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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS CÍVEIS DA COMARCA DE PARANAGUÁ – ESTADO DO PARANÁ “(...) quanto ao valor da multa, levou-se em conta, além da condição financeira da empresa autuada, a/ gravidade do dano ambiental, que prejudicou severamente, além da biodiversidade do local, a pesca, o veraneio e o turismo por vários meses. Lembremos que o dano ocorreu em novembro, poucos dias antes do verão, e que o turismo e a pesca são as principais fontes de geração de renda das comunidades atingidas. (...) Por fim observo que não há mais instâncias administrativas e que a multa ainda não foi recolhida. Assim, determino o recolhimento integral da multa em 05 (cinco) dias, a contar do recebimento desta, sob pena de execução judicial.” (Ofício nº 384, de 18 de agosto de 2008, assinado pelo então Secretário de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, LINDESLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES, e dirigido à empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA., em que informou a manutenção da multa administrativa de R$ 50.000.000,00 - cinqüenta milhões de reais) e o esgotamento das vias administrativas para discussão da multa) O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu Promotor de Justiça infra-assinado, com base nos artigos 37, § 4º, e 129, inciso III, da Constituição da República; na Lei Federal nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa); e no art. 2º, inciso II, 3º, 5º caput, todos, da Lei Federal nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), vem, respeitosamente, junto a Vossa Excelência, ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - c o n t r a - LINDISLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES, brasileiro, Deputado Estadual, RG 2.032.039-7/PR, CPF 355.024.019-87, residente na rua Reinoldo Ihlenfeldt, nº 81, bairro Santa Cândida, CEP 82.640-260, município de Curitiba/PR;

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA … · documentos, com laudo técnico (fls. 168-284), relatório de autuação (fls. 285) e clipping de notícias sobre o acidente

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS

VARAS CÍVEIS DA COMARCA DE PARANAGUÁ – ESTADO DO PARANÁ

“(...) quanto ao valor da multa, levou-se em conta, além da condição financeira da empresa autuada, a/ gravidade do dano ambiental, que prejudicou severamente, além da biodiversidade do local, a pesca, o veraneio e o turismo por vários meses. Lembremos que o dano ocorreu em novembro, poucos dias antes do verão, e que o turismo e a pesca são as principais fontes de geração de renda das comunidades atingidas. (...) Por fim observo que não há mais instâncias administrativas e que a multa ainda não foi recolhida. Assim, determino o recolhimento integral da multa em 05 (cinco) dias, a contar do recebimento desta, sob pena de execução judicial.” (Ofício nº 384, de 18 de agosto de 2008, assinado pelo então Secretário de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, LINDESLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES, e dirigido à empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA., em que informou a manutenção da multa administrativa de R$ 50.000.000,00 - cinqüenta milhões de reais) e o esgotamento das vias administrativas para discussão da multa)

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO

PARANÁ, por seu Promotor de Justiça infra-assinado, com base nos artigos 37, §

4º, e 129, inciso III, da Constituição da República; na Lei Federal nº 8.429/92 (Lei

de Improbidade Administrativa); e no art. 2º, inciso II, 3º, 5º caput, todos, da Lei

Federal nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), vem, respeitosamente, junto a

Vossa Excelência, ajuizar

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

POR

ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

- c o n t r a -

LINDISLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES,

brasileiro, Deputado Estadual, RG 2.032.039-7/PR, CPF 355.024.019-87, residente

na rua Reinoldo Ihlenfeldt, nº 81, bairro Santa Cândida, CEP 82.640-260,

município de Curitiba/PR;

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VÍTOR HUGO RIBEIRO BURKO, brasileiro, portador

do CPF n 467.579.539-00 e do R.G. nº 19.353.834, filho de Maria do Rocio Ribeiro

Burko e de Vitório Burko, residente na rua Almirante Tamandaré, 2045, apto. 301,

bairro Juvevê, Curitiba/PR, CEP 80.040-110;

THEO BOTELHO MARÉS DE SOUZA, brasileiro,

filho de Maria Dirce Botelho Marés e de Carlos Frederico Marés de Souza Filho,

RG 6.039.431-9/PR, CPF 022.326.439-30, residente e domiciliado à rua General

Aristides Athayde Junior, n. 350, bairro Bigorrilho, município de Curitiba/PR;

CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS LTDA.,

pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob nº 75.633.560/0001-82, a

ser citada no endereço na rua Coronel Santa Rita, nº 2677, bairro Rocio,

Paranaguá/PR, pelos fundamentos de fato e de direito que se passa a expor:

1. DO OBJETO DOS PEDIDOS FINAIS

A presente ação tem por objeto final a cominação de

sanções políticas e civis aos requeridos, em razão da prática de atos de

improbidade administrativa que causaram elevadíssimos prejuízos ao erário e

enriquecimento ilícito de terceitos, assim como atentaram contra os princípios da

Administração Pública, especialmente os princípios da legalidade, moralidade e

impessoalidade.

Sinteticamente, a improbidade administrativa apurada

nestes autos tem origem nas seguintes e essenciais situações de ilicitude:

a) violação ao devido processo administrativo, por

meio da revisão da decisão administrativa, que já havia sido atingida pela

preclusão, e, consequentemente, “renúncia” indevida e deliberada de cobrança da

empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. de verba pública

destinada à finalidade ambiental no quantum de R$ 45.000.000,00 (quarenta e

cinco milhões de reais) (quantia não atualizada moneteriamente).

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b) violação ao devido processo administrativo, por

meio da aplicação intempestiva e preclusa da conversão da multa administrativa,

já reduzida a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), para a construção do

aquário marinho de Paranaguá.

c) violação ao devido processo administrativo, por meio

da aplicação da conversão da multa administrativa, já reduzida a R$ 5.000.000,00

(cinco milhões de reais), para a construção do aquário marinho de Paranaguá, sem

a indispensável prévia reparação integral dos danos ambientais oriundos da

explosão do navio “Vicuña”.

d) afronta à obrigatoriedade legal do procedimento

licitatório, pois o valor utilizado para a construção do aquário marinho,

supostamente R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), foi descontado do valor da

multa administrativa, havendo, assim, verdadeira disposição do patrimônio

público para a execução de obra pública, sem a devida submissão à lei de

licitações.

2. DOS FATOS

Conforme instrução do Laudo Técnico multidisplinar

emitido pelo IBAMA e IAP (fls. 168-284):

“(...) O acidente ocorreu às 19:45 h do dia 15 de novembro de

2004, decorrente de duas explosões a bordo do Navio Vicuña, atracado no píer da empresa

Cattalini Terminais Marítimos, na cidade de Paranaguá/PR, em operação de descarga de

metanol. (...) Causou a liberação de 4.079,233 toneladas de metanol, que queimaram,

evaporaram ou diluíram-se nas águas da Baía de Paranaguá, causando efeitos imediatos e

severos, porém de curto prazo, sobre o ambiente. (...) Em decorrência da explosão houve

rompimento dos tanques de óleo no navio, resultando em vazamentos de óleo bunker, óleo

diesel e óleos lubrificantes, num total aproximado de 291.000 litros, causando impactosde

curto prazo, além de impactos de médio e longo prazo, ainda a serem dimensionados e

avaliados, sobre os diversos ambientais do Complexo Estuarino de Paranaguá e da faixa

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costeira do litoral paranaense.”

Conforme atestado no comunicado realizado pelo

Instituto Ambiental do Paraná ao CONAMA (Conselho Nacional do Meio

Ambiente), a referida explosão causou, em síntese:

“(...) Área de costa atingida: (...) Área de costa atingida

pelo óleo, 170 Km ou 15% do total. Em relação ao tipo de costa e ao nível de contaminação,

podemos resumir da seguinte maneira: a) Manguezais e marisma: atingidos no total de

67,48 Km de costa, sendo 37,65 Km em nível baixo de contaminação, 24,35 Km em nível

médio e 5,48 Km em nível alto. b) Praias arenosas: atingidos no total 86,63 Km de costa,

sendo 64,19 Km em nível baixo de contaminação, 12,73 Km em nível médio e 9,71 Km em

nível alto. c) Costões rochosos: atingidos no total 13,81 Km de costa, sendo 6,09 Km em

nível baixo de contaminação, 3,60 Km em nível médio e 4,12 Km em nível alto. (..)

Unidades de Conservação atingidas: Federais: Estação Ecológica de Guaraqueçaba,

Parque Nacional do Superagui e Área de Proteção Ambiental Federal de Guaraqueçaba.

Estaduais: Estação Ecológica da Ilha do Mel, Parque Estadual da Ilha do Mel e Área de

Proteção Ambiental de Guaraqueçaba. Reserva Indígena Guarani, localizada nas Ilhas da

Cotinga e Rasa da Cotinga. (...)”. (fls. 542-544)

Em decorrência do referido acidente, foram

instaurados pelo Instituto Ambiental do Paranã (IAP) vários processos

administrativos com a finalidade de impor sanções administrativas aos

responsáveis pelo referido acidente.

Um dos processos instaurados recebeu o n. 8.631.970-5,

IAP/ERLT (fls. 165 e seguintes), instaurado no dia 21.07.2004 contra a empresa

CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA., com base no auto de infração

ambiental nº 28263 por “causar poluição por lançamento de óleos diversos (combustível,

lubrificantes, bunker), na baía de Paranaguá, atingindo unidades de conservação federal e

estadual, praias, costões e manguezais – causando danos a fauna e flora em decorrência da

explosão do navio Vicuña – conforme laudo técnico”. (fl. 167)

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No referido processo foi aplicada à empresa

CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. multa no valor de R$

50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) (fl. 167).

