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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 2006 5 Evolução recente e tendências do agronegócio Resumo: Este trabalho faz parte de um conjunto de estudos realizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, sobre projeções do agronegócio mundial e do Brasil. Como parte desse estudo, analisa a evolução recente do agronegócio e suas tendências. A metodologia utilizada baseou- se na análise do material produzido por instituições internacionais sobre o tema. A evolução recente é abordada por meio de diversos indicadores do comportamento do agronegócio nos últimos anos. Além dos indicadores usuais para analisar o tema, outros também foram usados, como o grau de abertura do agronegócio e a produtividade total dos fatores. A partir desses indicadoes, fica claro o grau de dinamismo desse setor no Brasil. As tendências representam a forma de identificar as linhas gerais do agronegócio em sua rota de crescimento futuro. Assim, foram analisadas as tendências populacionais, econômicas, tecnológicas e ambientais. Este trabalho conclui que, em função dessas tendências, projeta-se uma diversificação alimentar, com aumento da demanda de determinados grupos de produtos, como processados (laticínios), de maior valor protéico (carnes), além de açúcar e frutas. Outros resultados foram obtidos, como a importância de novas tecnologias para o agronegócio, e a busca do equilíbrio entre crescimento e práticas conservacionistas e de proteção ambiental. Palavras-chave: agronegócio, tendência, evolução. Elisio Contini 1 José Garcia Gasques 2 Renato Barros de Aguiar Leonardi 3 Eliana Teles Bastos 4 1 Chefe da Assessoria de Gestão Estratégica (AGE) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). [email protected]. 2 Coordenador-Geral de Planejamento Estratégico (CGPE/AGE/Mapa). [email protected]. 3 Gestor da CGPE/AGE/Mapa. [email protected]. 4 Economista, Assistente da CGPE/AGE/Mapa. Introdução Organizações públicas e privadas necessi- tam de rumos bem definidos. Precisam também saber que caminhos seguir para direcionar seus esforços e recursos, num futuro próximo e de longo prazo. Essa visão prospectiva não é estática, mas exige redirecionamentos periódicos, em face de mudanças no ambiente externo. Essa diretriz aplica-se, também, ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como responsável por políticas públicas e ações de normatização que visam o desenvolvimento sustentável do agrone- gócio brasileiro. Para a elaboração deste estudo, consulta- ram-se trabalhos de organizações brasileiras e internacionais, alguns baseados em modelos de projeções. O cenário apresentado indica tendên- cias de produção, consumo e comércio exterior, para produtos básicos e alguns elaborados.

Evolução recente e tendências do agronegócio

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Page 1: Evolução recente e tendências do agronegócio

Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 20065

Evolução recentee tendênciasdo agronegócio

Resumo: Este trabalho faz parte de um conjunto de estudos realizados pelo Ministério da Agricultura,Pecuária e Abastecimento, sobre projeções do agronegócio mundial e do Brasil. Como parte desseestudo, analisa a evolução recente do agronegócio e suas tendências. A metodologia utilizada baseou-se na análise do material produzido por instituições internacionais sobre o tema. A evolução recente éabordada por meio de diversos indicadores do comportamento do agronegócio nos últimos anos. Alémdos indicadores usuais para analisar o tema, outros também foram usados, como o grau de abertura doagronegócio e a produtividade total dos fatores. A partir desses indicadoes, fica claro o grau de dinamismodesse setor no Brasil. As tendências representam a forma de identificar as linhas gerais do agronegócioem sua rota de crescimento futuro. Assim, foram analisadas as tendências populacionais, econômicas,tecnológicas e ambientais. Este trabalho conclui que, em função dessas tendências, projeta-se umadiversificação alimentar, com aumento da demanda de determinados grupos de produtos, comoprocessados (laticínios), de maior valor protéico (carnes), além de açúcar e frutas. Outros resultadosforam obtidos, como a importância de novas tecnologias para o agronegócio, e a busca do equilíbrioentre crescimento e práticas conservacionistas e de proteção ambiental.

Palavras-chave: agronegócio, tendência, evolução.

Elisio Contini1

José Garcia Gasques2

Renato Barros de Aguiar Leonardi3

Eliana Teles Bastos4

1 Chefe da Assessoria de Gestão Estratégica (AGE) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). [email protected] Coordenador-Geral de Planejamento Estratégico (CGPE/AGE/Mapa). [email protected] Gestor da CGPE/AGE/Mapa. [email protected] Economista, Assistente da CGPE/AGE/Mapa.

IntroduçãoOrganizações públicas e privadas necessi-

tam de rumos bem definidos. Precisam tambémsaber que caminhos seguir para direcionar seusesforços e recursos, num futuro próximo e de longoprazo. Essa visão prospectiva não é estática, masexige redirecionamentos periódicos, em face demudanças no ambiente externo. Essa diretrizaplica-se, também, ao Ministério da Agricultura,Pecuária e Abastecimento, como responsável por

políticas públicas e ações de normatização quevisam o desenvolvimento sustentável do agrone-gócio brasileiro.

Para a elaboração deste estudo, consulta-ram-se trabalhos de organizações brasileiras einternacionais, alguns baseados em modelos deprojeções. O cenário apresentado indica tendên-cias de produção, consumo e comércio exterior,para produtos básicos e alguns elaborados.

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 2006 6

A segunda parte deste trabalho apresenta aevolução recente do agronegócio, numa aborda-gem mundial e com relação ao Brasil; na terceiraparte, são apresentadas grandes tendências eco-nômicas, demográficas, ambientais e tecno-lógicas.

Evolução recente doagronegócio (1990–2005)

O agronegócio deve ser entendido como acadeia produtiva que envolve desde a fabricaçãode insumos, passando pela produção nos estabele-cimentos agropecuários e pela transformação, atéseu consumo. Essa cadeia incorpora todos osserviços de apoio: pesquisa e assistência técnica,processamento, transporte, comercialização,crédito, exportação, serviços portuários, distribui-dores (dealers), bolsas, e o consumidor final. Ovalor agregado do complexo agroindustrial passa,obrigatoriamente, por cinco mercados: o desuprimentos, o de produção propriamente dita,processamento, distribuição e o do consumidorfinal, conforme Fig. 1.

anos, a produção mundial de grãos passou de1,857 bilhão de toneladas em 2003–2004, parauma estimativa de 1,973 bilhão em 2005–2006, oque representa um aumento na produção mundialde 6,24%. Em ordem decrescente, os três maioresprodutores mundiais são, os Estados Unidos(361,71 milhões de toneladas), a China (356,20milhões de toneladas) e a União Européia (261,53milhões de toneladas). Em seguida, aparecem aÍndia (197,46 milhões de toneladas), Brasil (60,03milhões de toneladas)5 e Argentina (38,35 milhõesde toneladas).

Tomando-se a evolução da produção econsumo de alguns produtos selecionados (Tabela1), verifica-se que, em geral, em época recente,tem havido equilíbrio entre essas duas variáveis.Isso pode ser observado pelas estimativas de taxasde crescimento da produção e consumo. Asexceções são algodão em pluma e arroz, queapresentam o maior desequilíbrio entre produçãoe consumo. No caso do algodão, a produção temse elevado a uma taxa anual média de 4,21%,enquanto o consumo cresceu apenas 3,54% nosúltimos 7 anos. O consumo de arroz tem seelevado a uma taxa bem superior à da produção.Com relação à soja e ao farelo de soja, nota-seum crescimento da produção relativamentesuperior ao do consumo, o que afeta ocomportamento dos preços mundiais dessesprodutos.

Observando-se a tendência recente dosestoques mundiais dos produtos selecionados,aparentemente os casos mais críticos quanto àqueda dos estoques são o do arroz, cujos valorescaem de 146,4 milhões de toneladas em 1999–2000 para 66,8 milhões de toneladas em 2005–2006, e o do trigo, cujos estoques passam de 208,9para 147,4 no mesmo período. Soja e milhoapresentam estoques crescentes: a soja, nosúltimos 7 anos e o milho, particularmente, nosúltimos 3 anos. A relação entre estoques econsumo para arroz, milho e trigo, mostra-sedecrescente, o que pode estar sinalizando altasde preços para esses produtos para os próximosanos (Tabela 1).

