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12ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MOSSORÓ Promotoria da Infância e Juventude da Comarca de Mossoró Rua Alameda das Imburanas, 850, Costa e Silva Mossoró/RN – Tel. (84) 3315.3350/3845 Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Mossoró/RN PONTO 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ADVOCATÍCIA POR CONSELHEIRO TUTELAR INCOMPATIBILIDADE – APLICAÇÃO DO ART. 28, II, PARTE FINAL DO ESTATUTO DA ADVOCACIA (LEI 8.906/94) Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: (…) II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta. (Grifos acrescidos) PONTO 2. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E HISTÓRICA À LUZ DA NATUREZA DA FUNÇÃO DE CONSELHEIRO TUTELAR PONTO 3. OBRIGAÇÕES LABORAIS NA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL QUE IMPEDEM FATICAMENTE O EXERCÍCIO DE OUTRA FUNÇÃO REMUNERADA DURANTE O EXPEDIENTE REGULAR DO CONSELHO TUTELAR O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte , por intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições

Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da

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Page 1: Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da

12ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE MOSSORÓPromotoria da Infância e Juventude da Comarca de Mossoró

Rua Alameda das Imburanas, 850, Costa e Silva Mossoró/RN – Tel. (84) 3315.3350/3845

Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da Infância e Juventude daComarca de Mossoró/RN

PONTO 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA –EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ADVOCATÍCIAPOR CONSELHEIRO TUTELAR –INCOMPATIBILIDADE – APLICAÇÃO DOART. 28, II, PARTE FINAL DO ESTATUTO DAADVOCACIA (LEI 8.906/94)

– Art. 28. A advocacia é incompatível,mesmo em causa própria, com asseguintes atividades: (…) II - membros deórgãos do Poder Judiciário, do MinistérioPúblico, dos tribunais e conselhos de contas,dos juizados especiais, da justiça de paz,juízes classistas, bem como de todos os queexerçam função de julgamento em órgãosde deliberação coletiva da administraçãopública direta e indireta. (Grifos acrescidos)

PONTO 2. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICAE HISTÓRICA À LUZ DA NATUREZA DAFUNÇÃO DE CONSELHEIRO TUTELAR

PONTO 3. OBRIGAÇÕES LABORAIS NALEGISLAÇÃO MUNICIPAL QUE IMPEDEMFATICAMENTE O EXERCÍCIO DE OUTRAFUNÇÃO REMUNERADA DURANTE OEXPEDIENTE REGULAR DO CONSELHOTUTELAR

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, por

intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições

Page 2: Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da

constitucionais e legais elencadas nos arts. 129, incisos II e III, e 227 da Constituição

Federal de 1988; e arts. 201, inciso V, 210, inciso I, e 213 e ss da Lei nº 8.069/90

(Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), vem, perante Vossa Excelência,

promover a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

em desfavor de ARNON DUTRA DANTAS TARGINO SOBRINHO,

Conselheiro Tutelar da 33ª Zona Eleitoral de Mossoró, Advogado (OAB 12.036),

brasileiro, casado, nascido em 03/04/1981, inscrito no CPF sob o nº 009.858.764-17,

filho de Adnélia Dutra Dantas Targino e Ezanildo Dutra Targino, residente e domiciliado

na rua Elis Regina, 177, Abolição IV, Mossoró/RN, endereço eletrônico

[email protected], pelos fatos e fundamentos que seguem.

I – Dos Fatos

1. Trata-se de Inquérito Civil originado a partir de representação

anônima noticiando suposto acúmulo ilegal de função do conselheiro tutelar Arnon

Dutra Dantas Targino Sobrinho, por exercer a advocacia concomitantemente com a

função no Conselho Tutelar (cf. fls. 05 dos autos do Inquérito Civil em anexo).

2. Ratificando isto, foi juntado aos autos a comprovação de que o

representado exerce a acumulação das funções, como se observa às fls. 06/07, pelo

perfil de advogado constante no site da OAB/RN e a portaria nº 301/2011 (fls. 14), que

nomeia o sr. Arnon Dutra como conselheiro tutelar. A respeito dos diplomas legais que

tratam da vedação da acumulação de cargos, juntou-se aos autos cópias do Estatuto

da Advocacia e OAB (EAOAB) (fls. 08 a 13), cópia da legislação municipal que

regulamenta o Conselho Tutelar de Mossoró (fls. 15 e 16 e 17 a 21), e cópia da

Resolução nº 170/14 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

(Conanda) (fls. 22 a 32).

3. Com fins de instruir melhor o procedimento, foi necessário

conhecer o posicionamento de alguns órgãos a cerca da possibilidade de acumulação,

bem como da atuação do representado como advogado. Para isto, o despacho de fls.

34/35 determinou a expedição de ofício à OAB/RN para informar a cerca da existência

de incompatibilidade ou impedimento da acumulação em tela, frente ao que se rege na

Page 3: Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da

resolução 170 do Conanda e no artigo 21 da Lei Municipal 3.727/2015. Naquela

ocasião, ainda se determinou a realização de consulta ao Centro de Apoio Operacional

às Promotorias de Defesa da Infância e Juventude do Rio Grande do Norte

(CAOPIJ/RN) sobre tal possibilidade.

4. Considerando que o presente caso se trata da atuação do

representado como advogado, o mesmo despacho de fls. 34 e 35 determinou a

expedição de ofícios às Varas do Trabalho de Mossoró, Varas da Justiça Federal de

Mossoró e ao Cartório Distribuidor do Fórum Desembargador Silveira Martins,

solicitando informação sobre eventual quantidade e os respectivos números de

processos em que o Sr. Arnon, registrado sobre a OAB nº 12.036, teria atuado como

advogado nos últimos dois anos (o despacho foi lançado em dezembro de 2015).

5. Em resposta, às fls. 40/47, o CAOPIJ informa que a legislação

federal não impede, expressamente, a acumulação dos cargos, muito embora a

resolução 139 do CONANDA e a majoritária jurisprudência entendam pela

impossibilidade, sugerindo então que, no caso em tela, e caso houvesse silêncio na lei

municipal, o promotor seguisse a orientação que presumir mais adequada.

6. Por vez da resposta da OAB, o ofício 076/2016 – OAB/ Subseção

Mossoró, às fls. 60/61, informa que existiria o impedimento referente ao art. 30, I, do

EAOAB1 na ficha de advogado do representado, e, em decorrência da análise da

Resolução 170 do Conanda, foi instaurada de ofício representação ético-disciplinar em

desfavor do advogado.

7. A cerca da sua atuação como advogado, o Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Norte (TJRN), informou, às fls. 64/66, que o representado

atuou em 20 processos, dos quais 16 (dezesseis) foram ajuizados nas Varas de

Família e 02 (dois) junto à Vara da Infância e Juventude, todas de Mossoró. Já a

Justiça Federal, por sua vez, informou, às fls. 68/69 e 72/73, que Arnon Dutra não

atuou como patrono em nenhum processo nos últimos cinco anos.

8. Nas folhas 81/110 seguem anexados aos autos os extratos dos

processos supracitados que tramitam junto ao TJRN.

9. Adiante, foi juntado aos autos o edital nº 01/2015 – Conselho

Municipal dos Direito das Crianças e Adolescentes (Comdica), às fls. 113/134, em que

se abriram as inscrições para o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar

1 Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia: I - os servidores da administração direta, indireta efundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidadeempregadora.