O processo administrativo foi instruído, dentre outros

documentos, com laudo técnico (fls. 168-284), relatório de autuação (fls. 285) e

clipping de notícias sobre o acidente (fls. 289-304).

A empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS

LTDA. apresentou defesa administrativa às fls. 305-441.

O Instituto Ambiental do Paraná, por meio do então

Coordenador Estadual de Acidentes Ambientais (Eng. Cláudio D’Oliveira),

apresentou resposta às alegações de defesa colacionadas pela empresa Cattalini,

consignando especialmente que: “(...) Contra a empresa Cattalini foi lavrado o Auto nº

307028-D pelo IBAMA, com aplicação de multa diária no valor de R$ 250.000,00 que

deveria persistir até que as empresas, de fato, empregassem seus recursos na contenção e

reparação do dano. A sansão imposta vigorou por 3 dias, quanto então a empresa passou a

realizar trabalhos destinados a promover a reparação do dano, ou seja, somente depois que

houve a aplicação da punição pelo Órgão Ambiental. O fato mencionado demonstra

que a participação e a atuação da empresa Cattalini no acidente não foi tão

espontânea assim, conforme pretende demonstrar. Ressalta-se que ao pesquisar o

conteúdo das Atas das Reuniões realizadas durante desenvolvimento dos trabalhos de

reparação dos danos decorrentes do acidente, é possível verificar seguidos

desentendimentos entre a atuada e a Seguradora P & I Club, motivados por questões

financeiras referentes à recuperação dos danos. (...) Além das determinações legais ora

reportadas, não se pode omitir o fato de que houve morosidade da empresa em

adotar providências solicitadas pelos Órgãos Ambientais, fato este que ensejou a

aplicação de penalidades contra si. (...)” (grifos nossos) (fls. 461-471)

Em parecer técnico-jurídico juntado às fls. 473-478, a

Procuradora Jurídica do IAP, Sra. Ednéia Ribeiro Alkaim e o Engenheiro do IAP,

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Sr. Ennio Santos Filho, manifestaram-se sobre a defesa apresentada pela requerida

CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. e opinaram pela subsistência do

Auto de Infração Ambiental, com notificação da empresa para pagamento da

multa, sob pena de inscrição em dívida ativa:

“(...) Assim sendo, opinamos pela subsistência do AIA, com

a conseqüente notificação a empresa autuada para que recolha os valores da multa, sob

pena de inscrição em dívida ativa e posterior execução fiscal. Além disso a empresa deve

sanar imediatamente a questão técnica posta, sob pena de sofrer nova autuação. (fl. 478)

O Departamento de Fiscalização Ambiental opinou

pela manutenção da infração e consequente cobrança integral da multa

administrativa aplicada (fl. 566).

No dia 10.10.2006, o Diretor de Controle de Recursos

Ambientais, Sr. Harry Luiz Avila Teles, decidiu pela subsistência do auto de

infração ambiental n. 28263/86319705, informando que caso não seja realizado o

pagamento, deverá ser providenciada a inscrição da multa em Dívida Ativa (fl.

566)

No mesmo dia 10.10.2006, o Departamento de

Fiscalização Ambiental expediu o Ofício IAP/DIRAM/DDI/03922/2005 à

empresa requerida CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA., com a

comunicação de que o auto de infração ambiental foi julgado subsistente, que a

multa original aplicada foi mantida, e que esta deveria ser recolhida até o dia

14.11.2006, no valor de R$ 57.473.710,66, resutado do acréscimo de juros de 1% ao

mês. (fl. 567)

No entanto, a notificação da empresa Cattalini para

fins de pagamento espontâneo da multa (em valores atualizados à época,

alcançava o importe superior a cinquenta e sete milhões de reais, ou apresentação

de recurso administrativo, foi apenas emitida na data de 17 de março de 2008. (fl

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575)

No dia 12 de março de 2008, a empresa CATTALINI

TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. ingressou com pedido de reconsideração da

decisão administrativa (fls. 577-586) e, ainda, no dia 1º de abril de 2008, com

recurso administrativo à Secretaria Estadual do Meio Ambiente. (fls. 608-736)

O então assessor jurídico da SEMA/PR, o requerido

THEO BOTELHO MARÉS DE SOUZA, emitiu, no dia 18 de abril de 2008,

parecer para o improvimento do recurso administrativo manejado pela referida

empresa e para recomendar a subsistência do auto de infração, devendo a autuada

efetuar o recolhimento da multa integral, sob pena de inscrição em dívida ativa.

Nesse parecer, consignou expressamente a extrema gravidade dos danos

ambientais produzidos e a adequação do valor da multa em R$ 50.000.000,00

(cinquenta milhões de reais): “(...) A empresa Cattalini Terminais Marítimos Ltda. é

uma empresa extraordinariamente grande, com capital social de trinta milhões de reais.

Fica claro, com a amplitude do dano ambiental que o fato causou e levando em conta a

situação econômica da empresa autuada, que a multa aplicada é sensata e atende aos

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (...)”. (fls. 738-747)

No dia 12.05.2008, o requerido LINDISLEY DA SILVA

RASCA RODRIGUES, na qualidade de Secretário de Estado do Meio Ambiente e

Recursos Hídricos, julgou “improcedente o recurso interposto”, determinando a

subsistência do auto de infração ambiental e a manutenção da multa em seu valor

integral. (fl. 749).

No dia 11.06.2008, o Diretor da DIRAM/IAP,

determinou fosse oficiado à empresa requerida para recolhimento do valor

integral da multa, sob pena de inscrição em dívida ativa (fl. 751), expedindo

notificação à fl. 752.

No dia 13 de agosto de 2008, a empresa CATTALINI

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TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. ingressou com novo recurso na Secretaria

Estadual do Meio Ambiente (SEMA/PR), em que pugnou o seu encaminhamento

ao CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente. (fls. 754-804)

Por sua vez, o Secretário de Estado do Meio Ambiente

e Recursos Hídricos, o requerido LINDESLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES

não recebeu o recurso e, por meio do ofício nº 384, de 18 de agosto de 2008,

informou à citada empresa que: “(...) quanto ao valor da multa, levou-se em

conta, além da condição financeira da empresa autuada, a gravidade do dano

ambiental, que prejudicou severamente, além da biodiversidade do local, a pesca,

o veraneio e o turismo por vários meses. Lembremos que o dano ocorreu em

novembro, poucos dias antes do verão, e que o turismo e a pesca são as principais

fontes de geração de renda das comunidades atingidas. (...) Por fim observo que

não há mais instâncias administrativas e que a multa ainda não foi recolhida.

Assim, determino o recolhimento integral da multa em 05 (cinco) dias, a contar do

recebimento desta, sob pena de execução judicial.” (fls. 806-807) (grifos nossos)

No dia 23.09.2008, a empresa CATTALINI

TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. dirige à Secretaria Estadual do Meio

Ambiente novo pleito de reconsideração, sob os argumentos de que “por

liberalidade contribuiu com ações de combate à poluição causada pelo acidente (...)”

(grifos nossos), e de que foram concluídos os trabalhos de limpeza e retirada de

resíduos das áreas atingidas, e pugnou a suspensão da exigibilidade da multa e

sua redução em 90% (noventa por cento), com fulcro no artigo 60 do Decreto

Federal nº 3.179/99 e na Instrução Normativa do IBAMA nº 079/2005. (fls. 810-

812)

No dia 01.10.2008, o então Secretário de Estado, ora

requerido LINDISLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES, acostou a seguinte

promoção, contrariando todos os fundamentos que basearam a atuação do órgão

público ambiental e da própria SEMA até aquele momento: “Ao Dr. THEO.

Considerando que pela primeira vez a empresa reconhece a multa. Considerando que o

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dano foi recuperado no local do acidente. Considerando que se existe dano, ele está em local

diverso que não no do acidente, Determino a análise do presente processo para acolher o

pagamento da multa em espécie ou em investimento no nosso litoral e (...) (ilegível) (...) no

percentual que a lei preceitua.” (fl. 818)

No dia 14.10.2008, o ora requerido THEO BOTELHO

MARÉS DE SOUZA, que havia, 6 (seis) meses antes, expressamente, emitido

parecer em que defendeu que a aplicação da multa de R$ 50.000.000,00 (cinquenta

milhões de reais) à empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. era

sensata e atendia aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,

inclusive levando em consideração à capacidade econômica da empresa, lançou

novo parecer sugerindo a diminuição da multa de R$ 50.000.000,00 (cinquenta

milhões de reais) para R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais):

“(...) No presente procedimento, há que se reconhecer que a

empresa Cattalini possui uma política de prevenção e proteção ao meio ambiente. (...)

considerando que o valor da multa ultrapassa o faturamento anual da empresa,

considerando que se trata de empresa paranaense, que contribui para o crescimento do

Estado e sua cidadania, que não possui máculas em relação à passivos ambientais, com

políticas de prevenção e proteção ambiental, sugiro a redução da multa para R$

5.000.000,00, podendo este valor ser convertido em investimento em projetos para

melhorar a qualidade do litoral paranaense.” (fls. 819-824)

Apresenta-se no mínimo inusitado, nesse particular e

independente das ilegalidades abordadas nos itens seguintes, os requeridos

LINDISLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES e THEO BOTELHO MARÉS DE

SOUZA afirmarem que a empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS

LTDA. possui uma política de prevenção e proteção ao meio ambiente e sem

antecedentes em infrações ambientais, ao passo que é notório o conhecimento de

processos instaurados em face da aludida empresa em razão do manejo e

transporte de produtos tóxicos sem licença ambiental, inclusive com a ocorrência

de vazamentos de materiais tóxicos, aproximadamente no ano de 1999, no bairro

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do Rocio, em Paranaguá, e outros vazamentos de produtos mais recentemente

(2006 e 2008) (fls. 909-913).

