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EXCELENTÍSSIMA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE CAMPO GRANDE/MS O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL , por seus Promotores de Justiça subscritores, com fundamento no artigo 581, I e VIII do Código de Processo Penal, interpõe RECURSO EM SENTIDO ESTRITO contra a sentença que determinou a extinção da punibilidade com consequente rejeição de denúncia, diante da realização da audiência estabelecida no artigo 16 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), na qual foi colhida a retratação da mulher em situação de violência. Pugna o Ministério Público pelo recebimento e processamento do presente recurso, remetendo-se os presentes autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul para reapreciação da matéria, caso não efetivado o juízo de retratação. Campo Grande, 06 de junho de 2011. ANA LARA CAMARGO DE CASTRO SILVIO AMARAL NOGUEIRA DE LIMA PROMOTORA DE JUSTIÇA PROMOTOR DE JUSTIÇA 1

EXCELENTÍSSIMA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA … · necessidade de representação da vítima nos crimes de lesão corporal leve ... próprios subscritores se viram tentados

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EXCELENTÍSSIMA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE CAMPO GRANDE/MS

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL , por seus Promotores de Justiça subscritores, com fundamento no artigo 581, I e VIII do Código de Processo Penal, interpõe RECURSO EM SENTIDO ESTRITO contra a sentença que determinou a extinção da punibilidade com consequente rejeição de denúncia, diante da realização da audiência estabelecida no artigo 16 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), na qual foi colhida a retratação da mulher em situação de violência.

Pugna o Ministério Público pelo recebimento e processamento do presente recurso, remetendo-se os presentes autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul para reapreciação da matéria, caso não efetivado o juízo de retratação.

Campo Grande, 06 de junho de 2011.

ANA LARA CAMARGO DE CASTRO SILVIO AMARAL NOGUEIRA DE LIMA

PROMOTORA DE JUSTIÇA PROMOTOR DE JUSTIÇA

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EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

COLENDA TURMA CRIMINAL

EMÉRITOS JULGADORES

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, por seus Promotores de Justiça subscritores, vem à presença de Vossas Excelências, com fulcro no artigo 581, I e VIII, do Código de Processo Penal apresentar suas RAZÕES EM RECURSO EM SENTIDO ESTRITO contra a sentença que determinou a extinção da punibilidade com consequente rejeição de denúncia, diante da realização da audiência estabelecida no artigo 16 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), na qual foi colhida a retratação da mulher em situação de violência, nos termos que se seguem.

FUNDAMENTAÇÃO DO INCONFORMISMO MINISTERIAL

A magistrada respalda seu posicionamento no tocante ao cabimento da retratação da mulher em situação de violência doméstico-familiar, tanto no crime de lesões corporais de natureza leve quanto na contravenção penal de vias de fato, em recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça no REsp Repetitivo 1097042 (por maioria de votos predominou entendimento quanto à necessidade de representação da vítima nos crimes de lesão corporal leve envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher), bem como, em

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recentes julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul que reconhecem a obrigatoriedade da realização da audiência do artigo 16 de Lei 11.340/2006.

Verifica-se, porém, a ocorrência de equívoco de interpretação quanto à extensão do REsp Repetitivo 1097042, conforme se demonstrará.

A questão jurídica que no REsp Repetitivo 10970472 limita-se, originalmente, a atribuir necessidade de representação em crime de lesão corporal doméstico-familiar de natureza leve, foi, equivocadamente, alçada à imposição da realização da audiência do artigo 16 de Lei 11.340/2006, vale dizer, ao chamamento compulsório, sob pena de nulidade, de todas as mulheres em situação de violência doméstico-familiar para comparecimento em Juízo a fim de confirmar representação já formulada perante a autoridade policial e se manifestar (novamente) quanto ao interesse no processamento do agressor.

Ainda que se admita que o crime de lesões corporais doméstico-familiares de natureza leve e a contravenção penal de vias de fato sejam de ação penal pública condicionada à representação, tal circunstância não se confunde com a compulsoriedade da audiência do artigo 16.

Com efeito, basta representação da ofendida para o processamento da ação penal condicionada, sendo despiciendo chamá-la em juízo para ratificar a representação encartada nos autos.

A audiência do artigo 16 não é ato processual obrigatório, destina-se apenas a verificar ser livre e desimpedida a intenção de a vítima retratar-se, ou seja, na hipótese de a vítima haver sinalizado previamente desejo de obstar o seguimento da persecução penal, que essa manifestação ocorra, em regra, na presença da autoridade judiciária, que, ao menos em tese, deveria assegurar ser livre de pressões sociais e coações familiares.

Em momento algum o legislador da Lei 11.340/2006 pretendeu submeter a mulher em situação de violência a novo constrangimento, de ser chamada em juízo para reiterar posição já manifestada na delegacia, até porque, a toda evidência, referido ato processual ex officio acaba sendo percebido como indução à retratação e justamente se equivale às tentativas conciliatórias que eram típicas do Juizado Especial Criminal, por força da Lei 9.099/1995, e que precisamente o legislador da Lei Maria da Penha quis afastar. Essa foi a mens legis e a mens legislatoris que, agora, se quer ignorar.

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Não há previsão legal dessa etapa processual, que caracteriza completa inversão do espírito da Lei Maria da Penha, que tinha no seu artigo 16 uma previsão de maior proteção à mulher em situação de violência, um suporte para que ela, apresentando prévio, mas oscilante desejo de interromper a investigação e a persecução penal, fosse correta e detidamente esclarecida em juízo, com a devida atenção ao seu caso específico e não chamada em audiência seriada para ser reindagada sobre a certeza da intenção de processar seu agressor.

A simples leitura do texto da lei já demonstra o seu sentido:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

A audiência não se designa para ratificar representação e, sim, para colher, em casos específicos, a retratação.

As palavras do legislador são muito claras - audiência especialmente designada.

A audiência não é, portanto, a rotina. Não é regra a sua realização. Ela é especialmente designada quando há um fato específico que a impulsiona, que não é outro senão a prévia manifestação da mulher no sentido de pretender a retratação da representação já formulada perante a autoridade policial.