Page 4: Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da

de Mossoró no ano de 2015, eleição a que se submeteu o representado. Desse

diploma, importa mencionar o disposto no tópico 4.1, que determina que os membros

dos Conselhos Tutelares exercerão suas atividades em regime de dedicação exclusiva,

podendo acumular o cargo apenas com o de professor, sendo observado o horário de

funcionamento do órgão colegiado.

10. O Comdica, por via do ofício 027/2017 (fls. 159/161), informou que

fora instaurado Inquérito Administrativo em desfavor do Conselheiro Tutelar, tendo sido

a investigação arquivada, sem penalidades, conforme se observa na portaria nº

1.305/2016.

11. Em agosto de 2018, às fls. 206/208, esta Promotoria expediu

recomendação ao conselheiro tutelar investigado, a fim de que ele optasse por uma de

suas funções, conselheiro tutelar ou advogado, dada a impossibilidade de cumulação

das funções, em virtude, mais especificamente, do art. 28, II, do Estatuto da Ordem dos

Advogados do Brasil. O requerido, então, solicitou dilação de prazo para resposta,

tendo em vista que seu processo ético-disciplinar juntamente à OAB estava em pauta

de julgamento para o dia 24 de agosto. O pedido de prorrogação foi deferido.

12. Posteriormente, o representado se manifestou pela improcedência

da recomendação, como se observa às fls. 235/257. Na ocasião, argumentou em

síntese que, do Inquérito Administrativo municipal que fora instaurado por meio da

Portaria nº 1.030/20165, em que figurou como investigado, restou entendido não haver

óbice à luz da legislação municipal quando confrontada com o art. 38 da Resolução

170/2014 – Conanda, a respeito da acumulação dos cargos. Acerca do procedimento

disciplinar que fora instaurado juntamente à Ordem dos Advogados do Brasil, restou

julgado à luz do Estatuto da OAB que não haveria incompatibilidade no exercício da

advocacia com o cargo de conselheiro tutelar, havendo tão somente impedimento

parcial para atuar em causas contra a Fazenda Pública e em ações que tramitem no

Juízo da Infância e da Juventude desta Comarca.

13. Desta maneira, nas ocasiões supracitadas e até mesmo no bojo da

citada manifestação, o demandado se apoiou em sua defesa sobre os argumentos de

que não há impedimento determinado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do

Brasil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como à luz da legislação

municipal. Ademais, argumentou que o Conanda não teria poder normativo para

ampliar a legislação aplicada ao caso e assim prever o regime de dedicação exclusiva,

extrapolando assim os limites de sua competência prevista em lei. Por fim, juntou à

Page 5: Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da

mencionada resposta, os documentos que comprovam o alegado a cerca dos

processos pelo qual fora investigado nas instâncias administrativas.

14. Ao final de sua defesa no Inquérito Civil, o réu requereu ao

Ministério Público a retratação quanto à recomendação expedida, com o posterior

arquivamento da investigação ministerial, dada a suposta ausência de

incompatibilidade entre o exercício da atividade de conselheiro tutelar com o exercício

da advocacia.

15. Finalmente, em nova consulta formulada ao Centro de Apoio

Operacional às Promotorias de Defesa da Infância e Juventude do Rio Grande do

Norte (CAOPIJ/RN), às fls. 274 a 277, a nova resposta do órgão ministerial de apoio a

respeito da incompatibilidade entre as atividades de conselheiro tutelar e de advogado,

à luz do parâmetro normativo do Estatuto da Advocacia e OAB (Lei 8.906/94), art. 28.

II, parte final. Concluiu o CAOPIJ que, considerando a natureza colegiada e a função

de julgamento que exercem os membros do Conselho Tutelar, órgão da administração

direta municipal, impossível é tal cumulação. Ademais, conclui também o CAOPIJ,

impossível é tal cumulação tendo em vista as normativas de nosso ordenamento

jurídico relativas ao Conselho Tutelar, mais especialmente o ECA e a Resolução

170/14 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

16. É o que havia a relatar destes autos. Passo à fundamentação

jurídica em sentido estrito.

II – Preliminarmente

II.1 – Da legitimidade ativa do Ministério Público

17. Afirma-se legítimo o Ministério Público para a causa, através da

qual se busca a preservação dos princípios constitucionais inerentes à proteção dos

direitos da criança e do adolescente, especialmente o da prioridade absoluta,

insculpido no art. 227 de nossa Carta Magna.

18. O Ministério Público está legitimado a ajuizar ação civil pública em

defesa dos direitos coletivos ou difusos de crianças e adolescentes e demais matérias

pertinentes ao Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme estabelece o art. 201,

incs. V e VIII, do referido Estatuto, in verbis:

Art. 201. Compete ao Ministério Público:

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V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para aproteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativosà infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, §3° inciso II, da Constituição Federal;VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legaisassegurados às crianças e adolescentes, promovendo asmedidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.

19. Portanto, induvidosa a legitimação ativa do Ministério Público e a

adequação da via eleita.

II.2 – Da competência da Justiça da Infância e Juventude

20. Da mesma forma, clara é a legislação quanto à competência do

Juízo da Infância e Juventude para a apreciação da presente ação.

21. Sobre o tema, reza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

Art. 148. A Justiça da Infância e Juventude é competente para:

(...) IV – conhecer de ações civis fundadas em interessesindividuais, difusos ou coletivos afetos à criança e aoadolescente, observado o disposto no art. 209; (...)

Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas noforo local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujojuízo terá competência absoluta para processar a causa,ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competênciaoriginária dos Tribunais Superiores. (Grifos acrescidos)

22. Como se vê, o ECA excluiu apenas a competência da Justiça

Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.

23. Verifica-se, portanto, que o objeto imediato da presente demanda –

destituição de conselheiro tutelar para o cargo ao qual foi eleito – reflete a preocupação

em zelar pela regular e perene composição de órgão cuja importância é fundamental

no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, temática essa

perfeitamente consentânea com os interesses individuais, coletivos e difusos do público

infantojuvenil.

24. Nesse sentido, o seguinte julgado:

E M E N T A - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA -

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CASSAÇÃO DE MANDATO DECONSELHEIROS TUTELARES MUNICIPAIS - COMPETÊNCIADA VARA ESPECIALIZADA - ART. 148, IV, DA LEI 8.069/90 -CONFLITO PROCEDENTE. A ação civil pública proposta com ofim de cassar os mandatos dos Conselheiros TutelaresMunicipais, objetiva tutelar o adequado funcionamento e a regularcomposição do órgão municipal a fim de preservar os interessesdifusos e coletivos das crianças e adolescentes, sendo evidente acompetência do juízo especializado. (TJMS - CC:16001809520128120000 MS 1600180-95.2012.8.12.0000,Relator: Des. Marcos José de Brito Rodrigues, Data deJulgamento: 15/01/2013, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação:18/01/2013).