Desde 1964, a liderança mundial naprodução de soja é dos Estados Unidos, em termos

5 Inclui grãos forrageiros (inclusive milho), trigo e arroz. Não inclui soja.

Fig. 1. Sistema agroindustrial.

GrãosSegundo o Departamento de Agricultura

dos Estados Unidos (USDA, 2005a), nos últimos 3

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 20067

Tabela 1. Evolução da produção e consumo mundiais de produtos selecionados.

1999 – 20002000 – 20012001 – 20022002 – 20032003 – 20042004 – 20052005 – 2006(1)

Taxa anual decrescimento (%)

(1) Previsão.Fonte: Conab (2005).

Algodãopluma

19,119,321,519,220,726,123,6

4,38

Produção mundial

Arroz

408,7398,2398,5377,9389,5401,2409,9

0,003

Milho

607,3590,0599,1601,8623,8706,3673,4

2,57

Sojaem grão

160,7175,9185,1197,0186,3214,3219,7

4,90

Farelode soja

107,4116,5125,2130,1128,8136,6143,8

4,47

Óleode soja

24,626,728,930,529,931,933,5

4,81

Trigo

585,2581,4581,1567,4553,9624,5612,6

0,83

Milhões de toneladas

1999 – 20002000 – 20012001 – 20022002 – 20032003 – 20042004 – 20052005 – 2006(1)

Taxa anual decrescimento (%)

Algodãopluma

19,820,120,621,521,423,524,3

3,51

Consumo mundial

Arroz

397,7394,1409,3407,0413,2413,9417,6

0,91

Milho

605,7609,8622,7627,3647,2678,5680,3

2,17

Sojaem grão

135,5146,9158,3165,7163,7173,6182,4

4,60

Farelode soja

108,9117,5123,9129,6128,9135,9143,1

4,19

Óleode soja

24,126,528,630,229,731,533,3

4,95

Trigo

584,4583,8585,2604,0588,8606,7617,9

0,90

Milhões de toneladas

1999 – 20002000 – 20012001 – 20022002 – 20032003 – 20042004 – 20052005 – 2006(1)

Algodãopluma

10,410,211,39,28,7

11,110,7

Estoques mundiais (finais)

Arroz

146,4150,5140,0110,987,274,666,8

Milho

171,7171,5149,1123,6100,2128,0121,0

Sojaem grão

28,631,933,340,435,045,150,7

Farelode soja

4,23,84,14,43,73,63,8

Óleode soja

2,62,72,62,01,61,81,8

Trigo

208,9206,5202,5165,8131,0148,7147,4

Milhões de toneladas

de área colhida e de produção. Entretanto, essaposição tem sido ameaçada por seus doisconcorrentes: Brasil e Argentina6. Usando-se amesma fonte de dados desse relatório e atualizan-

do-se as informações, observa-se que as áreascolhidas de soja no Brasil e nos Estados Unidosvêm convergindo, especialmente a partir de 2001.Em 2005, as áreas colhidas são de 29,3 milhões

6 Esse fato foi observado num relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, denominado Agriculture in Brazil and Argentina: Development andProspects for Major Field Crops, de novembro de 2001.

Ano

Ano

Ano

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de hectares nos Estados Unidos e de 23,0 milhõesde hectares no Brasil (Fig. 2). A produção conjuntado Brasil e da Argentina passa a ser superior àdos Estados Unidos, a partir de 2002 (Fig. 3). Apartir de 1999, a produtividade da soja no Brasilultrapassa a dos Estados Unidos e Argentina (Fig. 4).

Fig. 2. Área colhida de soja no Brasil, na Argentina e nos Estados Unidos.Fonte: elaboração dos autores para o trabalho, com dados do Usda (2005a).

Fig. 3. Produção de soja dos Estados Unidos e conjunta Brasil/Argentina.Fonte: elaboração dos autores para o trabalho, com dados do Usda (2005a).

Nos últimos anos, os preços mundiais dosprodutos do agronegócio têm alternado situaçõesde altas e baixas. Contudo, tomando-se o períodode 2003 a 2005, observa-se que soja, milho, trigoe algodão apresentam redução de preços quandose comparam os períodos mar./2003 a fev./2004 emar./2004 a fev./2005. O preço da soja, por exem-

Fig. 4. Produtividades de soja na Argentina, no Brasil e nos Estados Unidos.Fonte: elaboração dos autores para o trabalho, com dados do Usda (2005a).

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 20069

plo, passou de US$ 316 /t para US$ 191/t, quandose compara o mês de fevereiro desses doisperíodos (ver IPEA, 2005a; CONAB, 2005). Contra-riam essa tendência recente de queda de preços,café-arábica, arroz e açúcar, produtos com forteselevações de preços, especialmente o açúcar.

CarnesNo contexto mundial, nos últimos anos, a

produção de carnes tem se elevado, principal-mente a carne suína e a carne de frango. Por suavez, embora também tenha experimentado umaexpansão na produção, a carne bovina teve umíndice de produtividade menor que a carne suínae a de frango.

Em 2006, prevê-se uma produção mundialde carne suína da ordem de 97,2 milhões de tone-

ladas, seguida pela carne de frango, 57,48 milhõese pela carne bovina, 53,6 milhões de toneladas(Fig. 5). A liderança mundial na produção de carnesuína é da China, que deverá produzir 52,0milhões de toneladas em 2006. Esse país épraticamente auto-suficiente em carne suína.

O Brasil é o quarto produtor mundial dessacarne e o quarto exportador mundial. Atualmente,os maiores importadores de carne suína são oJapão, a Rússia e o México. De 2000 a 2005,dentre as demais carnes, a carne suína obteve amaior expansão no consumo mundial, de 81,6milhões de toneladas para 93,1 milhões (USDA,2005c) conforme Fig. 6. No mercado de carne defrango, a competitividade brasileira pode serconstatada pela citação do Departamento deAgricultura dos Estados Unidos (USDA, 2005c):“Combined with relatively low feed grain costs,

Fig. 5. Produção mundial de carnes.Fonte: elaboração dos autores para o trabalho, com dados do Usda (2005c).

Fig. 6. Consumo mundial de carnes.Fonte: elaboração dos autores para o trabalho, com dados do Usda (2005c).

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relatively low labor costs, and increasingly largereconomies of scales, Brazil's production costs forwhole eviscerated chicken are estimated to bethe lowest of any major supplier at 1.37 Real/kg(US$ 0.48/kg).”

O Brasil é um grande produtor, consumidore exportador de carnes. Em relação à carnebovina, atualmente o Brasil é o segundo maiorprodutor mundial e seu consumo é o terceiro maiordo mundo. Sua liderança ocorre, também, nasexportações, ocupando, a partir de 2004, oprimeiro lugar, com 26,4% das exportaçõesmundiais de carne bovina. Até então, essa posiçãoera ocupada pela Austrália. Em relação à carnede frango, o Brasil é o terceiro maior produtor,depois dos Estados Unidos e da China, mas é omaior exportador do mundo, estando previstoexportar 3,23 milhões de toneladas de carne defrango em 2006 (USDA, 2005c).

O agronegócio brasileiroA seguir, é feita uma sistematização dos

indicadores mais relevantes do agronegócio noBrasil, destacando-se sua tendência de crescimen-to recente. São apresentadas, ainda, informaçõessobre produção, produtividade e preços, queavaliam o desempenho de uma parte do complexodo agronegócio, o setor agropecuário. Busca-se,assim, situar em época recente, o desempenhode segmentos da estrutura apresentada na Fig. 1,com os traços mais relevantes desse crescimento.

