição funcional das duas catego-rias emergentes, educação sanitária (1925) e en-fermagem (1942), a diferença entre ambas nãopassara despercebida aos observadores maisatentos do sistema de saúde*. Mostra a docu-mentação da época que esta sobreposição, defato, deu origem a equivocos quanto ao espaçoprofissional da equipe de saúde. Atualmente, omais grave problema da prática educativa dizrespeito não mais à sobreposição funcional,mas ao desvio de função e número reduzido deprofissionais disponíveis.

A cuidadosa análise de documentos da épo-ca, pertencentes ao acervo da Faculdade deSaúde Pública, evidencia que os principais pro-blemas relativos à prática da então educação sa-nitária foram: os ferrenhos adversários dePAULA SOUZA; o culto à rotina do passado;a interpretação político-ideológica da expressão"consciência sanitária"; a incapacidade, porparte de mentalidades mais conservadoras ecorporativistas, de vislumbrar o papel de umaequipe profissional como unidade funcional e,dentro dela, a dimensão educativa; a ingenuida-de e expectativa exageradas quanto aos resulta-dos decorrentes do processo de informação, enão da educação em saúde, na prática da saúdepública; a inexistência em nosso meio de estu-

dos sociológicos sobre a questão saúde, Alémdisso, pela sua origem inicialmente ligada à for-mação de professores normalistas, a ênfase napedagogia e, com ela, no processo de ensino-aprendizagem, contribuiu também para limitar oconceito e o foco da prática educativa de umamaneira excessivamente ingênua e parcial, emdetrimento de uma área de resolução e de inter-venção de natureza visivelmente multiprofissio-nal.

A ESCOLA DE HIGIENE E SAÚDE PÚBLICA

Em 1931, o I n s t i t u t o de H ig i enetransformou-se na Escola de Higiene e SaúdePública. Pouco antes de ARTHUR NEIVA**(1880-1943) afastar-se da Secretaria do Estadodos Negócios do Interior, decidiu realizar im-portantes reformas em alguns dos departamen-tos sujeitos àquela Secretaria, entre os quais seencontravam o Serviço Sanitário,o Ensino Nor-mal, o Instituto Butantan e o Instituto de Higie-ne. O Decreto 4.917, de 03 de março de 1931,transformou a Secretaria do Estado do Interiorem Secretaria do Estado de Educação e SaúdePública. A este seguir-se-ia o Decreto 4.955, delo de abril de 1931:

Artigo 1o - O Instituto de Hygiene de SãoPaulo, criado pelo Governo do Estado emcollaboração com a Fundação Rockefeller, eofficializado pela lei no 2018, de 26 de De-zembro de 1924, fica reorganizado nos ter-mos do presente decreto.

Artigo 2o O Instituto de Hygiene de SãoPaulo, que é a Escola de Hygiene e Saúde Pú-blica do Estado, subordinado à Secretaria daEducação e da Saúde Pública por meio decursos regulares e outros de emergência, ser-vindo ao aperfeiçoamento e habilitação tech-nica para funções sanitárais.

Em entrevista concedida ao Correio da Tar-de, no dia 3 de abril de 1931, explicaria PAU-LA SOUZA: "na forma actual, o que se fez emprincípio de importância foi, sobretudo, me-lhor definir e delimitar as actividades do Insti-tuto de Hygiene, dando-lhe caracteres puramen-te de escola de hygiene moderna. Ahi, sobre-tudo foram de grande valor as luzes jurídicasdo Prof. Sampaio Doria... Está pois consolida-da, no Brasil, a sua primeira escola de hygiene,

* Sugere-se a leitura do artigo de Mascarenhas, R.S., Teixeira, M.S. & Marcondes, R.S. Funções do pessoal de enferma-gem e educação sanitária nos serviços de saúde pública. Arq. Hig. S. Paulo, 27(93): 191-204, 1962.

** Secretário do Estado dos Negócios do Interior no período de 5 de dezembro de 1930 a 13 de fevereiro de 1931.

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com feição mais ampla que os anteriores cursosde aperfeiçoamento sanitário. Já era tempo, emnosso meio, de caracterizar perfeitamente aprofissão sanitária como dividida da práticamédica corrente".

Manuscrito de PAULA SOUZA registra a se-guinte observação*: "Médico apenas, entretan-to, não se concluiu capaz para o desempenhodas funções específicas que os serviços de hygie-ne modernos exigem de seus funcionários.HOMENWA Y - dos mais acatados autores emmatéria de legislação e administração sanitária,afirma que, durante muito tempo nos EstadosUnidos, pensava-se ser todo o médico compe-tente para opinar sobre assuntos de higiene e di-rigir repartições sanitárias, porém não existeum clínico sobre quinhentos que conheça osrendimentos da saúde pública moderna, o pre-paro, a prática, idéias e objetivos do bom médi-co, sendo inteiramente diversos de uma auto-ridade sanitária ideal COURMONT, o emi-nente mestre de L YON, apreciando a complexi-dade dos problemas que envolvem a conserva-ção de saúde pública diz ser a higiene uma ciên-cia social que ultrapassa os limites damedicina".

PAULA SOUZA insistia pois na idéia detreinar uma equipe multiprofissional capaz dedesenvolver atividades integradas na prática dasaúde pública. Nela, a figura de um novo pro-fissional já estava realmente concretizada.

OS REGULAMENTOS DO CURSO — 1934, 1939E 1946

Em 1934, o Decreto 6321 de 28 de fevereirode 1934, assinado por ARMANDO DE SAL-LES OLIVEIRA, passou a estabelecer novo re-gulamento para o curso de educador sanitáriopor se considerar que a experiência sugeria jáalgumas modificações em seu currículo. Emtermos da proposta anterior, cancelara-se a En-tomologia, transformando-se o ítem 5 de "Hi-giene Infantil" em "Higiene Infantil, Pré-escolar e Escolar" e o ítem 7 de "Higiene Muni-cipal e das Habitações" para "Higiene Urbana,Rural e das Habitações". O curso continuavase destinando apenas a candidatos com diplomade professor normalista. De acordo com o Arti-go 22o, os alunos diplomados, na forma do refe-rido decreto, ficavam habilitados, independen-temente de concurso, a exercerem cargos de edu-cadores sanitários nos serviços públicos, desde

que, após o curso, tivessem exercido o magisté-rio pelo menos durante o período de um ano.