Interpretar a lei em sentido diverso seria imaginar que a Lei Maria da Penha é uma lei suicida, que foi, em tese, criada para facilitar o trajeto da mulher na persecução dos atos de violência contra si, eliminando etapas burocráticas e garantindo maior proteção, mas que, ao fim, teria criado, em si própria, mecanismo de neutralização.

Não seria outra coisa o artigo 16, se interpretado como etapa obrigatória, que um dispositivo autofágico da Lei Maria Penha para criar óbice a sua aplicação.

Nunca é demais apontar a incoerência e inviabilidade do caráter obrigatório do referido artigo sob o ponto de vista do custo social e orçamentário-financeiro das instituições públicas.

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Representaria absurdo desperdício de recursos públicos a hipótese de manutenção de delegacias especializadas, como é o caso da DEAM em Campo Grande/MS, instaurando, diligenciando, produzindo elementos em milhares de inquéritos policiais, com posterior remessa ao Ministério Público, que, igualmente, mantém promotorias especializadas na matéria, para elaboração de milhares de denúncias, tudo a fim de produzir papéis inúteis, sem qualquer valor antes da realização da audiência.

O inquérito e a denúncia não serão apreciados pelo juiz antes da audiência; a vítima sequer deles toma conhecimento, porque recebe unicamente a intimação para ir em juízo ratificar representação; e o acusado, muito menos, uma vez que somente será citado para a ação penal se a mulher ratificar a representação.

Se essa fosse a intenção do legislador, não haveria necessidade de se adotar sistemática diferente daquela havida nos JECs, afastando os delitos de violência doméstica e familiar contra a mulher do conceito de menor potencial ofensivo e obrigando o inquérito e a denúncia. Se essa fosse a intenção do legislador, o mero registro da ocorrência deveria ser encaminhado a Juízo para ratificação da vítima e, somente nesse caso, a investigação e a posterior ação penal seguiriam.

Aliás, essa é a praxe ilegal adotada em várias Comarcas do interior do Estado de Mato Grosso do Sul, pois, uma vez que se adota o artigo 16 como obrigatório, muito rapidamente se vê que não faz sentido algum que a autoridade policial e o promotor de justiça trabalhem em vão.

O custo dessa atividade inútil é inestimável, uma vez que é certo que a maioria esmagadora das vítimas, por motivos variados, não tem forças para assumir sozinha a responsabilidade pelo processamento do seu agressor, já que se encontra sob enorme pressão psicológica e o fator sociocultural da submissão da mulher está arraigado em seu inconsciente.

A implantação do caráter obrigatório ao artigo 16 na Capital deverá, então, implicar em extinção da vara e das promotorias especializadas, devolvendo-se a pouca quantidade de processos restantes às criminais residuais. Não faz sentido algum, nem do ponto de vista da probidade administrativa e nem do ponto de vista ambiental, a adoção dessa prática que se destina exclusivamente a arquivar papel.

A adoção do caminho mais fácil nesse caso não é admissível, ainda que nessa quadra histórica, quando as Instituições sofrem notórias pressões por

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produção estatística, conforme se vê das metas e mutirões estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Entretanto, o arquivamento em massa de feitos criminais, ainda que produza estatísticas de eficiência, não é compatível com a missão institucional do Ministério Público e nem do Poder Judiciário.

É certo que a designação ex officio da audiência do artigo 16, por si só, representará a redução de cerca 90% do volume de feitos da vara, estoque que nos últimos quatro anos tem oscilado em torno de quatro a seis mil feitos. Tal montante representa cerca de 35% das ações penais em trâmite na Comarca de Campo Grande (contando-se a produção de 8 promotorias criminais residuais, 4 de Júri, 3 ambientais, 2 consumeristas e 3 de patrimônio público).

Dessa forma, no plano estatístico, é mister considerar que 35% do volume de feitos criminais em trâmite na Capital deriva da atuação exclusiva de apenas dois promotores, os ora subscritores, o que confirmaria a viabilidade gerencial do acolhimento da interpretação da magistrada que, embora completamente equivocada e desfocada do espírito da lei, seria bastante cômoda.

Cumpre reconhecer que, durante os meses de julho e agosto, os próprios subscritores se viram tentados a ceder ao forte esquema do sistema, o que representaria a redução radical do volume de trabalho que tem sido insano nos últimos quatro anos.

Ocorre que referida postura revelou-se incompatível com a missão do Ministério Público, que não é empresa privada em busca de estatística e produtividade, mas Instituição destinada à proteção da sociedade e do Estado de Direito.

O entendimento ora guerreado não foi acolhido exatamente por, ao fim, violar a consciência dos subscritores, que verificaram, com a nova rotina estabelecida, que em pouco tempo, apesar da diminuição da carga profissional, estariam desonrando a nobre função que exercem.

A jurisprudência tem enfrentado a questão da não-obrigatoriedade da audiência mencionada no artigo 16 da Lei Maria da Penha e, nesse sentido, os julgados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

TJRJ - PROCESSO 0018947-38.2007.8.19.0007 (2009.050.03254)

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DES. SIRO DARLAN DE OLIVEIRA - Julgamento: 24/08/2010 - SÉTIMA CAMARA CRIMINALAPELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE AMEAÇA QUALIFICADO PELA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SENTENÇA QUE JULGA PROCEDENTE O PEDIDO CONTIDO NA DENÚNCIA PARA CONDENAR O RÉU PELA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO PELO ARTIGO 147 DO CP [...] RECURSO DEFENSIVO ARGÜINDO COMO PRELIMINARES A NULIDADE DO FEITO A PARTIR DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA ANTE A NÃO DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA ESPECIAL PREVISTA NO ART. 16 DA LEI 11.340/06 [...] PRELIMINARES QUE SE REJEITAM. A AUDIÊNCIA DE QUE TRATA O ART. 16 DA LEI MARIA DA PENHA NÃO É UM ATO OBRIGATÓRIO, DEVENDO A PARTE MANIFESTAR INTERESSE EM SE RETRATAR PARA QUE O MAGISTRADO REALIZE O ATO, ANTES OBVIAMENTE DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, NÃO SE VISLUMBRANDO NO CASO CONCRETO QUE A VÍTIMA TENHA MANIFESTADO DESEJO DE SE RETRATAR DA REPRESENTAÇÃO, [...]