Participação do agronegócio no PIBEm 2004, o produto interno bruto (PIB) do

agronegócio atingiu R$ 533,98 bilhões, enquantoo de 2003 foi de R$ 520,68 bilhões. A Fig. 7 ilustraa participação do agronegócio no produto totalda economia: nota-se que, em 2004, essaparticipação foi de 21,2%. Em 2005, o PIB previstodo agronegócio foi de R$ 537,63 bilhões (verCNA).

Nos últimos anos, a comparação do cresci-mento entre setores mostra que o setor agrope-

cuário tem sido superior aos setores de indústria eserviços. Na década de 1990, o crescimento doproduto real da agropecuária foi de 2,48%,enquanto a indústria cresceu 0,76% e serviços,1,37%. Nessa década, o PIB cresceu em média1,73% a.a., abaixo do produto da agropecuária.Nos primeiros anos desse novo milênio, o setoragropecuário vem tendo um desempenho aindamelhor do que na década de 1990. De 2000 a2004, esse setor cresceu, em média, a 4,64% a.a.,enquanto o crescimento da economia foi de 2,66%(Tabela 2).

Tabela 2. Taxas anuais de crescimento do PIB realpor setores (%).

2,66

Indústria

2,63

Médias do período 2000 – 2004

Serviços

2,3

Agropecuária

4,64

Total

2,04

Indústria

1,39

Médias do período 1990 – 2004

Serviços

1,68

Agropecuária

3,2

Total

1,73

Indústria

0,76

Médias da década de 1990

Serviços

1,37

Agropecuária

2,48

Total

Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados da FundaçãoGetúlio Vargas (FGV, 2005).

Fig. 7. PIB doagronegócio emrelação ao PIBtotal.Fonte: elaboração dosautores para este estudo,com dados do Banco Centraldo Brasil (Bacen) (2005) eConfederação Nacional daAgricultura (CNA, 2005b).

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Comércio exterior do agronegócioUm dos principais – e mais conhecidos –

resultados do agronegócio do País tem sido emrelação ao desempenho externo. São bemconhecidos os resultados na geração do saldo daBalança Comercial. Entre 1989 e 2004, as expor-tações do agronegócio praticamente triplicaramao passar de US$ 13,9 bilhões para US$ 39,0bilhões. Em 1989, suas exportações representaram40,4% das exportações totais do País e em 2004,foi mantido esse percentual. Contudo, o que sedestaca é a importância do agronegócio nageração do Saldo Comercial. Nos últimos 15 anos,o saldo comercial do agronegócio tem sido maiorque o saldo dos demais setores. Em 2004, o saldo

do agronegócio atingiu o valor de US$ 34,13bilhões, enquanto o saldo dos demais setores foide US$ -0,4 bilhão (MAPA), conforme Fig. 8.

A seguir, a participação dos produtos agro-pecuários brasileiros – nas exportações totais – érepresentada para alguns complexos agroindus-triais. As mudanças mais expressivas ocorrem nacarne bovina, na carne de frango e na carne suína.A participação brasileira no mercado mundial decarne bovina passou de 8,55% em 2000, para26,43% em 2005. Nesse período, a carne defrango passou de 17,78% para 39,88%, e a suínapassou de 5,14% para 14,05%. Esses dados, comoutros apresentados, mostram como o Brasiltornou-se o maior exportador mundial em carnebovina e de frango (ver Tabela 3 e Fig. 9).

Tabela 3. Participação percentual dos produtos agropecuários brasileiros nas exportações mundiais(1).

AçúcarAlgodãoSuco de laranjaSoja

Em grãoFareloÓleo Bruto

CarnesBovinaDe frangoSuína

Produto 2005

38,75,4

83,02

32,9335,4730,04

26,4339,8814,05

2004

34,482,92

84,44

34,832,7727,91

25,0539,8713,97

2003

27,861,61

85,86

32,332,1326,39

18,6531,6614,98

2002

31,862,33

82,73

28,0929,0921,04

14,1427,4215,87

2001

-1,19

81,26

28,7829,9121,35

13,1821,9210,46

2000

---

---

8,5517,785,14

(-) = o fenômeno não ocorreu.(1) Relação entre a quantidade do produto exportado pelo Brasil e quantidade do produto nas exportações mundiais.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados da Conab (2005) e Usda (2005c).

Fig. 8. Saldo da balança comercial do agronegócio e demais setores econômicos (1990–2004).Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados da Secex/MDIC (BRASIL, 2005b).

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Tabela 4. Ranking mundial dos principais produtos agropecuários brasileiros.

(1) Valores estimados.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados do Usda (2005c).

CarnesCarne de avesCarne bovinaCarne suínaGrãos/OutrosAçúcarCaféSuco de laranjaSoja - GrãoSoja - FareloÓleo de sojaAlgodãoMilhoArroz

ProdutoPosiçãoem 2005

1º1º4º

1º1º1º2º2º2º4º5º11º

2005(1)

(%)

39,8826,4314,05

38,7030,0683,0231,7232,2428,25

5,402,260,78

2004(1)

(%)

39,8725,0513,97

33,3427,4284,4435,6033,0930,27

2,927,380,14

Participação nasexportações mundiais (%)

CarnesCarne de avesCarne bovinaCarne suínaGrãos/OutrosAçúcarCaféSuco de laranjaSoja - GrãoSoja - FareloÓleo de sojaAlgodãoMilhoArroz

ProdutoPosiçãoem 2005

2º3º4º

1º1º1º2º2º2º4º5º9º

2005(1)

(%)

16,1215,36

2,85

19,8135,3955,3824,5016,9117,71

5,035,352,23

2004(1)

(%)

15,5815,13

2,85

18,5529,7352,2927,1117,6818,85

6,736,322,24

Participação naprodução mundial (%)

Fig. 9. Participação da carne brasileira nas exportações mundiais.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados da Conab (2005) e Usda (2005c).

Quanto aos demais produtos, (açúcar, café,suco de laranja e soja) os dados mostram uma po-sição de País fortemente competitivo no mercadointernacional: o açúcar, por exemplo, com umaparticipação de 38,7% nesse mercado em 2005;por sua vez, a soja em grão, alcançará 31,72%farelo, 32,24% e óleo de soja, de 28,25% (Tabela 4).

O aumento da atividade externa do agrone-gócio pode também ser analisado pelo seu graude abertura, medido pela relação entre exporta-ções do agronegócio e o PIB do agronegócio. Essa

relação mostra que o grau de abertura temaumentado consideravelmente, especialmente apartir de 2001, que à época era de 11,69%,passando para 19,98% em 2004. Esse percentualindica quanto representavam as exportações doagronegócio em relação ao produto gerado poresse setor. A partir de 2002, o grau de abertura doagronegócio passou a ser maior que o daeconomia (Tabela. 5). Apesar de ter havido umaexpansão acentuada desse indicador, há aindamuito espaço para seu crescimento.

Page 9: Evolução recente e tendências do agronegócio

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Tabela 5. Grau de abertura da economia e do agronegócio brasileiros(1).

(...) Dado desconhecido.(1) O grau de abertura total é a relação entre as exportações totais e o PIB do País.O grau de abertura do agronegócio é a relação entre as exportações do agronegócio e o PIB do agronegócio.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados do Mapa (BRASIL, 2005a) e Banco Central do Brasil (2005).

1989199019911992199319941995199619971998199920002001200220032004

34.38331.41431.26038.50538.55543.54546.50647.74752.99451.14048.01155.08658.22360.36273.08496.475

Exportaçõestotais

(US$ milhões)

13.92112.99012.40314.45515.94019.10520.87121.14523.40421.57520.51420.61023.86324.83930.63939.016

Exportações doagronegócio

(US$ milhões)

8,276,697,719,948,978,026,596,166,566,498,959,15

11,4213,1414,4215,95

Grau deabertura total

(%)

415.916469.318405.679387.295429.685543.087705.449775.475807.814787.889536.554602.207509.797459.379506.784604.876

PIB total a preçoscorrentes

(US$ milhões)

...

