Evora.Fatima.Aristóteles física cosmologia

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Natureza e Movimento: um estudo da fsica e da cosmologia aristotlicas1 , 2FTIMA REGINA R. VORADepartamento de Filosofia Universidade Estadual de Campinas CAMPINAS, SP [email protected]: O objetivo deste artigo discutir a teoria do movimento de Aristteles que, por sua vez,

est estreitamente associada a sua cosmologia, onde o Universo concebido como aquilo que nunca foi gerado, nem possvel perecer, no teve comeo, nem ter fim, visto que a matria, ela mesma, nunca foi gerada.

Palavras-chave: Movimento. Cosmologia. Aristteles. Primeiro motor.

1. Natureza: princpio do movimento aristotlico De acordo com Aristteles, no livro II da Fsica, entre todas as coisas que h, algumas so por natureza, como por exemplo, os animais e as partes deles, as plantas e, finalmente, os corpos simples (terra, fogo, ar e gua); e todas elas manifestam-se diferentes em comparao com aquelas que no se constituem por natureza e que so por outras causas. Cada um dos seres que so por natureza temEste trabalho resultou da pesquisa apoiada pelo CNPq (Bolsa de produtividade de Pesquisa com o projeto Os conceitos de Espao, Lugar, Vazio e Movimento: de Filopono a Galileo) e FAPESP (Projeto Temtico intitulado: A Filosofia de Aristteles, proc. N 05/58322-7). 2 Neste artigo retomamos algumas reflexes parcialmente exposta nos artigos VORA, F. R., Physis, kinesis, topos e kenon: um estudo da teoria aristotlica do movimento, Cadernos Espinosamos, v. 8, 2002, p. 52-74 e VORA, F. R., A crtica de Filopono de Alexandria tese aristotlica de eternidade do mundo, Analytica, v.7, n.1, 2003, p. 15-47. Gostaria de agradecer a Mrcio Damin Custdio, Tadeu Verza e Marcelo Moschetti, pelas crticas e sugestes.Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.1

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em si mesmo princpio de movimento (kineisthai ) e repouso (nemein) uns segundo o lugar, outros, segundo crescimento e definhamento, ao passo que outros, segundo alterao ; no entanto cama e veste, por sua vez; e qualquer outro gnero de tal tipo, na medida precisamente em que comportam a respectiva designao e enquanto so a partir da tcnica 3 , no tm nenhum impulso inato para a mudana, mas, enquanto lhes sucede ser de pedra, de terra ou misturados a partir desses elementos, eles o tm, e nesta exata medida pois a natureza um certo princpio e causa pelo qual aquilo em que primeiramente se encontra move-se ou repousa por si mesmo e no segundo concomitncia [kata symbebekos] 4 . (ARIST., Fsica, II, 1, 192b 8-22). Portanto, Aristteles toma a natureza como referncia para dividir todos os seres. Segundo o Filsofo, a natureza se diz de dois modos forma e matria , e assim deste modo que se deve estudar (ARIST., Fsica, II, 2, 194a 12). Portanto, prprio da filosofia ou cincia da natureza conhecer tanto a forma quanto a matria. A matria, segundo Aristteles, est sujeita ao movimento, manifesto que, nas coisas naturais, o que necessrio aquilo que se enuncia como matria, bem como os seus movimentos. O filsofo da natureza deve estabelecer ambas causas, mas sobretudo a causa final, j que esta a causa da matria e no a matria do fim (ARIST., Fsica, II, 9, 200a 30). Mas, os corpos naturais tambm tm superfcie e slidos, bem como comprimento e pontos, a respeito dos quais o matemtico faz seu estudo. Devemos portanto determinar em que diferencia a matemtica da filosofia da natureza (fsica) (ver: ARIST., Fsica, II, 2, 193b 22). Joo Filopono de Alexandria (490-570) ao comentar esta questo afirma que Aristteles distinguiu o matemtico do es3

Physis e tchn so dois princpios das coisas. O termo tchn usado com referncia a aquilo que existe em virtude da tcnica ou arte, que um produto da tcnica ou arte, e que uma vez produzido carece de atividade natural. 4 Para uma discusso a respeito da traduo de kata symbebekos por segundo concomitncia e no por acidente como usualmente traduzida, ver ANGIONI, 2000, p. 22, p.130-131 e 155-157.Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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tudioso da natureza ao dizer que o matemtico considera as formas nas coisas naturais, mas como matemticas, e no como naturais, separando-as de [seus] substratos, enquanto o filsofo da natureza as v como inseparveis e juntamente com a matria (FILOPONO, In Physica, 228.1, 5-8). Contudo, os bem conhecidos termos natureza e movimento, em Aristteles, so em si complexos e muitas vezes ambguos, o que indica a necessidade de uma reviso sobre o assunto. Uma extensa discusso das vrias interpretaes que foram desenvolvidas no curso da tradio aristotlica sobre o tema seria claro excessiva, mas uma reviso das principais posies que foram tomadas , a nosso ver, apropriada. De acordo com Aristteles, a natureza [physis] princpio de movimento [kinesis] e de mudana [metabol ]; e a Natureza que estamos investigando, assim devemos entender o que o movimento, pois se o movimento no conhecido, a natureza [physis] no conhecida.(ARIST., Fsica, III, 1, 200b 12-5). Nosso objetivo, portanto, neste artigo discutir a teoria do movimento de Aristteles, que por sua vez est estreitamente associada a sua cosmologia onde o Universo concebido como aquilo que nunca foi gerado, nem possvel perecer, no teve comeo, nem ter fim, visto que a matria, ela mesma, segundo Aristteles, nunca foi gerada. O Universo aristotlico , portanto, eterno, como tambm so eternos, segundo ele, o movimento e o tempo 5 . Na cosmologia aristotlica, o Universo nico, contnuo e tem como estrutura bsica o universo das duas esferas, composto por uma pequena esfera, a Terra, fixada no centro de uma segunda, vasta, porm finita, esfera em rotao que leva consigo as estrelas fixas, e dividido em duas regies nitidamente distintas: a celeste e a terrestre, ocupadas por materiais distintos e governadas por leis distintas. Cada uma das coisas, sejam aquelas pertencentes regio celeste ou regio terrestre, tem, segundo Aristteles, seu lugar natural e seu movimento natural para este lugar. Ou seja, cada coisa no Universo aristotlico possui um lugar prprio, conforme sua natureza, e s no seu lugar que se completa e se realiza um ser, e por isso que este tende para l5 Ver: ARIST., Fsica, III, 8, 208 20-21.

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chegar. O Universo aristotlico, portanto, finito, hierarquicamente ordenado e ontologicamente diferenciado, segundo as qualidades dos elementos. O movimento (kinesis), de acordo com a dinmica aristotlica, um processo de mudana (metabol ), um processo no qual o mvel nunca se encontra no mesmo estado: um corpo em movimento no s muda em relao aos outros corpos, mas, ao mesmo tempo est ele prprio submetido a um processo de mudana. E este processo sempre exige a ao contnua e direta de uma causa.6 Como toda mudana, o movimento, segundo Aristteles, a atualidade (entelkeia) daquilo que h potencialmente, na medida em que h potencialmente esta atualidade (ARIST., Fsica, III, 1, 201a 9) 7 . Mas enquanto o movimento ocorre, embora haja uma atualidade, ela no completa; ou seja, o movimento (kinesis) parece ser um tipo de atualidade (enrgeia) 8 , mas incompleta, e a razo que o potencial, do qual atualidade, incompleto (ARIST., Fsica, III, 2, 201b 31). Quando o movimento cessa, esta atualidade se completa. Portanto, pode-se dizer que para Aristteles o movimento uma transio da potencialidade (dynamis) ao ato (enrgeia), ou vice-versa.

Cabe notar que a idia de causa presente no conceito de movimento que sustenta e apia a fsica antiga e medieval eliminada no conceito de movimento da mecnica galileano-cartesiana. De acordo com a mecnica moderna o movimento no mais corresponde a um processo de mudana, como ocorre na dinmica aristotlica, mas um estado inteiro e absolutamente oposto ao repouso, o outro estado, e como tal no necessita de uma causa para mant-lo. Uma causa ser necessria apenas para alterar o estado do corpo. Este novo conceito de movimento est no cerne do princpio de inrcia, cuja formulao mais completa e final foi dada por Isaac Newton no seu De Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, publicado em 1687. Newton, aps a apresentao de oito definies, enuncia o princpio de inrcia como seu primeiro axioma, diz ele: Todo corpo persistir em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta se no for compelido a modificar este estado por foras exercidas sobre ele (NEWTON, De Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, primeiro axioma). 7 Ver tambm: ARIST. Metafsica, XI, 9, 1065b,16. 8 Em ambas definies de movimento acima citadas (Fsica, III, 1, 209a 9 e Fsica, III, 2, 201b 31), os termos enrgeia e entelkeia so usados por Aristteles como equivalentes.Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Mas o movimento (kinesis) um tipo particular de mudana (metabol), uma transio que ocorre gradualmente (em sucessivos estgios) de um ser em potncia a um ser em ato, e vice-versa, pelo desenvolvimento de suas potencialidades. O movimento uma mudana entre contrrios (enantia). Alm do movimento, h dois outros tipos bsicos de mudana: 1) de um no-ser para um ser, ou seja, quando o sujeito da mudana vem a ser (gerao); 2) de um ser para um no-ser, ou seja quando o sujeito da mudana se corrompe e deixa se ser (corrupo) 9 . Ambas, gerao e corrupo de uma ousia, so mudanas por contradio 10 . Mudana de um no-ser para um no-ser impossvel, pois no h oposio envolvida: eles no so nem contrrios nem contraditrios (ARIST, Fsica, V, 2, 225a,5). Embora todo movimento seja uma mudana, nem toda mudana movimento, a gerao e corrupo, que so transies de e para opostos contraditrios, no so movimentos:... a nica mudana que movimento aquela que vai de um ser a um ser, [a gerao e a corrupo so mudanas que se realizam desde um no-ser a um ser, e vice-versa, respectivamente] (ARIST. Fsica, V, 1, 225b,1-5). Portanto, o estatuto ontolgico do conceito aristotlico de mudana (metabol ) , presente no livro V da Fsica, mais abrangente que aquele do conceito de movimento (kinesis) 11 .