O Decreto no 9.279, de 30 de junho de 1938,assinado por ADHEMAR PEREIRA DE BAR-ROS, incorporou à Universidade de São Pauloo Instituto de Hygiene de São Paulo, reorgani-zado pelo Decreto no 4.955 de 1o de abril de1931, como Escola de Higiene e Saúde Pública,subordinando-o ainda, contudo, à cátedra deHigiene da Faculdade de Medicina. O fato éque escola e serviços permaneciam intimamenterelacionados em suas aspirações. O Decreto9.273 de 28 de junho, desse mesmo ano, organi-zou o Serviço dos Centros de Saúde da Capitale o Decreto 9.341, de 20 de julho de 1948, estru-turou, por sua vez, o Serviço do Interior do Es-tado, que passou a ser composto de Diretoria,com sede na Capital do Estado, e de Centros deSaúde a serem instalados no interior do Estadode São Paulo.

Tudo isso pressupunha o treinamento de téc-nicos na Escola de Hygiene e Saúde Pública pa-ra ocuparem cargos nessas "unidades coletivase polivalentes". Já naquela época, dificilmentepoder-se-ia negar a importância da educaçãosanitária na prática da saúde pública. O Decre-to no 10.387, de 19 de julho de 1939, assim co-mo o Decreto no 10.440, de 21 de agosto de1939, alteraram mais uma vez o Regulamentodo Curso de Educadores Sanitários. O exameatento dos currículos propostos acusam umamodificação essencial — em 1939 passou-se a in-cluir no programa de ensino a matéria intitula-da Educação Sanitária.

Em 1943 manifestaram-se claramente os es-forços dispendidos com vistas a conceder à Es-cola de Higiene e Saúde Pública situação deigualdade em termos das Faculdades que inte-gravam a Universidade de São Paulo**. Comojá se referiu em outro artigo1, é justo afirmarque a JORGE AMERICANO se deve realmen-te, como aliás seria reconhecido em reunião daprimeira Congregação da Faculdade de Higienee Saúde Pública, a criação da nova unidade au-tônoma da Universidade de São Paulo. A elecoube de fato a coordenação dos estudos queculminariam no Decreto-Lei 14.857, de julho de1945.

Em 1946, um ano depois deste evento e vintee um anos após a criação do primeiro curso deEducação Sanitária, o Decreto 15.552, de 24 dejaneiro de 1946, estabeleceu novo regulamentopara o Curso de Educadores Sanitários. Este

* Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

** A incorporação da Escola à Universidade de São Paulo ocorreu mediante o Decreto-Lei 14.857, de 10 de julho de 1945,assinado pelo Interventor Federal em São Paulo, Fernando Costa.

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fora anteriormente aprovado pela Congrega-ção, em sessão realizada no dia 21 de novembrode 1945, assim como pelo Conselho Universitá-rio na Sessão Extraordinária de 21 de dezembrode 1945 (D.O. 28.112/45). O Curso ficou assimconstituído:

ALGUNS COMENTÁRIOS INTERCALADOS

Referiu-se anteriormente que o início da edu-cação sanitária no Estado de São Paulo refletiua abordagem da educação em saúde na escola,então emergente nos Estados Unidos. Esta re-presenta, já se disse, uma das quatro grandes li-nhas da prática da educação em saúde, que são:educação em saúde na escola, educação comu-nitária, educação de pacientes e educação emsaúde ocupacional. Embora essa ordem seqüen-cial não traduza o modo como os fenômenoseclodem na realidade social, pode-se não obs-tante afirmar que reflete, cronologicamente, amaior visibilidade de cada uma dessas áreas.

Na medida em que a primeira fase da educa-ção em saúde se prendeu à rede de ensino nosEstados Unidos, não poderia deixar de recor-rer, é claro, ao modelo pedagógico que caracte-riza os ambientes da sala de aula*. A partir des-ta perspectiva, o que realmente se pretendia eradesenvolver programas de treinamento dirigi-dos a professores e preparar livros a serem utili-zados ou por eles próprios ou por seus alunosno processo de ensino-aprendizagem. Foi essa aidéia que PAULA SOUZA e BORGES VIEI-RA, como Diretor e Vice-Diretor do então de-nominado Instituto de Higiene, trouxeram dosEstados Unidos para São Paulo, tentando inte-

grar a Educação em Saúde às escolas e, conco-mitantemente, aos centros de saúde emergen-tes. Cumpre explicar que, na fase inicial dessanova prática, os resultados esperados do pro-cesso de ensino-aprendizagem estavam aindaintimamente relacionados com as doenças in-fecciosas, havendo portanto uma relação nítidade causa-efeito. Isto tornava o conteúdo de en-sino, além de óbvio bastante desejável.

O Decreto modificou a admissão de candida-tos, passando a receber, além de professores di-plomados por escola normal, portadores de cer-tificado de conclusão do curso secundário com-pleto. Esta abertura representou importantepasso, afirmação justificada nos comentáriosque se apresentam a seguir.