...

...

...

...2,674,064,585,495,417,908,00

11,6913,9016,9619,96

Grau de aberturado agronegócio

(%)

Nos últimos anos, observando-se asinformações sobre as exportações dos principaisprodutos do agronegócio brasileiro (Fig. 10),verificam-se várias mudanças importantes. Entre1989 e 2004, as variações das exportações –expressas em valor – indicam que os maiores des-taques ocorreram no complexo soja e nas carnes.

Contudo, outros produtos também tiveram aumen-tos, como o açúcar, a madeiras, a celulose e opapel. Um aspecto importante a ser observado,especialmente nas carnes, é que o valor das expor-tações se elevou, principalmente, pelo efeito pre-ço, já que, a quantidade exportada aumentou entre1989 e 2004, numa proporção inferior ao valor.

Fig. 10. Exportações dos principais produtos do agronegócio brasileiro.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados da Análise das Informações de Comércio Exterior – ALICE em SPC/Mapa (BRASIL, 2005a).

Ano

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 2006 14

Produção agropecuáriaA produção agropecuária é outro importante

indicador do agronegócio e o exame de seu com-portamento recente ajuda a compreender melhoro desenvolvimento do agronegócio no Brasil. Nosúltimos anos, a tendência tem sido de um cresci-mento sistemático da produção de lavouras. Ofato mais observado a respeito desse crescimentoé que ele tem ocorrido principalmente devido aosganhos de produtividade. Essa tem sido a forçaque impulsiona o crescimento da produção.

Em 2005, a linha de tendência da produçãoagropecuária resultaria numa produção estimadade cerca de 130 milhões de toneladas de grãos.Contudo, a seca ocorrida no Sul do País – e emmenor proporção – em outras regiões, levou auma queda brusca da produção anteriormenteesperada em 2005, resultando numa safra de cercade 112,37 milhões de toneladas. Em relação àsafra 2003–2004, a queda de produção foi de 5,4milhões de toneladas de cereais, leguminosas eoleaginosas. A Fig. 11 ilustra a evolução daprodução, área e rendimento nos últimos anos.

Nos últimos 14 anos, o aumento daprodução agropecuária permitiu que houvesse umaumento da disponibilidade de produtos delavouras. Em 1991, a relação entre produção epopulação era de 0,39 tonelada por pessoa. Em2004, essa relação passou para 0,65 tonelada porpessoa. Esse fato é importante, pois mostra aresposta da produção agrícola diante do aumentoda população e representa um bom indicador nocontexto da preocupação com a segurançaalimentar. Esse ponto torna-se mais visível aoobservarmos que a produção de alimentos básicostambém se elevou nesses últimos anos.

Adicionalmente, as culturas alimentarescomo arroz, feijão e trigo tiveram elevadosaumentos de produtividade7. Em época maisrecente, essas lavouras obtiveram ganhos deprodutividade superiores ao obtido na média dogrupo de cereais, leguminosas e oleaginosas. NaTabela 6, observa-se que as lavouras de alimentos,como arroz, feijão, milho e trigo tiveram elevadosaumentos de produtividade.

Outra tendência recente diz respeito aosdeslocamentos regionais da produção agrope-

Fig. 11. Produção de grãos1 no Brasil, entre 1990 e 2005.1 Algodão, Amendoim, Arroz, Aveia, Centeio, Cevada, Feijão, Girassol, Mamona, Milho, Soja, Sorgo, Trigo, Triticale.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados da Conab (2005).

7 Muitas vezes o aumento da produção e da produtividade não vem acompanhado de aspectos de qualidade que atendam a cada segmento da cadeia produtiva.

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 200615

Esse deslocamento de produção agrope-cuária foi um dos fatores responsáveis pelas migra-ções líquidas da Região Centro-Oeste. Nessaregião, no período 1995–2000, as migraçõeslíquidas registradas pelo IBGE (2004) foram as maisintensas do País, com uma taxa qüinqüenal de2,75%. Os estados que mais têm recebidomigrantes foram Goiás e Mato Grosso, sendo queem Goiás há uma influência exercida por Brasíliae pela ampliação da área de influência do DistritoFederal (IPEA, 2005b p.164). As demais regiõesdo País apresentaram taxas de migrações líquidasnegativas ou mais baixas que o Centro-Oeste.

Insumos para a agropecuáriaNo Brasil, a evolução recente do agrone-

gócio também pode ser avaliada por indicadoresde utilização de insumos: tratores, defensivos efertilizantes. Em termos relativos, o maior cresci-mento ocorreu em defensivos, seguido de tratorese de fertilizantes. O aumento dos valores dedefensivos deu-se como um processo decorrenteda expansão da produção agropecuária noperíodo 1995–2004 e pelas necessidades de usode defensivos em lavouras como algodão e soja.

Como podemos observar na Fig. 12, entre1999 e 2000, as vendas internas de tratorespromoveram um aumento da potência de 68,9%.De 1995 a 2004, a venda de defensivos agrícolasaumentou em 192,6% (Fig. 13). Entre 1998 e 2004,houve uma elevação de 55,2% nas vendas defertilizantes (Fig. 14).

Tabela 6. Taxa anual de crescimento de 1991 a2005(1).

(1) As taxas de crescimento anual foram calculadas mediante a funçãoy=aet, onde y é uma variável dependente, a é o termo constante, e t éo período de tempo. Transformando essa função em sua formalogarítmica, tem-se: lny=lna+t. Para obter a taxa de crescimento énecessário obter a exponencial de lny e subtrair o resultado de 1.Fonte: elaboração dos autores para esse estudo.

AlgodãoAmendoim totalAmendoim 1ª safraAmendoim 2ª safraArrozAveiaCenteioCevadaFeijão totalFeijão 1ª safraFeijão 2ª safraFeijão 3ª safraGirassol(1997 – 2005)MamonaMilho totalMilho 1ª safraMilho 2ª safraSojaSorgoTrigoTriticale(2001 – 2005)Grãos

Produto

4,83,64,20,91,30,9

-3,17,20,30,6

-2,27,1

16,32,6

31,1

16,28,3

16,96,1

15,64,8

Produção

10,62,42,70,83,5

-0,2-0,31,22,74,22,1

-4,3

2,72,43,73,75,82,31,63,4

17,43,3

Produtividade

-4,61,11,40,2

-2,11,1

-2,85,9

-2,3-3,4-4,211,9

13,30,2

-0,7-2,59,85,9152,7

-1,51,5

Área

cuária. Os casos mais flagrantes são os da soja edo algodão, cujos deslocamentos se dirigiramprincipalmente para o Centro-Oeste. No período2003–2005, a maior parte da área colhida e daprodução de soja se verificou nessa região.

Fig. 12. Vendas internas de tratores.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados da Anfavea (2005).

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 2006 16

Fig. 13. Vendas de defensivos.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados do Sindag (2005).

Fig. 14. Vendas de fertilizantes.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados da Anda (2005).

Produtividade total dos fatores (PTF)A produtividade é a principal fonte de

crescimento da economia em longo prazo(BONELLI, 2005). A Produtividade Total dosFatores é um indicador que relaciona todos osprodutos agropecuários e todos os insumosutilizados. Essa medida expressa o crescimentodo produto que é devido ao uso mais eficientedos fatores de produção. Seu crescimento deve-se a melhorias da qualidade do trabalho e docapital físico, de modo que se obtém mais produtocom uma mesma quantidade de insumos. Alémda tecnologia, outras inovações podem afetar aProdutividade Total dos Fatores, como aorganização e a gestão do agronegócio.