Toda mudana (metabol) de algo para algo. A prpria palavra mostra isso: algo vem depois de outro algo.... Uma vez que toda mudana de algo para algo, h quatro posiveis modos dela ocorrer. H uma mudana de uma ser para um ser, ou de um no-ser para um ser, de um ser para um no-ser, ou de um no-ser para um no-ser. Por um ser eu entendo algo significado por um termo afirmativo. Segue necessariamente a partir disso que h trs tipos de mudanas: de um ser para um ser, de um no-ser para um ser, e de um ser para um no-ser. (ARIST, Fsica, V, 2, 224b 35-225a 5). 10 Os opostos ser e no-ser so contraditrios e no contrrios. 11 Cabe notar que a distino precisa entre movimento (kinesis) e mudana (metabol) presente nos captulos 1 e 2 do livro V [da Fsica], nem sempre se mantm em outras muitas partes da obra aristotlica, onde, por vezes, Aristteles usou os dois termos gregos indicriminadamente. Comentando a diviso aristotlica do movimento em suas espcies Toms de Aquino diz: quando Aristteles define movimento no livro III [da Fsica] ele dizia a palavra movimento como comum a todas as espcies de mudana. Aqui [no livro V]Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Segundo Aristteles, o movimento uma mudana de estado, contnua e gradual, com respeito a cada uma das categorias formais nas quais a distino entre atual e potencial pode ser feita. Portanto, se as categorias dividem-se em existncia substantiva, qualidade, lugar, tempo, relao, quantidade, atividade e passividade, 12 segue-se necessariamente, [conclui Aristteles], que h trs tipos de movimento: o qualitativo, o quantitativo e a locomoo (ARIST., Fsica, V, 1, 225b 510), pois o movimento, como foi visto acima, uma transio de um ser a um ser todo ser tem um contrrio ou um intermedirio e cada uma destas trs categorias (quantidade, qualidade e lugar) admite os contrrios, enquanto a substncia no, j que no h nenhum ser que seja contrrio substncia. O termo relativo, por sua vez, no pode mudar, exceto acidentalmente, assim como no h movimento da atividade e da passividade tanto no sentido mais amplo dos termos como quando eles so aplicados ao movimento agente e paciente, pois no pode haver movimento do movimento, nem gerao da gerao, nem, em geral, mudana da mudana (ARIST., Fsica, V, 2, 225 b 15). Assim o movimento, na dinmica aristotlica, inclui a locomoo (motus locali), a alterao qualitativa (quente e frio) e a alterao quantitativa (crescimento e diminuio em matria, augmentatio e diminutio, no estrito senso que ocorre nas coisas vivas, ou aumento e diminuio no volume, rarefactio e condensatio), e ocorre sempre em sucessivos estgios. Portanto, a temporalidade um elemento essencial no conceito de movimento 13 . A mudana, por sua vez, uma transio de potencialidade ao ato e vice-versa que inclui as transies com respeito a cada uma das trs categorias formais que o movimento inclui, e tambm a mudana substancial (gerao e corrupo, isto, a criao e dissoluo da substncia), que corresponde atualizao de uma forma substancial em matria e seu retorno poele atribui este significado a palavra mudana. E usa movimento em um sentido mais limitado, como uma certa espcie de mudana (AQUINO, in Physica, lib. V, Lect. 2, 649). 12 Segundo Ross, a omisso de chein e keisthai no incomum; elas s ocorrem nas Cat. I b 27, 2 2-3, Top. 103 23. Parece provvel que Aristteles as veja no como categorias mas como sub-categorias (ROSS, 1966, p. 620). 13 Segundo Filopono, no seu comentrio ao livro IV da Fsica, no h [segundo Aristteles] nenhum movimento sem tempo (FILOPONO, in Physica, 676,20).Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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tencialidade da matria que parece acontecer instantaneamente e no ocorre em graus 14 , assim, afirma Aristteles, sempre com respeito substncia ou quantidade ou qualidade ou ao lugar que, o que muda, muda (ARIST., Fsica, III, 1, 200b 30-35).(abruptamente)MUDANA SUBSTANCIAL gerao e corrupo

( MUDANA (metabol )

)

alterao qualitativa (gradualmente) MUDANA ACIDENTAL (movimento/kinesis) alterao quantitativa movimento local

O amplo conceito de movimento presente na fsica aristotlica permite sem dvida entender a mxima medieval: quem no conhece o movimento no conhece a natureza (ignoratio motu ignoratur natura). 2. O Mundo de Aristteles O movimento tem lugar no Universo que, segundo Aristteles, se contm a si mesmo, auto-suficiente e tem como estrutura bsica o universo das duas esferas 15 : a Terra e a esfera das estrelas fixas. Aristteles chama de Cu o corpoARIST. Metafsica, VII 8, 1033a 31-b 29; Metafsica, VII 15, 1039b 23-7; Metafsica, VIII 3, 1043b 14-5 e Metafsica, VIII 5, 1044b 21-2. Em todas estas passagens embora Aristteles no diga textualmente que a gerao de uma nova ousia seja instantnea, elas parecem indicar que, segundo ele, a gerao seria o ponto de convergncia de uma srie de mudanas qualitativas, quantitativas e locais teleologicamente orientadas. Estas mudanas graduais convergiriam na gerao de uma nova ousia, e o momento da gerao que seria instantneo. 15 O cosmo ou Universo aristotlico tem muitas caractersticas comuns quele de Plato, o qual embora no desenvolvido detalhadamente e apresentado de uma forma noCad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.14 Ver:

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natural que se encontra na rotao ltima do Universo, onde esto incrustadas as estrelas fixas. Contudo, em outro sentido, ele tambm chama de Cu o corpo que se encontra na imediata proximidade da rotao ltima do Universo, no qual esto colocadas a lua, o sol e algumas estrelas [errantes planetas]; dizemos que estes esto no Cu. Finalmente, [diz ele] chamamos de Cu o corpo que est contido pela rotao final, com efeito, estamos acostumados a chamar de Cu o todo e o Universo (ARIST., De Caelo, I, 9, 278b16-18). A esfericidade do Cu , segundo Aristteles, necessria pois a esfera a figura mais conforme a sua natureza e substncia. Alm disso, a esfera entre todas as figuras (planas e tridimensionais) a mais perfeita, a nica limitada por uma s superfcie e a nica figura que durante a rotao contnua ocupa sempre o mesmo lugar; o que no ocorre com uma figura de linhas retas submetida rotao. (ver: ARIST., De Caelo, II, 4, 286b 10-287a1) 16 . A esfera portanto a primeira figura.sistemtica, influenciou em grande medida o desenvolvimento posterior da cosmologia. Em ambos os sistemas cosmolgicos, o Universo auto-continente, auto-suficiente e se estrutura no sistema das duas esferas. Segundo Plato, Deus fez o mundo na forma de um globo, uma esfera, tendo seus extremos em todas as direes eqidistantes do centro, a mais perfeita e mais semelhante a si mesma de todas as figuras, pois ele considerou que o semelhante infinitamente mais belo que o dessemelhante (Timeu, 33). Fora do mundo, segundo Plato, no havia nada e sua superfcie foi, por Deus arredondada e polida. No centro dessa esfera repousaria a Terra, que tambm esfrica, a qual permaneceria l imvel, para no alterar o equilbrio simtrico do Universo, sem necessidade de ar ou de qualquer outra fora similar para sustent-la, j que para Plato uma coisa em equilbrio no meio de qualquer substncia uniforme no teria causa para inclinar-se mais ou menos para qualquer direo (Phaedo, 109 ). A esfera do Universo, segundo Plato, gira uniformemente de leste para oeste, no mesmo lugar, em torno do seu prprio eixo, que passa pelo centro da Terra. Contudo, h uma obscura passagem no Timeu (40b ), onde Plato diz: a Terra, nossa governanta, gira ao redor de um eixo estendido de plo a plo atravs do Universo, esta afirmao, inconsistente com todo o sistema descrito nesta obra, levou alguns comentadores antigos e medievais a atriburem a Plato a idia de que a Terra gira em torno do prprio eixo fazendo o dia e a noite. 16 Segundo Simplicio (sc. VI), o fsico argumenta que o Universo esfrico, porque a esfera uma figura primeira, simples, perfeita, e uniforme, e neste sentido nica entreCad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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E dado que a primeira figura corresponde ao primeiro corpo, e o primeiro corpo o que se encontra na rotao extrema do mundo, segue que o que se move circularmente ser necessariamente esfrico. Conseqentemente, tambm ser esfrico o que est em continuidade e aderido a ele: pois o que est aderido ao que esfrico tambm esfrico. De maneira anloga, tambm sero esfricas as coisas que esto no meio destas, pois aquelas coisas que esto limitadas por um corpo esfrico e esto em contato com ele necessariamente sero todas esfricas, Agora, as coisas que esto abaixo da esfera das estrelas errantes [planetas] tocam a esfera superior. Assim portanto, o mesmo Universo ser esfrico, pois todas as coisas esto em contato e continuidade com as esferas. (ARIST., De Caelo, II, 4, 287a2-11).

No centro do Universo repousa imvel a esfera Terra 17 . O Universo aristotlico dividido em duas regies nitidamente distintas: a celeste e a terrestre, ocupadas por materiais distintos e governadas por leis distintas. Todas as coisas que compem a regio celeste, a saber, as estrelas, os planetas e as esferas cristalinas so feitas de ter (elemento celeste, a quintessncia, puro, eterno, inaltervel e incorruptvel). Todas as coisas que pertencem regio terrestre, por outro lado, so feitas de um dos quatro elementos terrestre: terra, gua, ar e fogo (ou de uma combinao deles).

as figuras slidas os corpos slidos retilneos so todos limitados por vrias superfcies ou faces e no por uma superfcie como a esfera e por esta razo a forma da esfera apropriada para o primeiro corpo: o Universo. O astrnomo, por outro lado, ao argumentar que o Universo esfrico, baseia-se sobre o fundamento matemtico de que dentre todas as figuras slidas, que tem uma superfcie com igual rea, a esfera a maior e portanto aquela que contm mais (HEATH, 1980, p. 99-100). 17 Sobre a disputa a respeito da figura da Terra, Aristteles afirma: pois a uns ela parece ser esfrica, ao passo que, a outros, parece ser plana e ter o formato de um tambor. E como prova esmeram que, ao se pr e ao nascer, o sol sofre por parte da Terra um ocultamento retilneo, e no esfrico como sendo necessrio que, se ela fosse esfrica o corte da [secante] viesse a ser curvilneo mas no levam em considerao a distncia do sol em relao a Terra, nem o tamanho da circunferncia, que de longe se manifesta com aparncia retilnea nos crculos que parecem pequenos. Portanto, no preciso que, devido a esta aparncia, eles desconfiem que o volume da Terra no seja esfrico (ARIST., De Caelo, II, 13, 293b 32-294 8).Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Os elementos, sejam celestes ou terrestres, movem-se naturalmente para os seus respectivos lugares 18 naturais. Assim, o lugar natural da Terra ou, usando a terminologia escolstica, o lugar da Terra, (locus terrae) que absolutamente pesada, o centro do Universo, que por sua vez coincide com o centro da Terra, e o seu movimento natural retilneo para baixo, ou seja, em direo ao centro do Universo. A esfera da Terra rodeada concentricamente por uma srie de esferas ocas, as primeiras delas correspondem s dos elementos terrestres, gua, ar e fogo respectivamente, tal que o lugar natural da gua a regio imediatamente aps a regio central e o seu movimento natural retilneo para baixo, exceto na regio central; o lugar natural do fogo locus ignis , que absolutamente leve, a regio externa da esfera sublunar e seu movimento retilneo para cima em relao ao centro do Universo; finalmente, o lugar natural do ar locus aeris a regio intermediria entre a gua e o fogo, e seu movimento natural retilneo para cima, exceto na regio do fogo. O lugar e o movimento naturais dos corpos compostos corpora mixta por mais de um elemento correspondem queles do elemento preponderante (ver: ARIST., De Caelo, IV, 4, 311b 5-15). Portanto, de acordo com Aristteles, cada lugar tem uma certa potncia (dynamis) especfica capaz de produzir efeitos distintos tal que corpos pesados movem-se, naturalmente, para baixo, seu lugar natural; e corpos leves para cima. Contudo, a leveza e a gravidade de um elemento, excetuando-se o fogo e a terra, dependem, segundo Aristteles, da sua relao com os outros elementos,chamo grave aquilo que est apto a mover-se [naturalmente] para o centro, e leve aquilo que est apto a mover-se a partir do centro; muito pesado o que est abaixo de todas as coisas que se movem para o centro, e muito leve o que se situa acima de todas as coisas que se movem para cima. necessrio que tudo que se move para cima ou para baixo possua leveza ou peso ou ambos, embora no em relao ao mesmo corpo; pois so corpos pesados e leves relativos a um ou outro. Por exemplo, o ar leve relativo gua e a gua leve relativa terra. (ARIST., De Caelo, I, 3, 269b 23-29).18Lugar

