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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA Memorial da Procuradoria-Geral da República Tema central: Competência jurisdicional para processar e julgar feitos em que se investiga crimes comuns fede- rais conexos a crimes eleitorais. Gabinete da Procuradora-Geral da República Brasília/DF Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE, em 25/02/2019 12:13. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave BDF2193E.C5CA6A66.E07B00DB.2E72CAC0

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

Excelentíssimo Senhor Ministro Luiz Fux,

do Supremo Tribunal Federal.

Memorial

da Procuradoria-Geral da República

Tema central:

Competência jurisdicional para processar e julgar feitos em que se investiga crimes comuns fede-

rais conexos a crimes eleitorais.

Gabinete da Procuradora-Geral da RepúblicaBrasília/DF

Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE, em 25/02/2019 12:13. Para verificar a assinatura acesse

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INQUÉRITOS Nº 4401 E 4463AUTOR: Ministério Público FederalINVESTIGADO: Gilberto Kassab RELATOR: Ministro Luiz Fux

Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal,

A Procuradora-Geral da República vem, respeitosamente, apresentar MEMO-

RIAL com considerações acerca do seguinte tema: definição da competência jurisdicional

para processar e julgar feitos em que se investiga crimes comuns federais conexos a crimes

eleitorais.

I

I.1. Da natureza constitucional da competência da Justiça Federal – inaplicabilidade doartigo 78-IV do Código de Processo Penal

Um dos temas principais no processamento destes dois inquéritos consiste em de-

finir qual órgão jurisdicional – da Justiça Comum Federal ou da Justiça Eleitoral - tem compe-

tência para processar e julgar crimes comuns federais conexos a crimes eleitorais.

A Procuradoria-Geral da República tem sustentado que a competência, nesta pre-

cisa situação, deverá ser bipartida entre a Justiça Eleitoral e a Justiça Federal com base em ra-

ERRO: ORIGEM DA REFERÊNCIA NÃO ENCONTRADA 2

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zões de natureza constitucional, que tem importantes efeitos pragmáticos sobre a resolutivida-

de do sistema de justiça.

II

II.a Razões de ordem constitucional

A Constituição instituiu a competência criminal da Justiça Eleitoral, a competên-

cia para decidir habeas corpus e deferiu à lei ordinária regulamentar os demais aspectos:

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais: (...)

II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiçapropor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: (...)

d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;

III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios,bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e deresponsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

I - processar e julgar, originariamente:

a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiçado Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...)

IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviçosou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais. (...)

§ 3º - São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem esta Constituição e as denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança.

§ 4º - Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando: (...)

V - denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de

ERRO: ORIGEM DA REFERÊNCIA NÃO ENCONTRADA 3

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injunção.

O Código Eleitoral -- que em sua maior parte tem natureza de lei ordinária e foi

recebido como lei complementar em relação a certas matérias -- é a lei que definiu a compe-

tência criminal da Justiça Eleitoral. Seu artigo 35-II estabelece competir aos Juízes eleitorais

processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos, ressalvada a com-

petência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais:

Art. 35. Compete aos juizes: (...)

II - processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;

Por sua vez, o art. 78-IV do Código de Processo Penal estabelece que, na determi-

nação da competência por conexão ou continência, havendo concurso entre a jurisdição co-

mum e a especial, esta prevalecerá.

Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadasas seguintes regras: (...)

IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.

A interpretação destas normas constitucionais e legais poderia conduzir à conclu-

são de que, havendo conexão entre crimes eleitorais e comuns federais, a competência para

julgar todos seria da Justiça Eleitoral, que seria especial e exerceria uma força atrativa sobre

todos os crimes, a teor do art. 35-II do Código Eleitoral e do art. 78-IV do Código de Processo

Penal.

Esta interpretação de normas infralegais, no entanto, não prevalece, em ra-

zão do que estabelece a Constituição, cujas normas presidem todas as demais.

É que a competência criminal da Justiça Federal é definida pela Constituição e não

admite exceções feitas em lei: cabe à Justiça Federal processar e julgar "os crimes políticos e

as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de

suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a

competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral" (art. 109-IV).

Trata-se, portanto, de competência material absoluta.

ERRO: ORIGEM DA REFERÊNCIA NÃO ENCONTRADA 4

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Segundo o art. 109-IV da Constituição, os crimes federais, apesar de serem crimes

comuns, só podem ser julgados pela Justiça Federal, ainda que conexos a crimes de qualquer

outra natureza.