Em adição a isto, é também de conhecimento do IAP e

da SEMA/PR, eis que consta do próprio processo administrativo que tramitou

nesses órgãos (fl. 195), que a empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS

LTDA. foi autuada pelo IBAMA, na data de 17.11.2004 (auto de infração

ambiental nº 307028), por deixar de adotar as medidas exigidas de contenção de

controle e regeneração dos produtos vazados do Navio Vicuña, no acidente do fia

15.11.04, conforme acordado em reunião realizada nos dias 16 e 17 de novembro

de 2004, com os órgãos ambientais, IAP e IBAMA, coordenada pela Defesa Civil

do Paraná, medidas estas não cumpridas que colocaram em risco o meio ambiente

de forma grave, bem como colocar em risco a saúde e bem estar da população dos

Municípios de Paranaguá, Antonina, Guaraqueçaba e Pontal do Paraná.

No dia 27.08.2008, com base no referido parecer, o

então Secretário de Estado, ora requerido LINDISLEY DA SILVA RASCA

RODRIGUES acatou a sugestão emitida pelo requerido THEO BOTELHO

MARÉS DE SOUZA, reduziu o valor da multa para R$ 5.000.000,00 (cinco

milhões de reais) e determinou o encaminhamento da deliberação ao Instituto

Ambiental do Paraná para “as providências pertinentes visando a celebração de Termo

de Compromisso, com o fornecimento de projeto ambiental, devidamente avaliado, para a

empresa autuada proceder sua execução” (fl. 825)

Ressalta-se que o requerido LINDISLEY DA SILVA

RASCA RODRIGUES determinou1, para a celebração do termo de compromisso,

a aplicação do Decreto Federal nº 6.514/2008.

Foi juntado o “Termo de Parceria”, assinado, em duas

vias, pelos requeridos LINDISLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES (então

1 “(...) Todos os ajuste da execução do projeto ambiental deverão estar presentes no Termo de Compromisso a ser celebrado com a empresa, na forma dos arts. 139 e 140 do Decreto 6.514/2008. (...)”

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Secretário Estadual do Meio Ambiente), VITOR HUGO RIBEIRO BURKO (então

Diretor Presidente do Instituto Ambiental do Paraná – IAP), e representantes,

respectivamente, da empresa requerida CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS

LTDA. e do Município de Paranaguá, sendo que um dos termos está sem data e o

outro consta como data a seguinte expressão: “? de julho de 2009” (fls. 840-847). O

referido Termo de Parceria possui o seguinte objeto, constante de sua cláusula

primeira:

“(...) CLÁUSULA PRIMEIRA – DO OBJETO

A presente parceria tem por objeto a implementação e

execução da obra – Aquário Marinho de Paranaguá, com a finalidade de propiciar

alternativas de lazer para população local e para os turistas que frequentam o litoral

paranaense, bem como para a preservação das espécies marinhas do litoral paranaense.

PARÁGRAFO ÚNICO – A obra será executada pela

empresa CATTALINI TERMINAIS MARÍTIMOS LTDA, com os recursos da

conversão da multa ambiental – AIA nº 28263, sob protocolo SID nº 8.631.970-5, objeto

do Termo de Compromisso celebrado com a SEMA/IAP. (...)” (fl. 840)

Merece destaque a cláusula sétima do termo de

compromisso (fls. 844-847), que prevê que a empresa CATTALINI TERMINAIS

MARTÍMOS LTDA. perde o direito de recorrer administrativamente, ao passo

que o próprio Secretário Estadual do Meio Ambiente, o requerido LINDISLEY

DA SILVA RASCA RODRIGUES já havia consignado expressamente o

esgotamento das vias administrativas para interposição de recurso.

Chamou a atenção, ainda, a constatação, no site do

Tribunal Superior Eleitoral (TSE)2, do registro de doação de recursos para a

campanha eleitoral do requerido LINDISLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES,

então candidato a Deputado Estadual no Estado do Paraná, na quantia de R$

2 www.tse.jus.br.

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20.000,00 (vinte mil reais), realizada pela empresa requerida CATTALINI

TERMINAIS MARTÍMOS LTDA., na data de 20 de agosto de 2010.

Da só narrativa dos fatos acima descritos, já saltam aos

olhos a prática de atos de improbidade administrativa, com altíssima lesividade

ao patrimônio público.

Desse modo, o Minsitério Público passará a analisar

articuladamente as inúmeras ilegalidades praticadas com a finalidade evidente de

beneficiar a empresa requerida CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA.

em altíssimo prejuízo ao erário.

3. DOS FUNDAMENTOS JURIDÍCOS

3.1. DA VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO

ADMINISTRATIVO - PRECLUSÃO DA DECISÃO

QUE APLICOU A SANÇÃO ADMINISTRATIVA.

O trâmite do processo administrativo de aplicação da

sanção adminitrativa em referência finalizou na data de 12.05.2008, quando o

requerido LINDISLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES, na qualidade de

Secretário de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, julgou improcedente

o recurso administrativo interposto pela empresa CATTALINI TERMINAIS

MARTÍMOS LTDA. e determinou a subsistência do auto de infração ambiental e

a manutenção da multa em seu valor integral. (fl. 749).

Veja-se que o próprio requerido LINDISLEY DA

SILVA RASCA RODRIGUES admitiu que estava preclusa, a partir da data de

12.05.2008, qualquer discussão, no âmbito administrativo, sobre a aplicação da

sanção administrativa em comento (multa de cinquenta milhões de reais), eis que,

diante de novo recurso interposto pela empresa CATTALINI TERMINAIS

MARTÍMOS LTDA., o requerido LINDISLEY DA SILVA RASCA

RODRIGUES não recebeu esse novo recurso e, por meio do ofício nº 384, de 18 de

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agosto de 2008, informou à citada empresa que: “(...) não há mais instâncias

administrativas e que a multa ainda não foi recolhida. Assim, determino o

recolhimento integral da multa em 05 (cinco) dias, a contar do recebimento desta,

sob pena de execução judicial.” (fls. 806-807) (grifos nossos)

No entanto, mesmo esgotados ou inexistentes os

recursos contra a decisão administrativa, o que a tornou estável e impassível de

modificação pela Administração, o requerido LINDISLEY DA SILVA RASCA

RODRIGUES decidiu, em afronta ao instituto da preclusão administrativa, rever

a decisão que determinava a subsistência do auto de infração ambiental e a

manutenção da multa em seu valor integral.

Importante observar que o requerido THEO

BOTELHO MARÉS DE SOUZA, em depoimento prestado na Procuradoria da

República, admitiu que “o parecer foi pela minoração da multa e não foi baseado na

redução prevista no art. 60 do decreto 3179/99, mas sim para uma revisão do valor

aplicado (...)” (fl. 77), o que corrobora que se tratou de uma afrontosa lesão ao

instituto da preclusão administrativa.

HELY LOPES MEIRELLES leciona que a preclusão da

decisão administrativa impede que a própria Administração se retrate ou a

modifique de alguma forma após exauridos os meios de impugnação

administrativa:

“Realmente, o que ocorre nas decisões administrativas finais

é, apenas, preclusão administrativa, ou a irretratabilidade do ato perante a própria

Administração. É sua imodificabilidade na via administrativa, para estabilidade das

relações entre as partes. Por isso, não atinge nem afeta situações ou direitos de terceiros,

mas permanece imodificável perante a Administração e o administrado destinatário da

decisão interna do Poder Público. (…) Essa imodificabilidade não é efeito da coisa julgada

administrativa, mas é conseqüência da preclusão das vias de impugnação interna (recursos

administrativos) dos atos decisórios da própria Administração. Exauridos os meios de

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impugnação administrativa, torna-se irretratável, administrativamente”.

Ainda no tema da preclusão administrativa, ADA

PELEGRINI GRINOVER adiciona importante esclarecimento para afastar

eventual alegação da prerrogativa da Administração em rever os seus próprios

atos nos casos legalmente autorizados:

“Nem se diga que o princípio da revisão, pela Administração,

de seus próprios atos, por conveniência e oportunidade, autorizaria a Administração a

rever as decisões já cobertas pela preclusão, fora dos casos expressamente previstos. Não

pode o órgão da Administração, após a preclusão administrativa, rever suas

decisões. Isso vulneraria o próprio processo administrativo, que fixa um

procedimento a ser rigorosamente observado e desmoralizaria as decisões finais

da própria Administração.”3 (grifos nossos)

Traz-se à baila, ainda, o autorizado magistério

doutrinário de SÉRGIO FERRAZ e ADILSON ABREU DALLARI sobre a

preclusão no processo administrativo:

“Parece-nos hoje inadmissível qualquer tentativa de rejeição

à ideia de preclusão – e incidente para todos os personagens envolvidos - no processo

administrativo, em razão da consagração constitucional de existência desse (e, pois, de seu

conceito), no mesmo tope do processo judicial, como instrumento de defesa de direitos e

interesses. Em suma, a "processualização" da atividade administrativa implica

um tratamento sério, de boa-fé, responsável e equânime, o que não se perfaz sem a

aceitação da ideia uniforme de preclusão.”4 (grifos nossos)

Verifica-se, assim, que, independentemente das

múltiplas outras ilegalidades expostas a seguir, a revisão da decisão

3 GRINOVER, Ada Pellegrini. A atividade administrativa em face do sistema constitucional. Osasco-SP: Edifieo, 2010. 64 p. 4 Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 42.