Quando estas doenças, entretanto, com am-pla fundamentação científica, foram caracteri-zadas, em nosso meio, como doenças de pobre-za pertinentes a estratificações sociais menosprivilegiadas, a educação em saúde na escolapassou a ser severa e subjetivamente questiona-da, levando a discussões de caráter político-ideológico. Lamentavelmente para essa impor-tante prática da saúde pública, ao criticar-se a educação em saúde de forma genérica e aomesmo tempo circunstancial, o que se criticava,de fato e com razão, era todo um sistema políti-co ditatorial e com ele, muito justamente, a mádistribuição de renda e suas conseqüências so-ciais. Esta distribuição de renda injusta pareciainvalidar, por sua vez, quaisquer tentativas pa-ralelas de contribuir para a solução de um pro-blema estrutural a partir de uma perspectivaque se percebia como sendo eminentemente pe-dagógica (o que aliás não era verdadeiro). Re-presenta grave erro, argumentava-se, tentar ig-norar a realidade social dos alunos fora da es-cola ou então daqueles que, embora em idadeescolar, jamais tiveram acesso a ela. Com ou-tras palavras, a resolução da saúde do escolar,para alguns, escapava totalmente ao âmbito daescola. É lógico pois que a educação em saúdecomunitária tenha começado a exigir maior es-paço no campo da saúde pública, passando a re-presentar a segunda grande forma de interven-ção social da prática educativa, refletindo ago-ra, em nosso meio, um forte componente polí-tico-ideológico.

Se, porém, essa complementação da práticapôde ocorrer mais rápida e amplamente nos Es-tados Unidos, acelerando-se a partir da décadade 40, o mesmo não sucedeu em nosso país. Omodelo pedagógico, apesar do evidente e injus-

* A este respeito, sugere-se a leitura do artigo de: Green, L.W. Health Education models. In: Matarazzo, J.D. et al. eds.Behavioral Health. New York, John Willey & Sons, 1984.

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to desprestígio da educação em saúde na escola,tendeu a prevalecer como foco principal nasdiscussões técnicas da primeira fase dos educa-dores sanitários paulistas, mesmo quando estesse referiam a dimensões não relacionadas à es-cola.

A partir de 1946, entretanto, o Decreto-Lei15.552, ao modificar a admissão tradicional,permitiu que o curso passasse a receber candi-datos portadores de certificado de conclusão docurso secundário completo. Embora não hajaevidências concretas, por escrito, pode-se afir-mar, empiricamente, que esta diversificação deprocedência parece ter contribuído, de fato, pa-ra discussões filosóficas de caráter menos unidi-mensional.

Em 1962, já RODOLFO DOS SANTOSMASCARENHAS se dirigia a BENJAMINALVES RIBEIRO, Presidente do ConselhoTécnico e Administrativo da Faculdade de Saú-de Pública, informando a respeito da sugestãopor ele apresentada a MARIO FERRI, Diretorda Faculdade de Filosofia Ciências e Letras daUniversidade de São Paulo, no sentido de secriar uma Comissão mista de docentes para es-tudar o entrosamento entre o Curso de SaúdePública (Seção de Educação Sanitária) e osCursos de Pedagogia e de Ciências Sociais.Tudo parece sugerir que, por volta desse perío-do, tenha chegado ao cenário da educação emsaúde a proposta de integrar a significativa con-tribuição da sociologia para melhor compreen-são da realidade social em nosso meio. Gerou-se assim um acordo mais ou menos explícito so-bre o compromisso do indivíduo, como cida-dão, com as necessidades de sua comunidade.Isto escapava, muitas vezes, do âmbito das in-tervenções técnicas.

Contudo, ao hipertrofiar a análise a partir deuma perspectiva essencialmente sociológica eao minimizar a importante contribuição de ou-tros importantes pilares científicos da educaçãoem saúde, também a seus adeptos lhes faltoue têm faltado as já referidas virtudes do meiotermo. Há ampla evidência de que a resposta doindivíduo a recomendações quanto à ação emsaúde não pode ser explicada apenas em termosda estratificação social onde este se insere. Queristo dizer que indivíduos pertencentes à mesmaclasse social reagem diferentemente quanto àprópria saúde, da mesma forma que respondem

diferentemente a recomendações médicas, exi-gindo, portanto, uma explicação de caráter psi-cológico.

È preciso, assim, que a prática da educaçãoem saúde incorpore e sintetize os conceitos teó-rico-práticos decorrentes de diferentes aborda-gens. Sua operacionalização fundamenta-se emdiferentes campos de conhecimento científico (eé isso que torna essa prática particularmentecomplexa): ciências biomédicas, ecologia, de-mografia, epidemiologia, sociologia, psicolo-gia, pedagogia, antropologia, entre muitos ou-tros que integram o amplo domínio da saúdepública. A ênfase em cada uma delas não de-penderá, é claro, da formação profissional decada um e, sim, da especificidade do caso emfoco e do tipo de intervenção recomendada. Es-ta, por sua vez, precisará valer-se da sinergia deconceitos e princípios oriundos de diferentesáreas científicas. Portanto, as virtudes do meiotermo, tal como aqui se sugere, dizem respeito àintegração transdisciplinar na análise e na práti-ca da intervenção educativa.

A AVALIAÇÃO DO CURSO — 1947

Voltando ao passado, em 1947, vinte anosapós a formatura do primeiro grupo de educado-res sanitários, empenhou-se PAULA SOUZAna avaliação do curso. A propósito, informaGISELDA RUPOLO, Diretora do Parque In-fantil da Penha*: "Recebi a circular 240, queme fez ciente de uma Reunião havida na Facul-dade de Higiene de São Paulo e na qual o Dr.GERALDO H. DE PAULA SOUZA, DD. Di-retor da mesma, pedia às Educadoras Sanitá-rias que apresentassem suas opiniões sobre oCurso de Educadores ministrado na referidaFaculdade... Quando freqüentei o Curso deEducadoras, achei-o muito interessante, efi-ciente e satisfatório. Mais tarde, porém, quan-do necessitei por em prática o que havia apren-dido para desempenhar minha função, é quecomecei a notar que algo faltou ao Curso"**.