TJDFT - Classe do Processo : 2008 06 1 000008-3 APR - 0000008-12.2008.807.0006 (Res.65 - CNJ) DF Registro do Acórdão Número : 433984 Data de Julgamento : 08/07/2010 Órgão Julgador : 2ª Turma Criminal Relator : SÉRGIO ROCHA Disponibilização no DJ-e: 21/07/2010 Pág. : 221 APELAÇÃO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL PRATICADA EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER - CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 11.340/06 - DOSIMETRIA DA PENA.1. A LEI MARIA DA PENHA (11.340/06) É CONSTITUCIONAL PORQUE SE TRATA DE AÇÃO AFIRMATIVA E O DISCRIME SE DÁ EM RAZÃO DA MAIOR VULNERABILIDADE DA VÍTIMA, COMO OCORRE NOS DELITOS CONTRA MENOR DE IDADE E CONTRA IDOSO.2. A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PREVISTA NO ART. 16 DA LEI N. 11.340/06 NÃO É IMPOSTA PELA LEI, OCORRENDO APENAS QUANDO HÁ NOTÍCIA, NOS AUTOS, DA INTENÇÃO DE RENÚNCIA DAS VÍTIMAS.3. A LEI N. 11.340/06, EM SEU ART. 17 VEDA A SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA EXCLUSIVA DE MULTA.4. DEU-SE PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO RÉU, PARA REDUZIR A PENA APLICADA.

TJDFT - Classe do Processo : 2009 00 2 013741-2 RCL - 0013741-29.2009.807.0000 (Res.65 - CNJ) DF Registro do Acórdão Número : 403207 Data de Julgamento : 14/01/2010 Órgão Julgador : 1ª Turma Criminal Relator : EDSON ALFREDO SMANIOTTO Disponibilização no DJ-e: 01/03/2010 Pág. : 148 EmentaRECLAMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - NULIDADE PROCESSUAL - LESÕES CORPORAIS - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LEI MARIA DA PENHA

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(11.343/2006) - RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO - NECESSIDADE DE DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PREVISTA NO ART. 16 DA LEI 11.340/2006. O LEGISLADOR, NO ARTIGO 16 DA LEI Nº 11.340/2006, NÃO INSTITUIU UM PRÉ-REQUISITO PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA EM RELAÇÃO A CRIMES TRATADOS PELA REFERIDA LEI. A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE QUE TRATA O ARTIGO 16, DA LEI MARIA DA PENHA, NÃO SE DÁ EM TODOS OS PROCESSOS, MAS TÃO SOMENTE NAQUELES EM QUE A OFENDIDA, ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, MANIFESTAR INTERESSE DE RENUNCIAR À REPRESENTAÇÃO. OU SEJA, A RENÚNCIA SOMENTE SERÁ ADMITIDA APÓS AUDIÊNCIA, PERANTE O JUIZ.

TJMT - Número: 817 Ano: 2009 Magistrado DES. PAULO DA CUNHAHABEAS CORPUS - CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER - ART. 147, CAPUT, C/C O ART. 61, INCISO II, ALÍNEA “F”, AMBOS DO CÓDIGO PENAL - PRETENDENDO O SOBRESTAMENTO DO FEITO - ADUZ QUE A AUTORIDADE ACOIMADA COATORA NÃO DEVERIA TER RECEBIDO A DENÚNCIA, DANDO PROSSEGUIMENTO AO PROCESSO SEM A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 16 DA LEI Nº. 11.340/2006, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SERIA ESTA A OPORTUNIDADE ÚNICA PARA A VÍTIMA RETRATAR-SE DA REPRESENTAÇÃO - INADMISSIBILIDADE - AUDIÊNCIA PRELIMINAR QUE SÓ DEVE SER DESIGNADA QUANDO A VÍTIMA MANIFESTAR VOLUNTARIAMENTE O DESEJO DE RENUNCIAR ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - ORDEM DENEGADA. Em nenhum momento, a Lei Maria da Penha cogitou-se de impor realização de audiência preliminar para a ofendida ratificar a representação ou confirmar o seu interesse no prosseguimento. Somente havendo pedido expresso da ofendida ou evidência da sua intenção de retratar-se, e desde que antes do recebimento da denúncia, é que designará o juiz audiência para, ouvido o ministério público, admitir, se o caso, a retratação da representação. Nada impede que a vítima, por livre e espontânea vontade, procure a Justiça para encerrar o caso, todavia, deverá fazê-lo antes do recebimento da denúncia. Depois do início do processo, a responsabilidade estatal será exclusiva para apurar a notícia criminosa e aplicar a lei penal como de direito. Ordem denegada.

TJMT - Número: 818 Ano: 2009 Magistrado DES. LUIZ FERREIRA DA SILVAHABEAS CORPUS - LESÃO CORPORAL E AMEAÇA C/C A LEI MARIA DA PENHA - TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - ALEGADA FALTA DE PROCEDIBILIDADE PARA A PERSECUÇÃO PENAL - AUSÊNCIA DE CONFIRMAÇÃO, EM JUÍZO, DA REPRESENTAÇÃO QUANTO AO CRIME DE AMEAÇA - INSUBSISTÊNCIA - INTELIGÊNCIA DO ART. 16 DA LEI N. 11.340/06 - CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE - WRIT DENEGADO. A Lei n. 11.340/06, também conhecida como Lei Maria da Penha, não prevê a necessidade de que a vítima confirme, em juízo, a representação oferecida na fase policial, porque embora o art. 16 da referida lex realmente disponha sobre a possibilidade de retratação, não exige a convalidação do ato representativo como forma de condição de procedibilidade da ação penal instaurada em desfavor do paciente. Destarte, não estando evidenciado no habeas corpus o constrangimento ilegal deduzido na impetração, é imperiosa a denegação do writ constitucional.