(topos) aqui entendido como o limite (peras) do corpo continente e o contorno do corpo contido. Aristteles concebe o lugar como o limite imvel mais interno e que imediatamente envolve o que est contido naquele lugar (ARIST., Fsica, IV, 4, 212 5) e conclui assim que o lugar no nada que forme parte do ser contido, no maior nem menor que ele; no sendo nem forma, nem matria nem mesmo extenso tridimensional.Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Se todas as coisas estivessem em seus lugares naturais, no haveria razo para elas de l sarem. Apenas atravs de violncia (e aplicao de um esforo exterior) que se poderia conseguir isso. Contudo, elas voltariam para seus lugares naturais to logo cessasse a ao que causou o movimento, reencontrando assim o seu equilbrio perdido e violado. Alm dos quatro elementos terrestres (terra, gua, ar e fogo) h, segundo Aristteles, um quinto elemento, que no nem leve nem pesado, cujo movimento natural a rotao, e do qual so feitos todos os corpos celestes: as estrelas, os planetas, e as esferas cristalinas. A existncia deste quinto elemento concluda por Aristteles a partir das seguintes consideraes:Todo movimento ou natural ou contrrio natureza e que o movimento que contra-natural para um corpo natural para outro, como o caso do movimento para cima e para baixo, que natural e contra-natural para o fogo e para a terra, respectivamente; segue-se necessariamente que o movimento circular, sendo no natural para estes corpos 19 , natural para algum outro 20 . E, alm disso, se o movimento circular o deslocamento natural para alguma coisa, est claro que haver entre os

Que o movimento circular no natural para os corpos terrestres j tinha sido estabelecido por Aristteles anteriormente: os elementos terrestres (terra, gua, ar e fogo) movem-se naturalmente com movimento retilneo (uns para cima, outros para baixo). Embora pela violncia, aplicao de um esforo exterior, os corpos simples possam mover-se com o movimento de outros e diferentes corpos, mas pela natureza isto impossvel, dado que um movimento simples pertence naturalmente a cada corpo simples (ARIST., De Caelo, I, 2, 269 7-9). 20 Esta inferncia aristotlica necessria, pois o movimento circular no poderia ser contra-natural nem para os corpos terrestres, nem para os celestes, visto que se o corpo que se move em crculo fosse o fogo ou algum outro elemento [terrestre], sua locomoo natural seria contrria ao movimento circular. Mas uma coisa simples tem um contrrio simples, e os movimentos para cima e o para baixo so [sempre] contrrios um ao outro ... Mas se o corpo movido contra-naturalmente em um crculo fosse algum outro corpo, ento algum outro movimento pertenceria a ele naturalmente. Mas isto impossvel; pois se ele fosse um movimento para cima aquele corpo seria o fogo ou o ar, enquanto que se fosse um movimento para baixo seria gua ou terra (ARIST., De Caelo, I, 2, 269a 12-18). Logo, se o movimento circular no pode ser contra-natural, nem para os corpos terrestres, nem para os corpos celestes, ento ele necessariamente ser natural.Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Ftima Regina R. voracorpos simples e primrios algum que se mover naturalmente em crculo, como faz o fogo para cima e a terra para baixo 21 (ARIST., De Caelo, I, 2, 26931-269b6).

Assim, a partir de todas estas premissas, de acordo com Aristteles, temos que nos convencer de que existe, alm dos corpos que nos rodeiam aqui embaixo, algum outro corpo diferente e separado, de uma natureza tanto superior quanto mais afastada est do mundo sublunar. Este quinto elemento o primeiro corpo, que preenche toda a regio celeste, sendo o nico elemento celeste.Parece que o nome do primeiro corpo tem sido transmitido at os nossos dias desde o tempo dos antigos que alimentavam concepes idnticas s nossas [...] eles acreditavam que o primeiro corpo era algo diferente da terra, do fogo, do ar e da gua, e denominaram ter regio mais alta, e lhes deram este nome porque ocorre sempre na eternidade do tempo (ARIST., De Caelo, I, 3, 270 b16-24).

A natureza superior dos corpos celestes decorre, sem dvida, da superioridade, suposta por Aristteles, do seu movimento natural (circular) em relao ao movimento natural dos corpos terrestres (retilneo). Esta suposio, por sua vez, se justifica a partir da tese de que o crculo pertence classe das coisas perfeitas, e superior linha reta. Diz Aristteles: com efeito, o perfeito por natureza anterior ao imperfeito; ora, o crculo entra na classe das coisas perfeitas, enquanto que a linha reta no , em nenhum caso, perfeita: no so perfeitas, com efeito, nem a linha reta infinita pois ela deveria ter limite e fim , nem qualquer linha reta finita pois todas tm alguma coisa para fora, pois que se pode prolongar qualquer linha reta (ARIST., De Caelo, I, 2 269. 19-25). Conseqentemente, se o crculo perfeito,

A tese de que um corpo que se move naturalmente em crculo necessariamente ser simples estabelecida a partir da prpria definio aristotlica de corpos simples, entendidos como aqueles que possuem um princpio nico de movimento em suas prprias naturezas (ARIST., De Caelo, I, 2, 268b 27-28) e cujos movimentos naturais devem ser simples, ou seja, retilneo ou circular, isto porque Aristteles j tinha estabelecido anteriormente que estes so os dois nicos movimentos simples, pois percorrem as duas nicas magnitudes geometricamente simples, a saber: a reta e o crculo.Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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tambm perfeito ser o movimento circular, pois o movimento atravs de uma linha perfeita ser necessariamente perfeito. Agora, se o movimento circular perfeito, ele anterior ao movimento retilneo, que se d atravs de uma linha imperfeita, mas o movimento que possui uma prioridade deve pertencer igualmente a um corpo que naturalmente possua uma prioridade. Se o movimento circular anterior ao movimento retilneo e o movimento retilneo prprio dos corpos simples o fogo, com efeito, move-se em linha reta para cima, e a terra para baixo, em direo ao centro , necessrio que o movimento circular seja prprio, ele tambm, de um corpo simples (ARIST., De Caelo, I, 2 269. 25-30) 22 , pois, como j foi visto anteriormente, o movimento natural dos corpos compostos por mais de um elemento corresponde ao movimento do elemento preponderante. Portanto, o movimento dos corpos compostos posterior ao movimento dos corpos simples, e se o movimento circular o primeiro ento ele deve naturalmente pertencer a um corpo simples.Por tudo que foi dito, evidente [conclui Aristteles] que existe naturalmente alguma outra substncia corprea diferente das formaes corpreas que existem aqui [embaixo, isto , na regio terrestre], a qual substncia mais divina e anterior a todas as outras (ARIST., De Caelo, I, 2 269 28-30).

Logo, os corpos celestes so feitos de um elemento perfeito e simples, o ter, cujo movimento natural simples e circular. Se os corpos celestes movem-se circularmente, segundo Aristteles, eles no podem ser nem leves, nem pesados, pois se possussem pesos mover-se-iam para o centro do Universo e, se fossem leves, mover-se-iam para cima23 , diz ele:22

Teses e argumentos semelhantes podem ser encontrados tambm no livro VIII da

Fsica.

Esta inferncia feita por Aristteles a partir da sua prpria definio de peso e leveza, segundo a qual grave aquilo que naturalmente se move para o centro e leve aquilo que naturalmente se move a partir do centro (a este respeito ver: ARIST., De Caelo, I, 3, 269b 26-30).Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Ftima Regina R. vorao corpo que se move em um crculo no pode possivelmente possuir peso ou leveza. Pois no pode se mover nem naturalmente nem contra-naturalmente para ou a partir do centro. Pois, primeiro, a locomoo em linha reta no pertence a ele naturalmente, porque h um movimento para cada corpo simples, e ele conseqentemente seria idntico a um dos corpos que se move deste modo. Segundo, supondo que ele se move contrrio natureza; ento, se o movimento contra-natural para baixo, o movimento para cima seria natural; mas, se o movimento contra-natural for para cima, ento o movimento para baixo seria natural. Pois temos que no caso dos movimentos contrrios, se um contra-natural o outro natural (ARIST., De Caelo, I, 3, 269b 30-2703).

Conseqentemente, os corpos celestes, porque se movem naturalmente em um crculo, no podem ser nem leves nem pesados. Estabelecida que a regio celeste preenchida pelo ter, um elemento perfeito e simples, que no nem leve nem pesado, cujo movimento natural o circular, Aristteles passa ento discusso com respeito eternidade desta regio. Os corpos celestes, de acordo com Aristteles so eternos, pois no esto sujeitos gerao e corrupo, nem aumento e diminuio, pois diz ele: igualmente razovel supor que estes corpos so no-gerveis e incorruptveis, e no esto sujeitos ao crescimento e alterao, pois tudo que gerado gerado de um contrrio e de algum substrato, e perece do mesmo modo em algum substrato, e ambos pela ao de um contrrio em um contrrio, como foi estabelecido em nossa primeira discusso. 24 Contudo, os movimentos locais dos contrrios so contrrios. Se ento nada pode ser contrrio a este corpo, pois no h movimento contrrio locomoo circular, a natureza parece ter razo em eximir da contrariedade aquele corpo que nogerado e indestrutvel. Pois a gerao e a corrupo tm lugar entre contrrios. (De Caelo I, 3, 270 12-22)

A ausncia de contrariedade nos movimentos circulares inferida por Aristteles no primeiro livro do De Caelo a partir de vrias razes.Diz Aristteles no primeiro livro da Fsica: Tudo aquilo que vem a ser, assim como tudo que se corrompe, vem a ser, ou se corrompe, ou a partir dos contrrios, ou nos contrrios e em seus intermedirios. E os intermedirios so a partir dos contrrios, por exemplo: as cores so a partir do branco e do negro; de modo que tudo o que vem a ser por natureza ou contrrio ou a partir de um contrrio (ARIST., Fsica, I, 5, 188 b 21-16). Ver tambm: ARIST., Fsica, I, 7, 191a 5.Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.24