A queixa se repetia. NOEMIA IPPOLITO,Chefe da Seção Técnico Educacional da Divi-são de Educação, Assistência e Recreio da Pre-feitura do Município de São Paulo, em respostaà solicitação, envia a PAULA SOUZA "suges-tões da maioria das Educadoras Sanitárias que

* Sugestões das Educadoras Sanitárias dos Parques Infantis de S. Paulo. Considerações sobre o Curso de Educadores Sa-nitários. F-27-S. Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

** É ingênuo afirmar que "algo faltou ao Curso". As estruturas administrativas estavam e estão continuamente sendo al-teradas de acordo com as preferências políticas das diferentes chefias. A falta de continuidade de intenções impede omelhor ajustamento entre os profissionais nessa área, impedindo os objetivos a serem por eles buscados. O problemapersiste até a presente data.

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trabalham nos Parques Infantis de São Paulo",entre as quais: "faz-se mister reduzir a um mí-nimo os conhecimentos teóricos filiados à Me-dicina.., a orientação dada ao Curso é excessi-vamente teórica, muito deixando a desejar aparte prática, de grande importância para a efi-ciência do trabalho no campo profissional. Asmatérias são desenvolvidas pelos professoressem atender à finalidade de aplicação. Assimapresentadas, permitem uma ampliação da cul-tura dos alunos, mas não favorecem uma for-mação especializada no terreno da EducaçãoSanitária... Sugere-se incluir no curso a meto-dologia da Educação Sanitária para melhorar aformação técnica específica da Educadora Sa-nitária... De modo geral, o que caracteriza ocurso de Educadores Sanitários é a preocupa-ção com os conhecimentos teóricos, em detri-mento da prática. Há excesso de teorias no Cur-so de Bacteriologia, de Parasitologia e Proto-zoologia, Higiene Pré-Natal, etc, enquanto queem Epidemiologia, Higiene Escolar, Enferma-gem e Moléstias Sociais, o preparo no terrenoda prática é nulo. De que nos valem conceitosprofundos, detalhes de técnica, ou riquezas deminúcias na identificação de protozoários e pa-rasitas que dificilmente vamos encontrar nanossa profissão!''

O currículo realmente não correspondia às ex-pectativas das educadoras em saúde no campo,porém PAULA SOUZA criara de fato um novoprofissional, cujo campo de conhecimentos,atuação, funções e aspirações técnicas só viriama ser reconhecidos, como requisitos essenciaisda prática da saúde pública, muitos anos de-pois.

A ORIGEM DA PROFISSÃO

Nos Estados Unidos, o educador de saúde,como profissional de saúde tal como se concebehoje na Faculdade de Saúde Pública e nas Se-cretarias da Saúde do Estado e da Prefeitura deSão Paulo, surgiu durante a II Guerra Mundial.DOROTHY NYSWANDER, pioneira na áreada educação em saúde naquele país, atribui aidéia da criação desse profissional a MAYHEWDERRYBERRY e a LUCY MORGAN, conce-dendo a esta última o mérito de ter organizadoo primeiro currículo e o primeiro corpo docenteem educação em saúde na Universidade da Ca-rolina do Norte em Chapel Hill. Na mesma oca-sião, MAYHEW DERRYBERRY, então chefedo "U.S. Public Health Service", em Washing-ton, pleiteava bolsas a nível de pós-graduaçãopara alunos interessados nessa área, naquela ouem outras universidades, jã com cursos de edu-

cação em saúde a nível de pós-graduação, con-forme relata Nyswander10.

"Em 1936, Dr. C.M. Derryberry e eu, demosinício a novas carreiras na área de Saúde Públi-ca. Derry berry passou de pesquisas em saúde dacriança com a Associação Americana de Saúdeda Criança, em Nova York, para o "U.S. Pu-blic Health Service", em Washington, D.C.,para estudar administração sanitária. Eu haviadeixado a Universidade de Utah, onde lecioneipsicologia, para dirigir um estudo em saúde naescola. Nenhum de nós dois, em 1936, nos jul-gávamos educadores de saúde, mas nossos em-pregos, embora muito diferentes, exigiram quesoubéssemos mais do que aquilo que sabíamosa respeito de como mudar as ações na área desaúde"10.

É justo afirmar que três fatos favoreceramesta proposta nos Estados Unidos: os proble-mas de saúde surgidos durante a II Guerra; oconhecimento científico emergente nas décadasde 30 e 40, na área das ciências sociais, sugerin-do novos caminhos para a compreensão docomportamento individual e coletivo; por últi-mo, porém não menos importante, a brilhantecontribuição de KURT LEWIN ao introduzir eaprofundar a teoria e a prática da Dinâmica deGrupo. Com LEWIN divulgara-se a idéia deque a mudança da ação individual e coletiva po-de ocorrer mediante a participação no planeja-mento do programa e nas ações subseqüentes.Desta forma, afirmava LEWIN, o compromis-so de cada indivíduo, a retroalimentação, a prá-tica dos conceitos básicos da democracia, o pla-nejamento do programa, a avaliação e, em re-sumo, a plena participação em todas as ativida-des, representavam partes essenciais do proces-so de aprendizagem. Os valores implícitos emsua teoria tiveram rápida e profunda repercus-são nos currículos de formação de educadoresde saúde, assim como em sua prática profissio-nal, particularmente em nações em que predo-minava uma concepção totalitária da sociedade.

O ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS — 1948

Em 27/10/1948, o Diretor da Faculdade deSaúde Pública, Prof. GERALDO HORÁCIODE PAULA SOUZA, recebeu carta da Asso-ciação dos Educadores Sanitários (atual Asso-ciação dos Educadores de Saúde Pública), co-municando que esta solicitara, à sua ComissãoAdministrativo-Jurídica, uma consulta sobre oselementos a fornecer ao redator do "Projetodos Estatutos dos Funcionários Públicos".Com isto pretendia-se justificar uma emendapara esclarecimento do artigo 9o, referente àdistribuição de carreiras em agrupamentos de