As normas infraconstitucionais -- como a dos artigos 35-II do Código Eleitoral e

78-IV do Código de Processo Penal -- não modificam a Constituição e, por isso, não podem

inovar o sistema jurídico com regras que alterem a competência da Justiça Federal, estabeleci-

da no art. 109-IV da Constituição.

O Supremo Tribunal Federal tem firme jurisprudência que refuta a interpretação

da COnstituição a partir do que estabelece a lei ordinária. Por exemplo, ao decidir se a regra

da perpetuatio jurisdictionis poderia, ou não, levar a Justiça Federal a processar e julgar cri-

mes que não estão descritos no art. 109-IV da Constituição, o Supremo Tribunal Federal ne-

gou esta possibilidade sob o fundamento, defendido nesta petição, de que a lei infraconstituci-

onal não modifica a competência da Justiça Federal prevista de modo taxativo na Constitui-

ção, ainda que seja para ampliá-la. Eis um precedente:

“PROCESSO PENAL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO PENAL. CONTRABANDO DEARMA DE FOGO (CP, ART. 334, § 1º, C). DESCLASSIFICAÇÃO PARA RECEPTA-ÇÃO (CP, ART. 180). PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDE-RAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. A norma do art. 81, caput, do CPP, ainda que busque privilegiar a celeridade, a econo-mia e a efetividade processuais, não possui aptidão para modificar competência abso-luta constitucionalmente estabelecida, como é o caso da competência da Justiça Fe-deral. 2. Ausente qualquer das hipóteses previstas no art. 109, IV, da CF, ainda que isso somen-te tenha sido constatado após a realização da instrução, os autos devem ser remetidos aoJuízo competente, nos termos do § 2º do art. 383 do CPP. 3. Ordem concedida.” (HC 116862, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 10/12/2013,PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 31-01-2014 PUBLIC 03-02-2014).

É pela mesma razão que, em caso de conexão entre crimes federais comuns e cri-

mes eleitorais, não se pode excluir da Justiça Federal a competência, estabelecida na Consti-

tuição, para processar e julgar os crimes federais e remetê-los para a Justiça Eleitoral, pois tal

interpretação está calcada em norma infraconstitucional (artigos 35-II do Código Eleitoral e

78-IV do Código de Processo Penal. Isso equivaleria a fazer prevalecer a lei ordinária so-

bre a Constituição, o que, por óbvio, não pode ser admitido.

A interpretação das normas de competência em caso de conexão entre crimes fede-

rais comuns e crimes eleitorais não pode incluir apenas a legislação ordinária. Deve prevalecer

ERRO: ORIGEM DA REFERÊNCIA NÃO ENCONTRADA 5

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a regra constitucional, de modo a considerar cada Justiça – a Federal e a Eleitoral – como a

competente para processar os crimes que, pela Constituição (no caso da Justiça Federal) e pela

Lei (no caso da Justiça Eleitoral) lhes cabem.

Por este entendimento, em caso de conexão entre crimes federais comuns e crimes

eleitorais, a respectiva investigação ou ação penal será cindida, sendo os primeiros julgados

pela Justiça Federal e os segundos pela Justiça Eleitoral.

Aqui, poderia despertar surpresa o entendimento, ora defendido, no sentido de se

operar a cisão do feito (que traz crimes federais conexos e crimes eleitorais) e não a sua pura e

simples remessa à Justiça Federal para julgamento conjunto das duas espécies de crimes. Ora,

considerando-se que a Justiça Federal tem sua competência criminal taxativamente prevista na

Constituição e tendo em conta que o mesmo não ocorre com a competência criminal da Justi-

ça Eleitoral – a qual está na legislação infraconstitucional –, a Justiça Federal não exerceria

força atrativa para julgar os crimes eleitorais conexos aos crimes federais?

A resposta da Constituição é negativa, a teor do art. 109-IV-parte final, que ex-

pressamente exclui do âmbito de competência da Justiça Federal os crimes eleitorais (“excluí-

das as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”).

Tal norma constitucional estabelece que a Justiça Federal não julgará crimes elei-

torais – mesmo que conexos a crimes federais. Do mesmo modo, a Justiça Eleitoral não pode-

rá julgar crimes federais. A consequência processual é que o feito criminal que tenha por obje-

to crimes dessas duas naturezas deverá ser cindido, e não reunido em uma das duas Justi-

ças. Com isso, evita-se que a Constituição Federal seja afrontada e, ao mesmo tempo, presti-

gia-se a especialização da Justiça Eleitoral para cuidar de crimes estritamente eleitorais.