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administrativa, que já havia sido atingida pela preclusão, lesa frontalmente, por

si só, os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade.

Isto sem adentrarmos, ainda, na constatação de que houve “renúncia” indevida e

deliberada de cobrança da empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS

LTDA. de verba pública destinada à finalidade ambiental no quantum de R$

45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de reais) (quantia não atualizada

monetariamente).

3.2. DA ILEGALIDADE DA CONVERSÃO DA

MULTA ADMINISTRATIVA -

INTEMPESTIVIDADE/PRECLUSÃO DE SUA

APLICAÇÃO.

Vimos que, no dia 27.08.2008, o requerido LINDISLEY

DA SILVA RASCA RODRIGUES acatou a sugestão do requerido THEO

BOTELHO MARÉS DE SOUZA e, em claro desrespeito ao instituto da preclusão

administrativa, alterou a fixação da multa administrativa aplicada à requerida

CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. de R$ 50.000.000,00 (cinquenta

milhões de reais) para R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e determinou o

encaminhamento da deliberação ao Instituto Ambiental do Paraná para “as

providências pertinentes visando a celebração de Termo de Compromisso, com o

fornecimento de projeto ambiental, devidamente avaliado, para a empresa autuada proceder

sua execução” (fl. 825)

Assim, o beneficiamento ilegal da empresa requerida

CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA., que já havia ocorrido uma vez

por meio da indevida revisão de decisão administrativa preclusa e da “renúncia”

da cobrança de ao menos R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de reais) em

prol do erário público, acontece novamente, já que não houve a exigência de

imediato recolhimento da multa administrativa reduzida, qual seja a quantia de

R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), devidamente atualizada, ao Fundo

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Estadual do Meio Ambiente, conforme previsão do artigo 2º, inciso III, da Lei

Estadual nº 12.945/20005, e sim a aplicação ilegal do instituto da conversão da

multa administrativa para a construção de um aquário marinho.

Deve-se observar que o requerido LINDISLEY DA

SILVA RASCA RODRIGUES determinou, para a celebração do termo de

compromisso, a aplicação do Decreto Federal nº 6.514/2008, que dispõe sobre as

infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e o processo administrativo

de apuração destas infrações:

“(...) Todos os ajuste da execução do projeto ambiental

deverão estar presentes no Termo de Compromisso a ser celebrado com a empresa, na forma

dos arts. 139 e 140 do Decreto 6.514/2008. (...)”. (fl. 825)

O Decreto Federal nº 6.514/2008 prevê, em seu artigo

139, a faculdade6 da autoridade ambiental em converter a multa simples aplicada

em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio

ambiente, nas hipóteses e de acordo com os requisitos existentes nos disposivos

legais subsequentes.

No entanto, um destes requisitos é a expressa vedação

da conversão de multa após o julgamento do auto de infração ambiental. O artigo

142 do Decreto Federal nº 6514/2008 estatui que a oportunidade processual do

infrator para requerer a conversão da multa é a data final para a apresentação da

defesa administrativa:

“Art. 142. O autuado poderá requerer a conversão de

multa de que trata esta Seção por ocasião da apresentação da defesa.” (grifos

5 Art. 2º - Constituem recursos do Fundo Estadual do Meio Ambiente - FEMA: (...) III - produto das multas administrativas e sanções judiciais por infrações às normas ambientais, bem como os valores decorrentes de condenações em ações civis públicas disciplinadas pela Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985, relativas a questões ambientais; 6 Art. 145. (...) § 1º A decisão sobre o pedido de conversão é discricionária, podendo a administração, em decisão motivada, deferir ou não o pedido formulado, observado o que dispõe o

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nossos)

Corroborando a existência de prazo preclusivo para

requerimento de conversão de multa, o artigo 145 do mesmo diploma legal prevê

que:

“Por ocasião do julgamento da defesa, a autoridade

julgadora deverá, numa única decisão, julgar o auto de infração e o pedido de

conversão da multa.” (grifos nossos)

CURT TRENNEPOHL, em seu livro que trata

especificamente dos comentários ao Decreto Federal nº 6.514/2008, aborda o

dispositivo em referência e afirma que:

“o requerimento da conversão de multa deverá ser

protocolado por ocasião da apresentação da defesa, portanto no prazo de vinte

dias após a ciência da autuação. Temos, assim, que qualquer processo em

tramitação em que não tenha sido requerida a conversão neste prazo, o pedido

deve ser indeferido de plano, por intempestivo.” 7 (grifos nossos)

Primeiro, deve-se ressaltar que a previsão legal de um

prazo máximo para a aplicação desse instituto da conversão da multa pelo órgão

público ambiental competente é um requisito de natureza objetiva e que, portanto,

a sua observância não se submete à conveniência e oportunidade do órgão público

ambiental.

Segundo, essa previsão legal não se trata de mera

formalidade, pois traz consigo a necessidade de atendimento concomitante de

diversos requisitos, dentre eles a renúncia ao direito de recorrer

administrativamente (artigo 146, § 1º, do Decreto nº 6.514/2008) e o

art. 141. 7 TRENNEOHL, Curt. Infrações contra o Meio Ambiente- Multas, Sanções e Processo Administrativo. 2ª Ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009. p. 459.

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reconhecimento do infrator a respeito de sua responsabilidade pelo dano

ambiental. Tanto é assim que a Instrução Normativa IBAMA, nº 14/2009, prevê,

no âmbito do termo de compromisso decorrente da conversão da multa, que:

“Art. 82 Além das cláusulas obrigatórias, os termos de

compromisso deverão conter as seguintes cláusulas: I - renúncia ao direito de recorrer

administrativamente; II - confissão de autoria, materialidade e extensão do dano; III -

renúncia a eventuais prazos prescricionais.”

Terceiro, admitir a aplicação do instituto da conversão

de multa após o referido prazo legal denota absoluto descaso em relação ao

próprio processo de responsabilização administrativa, já que importa na

concessão ilegal e imoral de benefício indevido a determinados infratores

“escolhidos” pelos representantes dos órgãos públicos ambientais, ao passo que

diversos outros infratores ambientais que tiveram os seus autos de infração

ambiental julgados e esgotadas a vias administrativas para a sua impugnação, ou

efetuaram a quitação das multas ou foram compelidos ao seu pagamento por

meio de ações judiciais de execução.

Quarto, admitir a aplicação do instituto da conversão

de multa após o referido prazo legal denota absoluto descaso em relação ao

próprio processo de responsabilização administrativa, pois também significa

evidente estímulo ilegal aos infratores em optar pelo caminho da conversão em

multa simples tão somente após esgotados os meios administrativos para o

questionamento desta multa.

Assim, resta claro que os princípios da administração

pública foram, no caso em tela, deliberadamente violados, em especial os

princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade.

3.3. DA ILEGALIDADE DA CONVERSÃO DA

MULTA ADMINISTRATIVA - AUSÊNCIA DE

PRÉVIA REPARAÇÃO E/OU INDENIZAÇÃO

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PELOS DANOS AMBIENTAIS ORIUNDOS DA

EXPLOSÃO DO NAVIO “VICUÑA”.

Além da flagrante ilegalidade da revisão de decisão

administrativa já preclusa e da celebração de termo de compromisso de conversão

de multa ambiental de modo intempestivo, verifica-se que o Decreto Federal nº

6.514/2008 e a Portaria do IAP nº 211/2008 vedam a aludida conversão de multa

na hipótese de ausência de prévia reparação e/ou indenização pelos danos

ambientais promovidos, quando esta reparação e/ou indenização se apresentam

possíveis.

O Decreto Federal nº 6.514/2008 estatui, em seu artigo

142, que “autuado poderá requerer a conversão de multa de que trata esta Seção por

ocasião da apresentação da defesa” e, em seu artigo 143, § 2º, que “independentemente

do valor da multa aplicada, fica o autuado obrigado a reparar integralmente o dano que

tenha causado”.

A Portaria do IAP nº 211/2008, por sua vez, ao

colacionar o conceito de conversão de multa, em seu artigo 2º, inciso III, diz que é

a “transformação da multa pecuniária em prestação de serviços e/ou promoção de

capacitação de servidores do IAP e/ou de instituições conveniadas, de atividades

de pesquisas científicas, licenciamento, fiscalização e monitoramento ambiental,

quando não for possível a recuperação ou a indenização ambiental, podendo o

serviço ser executado de forma direta ou indireta, mediante o custeio de projetos ambientais

e/ou conforme plano de aplicação aprovado pela Câmara de Avaliação de Projetos e Planos

de Aplicação de Conversão de Multa”. (grifos nossos)

Nesta mesma toada, a referida Portaria corrobora, para

a conversão de multa administrativa, a obrigatoriedade da reparação do dano

ambiental quando há comprovação técnica de sua possibilidade, ou da

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compensação ambiental, em seus artigos 11 e 128:

“Art. 11. A reparação do dano ambiental é obrigatória

para fins de autorizar a conversão de multa administrativa em serviços de

preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, e será exigida sempre

que tecnicamente comprovada a possibilidade de sua realização pelo IAP.

Art. 12. A compensação ambiental será exigida do

interessado, para fins de conversão de multa administrativa em serviços de

preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente quando tecnicamente

comprovada pelo IAP a impossibilidade da recuperação do dano ambiental ou do

ambiente degradado, podendo ser realizada em local diverso da ocorrência do dano

ambiental ou do ambiente degradado.”