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Em primeiro lugar, Aristteles estabelece que no h nenhuma hiptese do movimento retilneo ser contrrio ao circular, isto porque os movimentos retilneos so contrrios entre si, em virtude do lugar, pois o acima e o abaixo so diferenas e contrariedades de lugar (ARIST., De Caelo, I, 4, 271 3-5). Em segundo lugar, movimentos contrrios implicam em destinos contrrios, tal que o movimento retilneo do ponto A para o ponto B, distantes um do outro, contrrio ao movimento retilneo de B para A. Contudo, o mesmo no ocorre com o movimento circular de A para B e de B para A, visto que so infinitas as possibilidades de movimentos circulares entre dois pontos A e B quaisquer, pois so infinitas as linhas circulares que podem ligar tais pontos. No entanto, o movimento de A para B e vice versa, ao longo de uma linha reta, nico, pois h uma nica linha reta que une dois pontos A e B. Alm disso, se poderia supor que, dado um crculo completo de dimetro EF, o movimento circular do ponto E at o ponto F, atravs do semicrculo superior H, fosse contrrio ao movimento circular de F para E atravs do semicrculo inferior G, mas mesmo supondo que estes sejam contrrios, de modo algum se segue que o movimento reverso no crculo completo seja contrrio (ARIST., De Caelo, I, 4, 271a 17-19). Tambm no so contrrios os movimentos de A para B e de A para C, sobre um mesmo crculo, visto que movimentos contrrios implicam em destinos contrrios, o que no ocorre neste caso. Finalmente, conclui Aristteles, tambm no seriam contrrios dois movimentos circulares em torno de um e mesmo crculo, mas em direes opostas, visto que um deles seria vo, pois por meio de ambos se chegaria ao mesmo ponto [embora seguindo ordem inversa]. Alm disso, necessrio que o que se move circularmente, seja qual for o ponto de partida, chegue a todos os lugares contrrios e as contrariedades de lugares so o acima e o abaixo, o adiante e o atrs, direita e esquerda e a contrariedade do movimento existe segundo as contrariedades de lugares. Mas, se estes forem iguais, no haver mais movimento (ARIST., De Caelo, I, 4, 271a 23-28).

Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Portanto, se no h nenhum movimento natural contrrio ao movimento circular ento no h nada que seja contrrio quilo cujo movimento natural no tem contrrio. Mas, se o ter no tem contrrios, ele no pode estar sujeito gerao e corrupo, visto que tudo o que vem a ser por natureza, assim como tudo que se corrompe, vem a ser, ou se corrompe, ou a partir dos contrrios, ou nos contrrios, na presena de algum subjacente 25 . Se h uma inalterabilidade do mundo celeste ento a ordem deste mundo celeste eterna. Afirma Aristteles no De Caelo (283b 26-9):Nem se gerou o Cu inteiro, nem lhe possvel perecer, como alguns deles dizem, mas um e eterno, no tendo princpio e fim de sua durao toda, mas contendo e compreendendo em si o tempo infinito.

Concluindo, todas as coisas que compem a regio celeste, a saber, as estrelas, os planetas e as esferas cristalinas so feitos de ter (elemento celeste, a quinta-essncia, puro, simples, nem leve, nem pesado) cujo movimento natural no est sujeito contrariedade, conseqentemente ele eterno, inaltervel e incorruptvel, assim como toda a regio celeste. Contudo, segundo Aristteles, alm do Universo ser eterno, tambm so eternos o movimento e o tempo. O movimento a atualizao (energia) do que mvel na medida em que mvel, donde se infere que o corpo potencialmente mvel deve necessariamente pr-existir ao movimento26 , conseqentemente, necessrio que estas coisas mveis: a) ou sejam eternas e, portanto, tambm eterno o movimento 27 ; b) ou, se no existiam antes, tenham sido geradas em algum

25 Ver: ARIST., Fsica, I, 7, 191a 5.

Qualquer um admitir que necessariamente se move aquilo que capaz de moverse com cada classe de movimento: por exemplo, que se altera o que capaz de alterar-se e que translada o que capaz de mudar de lugar. De modo que tem que existir algo capaz de gerar-se antes que se gere (ARIST., Fsica, VIII, 1, 251a. 10-5). 27 Existindo sempre as coisas que podem mover-se e as que podem mover, algumas vezes h um primeiro movente e um movido e outras vezes nada seno o repouso, e este [o corpo em repouso] necessariamente tem que ter mudado antes: visto que tem que terCad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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momento. Ento, se cada uma das coisas que podem mover-se foi gerada, necessariamente se produziu outra mudana e movimento anterior ao considerado, em virtude do qual foi gerado o que capaz de ser movido ou de mover (ARIST., Fsica, VIII, 1, 251a. 10-5), visto que a gerao de uma nova ousia o ponto de convergncia de uma srie de movimentos qualitativos, quantitativos e locais teleologicamente orientados. Portanto, um movimento precederia a gerao de um corpo potencialmente mvel, que por sua vez seria precedido pelo mvel, e assim ad infinitum. Alm disso, diz Aristteles, se na verdade o tempo o nmero do movimento ou de um certo movimento , necessariamente o movimento ser eterno, se o tempo for eterno (ARIST., Fsica, VIII, 1, 252a. 5-10). Mas este necessariamente eterno, visto que impossvel que o tempo exista, ou seja concebido, sem o agora, uma vez que o tempo consiste de agora, no sendo possvel captar no tempo nada alm deste, e o agora nada mais do que um ponto intermedirio que contm necessariamente o comeo (do tempo futuro) e o fim (do passado), donde se infere que sempre haver o tempo antes e depois do agora e, portanto, necessariamente haver sempre tempo (ARIST, Fsica, VIII, 1, 252a. 10), e a fortiori o movimento. 3. O Primeiro Motor Imvel Uma vez delimitado esses pontos, devemos inspecionar, a respeito das causas, pois [segundo Aristteles] visto que o estudo em vista do conhecer, e visto que no julgamos conhecer cada coisa antes de apreendermos o por que a respeito de cada uma (eis o que apreender a causa primeira), evidente que devemos fazer isso tambm no que concerne a gerao e corrupo e toda mudana natural, de tal modo que, conhecendo suas causas, tentemos reportar a elas cada um dos itens que se investigam (ARIST., Fsica, II, 3, 194b 16-23).

existido uma causa do repouso, j que o repouso a privao do movimento (ARIST., Fsica, VIII, 1, 251a. 30).Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Quando algum procura a causa dado que as causas se afirmam de diversos modos , preciso relatar todas as causas possveis 28 . Resta-nos, ento, investigar a causa do movimento, j que tudo que movido movido por algo e tudo que vem a ser vem a ser algo, a partir de algo e por obra de algo. (ver: ARIST., Metafsica, IX, 8 1049 b 27). Quanto s substncias naturais e gerveis necessrio relatar as causas mais prximas para proceder corretamente dado que as causas so precisamente estas tantas, e dado que preciso vir a conhecer as causas. Por outro lado, no que respeita s essncias naturais, porm eternas, diverso o tipo de explicao. Com efeito, algumas, certamente, no comportam matria, ou no comportam uma matria de tal e tal qualidade, mas apenas uma matria capaz de se mover pelo lugar. (ARIST., Metafsica, VIII, 4, 1044b 3-8). No De Caelo Aristteles afirma que os corpos celestes, sendo feitos de ter, um elemento perfeito e simples, so naturalmente constitudos para moveremse circularmente em virtude de sua prpria natureza (ver: ARIST., De Caelo, II, 4, 284a 14-15). Contudo, este movimento tem caractersticas especiais, pois todas as coisas cessam de mover-se quando atingem seus lugares prprios, entretanto, para o corpo movido circularmente, o lugar de onde partiu idntico a aquele ao qual chegou (ARIST., De Caelo, I, 9, 279a 33-279b 3). Em certo sentido a esfera em rotao est em movimento, j que as suas partes giram continuamente em torno de um centro, mas em outro sentido est em repouso pois, uma vez que seu centro imvel, tomando-a como um todo, ela nunca sai do lugar 29 , entendendo lugar como o limite do corpo continente e o contorno do corpo contido. Ou seja, uma vez que o centro em torno do qual ela gira permanece estacionrio o todo

Por exemplo: do homem, qual a causa enquanto matria? Seriam os sangues menstruais? E qual seria enquanto causa motora? Seria o esperma? E qual seria enquanto forma? O que era o ser? E qual seria como em vista do que? O acabamento. E certamente, ambas as ltimas so uma mesma coisa (ARIST., Metafsica, VIII, 1044a 32-1044b 1) 29 Ver: ARIST., Fsica, VIII, 9, 265b 1-5.Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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est em certo sentido sempre em repouso e em outro continuamente em movimento ARIST., Fsica, VIII, 9, 265b 10-15). Ademais, nenhum eterno e incorruptvel em potncia 30 , eles so todos atualidade, mas, segundo Aristteles, nada impede que seja em potncia em algum aspecto, por exemplo, em certa qualidade ou lugar,se h algo que seja movido eternamente, [diz Aristteles] ele tampouco em potncia movido, a no ser de um certo lugar para outro (nada impede que se d a matria para isso); por isso, o sol, as estrelas e o Cu inteiro sempre esto em atividade, e no de se temer que porventura parem como temiam os estudiosos da natureza. Tais coisas tampouco se cansam ao fazer isso [sc. estar em atividade]; pois, para eles, o movimento no (como para os corruptveis) concernente capacidade da contradio 31 , como se lhes fosse penosa a continuidade do movimento. Pois a essncia causa disso na medida em que matria e capacidade, no na medida em que efetividade. (ARIST., Metafsica, IX, 8, 1050b 21-27).