No Brasil, a média anual de crescimentoda PTF, no período 1975–2003, foi de 2,29%. Nosúltimos anos, essa taxa vem sendo mais elevada,

como em 2000 e em 2003, que foi de 3,72% aoano. Historicamente, a produtividade da terra foio principal fator de crescimento da PTF. Maisrecentemente, a produtividade do capital e dotrabalho têm sido os principais determinantes docrescimento da produtividade total dos fatores.Esse comportamento se deveu ao aumento do graude mecanização da agropecuária, que temimpacto no aumento do produto, mas com ummenor emprego de mão-de- obra (como pode servisto no índice de mão- de-obra da Tabela 7 e nasFig.15, 16, 17 e 18).

A taxa média anual de crescimento da PTF,de 2,29%, para o período 1975–2003, é razoavel-mente elevada. A dos Estados Unidos, historica-mente (1948–1999), foi de 1,88% ao ano (USDA,2005a). Nesse país, mais recentemente, como noperíodo 1993–2002, a taxa de crescimento da PTFfoi de 1,24%, portanto bem abaixo da obtida no Brasil.

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 200617

Tabela 7. Taxas anuais de crescimento da produtividade total dos fatores, seus componentes e índices deproduto e de insumos.

Fonte: Gasques et al. (2005).

Prod. mão-de-obraProd. terraProd. capitalPTFÍndice produtoÍndice insumosÍndice mão-de-obraÍndice terraÍndice capital

Produto

3,432,472,022,293,341,03

-0,090,851,30

1975–2003

Fig. 15. PTF, Índice do Produto e Insumo.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados do Ipea (Gasqueset al., 2004).

Fig. 16. Índice do Produto e Insumo.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados do Ipea (Gasqueset al., 2004).

Fig. 17. Índice de Produtividade Total dos Fatores (PTF).Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados do Ipea (Gasqueset al., 2004).

Fig. 18. Índice de mão-de-obra, Índice de Terra e Índicede Capital.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados do Ipea (Gasqueset al., 2004).

4,362,35

-0,840,744,373,600,001,975,26

1975–1979

3,182,542,182,263,381,100,190,821,18

1980–1989

3,142,001,061,603,001,37

-0,140,981,91

1990–1999

6,201,915,263,725,902,10

-0,293,920,60

2000–2003

Fatores determinantes do desempenhoNos últimos anos, vários fatores estão

relacionados ao desempenho do agronegóciobrasileiro e são indicativos do seu potencial decrescimento. Numa palestra proferida peloMinistro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e

publicada na Revista USP (RODRIGUES, 2005),são indicados três principais fatores: o primeiro éa disponibilidade de terras – sendo que nenhumpaís tem tanto espaço territorial para crescer – euma fronteira agrícola por avançar, sem que issorepresente entrar na Amazônia Legal; o segundofator apontado é a tecnologia (o Brasil tem a melhor

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 2006 18

tecnologia tropical do mundo e isso se deve àexcelência das instituições de pesquisa como aEmbrapa, institutos estaduais de pesquisa euniversidades); o terceiro fator é o humano (oagronegócio brasileiro é gerido por pessoas jovenscada vez mais qualificadas e empreendedoras,ao contrário dos países desenvolvidos, onde aspopulações agrícolas estão envelhecendo porqueos jovens não querem se dedicar a essa atividade).

Um trabalho do Ipea (Gasques et al., 2004),que analisa o desempenho e crescimento doagronegócio no Brasil, mostra que nos últimosanos, num panorama geral de reformas, asreformas estruturais realizadas na economiabrasileira foram essenciais para o desempenho doagronegócio. Estas foram divididas em três grupos:comércio exterior, mercados domésticos e adesativação dos monopólios estatais. Comocomplementos a essas reformas, são citados oPlano Real – um divisor de águas na análise daspotencialidades da agricultura no Brasil – poispossibilitou que se operasse num ambiente deinflação baixa e controlada. Outra política decisivafoi a cambial, cuja mudança realizada em janeirode 1999, introduziu o regime de taxa de câmbioflexível com vários efeitos benéficos para aagricultura. Como fatores explicativos do sucessodo agronegócio, o trabalho do Ipea aponta aPesquisa e Desenvolvimento, Financiamento doAgronegócio, e a Organização do Agronegócio.

Grandes tendênciasGrandes tendências são forças-motrizes, já

em curso, que delineiam a demanda e ofertasfuturas de alimentos e de outros produtos doagronegócio.

Vários aspectos têm marcado a evoluçãorecente do mercado de produtos e serviços doagronegócio. O primeiro aspecto a ser mencio-nado é a mudança das necessidades dos consumi-dores, que passam a demandar, cada vez mais,produtos de qualidade, com preços baixos,conveniência, autenticidade, segurança e prote-ção da saúde. O segundo aspecto é a grandepreocupação com o meio ambiente e o aumentode interesse por produtos orgânicos. Há umacrescente compreensão dos consumidores sobresustentabilidade. Por fim, vale mencionar quecresce, também, a atração em relação às carnes

de frango, pescados, legumes e frutas, e oschamados produtos funcionais (VALOIS, 2005,GMA..., 2005).

Tendências demográficas:crescimento, urbanização eenvelhecimento da população

Na análise das tendências demográficas,três variáveis merecem destaque: o crescimentopopulacional, o envelhecimento da população ea urbanização em nível nacional e internacional.

Mundo

Segundo as Nações Unidas (UNITEDNATIONS, 2004), embora existam taxas decres-centes, estima-se que a população mundial passedos 6,07 bilhões em 2000 para 6,83 bilhões em2010, 7,54 bilhões em 2020 e 8,13 bilhões em 2030(Fig. 19). Isso significa que, em 30 anos, a popu-lação mundial aumentará em mais de 1/3, ou seja,mais de 2 bilhões de habitantes. Estima-se que astaxas anuais de crescimento para o período 2000–2010 situar-se-ão entre 1,11 e 1,22; para 2010–2020, entre 0,93 e 1,10; e para 2020–2030 entre0,73 e 0,91.

O crescimento maior dar-se-á na Ásia, comaumento de 1,21 bilhão de pessoas entre 2000 e2030, sendo responsável por 59% do aumentopopulacional mundial. Em segundo lugar, situa-se a África, com 0,60 bilhão, responsável por 29%do crescimento populacional. Dos 6,07 bilhõesde habitantes em 2000, 53% eram consideradoscomo população rural. Em 2010, prevê-se que apopulação urbana ultrapassará à rural em 3%; em2020, a percentagem da população urbana seráde 56% e em 2030 esse percentual ultrapassará60% da população total (Fig. 20).

Para expandir sua agricultura, a Ásia nãodispõe de recursos naturais adicionais, como terrase água. Ao contrário, áreas adicionais estarãosendo ocupadas para a construção de habitaçõesurbanas e águas estarão sendo utilizadas para finsde suprimento da população e para a indústria.

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 200619

Fig. 19. Estimativa da população total.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados de United Nations (2004).

Fig. 20. Projeção da população mundial rural e urbana.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados de United Nations (2004).

Embora disponha de espaços, a África não detémtecnologia nem estabilidade político-econômicapara crescimento significativo de sua produçãoagrícola. Essa tendência de progressiva urbaniza-ção, seguindo a tendência dos países desenvolvi-dos, significa menos gente trabalhando no campo,ainda que seja em nível de subsistência, e maispessoas para alimentar na área urbana, incluindo-se uma nova dieta mais calórica e mais rica emproteína animal.

Estudos têm mostrado que a urbanizaçãoacelera as mudanças na dieta, reduzindo o

consumo de alimentos básicos (basic staples),como sorgo, painço, milho e raízes, em direção aoutros que exigem menos preparação, comofrutas, produtos de origem animal e processados(IFPRI 2005).

A última tendência demográfica queinfluencia a demanda de alimentos refere-se aoenvelhecimento da população no mundo. Em2000, a ONU contabilizou 609 milhões de pessoascom mais de 60 anos. Em 2030, esse númeropassará para 1,37 bilhão, isto é, um aumento de124%, enquanto a população total crescerá 35%.