III – DO DIREITO

III.I – Da Incompatibilidade do acúmulo das funções de conselheiro tutelar e

advogado sob a ótica do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 28, II,

in fine, da Lei 8.906/94)

25. O presente caso já fora encaminhado à Ordem dos Advogados do

Brasil – Subseção de Mossoró para conhecimento, o que resultou na instauração de

procedimento próprio perante o respectivo Tribunal de Ética e Disciplina, ao final do

qual se teve por compatível o exercício da função de conselheiro tutelar com a de

advogado (cf. fls. 266 a 270 dos autos do Inquérito Civil em anexo), desde que

observadas as exigências do art. 30, I, do Estatuto da Advocacia e da OAB (EAOAB,

Lei 8.906/94), pelo qual:

Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:

I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional,contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual sejavinculada a entidade empregadora.

26. No seu julgamento, os magistrados advogados ainda incluíram a

vedação de o réu atuar nos feitos desta Justiça especializada da Infância e Juventude.

27. Ora, fosse essa regra do art. 30 do EAOAB a única restritiva do

direito à advocacia, não iria a Ministério Público manejar a presente ação. Ocorre,

porém, que, analisando atentamente o resultado do julgamento da OAB neste caso,

percebe-se que a divergência daquele julgado com a tese ora proposta pelo Ministério

Público (consubstanciada na Recomendação Ministerial 006/2018 – 12ª PmJMos (fls.

Page 8: Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da

206 a 208) decorre da base normativa diversa a que nos apegamos para propor a

presente ação. No caso, enquanto a OAB/RN usou o esquadro do art. 30, I, do EAOAB,

o Ministério Público Estadual usa proeminentemente o parâmetro normativo do art. 28,

I, daquele diploma, in verbis:

Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria,com as seguintes atividades:

[…]

II- membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público,dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, dajustiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os queexercem função de julgamento em órgãos de deliberaçãocoletiva da administração pública direta e indireta. (Grifosacrescidos)

28. É de se ver que, enquanto a norma do art. 30, I, base para a

construção do pensamento da OAB/RN, refere-se a uma limitação circunstancial –

exercício da advocacia por funcionário público contra a Fazenda Pública que lhe

remunere – a regra do art. 28, por sua vez, aponta para uma limitação não-

circunstancial, mas sim de caráter absoluto para o exercício concomitante das

funções ali elencadas enquanto perdurar o ofício incompatível.

29. Dessarte, quando o Estatuto da Advocacia informa que membros

do Poder Judiciário ou do Ministério Público não podem exercer a advocacia, quer isso

dizer que tal cumulação não pode ocorrer não apenas caso pretendam o juiz de direito

ou o promotor de justiça atuar como causídico perante a Justiça Estadual. Não. Tais

atores não poderão funcionar como advogados, ponto final. Não poderão atuar como

causídicos em qualquer ramo da justiça, seja comum, estadual ou federal, seja

especializada.

30. Essa regra decorre da escolhe pelo legislador de preservar

algumas funções de natureza pública tidas por estratégicas e decisórias dos interesses

particularizados que podem orientar a advocacia rumo à demanda dos seus clientes.

31. Além disso, no caso de juízes e promotores, temos também que a

vedação decorre, outrossim, do verdadeiro sacerdócio que tais funções implicam –

sacerdócio esse que, pensamos, quis nosso ordenamento jurídico estender aos

membros do Conselho Tutelar, conforme veremos adiante, no item III.III desta peça.

32. Diferente – aliás, bastante diferente –, é a regra insculpida no art.

30 do EAOAB, vez que ali o que se preserva são determinadas demandas de

Page 9: Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da

servidores públicos-advogados em face de determinadas pessoas jurídicas de direito

público ou concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. É uma vedação

tópica, portanto, e não estando o servidor perante aqueles entes ali indicados ser-lhe-á

possível o exercício da advocacia.

33. Portanto, veja-se: na incompatibilidade (art. 28 do EAOAB) é a

natureza da função pública o que impede o exercício da advocacia de forma

ampla; no impedimento (art. 30 do EAOAB), o que restringe a advocacia,

pontualmente, é a natureza do ente contra o qual se pretende propor a demanda.

34. Temos aí, pois, uma distância abissal no alcance das normas. No

primeiro caso, existe uma vedação de natureza plena e absoluta, enquanto perdurar o

exercício da função vedada; no segundo, uma limitação bem menos abrangente, fixada

tão somente em face algumas pessoas jurídicas de direito público ou concessionárias

ou permissionárias de serviços públicos.

35. Portanto, o que devemos analisar aqui não é simplesmente a regra

do art. 30 do EAOAB, mas, numa leitura sistemática do diploma, o que é que se

estabelece como sistema geral de vedação ao exercício da advocacia. Ou seja, antes

do citado art. 30, para o deslinde desta questão de direito – e, aliás, tão somente de

direito – que ora debatemos, necessário é se saber se a função de conselheiro tutelar

se insere no rol de funções impedidas ao exercício da advocacia, previstas no art. 28

do EAOAB, mais especificamente as do inciso II, parte final (todos os que exerçam

função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública

direta e indireta). E, quanto a esse último grupo de servidores, não temos a menor

dúvida de que, sim, tal vedação alcança, bem no âmago, a função de conselheiro

tutelar.

36. É o que demonstraremos a seguir, partindo das seguintes

questões, elaboradas conforme as elementares do tipo legal proibitivo do EAOAB, art.

28, II, in fine:

a) É o Conselho Tutelar órgão da administração pública

direta ou indireta?;

b) É o Conselho Tutelar órgão de deliberação coletiva?;

c) A função de conselheiro tutelar implica função de

julgamento?

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37. Sigamos no debate, pois.

III.I.a – É o Conselho Tutelar órgão da administração pública?

38. O Conselho Tutelar é órgão integrante da administração pública

municipal, isso está bastante claro na redação do ECA, art. 132:

Art. 132. Em cada Município e em cada Região Administrativa doDistrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelarcomo órgão integrante da administração pública local,composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população localpara mandato de 4 (quatro) anos, permitida 1 (uma) recondução,mediante novo processo de escolha. (Grifos nossos)

39. A clareza do texto legal não deixa margem de dúvida quanto a

isso, de forma que não é preciso muito debate sobre esse ponto.

III.I.b – É o Conselho Tutelar órgão de deliberação coletiva?

40. Essencialmente, o Conselho Tutelar é um órgão de deliberação

coletiva. Isso se evidencia em regras tais como a do art. 132 do ECA, citado acima, ao

indicar a sua composição quíntupla de membros, além de normas tais como as do art.

136 e 137 do mesmo diploma, que fala, a todo instante, em decisões “do Conselho

Tutelar” – e não de cada um de seus membros vistos isoladamente: “são atribuições

do Conselho Tutelar” (art. 136, caput); “promover a execução das suas decisões (do

Conselho Tutelar)” (art. 136, III); “Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho

Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará

incontinenti o fato ao Ministério Público...” (art. 136, parágrafo único); “As decisões do

Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de

quem tenha legítimo interesse” (art. 137).

41. Nessa esteira, assim dispõem os arts. 21 e 24 da Resolução

170/14 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a

qual dispõe sobre os parâmetros de criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares

no Brasil:

Art. 21. As decisões do Conselho Tutelar serão tomadas pelo seucolegiado, conforme dispuser o Regimento Interno. (Grifosacrescidos)

Page 11: Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da

Art. 24. A autoridade do Conselho Tutelar para tomarprovidências e aplicar medidas de proteção, e/ou pertinentes aospais e responsáveis, decorrentes da lei, sendo efetivada em nomeda sociedade para que cesse a ameaça ou violação dos direitosda criança e do adolescente.