Mas se h o movimento eterno e este movimento circular, ento tambm h algo que propicia este movimento (ver: ARIST., Metafsica, XII, 7, 1072a. 19-24). Como ento explicar o movimento circular eterno dos corpos celestes? Se tudo que movido movido por algo e todo motor, ao mover-se, move algo, ento no caso do movimento eterno haver uma srie infinita de causas (ver: ARIST., Metafsica, 994a,1-30). Contudo, segundo Aristteles, no necessrio queefetividade [atualidade] anterior capacidade tambm de modo mais decisivo: pelo modo de ser, os eternos so anteriores aos corruptveis, e nenhum eterno em potncia. A explicao esta: toda capacidade ao mesmo tempo capacidade da contradio, pois aquilo que no capaz de ser o caso no pode se dar em nada, mas tudo aquilo que capaz pode no estar em atividade. Portanto, aquilo que capaz de ser pode tanto ser como tambm no ser; assim, a mesma coisa capaz de ser e de no ser. Mas aquilo que capaz de no ser pode no ser; e aquilo que pode no ser corruptvel, ou sem mais, ou em relao quilo mesmo pelo que se diz que pode no ser (ou pelo lugar, ou pela quantidade ou qualidade); e sem mais corruptvel aquilo que o em sua essncia. (ARIST., Metafsica, IX, 8, 1050b 6-15) 31 Todas as outras capacidades (a partir do que foi delimitado) so capacidades da contradio. De fato, aquilo que capaz de mover de tal e tal modo tambm capaz de mover no de tal e tal modo (ao menos tudo que conforme razo). (ARIST., Metafsica, IX, 8, 1050b 30)Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.30 A

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o movido seja sempre movido por algo que tambm esteja em movimento, logo a regresso ao infinito, no que se refere s causas dos movimentos eternos, no necessria, pois se o movimento eterno ento necessariamente tem que haver algo eterno que se move primeiro e o primeiro agente (motor) do movimento eterno ser eterno e imvel 32 , inclusive acidentalmente, pois se houvesse um motor imvel que fosse capaz de mover-se acidentalmente por si, ele seria incapaz de ser a causa do movimento eternamente contnuo. Por conseguinte:j que necessrio que haja continuamente um movimento, tem que haver um primeiro motor que seja imvel, inclusive acidentalmente, se, como dissemos tem que haver nas coisas um movimento incessante e incorruptvel, e se o Universo tem que permanecer em si mesmo e no mesmo, pois se o princpio permanece o mesmo, tambm o Todo [Universo] permanecer o mesmo, sendo contnuo em relao ao princpio. (ARIST., Fsica VIII, 6, 259b 21-28).

Argumentos semelhantes tambm so encontrados no livro XII da Metafsica, onde Aristteles explica o movimento eterno dos astros atravs da introduo de uma hiptese necessria: o Primeiro Motor Imvel, a causa final, o telos, do Universo. Diz Aristteles, dado que aquilo que movido e propicia movimento intermedirio, h algo que propicia movimento sem ser movido, sendo uma essncia e uma atividade eterna (ARIST., Metafsica, XII, 7, 1072a. 24-26). A finalidade geral de todos os seres, de acordo com a tese aristotlica, o Primeiro Motor, que no s imvel, mas no suscetvel de movimento, j que ato puro. Mas de que forma o Primeiro Motor no-suscetvel de movimento governa o movimento eterno dos corpos celestes e o devir? Segundo Aristteles, aquilo que propicia o movimento desse modo aquilo que desejvel e aquilo que suscetvel de ser pensado: propiciam movimento sem serem movidos. As primeiras entre essas coisas so as mesmas. De fato, aquilo que aparece como belo apetecvel, mas o objeto do querer, primeiramente, aquilo que realmente belo. Desejamo-lo porque parece-nos ser belo, em vez de parecer ser belo porque desejamo-lo, [...]. Assim, ele propicia movimento na medida em que amado, mas, por meio de algo que movido, move as demais coisas. (ARIST., Metafsica, XII, 7, 1072a.26-1072b 3).

32 Ver: ARIST., Fsica, VIII, 6, 258b 10.

Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Ou seja, segundo Aristteles, o Primeiro Motor propicia o movimento na medida em que amado, desejado. O Primeiro Motor Imvel ato puro, nada lhe falta, logo nada deseja. Mas desejado por todos os seres do Universo. Mas por que esse desejo no faz com que os corpos o imitem e permaneam imveis? A meu ver, estes no desejam a imobilidade, mas antes a pura atualidade, a perfeio do Primeiro Motor, e esse desejo faz com que os corpos atualizem as suas potncias e conseqentemente movam-se, j que o movimento a transio do que h em potncia para o que h em ato. Diz Aristteles, a respeito do Primeiro Motor eterno e imvel:Assim, pelo que foi dito, evidente que h uma essncia eterna, no-suscetvel de movimento e separada das coisas sensveis. Tambm est provado que no possvel que tal essncia possua grandeza, pois ela indivisvel e desprovida de partes (de fato, ela propicia movimento por um tempo infinito, mas nenhuma coisa finita possui capacidade infinita; dado que qualquer grandeza ou infinita ou finita, por isso, ela no poderia ter uma grandeza finita, nem uma grandeza infinita, porque, em geral, no h nenhuma grandeza infinita). Alm disso, est provado que ela no suscetvel a modificaes e alteraes, pois todos os demais movimentos so posteriores ao movimento local 33 . Assim, evidente porque essas coisas so desse modo. (ARIST., Metafsica, XII, 7, 10733-14)

Os Cus movem-se atrados por esse Motor Imvel. Os astros so incorruptveis e realizam um nico movimento, o mais perfeito de todos, isto o movimento circular, aquele que no tem comeo nem fim. O Mundo sub-lunar e as coisas terrestres, sujeitas gerao e corrupo, aspiram incorruptibilidade, regularidade perfeita e atividade contnua do Cu, pois eles tambm esto sempre em atividade e tm o movimento em si mesmo e por si mesmo (ver: ARIST., Metafsica, IX, 8, 1050b 28). Portanto, o Cu atua como se fosse o motor do mundo sublunar, mas no como um motor perfeito, j que ao mover-se circularmente, ele suscetvel ao movimento. Mas,o princpio, isto , o primeiro entre os entes, no-suscetvel de movimento, em si mesmo e por concomitncia, e promove o movimento primeiro e eterno, que nico. Dado que, necessariamente, aquilo que movido movido por algo; dado que33 Grifo meu.

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Ftima Regina R. vorao primeiro motor , em si mesmo, no-suscetvel de movimento; dado que o movimento eterno movido por algo eterno, e um movimento nico, por algo nico; dado que, alm da locomoo simples do Todo, a qual dizemos que a primeira essncia no-suscetvel de movimento promove, vemos que h outras locomoes eternas, a dos planetas (de fato, o corpo que se move em crculo eterno e semrepouso; provou-se isso nas discusses sobre a natureza 34 ), necessariamente, tambm cada uma dessas locomoes movida por uma essncia eterna que, em si mesma, no-suscetvel de movimento. De fato, a natureza dos astros eterna, sendo uma essncia, e o que os move eterno e anterior ao que movido, e necessariamente essncia aquilo que anterior a uma essncia. Assim, evidentemente, necessrio que exista a mesma quantidade de essncias eternas em suas naturezas e, em si mesmas, no-suscetveis de movimento e desprovidas de grandeza, pela causa antes mencionada. (ARIST., Metafsica 107323-1073b1)

4. As Esferas Celestes de Aristteles Na regio imediatamente aps a esfera do fogo encontra-se, segundo Aristteles, uma srie de esferas cristalinas interconectadas, cujo centro comum a Terra, e cada um dos planetas (Lua, Mercrio, Vnus, Sol, Marte, Jpiter e Saturno) encontra-se no interior de um grupo destas esferas, cada uma das quais completa uma revoluo axial em intervalos de tempo diferentes reproduzindo assim, com boa aproximao, o movimento planetrio. Esse sistema proposto por Aristteles incorporou os artifcios geomtricos do sistema matemtico das esferas homocntricas de Eudoxo de Cnidus (408355 aC) 35 e Calipo de Czico (370-300 aC), que mostraram que era possvel atravs de seus modelos geomtricos explicar os movimentos aparentemente errantes dos planetas e salvar os fenmenos 36 .34 Fsica VIII, 8-9.

discpulo de Plato, foi o primeiro a responder aquele que foi, talvez, por cerca de dois mil anos, o problema mais importante dos astrnomos, a saber: quais so os movimentos circulares uniformes e ordenados que podem ser tomados como hipteses para explicar os movimentos aparentes dos planetas? (ver: Plato, Repblica, VII, 527 e SIMPLICIO, In De Caelo, 488). 36 A obra onde Eudoxo apresenta seu sistema perdeu-se, felizmente este pode ser reconstitudo a partir de uma pequena nota de Aristteles no livro XII da Metafsica e de uma longa discusso feita por Simplicio (sc. VI) em seu Comentrio ao De Caelo. Aristteles conheceu tal sistema a partir de Polemarcos. Tambm Eudemo o descreveu em detalhesCad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

35 Eudoxo,

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O modelo de Eudoxo supe que as estrelas fixas esto incrustadas na primeira, e mais exterior, esfera que gira uniforme e diariamente em torno de um eixo estendido de norte a sul. A locomoo do sol, lua e de cada uma das outras cinco estrelas errantes (planetas) envolve em cada caso, um conjunto independente de esferas concntricas, que giram em torno de diferentes eixos com inclinaes diferentes em relao eclptica (ver fig. 1), crculo do meio do zodaco e equador (ver fig. 2).

Figura 1. Apud CROMBIE, 1979, p. 105.

em sua perdida histria da astronomia e a partir deste trabalho sua descrio foi transferida para um trabalho sobre as esferas escrito por Sosigenes, um filsofo peripattico que viveu na segunda metade do sculo II aC. Este trabalho tambm perdeu-se, mas um longo fragmento dele foi preservado no comentrio de Simplicio e ns temos posse de uma anlise detalhada do sistema de Eudoxo (DREYER, 1953, p. 91).Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Figura 2. O diagrama mostra Atlas sustentando o Universo, composto dos quatro elementos aristotlicos, as esferas dos planetas e a esfera das estrelas fixas. O diagrama tambm mostra o Crculo do Zodaco. A partir de W. Cunningham, The Cosmographical Glasse, 1558, apud. Cohen, 1980, p. 39.

A ltima esfera do conjunto de cada planeta, segundo Eudoxo, gira no mesmo eixo, direo e velocidade que a esfera das estrelas fixas. Com o movimento de cada uma destas ltimas esferas, Eudoxo explica individual e independentemente o movimento dirio do sol, lua e de cada um dos planetas, ou seja, atravs de estruturas geomtricas independentes que no interferem entre si.Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

Um Estudo da Fsica e da Cosmologia Aristotlicas Segundo Aristteles, no captulo 8 do livro XII da Metafsica, 37

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Eudoxo concebeu que a locomoo do sol, assim como a da lua, envolve trs esferas, das quais a primeira seria a das estrelas fixas, a segunda, a que se move pelo crculo no meio do zodaco 38 , a terceira, a que se move pelo crculo que est inclinado na largura do zodaco 39 (mas o crculo no qual se move a lua inclina-se em uma largura maior que o crculo no qual se move o sol); mas a locomoo de cada planeta envolve quatro esferas, entre as quais a primeira e a segunda so as mesmas que aquelas (de fato, a esfera das estrelas fixas a que move todas, e a que se situa abaixo desta e tem sua locomoo pelo crculo no meio do zodaco comum a todas); j os plos da terceira de cada planeta esto no crculo no meio do zodaco, e a locomoo da quarta se d pelo crculo que se inclina para o equador 40 desta ltima; os plos da terceira esfera so peculiares aos demais planetas, mas os de Vnus e Mercrio so os mesmos. Calipo, por sua vez, concebeu a mesma posio das esferas que Eudoxo; j quanto ao nmero delas, estabeleceu o mesmo que aquele, para Jpiter e Saturno, mas, para o sol e a lua, julgou que deveriam ser acrescentadas, ainda, duas esferas, e, para cada um dos restantes planetas, apenas uma se se pretende explicar os fenmenos. (ARIST., Metafsica, XII, 8, 1073 b 17-38)