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cargos de funcionalismo, que possibilitasse ainclusão da carreira do educador sanitário,muito justamente, dentro do grupo de "Cargosde Serviços Técnicos", uma vez que o mesmonão se enquadrava em nenhum dos outros. Aassinante, THEREZA FILARDI, Presidente daAssociação, solicitava ao Diretor da Faculdadedados que justificassem o caráter técnico dafunção do educador sanitário. Esta sempre foraexercida como tal, não obstante, via-se agoraexcluída desse grupo sem se enquadrar em ne-nhum outro, conforme se deprendia do DiárioOficial de 13/10/1948. De fato, no projeto deLei no 555 de 1948 — Projeto do Estatuto doFuncionalismo Público do Estado de São Pau-lo, ADHEMAR DE BARROS, Governador doEstado de São Paulo, dava conhecimento que aAssembléia Legislativa decretara e ele promul-gara a lei do Estatuto do Funcionalismo Públi-co Civil do Estado, em que (art. 9o) as carreirase cargos isolados do funcionalismo público civildo Estado seriam integrados em vários grupos,entre os quais se enquadravam os Cargos deServiços Técnicos, onde constavam engenhei-ros, médicos, advogados, consultores jurídicose delegados de polícia. Informava-se que paraingresso nesse grupo seria exigido diploma deCurso Superior.

Esta solicitação levou BORGES VIEIRA,Vice-Diretor em exercício, a enviar ofício aoReitor da USP, Linneu Prestes, em 11/11/48,informando: "em 8/10, a Diretoria enviou aVossa Magnificência o ofício 734/S, consul-tando sobre se o grau do Curso de Nutricionis-tas deveria ser considerado médio ou superior.Necessitamos com urgência saber qual o pro-nunciamento da Consultoria Jurídica dessaReitoria sobre o grau do Curso de EducadoresSanitários. Para ingresso no mesmo admitiam-se portadores de diploma de professor norma-lista ou de conclusão do curso secundário com-pleto (colégio clássico ou científico) e, de acor-do com o parecer dessa Reitoria, também os di-plomados por Escolas de Contabilidade".

As informações recebidas do Conselho Téc-nico Administrativo, de acordo com as exigên-cias previstas no ítem da lei federal com os arti-gos do regulamento, afirmavam que o referidocurso não satisfazia àquelas e que, portanto,não poderiam ser considerados como cursos su-periores e sim, quando muito, como Cursos deAperfeiçoamento Técnico. Sugeria-se entãoque a Congregação da Faculdade de Higiene eSaúde Pública estudasse a conveniência de en-quadrar estes cursos nas exigências federais afim de poderem estes, desta forma, ser conside-rados de nível superior. Assim começaram osprimeiros passos visando a levar o curso a nível

universitário, Isto exigiu 19 anos de contínuosesforços,

A REVISÃO DO CURRÍCULO — 1955

Vários documentos do acervo histórico daFaculdade de Saúde Pública comprovam a dis-posição de aperfeiçoar o currículo do curso deEducação Sanitária: sugestões das educadorasdos Parques Infantis em 1947 (Proc. 199/48);sugestões da Associação dos Educadores Sani-tários (hoje Associação dos Educadores de Saú-de Pública) solicitando a inclusão da EducaçãoSanitária e de um orientador geral para o curso(Proc. 193/48); portaria no 4/49 de RODOLFODOS SANTOS MASCARENHAS, responsávelpela Disciplina Educação Sanitária, com vistodo Prof. BORGES VIEIRA, designando ADÉ-LIA VIEIRA DE FREITAS como supervisorado Centro de Aprendizado e responsável, destaforma, pelos estágios dos educadores sanitá-rios; em 1949, o convite dirigido ao Prof.ORACY NOGUEIRA para prelecionar Psico-logia Social; em 1950, entendimentos com o Dr.ORLANDO J. DA SILVA do SESP (ServiçoEspecial de Saúde Pública) e com o Diretor daFaculdade de Saúde Pública, PAULA SOUZA,para realização de reuniões com vistas à revisãodo currículo do Curso; ao mesmo tempo,apresentavam-se algumas sugestões baseadasna discussão de um Grupo de Trabalho, porocasião do Congresso Brasileiro de Higiene, emRecife, formado por GERALDO HORÁCIODE PAULA SOUZA, LÚCIA JARDIM, HO-WARD W. LUNDY, do Instituto de AssuntosInteramericanos no Rio de Janeiro, ORLAN-DO J. DA SILVA e PAULO C. CASTRO.Além disto, e entre outros, realização de reu-niões posteriores em que participaram HOR-TÊNCIA DE HOLLANDA, HOWARD W.LUNDY, RODOLFO DOS SANTOS MASCA-RENHAS, LÚCIA JARDIM, PAULO C.CASTRO, MARIA ROSA SOUZA PINHEI-RO e ADÉLIA VIEIRA DE FREITAS. Assimchegou-se à proposta de redução de alguns pro-gramas e introdução da sociologia, psicologia emetodologia da educação sanitária. Obviamen-te isto só poderia ter ocorrido 25 anos após acriação do curso. Em 1925 não fora sequer cria-da a Universidade de São Paulo e, quando issoocorreu em 1934, longo tempo passaria antesque esta pudesse oferecer os programas de ensi-no básicos à formação dos educadores sanitá-rios, tais como psicologia social, sociologia, pe-dagogia, comunicação, antropologia e serviçosocial.

Foi pois oportuna a proposta de revisão docurso e com ela a percepção de que havia neces-

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sidade de formar educadores de saúde brasilei-ros, nos Estados Unidos, onde, como já se refe-riu, haviam-se organizado cursos de educaçãoem saúde a nível universitário. Em 1951, RO-DOLFO DOS SANTOS MASCARENHAS so-licitou ao Diretor BENJAMIN ALVES RIBEI-RO o comissionamento de DINA SALVATO-RI para que esta fizesse o Curso de Educaçãoem Saúde na Carolina do Norte, em ChapelHill. Ao mesmo tempo, teve início um progra-ma de visitas de especialistas norte-americanosa São Paulo; o célebre educador MAYHEWDERRYBERRY, um dos indivíduos responsá-veis pela criação desse profissional, como já sedisse, e MARY JO KRAFT visitaram São Pau-lo em agosto de 1951, ocasião em que se discu-tiu com o então Diretor da Faculdade, PAULOCESAR DE AZEVEDO ANTUNES, a vindade um professor americano com as devidas qua-lificações e experiências para cooperar com oProfessor da Cadeira de Técnica de SaúdePública*.