TJRS RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DESNECESSIDADE DE RATIFICAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO COMO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. O art. 16

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da Lei Maria da Penha não exige a ratificação da representação, mas apenas a ratificação da retratação (renúncia) da representação, de modo que, somente quando demonstrado interesse da ofendida em retratar a representação - o que não se verifica no caso em apreço - é que caberia a designação da audiência preliminar. Assim, não havendo fundamento legal para a exigência de confirmação da representação, não pode o não comparecimento da vítima, em juízo, para ratificar a representação, implicar em obstáculo ao prosseguimento da ação penal. PROVERAM O RECURSO. UNÂNIME. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70033222803, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 22/04/2010)

O Superior Tribunal de Justiça já havia sinalizado nesse sentido no HC 151.505-ES, no RHC 23.047-MG e no RHC 23.786-DF, mas, em recente julgado, publicado em 22 de novembro de 2010, no HC 96601-MS, oriundo do nosso Estado, tornou clara a questão:

HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÕES CORPORAIS LEVES. LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE DE RIGOR FORMAL. AUDIÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 16 DA LEI 11.340/06. OBRIGATORIEDADE APENAS NO CASO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE DA VÍTIMA EM SE RETRATAR.

1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.097.042/DF, ocorrido em 24 de fevereiro do corrente ano, firmou a compreensão de que, para propositura da ação penal pelo Ministério Público, é necessária a representação da vítima de violência doméstica nos casos de lesões corporais leves, pois se cuida de ação penal pública condicionada.2. A representação não exige qualquer formalidade específica, sendo suficiente a simples manifestação da vítima de que deseja ver apurado o fato delitivo, ainda que concretizada perante a autoridade policial.3. A obrigatoriedade da audiência em Juízo, prevista no artigo 16 da Lei nº 11.340/06, dá-se tão somente no caso de prévia manifestação expressa ou tácita da ofendida que evidencie a intenção de se retratar antes do recebimento da denúncia.4. Habeas corpus denegado.

O inteiro teor do julgado é completamente elucidativo:

RELATÓRIO

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O SENHOR MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄CE): Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Ademir Ciriaco Duarte, denunciado pela suposta prática de crime de lesão corporal de natureza leve no âmbito familiar, previsto no artigo 129, § 9º, do Código Penal, apontada como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.

Busca a impetração o "trancamento da ação penal por falta de condição de procedibilidade, visto que o crime de lesão corporal leve é de ação pública condicionada, ou seja, a denúncia só pode ser oferecida e recebida, com a representação das partes, e em audiência judicial especialmente designada para esse fim, à luz da norma consubstanciada no artigo 16 da Lei nº 11.340⁄2006" (fl. 5).

A liminar foi indeferida pelo Ministro Arnaldo Esteves Lima, antigo relator, à fl. 78.

Dispensada as informações, a douta Subprocuradoria-Geral da República, ao manifestar-se (fls. 81⁄84), opinou pela denegação da ordem.

Posteriormente, os autos foram atribuídos à minha Relatoria (fl. 102).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄CE) (RELATOR): Inicialmente, cabe registrar que a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.097.042⁄DF, ocorrido em 24 de fevereiro do corrente ano, firmou a compreensão de que, para propositura da ação penal pelo Ministério Público, é necessária a representação da vítima de violência doméstica nos casos de lesões corporais leves, pois se cuida de ação pública condicionada. O julgado restou assim ementado:

"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PROCESSO PENAL. LEI MARIA DA PENHA. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DAVÍTIMA. IRRESIGNAÇÃO IMPROVIDA.

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1. A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima.2. O disposto no art. 41 da Lei 11.340⁄2006, que veda a aplicação da Lei 9.099⁄95, restringe-se à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras.3. Nos termos do art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real espontaneidade da manifestação apresentada.4. Recurso especial improvido."(REsp nº 1097042⁄DF, Relator para Acórdão o Ministro JORGE MUSSI, DJe de 21⁄5⁄2010.)

Entendo, contudo, que tal representação não depende de qualquer formalidade específica, sendo suficiente a simples manifestação da vítima de que deseja ver apurado o fato delitivo, ainda que concretizada perante a autoridade policial.

Nesse sentido:

A - "HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO. TESE DE FALTA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INEQUÍVOCAMANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA VÍTIMA. OFERECIMENTO DE NOTITIA CRIMINIS PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL. VALIDADE COMO EXERCÍCIO DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE RIGORES FORMAIS. PRECEDENTES. PLEITO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DO SURSIS PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE. NÃO-INCIDÊNCIA DA LEI 9.099⁄95.1.A representação, condição de procedibilidade exigida nos crimes de ação penal pública condicionada, prescinde de rigores formais, bastando a inequívoca manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal no sentidode que se promova a responsabilidade penal do agente, como evidenciado, in casu, com a notitia criminis levada à autoridade policial, materializada no boletim de ocorrência.2.Por força do disposto no art. 41 da Lei 11.340⁄06, resta inaplicável, em toda sua extensão, a Lei 9.099⁄95.3.Ordem denegada."(HC 130.000⁄SP, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, DJe de 8⁄9⁄2009.) B - "PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 214, C⁄C 224, ALÍNEA A, DO CÓDIGO PENAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO. DESNECESSIDADE DE RIGOR FORMAL. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME.