Adotei a traduo de Angioni do livro XII da Metafsica, publicada e comentada neste nmero dos Cadernos de Histria e Filosofia da Cincia. Para uma discusso detalhada desta intrincada passagem, ver os comentrios de Angioni, 2005, p. 171-200. 38 Segundo Angioni, neste caso, trata-se da esfera cuja locomoo se d pelo crculo que bissecta longitudinalmente o zodaco, isto , a assim chamada eclptica. Neste contexto, o sentido de no meio bem preciso: supondo-se que o zodaco seja limitado por duas retas paralelas, o crculo em questo (a eclptica) uma terceira reta, paralela s duas anteriores, e separada de cada uma delas por uma distncia igual. (ANGIONI, 2005, p. 191) 39 Neste contexto, a expresso largura do zodaco equivalente a algo como faixa do zodaco, isto , um espao largo, delimitado por duas retas paralelas. O crculo em questo inclinado em relao s retas paralelas que delimitam essa faixa (essa largura) e, conseqentemente, inclinado em relao eclptica, mas de tal modo que ele no ultrapassa os limites dessa faixa. Em outras palavras, ele atravessa a faixa do zodaco transversalmente, sem transpor seus limites. (ANGIONI, 2005, p. 191) 40 Angioni seguiu Ross ao adotar o termo equador, mas, segundo ele, bom lembrar que essa noo no expressa no texto de Aristteles por nenhum termo especfico, mas pela palavra meson, que quer dizer, apenas, meio, centro p. 191.Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Embora incorporando a base do sistema geomtrico de Eudoxo e Calipo, Aristteles deu uma interpretao fsica a ele e encerrou o sistema matemtico das esferas concntricas em um mecanismo fsico. Assim, para Aristteles, as esferas no so apenas representaes de frmulas matemticas, mas antes elas tm realidade fsica compondo um vasto, porm finito, sistema que explica a real estrutura do Universo e o movimento de todos os planetas. De acordo com o sistema proposto por Aristteles, a esfera das estrelas fixas move-se diariamente de leste para oeste e arrasta consigo a mais exterior das esferas concntricas que compem o conjunto do primeiro planeta do seu sistema, Saturno. As outras esferas deste conjunto por sua vez movem-se com diferentes velocidades, algumas vezes em sentidos diferentes e em torno de diferentes eixos, produzindo o movimento de Saturno e impedindo que este seja carregado, tal qual uma estrela fixa, pelo movimento dirio da esfera estelar. A ltima esfera do conjunto de Saturno, devido sua posio e seus plos, sentido e magnitude de sua velocidade de rotao, move-se com movimento idntico ao da esfera das estrelas fixas, transmitindo seu movimento esfera imediatamente posterior: a primeira esfera do planeta subseqente, Jpiter. Assim Jpiter mover-se- como se as esferas de Saturno no existissem. Aristteles prope para cada um dos planetas uma engrenagem semelhante quela proposta para Saturno.Se essas esferas todas, ao serem compostas, pretendem explicar os fenmenos, necessariamente, para cada planeta, h outras esferas (cuja quantidade o nmero das anteriores menos um) que se contrapem, isto , restituem para a mesma posio a primeira esfera do astro que se situa imediatamente abaixo: apenas assim que todas essas coisas podem produzir a locomoo dos planetas. Assim, dado que as esferas em que eles se locomovem so, por um lado, oito, por outro, vinte e cinco 41 , e, entre essas, no preciso que sofra contraposio apenas aquelas nas quais se

Aristteles [segundo Angioni] adota, como base inicial, o sistema de Calipo: por isso que ele diz, de um lado, oito esferas e, de outro, vinte e cinco oito a soma das quatro de Jpiter e das quatro de Saturno, em relao s quais Calipo no avanou nenhuma novidade em relao a Eudoxo; vinte e cinco, por sua vez, o resultado da soma das cinco esferas que Calipo (diferentemente de Eudoxo) atribuiu a cada um dos corpos restantes, a saber, Sol, Lua, Marte, Vnus e Mercrio. (ANGIONI, 2005, p. 191-2).Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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move o planeta que est situado na mais baixa posio 42 , sero seis as esferas que se contrapem s esferas dos dois primeiros planetas, ao passo que sero dezesseis as que se contrapem s esferas dos quatro planetas seguintes. Assim, o nmero inteiro das esferas que locomovem e das que se lhes contrapem cinqenta e cinco. Se no se acrescentar lua e ao sol os movimentos que mencionamos, as esferas todas sero quarenta e sete. (ARIST., Metafsica, XII, 8, 1073 b38-1074 14).

Portanto, o nmero de esferas que compem a estrutura cosmolgica aristotlica cinqenta e cinco (ou quarenta e sete). O movimento de todo o sistema transmitido por contato de uma esfera para a outra. A ltima esfera, a da Lua, divide o Universo nas duas regies: celeste e terrestre.

Figura 3. Cosmologia de Aristteles. A partir de APIANUS, Petrus, Cosmographia per gemma Physius Restituta, 1539, apud CROMBIE, 1979, v. 1, p.130.

Segundo Angioni: a expresso, o planeta que est situado na mais baixa posio, muito concisa, to kattat tetagmenon, e no claro se ela se refere Lua ou a Mercrio. A interpretao mais aceita entende tratar-se da Lua, mas isso gera algumas dificuldades (ANGIONI, 2005, p. 192)Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Figura 4. Diagrama do Universo geocntrico aristotlico, a partir de Oronce Fin, Le sphere du monde, Paris, 1549 (traduzido pelo prprio Fin a partir do seu De mundi spaera sivi cosmographia, Paris, 1542), apud Cohen, 1980, p. 39.

Alm da esfera das estrelas fixas, segundo Aristteles, no h nada: nem matria, nem lugar, nem vazio, nem tempo. Esta concluso decorre da tese aristo-

Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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tlica da unicidade do mundo, que por sua vez est baseada na premissa de que se vrios mundos existissemseriam similares, em natureza, ao nosso. Alm disso, cada um dos corpos fogo, terra e seus intermedirios devia ter o mesmo poder que em nosso mundo... Claramente, ento, um destes corpos mover-se- naturalmente para longe do centro e outro para o centro, j que o fogo deve ser idntico ao fogo, terra a terra, e assim por diante... Ento, a partcula de Terra em outro mundo move-se naturalmente tambm para o nosso centro e o fogo para a nossa circunferncia. Isto, contudo, impossvel, j que, se fosse verdade, a Terra devia, em seu prprio mundo, moverse para cima e o fogo para o centro; do mesmo modo, a Terra do nosso mundo devia mover-se para o centro de outro mundo. Isto resulta a suposta justaposio dos mundos. Pois, ou ns devemos nos negar a admitir a natureza idntica dos corpos simples em vrios mundos, ou admitindo isto, devemos fazer o centro e a extremidade como sugerido, e sendo assim segue que no pode haver mais do que um mundo (ARIST., De Caelo, I, 8, 276a 25-30 e 276b 1-20).

A partir deste argumento, Aristteles torna evidente que no somente no h nada, mas tambm que nunca poderia haver nenhum corpo fora da circunferncia habitualmente chamada de todo ou totalidade, o Cu. O mundo, portanto, inclui toda matria disponvel: nem h agora, nem houve antes, nem poder existir mais de um Cu, mas este nosso Cu um, nico e completo. Alm disso, evidente que no h lugar, nem vazio, nem tempo fora do Cu. Pois em todo lugar h possibilidade de haver um corpo; e o vazio se define como aquele em que a presena de um corpo, embora no real possvel (ARIST., De Caelo, 279a 1114). 5. Movimento Natural e Violento No Universo aristotlico, cada uma das coisas, seja celeste ou terrestre, tem seu lugar natural e seu movimento natural para este lugar. Todo movimento que no natural violento.Os movimentos de locomoo dos corpos naturais e simples, como por exemplo, o fogo, a terra e outros seres anlogos, no s mostram claramente que o lugar algo, como tambm que o lugar possui certa potncia ativa (dynamis ). Cada um dos seres, no havendo nada que os impea, so levados para seus lugares prprios; uns para cima, outros para baixo. Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Ftima Regina R. voraAgora, estes so os tipos ou regies dos lugares... Na natureza cada um deles distinto e determinado independentemente; tal que o para cima [no um lugar qualquer], mas, sempre o lugar ao qual naturalmente levado o fogo, o para baixo [tampouco um lugar arbitrrio], mas sempre aquele ao qual so naturalmente levados os seres pesados e os corpos terrestres; isto mostra que ambos lugares [para cima e para baixo] diferem no s por suas posies relativas, mas tambm por possurem potncias diferentes. (ARIST., Fsica, IV, 1, 208b 11-25).

Portanto, de acordo com Aristteles, cada lugar tem uma certa potncia (dynamis) especfica capaz de produzir efeitos distintos; tal que corpos pesados movem-se, naturalmente, para baixo, seu lugar natural; e corpos leves para cima. Se todas as coisas estivessem em seus lugares naturais, no haveria razo para elas de l sarem. Apenas atravs de violncia (e aplicao de um esforo exterior) que se poderia conseguir isso, contudo elas voltariam para seus lugares naturais to logo cessasse a ao que causou o movimento, reencontrando assim o seu equilbrio perdido e violado. Mas, poder-se-ia perguntar por que todos os corpos leves e pesados movem-se para os seus lugares naturais? Certamente no por suas prprias aes, pois isto prprio dos animais e dos seres vivos, que so causas em si mesmos de seus movimentos sendo capazes de governarem suas aes, o que no o caso das coisas leves e pesadas que so, por exemplo, incapazes de interromperem, elas mesmas, os seus prprios cursos. Aristteles responde a isso, no livro VIII da Fsica afirmando que todas as coisas movidas por suas naturezas so sempre movidas por algo, tal que a razo (aition) da terra mover-se para baixo que ela naturalmente constituda para mover-se em direo ao centro (para baixo) o mesmo acontecendo com cada um dos outros corpos que so constitudos naturalmente para moverem-se para suas respectivas direes.Assim claro que nenhuma destas coisas move-se por si, mas cada uma tem uma fonte de movimento (arkh kinseos), no de causar movimento (kinein), ou de agir (poiein), mas de passivamente ser submetida a ele (paskhein). Se, ento, todas as coisas [prossegue Aristteles] que esto em movimento ou movem-se de acordo com suas prprias naturezas ou por viol-las e sob violncia; se todas as coisas cujo movimento violento, e contrrio natureza, so movidas por algum agente [motor] externo a elas, diferente delas prprias; e se todas as coisas cujo movimento natuCad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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ral so, tambm, movidas por algum agente tanto aquelas que so movidas por si [como, por exemplo, os animais], como aquelas que no so movidas por si, como, por exemplo, as coisas leves e pesadas, que so movidas ou diretamente por aquilo que de algum modo gerou (gennsantos) a coisa como tal e a fez leve ou pesada, ou incidentalmente por aquele que liberta o que estava impedindo ou prendendo se tudo isto assim, segue [conclui Aristteles] que todas as coisas em movimento so movidas por algum agente [motor]. (ARIST., Fsica, VIII, 4, 255b 30-256a 5).