Esta interpretação, aqui defendida, é simétrica, do ponto de vista constitucional, à

solução que tem sido pacificamente1 aplicada para as hipóteses de conexão entre crimes co-

muns federais e crimes militares.

Neste caso, justamente porque a competência da Justiça Federal é taxativamente

prevista na Constituição e porque diante do que prevê a parte final do art. 109-IV da Consti-

tuição (que exclui os crimes eleitorais e militares da competência da Justiça Federal), o feito

deve ser cindido, de modo que a Justiça Federal julgará o crime comum federal, enquanto a

Justiça Militar julgará o crime militar, sendo impensável o julgamento de ambos os crimes por1 Confira-se a Sumula 90 do STJ: Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela

prática do crime militar, e à comum pela prática do crime comum simultâneo àquele.ERRO: ORIGEM DA REFERÊNCIA NÃO ENCONTRADA 6

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um só Juízo. O mesmo raciocínio deve ser aplicado ao caso ora sob análise, pois se está diante

das mesmas razões.

Esse entendimento tem sido acolhido sem maiores divergências pela doutrina bra-

sileira. Veja-se:

“Havendo infrações conexas de competência da Justiça estadual, a justiça eleitoralexercerá força atrativa, nos exatos termos do dispositivo constante do art. 78, inci-so IV, do CPP, c/c o art. 35, inciso II, do Código Eleitoral (Lei n. 4737/65). Questi-ona-se se essa força atrativa da Justiça Eleitoral também seria extensiva aos cri-mes federais e militares. Apesar de haver julgado antigo da Suprema Corte afir-mando a competência da Justiça Eleitoral para os crimes eleitorais e também in-frações conexas, ainda que de competência da Justiça Federal, somos levados aacreditar que, na medida em que a competência da Justiça Federal vem preestabe-lecida na própria Constituição Federal, não poderia ser colocada em segundo pla-no por força da conexão e da continência, normas de alteração de competênciaprevistas na lei processual penal. Afinal, é a lei processual que deve ser inter-pretada por meio da constituição, e não o contrário. Há precedente do SuperiorTribunal de Justiça corroborando essa posição: “A conexão e a continência entrecrime eleitoral e crime da competência da Justiça Federal não importa unidadede processo e julgamento”. Mutatis mutandis, a Justiça Eleitoral também nãoexercerá força atrativa em relação a eventuais crimes militares que estejam ligadosa um crime eleitoral por força da conexão ou da continência, na medida em que acompetência da Justiça Militar também foi ressalvada pela Constituição Federal”2.

“Eventuais conexão ou continência entre crimes costumam implicar unidade deprocessamento e julgamento, nos termos do art. 79 do CPP. E, “ no concurso en-tre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta”, conforme o art. 78, V, domesmo diploma. Mas quando envolver crimes da competência da Justiça federal eda justiça militar ou eleitoral não implicará processamento e julgamento conjun-tos. Isso por que, “apesar de a Justiça Federal também ser denominada comumem face das Justiças Especializadas (trabalho, militar e eleitoral), não é possívela aplicação do art. 78, VI do Código de Processo Penal, pois negaria vigência aodispositivo constitucional que institui sua competência”. Assim, o art. 35, II, doCódigo Eleitoral, ao apregoar que cabe aos juízes eleitorais o julgamento dos cri-mes eleitorais e dos comuns que lhe forem conexos é inaplicável quando se tratede crime de competência da Justiça Federal.3”

“No entanto, um alerta se mostra necessário. Caso haja conexão com crime militarou com crime federal deverá haver separação de processos. Isto porque ambas ascompetências estão previstas na Constituição. Desta forma, para que seja cumpri-do o mandamento constitucional quanto à competência deverá haver separação de

2 BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Competência Criminal, Editora Podvm, p. 222-223.3 PAULSEN, Leandro. Crimes Federais, saraiva, 2017, p. 30.ERRO: ORIGEM DA REFERÊNCIA NÃO ENCONTRADA 7

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processos: o crime eleitoral deverá ser julgado pela Justiça Eleitoral e os crimesmilitares ou federais na respectiva justiça4”.