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POSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072⁄90 DECLARADA PELO STF. REQUISITOS. NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO PRÉVIA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA.I - Em se tratando de crime de ação penal pública condicionada, não se exige rigor formal na representação do ofendido ou de seu representante legal, bastando a sua manifestação de vontade para que se promova a responsabilização do autor do delito.II - O Pretório Excelso, nos termos da decisão Plenária proferida por ocasião do julgamento do HC 82.959⁄SP, concluiu que o § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072⁄90 é inconstitucional.III - Assim, o condenado por crime hediondo ou a ele equiparado pode obter o direito à progressão de regime prisional, desde que preenchidos os demais requisitos.IV - Decorridos mais de cinco anos da extinção da pena da condenação anterior e a prática do novo delito, deve ser afastada a agravante da reincidência (art. 64, inciso I, do CP).Ordem parcialmente concedida."(HC 86.232⁄SP, Relator o Ministro FELIX FISCHER, DJU de 5⁄11⁄2007.) C - "RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL. REPRESENTAÇÃO. REGISTRO DE OCORRÊNCIA PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL. VALIDADE. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO APELO.O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que o simples registro da ocorrência perante a autoridade policial equivale a representação para fins de instauração da instância penal.Recurso conhecido e provido."(REsp nº 541807⁄SC, Relator o Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJU de 9⁄12⁄2003.) No caso, disse o Tribunal de Justiça:

"Quanto à tese de ausência de representação, consoante sobressai dos autos, às fls. 11, 12 e 13, consta, respectivamente, Boletim de Ocorrência, laudo referente às lesões corporais sofridas pela vítima e Termo de Declaração desta, demonstrando, com tal procedimento, a inquestionável vontade de ver seu agressor processado.A intenção da vítima para que o delito fosse apurado já foi demonstrada, e devem ser consideradas válidas, para tanto, as declarações firmadas nesse sentido perante a autoridade policial.Além disso, é cediço que a representação, como condição de procedibilidade, prescinde de rigor formal, e basta a demonstração inequívoca da vontade do ofendido, de que sejam tomadas providências em relação ao fato e àresponsabilização do autor, sendo, portanto, aceitável formulação perante a

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autoridade policial, ainda que essa se dê em forma de Boletim de Ocorrência e Termo de Declaração.(...)Assim, entendo que a vítima, ao procurar a Delegacia de Polícia Civil e registrar Boletim de Ocorrência, prestar Declarações e se submeter a exame de corpo de delito, demonstra de maneira inequívoca a vontade de representar contra seu agressor." (fls. 72⁄73)

Assim, conforme visto no acórdão atacado, restou demonstrada a inequívoca intenção da vítima no sentido de que se promova a responsabilidade penal do ofensor, notadamente pelo registro do Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia, bem como por ter se submetido a exame de corpo de delito a fim de comprovar a materialidade do suposto crime, ausente, portanto, o alegado constrangimento ilegal nesse ponto.

De outro lado, quanto à tese de nulidade do procedimento ante a ausência de designação da audiência prevista no artigo 16 da Lei nº 11.340⁄06, também não assiste razão à impetrante.

Veja-se o teor do referido artigo:

"Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público."

Com efeito, extrai-se desse dispositivo que a obrigatoriedade da audiência em Juízo se dá tão somente se houver prévia manifestação expressa ou tácita da vítima que evidencie a intenção de se retratar antes do recebimento da denúncia, o que não se verificou no caso dos autos.

Em outras palavras, não é necessário que o Juiz de primeiro grau designe audiência antes de receber a denúncia em todos os casos de ação penal pública condicionada para que a vítima ratifique ou renuncie à representação.

A razão desta audiência é justamente para que o magistrado possa analisar acerca da real intenção da vítima em se retratar da representação, ou seja, para garantir a livre e espontânea manifestação da ofendida.

Ante o exposto, em consonância com o parecer do douto Ministério Público Federal, denego o habeas corpus.

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É como voto.

No mesmo sentido, tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça nos recentes julgados, HC 196592/DF, Quinta Turma, julgado em 05 de abril de 2011 e HC 178.744/MG, Quinta Turma, julgado em 10 de maio de 2011:

HABEAS CORPUS Nº 196592 - DF (2011/0024950-9)RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSIÓrgão Julgador: T5 (QUINTA TURMA)Data do Julgamento: 05/04/2011Data da Publicação/Fonte: DJe 04/05/2011EMENTAHABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA. LEI MARIA DA PENHA. AUDIÊNCIA PREVISTA NO SEU ART. 16. OBRIGATORIEDADE. INEXISTÊNCIA. REALIZAÇÃO CONDICIONADA À PRÉVIA MANIFESTAÇÃO DA INTENÇÃO DA VÍTIMA EM SE RETRATAR ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.1. Nos termos do art. 16 da Lei nº 11.340/06, "nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público".2. A realização do referido ato, portanto, depende de prévia manifestação de vontade da ofendida em retratar-se, seja por meio da autoridade policial ou diretamente no fórum, de tal sorte que somente após tal manifestação é que o Juízo deverá designar a audiência para sanar as dúvidas acerca do real desejo da vítima quanto à continuidade da ação penal.3. Da detida análise dos autos, verifica-se que a denúncia foi recebida sem ter ocorrido a audiência prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha justamente porque a vítima não havia manifestado, em nenhum momento, qualquer intenção em se retratar da representação formulada. Pelo contrário, observa-se que a ofendida, mediante comunicação à autoridade policial, declarou a sua vontade de ver o paciente submetido à persecutio criminis - cuja manifestação prescinde de formalidades - o que foi reafirmado no momento de seu depoimento em juízo, demonstrando que até mesmo após o recebimento da exordial acusatória ela ainda possuía o desejo de que o agente respondesse penalmente pelo fato.