42. Sobre a natureza colegiada do órgão, leciona Murillo Digiácomo,

ao tratar da independência funcional que compete ao Conselho Tutelar:

A “autonomia” a que se refere o dispositivo é sinônimo deindependencia funcional, que por sua vez se constitui numaprerrogativa do Orgão, enquanto colegiado, imprescindível aoexercício de suas atribuições.2 (Grifos acrescidos)

43. Deliberar significa “Decidir(˗se) ou resolver (algo) após discussão e

exame; delivrar; tomar decisão depois de consultar a si mesmo ou a outrem”3. Nesse

sentido, evidencia-se o caráter deliberativo do órgão colegiado, pelo que norteia todas

as atribuições contidas no art. 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como

nos arts. 21 e 24, da Resolução 170/14 do Conanda, supracitados.

44. Mui válida é a análise do Centro de Apoio Operacional às

Promotorias de Defesa da Infância e Juventude do Rio Grande do Norte sobre a

natureza colegiada do Conselho Tutelar (fls. 274 a 277), por isso transcrevemos um

trecho seu:

Nos termos dos arts. 131 e 132 do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), o Conselho Tutelar é órgão permanente e

autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar

pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. É

órgão integrante da administração pública municipal, composto

por 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para

mandato de 4 (quatro) anos.

A composição quinária do órgão tutelar conduz, de forma

cristalina, à sua natureza de órgão colegiado, de modo que não

poderá ele funcionar com número superior ou inferior a cinco

membros e o afastamento de qualquer deles impõe a adoção de

medidas destinadas à recomposição do número legal seja com a

2 DIGIÁCOMO, Murillo José e DIGIÁCOMO, Ildeara Amorim. Estatuto da Criança e do Adolescenteanotado e interpretado. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, 2017, p. 247.3 Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2015.

Page 12: Excelentíssimo (a) Juiz (íza) de Direito da Vara da

convocação de suplentes seja, inclusive, com a deflagração de

processo de escolha suplementar para o preenchimento do cargo

vago.

Assim, não há dúvidas de que o Conselho Tutelar é órgão

colegiado e suas atribuições somente poderão ser validamente

exercidas se resultarem de deliberação desse colegiado. Tanto é

assim que o art. 21 da Resolução 170 do CONANDA dispõe:

Art. 21. As decisões do Conselho Tutelar serão tomadaspelo seu colegiado, conforme dispuser o RegimentoInterno. (...)§5º Os demais interessados ou procuradores legalmenteconstituídos terão acesso às atas das sessõesdeliberativas e registros do Conselho Tutelar que lhesdigam respeito, ressalvadas as informações que coloquemem risco a imagem ou a integridade física ou psíquica dacriança ou adolescente, bem como a segurança deterceiros. (grifos acrescidos).

Em face do princípio da colegialidade, não é dado a um membro

do Conselho Tutelar desempenhar, isoladamente, as atribuições

concernentes ao órgão. Nesse sentido é a lição de Patrícia

Silveira Tavares4:

“Não é crível aos conselheiros definirem, de forma isolada,o modo como irão atuar, já que as decisões não lhespertencem, e, sim, ao colegiado – e, em última instância,à sociedade.”

Nesse passo, adotando como referência o Direito Administrativo,

tem-se que deliberações são atos administrativos típicos dos

órgãos colegiados, como ensina José dos Santos Carvalho Filho5:

“Deliberações são atos oriundos, em regra, de órgãoscolegiados, como conselhos, comissões, tribunaisadministrativos etc. Normalmente, representam a vontademajoritária de seus componentes e se caracterizam comoatos simples coletivos, como tivemos a oportunidade deassinalar ao tratar da classificação dos atos sob o critérioda intervenção da vontade estatal.”

45. É, portanto, indubitável a configuração do Conselho Tutelar como4MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coordenação). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. SãoPaulo: Saraiva, 2018. p. 582.5FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2017.

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órgão de deliberação coletiva, já que é composto por membros que executam, de

maneira autônoma, suas ações após o posicionamento majoritário do colegiado de

seus membros a cerca do discutido.

III.I.c – A função de conselheiro tutelar implica função de julgamento?

46. Ora, mas, apesar de o Conselho Tutelar ser um órgão colegiado,

isso não quer dizer que cada um dos conselheiros não detenham poder de decisão.

Sim, eles o detém, mas na medida de suas individualidades e como parte de um todo

que se soma para exarar uma decisão coletiva no âmbito administrativo.

47. É a mesma lógica que rege a decisão dos órgãos jurisdicionais de

segundo grau. O fato de o acórdão ser uma expressão do coletivo de

desembargadores, isso não lhes retira a atribuição para exercer individualmente uma

função de julgamento, contribuind,o com sua manifestação pessoal, para a formação

da decisão colegiada.

48. Tratando das decisões monocráticas dos conselheiros tutelares –

e, portanto, do poder de julgamento conferido a cada membro daquele órgão

individualmente –, o art. 21, §1º, da Resolução 170/14 do Conanda assim dispõe:

Art. 21. As decisões do Conselho Tutelar serão tomadas pelo seucolegiado, conforme dispuser o Regimento Interno. §1° As medidas de caráter emergencial, tomadas durante osplantões, serão comunicadas ao colegiado no primeiro diaútil subsequente, para ratificação ou retificação. (Grifosacrescidos)

49. Ora, a sistematização da função tutelar em nosso ordenamento

jurídico não deixa, pois, a menor dúvida de que, sim, o que temos aqui é um múnus

público que implica a função de julgamento em órgão de deliberação coletiva e

integrante da Administração Pública direta – no caso, a municipal (ou distrital, no caso

do DF).

50. Portanto, goste-se da lei ou não, o fato é que sua interpretação

literal e sistemática não deixa qualquer margem de dúvida de que, no presente, a

incompatibilidade indicada no art. 28, II, da Lei 8.906/94 se consubstancia na função de

conselheiro tutelar, sendo, portanto, vedado o exercício desse cargo com a prática da

advocacia. Qualquer debate aqui, legítimo, que ocorra de lege ferenda, não por falta de

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marco normativo. Pelo contrário, no caso, há um claro norte normativo e a lei, tal qual

posta, é constitucional e se aplica claramente à função tutelar.

51. Mais uma vez, pela clareza de sua lição e força de seus

argumentos, recorremos à resposta exarada pelo Centro de Apoio à Infância e

Juventude do MPRN (fls. 276-v e 277 do Inquérito Civil em anexo):

Outrossim, a atenta leitura do diploma estatutário conduzirá à

conclusão de que os atos emanados do Conselho Tutelar são

decisões, é o que se extrai da dicção dos seguintes dispositivos:

Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:I - atender as crianças e adolescentes nas hipótesesprevistas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidasprevistas no art. 101, I a VII;

II - atender e aconselhar os pais ou responsável,aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII;

III - promover a execução de suas decisões, podendopara tanto:

(…)

Art. 137. As decisões do Conselho Tutelar somentepoderão ser revistas pela autoridade judiciária apedido de quem tenha legítimo interesse.