A Resolução nº 65/2008 do Conselho Estadual do Meio

Ambiente do Paraná (CEMA/PR), por sua vez, define termo de compromisso, em

seu artigo 1º, inciso XII, como o “instrumento pelo qual o causador de infração

administrativa ambiental compromete-se a adotar medidas específicas determinadas pelo

órgão ambiental de forma a reparar e fazer cessar os danos causados ao meio

ambiente”. (grifos nossos)

O que se verifica, no entanto, é que os danos

ambientais promovidos a partir da explosão do navio Vicunã, e que são de grande

monta e complexidade, ainda não foram, até a presente data, devidamente

reparados e/ou indenizados pelos responsáveis, tanto que tramita na subseção

judiciária da Justiça Federal de Paranaguá a ação civil pública nº

8 Art. 11. A reparação do dano ambiental é obrigatória para fins de autorizar a conversão de multa administrativa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, e será exigida sempre que tecnicamente comprovada a possibilidade de sua realização pelo IAP. Art. 12. A compensação ambiental será exigida do interessado, para fins de conversão de multa administrativa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente quando tecnicamente comprovada pelo IAP a impossibilidade da recuperação do dano ambiental ou do ambiente degradado, podendo ser realizada em local diverso da ocorrência do dano ambiental ou do ambiente degradado.

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2005.70.08.000973-6, que busca, além da limpeza e recuperação da Baía de

Paranaguá e dos ecossistemas adjacentes, a indenização pelos danos ambientais

causados.

Nesse particular, cumpre ressaltar que, recentemente,

na data de 26 de setembro de 2012, em relação aos referidos autos de ação civil

pública, realizou-se audiência de tentativa de conciliação no Juízo Federal da

subseção judiciária de Paranaguá, com a participação, dentre outros, da empresa

requerida CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. e do Instituto

Ambiental do Paraná, tendo sido deliberado que:

“(...) 2. O IAP e o IBAMA comprometem-se a apresentar, no

prazo de 180 (cento e oitenta) dias, um estudo sobre a área ambiental descrita na inicial,

consistente em um diagnóstico com vistas a eventual elaboração de um Plano de

Recuperação da Área Degradada pelo evento noticiado na inicial, apurando as eventuais

medidas a serem adotadas para implementar a recuperação da área degradada pelo acidente

descrito na inicial, caso seja necessário. (...)” (fls. 914-919)

Isto demonstra, mais uma vez, que ainda não houve a

reperação integral do dano ambiental, com a total reconstituição dos bens lesados

e indenização e compensação pelos danos ambientais causados.

Interessante observar que o próprio termo de

compromisso de conversão da multa administrativa celebrado entre o Instituto

Ambiental do Paraná, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e a empresa

requerida CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. reconhece que há

dano ambiental a ser recuperado:

“(...) CLÁUSULA SEXTA – DO INADIMPLEMENTO

O não cumprimento parcial ou integral das obrigações

assumidas na cláusula quarta sujeitará o COMPROMISSÁRIO ao pagamento de multa

no valor de R$ 5.000.000,00 (milhões de rais), sem prejuízo do pagamento da multa

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administrativa originalmente imposta pelo auto de infração lavrado e da recuperação do

dano ambiental causado.(...)” (grifos nossos). (fls...)

Veja-se, ainda, que o relatório emitido pelo Instituto

Ambiental do Paraná, na data de 10 de novembro de 2006 (fls. 920-939), referente

ao monitoramento das áreas afetadas por hidrocarbonetos provenientes do

acidente com o navio Vicuña, apontava a persistência da situação de

contaminação de mangues e ecossistemas marinhos:

“Ilha da Cotinga (...) Situação atual: sendo constatado a

permanência de óleo no ambiente, com uma camada de 5 a 10 cm no solo. (...) O óleo

atingiu as raízes dos mangues, acumulando-se na forma de placas entre a vegetação, e

sobre o tronco e raízes. A principal área atingida foi a praia de areia, entre marés, onde

grande quantidade de óleo se infiltrou no sedimento. (...) Situação atual: Verificou-se

grande quantidade de placas de piche acumuladas nas áreas de manguezal, sendo que

devido à ação da maré as mesmas estão se depreendendo em pequenas pelotas, sendo

depositadas na praia. (...)

Ilha das Peças (...) O óleo atingiu mangues e marismas,

acumulando-se na forma de placas entre a vegetação, e sobre troncos e raízes. Em alguns

pontos isolados ocorreu um alto grau de contaminação (...) Situação atual: Constatou-se a

existência de placas de piche no meio dos marismas e entre o manguezal em

desenvolvimento, com grande volume se desprendendo e sendo depositado nas praias. (...)

Uma camada de óleio recobriu a maior parte das piçarras existentes ao longo da praia. (...)

3. CONCLUSÃO

Conforme o registro efetuado através de material fotográfico

e das constatações “in loco”, podemos dizer que a permanência de hidrocarboneto é um

fato real nas áreas cujo grau de contaminação foi alto. Nos ambientes frágeis

(marismas e mangue) onde não ocorreu nenhum tipo de intervenção, verificamos áreas

de marismas mortos e fato igual ocorrendo com árvores de mangue, a presença de

placas e pelotas de piche que se desprendem dessas áreas causam não só poluição

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visual, como também transtornos aos usuários dessas áreas, entretanto nas áreas de

marismas que sofreram poda e lavagem constatou-se recuperação significativa. No ponto 3-

A considerado o mais impactado, no qual desenvolvia-se atividade de limpeza com lavagem

e teve seus trabalhos encerrados em 11/07/2005 por determinação do representante da

Seguradora do P&I, podemos fazer um comparativo e constatação, pois as áreas que

sofreram intervenção encontram-se totlamente limpas sem poluição visual e

principalmente já habitadas por diversos organismos inerentes ao meio; todavia, as outras

que apenas sofreram limpeza superficial sem remoção de pedras e até aquelas que não

sofreram nenhum tipo de lavagem (ficando no aguardo da ação de limpeza natural através

das marés de sizígia), constatou-se a presença razoável de óleo viscoso sob seixos e

praias arenosas, áreas que são fontes crônicas de contaminação ao ambiente, pois

é visível o desprendimento de óleo e a permanência de filmes sobre a água.

Concluímos que as áreas onde foram constatadas placas e

pelotas de piche poderiam sofrer ação de limpeza manual sem agressão ao meio, já o Ponto

3-A deverá ser monitorado semestralmente para fins de avaliação do tempo de permanência

do hidrocarboneto no meio ambiente, atividades de limpeza não são mais indicadas, pois

devido a situação atual, óleo sob uma camada de 5 a 10 cm no solo, qualquer ação nesse

momento seria prejudicial, infelizmente essa área servirá como fonte de estudo,

preparando-nos para futuras ações que por ventura venham ocorrer.” (fls. 920-939)

O que facilmente se verifica, a partir da análise do

referido relatório técnico (que, diga-se de passagem, é o ultimo relatório emitido

pelo IAP sobre o aludido evento danoso), é a ocorrência de um mero trabalho de

limpeza das áreas afetadas e contaminadas, com o intuito de mitigar as

consequências desastrosas dos danos ambientais promovidos. Em outras palavras,

não há como se confundir os trabalhos emergenciais de limpeza e contenção da

poluição com a noção de reparação do dano ambiental, consubstanciada pela

reconstituição dos bens lesados E pela indenização/compensação.

Ora, de modo inconcebível e flagrantemente lesivo à

legislação ambiental e à probidade administrativa, o citado termo de compromisso

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de conversão de multa foi celebrado, nada obstante a reparação do dano

ambiental nunca tenha sido promovida até a presente data.

Nessa toada, importante destacar que o dano ambiental

possui caráter complexo e dinâmico e não deve ser visto sob um enfoque

simplificado, mas sim multidisciplinar, de modo a se abordar os seus efeitos e

conseqüências no ambiente em sua totalidade (inclusive sociais) e a se contemplar

os aspectos espaciais e temporais, pois a degradação ambiental pode ter efeitos

acumulativos. Adicionando-se a isto, a reparação integral do dano ambiental

decorre de comando da Constituição Federal de 1988, da legislação ambiental

infraconstitucional e dos princípios do direito ambiental, e deve contemplar não

somente a obrigação de reconstituição do bem lesado, mas também obrigação de

indenização, sob pena de não cumprimento de sua função constitucional de

preservação ambiental e responsabilização dos seus infratores. Álvaro Luiz Valery

Mirra argumenta que “se os lucros visados e obtidos pelo empreendedor não são

limitados, porque razão a reparação dos danos por ele causados seria, com transferência

definitiva de parte dos prejuízos e dos custos de recomposição à sociedade?”9

Repita-se: a reparação integral de graves danos

ambientais causados à flora, à fauna, aos recursos hídricos, ao ecossistema

marinho, unidades de conservação e outros, não pode ser resumida ou

identificada com meros trabalhos de contenção e minimização da contaminação

promovida.

Independentemente das ilegalidades apontadas nos

itens 3.1 e 3.2 o que por si só fulminam de nulidade a revisão da decisão

administrativa e a celebração de termo de conversão de multa administrativa, vê-

se que, em relação aos gravíssimos danos ambientais promovidos por ocasião da

explosão do navio Vicuña, a assunção da obrigação, pelo infrator, no caso a

empresa requerida CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA., de

9 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e reparação do dano ao meio ambiente. São

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reparação integral do dano ambiental, trata-se de pressuposto indispensável

para o exercício da faculdade de conversão de multa administrativa ambiental

em serviços de preservação, melhoria e recuperação de qualidade ambiental.