O fato é que em fevereiro de 1952, o Cursopassou a incorporar as modificações propostas.Um ano após, PAULO CESAR DE AZEVE-DO ANTUNES recebia carta de MARY JOKRAFT, comunicando a vinda de EVELYNRAHM a São Paulo, como consultora em edu-cação em saúde, onde deveria permanecer pordois anos12.** A respeito desta, já se expressaraLundy, em carta de 26/5/1953, dirigida a PAU-LO CESAR DE AZEVEDO ANTUNES:"Miss Rahm has served for some years aregional consultant on Dr. Derryberry's stafffor the Western States with headquarters inDenver, Colorado. I have worked with herfrom time to time and know her to be a verycompetent, hardworking individual...". Comsua vinda ao Brasil, o Prof. RODOLFO DOSSANTOS MASCARENHAS, responsável co-mo já se disse pela Disciplina Educação Sanitá-ria, introduziu profundas mudanças no currícu-lo do curso, preparando concomitantementeuma equipe que passou a ser responsável peloconteúdo do mesmo. Fizeram parte dessa equi-pe, THEREZINHA JOLY GOUVEA, AURO-RA BONAFÉ, HELENA SAVASTANO,DOLLY MENDES e ADÉLIA VIEIRA DEFREITAS.

Apresenta-se a seguir o programa do Cursode Educação Sanitária, elaborado em 1955,após essa profunda e prolongada revisão curri-cular:

1. Papel da Educação Sanitária em Saúde Pú-blica

2. Métodos de Educação SanitáriaRelações Humanas; Trabalho de Grupo;Entrevistas - Palestras; Meios auxiliares pa-ra Educação Sanitária: Rádio, Cinema,TV; Folhetos; Cartazes -Exposições; Rela-tórios; Jornais e Revistas.

3. Educação e Saúde Escolar4. Educação Sanitária5. Programas de Educação Sanitária

a) Nacional; Estadual - Departamento deSaúde; Centros de Saúde: da Faculdadede Higiene, da Capital, do Interior,

b) Agências Particularesc) Educação Sanitária para operários (in-

dústrias)d) Programa Rural do SESPe) Outros países

6. Planejamento de Programas (gerais-específicos)

7. Papel do Educador Sanitário8. Projetos em Educação Sanitária9. Estágio

10. Visitas11. Avaliação Contínua: Desenvolvimento;

Aulas Teóricas; Aulas Práticas; Projetos;Reuniões; Demonstrações; Visitas; Está-gios.

A diferença entre os conteúdos curricularesera pois evidente. Menos conhecimentos teóri-cos filiados à Medicina, dos quais tão amarga-mente se queixavam os educadores sanitáriosem sua mais exigente avaliação, e maior ênfaseno processo educativo e nas estratégias e técni-cas a serem utilizadas.

O curso renovado teve início em fevereiro de1956, com as modificações introduzidas em1955, como já se disse, contando ainda com apresença de EVELYN RAHM. Foi nessa oca-sião que AUGUSTO LEOPOLDO AYROSAGALVÃO, Diretor da Faculdade de Saúde Pú-blica, solicitou ao Diretor do Serviço de SaúdeEscolar a cooperação de RUTH SANDOVALMARCONDES que, em 1o de fevereiro de1957, tomou posse na função de Assistente eresponsável pela Cadeira de Técnica de SaúdePública - Disciplina Educação Sanitária. Em1959, ambas, RUTH SANDOVAL MARCON-DES e EVELYN RAHM, apresentaram umacuidadosa análise sobre as funções dos educa-dores sanitários em São Paulo6.

* Referência em carta de 18/11/52 e no Proc. 462/53. Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

** Evelyn Rahm permaneceu mais do que dois anos no Brasil, tendo seu contrato sido renovado.

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PARECER DO CONSELHO NACIONAL DEEDUCAÇÃO — 1959

Já se disse que em 20/10/1948 recebera o Di-retor da Faculdade de Saúde Pública uma cartada Associação dos Educadores Sanitários, assi-nada por THEREZA FILARDI, a respeito daexclusão desse grupo dos "Cargos de ServiçosTécnicos". O fato é que a Associação não acei-tara passivamente o pronunciamento da Con-sultoria Jurídica da Reitoria da Universidade edecidira, por isso, lutar junto ao Ministério daEducação e Cultura. Vale a pena registrar aquicarta assinada por A. IBIAPINA, com data de30 de outubro de 1959, dirigida ao "Prezado eeminente Professor AYROSA GALVÃO*, on-de se lê:"Cursos com tais exigências, dentre os quaissobressai o certificado de conclusão do cursosecundário completo, data vênia, não podemser considerados de aperfeiçoamento ou de ní-vel médio, por mais que se tente vislumbraruma razão contrária na hermenêutica da legis-lação vigente. Se o legislador fixou tão alto ní-vel para inscrição ao exame de admissão doCurso de Educadores Sanitários, nível de cursosuperior, estava ele próprio reconhecendo a ne-cessidade e a propriedade desse limiar.