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 2006 20

Essa transformação ocorrerá em todas as regiõesdo mundo, com maior força na Ásia, onde estarãolocalizadas mais de 60% da população mundialacima de 60 anos. Em 2000, a população mundialcom mais de 100 anos era estimada em 180 mil e2030 será de 1.408 mil. Por sua vez, em 2000, osmaiores de 60 anos representavam 9% dapopulação. Em 2030, esse contingente devechegar a 16% (Fig. 21).

Ainda que baseadas em estatísticas,recentes descobertas médicas demonstram quedeterminadas dietas são importantes para oprolongamento da vida com qualidade, levandoa mudanças significativas nos hábitos alimentaresdas populações, principalmente das mais velhas.Nos próximos anos, a crescente preocupação coma funcionalidade dos alimentos ajudará aintensificar o consumo de frutas e legumes. Ademanda por produtos orgânicos deverá,igualmente, crescer com significativa rapidez. Em2004, segundo Willer e Yussef (2005), as vendasmundiais de orgânicos cresceram a cerca de 5%a 7%, tendo a União Européia e os Estados Unidosregistrado as maiores demandas (a expectativade crescimento das vendas no varejo alcança, nosEstados Unidos, 15% a 20% do total de vendasde alimentos).

Brasil

No início do século 20, a populaçãobrasileira somava 17 milhões de habitantes. Em2005, segundo o IBGE, a estimativa era de 4milhões de habitantes, e em 2020 deverá ser de219 milhões de habitantes (IBGE, 2005). Segundoa Organização das Nações Unidas (ONU), em2030, a população brasileira deverá atingir 235milhões de habitantes e crescerá 62 milhões dehabitantes de 2000 a 2030, representando umacréscimo de 35,4%.

Com esse aumento populacional, registram-se diversas transformações demográficas, duasdas quais são de particular interesse para opresente trabalho: a mudança na distribuição dapopulação do espaço rural para o urbano, e aalteração da distribuição da população por faixaetária (IPEA, 2005c). Em relação à primeiratransformação, em 2000, a população urbanarepresentava 81,1% da população total. A pro-jeção nos revela que a urbanização prosseguirá,atingindo 86,6% em 2010, 89,7% em 2020, e91,3% em 2030 (Fig. 22).

Portanto, o Brasil seguirá um padrão seme-lhante aos países desenvolvidos de concentraçãode sua população nos espaços urbanos. Quanto à

Fig. 21. Envelhecimento da população mundial.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados do IBGE (2005).

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 200621

Fig. 22. Projeção da população brasileira, rural e urbana.Fonte: elaboração dos autores para o trabalho, com dados da United Nations (2004).

segunda transformação, registra-se menorpercentual de jovens e um aumento da populaçãode mais elevadas faixas etárias (CAMARANO,2002). Essa tendência ao envelhecimento dapopulação brasileira pode ser observada na Fig.23. Essas mudanças populacionais estão relacio-nadas com a tendência de crescimento populacio-nal cada vez menor.

Segundo o Ipea, entre 1960 e 2000, onúmero médio de filhos nascidos vivos que umamulher tinha ao longo de sua vida reprodutiva

Fig. 23. Envelhecimento da população brasileira.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados de United Nations (2004).

diminuiu de 6,2 para 2,3. Isso implica em famíliasmenos numerosas. Segundo a Pesquisa de Orça-mentos Familiares (POF), em 2003, o tamanhomédio da família no Brasil para todas as classesde rendimento monetário e não monetário era de3,62 unidades. Nos domicílios urbanos, esse valorera de 3,55 e nos domicílios rurais, de 4,05 pessoas.

Esse cenário demográfico – marcado peloenvelhecimento da população e pelas migraçõespara as áreas urbanas – tem implicações econômi-cas relevantes para o estudo de projeções da

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 2006 22

demanda de alimentos. A POF registra asaquisições alimentares por faixa de renda. Entreas grandes mudanças ocorridas nos últimos anos,quanto à demanda de alimentos, observa-se queo brasileiro diversificou sua alimentação,reduzindo o consumo de gêneros tradicionaiscomo arroz, feijão, batata, pão e açúcar, eaumentando o consumo de outros produtos como,por exemplo, o consumo per capita de iogurte,que passou de 0,4 kg para 2,9 kg. Os gastos comalimentação representam o segundo item maisimportante nas despesas das famílias, apresen-tando uma média de 17,10% para todas as classesde rendimento.

Em 2003, alimentação, habitação e trans-porte representaram 61,55% das despesas familia-res. Contudo, para as famílias com ganho mensalde até R$ 400, a alimentação representou 32,68%das despesas, menor apenas que habitação, querespondeu por 37,15%. A quanti-dade anual percapita adquirida de alguns tipos de alimentos diferebastante entre as áreas rurais e urbanas. Nas áreasrurais, adquire-se quase duas vezes mais arrozpolido, quase três vezes mais feijão, quase setevezes mais farinha de mandioca, e quase oitovezes mais fubá de milho do que nas áreasurbanas. Mas nestas, adquire-se quase seis vezesmais leite pasteurizado de vaca e quase quatrovezes mais pão francês do que nas áreas rurais.

Entre os grupos de produtos alimentares,existem alguns produtos cujas quantidadesadquiridas crescem acentuadamente e de formacontínua em relação ao rendimento. Encontram-se aqui, as hortaliças, frutas, carnes, laticínios, avese ovos. Os casos mais flagrantes são os dehortaliças, frutas e laticínios, cujas quantidadesadquiridas pelas famílias com rendimento mensalde até R$ 400 e pelas famílias com rendimentomensal acima de R$ 6 mil variam cerca de trêsvezes.

Além desses produtos, um grupo muitoexpressivo de alimentos é o de cereais e deoleaginosas. Este representa, em média, o grupocom maior aquisição per capita anual, sendo omais importante em termos de quantidadeadquirida para 24,8 milhões de famílias

pesquisadas pela POF, em 2003. Nesse grupo,estão contidos os chamados produtos básicos,como arroz, feijão, milho, soja, café, aveia, centeioe cevada.

Nos últimos anos, as grandes mudançasocorridas nos hábitos alimentares da populaçãobrasileira expressam o efeito combinado daurbanização e do envelhecimento da dessapopulação. Conforme as informações contempla-das na pesquisa de Orçamentos Familiares, nãoé possível separar esses efeitos na demanda dealimentos. Contudo, a redução do consumo dosprodutos tradicionais, a busca de alimentospreparados, bem como a importância crescentede frutas, hortaliças, laticínios e carnes reflete umacombinação daquelas duas mudanças ocorridasno País, nos últimos anos, e apontam para aimportância crescente desses produtos no futuro.

Segundo Willer e Yussef (2005), seguindo-se a tendência mundial, registra-se aumento dademanda e da produção nacionais de produtosorgânicos, passando o País a ocupar a quintamelhor colocação mundial em extensão da áreaorgânica agricultada em 2005, com 803.000 ha.

Tendências econômicas – Aumentoda renda, liberação de comércio eglobalização dos mercados

Mundo

Para os próximos 10 anos, institutos depesquisa como Food and Agricultural PolicyResearch Institute (Fapri, 2005), Usda, e Organiza-ção para Cooperação e DesenvolvimentoEconômico (OCDE) indicam que a economiamundial terá um crescimento superior a 3% aoano. Importante também é que esse crescimentoatinge países em desenvolvimento. O InstitutoInternacional de Pesquisas em Políticas deAlimentação (Ifpri) projeta um crescimento doProduto Interno Bruto entre 1997 e 2020 de 4,6%,para os países em desenvolvimento, e 2,4% paraos países desenvolvidos. A previsão é de que hajaum crescimento de 5,5% ao ano no Sul da Ásia,

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 200623

com 6% para a China e 5,8% para a Índia, os doispaíses mais populosos do mundo.