Contudo, esse pressuposto indispensável também não foi observado, o que reitera

a ilegalidade e imoralidade da pretensa composição celebrada pelas partes.

Verifica-se, ademais, que o IAP e a SEMA/PR, durante

todo o trâmite do procedimento administrativo de autuação da empresa Cattalini,

defendeu o dever legal de cobrança integral do valor de cinquenta milhões de

reais pela multa aplicada. Mais do que isso, conforme já foi demonstrado, a

própria Procuradoria Jurídica do Instituto Ambiental do Paraná defendeu a

IMPOSSIBILIDADE de celebração de termo de compromisso com redução de

multa em relação ao mesmo evento e aos mesmos danos ambientais ora

discutidos, em pleito formulado pela empresa Synteko Produtos Químicos S/A10,

também autuada em razão do mesmo evento (danos ambientais decorrentes da

explosão do navio Vicuña):

“(...) no tocante a lavratura de termo de compromisso

nos moldes que o requerente pleiteia, é impossível de ser realizada. A aplicação do

artigo 60, parágrafo 3º do Decreto Federal nº 3.179/99, pode ser feita quanto o

evento danoso é passível de ser revertido ou minimizado os seus efeitos, o que por

evidente não é o caso em discussão. Dessa maneira opinamos novamente pela

manutenção do AIA em sua íntegra e salientamos que esses pedidos de

esclarecimentos têm o único condão de atrasar os trâmites administrativos

relativos ao processo de autuação.” (grifos nossos) (fls. 154-155)

Isto demonstra, por mais uma vez, a quão escancarada

é a afronta aos princípios da administração pública pelos requeridos, notadamente

ao princípio da impessoalidade.

Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 296. 10 AIA Nº 55907 – Protocolo do IAP nº 8.632.146-7;

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3.4. DA ILEGALIDADE E IMORALIDADE DA

CONVERSÃO DA MULTA ADMINISTRATIVA EM

BENS NOS MOLDES EFETUADOS PELOS

REQUERIDOS. DO DESRESPEITO À LEI DE

LICITAÇÕES (LEI Nº 8.666/93).

Outra ilegalidade presente e indubitável – cuja

conclusão se chega com uma singela análise dos fatos acima expostos – é o

desrespeito à Lei de licitações (Lei nº 8.666/93) e o conseqüente enriquecimento

ilícito de terceiros.

Como é cediço, “as obras, serviços, compras e

alienações serão contratados mediante processo de licitação pública” (art. 37, XXI,

da Constituição da República e art. 2º, caput, da Lei nº 8.666/93), cujo objetivo é

“garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta

mais vantajosa para a Administração” (art. 3º da Lei 8.666/93).

Assim, a regra para as obras, serviços, compras e

alienações da Administração é a realização de procedimento licitatório, que só não

deve ocorrer nos casos devidamente especificados em lei própria. O Instituto

Ambiental do Paraná e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, como órgãos da

administração, estão perfeitamente sujeitos a tais regras (art. 1º, § único, da Lei nº

8.666/93).

Não obstante isso, os requeridos LINDISLEY DA

SILVA RASCA RODRIGUES e VITOR HUGO RIBEIRO BURKO, na condição

de Secretário Estadual do Meio Ambiente e Diretor-Presidente do Instituto

Ambiental do Paraná, respectivamente, celebraram termo de compromisso de

conversão de multa administrativa com a empresa CATTALINI TERMINAIS

MARTÍMOS LTDA., com a previsão de que esta, com o dinheiro da aludida

multa (dinheiro público), custearia a construção do aquário marinho em

Paranaguá. Despiciendo dizer que a circunstância na qual foi este bem construído

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e obtido não consta da lei como exceção à regra de obrigatoriedade da licitação.

Aliás, sempre é bom ressaltar, o procedimento adotado pelos requeridos

LINDISLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES e VITOR HUGO RIBEIRO

BURKO subverte o iter legalmente previsto.

A obra do aquário marinho foi realizada pela empresa

requerida CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. na forma de dação em

pagamento. Nela, “a ação de dar tem a função de extinguir a obrigação, que devia ser

cumprida por outra prestação, que não é a que se constitui pela dação” (Vocabulário

Jurídico, vol. II, D. I, De Plácido e Silva, editora Forense, 2ª edição, p. 1). Assim, o

valor utilizado para a construção do aquário marinho, supostamente R$

5.000.000,00 (cinco milhões de reais), foi descontado do valor da multa, havendo,

assim, verdadeira disposição do patrimônio público para a execução de obra

pública, sem a devida submissão a procedimento licitatório.

É fácil perceber a burla à obrigatoriedade de licitação

quando consideramos que, conquanto a obra pública do aquário marinho na qual

foi convertida a multa tenha sido aparentemente custeada com dinheiro da

empresa infratora, ou seja dinheiro particular da requerida CATTALINI

TERMINAIS MARTÍMOS LTDA., foi o erário que verdadeiramente arcou com

seu custo. Ao valor desembolsado pelos infratores correspondeu a extinção do

débito pecuniário consubstanciado na referida multa administrativa. Assim, foi o

valor da multa (dinheiro público) que, em última instância, financiou a construção

do aquário marinho.

Desta forma, a conversão da referida multa

administrativa de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) em bens e serviços “sob a

forma de dação em pagamento” decorrente da celebração de “Termo de Compromisso”

entre a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, Instituto Ambiental do Paraná e a

empresa requerida CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. para que

esta, com esse valor que integra o erário público, contratasse e pagasse empresas

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para a construção do aquário marinho de Paranaguá, importou em patente afronta

à obrigatoriedade legal do procedimento licitatório.

De um lado, fere a isonomia das

empreiteiras/prestadoras de serviços, substituída pela escolha arbitrária destas.

De outro, permite que as obras públicas sejam contratadas por valor superior ao

que se poderia obter em processo licitatório – afinal, o valor da obra pública do

aquário marinho foi descontado do total que seria pago a título de multa

administrativa.

Novamente CURT TRENNEPOHL, ao tratar do

instituto da conversão da multa administrativa prevista no Decreto Federal nº

6.514/2008, alerta o indispensável respeito à lei das licitações:

“(...) É uma visão distorcida achar possível que o

autuado aplique diretamente parte dos recursos da multa em programas ou

projetos desenvolvidos por entes públicos, pois os valores despendidos a qualquer

título com essas atividades devem seguir a lei das licitações e contratações da

administração pública. O Decreto nº 6.514/08 não revogou as disposições da Lei

nº 8.666/93 e é esta última que estabelece as formas possíveis de aquisição de bens

ou contratação de serviços.

Por outro lado, pretender que os valores devidos aos

órgãos públicos em razão da aplicação de sanções pecuniárias sejam pagos

diretamente pelo autuado/devedor na aquisição de bens ou serviços de interesse

da administração, para execução de seus projetos ou atividades, parece-nos

caracterizar grave afronta às normas específicas que regem a matéria.

Quanto à manutenção de espaços públicos que tenham

por objetivo a preservação do meio ambiente manifesta-se a mesma

impossibilidade jurídica em razão da Lei nº 8.666/93, que exige a mensuração dos

custos, o prévio empenho da despesa, a concorrência entre os interessados em

executar o serviço, a contratação na forma estabelecida e todas as demais

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exigências que se apresenta.

Note-se que após o julgamento final da autuação, as

multas administrativas passam a ser exigíveis, mediante os mecanismos de

cobrança postos à disposição da Administração, o que sujeita os recursos

financeiros auferíveis ao mesmo tratamento que os recursos públicos em geral.

(...)

Digamos, apenas para finalizar a argumentação, que

determinado órgão ambiental pretende desenvolver um programa de educação

ambiental móvel, para o qual necessita adquirir um veículo especial, um micro-

ônibus, dotado de equipamentos audiovisuais e outros instrumentos de

comunicação. Se fosse adquirir o referido veículo com recursos públicos,

certamente precisaria seguir toda a tramitação e as cautelas da Lei nº 8.666/93.

Transformando a multa pecuniária num serviço ambiental, o autuado adquiriria

o veículo acima citado, com todos os equipamentos e teria, em contrapartida,

reduzido o valor despendido do seu débito com o órgão ambiental,

No entanto, por não estar o autuado sujeito às regras

da licitação, não seria obrigado a exigir os certificados de regularidade fiscal,

trabalhista e social do vendedor, nem a promover a publicidade da intenção de

comprar, assim como a nenhuma outra exigência prevista para o órgão público.

Isto nos parece, clara e inequivocamente, uma fraude contra o instituto da

licitação e da contratação pela administração pública.” 11 (grifos nossos)

4. DOS ATOS DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA

4.1. DOS ATOS DE IMPROBIDADE QUE CAUSAM

PREJUÍZO AO ERÁRIO (art. 10, caput e incisos I e

11 TRENNEOHL, Curt. Infrações contra o Meio Ambiente- Multas, Sanções e Processo Administrativo. 2ª Ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009. p. 457-458 .

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VII, da Lei n. 8.429/92).

A Constituição República impõe a todas as pessoas que

compõem a administração pública a submissão aos “princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.” (CF, art. 37, caput).