No mesmo sentido tem sido a posição acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça

(STJ), conforme se extrai dos seguintes julgados:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DELITO DE FALSO TESTE-MUNHO COMETIDO PERANTE A PROMOTORIA DE JUSTIÇA ELEITO-RAL. CRIME PRATICADO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇAELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDE-RAL. POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE CRIME PREVISTO NO ART. 299 DOCÓDIGO ELEITORAL, EM CONEXÃO. IMPOSSIBILIDADE DE JULGA-MENTO CONJUNTO NA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. COMPETÊNCIA DAJUSTIÇA COMUM FEDERAL FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLI-CA. NÃO APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. 1. A prática do delito de falso testemunho, cometido por ocasião de depoimentoperante o Ministério Público Eleitoral, enseja a competência da Justiça Federal,em razão do evidente interesse da União na administração da Justiça Eleitoral.Precedentes. 2. Na eventualidade de ficar caracterizado o crime do art. 299 do Código Eleitoral,este deverá ser processado e julgado na Justiça Eleitoral, sem interferir no anda-mento do processo relacionado ao crime de falso testemunho, porquanto a compe-tência da Justiça Federal está expressamente fixada na Constituição Federal, nãose aplicando, dessa forma, o critério da especialidade, previsto nos arts. 78, IV, doCPP e 35, II, do Código Eleitoral, circunstância que impede a reunião dos proces-sos na Justiça especializada. Precedentes. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara Crimi-nal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, o suscitado.” (CC 126.729/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em24/04/2013, DJe 30/04/2013)

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME ELEITORAL. CONEXÃO. CRIMEFEDERAL. FRAUDE. PREVIDÊNCIA SOCIAL. ART. 78, INCISO IV, DO CPP.NÃO-APLICAÇÃO. NORMAS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA JUSTI-ÇA ELEITORAL E JUSTIÇA COMUM FEDERAL. 1. Consta dos autos que os Réus realizaram fraude para obter benefício previden-ciário em detrimento do INSS, sendo as condutas tipificadas no art. 299 do Códi-go Eleitoral e 171, § 3º, do Código Penal, verificando-se a ocorrência da conexão. 2. Contudo, não pode permanecer a força atrativa da jurisdição especial, pois ocor-reria conflito entre normas constitucionais, o que não é possível em nosso ordena-mento jurídico. 3. Na hipótese vertente, não pode persistir a unidade processual, devendo o crimedo art. 299 do Código Eleitoral ser julgado pela Justiça Eleitoral e o crime do art.171, § 3º, do Código Penal pela Justiça Comum Federal. 4. Conflito conhecidopara declarar competente o Juízo de Direito da 309ª Zona Eleitoral de TrêsMarias/MG para o crime de competência eleitoral e competente o Juízo Federal da

4 DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal, 2018, e- book.ERRO: ORIGEM DA REFERÊNCIA NÃO ENCONTRADA 8

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9ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais para o crime de competên-cia federal.” (CC 39.357/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/06/2004, DJ02/08/2004, p. 297)

Por fim, um dado histórico pode contextualizar a razão de ser dos artigos 35-II do

Código Eleitoral e 78-IV do Código de Processo Penal, os quais conduziriam, não fosse a

Constituição, à competência da Justiça Eleitoral sobre a competência de outras Justiças.

É que ao tempo em que tais dispositivos foram editados (julho de 1965, no caso

do Código Eleitoral, e outubro de 1941, no caso do Código de Processo Penal), não havia Jus-

tiça Federal no Brasil, já que esta fora extinta pelo Decreto-Lei n. 6, de 16.12.1937 e restaura-

da pelo Ato Institucional n. 2, de 27 de outubro de 19655. Daí porque os legisladores ordinári-

os, ao editarem os artigos 35-II do Código Eleitoral e 78-IV do Código de Processo Penal,

simplesmente não tinham como considerar, para fins de disciplina normativa, as hipóteses de

conexão de crimes da competência da Justiça Especializada (eleitoral) e da Justiça Comum

Federal.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e da taxatividade do rol de com-

petências criminais federais que ela estabelece, os artigos 35-II do Código Eleitoral e 78-IV do

Código de Processo Penal passaram a ter um âmbito de abrangência restrito, justamente por-

que alterado pela Constituição. Estes dispositivos, repita-se, não se aplicam em casos de cone-

xão entre crimes das competências da Justiça Eleitoral e da Justiça Comum Federal.