Bem de ver que o Conselho Tutelar é órgão que exerce função de

julgamento, adotando decisões que implicarão a aplicação de

medidas específicas de proteção a crianças e adolescentes e de

medidas aos pais ou responsáveis a partir da análise de fatos que

lhe são noticiados e constatados.

Corroborando a função de julgamento do Conselho Tutelar, o art.

21, § 2º, da Resolução Conanda nº 170/2014, exige que as

decisões sejam motivadas e que delas sejam cientificados

formalmente os interessados mediante documento escrito,

visando, justamente, oportunizar o exercício do direito

constitucional de ação, por força do disposto no art. 137 do ECA e

do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional

(Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV), eis que suas

decisões são revisáveis pelo Poder Judiciário.

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Com isso, não havendo dúvidas de que o Conselho Tutelar, na

condição de órgão colegiado integrante da estrutura da

administração pública local (ECA, art. 132), no qual seus

membros exercem função de julgamento e emitem decisões,

como atos administrativos simples e coletivos, equiparadas, em

força de autoridade, às do Poder Judiciário, vislumbra-se a

aplicação da cláusula final do art. 28, inciso II, da Lei Federal nº

8.906/1994 para afirmar que conselheiros tutelares estão incursos

neste impedimento ao exercício da advocacia.

52. A presente peça poderia encerrar aqui sua argumentação, nessa

interpretação sistemática dos Estatutos da Criança e do Adolescente, por um lado, e da

Advocacia, do outro. Da pesquisa jurisprudencial que realizamos e das próprias

argumentações expendidas pelo réu e pela OAB/RN – Subeção Mossoró nos autos (fls.

235 a 257 e 266 a 270), nenhuma delas analisa a fundo e detidamente o art. 28, II,

parte final do Estatuto da OAB, analisando em que medida aquele dispositivo se

encaixa à figura do Conselho Tutelar.

53. De toda forma, mesmo sem explorar em profundidade o art. 28, II,

do EAOAB6, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais exarou o seguinte acórdão:

CONSELHEIRO TUTELAR. CARGO. DESTITUIÇÃO.PROCESSO. TRAMITAÇÃO. COMPETÊNCIA. VARA DAINFÂNCIA E JUVENTUDE. PROCESSO ADMINISTRATIVO.INSTAURAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE. ADVOCACIA.EXERCÍCIO CONCOMITANTE. INCOMPATIBILIDADE. Nostermos da norma do art. 148, inciso IV, do ECA, compete ao Juízoda Infância e Juventude conhecer de ações cíveis fundadas eminteresses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e aoadolescente. Como o conselheiro tutelar não é ocupante de cargopúblico de caráter efetivo, classificando-se como agente particularem colaboração com o Poder Público, sua destituição do cargoprescinde da instauração de prévio processo administrativo.Comprovado o exercício concomitante das funções deconselheiro tutelar e da advocacia, bem como aincompatibilidade, impõe-se a destituição do conselheiro doreferido cargo. (TJMG - Apelação Cível 1.0701.08.209928-7/003,Relator(a): Des.(a) Antônio Sérvulo , 6ª CÂMARA CÍVEL,julgamento em 09/02/2010, publicação da súmula em 09/04/2010)

54. Contudo, analisando ainda esta causa sobre outros métodos

6 Ninguém fez até o momento análise detida do art. 28, II, do EAOAB. Na pesquisa que realizamos, amaioria dos tribunais jurisdicionais e administrativos cingem a análise ao art. 30, I, do EAOAB. É o quese vê, por sinal, nas respostas do réu e da OAB às fls. 235 a 257 e 266 a 270, respectivamente, doInquérito Civil em anexo.

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interpretativos, especialmente o histórico, e enfocando a demanda também pelo prisma

da legislação municipal que rege o Conselho Tutelar de Mossoró, tudo isso só reforça

nosso entendimento de que a vedação constante do art. 28, II, do EAOAB tem uma

razão de ser aplicado ao Conselho Tutelar.

55. São os próximos tópicos desta ação.

III.II – Algumas palavras sobre o regime de dedicação integral dos conselheiros

tutelares ao múnus para o qual foram eleitos

56. Os conselheiros tutelares são eleitos diretamente pela própria

comunidade onde vivem. Não bastasse, pois, a imensa responsabilidade do encargo,

de zelar pelos direitos das crianças e adolescentes cujos direitos fundamentais estejam

violados ou ameaçados (ECA, art. 131), tal responsabilidade só aumenta quando se

observa que a assunção ao cargo decorre de uma expressão da democracia direta de

nosso povo: são as pessoas da comunidade que escolhem seus conselheiros tutelares.

57. Por esse motivo, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente – órgão cuja função é, nos termos do art. 2º. I, da Lei 8.242/91, “elaborar

as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do

adolescente, fiscalizando as ações de execução, observadas as linhas de ação e as

diretrizes estabelecidas nos arts. 87 e 88 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990

(Estatuto da Criança e do Adolescent e )” – previu nos arts. 38, 41 e 43 da sua

Resolução 170/14:

Art. 38. A função de membro do Conselho Tutelar exigededicação exclusiva, vedado o exercício concomitante dequalquer outra atividade pública ou privada.

Art. 41. Cabe à legislação local definir as condutas vedadas aosmembros do Conselho Tutelar, bem como, as sanções a elascominadas, conforme preconiza a legislação local que rege osdemais servidores. Parágrafo único. Sem prejuízo das disposições específicascontidas na legislação local, é vedado aos membros do ConselhoTutelar:

(…)

II - exercer atividade no horário fixado na lei municipal ou doDistrito Federal para o funcionamento do Conselho Tutelar;

(…)

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XIII - descumprir os deveres funcionais mencionados no art. 38desta Resolução e na legislação local relativa ao ConselhoTutelar.

Art. 43. Dentre outras causas estabelecidas na legislaçãomunicipal ou do Distrito Federal, a vacância da função de membrodo Conselho Tutelar decorrerá de: (…)

II - posse e exercício em outro cargo, emprego ou função públicaou privada;

58. Em sua defesa apresentada nos autos do Inquérito Civil em anexo,

o réu alega que o Conanda extrapolou suas atribuições ao editar a regra acima, já que

não tem competência legislativa para editar lei em sentido estrito.7

59. Concordamos em parte.

60. Concordamos no que se refere à leitura de que o Conanda não

detém competência legiferante. Ocorre, porém que, numa interpretação conforme a

Constituição, o que extraímos da regra do art. 38 da Resolução 170/14, é que a função

de conselheiro tutelar implica o exercício de um múnus administrativo nobilíssimo (de

zelar pelos direitos da crianças, repise-se) e que, portanto, exige uma entrega total dos

conselheiros tutelares, só sendo de se admitir o acúmulo das cargos públicos

constitucionalmente autorizado e desde que haja compatibilidade de horários (nos

termos do art. 37, XVI, b, da CF).8

61. Ora, sobre a compatibilidade de horários, é de se ver o que

estabelece a legislação local com relação à jornada de trabalho dos conselheiros

tutelares, pois assim determina o ECA:

Art. 134. Lei municipal ou distrital disporá sobre o local, diae horário de funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive quantoà remuneração dos respectivos membros, aos quais éassegurado o direito a: (…).