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3.Ordem denegada.AcórdãoVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), Gilson Dipp, Laurita Vaz e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.LEI MARIA DA PENHA. AUDIÊNCIA. RETRATAÇÃO. Trata-se de paciente condenado à pena de três meses de detenção pela prática do crime previsto no art. 129, § 9º, do CP (lesões corporais leves). No habeas corpus, a impetração da Defensoria Pública busca anular a ação penal desde o recebimento da denúncia porque não teria sido realizada a audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) que, a seu ver, tem finalidade de permitir a retratação da vítima quanto à representação oferecida para o ajuizamento da ação penal contra o agente da violência doméstica. Explica o Min. Relator que a audiência prevista no citado dispositivo, ao contrário do alegado no writ, depende de prévia manifestação da parte ofendida antes do recebimento da denúncia, a demonstrar sua intenção de retratar-se, seja por meio da autoridade policial seja diretamente no forum. Somente após a manifestação dessa vontade da vítima, o juízo deverá designar a audiência para sanar as dúvidas sobre a continuidade da ação penal. Na hipótese dos autos, a denúncia foi recebida sem haver qualquer manifestação da vítima quanto a se retratar, daí não ter ocorrido a audiência prevista no art. 16 da Lei Maria da Penha. Nesse mesmo sentido é a jurisprudência firmada em ambas as Turmas de Direito Penal deste Superior Tribunal. Precedentes citados: HC 96.601-MS, DJe 22/11/2010, e REsp 1.199.147-MG, DJe 14/3/2011. HC 178.744-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 10/5/2011. (grifo nosso)

Assim é que, diante de todo o exposto, conclui-se que o relevo social e as expectativas geradas pela Lei Maria da Penha não podem ser ignorados pelo Ministério Público, que cumpre o papel de defensor da ordem jurídica.

É sabido que a Lei Maria da Penha não encontrou campo fácil de aceitação em uma sociedade patriarcal, diga-se, sociedade em que, culturalmente, as mulheres são subordinadas aos homens e o patriarcado existe como forma de dominação familiar, de modo que não se consegue aplicá-la de forma retilínea.

As questões relativas à mulher sempre foram relegadas à esfera do privado e a Lei Maria da Penha teve justamente como objetivo a desconstrução

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desse conceito e a ruptura desse paradigma. A Lei Maria da Penha pretendeu dar visibilidade ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, elevá-lo à condição de violação de direitos humanos e estabelecê-lo como de interesse social e político.

A violência de gênero é impregnada por um conceito genérico de masculinidade como posição de domínio, culturalmente tão poderoso e também arraigado ao inconsciente feminino que não permite um exercício livre do direito de escolha e a compreensão da abrangência da violação dos direitos humanos.

É, portanto, relevantíssimo que os operadores do Direito dimensionem a responsabilidade que carregam consigo diante da Lei Maria da Penha, que é instrumento de transformação social, desenhado pelo legislador para retirar a violência do âmbito interna corporis da unidade doméstica e familiar e apresentá-lo ao crivo judicial sob às luzes dos direitos humanos e do interesse republicano.

E não se pode imaginar que essa transformação ocorra do dia para a noite e que os operadores do Direito venham a se despir prontamente de suas convicções mais profundas que, igualmente, são frutos da referida estrutura patriarcal que está em ruptura, daí porque muitas interpretações controversas, tamanhas reações jurídico-passionais e acentuada tendência à flexibilização e ao retrocesso, tanto é assim que se submetidas questões da lei ao escrutínio colegiado de promotores e de juízes para elaboração de enunciados é quase certo que o resultado será de reinterpretar a lei ao ponto de não aplicá-la ou equipará-la ao JEC, uma vez que esse é o caminho natural em razão das constantes cobranças de metas e de estatísticas para extinção de feitos.

É certo que os operadores do Direito ainda estão se debatendo para delinear os contornos da Lei Maria Penha e estão revirando suas próprias trajetórias e se renovando no exercício de cidadania, mas devem saber que não se pode, além de certa medida, sob as balizas do justo e razoável, flexibilizá-la, sob pena de obliterá-la, aniquilando, juntamente com a lei, a oportunidade de provocar a sociedade a rever seus destinos.

Finalmente, é relevante acrescer que, em 24 de março de 2011, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de seu Plenário, no julgamento do HC 106.212-MS, afirmou a constitucionalidade integral do

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artigo 41 da Lei Maria da Penha, afirmando o Ministro Marco Aurélio: “[...] Presente a busca do objetivo da norma, tem-se que o preceito afasta de forma categórica a Lei nº 9.099/95 [...]”.

A condicionalidade da ação penal para o crime de lesões corporais (e por interpretação extensiva para a contravenção penal de vias de fato) foi prevista exclusivamente na Lei 9.099/1995, para a sistemática do Juizado Especial Criminal.

O Supremo Tribunal Federal revelou com a postura adotada no supracitado habeas corpus forte inclinação ao julgamento procedente da ADIn 4424, da Procuradoria-Geral da República, que justamente pugna a reversão do entendimento do Superior Tribunal de Justiça no REsp Repetitivo 1097042, e o reconhecimento da incondicionalidade da ação penal nos crimes de lesão corporal (e contravenções penais de vias de fato) em hipótese de violência doméstico-familiar contra a mulher.

Desse modo, o prosseguimento nas extinções com base no artigo 16, revela-se duplamente equivocado. Primeiro, diante de todos os argumento já lançados quanto à não obrigatoriedade e, segundo, em razão de estarem sendo maciçamente arquivados processos de ação penal pública incondicionada, conforme indica o Supremo Tribunal Federal.

PREQUESTIONAMENTO 17

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O Ministério Público expressamente prequestiona a matéria legal e constitucional em torno da presente causa, a fim de repelir juízo de admissibilidade negativo, com fundamento na ausência de prequestionamento em instância inferior.

Como sobredito, a audiência do artigo 16 não é ato processual obrigatório previsto na Lei Maria da Penha e, ao contrário, caracteriza completa inversão da mens legis e da mens legislatoris, uma vez que induz à retratação e restabelece sistemática dos Juizados Especiais Criminais que se pretendeu repelir.