Não me passa tão pouco despercebida a natu-reza do Curso de Educadores Sanitários, essacaracterística de que fala o eminente ProfessorA. ALMEIDA JÚNIOR ao invocar os atribu-tos apontados no já mencionado Parecer deMARTINS RODRIGUES. Quem poderia ne-gar, em sã consciência, que o Curso de Educa-dores Sanitários — já pelo que é exigido paraadmissão ao mesmo, já pelo que nele é minis-trado, através de um ensino intensivo de dezoi-to disciplinas — não dê, aos que a eles se sub-metem, 'aquela elevação do nível da cultura ge-ral, aquele estímulo à investigação científica,que devem resultar dos cursos superiores, alémda habilitação para o exercício de atividadeprofissional'? Não se encontram os educadoressanitários habilitados a empreender investiga-ções de natureza médico-social no domínio dasdiversas disciplinas lecionadas? Não seria porêsse caminho que haveria eu de encontrar umarazão plausível embalde procurada, para consi-derar o Curso de Educadores Sanitários comonão sendo de nível superior. Não obstante todoo meu empenho, — e a minha consulta pessoalao ilustre colega é o testemunho disto, — nãoencontrei dispositivo legal em que me estribar

para responder negativamente à consulta feitaao egrégio Conselho Nacional de Educaçãoque, atento, aprovou por unanimidade o Pare-cer no 361/59, considerando o Curso de Educa-dores Sanitários de nível superior".

Esta deliberação prendia-se ao Parecer no

361 da Comissão de Ensino Superior a respeitode consulta feita pelo Deputado Federal AMA-RAL FURLAN ao Ministro da Educação eCultura, tendo este a submetido ao egrégioConselho.

O PARECER DA FACULDADE DESAÚDE PÚBLICA — 1960

No processo 8.257/60 da Faculdade de Higie-ne e Saúde Pública sobre o Curso de Educado-res Sanitários (fls. no 155) registraram-se as se-guintes observações: O Regulamento da Facul-dade, que foi objeto de ante-projeto elaboradopela Congregação e pelo Conselho Universitá-rio (D.L. no 15.589-A/46), considerava, entreoutros, dois tipos de cursos — os normais e osanexos. Os cursos normais são destinados a for-mar profissionais de saúde pública e exigem doscandidatos aos exames de admissão a exibiçãode diploma do curso superior. São, portanto,cursos de pós-graduação. Os cursos anexos sãodestinados ao preparo de pessoal auxiliar deSaúde Pública (art. 2o, letra "g" do Regula-mento). Os programas das disciplinas que com-põem o curso de educadores sanitários sempreforam elaborados e ministrados pelo corpo do-cente tendo em conta este conceito e as aulas, aele destinadas, eram separadas dos alunos doscursos pós-graduados, devido ao nível mais ele-vado desses últimos... desde que o referido cur-so foi subitamente alçado, num plano formal,pelo referido despacho ministerial à categoriade curso superior, impunha-se que a Faculdadetomasse as iniciativas que lhe competem, acau-teladoras dos seus pontos de vista e das suasresponsabilidades. Realmente, viu-se a Facul-dade diante de um dilema: ou promover a súbi-ta modificação total da estrutura didática do re-ferido curso para que ele fosse de fato, e nãopor um simples ato executivo, transformado emcurso superior, e isso não poderia ser feito pre-cipitadamente, ou manter-se a Faculdade fiel àopinião várias vezes manifestada de que o cursoera de nível médio, anexo e não superior, e plei-tear, pela forma competente e por todos os re-cursos administrativos ou judiciários existentes,o retorno à situação anterior. Enquanto tal re-

* É interessante observar a anotação manuscrita, assinada pelo Prof. AYROSA GALVÃO na margem da mesma: "Estacarta veio em envelope com carimbo de 17 de fevereiro (anexo) e foi-me entregue hoje, tendo sido coletada na CaixaPostal 8099 pelo nosso estafeta à 12:00 horas. São Paulo, 19.02.60"

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visão não fosse ultimada, decidiu a Faculdadesuspender por tempo indeterminado o referidocurso, comunicando tal fato ao Magnífico Rei-tor, ANTONIO BARROS DE ULHOA CIN-TRA, para as medidas complementares neces-sárias: "Magnífico Reitor — Tendo esta Facul-dade, por decisão unânime da Congregação,em sua sessão de 11.11.1960, resolvido suspen-der, a partir de 1961, o Curso Anexo para a for-mação de Educadores Sanitários, venho solici-tar os bons ofícios de Vossa Magnificência, afim de que seja ouvida a douta Consultoria Ju-rídica sobre se são necessárias outras medidaspara formalizar o ato da Congregação ou se eleé de sua competência exclusiva". A carta comdata de 1o de dezembro de 1960 foi assinada pe-lo então Diretor da Faculdade, AUGUSTOLEOPOLDO AYROSA GALVÃO. Consta no"O Estado de São Paulo" de 17/12/1960:"Suspensão de Curso. A Congregação da Fa-culdade de Higiene e Saúde Pública, ontem reu-nida em Sessão, reexaminou sua recente delibe-ração de suspender a realização do Curso deEducadores Sanitários a partir de 1961.Resolveu-se manter a decisão de suspensão,adiando-se entretanto a vigência do ato para oano letivo de 1962". Esta ocorreu 36 anos apósa criação do primeiro curso.

Durante esta primeira etapa, foram respon-sáveis pela Disciplina Educação Sanitária as se-guintes professoras, cujos nomes empenhamo-nos em deixar aqui registrados: DINA SALVA-TORI, 1941-43 e 1951-52; ZILDA CARVA-LHO, 1944-45; LUCIA JARDIM, 1946-49;ADÉLIA VIEIRA DE FREITAS, 1949-51 e1953; HELENA SAVASTANO, 1954.

Em 1957, RUTH SANDOVAL MARCON-DES, já se disse, passou a assumir a responsabi-lidade pela Disciplina, tendo participado daequipe de ensino ADÉLIA VIEIRA DE FREI-TAS, NAIR OHARA, RENEÉ VILLIN eDOLLY MENDES.