Ou seja, de acordo com a dinmica aristotlica todo movimento local, natural ou violento, sempre exige a ao contnua e direta de uma causa, j que tudo que movido deve ser movido por algo (ARIST., Fsica, VII, 241b 24). Um motor necessrio no apenas para iniciar o movimento, mas tambm para mant-lo: omne quod movetur necesse est ab aliquo moveri. Cessada a ao que ela exerce sobre o corpo em movimento, cessa o movimento (Cessante causa cessat effectus). A lei fundamental da dinmica aristotlica de acordo com a qual a velocidade de um corpo que se move em uma dada distncia determinada pela razo, ou proporo, e no pela diferena aritmtica como prope a dinmica moderna, entre a potncia motriz e a resistncia do meio embora no tenha sido estabelecida em uma forma concisa atravs de uma notao matemtica (tal como ocorre na fsica moderna) suas regras de proporcionalidade so bastante claras, como podemos notar na seguinte passagem do captulo 5 do livro VII da Fsica.Se, ento o motor A moveu B em uma distncia no tempo , ento no mesmo tempo a mesma potncia (dynamis) A mover B em duas vezes a distncia , e em mover B em toda distncia : pois assim a regra da proporo ser observada. Novamente se uma dada potncia (dynamis) move um dado corpo a uma certa distncia em um certo tempo, e metade desta distncia em metade do tempo, [ento] meia potncia mover a metade de tal corpo na mesma distncia e no mesmo tempo. Seja E metade da potncia A e Z metade do corpo mvel B: ento a razo entre a potncia e o peso em um caso similar e proporcional razo no outro, tal que a potncia causar o movimento atravs da mesma distncia e no mesmo tempo (ARIST., Fsica, VII, 5, 249b 30-250a 10).

Ou seja, de acordo com a dinmica aristotlica a potncia motriz (fora motora) em contato direto com o corpo mvel diretamente proporcional distncia percorrida pelo corpo e inversamente proporcional ao tempo gasto, ou ainCad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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da, a potncia motriz diretamente proporcional ao que hoje chamamos de velocidade. Afirma Aristteles:Ns vemos que um peso, ou corpo, move-se mais rpido do que outro por uma de duas razes, ou porque h uma diferena naquilo [no meio] atravs do qual ele se move, como entre a gua, o ar, e a terra, ou porque, sendo as outras coisas iguais, o corpo mvel difere do outro por um excesso de peso ou leveza. Agora o meio causa uma diferena porque ele impede [resiste] o corpo mvel, principalmente se ele [o meio] est movendo-se em direo oposta [ao que est se movendo nele], e com menor intensidade [mas ainda resistindo] se ele [o meio] est em repouso. Em especial [o meio oferece grande resistncia] quando ele no facilmente dividido, isto um meio que um pouco denso. Portanto, A mover atravs de B [meio] no tempo , e atravs de [meio] que mais fino 43 () no tempo E (se o comprimento de B o mesmo que o de ) na proporo das densidades de B e respectivamente. Pois seja B a gua e o ar, ento tanto quanto o ar for mais fino [mais sutil ou mais rarefeito] e mais incorpreo do que a gua, mais rpido A se mover atravs de do que atravs de B. Seja a razo entre as velocidades a mesma que a razo entre a [densidade] da gua e do ar. Ento se o ar duas vezes mais fino [mais rarefeito], o corpo atravessar B [a gua] em duas vezes o tempo que ele atravessa [o ar], e o tempo ser duas vezes o tempo E. E sempre, quanto mais o meio for incorpreo e menos resistente e mais facilmente dividido, mais rpido ser o movimento. (ARIST., Fsica, IV, 8, 215a 24-215b 10).

Assim a velocidade de um corpo em movimento diretamente proporcional potncia motriz e inversamente proporcional ao poder de resistncia do meio. conveniente salientar que nesta passagem Aristteles usa a noo de densidade, ou mais fino, para caracterizar o meio, mas, como bem notou Ernest Moody, no seu artigo Galileo and Avempace, Aristteles usualmente caracteriza as diferenas no corpo mvel atravs dos termos peso ou natureza. Quando em movimento violento, a velocidade de um corpo mvel, segundo Aristteles, proporcional potncia motriz externa continuamente em contato direto com ele; contudo, quando em movimento natural (por exemplo, a queda livre) a causa motora est associada ao lugar natural do corpo em questo,W. D. Ross traduz a palavra por mais fino. E. Grant, no Source Book in Medieval Science, a traduz por mais sutil, mais rarefeito.Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.43

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tal que o corpo mover-se- mais rapidamente quanto maior for sua tendncia para o seu lugar natural. Portanto, corpos pesados, com maior tendncia para o seu lugar natural, mover-se-o mais rapidamente que corpos com menor tendncia. Poder-se-ia chamar esta tendncia de peso, e assim: corpos mais pesados caem mais rapidamente que corpos menos pesados (ver: ARIST., De Caelo, 273 b 30-274a 2 e De Caelo, 290a 1-2) 44 . Contudo, a palavra peso aqui no deve ser entendida no sentido moderno, mas antes no sentido aristotlico, segundo o qual: o peso de um corpo aumenta quanto mais prximo o corpo est de seu lugar natural. Isto explica, segundo Aristteles, o movimento acelerado de queda dos corpos, pois no incio da queda, estando os corpos mais distantes de seus lugares naturais, eles mover-se-o mais lentamente; medida que eles aproximam-se de seus lugares naturais, maiores sero as suas respectivas velocidades. Este fato apresentado por Aristteles, no De Caelo, como evidncia adicional do carter finito do movimento local. Diz ele:Que a locomoo no pode acontecer at o infinito indicado pelo fato que a terra move-se mais rapidamente quanto mais prximo ela est do centro, e o fogo quanto mais prximo ele est da regio superior. Se o movimento fosse atravs de uma distncia infinita, a velocidade tambm seria infinita, e se a velocidade for infinita, ento tambm seriam infinitos o peso e a leveza respectivamente. Pois, assim como um corpo que por causa de sua velocidade ocupasse uma posio inferior a outro corpo, deveria sua velocidade a seu peso, tambm um aumento infinito no seu peso significaria um aumento infinito em sua velocidade. (ARIST., De Caelo, I, 8, 277 2733).

Agora, se todo movimento local sempre exige a ao contnua e direta de uma causa (potncia motriz), como explicar o movimento violento, tal como o lanamento de uma flecha ou pedra horizontalmente ou verticalmente paraos corpos mais leves mover-se-o, para cima, mais rapidamente que os corpos menos leves, pois aqueles corpos que tm um maior impulso de peso ou leveza, se eles so semelhantes em outros aspectos, movem-se mais rpido atravs de uma igual distncia, e na proporo da magnitude de cada um (ARIST. Fsica,216a 13-16).Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.44Analogamente

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cima? No incio, a potncia projetora poderia ser identificada com potncia motriz, contudo, depois que os projteis no esto mais em contato direto com o motor que os lanou, para que o seu movimento se mantenha seria necessrio um agente (motor) contnuo em contato com eles. Aristteles postula que:se se diz que o motor em tais casos move algo mais ao mesmo tempo em que lana os projteis, por exemplo, move tambm o ar, e este ao ser movido tambm um motor, ento no seria mais possvel para esta segunda coisa do que para a coisa original estar em movimento quando o motor original no est em contato com ela ou movendo-a: todas as coisas movidas estariam em movimento simultaneamente, e tambm cessariam seus movimentos simultaneamente quando o motor original parasse de mov-las... preciso, pois, chegar concluso de que o que movido primeiro d o poder de ser um motor ao ar ou gua ou a algo como eles, adaptados naturalmente para moverem e serem movidos. Embora esta coisa no deixe de mover e de ser movida simultaneamente: ela cessa de estar em movimento no momento que seu motor cessa de mov-la, mas ela ainda permanece um motor, e assim ela move algo que est consecutivo a ela; e deste o mesmo pode ser dito. O movimento comea a cessar quando a potncia motriz concedida a um dos membros da srie consecutiva em cada estgio menor do que aquela que foi concedida ao membro precedente, e finalmente cessa quando um membro no mais causa no prximo membro a capacidade de ser motor, mas somente a de ser movido. Ento, simultaneamente devem parar o motor, o movido e todo movimento. (ARIST., Fsica, 266b 30-267 15).

O movimento violento tambm discutido por Aristteles no livro IV da Fsica, onde ele afirma que: os projteis so movidos adiante, mesmo depois que aquilo que deu a eles seu impulso no mais os esteja tocando, ou 1) pela razo da substituio recproca (antiperistasis) de acordo com a qual o ar empurrado adiante pelo projtil volta e toma o lugar do projtil, e ento o empurra adiante; ou 2) pelo fato de que o ar, que foi empurrado no instante em que o projtil inicialmente disparado, move-se com um movimento mais rpido do que a locomoo natural, para baixo, do projtil, empurrando assim o projtil adiante. Aristteles, claramente, parece abraar esta segunda explicao para o movimento retilneo violento (a este respeito ver: ARIST., Fsica, IV, 8, 215 15-20). Este movimento violento se mantm at que a potncia motriz originalmente impressa nesta poro de ar se dissipe. Assim, o meio, segundo Aristteles, oferece tanto a causa motriz como a resistncia do movimento violento. EstaCad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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dupla funo desempenhada pelo meio se d devido natureza particular do meio, seja ele ar ou gua, sendo por um lado leve e por outro pesado. Segundo Aristteles, no movimento natural (queda livre dos corpos), assim como no movimento violento (lanamento de projteis), o ar empregado como um tipo de instrumento de ao, pois a natureza deste elemento ser tanto leve como pesado. Na medida em que leve, ele produz o movimento para cima, uma vez que tenha sido empurrado e recebido um impulso de uma fora original; e na medida em que pesado o movimento para baixo (ARIST., De Caelo, III, 2, 301b 22-26). 6. Natura abhorret vacum Uma importante conseqncia da concepo aristotlica do movimento o fato de que no vazio nem a antiperistasis nem a outra explicao para o movimento de projteis (aquela que Aristteles parece abraar) podem ocorrer. Diz Aristteles:As coisas que so lanadas movem-se mesmo que aquilo que deu a elas seus impulsos no mais as esteja tocando, ou pela razo da substituio recproca (antiperistasis), como alguns sustentam, ou porque o ar que foi empurrado as empurra com um movimento mais rpido do que a locomoo natural dos projteis, por meio da qual eles so movidos para os seus lugares naturais. Mas no vazio nenhuma destas coisas pode acontecer, nem nada poderia ser movido, exceto se carregado. (ARIST., Fsica, IV, 8, 215 15-20)

Por um lado, sem o meio um movimento violento no teria causa, uma vez perdido o contato entre o corpo mvel e o motor que o lanou. Por outro lado, a resistncia sendo nula, as velocidades de todos os objetos em movimento, quer natural, quer violento, no vazio seriam iguais, j que os corpos menos pesados dividiriam o vazio to facilmente quanto os mais pesados (pois no haveria um meio resistindo a eles) ao contrrio do que acontece no pleno, onde, como vimos, os corpos, menos pesados, com maior dificuldade em cindir o meio, mo-

Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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vem-se mais lentamente do que aqueles com menor dificuldade (ver: ARIST., Fsica, IV, 8, 215 a 24-215 b10; e IV, 8, 216 12-20) 45 Diz Aristteles:As [conseqncias] seguintes baseiam-se num excesso [de peso] de um corpo mvel sobre outro. Vemos que os corpos que tm um maior impulso, seja de peso ou de leveza, se so iguais em outros aspectos, movem-se mais rapidamente num espao igual, e na proporo de suas magnitudes. Portanto eles tambm mover-se-o atravs do vazio com tal proporo de velocidade. Mas isto impossvel; pois por que deveriam mover-se mais rpido? (Ao moverem-se atravs dos plenos isto deveria ser assim; pois o maior divide-os mais rapidamente, por sua fora. Pois um mvel fende o meio ou por sua forma, ou pelo impulso que o corpo que projetado adiante possui). Ento todos possuiro uma velocidade igual. Mas isto impossvel. (ARIST., Fsica, IV, 8, 216 13-20).