Dessarte, não há dúvida de que está a tratar-se de tema a ser decidido em última instância, e o Tribunal de Justiça do Estado, caso não seja julgado procedente o recurso, violará a norma do artigo 16 da Lei 11.340/2006, hipótese na qual haverá interesse na abertura de instância para o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da CR/1988). Eis a redação dos referidos preceitos legais:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Ainda, estará o Tribunal a quo dando ao mencionado dispositivo legal interpretação divergente da que lhe tem sido atribuída pelo Superior Tribunal de Justiça, ex vi especialmente do HC 96601-MS, citado na íntegra no tópico anterior, e por outros Tribunais - DFT/MT/RJ/RS - conforme os julgados citados no tópico anterior e os seguintes:

HABEAS CORPUS Nº 151.505 - ES (2009/0208236-4)RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZIMPETRANTE : THIAGO PILONI - DEFENSOR PÚBLICOIMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTOPACIENTE : JOSE SILVA NASCIMENTODECISÃOVistos etc.Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de JOSÉ SILVA NASCIMENTO, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo que denegou a ordem originária, nos seguintes termos:"HABEAS CORPUS. CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LESÃO CORPORAL DOLOSA LEVE QUALIFICADA (ARTIGO 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL). DESRESPEITO ÀS NORMAS PREVISTAS NOS ARTIGOS 12, 16 E 22

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DA LEI 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. REVOGAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR. IMPOSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO QUE LEGITIMA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. OBRIGATORIEDADE DA REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 16 DA LEI 11.340/2006. ANULAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS A PARTIR DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ATO PROCESSUAL NÃO OBRIGATÓRIO. AUDIÊNCIA QUE SOMENTE DEVERÁ OCORRER SE A VÍTIMAMANIFESTAR INTERESSE EM SE RETRATAR DA REPRESENTAÇÃOANTERIORMENTE OFERTADA. ORDEM DENEGADA.1. Nos delitos relativos à violência doméstica, como o crime de lesão corporal no âmbito familiar contra a mulher são cometidos, na maioria das vezes, longe dos olhos de qualquer testemunha, uma vez que normalmente são praticados no interior da residência onde moram o casal. Por essa razão, aprovidência de inquirir testemunhas - como dispõe o inciso do artigo 12 da Lei 11.340/2006 - acaba não sendo possível, constituindo a palavra da vitima elemento probatório de relevante valor, configurando indício suficiente de autoria para embasar a justa causa para a propositura da ação penal.2. Além disso, o trancamento da ação penal pela via estreita do habeas corpus, em razão de sua excepcionalidade, somente será viável quando for possível verificar, sem a necessidade de analisar o conjunto probatório, a atipicidade do fato imputado na denúncia, a ausência de indícios da autoriaou, ainda, a presença de causas que extinguem a punibilidade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.3. Impossível o trancamento da ação penal quando a inicial acusatória imputa fato penalmente típico, descrevendo todas as suas circunstâncias, apoiando-se em indícios de autoria e na prova da materialidade do delito, inexistindo qualquer causa de extinção da punibilidade.4. O fato da ação penal ser pública condicionada à representação da vítima não autoriza concluir que a audiência, prevista no artigo 16 da Lei 11.340/2006, é ato obrigatório. A referida audiência somente deve ocorrer se a vítima manifestar interesse em se retratar, caso em que o Magistrado realizará tal ato antes, obviamente, do recebimento da denúncia.5. Ordem denegada." (fl. 22)

TJDFT - Classe do Processo : 2007 09 1 024130-2 APR - 0024130-17.2007.807.0009 (Res.65 - CNJ) DF

Registro do Acórdão Número : 407468

Data de Julgamento : 18/02/2010

Órgão Julgador : 2ª Turma Criminal

Relator : ROBERVAL CASEMIRO BELINATI

Disponibilização no DJ-e: 26/03/2010 Pág. : 258

APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. LEI MARIA DA PENHA. CRIME DE AMEAÇA CONTRA EX-ESPOSA. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA. NÃO OBRIGATORIDADE. REJEIÇÃO. PEDIDO

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DE ABSOLVIÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. A AUSÊNCIA DA AUDIÊNCIA PRÉVIA ESTABELECIDA NO ARTIGO 16 DA LEI Nº. 11.340/2006 NÃO ENSEJA NULIDADE DO PROCESSO, PORQUE NÃO SE TRATA DE PROCEDIMENTO OBRIGATÓRIO QUANDO NÃO HÁ QUALQUER ESBOÇO DA INTENÇÃO DE A VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DE SE RETRATAR.

2. IN CASU, A VÍTIMA COMPARECEU PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL E ASSINOU TERMO DE REPRESENTAÇÃO CONTRA O RÉU, ALÉM DE REQUERER MEDIDAS PROTETIVAS. EM JUÍZO, CONFIRMOU AS AMEAÇAS SOFRIDAS E RATIFICOU O REQUERIMENTO DO PEDIDO DE AFASTAMENTO DO LAR E DE PROIBIÇÃO DE APROXIMAÇÃO DO RECORRENTE, RAZÃO PELA QUAL NÃO SE VERIFICA MÁCULA NO PROCESSO.

3. EM CRIMES PRATICADOS NO ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR, A PALAVRA DA VÍTIMA ASSUME ESPECIAL RELEVÂNCIA. ASSIM, DIANTE DA CONSONÂNCIA DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PELA VÍTIMA COM A PROVA TESTEMUNHAL COLHIDA EM JUÍZO, COMPROVANDO A AUTORIA E MATERIALIDADE DO CRIME DE AMEAÇA, NÃO HÁ QUE FALAR EM ABSOLVIÇÃO.

4. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO, MANTENDO A SENTENÇA QUE CONDENOU O APELANTE NAS SANÇÕES DO ARTIGO 147, DO CÓDIGO PENAL, C/C A LEI Nº. 11.340/2006, APLICANDO-LHE A PENA DE 03 (TRÊS) MESES E 15 (QUINZE) DIAS DE DETENÇÃO, A SER CUMPRIDA EM REGIME INICIAL ABERTO, SUBSTITUÍDA POR UMA PENA RESTRITIVA DE DIREITO, CONSISTENTE EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE.