Do princípio da legalidade e da moralidade decorre,

também, o princípio da probidade administrativa, que tem o seguinte sentido,

conforme lição de Wallace Paiva Martins Júnior, verbis:

“A adoção do princípio da probidade administrativa no

ordenamento jurídico valoriza a implementação prática do princípio da moralidade

administrativa, conferindo à Nação, ao Estado, ao povo, enfim, um direito público

subjetivo a uma Administração Pública proba e honesta (e a ter agentes públicos com essas

mesmas qualidades), através de meios e instrumentos preventivos e repressivos (ou

sancionadores) da improbidade administrativa. O princípio da probidade administrativa

colabora para o direito administrativo na diminuição da insindicabilidade do ato

administrativo discricionário, para o estabelecimento de uma Administração Pública mais

eficiente, na medida em que se dirige à consecução da noção de bem e melhor administrar

(da escolha dos meios mais adequados, coerentes e proporcionais para a satisfação de seus

fins e alcance do interesse público).”12

Em atendimento ao princípio da probidade

administrativa, o legislador infraconstitucional editou a Lei n. 8.429/92 (Lei da

Improbidade Administrativa) que tipificou os atos de improbidade

administrativa, dividindo-os em: a) atos de improbidade administrativa que

importam enriquecimento ilícito (art. 9º); b) atos de improbidade administrativa

que causam prejuízo ao erário (art. 10º); e c) atos de improbidade administrativa

que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11º).

12 JÚNIOR, Wallace Paiva Martins. Probidade Administrativa. 2ª ed., págs. 100/101.

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Na espécie, o requerido LINDISLEY DA SILVA

RASCA RODRIGUES, na qualidade de Secretário Estadual do Meio Ambiente,

por ação e omissão, praticou atos ilegais que ensejaram a perda patrimonial ao

erário e o enriquecimento ilícito de terceiros. Por ação, em razão de

indevidamente rever decisão administrativa já preclusa para reduzir o valor da

multa administrativa aplicada à empresa CATTALINI TERMINAIS

MARTÍMOS LTDA. de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) para R$

5.000.000,00 (cinco milhões de reais), bem como em virtude de conceder à referida

empresa o benefício da conversão da multa administrativa em absoluta afronta

à legislação ambiental, e, por fim, por burlar a exigência legal de procedimento

de licitação para a contratação de obra com dinheiro público. Por omissão, em

razão de ter deixado de adotar as providências necessárias para a inscrição em

dívida ativa da quantia de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), fixado

em decisão que não mais comportava recurso ou discussão no âmbito

administrativo, e em relação à qual a empresa CATTALINI TERMINAIS

MARTÍMOS LTDA. já havia sido notificada para pagamento por meio do citado

ofício nº 384, de 18 de agosto de 200813. A perda patrimonial ao erário se mostrou

evidente, pois se não fosse a conduta do requerido LINDISLEY DA SILVA

RASCA RODRIGUES, teria sido procedida a inscrição em dívida ativa de R$

50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais – valor não atualizado), e teria ocorrido

o pagamento voluntário pela empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS

LTDA. ou a propositura de ação de execução fiscal, tendo como destino dos

valores o Fundo Estadual do Meio Ambiente. A perda patrimonial se apresentou

pela segunda vez, em razão da ilegal conversão de multa administrativa e,

portanto, o não recolhimento da multa de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais –

valor não atualizado) ao Fundo Estadual do Meio Ambiente. Por fim, a perda

patrimonial se apresentou pela terceira vez, eis que houve a destinação de

13 “(...) Por fim observo que não há mais instâncias administrativas e que a multa ainda não foi recolhida. Assim, determino o recolhimento integral da multa em 05 (cinco) dias, a contar do recebimento desta, sob pena de execução judicial.” (fls. 806-807)

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dinheiro público para a construção de obra pública sem a realização de

procedimento licitatório.

Consequentemente, parelelamente ao enriquecimento

ilícito da(s) empresas contratadas para o projeto e execução da obra do aquário

marinho de Paranaguá, já que houve burla à obrigatoriedade de licitação, o

enriquecimento ilícito da empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS

LTDA. também se fez presente, uma vez que esta empresa, que deveria efetuar o

pagamento de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais – valor não

atualizado) em favor do Fundo Estadual do Meio Ambiente ou embargar a ação

de execução fiscal que já deveria ter sido proposta, comprometeu-se a custear a

construção de um aquário marinho no valor máximo de R$ 5.000.000,00 (cinco

milhões de reais).

Assim, perfeitamente subsumida está a conduta do

requerido LINDISLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES nos atos de

improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário, previstos pelo art. 10,

caput e incisos I e VII, da Lei de Improbidade Administrativa:

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa

que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que

enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação

dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a

incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens,

rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades

mencionadas no art. 1º desta lei; (...)

VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a

observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou

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dispensá-lo indevidamente; (...)

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro

se enriqueça ilicitamente; (...)”

O requerido THEO BOTELHO MARÉS DE SOUZA,

no exercício da função de assessor jurídico da SEMA/PR, concorreu para a prática

dos aludidos atos de improbidade administrativa, nos termos do artigo 3º da Lei

nº 8.429/92, por meio do relevante auxílio prestado ao requerido LINDISLEY DA

SILVA RASCA RODRIGUES para a indevida revisão de decisão administrativa

já preclusa e para a celebração ilegal de termo de compromisso de conversão da

multa administrativa. Ressalta-se que o requerido THEO BOTELHO MARÉS DE

SOUZA não somente alterou radicalmente o teor do seu parecer jurídico anterior,

emitido 6 (seis) meses antes, em que havia defendido que a aplicação da multa de

R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) à empresa CATTALINI

TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. era sensata e atendia aos princípios da

razoabilidade e da proporcionalidade, inclusive levando em consideração à

capacidade econômica da empresa, como lançou informações enganosas, tais

como a de que a citada empresa “não possui máculas em relação à passivos ambientais”

(fl. 824). Veja-se que, em relação ao requerido THEO BOTELHO MARÉS DE

SOUZA, não se imputa a prática de ato de improbidade administrativa em

virtude da emissão de um parecer de caráter opinativo, mas sim em razão da sua

significativa contribuição intencional para a indevida revisão de decisão

administrativa preclusa com o propósito de beneficiar a empresa CATTALINI

TERMINAIS MARTÍMOS LTDA..

Por sua vez, o requerido VITOR HUGO RIBEIRO

BURKO, na qualidade de então Diretor Presidente do Instituto Ambiental do

Paraná, por ação e omissão, também praticou atos ilegais que ensejaram a perda

patrimonial ao erário e o enriquecimento ilícito de terceiros. Por ação, em virtude

de conceder à referida empresa o benefício da conversão da multa

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administrativa em absoluta afronta à legislação ambiental, e por burlar a

exigência legal de procedimento de licitação para a contratação de obra com

dinheiro público. Por omissão, em razão de ter deixado de adotar as providências

necessárias para a inscrição em dívida ativa da quantia de R$ 50.000.000,00

(cinquenta milhões de reais), fixado em decisão que não mais comportava recurso

ou discussão no âmbito administrativo, e em relação à qual a empresa

CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. já havia sido notificada para

pagamento por meio do citado ofício nº 384, de 18 de agosto de 200814.

Nesse ponto, houve uma adesão do requerido VITOR

HUGO RIBEIRO BURKO à conduta do requerido LINDISLEY DA SILVA

RASCA RODRIGUES, eis que aquele se manteve inerte diante da flagrante

ilegalidade e imoralidade da revisão da decisão administrativa preclusa e, em

conjunção de vontades com este, aplicou indevidamente o instituto da conversão

da multa administrativa e, ainda, participou da burla à lei de licitações. A perda

patrimonial ao erário se mostrou evidente, pois se não fosse essa apontada adesão,

teria sido procedida a inscrição em dívida ativa de R$ 50.000.000,00 (cinquenta

milhões de reais – valor não atualizado), e teria ocorrido o pagamento voluntário

pela empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. ou a propositura

de ação de execução fiscal, tendo como destino dos valores o Fundo Estadual do

Meio Ambiente. A perda patrimonial se apresentou pela segunda vez, em razão

da ilegal conversão de multa administrativa, da qual foi da mesma forma

proponente o requerido VITOR HUGO RIBEIRO BURKO e, portanto, o não

recolhimento da multa de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais – valor não

atualizado) ao Fundo Estadual do Meio Ambiente, agravado pelo fato de ter sido

desrespeitada a exigência de procedimento licitatório. Consequentemente, o

enriquecimento ilícito da empresa CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS

14 “(...) Por fim observo que não há mais instâncias administrativas e que a multa ainda não foi recolhida. Assim, determino o recolhimento integral da multa em 05 (cinco) dias, a contar do recebimento desta, sob pena de execução judicial.” (fls. 806-807)

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LTDA. também se fez presente, uma vez que esta empresa, que deveria efetuar o

pagamento de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais – valor não

atualizado) em favor do Fundo Estadual do Meio Ambiente ou embargar a ação

de execução fiscal que já deveria ter sido proposta, comprometeu-se a custear a

construção de um aquário marinho no valor máximo de R$ 5.000.000,00 (cinco

milhões de reais).

Como se pode verificar, restou perfeitamente

caracterizado o ato de improbidade administrativa que importa prejuízo ao erário,

estando presentes todos os requisitos para sua configuração.

Com relação à empresa requerida CATTALINI

TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. é de se aplicar ao caso o art. 3º da Lei de

Improbidade Administrativa, verbis:

“Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que

couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a

prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou

indireta.”

Sobre o referido dispositivo, veja-se a lição de

MARINO PAZZAGLINI FILHO, verbis:

“Indução é o ato de instigar, sugerir, estimular,

incentivar agente público a praticar ou omitir ato de ofício caracterizador de

improbidade administrativa. O concurso é atividade de auxílio, de participação

material na execução por agente público de ato de improbidade administrativo.