O PRIMEIRO CURSO DE EDUCAÇÃO EMSAÚDE PÚBLICA — 1967

O papel da Organização Pan-Americana daSaúde foi fundamental para a transformaçãodo curso de nível médio em nível superior. Emmarço de 1962, RAPHAEL DE PAULA SOU-ZA, então Diretor da Escola, enviou carta aHECTOR A. COLL, solicitando a colaboraçãode técnicos com as quais a Cadeira de Técnicade Saúde Pública pudesse contar. Para o plane-jamento geral: MAYHEW DERRYBERRY,

Ph.D do Public Health Service; DOROTHYNYSWANDER, Ph.D. da Universidade da Ca-lifórnia; WILLIAM GRIFFITHS, Ph.D. daUniversidade da Califórnia; BERYL RO-BERTS, Ph.D. da Universidade da Califórnia;e f ina lmente , E N R I Q U E MANDIOLA,M.P.H. da Universidade do Chile. Para o trei-namento de campo: MARY JO KRAFT,M.P.H. da A.I.D.; NORMAN CRAIG,M.P.H. da Pan-American Health Organiza-tion; JEROME GROSSMAN, M.P.H. da Uni-versidade da Califórnia.

A missão histórica de transformar o Curso deEducação Sanitária, de nível médio, no Cursode Educação em Saúde, de nível superior, cou-be de f a t o a R U T H S A N D O V A LMARCONDES* e a LUCY MORGAN que, co-mo já se referiu, fora responsável pela propostada criação do primeiro curso para formaçãoprofissional de educadores da saúde pública emChapel Hill, nos Estados Unidos. Como constaem seu "Relatório de Viagem, dirigido a WHO— Projeto Brasil", LUCY MORGAN perma-neceu em São Paulo de 22 de setembro a 13 deoutubro de 1962. Neste, estranhava-se o fato dea Faculdade de Saúde Pública não oferecer,ainda, um currículo em educação em saúde pa-ra graduados.

Em 12 de outubro de 1962, um plano tentati-vo foi dirigido a RODOLFO DOS SANTOSMASCARENHAS, professor catedrático, porRUTH SANDOVAL MARCONDES, profes-sor assistente, esclarecendo que a colaboraçãode MORGAN fora possível graças ao patrocí-nio da Organização Mundial da Saúde.

Em 19 de outubro de 1962, RODOLFO DOSSANTOS MASCARENHAS, mediante o Ofí-cio no 111/62 dirigido a BENJAMIN ALVESRIBEIRO, Presidente do Conselho Técnico eAdministrativo da Faculdade, encaminhou oRelatório sobre o Curso de Saúde Pública (Se-ção Educação Sanitária): "esse relatório foielaborado pela Instrutora desta Cátedra, D.RUTH SANDOVAL MARCONDES, com D.LUCY MORGAN, Professora Catedrática deEducação Sanitária, desde 1940, na Escola deSaúde Pública da Universidade de North Caro-lina, nos Estados Unidos. O assunto tambémfoi discutido com Mr. HAROLD L. SAVAGE,Consultor em Educação Sanitária do Ponto IV,e com Dr. NILO CHAVES DE BRITO BAS-TOS, Diretor do Serviço Nacional de EducaçãoSanitária". O Relatório revia importantes pon-tos de contato a nível internacional, incluindofinalmente o tão almejado "Programa de For-

* Ruth Sandoval Marcondes, professora titular aposentada, fez parte do corpo docente da Faculdade de Saúde Públicade 1957 a 1984.

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mação do Educador de Saúde Pública" tal co-mo se apresenta a seguir.

1. Curso Básico de Saúde PúblicaDisciplinas: Administração Sanitária e

Noções de Administração Geral e Pública;Estatística Descritiva e Noções de EstatísticaDemográfica e Bioestatística; Problemas Ge-rais e Especiais de Epidemiologia e Profila-xia e Noções de Microbiologia e Parasitolo-gia; Higiene Mental; Nutrição e Saúde Públi-ca; Saneamento; Higiene Materno Infanti l .

2.Curso de Especialização1. Introdução à Educação em Saúde

Pública* 40h2. Problemas de Educação em Saúde Pública

(A) 80h3. Problemas de Educação em Saúde Pública

(B) . 20hEducação Sanitária Escolar 40hEducação Sanitária da Comunidade .. 50hEstudos Especiais em Educação Sanitária

80h

Administração em Educação Sanitária50h

Problemas de Educação em Saúde Pública. 80h

Total , . 440h

Nota: Ciências Sociais serão integradas em to-das as áreas do Curso de Especialização.

Cinco anos decorreram antes que o Prof.MASCARENHAS participasse às Agênciasque: "A Faculdade de Higiene e Saúde Públicada USP, tendo em vista o desdobramento desuas atividades didáticas e, conseqüentemente,com o objetivo de difundir em esferas mais am-plas a aplicação dos conhecimentos técnicos eos benefícios da saúde pública, resolveu insti-tuir, a partir do próximo ano letivo, novos cur-sos de Pós-Graduação destinados à formaçãode sanitaristas. Assim, pois, de 1967 em diante,a Faculdade passará a prelecionar, além dos jáexistentes, mais os seguintes Cursos de Pós-Graduação em Saúde Pública: Educação emSaúde Pública (v. publicação informativa ane-xa)"..

* A expressão educação em saúde substituiu a expressão educação sanitária. Os profissionais decorrentes desta segundaetapa, em que o curso passou a ser oferecido apenas a indivíduos com diploma superior, passaram a ser denominadoseducadores de saúde pública e não mais educadores sanitários.

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Este foi um importante passo, Tinham-sepassado 42 anos após a criação do primeiro cur-so de nível médio. Já referimos, em outro arti-go, que o desenvolvimento técnico-científico eprofissional, nessa área, viria a ocorrer muitosanos depois de PAULA SOUZA propor a in-clusão do novo auxiliar no sistema de atendi-mento médico-sanitário1.

Nesse sentido — não há dúvida — a Faculda-de de Saúde Pública, assim como as Secretariasda Saúde e as Secretarias da Educação do Esta-

do e da Prefeitura de São Paulo foram e aindahoje são pioneiras.

"And next?No ideal courses have been developed butcertain modifications have been introduced.Hopefully there will be continued experimentand change, for without it there will be nogrowth"

E. Rahm*

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido para publicação em 11/12/1987Aprovado para publicação em 17/5/1988

* Rahm11 (1957).