TJMT - Número: 37263 Ano: 2010 Magistrado DES. GÉRSON FERREIRA PAESHABEAS CORPUS - CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER - ART. 147, CAPUT, C/C O ART. 61, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL - PRETENDIDO SOBRESTAMENTO DO FEITO - PORQUE A AUTORIDADE COATORA NÃO DEVERIA TER RECEBIDO A DENÚNCIA, DANDO PROSSEGUIMENTO AO PROCESSO SEM A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 16 DA LEI Nº. 11.340/2006, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SERIA ESTA A OPORTUNIDADE ÚNICA PARA A VÍTIMA RETRATAR-SE DA REPRESENTAÇÃO - INADMISSIBILIDADE - AUDIÊNCIA PRELIMINAR QUE SÓ DEVE SER DESIGNADA QUANDO A VÍTIMA MANIFESTAR VOLUNTARIAMENTE O DESEJO DE RENUNCIAR ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - ORDEM DENEGADA. Em nenhum momento, a Lei Maria da Penha cogitou-se de impor realização de audiência preliminar para a ofendida ratificar a representação ou confirmar o seu interesse no prosseguimento. Somente havendo pedido expresso da ofendida ou evidência da sua intenção de retratar-se, e desde que antes do recebimento da denúncia, é que designará o juiz audiência preliminar para, ouvido o ministério público, admitir, se for o caso, a retratação da representação. Nada impede que a vítima, por livre e espontânea vontade, procure a Justiça para encerrar o caso, todavia, deverá fazê-lo antes do recebimento da denúncia. Depois do início do processo, a responsabilidade estatal será exclusiva para apurar a notícia criminosa e aplicar a lei penal como de direito. Ação constitucional julgada improcedente.

TJRJ - Processo : 0005142-80.2006.8.19.0030 (2009.050.05869) DES. SUIMEI MEIRA CAVALIERI - Julgamento: 24/11/2009 -TERCEIRA CAMARA CRIMINALAPELAÇÃO CRIMINAL. LEI MARIA DA PENHA. LESÕES CORPORAIS. PRELIMINARES DE NULIDADE PROCESSUAL AFASTADAS. PROVA SUFICIENTE PARA CONDENAÇÃO. REDUÇÃO DA PENA-BASE. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. 1) O disposto no art. 16 da Lei 11.340/06 destina-se às hipóteses em que a vítima manifesta, ainda na fase extrajudicial, o desejo de retratar-se. Visa

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conferir maior tutela à vítima – muitas vezes compelida a voltar atrás em função da própria violência a qual se submete - daí porque a lei somente admite a validade da retratação na presença do juiz. Portanto, inexiste necessidade de designação de audiência quando a vítima não manifestar a intenção de retratar-se. [...]

TJRS - EMENTA: CORREIÇÃO PARCIAL. LEI MARIA DA PENHA. A AUDIÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 16, DA LEI 11.340/06, NÃO É ATO OBRIGATÓRIO, DEVENDO SER DESIGNADO CASO MANIFESTE A VÍTIMA INTERESSE EM RENUNCIAR À REPRESENTAÇÃO, E ESPECIALMENTE PARA ESTE FIM. SEM MANIFESTAÇÃO NO SENTIDO DA RENÚNCIA, SEQUER HÁ NECESSIDADE DE SUA REALIZAÇÃO. CORREIÇÃO PARCIAL MINISTERIAL PROVIDA, PARA SUSPENDER O REALIZAR DA SEGUNDA AUDIÊNCIA DESIGNADA PARA O MESMO FIM. (Correição Parcial Nº 70030750418, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão, Julgado em 16/07/2009)

Desse modo, caso o recurso seja improvido, faz-se necessário que essa Colenda Turma Criminal se manifeste de forma expressa e clara acerca dos preceitos normativos do artigo 16 da Lei 11.340/2006.

Ademais, verifica-se que eventual improvimento do recurso pelo e. Tribunal de Justiça também importa em negar vigência ao princípio da proporcionalidade (art. 5º, §2º, CR/1988) sob o prisma do garantismo positivo, bem como, ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CR/1988); ao princípio de que a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI, CR/1988); e ao dever do Estado de coibir e prevenir a violência no âmbito das relações familiares (art. 226, § 8º, CR/1988). E nesse caso haverá interesse na abertura de instância para o Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso III, alínea “a”, CR/1988).

Explica Paulo Bonavides 1:

“O princípio da proporcionalidade é, por conseguinte, direito positivo em nosso ordenamento constitucional. Embora não haja sido ainda formulado como ‘norma jurídica global’, flui do espírito que anima em toda sua extensão e profundidade o § 2º do art. 5º, o qual abrange a parte não-escrita ou não expressa dos direitos e garantias da Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável a unidade da Constituição.Poder-se-á enfim dizer, a esta altura, que o princípio da proporcionalidade é hoje axioma do Direito Constitucional, corolário da constitucionalidade e cânone do Estado de direito, bem como, regra que tolhe toda a ação ilimitada do poder do Estado no quadro juridicidade de cada sistema legítimo de autoridade.”

1 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 396.

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E da mesma forma, caso o recurso não seja provido, faz-se necessário que essa Colenda Turma Criminal se manifeste de forma expressa e clara acerca dos supracitados preceitos constitucionais, pois haverá interesse na abertura de instância para o Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso III, alínea “a”, CR/1988).

PEDIDO

O Ministério Público pugna ao e. Tribunal de Justiça a REFORMA DA SENTENÇA DE QUE DECRETOU A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE COM CONSEQUENTE REJEIÇÃO DE DENÚNCIA, DETERMINANDO-SE O RECEBIMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA E O NORMAL PROSSEGUIMENTO DO FEITO, haja vista que a audiência determinada, de forma compulsória, para fim do artigo 16 da Lei 11.340/2006 é ato processual ilegal e vicia a livre vontade da mulher, induzindo à retratação.

E, ainda, uma vez formulado prequestionamento explícito para eventual exercício da via recursal ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, pugna o Parquet pelo ostensivo enfrentamento da negativa de vigência aos supracitados dispositivos legais e constitucionais pelo e. Tribunal de Justiça.

Campo Grande/MS, 06 de junho de 2011.

ANA LARA CAMARGO DE CASTRO SILVIO AMARAL NOGUEIRA DE LIMA

PROMOTORA DE JUSTIÇA PROMOTOR DE JUSTIÇA

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