62. E assim dispõe a Lei Municipal 585/91, modificada pela Lei

3.272/15:

7 Cf. item 1.1, subitem II. 5, às fls. 240 e 241, do IC em anexo. 8 XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houvercompatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargosde professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ouempregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. (Grifos acrescidos)

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Art. 21. - O funcionamento de cada Conselho Tutelar serárealizado em dias úteis, em 02 (dois) turnos, em jornada de 08(oito) horas diárias e também em regimes de sobreaviso e deplantões, observado o seguinte:

I – O horário de funcionamento de cada Conselho será das08h:00min às 18h:00min, de segunda-feira à sexta-feira;

II – Para fins de funcionamento dos Conselhos Tutelares em finsde semana, feriados e em períodos de eventos sociais designificativa relevância e relacionados às suas competências,será expedida escala de plantão diurno, permitido o plantãonoturno apenas para atendimento a necessidades eventuais;

III – O atendimento das situações de urgência e emergênciarelacionadas às atribuições dos Conselheiros Tutelares queaconteçam em horário diverso daquele definido nos incisos I e IIdeste dispositivo se fará por meio de escala de sobreaviso,podendo o conselheiro indicado em escala ser acionado portelefone ou outro meio de comunicação à distância.

§ 1º – O Conselheiro Tutelar fica submetido à jornada de 40(quarenta) horas semanais, sendo passível de convocação aqualquer tempo, sempre que necessário e por força da naturezade suas atribuições.

§ 2º – As escalas de plantões e de sobreaviso serão elaboradascom antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo serencaminhadas mensalmente ao COMDICA e à SecretariaMunicipal de Desenvolvimento Social e Juventude, contendotodos os dados necessários à localização e ao acionamento dosConselheiros designados.

§3º – As escalas referidas no §1º desta lei serão elaboradas pelosConselhos Tutelares e aprovadas pela Secretaria Municipal deDesenvolvimento Social e Juventude.

§4º – Fica o Poder Executivo autorizado a expedir as normasregulamentares que sejam necessárias ao cumprimento dodisposto neste artigo. (Grifos acrescidos)

63. Ora, a observância da legislação local, em atenção ao que

dispõem a Resolução 170/14 do Conanda, na prática, implica, no mínimo, a dedicação

em tempo integral (conceito que não se confunde com a dedicação exclusiva). É de se

indagar – e a resposta bem sabe este Juízo: em que horas teriam ocorrido as

audiências judiciais de que tomou parte o conselheiro advogado e cujos extratos estão

às fls. 171 a 189?

64. As audiências judiciais ocorrem durante o expediente comum diário

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– no mesmo horário de funcionamento do Conselho Tutelar (cf. art. 21, caput, acima,

da legislação municipal), período em que cabe aos seus membros o cumprimento de

sua carga normal de 40 (quarenta) horas semanais (art. 21, §1º, acima).

65. Assim, não podemos chegar a outra conclusão senão a de que,

não bastasse a vedação de incompatibilidade prevista no Estatuto da Advocacia, em

termos práticos, temos aqui também uma clara vedação de cumulação de funções,

pois não há como conciliar o cumprimento da jornada de trabalho de conselheiro tutelar

com a de advogado.

66. Mas, veja: o que temos aqui é uma questão complementar, ad

argumentandum tantum, pois, no caso em tela, mesmo que houvesse a

compatibilidade de horários, haveria ainda o obstáculo intransponível do art. 28, II, in

fine, do EAOAB.

67. Portanto, à luz da legislação local vigente, eventual entendimento

contrário, que permita aos conselheiros o acúmulo de função que se pratica no horário

regular de expediente, terminaria afrontando as diretrizes não só do Conanda, mas da

própria legislação local, pois seria um permissivo para que os conselheiros tutelares

desempenhassem outras funções durante sua jornada laboral, tais como a de

promotor de vendas, corretagem, docência e discência etc., o que traria enorme

prejuízo às crianças e adolescentes cujos direitos demandam a atenção prioritária e

urgente do Poder Público, com especial destaque para o Conselho Tutelar.9

68. Não se pode servir a dois senhores, especialmente em se tratando

do expediente regular do serviço público e, mais ainda, em se tratando da nobre função

de conselheiro tutelar. Nesse sentido, tem muita pertinência ao caso os arts. 38, 41 e

43 da Resolução 170/14 do Conanda, citados no item 57 desta peça.

69. Sobre o regime de trabalho dos conselheiros tutelares, André

Pascoal da Silva, Promotor de Justiça em São Paulo, leciona:

Em primeiro lugar, o conselheiro tutelar não deve exercer outrocargo além daquele membro do colegiado. Sua dedicação àcausa da infância e juventude deve ser vocacionada e integral.

9 A propósito, a intenção de exercer outras atividades no horário de expediente do Conselho Tutelar jáfora observada por parte do Ministério Público em Mossoró, tendo-se na ocasião exarado aRecomendação 001/2017, no bojo da qual se recomendou à conselheira em tela que se abstivesse “em2018, de frequentar as aulas do seu curso superior em horário que conflite com o horário de atendimentodo Conselho Tutelar, das 08:00 às 18:00 horas, e, ainda, impeça o cumprimento de sua jornada regularmínima de trabalho de 40 horas semanais – nas quais, como demonstrado, não se contabilizam as horasde sobreaviso noturno e os plantões de finais de semana e feriados, vez que tais períodos se referem,por expressa determinação legal, a uma remuneração distinta e específica”. Recomendação Ministerial001/2018 – 12ª PmJMos.

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Esta é a tendência da maior parte dos julgados que tratam damatéria, muito embora já se tenha aceitado a possibilidade deacumulação, desde que compatível a carga horária da outrafunção com o desempenho das atividades pelo ConselhoTutelar.10

70. O que se observa, pois, é que o Conanda se ocupou em

deixar explícito a impossibilidade de acumulação de cargo, observando o horário

de funcionamento e os deveres funcionais mencionados na legislação municipal,

em decorrência da exigência da dedicação exclusiva, vedando assim o exercício

concomitante com qual outra atividade, seja pública ou privada, durante o

horário de expediente regular.

71. Tais obrigações decorrentes da lei municipal foram, por sinal,

repisadas pelo próprio Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do

Adolescente – Comdica – de Mossoró, no Edital nº 001/2015 (fls. 113 a 134),

que abriu inscrição para o processo unificado de escolha dos membros do

Conselho Tutelar desta cidade, em que se submeteu ao pleito o conselheiro

tutelar ora demandado.

72. No item 4.1 do referido edital, ao tratar da jornada de trabalho

e remuneração, o documento aduz:

Os membros dos Conselhos Tutelares exercerão suas atividadesem regime de dedicação exclusiva, podendo acumular apenascom a de professor, durante o horário previsto no art. 21 da LeiMunicipal 585/91, alterada pela Lei Municipal 3.727/15, para ofuncionamento do órgão, sem prejuízo do atendimento em regimede plantão/sobreaviso, assim como da realização de outrasdiligências e tarefas inerentes ao órgão.

73. Portanto, em mais outra ocasião, mostra-se que a conduta

exercida pelo requerido fere não apenas a lei federal (Estatuto da Advocacia),

assim como as próprias orientações técnicas do Conanda e do Comdica de

Mossoró.