Auferir benefício é tirar proveito patrimonial, direto ou indireto, de ato ímprobo

cometido por agente público, seja ajustado previamente com este, seja em

associação ilícita, agindo, nesse caso, o terceiro, de má-fé, ciente da improbidade

cometida, dela se locupletando.”15 (grifou-se)

15 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. p. 25.

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Diante desses fatos, é que restou devidamente

caracterizado o ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao erário,

nos termos do art. 10, caput e incisos I e VII, da Lei de Improbidade

Administrativa16.

4.2. PEDIDOS SUCESSIVOS: DOS ATOS DE

IMPROBIDADE QUE ATENTAM CONTRA OS

PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (art.

11, da Lei n. 8.429/92).

Como segundo pedido sucessivo, caso não se entenda

configurados os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao

erário (art. 10º), requer-se – a título de cautela - a condenação de todos os

requeridos pela prática de atos de improbidade administrativa que atentam contra

os princípios da administração pública (art. 11º), posto que certamente tais atos

configuram violação aos princípios da legalidade, da moralidade e da

impessoalidade17.

Desse modo, pode-se concluir que as condutas dos

requeridos LINDISLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES, THEO BOTELHO

MARÉS DE SOUZA, VITOR HUGO RIBEIRO BURKO e CATTALINI

16 Normalmente quando um agente público facilita que empresas enriqueçam ilicitamente, recebe o agente público parte desses valores, pois, como se sabe, normalmente ninguém desvia verba pública para beneficiar terceiro sem qualquer interesse financeiro próprio. Entretanto, a prova desse pagamento é dificílima, sendo que o pagamento é normalmente feito em espécie e sem a possibilidade de fazer-se qualquer meio de prova nesse sentido. Justamente por isso, por não ter sido possível até o momento a prova desse pagamento ao então Secretário Estadual do Meio Ambiente e ao então Diretor Presidente do Instituto Ambiental do Paraná, é que deixamos de imputar as condutas do art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa. 17 O princípio da impessoalidade, na apreciação de Wolgran Junqueira Ferreira, “obriga a administração pública a que pratique seus atos não em benefício desta ou daquela pessoa, desta ou daquela empresa. (...) A atividade administrativa deve ser destinada a todos os administrados, dirigida aos cidadãos em geral, sem a determinação de pessoa ou discriminação de qualquer natureza. É o que impõe ao Poder Público este princípio. Com ele quer se quebrar o velho costume de atendimento do administrado em razão de seu prestígio ou porque a ele o agente público deve alguma obrigação". (in: Princípios da Administração Pública - Legalidade - Impessoalidade - Moralidade - Publicidade - Art. 37 - Constituição Federal, Edipro, 1996, p. 53).

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TERMINAIS MARTÍMOS LTDA., além de configurarem atos de improbidade

administrativa que importam prejuízo ao erário (LIA, art. 10º), caracterizam,

também, ato de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da

administração pública (LIA, art. 11).

4.3. DAS SANÇÕES DECORRENTES DA PRÁTICA

DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

A Constituição da República ao consagrar o princípio

da probidade administrativa e a Lei n. 8.429/92 ao tipificar as condutas

consideradas como ímprobas, não poderia deixar de cominar sanções para a

prática dos atos de improbidade administrativa.

O parágrafo quarto, do art. 37, da Constituição Federal

prevê as seguintes sanções, verbis:

“Art. 37 (...) § 4º - Os atos de improbidade

administrativa, importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função

pública, a indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, na forma e

gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

Já a Lei n. 8.429/92, prevê em seu art. 12, inciso II, as

seguintes penas para os agentes que praticarem ato de improbidade

administrativa que importem dano ao erário, verbis:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e

administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de

improbidade sujeito às seguintes cominações:

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do

dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se

concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos

políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor

do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou

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incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por

intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco

anos;”

Desse modo, devem ser aplicadas aos requeridos

LINDISLEY DA SILVA RASCA RODRIGUES, THEO BOTELHO MARÉS DE

SOUZA, VITOR HUGO RIBEIRO BURKO e CATTALINI TERMINAIS

MARTÍMOS LTDA. as sanções acima descritas, vez que praticaram atos de

improbidade administrativa que importam prejuízo ao erário. E como pedido

sucessivo, a aplicação das sanções do inciso III, do art. 12 da Lei de Improbidade

Administrativa.

5. DOS PEDIDOS.

Diante de tudo que foi exposto, o Ministério Público do

Estado do Paraná, requer:

a) a autuação da presente petição inicial e dos

documentos que a instruem (Procedimento Preparatório nº MPPR-0103.12.000093-

2), bem como o seu recebimento e processamento segundo o rito estabelecido na

Lei n. 8.429/92;

b) a notificação dos requeridos, nos endereço constante

desta petição inicial, para oferecer manifestação escrita, nos termos do art. 17, § 7o,

da Lei 8.429/92. Requer-se seja determinada a notificação dos requeridos pelo

correio (CPC, art. 221 e 222, caput), com Aviso de Recebimento de Mão Própria;

c) seja dada prioridade na tramitação da presente Ação

Civil Pública tendo em conta o interesse público na solução do presente litígio,

afixando-se tarjeta nesse sentido no rosto dos autos, sob o argumento de que, à luz

da melhor hermenêutica, sob a perspectiva de um juízo de proporcionalidade

(artigo 5°, LV, da CRFB), o interesse social subjacente à tutela coletiva de proteção

ao patrimônio público deve prevalecer frente aos outros interesses individuais

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levados à apreciação e conhecimento deste Juízo, forte no princípio da máxima

prioridade jurisdicional da tutela jurisdicional coletiva e no poder geral de cautela do

magistrado.18;

d) após a resposta dos requeridos, seja recebida a

inicial e procedendo-se a citação deles para integrarem o pólo passivo da relação

jurídico-processual, dando-lhes oportunidade para, se quiserem, apresentarem

resposta, no prazo legal, sob pena de revelia, devendo constar do mandado a

advertência do artigo 285, segunda parte, do Código de Processo Civil;

e) a produção de todas as provas necessárias à

demonstração do alegado, dentre elas o depoimento pessoal dos requeridos, oitiva

de testemunhas cujo rol será oportunamente apresentado, além da juntada de

novos documentos que se fizerem necessários;

f) a condenação dos requeridos LINDISLEY DA

SILVA RASCA RODRIGUES, THEO BOTELHO MARÉS DE SOUZA, VITOR

HUGO RIBEIRO BURKO e CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. nas

penas compatíveis previstas no artigo 12, inciso II, da Lei nº 8.429/92, em razão da

prática de ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, descrito

no artigo 10, caput e incisos I, II, VIII e XII da mesma lei, consistentes em: f1)

ressarcimento integral e solidário do dano causado ao patrimônio público (R$

50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), acrescido de juros e correção

monetária até a data do efetivo pagamento; f2) perda da função pública; f3)

suspensão de seus direitos políticos, pelo prazo de oito anos; f4) pagamento de

multa civil, em solidariedade, de até duas vezes o valor do dano causado ao

18 “Portanto, sempre existirá interesse social na tutela jurisdictional coletiva, razão pela qual, valendo-se da regra interpretativa do sopesamento, conclui-se que os processos coletivos devem ser analisados com a máxima prioridade, até porque o interesse social prevalece sobre o individual. O princípio da máxima prioridade da tutela jurisdicional coletiva é conseqüência dessa supremacia do interesse social sobre o individual, e também decorre do artigo 5°, §1°, da CF, que determina a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. O Poder Judiciário, assim como os operadores do direito, deve atuar para priorizar a tramitação e o julgamento do processo coletivo” (GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA - “in” Direito

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erário, mencionado no item “f1”; f5) proibição de contratar (inclusive convênios)

com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,

direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja

sócia majoritária, pelo prazo de cinco anos.

g) sucessivamente, caso não seja acolhidos os pedidos

itens anteriores, requer-se a condenação dos requeridos LINDISLEY DA SILVA

RASCA RODRIGUES, THEO BOTELHO MARÉS DE SOUZA, VITOR HUGO

RIBEIRO BURKO e CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. nas sanções

compatíveiss previstas no art. 12, inciso III, da Lei de Improbidade

Administrativa, cominada para os atos que atentam contra os princípios da

administração pública (LIA, art. 11), consistentes em: g1) ressarcimento integral e

solidário do dano causado ao patrimônio público (R$ 50.000.000,00 (cinquenta

milhões de reais), acrescido de juros e correção monetária até a data do efetivo

pagamento; g2) perda da função pública; g3) suspensão de seus direitos políticos,

pelo prazo de cinco anos; g4) pagamento de multa civil, em solidariedade, de até

cem vezes o valor de suas remunerações na Administração Pública; g5) proibição

de contratar (inclusive convênios) com o Poder Público ou de receber benefícios

ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por

intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de três

anos.

h) a condenação dos requeridos LINDISLEY DA

SILVA RASCA RODRIGUES, THEO BOTELHO MARÉS DE SOUZA, VITOR

HUGO RIBEIRO BURKO e CATTALINI TERMINAIS MARTÍMOS LTDA. às

custas processuais, honorários advocatícios e demais verbas de sucumbência;

i) observância do art. 18 da Lei 7.347/85 e do art. 27 do

Código de Processo Civil quanto aos atos processuais requeridos pelo Ministério

Público;

Processual Coletivo Brasileiro - Editora Saraiva, 2003)

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j) a intimação pessoal do Ministério Público para

acompanhar todos os atos que integram o processo ora instaurado.

Dá-se à causa o valor de R$ 50.000.000,00 (cinquenta

milhões de reais).

Paranaguá, 8 de janeiro de 2013.

Alexandre Gaio

Promotor de Justiça