No havendo resistncia do meio, no haveria razo para um corpo mais pesado mover-se mais rpido que o mais leve. Alm disso, as velocidades dos corpos em movimento no vazio seriam infinitas, pois medida que a resistncia diminui a velocidade aumenta; se fosse possvel diminuir a resistncia a zero, a velocidade aumentaria ao infinito e Aristteles percebe isso ao analisar a proporo entre as velocidades de dois corpos iguais que se movem em dois meios diferentes, mas plenos. Segundo ele, a razo entre as velocidades nestes dois meios inversamente proporcional razo entre as respectivas resistncias; ora, mas no h nenhuma proporo entre o vazio e um corpo que permita medir o quanto um excede o outro, assim como no h proporo entre o zero e um nmero,pois, [diz Aristteles] se 4 excede 3 por 1, e excede 2 por mais que 1, e excede 1 por mais ainda do que excede 2, mas no h nenhuma proporo pelo que ele exceda zero 46 ; porque aquilo que excede deve ser divisvel em [duas partes] o excesso e aqui-

corpo que se move atravs do pleno, mover-se- mais rpido que outro por uma de duas razes: ou porque so diferentes os meios atravs dos quais eles se movem, ou porque, os outros aspectos sendo iguais, os corpos mveis diferem um do outro por excesso de peso ou leveza (ver: ARIST., Physica, IV, 8, 21524). 46O que foi aqui traduzido por zero, literalmente seria no um. Averres (1126-1198), um dos mais importantes comentadores de Aristteles do sculo XII, ao comentar esta passagem da fsica, refere-se ao zero como ao quo non dicitur unum (o que no chamado um).Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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lo que excedido, tal que 4 ser [divisvel em duas partes] o que ele excede zero e o zero. Por esta razo, tambm, uma linha no excede um ponto uma vez que ela no composta de pontos. Do mesmo modo, o vazio no pode manter nenhuma proporo para com o pleno, nem pode o movimento atravs de um estar para o movimento atravs do outro, mas se uma coisa move-se atravs de um meio mais cheio [denso] em tal e tal distncia e em tal e tal tempo, ela mover-se- atravs do vazio com uma velocidade alm de qualquer proporo (ARIST. Fsica, IV, 8, 215b 20-23);

portanto, haveria movimentos instantneos. O que , para Aristteles, absurdo. Este um dos argumentos mais fortes usado por Aristteles contra a possibilidade do vazio 47 . Mas, ainda que um corpo levasse algum tempo para mover-se no vazio, Aristteles conclui que este tempo seria igual ao tempo que o mesmo corpo levaria para percorrer um meio no vazio, mas bastante rarefeito o que segundo ele absurdo. No seu argumento, Aristteles parte da suposio de que Z vazio, e tem a mesma magnitude que o meio B (gua) e o meio (ar), que mais rarefeito que B, ento um corpo A mover-se- atravs de Z num certo tempo H, que menor que o tempo ( E ) gasto por A para percorrer , tal que o vazio estar para pleno assim como H estar para E (isto segue do argumento desenvolvido anteriormente na Fsica, IV, 8, 215a 24-215b 10).Mas em um tempo igual a H, A percorrer a parte de . E, certamente tambm atravessar neste tempo qualquer substncia Z que exceda o ar em densidade na proporo em que o tempo E est para o tempo H. Pois se o corpo Z for to mais

definio do vazio mais comumente aceita na Idade Mdia, quando este era suposto aquela presente no De Caelo, segundo a qual o vazio aquilo em que possvel, mas no existe a presena de um corpo (ARIST., De Caelo, I, 27912-6). Mas para Aristteles, como bem notou Grant, o vazio era a no-existncia, ou a privao do ser. Ele argumentava que se o vazio existisse, ele seria algo isto , um lugar sem nenhum corpo, mas capaz de receber um corpo. Convencido, contudo, por um variedade de razes de que ele no existe, ele descreve-o como no-existncia, ou privao do ser. A despeito da negao da existncia, Aristteles tinha, em termos medievais, formulado a aceita quid nominis, ou definio nominal do vazio. Assim, Aristteles define o vazio em termos positivos, mas conclui que ele era uma privao, ou uma entidade no existente (GRANT, 1981, p. 10).Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Ftima Regina R. vorafino [mais rarefeito] que quanto E excede H, [ento] se A move-se atravs de Z, atravess-lo- em um tempo inverso velocidade do movimento, isto num tempo igual H. Se, ento no houver corpo em Z, A atravessar Z ainda mais rapidamente. Mas ns supusemos que seu percurso de Z, quando Z era vazio, ocupava o tempo H. Tal que, ele [A] atravessar Z em um igual tempo, quer Z esteja cheio quer esteja vazio. Mas isto impossvel. claro ento que se h um tempo no qual ele [A] move-se atravs de qualquer parte do vazio, seguir-se- este resultado impossvel: encontrar-se- que A atravessar uma certa distncia, quer esteja cheia quer vazia, em um tempo igual; pois haver algum corpo que estar para outro corpo na mesma proporo que o tempo est para o tempo. (ARIST., Fsica,IV, 8, 215 b 25216 10).

Supondo que H seja igual a 1 hora e E a 2 horas, se eu tomar o ar metade rarefeito ou metade menos denso, o corpo levar 1 hora para percorrer o ar mais rarefeito. Mas 1 hora o tempo que o corpo leva para percorrer o vazio. Portanto o corpo A levar o mesmo tempo para percorrer o vazio ou o pleno. Uma outra propriedade que o movimento possuiria no vazio, e que leva Aristteles a negar a existncia real do vazio paradoxalmente a enunciao do movimento inercial, derivado a partir da aplicao do princpio da razo suficiente s condies obtidas no vazio. Segundo Aristteles, alm do fato de que no vazio o movimento violento no teria causa, uma vez perdido o contato direto entre o corpo mvel e o motor que o lanou,no poderamos dizer porque uma coisa uma vez colocada em movimento pararia em algum lugar, porque ela pararia mais aqui do que ali ? Tal que uma coisa ou estaria em repouso ou deveria mover-se ad infinitum, a menos que alguma coisa mais poderosa entrasse no seu caminho. (ARIST. Fsica, IV, 8, 215 19-21).

Portanto, na ausncia de um meio material haveria movimentos inerciais, o que para Aristteles absurdo. Aristteles enuncia a inrcia como parte de um argumento de reduo ao absurdo, onde a existncia do vazio agiria como hiptese de reduo, para em seguida negar a possibilidade do vazio. Ainda neste captulo 8 do livro IV da Fsica, uma outra questo levantada com respeito impossibilidade do vazio, trata-se do movimento que seria causado pelo vazio, se ele existisse. Se o vazio no pode ser a causa da locomoo,Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

Um Estudo da Fsica e da Cosmologia Aristotlicas

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questiona Aristteles, de qual movimento ele seria causa? Se o vazio um lugar no qual, embora possvel, no h nenhum corpo, ento para onde se deslocaro os corpos nele introduzidos? Se todo movimento natural ou violento, e para que exista qualquer tipo de movimento necessrio que exista o movimento natural pois o movimento violento contrrio natureza e, portanto, posterior ao movimento natural, que conforme a natureza ento, se cada um dos corpos naturais no tem um movimento natural, nenhum outro movimento poder existir, mas:como pode haver um movimento natural quando no existe nenhuma diferena em todas as partes do vazio? Pois, assim como no infinito no h nem para cima, nem para baixo, nem para o meio; do mesmo modo no h no vazio um para cima diferente de um para baixo, pois no h nenhuma diferena naquilo que nada, no h nada no vazio (pois o vazio parece ser uma no-existncia, e uma privao do ser), mas a locomoo natural parece ser diferenciada, tal que as coisas que existem por natureza devem ser diferenciadas. Portanto, ou nada tem uma locomoo natural, ou no h vazio. (ARIST., Fsica, IV, 8, 215 1-15)

Se no vazio no existe uma direo preferencial, porque nele no h lugar natural (todas as partes no vazio so idnticas), ento no h movimentos naturais (nem para cima, nem para baixo, nem para o meio). Mas os corpos tenderiam para todas as direes igualmente? A reflexo sobre esta questo levou a alguns comentadores medievais de Aristteles afirmarem que o movimento no vazio impossvel, pois nele os corpos mover-se-iam em todas as direes simultaneamente, j que no h razo para eles moverem-se mais para uma do que para outra direo, o que , inegavelmente, absurdo. Averres (1126-1198), um dos mais importantes comentadores de Aristteles do sculo XII, por sua vez, acreditava que, como no h espaos diferenciados no vazio, os corpos mover-se-iam nele em qualquer direo para a qual fossem empurrados por uma fora motriz e, no havendo lugar natural para onde tais corpos tendessem, onde eles, uma vez chegando, permaneceriam em repouso mover-se-iam ad infinitum, o que inegavelmente absurdo, dentro da fsica aristotlica.

Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Srie 3, v. 15, n. 1, p. 127-170, jan.-jun. 2005.

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Ftima Regina R. vora

Seja como for, supondo a existncia do vazio, h necessidade de se negar que o movimento requer lugares diferenciados, o que est, como visto acima, na base da dinmica aristotlica. Resumindo: se o movimento no vazio for admitido, a partir da dinmica aristotlica, pode-se deduzir que ele seria: a) inercial, pois no haveria um meio resistindo a ele nem um lugar natural onde os corpos mveis repousariam; portanto, eles continuariam seu movimento ad infinitum ; b) instantneo, j que a velocidade, segundo Aristteles, inversamente proporcional densidade do meio, que neste caso igual a zero, logo a velocidade dos corpos em movimento no vazio seria infinita. E todos os corpos mover-se-iam no vazio: c) com velocidades iguais, independentemente dos seus pesos, j que todos os corpos dividiriam o vazio com igual dificuldade; d) em qualquer direo, ou talvez em todas as direes, pois no h no vazio l