Outra fonte potencial de aumento dademanda por alimentos e outros produtos agrícolasé a liberalização do comércio internacional. Osprodutos do agronegócio brasileiro, sobretudo osmais competitivos, enfrentam forte protecionismonos mercados externos. Geralmente, há dois tiposde barreiras aos produtos agrícolas: as tarifárias(picos tarifários, escaladas tarifárias, tarifas proibi-tivas, quotas tarifárias, salvaguardas agrícolasespeciais, etc.) e as não tarifárias (barreiras fito-zoosanitárias, subsídios, etc.).

No que tange ao acesso a mercados,inúmeras são as quotas, tarifas específicas esalvaguardas especiais incidentes sobre osprodutos agrícolas, sobretudo aos de grandeinteresse do Brasil. Por exemplo, o açúcar brutoenfrenta, nos Estados Unidos, tarifa ad valoremde 167% e de 160,8%, na União Européia. Aentrada de carne bovina nos mercados norte-americano e europeu é taxada em 26,4% e176,7%, respectivamente. A Fig. 24 mostra asprincipais barreiras tarifárias impostas a produtosdo agronegócio estratégicos ao Brasil, em paísesdesenvolvidos e em desenvolvimento.

Nos países desenvolvidos, o apoio domés-tico aos produtores agrícolas tem se tornadoelemento responsável por grande distorção dospreços internacionais. Os subsídios reconhecidos

como ilegais pela Organização Mundial doComércio (OMC) concedidos à produção e àexportação de produtos agrícolas pelos paísesdesenvolvidos têm contribuído, significativa-mente, para a depreciação dos preços internacio-nais dos produtos agrícolas. Em 2005, os gastoscom subsídios aos produtores de soja dos EstadosUnidos subiram, para US$ 1,5 bilhão e estima-seque deverão alcançar US$ 3,2 bilhões em 2006;os de algodão, US$ 4,8 bilhões, e os de milho,US$ 7,5 bilhões, ambos em 2005. Segundo aEstimativa de Subsídios ao Produtor (PSE), a UniãoEuropéia concedeu US$ 25,4 bilhões em subsídiosaos produtores de carne bovina em 2004 e US$ 4,5bilhões ao açúcar refinado no mesmo ano (Fig. 25).

Negociações como a Rodada Doha, daOMC, Aliança para Livre Comércio das Américas(Alca), Mercado Comum dos Países do Cone Sul(Mercosul) e União Européia constituem iniciati-vas importantes para derrubar barreiras de comér-cio que tragam benefícios líquidos a todos,principalmente a países com forte competênciana área de agricultura. O crescimento do comér-cio internacional – de produtos do agronegócio –contribuirá para o desenvolvimento de paísespobres.

Espera-se que a tendência em curso deglobalização dos mercados prosseguirá, atingindo,também, os produtos agrícolas. O consumo dealimentos manterá certa diversidade regional, mastenderá progressivamente a se tornar mais

Fig. 24. Tarifas ad valorem aplicadas pelos Estados Unidos, Japão e China.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados do Ícone (2005).

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Ano XV – Nº 1 – Jan./Fev./Mar. 2006 24

Fig. 25. Estimativa de Subsídio ao Produtor (PSE) para a UE em 2003 e 2004.Fonte: elaboração dos autores para este estudo, com dados do Ícone (2005).

universal. Principalmente em países onde oconsumo de produtos de alto valor agregado ébaixo, devido à baixa renda, haverá um aumentocomo carnes, derivados de leite, frutas e açúcar.Somente na China, estima-se que em 2015 haveráaumento de importação de, no mínimo, 7 milhõesde toneladas de açúcar e expansão de cerca de60% na demanda chinesa por laticínios.

Brasil

Nas projeções realizadas por diferentesinstituições, espera-se um crescimento econômicovigoroso da economia brasileira. Segundoprojeções do Instituto Internacional de Pesquisasem Políticas de Alimentação (Ifpri) para o períodode 1997 a 2020, a previsão de crescimento parao Brasil é de 3,6% ao ano. Já as projeções do (Fapri,2005) estimam um crescimento de 3,9% noperíodo de 2000 a 2009 e de 4,1% nos anossubseqüentes até 2014. Produtos com elevadaelasticidade/renda, como os de origem animal,frutas e legumes, terão aumento considerável emseu consumo.

À medida que essas taxas ocorram de formasustentável, deverão ocorrer efeitos positivos sobreo aumento da renda média das famílias, e comoconseqüência sobre o mercado de produtos doagronegócio. Esse efeito poderia ocorrer de formamais ampla, se a renda da população brasileirafosse melhor distribuída. Segundo dados do Ipea(2005c), 1% dos brasileiros mais ricos, que

corresponde a 1,7 milhão de pessoas, apropria-sede 13% do total das rendas domiciliares. Essepercentual é bastante próximo daquele apropriadopelos 50% mais pobres que equivale a 86,9milhões de pessoas.

Tendências ambientais

Mundo

Em todas as áreas de atividades, ocomponente meio ambiente faz parte daspreocupações fundamentais da vida presente efutura dos humanos. A agricultura, como umaatividade mais disseminada no espaço geográficodo que a indústria e serviços, tem maiorresponsabilidade na conservação dos recursosnaturais. Sistemas de produção que depredemrecursos naturais não são mais tolerados. Aprodução agrícola deve, progressivamente,fundamentar-se em práticas conservacionistas.Particularmente, em áreas sensíveis, devem-sedesenvolver novas tecnologias que conservemágua, florestas e a fertilidade natural das terras.

Com a entrada em vigor do Protocolo deKyoto e do Mecanismo de DesenvolvimentoLimpo (MDL), os países industrializados quetiverem dificuldade em cumprir a meta deredução de 5,2% das emissões de gases-estufa,poderão compensá-la com a compra de créditosde carbono (CER), que carreará recursos a projetos

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ambientalmente sustentáveis em países emdesenvolvimento. A agricultura deverá ter umpapel fundamental para a redução do aqueci-mento global, por um lado, contribuindo comprojetos redutores da emissão de gases-estufa(biocombustíveis, carvão vegetal, biodigestores efontes de energias limpas como a utilização dobagaço de cana e casca de arroz, entre outros) e,por outro, com atividades que seqüestrem carbono,como a agricultura agroflorestal e o refloresta-mento.

Por fim, vale mencionar que a disponibili-dade dos recursos hídricos será de fundamentalimportância para o desenvolvimento do agrone-gócio e para a segurança alimentar. Segundodados do Ifpri (ROSEGRANT et al., 2002), ademanda mundial de água para fins agrícolas,domésticos e industriais deverá aumentarsignificativamente até 2025, gerando crescenteescassez mundial com reflexos diretos nos preços.Inexistindo melhorias tecnológicas e em infra-estrutura para utilização dos recursos hídricos paraagricultura irrigada, a escassez de água poderáprovocar redução da área agricultável irrigada,com aumento dos preços mundiais e depressãoda demanda global por alimentos em 9%.

Estudo do Ipea (2005b) chama atenção parao valor crescente da água e começa a ganharcorpo o "mercado de água". Sua valorizaçãoreside na ameaça de escassez decorrente do fortecrescimento do consumo, a tal ponto que a águapotável passou a ser considerada "ouro azul" e oprincipal recurso natural (IPEA, 2005b, p.206).Ainda segundo esse estudo, a indústria mundialde água engarrafada já alcança uma taxa anualmédia de crescimento de 7% e criou um mercadoque já movimenta entre US$ 20 e US$ 30 bilhões.

Brasil

A Amazônia é uma área sensível peloimpacto que tem sobre a opinião pública brasileirae mundial. Atualmente, é uma questão nacional,justamente por seu imenso patrimônio naturalpouco e inadequadamente aproveitado, represen-ta um desafio à ciência nacional e mundial e se

constitui num instrumento de pressão externa sobreo Brasil. Caso seja adequadamente utilizado, opatrimônio natural amazônico terá influênciadecisiva no futuro do País (IPEA, 2005b).