III.III – Analisando a demanda por outros prismas: uma breve análise sobre as

origens históricas do Conselho Tutelar

10 In CURY, Munir et al. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos esociais. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.629.

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74. Finalmente, além de lançar mão da interpretação sistemática de

nosso ordenamento jurídico, através das leis federais e municipais que nos regem,

assim como das resoluções e atos normativos dos Conselhos Federal e Municipal dos

Direitos da Criança e do Adolescente, interessante é também abrir a discussão pelo

prisma histórico, a fim de compreender as origens da função do Conselho Tutelar, pois

isso também trará luz para dirimir a presente lide.

75. Duas das diretrizes que regem o Estatuto da Criança e do

Adolescente é o da municipalização do atendimento e o da descentralização político-

administrativa (ECA, art. 88, I e III), na esteira do que preconiza a Constituição de

1988, em seu art. 204, I. Com isso, quis o legislador estatutário romper com a

sistemática da legislação pré-1988, cristalizada no Código de Menores (Lei 6.697/79), a

qual levava à centralização das decisões sobre os direitos da criança e do adolescente

em situação de risco na figura do juiz de menores, sendo, muitas vezes, os petizes

encaminhados para as chamadas “instituições totais”, nas quais os infantes eram

lançados e atendidos num espaço fechado, sem a participação dos serviços e atores

sociais e comunitários.

76. Daí a contextualização feita por Leoberto Narciso Brancher a

respeito do novo norte para as políticas públicas de assistência social estabelecido em

nosso país no movimento de redemocratização no final da década de 80.

77. Para o autor:

A mobilização da cidadania em torno da Constituição conseguiuromper aquele ciclo concentrador e filantropista, também no quese refere ao modelo de organização e gestão das políticaspúblicas voltadas ao asseguramento desses direitos. (…)Concentração que se dava não só verticalmente, nadistribuição de competências entre as esferas do governo,com a exclusão do papel municipal, mas tambémhorizontalmente, no que se refere ao papel dos própriosatores do atendimento em âmbito local, onde o modelo seconcentrava monoliticamente na autoridade judiciária.11

(Grifos acrescidos)

78. Neste novo cenário, surge o Conselho Tutelar, como órgão

articulador do atendimento às crianças e adolescentes cujos direitos fundamentais

estejam violados ou ameaçados e à família falte, por incapacidade própria ou por11 In CURY, Munir et al. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos esociais. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.125.

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negativa de assistência social pelo Estado, os meios para suprir as necessidades

básicas de seus filhos. É o Conselho Tutelar órgão estratégico no atendimento aos

petizes, devendo ser resolutivo em seus encaminhamentos e contatos com os órgãos

de promoção dos direitos. Nesse sentido, a Resolução 170/14 do Conanda também

informa:

Art. 26. A atuação do Conselho Tutelar deve ser voltada àsolução efetiva e definitiva dos casos atendidos, com o objetivode desjudicializar, desburocratizar e agilizar o atendimento dascrianças e dos adolescentes, ressalvado as disposições previstasna Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990.

Parágrafo único. O caráter resolutivo da intervenção do ConselhoTutelar não impede que o Poder Judiciário seja informado dasprovidências tomadas ou acionado, sempre que necessário.

79. Porém, para que o Conselho Tutelar seja resolutivo e contribua

para a desjudicialização do atendimento – e aqui entramos no ponto onde queremos

chegar neste tópico –, o órgão e seus integrantes receberam atribuições que, no

regime anterior do Código de Menores, competiam à autoridade judiciária. Assim, numa

leitura atenta da Lei 6.697/79, percebe-se que muito das medidas de proteção que

atualmente cabem ao Conselho Tutelar eram antes da alçada do Poder Judiciário, ex vi

dos artigos, v.g., 8º, 14 e 15 do diploma menorista, a seguir exposto:

QUADRO COMPARATIVO ENTRE AS FUNÇÕES DO JUIZ DE MENORES (LEI 6.697/79) EDO CONSELHEIRO TUTELAR (LEI 8.069/90)

Juiz de Menores Conselho Tutelar

Base legal para aplicar asmedidas de proteção àcriança e ao adolescente

Art. 8º A autoridade judiciária,além das medidas especiaisprevistas nesta Lei, poderá,através de portaria ouprovimento, determinar outrasde ordem geral, que, ao seuprudente arbítrio, sedemonstrarem necessárias àassistência, proteção evigilância ao menor,respondendo por abuso oudesvio de poder.

Art. 136. São atribuições doConselho Tutelar: I - atenderas crianças e adolescentesnas hipóteses previstas nosarts. 98 e 105, aplicando asmedidas previstas no art. 101,I a VII; II - atender eaconselhar os pais ouresponsável, aplicando asmedidas previstas no art. 129,I a VII; III - promover aexecução de suas decisões,podendo para tanto: a)requisitar serviços públicosnas áreas de saúde,

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educação, serviço social,previdência, trabalho esegurança; b) representarjunto à autoridade judiciárianos casos de descumprimentoinjustificado de suasdeliberações.

Rol das medidas deproteção aplicáveis àcriança e ao adolescente

Art. 14. São medidasaplicáveis ao menor pelaautoridade judiciária: I –advertência; II - entrega aospais ou responsável, ou apessoa idônea, mediantetermo de responsabilidade; III- colocação em lar substituto;IV - imposição do regime deliberdade assistida; V -colocação em casa desemiliberdade; VI - internaçãoem estabelecimentoeducacional, ocupacional,psicopedagógico, hospitalar,psiquiátrico ou outroadequado.

Art. 101. Verificada qualquerdas hipóteses previstas no art.98, a autoridade competentepoderá determinar, dentreoutras, as seguintes medidas:I - encaminhamento aos paisou responsável, mediantetermo de responsabilidade; II -orientação, apoio eacompanhamentotemporários; III - matrícula efreqüência obrigatórias emestabelecimento oficial deensino fundamental; IV -inclusão em serviços eprogramas oficiais oucomunitários de proteção,apoio e promoção da família,da criança e do adolescente;V - requisição de tratamentomédico, psicológico oupsiquiátrico, em regimehospitalar ou ambulatorial; VI -inclusão em programa oficialou comunitário de auxílio,orientação e tratamento aalcoólatras e toxicômanos; VII- acolhimento institucional; VIII- inclusão em programa deacolhimento familiar; IX -colocação em famíliasubstituta.12

Independência funcional Art. 15. A autoridadejudiciária poderá, a qualquertempo e no que couber, deofício ou mediante provocaçãofundamentada dos pais ouresponsável, da autoridadeadministrativa competente ou

Art. 137. As decisões doConselho Tutelar somentepoderão ser revistas pelaautoridade judiciária a pedidode quem tenha legítimointeresse.

12 As do Conselho Tutelar vão até o inciso VII do art. 101 do ECA, e, virtude do art. 136, I, do mesmodiploma.

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do Ministério Público, cumularou substituir as medidas deque trata este Capítulo.

80. Como se vê pelo quadro acima, pode-se perceber que o Conselho

Tutelar não apenas incorporou uma série de atribuições da magistratura menorista. Na

verdade, bem mais que isso, o Conselho teve significativamente ampliado a esfera de

ação com relação ao juiz de menores, podendo – devendo, na verdade – o órgão se

mover sem as amarras do processo judicial entre os demais atores da rede de proteção

aos direitos da criança e do adolescente, mais especificamente aqueles que integram o

Eixo Promoção dos Direitos no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do

Adolescente13 , a fim de garantir um atendimento público célere e resolutivo às crianças

e jovens que dele necessitem.