A grande questão que se coloca é comoutilizar esse patrimônio, para se promover ocrescimento econômico com inclusão social, semdestruir a natureza. As novas tecnologias tendema alterar a noção de valor associado ao uso derecursos naturais, mas seu desenvolvimento nemsempre consegue acompanhar a rapidez dosprocessos econômicos e as práticas sociais.

Assim, as avaliações que têm sido realizadassobre os benefícios da preservação da florestatropical apontam para a necessidade de se agircom prudência quanto ao uso desse patrimôniopara fins econômicos imediatos em razão do valorfuturo de sua preservação. No caso da FlorestaAmazônica, alguns autores como Seroa da Mottae May (1992 citado por IPEA, 2005b) reconhecemque os ganhos econômicos da introdução daagropecuária subestimam as perdas provocadas,pois não levam em conta os benefícios resultantesda preservação da biodiversidade e dos serviçosambientais.

Nas últimas décadas, as mudanças ocorri-das na Amazônia – e que trouxeram muitas trans-formações – indicam que uma das prioridades éter uma visão clara de áreas de Cerrado quepodem ser cultivadas e o tratamento a ser dado àfloresta em si. Segundo dados do Ministério doMeio Ambiente, a taxa estimada de desmatamentono biênio 2003–2004 é de 26.130 km2, fruto, emgrande parte, da ação ilegal de madeireiros.A implantação e o desenvolvimento de culturasagroflorestais – e outros projetos de desenvolvi-mento sustentável – fazem-se necessários parase fornecer alternativas economicamente viáveise de sustentabilidade ambiental.

Outra área importante é a produção deenergia renovável que mitigue a poluição econtribua com as metas do Protocolo de Kyoto.Em conformidade com o Mecanismo de Desen-volvimento Limpo, a agricultura brasileira poderácontribuir tanto para o aumento da matrizenergética limpa do País – por meio dos biocom-

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bustíveis (etanol e biodiesel), dos mecanismos dosbiodigestores e das técnicas do plantio direto –quanto para seqüestrar gases-estufa da atmosfera,com projetos de reflorestamento e atividadesagroflorestais. O Brasil dispõe de áreas de Cerradoque podem ser incorporadas à produção debioenergia, como pastagens degradadas.

O sistema de plantio direto é consideradouma tecnologia que pode trazer acentuadosbenefícios à conservação do meio ambiente. Em2002, a Embrapa estimou que no Brasil, havia14,33 milhões de hectares no sistema de PlantioDireto. Atualmente, deve haver cerca de 25milhões de hectares sob esse sistema.

Na Embrapa Cerrados, localizada noDistrito Federal, as pesquisas com diferentessistemas de preparo do solo, incluindo o plantiodireto, foram iniciadas no final da década de 1970.Um estudo feito em Goiás, comparando o SistemaPlantio Direto com o convencional, observou quehouve um ganho de US$16,6 por hectare aoadotar o plantio direto. Além disso, o sistemaacumula no solo cerca de 1430 kg de carbonopor hectare por ano, podendo ser uma opção paraminimizar o efeito estufa desse gás. Em soja, oplantio direto proporciona redução de 44% nasperdas de solo em relação ao sistema conven-cional com arado de discos (RESCK, 2004).

Tendências tecnológicas naagricultura: biotecnologias,nanotecnologia e informação

A ciência básica da biologia aplicada,agronomia e correlatas, tem avançado, rapida-mente, na geração de novos conhecimentos. Entreas mais importantes, destacam-se a biotecnologia,a nanotecnologia e a informação.

Os avanços da biotecnologia, incluindo-sea engenharia genética, genômica e tecnologiasde clonagem animal, nanobiotecnologia, entreoutras, estão transformando os mercados eampliando as oportunidades na agricultura e nabioindústria. Nessa área, as inovações impactarão

os processos agroindustriais. Uma gama imensade produtos e processos está em desenvolvimento,beneficiando as indústrias alimentar, farmacêu-tica, química, da saúde, da energia, e constituindo-se num novo empreendimento: a bioindústria. Suatécnica permite mais rápido e preciso desenvol-vimento de plantas, animais e microrganismosmelhorados, com diversidade de atributos, alémde processos industriais mais eficientes eambientalmente corretos. Com o aquecimentoglobal em curso, auxiliarão, também, no controlede estresses hídricos, térmicos e nutricionais, eno combate a doenças e pragas.

Podem-se prever os seguintes avançosfuturos pela biotecnologia: a) novos híbridos,especialmente para os cultivos de autopolinização,baseados no sistema de proteção de tecnologia(TPS) e macho-esterilidade molecular; b)apomixia, de modo a fixar vigor híbrido nasculturas tradicionais; c) resistência a fatoresbióticos e abióticos; d) alto valor nutricional(aminoácidos, vitaminas, óleos e ferro); e) plantasmais eficientes na absorção de fósforo, na fixaçãode nitrogênio e atividade de fotossintética; f)tolerância à salinidade e ao alumínio; g) melhoriana qualidade relacionada à pós-colheita e aoabate; h) plantas e animais como biorreatores paraa produção de biomoléculas de interesseagropecuário; i) animais transgênicos comresistência a doenças; j) vacinas para doenças paraas quais não há imuno-profilaxias e vacinas quediferenciem animais infectados de animaisvacinados; e, l) animais compostos, com grau desangue definidos segundo a produtividade equalidade diferenciadas.

No agronegócio, a nanotecnologia podecontribuir para o desenvolvimento de novasferramentas para a biotecnologia e para ananomanipulação de genes e materiais biológicos,o desenvolvimento de catalisadores maiseficientes para a produção de biodiesel e autilização de óleos vegetais e de outras matérias-primas de origem agrícola para a produção deplásticos, tintas e novos produtos. Outras áreaspotenciais referem-se à produção de nanopartí-culas para liberação controlada de nutrientes,pesticidas e drogas, e nanodeposição de filmes

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bioativos para biofiltros, membranas e embalagensbiodegradáveis e/ou comestíveis para alimentos.

A exemplo de outras áreas econômicas, astransformações na informação também benefi-ciam o agronegócio, em termos de informaçõestecnológicas e de mercado. Projeta-se que astransformações ocorrerão de maneira mais rápidae mais confiável, atingindo maior número deusuários, e permitindo a troca de informações emtempo real. Nessa área, acompanhar o avançodo conhecimento é estratégico para a competiti-vidade do agronegócio brasileiro.

ConclusõesTendo em vista o crescimento da economia

mundial, em média, 3% ao ano até 2020 e umacrescente urbanização e envelhecimento dapopulação mundial, projeta-se uma diversificaçãoalimentar, com aumento da demanda, sobretudonos países em desenvolvimento, por produtosprocessados (laticínios, etc.), de maior valorprotéico (carnes), além de açúcar e frutas. Somentea China deverá responder, em 2015, por 60% dademanda mundial de laticínios e, em 2020, cercade 7 milhões de toneladas de açúcar deverão serabsorvidas pelo mercado chinês.

Pesquisa e adoção de novas tecnologiasdeverão tornar-se eixos fundamentais para aempresa do agronegócio. A biotecnologia, aengenharia genética e a nanotecnologia consti-tuem-se, importantes vetores tecnológicos para aampliação das oportunidades do setor agrope-cuário nacional, contribuindo, de maneira signifi-cativa, para a agregação de valor aos produtosdo agronegócio. Práticas conservacionistas, comoo plantio direto, o biocombustível, as culturasagroflorestais e demais projetos ambientalmentesustentáveis tenderão a ser cada vez maisvalorizados pelo mercado consumidor mundial.Além disso, com a entrada em vigor do Mecanis-mo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o Brasildeverá alocar importantes recursos oriundos dacomercialização de créditos de carbono (CERs)com a implementação de tais projetos.

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