81. E não só isso, mas o Conselho Tutelar teve também resguardada

sua independência com relação aos demais órgãos do Sistema de Garantia dos

Direitos da Criança e do Adolescente, não sendo um longa manus ou coisa do tipo nem

do prefeito, nem do juiz, nem do promotor da Comarca. É o que dispõe os artigos 131

(ao falar da autonomia do órgão) e 137 do ECA (ao falar do caráter definitivo das

decisões do Conselho Tutelar, devendo haver questionamento judicial em caso de

discordância).

82. Ora, tantas prerrogativas tem uma razão de ser: visam a permitir

que aqueles que exercem a autoridade tutelar o façam livres de desembaraço e atuem

conforme as leis e suas consciências.

83. Mais uma vez, recorremos ao ensino do Centro de Apoio

Operacional às Promotorias da Infância e Juventude do MPRN (fls. 276 e 276-v do

Inquérito Civil em anexo), ao tratar da equiparação que há entre a figura do conselheiro

tutelar e do juiz de direito, em termos de autoridade de decisão:

Necessário também levar em conta que o Conselho Tutelar

13 Segundo a Resolução 113/06 do Conanda, a qual Dispoe sobre os parametros para ainstitucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente:Art. 14 O eixo estratégico da promoção dos direitos humanos de crianças e adolescentes operacionaliza-se através do desenvolvimento da "política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente",prevista no artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que integra o âmbito maior da política depromoção e proteção dos direitos humanos. § 1o Essa política especializada de promoção da efetivaçãodos direitos humanos de crianças e adolescentes desenvolve-se, estrategicamente, de maneiratransversal e intersetorial, articulando todas as políticas públicas (infra-estruturantes, institucionais,econômicas e sociais) e integrando suas ações, em favor da garantia integral dos direitos de crianças eadolescentes.

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possui o "status" de autoridade pública (a própria Lei nº 8.069/90assim o considera, ao referir-se, em diversas de suas passagens,à figura da "autoridade competente", que tanto pode ser oConselho Tutelar como o órgão do Poder Judiciário, equiparado,assim, em importância à figura da autoridade judiciária que, emúltima análise substitui (inteligência do art. 262, da Lei nº8.069/90).

É o que se observa, a propósito, do fato de que constitui omesmo crime "impedir ou embaraçar" a ação de autoridadejudiciária ou membro do Conselho Tutelar (conforme art. 236, daLei nº 8.069/90), e configura a mesma infração administrativa"descumprir, dolosa ou culposamente,... determinação daautoridade judiciária ou Conselho Tutelar" (art. 249, do mesmoDiploma Legal), deixando, assim, claro que, na forma da lei, oJuiz da Infância e da Juventude e o Conselho Tutelar encontram-se no mesmo patamar, não havendo hierarquia entre ambasautoridades, que apenas têm atribuições/competências distintasno âmbito do Sistema de Garantia de Direitos.

84. Contudo, como não poderia deixar de ser, há também um preço no

exercício da função tutelar – pois toda autoridade pressupõem também

responsabilidades, que serão tão maiores quanto maiores forem os encargos

correlatos.

85. Assim, o que se espera do Conselho Tutelar é que, assim como

um juiz de direito ou um promotor de justiça devem exercer seu múnus se dedicando

integralmente a ele, assim também o façam os conselheiros tutelares, não apenas

cumprindo com sua jornada de trabalho, mas vestindo “de corpo e alma” a camisa da

função que decidiram abraçar, confiados pela comunidade que os elegeu.

86. Por isso é que, logo após a entrada em vigor do ECA, em 1990,

num livro clássico escrito a várias mãos sobre a nova lei, Edson Seda assim vaticinou

sobre aquela nova função, de conselheiro tutelar, prevista no Estatuto:

Cabe lembrar que o Conselho Tutelar atenderá casos, ou seja,pessoas, indivíduos e famílias, em que se constate ameaças ouviolações de direitos, nos termos do Estatuto. Os conselheirostrabalharão muito e darão plantões em fins de semana.Trata-se de função a ser exercida por pessoa vocacionada, capazde compreender os aspectos humanitários de um trabalhodessa natureza, e agir sempre segundo essa compreensão. Épreciso ser muito dedicado para seu exercício. Ser eleitoconselheiro não é ganhar uma sinecura. É assumir umencargo; não desfrutar de um cargo. Deve-se trabalhar muitopara merecer a honra de ter sido eleito pelos seusconcidadãos para esse encargo social.14 (Grifos acrescidos)

14 SEDA, Edson. A mutação municipal. In: RIVERA, Deodato (Org.). Brasil, crianca, urgente: a Lei 8.069/90. SãoPaulo: Columbus, 1990, p. 58.

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87. Dito isso, incorporando a bagagem histórica que antecede nossos

institutos infancistas, compreende-se melhor o que pretende o Conselho Nacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente no art. 38 da sua Resolução 170/14, ao reclamar

do conselheiro tutelar dedicação exclusiva: dedicação ao que se faz; exclusividade

para abraçar integralmente a nobreza da função tutelar.

IV – Sobre o não-pedido de antecipação de tutela

88. Apesar de entendermos que há um prejuízo no atual estado de

coisas – pois, com a resposta de fls. 235 a 257 dos autos do Inquérito Civil em anexo,

vê-se que o conselheiro tutelar não acatou a recomendação do Ministério Público e,

portanto, continua exercendo a advocacia, o que pode ocasionar prejuízo ao

atendimento devido às crianças e adolescentes de Mossoró, deixamos de pedir a

antecipação da tutela por ser a presente matéria desta ação tão somente de direito, de

forma que, com a resposta do réu e estabelecidos os pontos controvertidos,

entendemos já ser possível o julgamento da lide, de forma antecipada.

V – Dos Pedidos

89. Diante de todo o exposto, este órgão do Ministério Público, por seu

representante legal, requer:

a) Com base no art. 355, I, do Código de Processo Civil, o

julgamento antecipado do mérito;

b) a citação do réu para, se assim desejar, oferecer contestação;

c) no mérito, seja ao final a presente ação julgada procedente, por

sentença constitutiva que decrete a perda do mandato do réu, hipótese em que o

município de Mossoró deverá ser oficiado a fim de que nomeie e dê posse ao

conselheiro tutelar suplente;

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d) a isenção do pagamento de custas, emolumentos, honorários

periciais e quaisquer outras despesas, nos termos do que dispõe o art. 141, §2º, do

Estatuto da Criança e do Adolescente.

Deixa de arrolar testemunhas, porque a prova do ilícito ora

imputado é eminentemente documental, já estando acostada à presente inicial, sem

prejuízo de elementos adicionais considerados necessários por Vossa Excelência.

Dá-se a causa o valor de R$ 954,00 (novecentos e cinquenta e

quatro reais).

Nestes termos,

Pede deferimento.

Mossoró/RN, 19 de dezembro de 2018.

Sasha Alves do AmaralPromotor de Justiça