Nesse sentido é a magistério da doutrina:

“Finalmente, o inciso IV do art. 78 prevê que, “no concurso entre a jurisdição co-mum e a especial, prevalecerá esta”. A concorrência de jurisdições se refere a Jus-tiças diversas, e não a juízos especiais de uma determinada Justiça. A “Jurisdiçãocomum” a que se refere o dispositivo é composta pela Justiça Estadual e pela Jus-tiça Federal. A Justiça Militar da União, a Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalhosão “jurisdições especiais”. Todavia, diante da CR de 1988, o dispositivo seráde aplicação mais restrita do que à primeira vista possa parecer. Isso porque,como já visto, não pode haver reunião de processo, por conexão ou continência,no caso em que concorram Justiças com competências constitucionalmente defini-das. Assim sendo, o art. 78, IV, do CPP somente tem aplicação no caso de concur-

5 No AI nº 2, de 27.10.1965, consta a alteração dos artigos 94, 98, 103 e 105 da Constituição Federal de1946, que passaram a estabelecer no artigo 94, inciso II, que o Poder Judiciário seria integrado pela TribunalFederal de Recursos e juízes federais. No artigo 105: “Os Juízes Federais serão nomeados pelo Presidente daRepública dentre cinco cidadãos indicados na forma da lei pelo Supremo Tribunal Federal.” No artigo 20,estabelecia-se que o provimento inicial dos cargos de Juiz Federal far-se-ia pelo Presidente da Repúblicadentre brasileiros de saber jurídico e reputação ilibada.

ERRO: ORIGEM DA REFERÊNCIA NÃO ENCONTRADA 9

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so entre um crime de competência da Justiça Comum dos Estados e outro da Justi-ça Eleitoral, uma vez que as regras constitucionais não definem, expressamente, ascompetências de tais Justiças, relegando tal tarefa à legislação infraconstitucio-nal6”.

Essas são, portanto, as razões constitucionais que amparam o entendimento aqui

defendido.

Há, ainda, efeitos pragmáticos a amparar este entendimento.

II.b. Efeitos constitucionais indesejados: impunidade

A prevalecer a interpretação oposta à ora defendida, a consequência prática daí

decorrente seria remeter centenas de investigações e ações penais hoje em curso, que tratam

de (complexos) crimes federais praticados em conexão com crimes eleitorais para a Justiça

Eleitoral. Ocorre que tal efeito, além de não estar amparado pela Constituição, como visto aci-

ma, é ainda indesejável, porque poder gerar impunidade.

Em primeiro lugar, sabe-se que a Justiça Eleitoral não é especializada para pro-

cessar e julgar crimes comuns federais. Diversamente, trata-se de uma Justiça especializada e

vocacionada a lidar com crimes tipicamente eleitorais, que são “os previstos no Código Elei-

toral (v.g crimes contra a honra, praticados durante a propaganda eleitoral) e os que a lei,

eventual e expressamente, defina como eleitorais. Todos eles referem-se a atentados ao pro-

cesso eleitoral, que vai do alistamento do eleitor para fins eleitorais – art. 348 do código

eleitoral – até a diplomação dos eleitos7”.

Ao contrário do que ocorre com os crimes federais, os eleitorais são tipificados em

menor número, protegem bens jurídicos muito específicos, sendo-lhes aplicáveis os institutos

despenalizadores previstos na Lei n. 9.099/95 (transação penal e suspensão condicional do

processo8). Daí que o seu processamento, em geral, é concluído em poucos dias.

6 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. Ed. 2017, e- book.7 BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Competência Criminal, Editora Podvm, p. 221.

8 Segundo Evânio Moura, “após acurada análise dos tipos penais eleitorais, descobre-se que a imensamaioria das condutas se enquadram no conceito de crime eleitoral de pequeno potencial ofensivo, sendoencontradas 56 figuras típicas penais, quais sejam: a) código Eleitoral: artigos 290, 292, 293, 295, 296,297, 300, 303, 304, 305, 306, 310, 311, 312, 313, 314, 318, 319, 320, 321, 323, 324, caput, p. 1º, 325, 326,caput, 326, p. 2º, 331, 332, 323, 324, 235, 337, caput, 337, p. Único, 338, 341, 342, 343, 344, 345, 346 e347; b) Lei n. 6091/74; artigo 11, I e II; c) Lei n. 7021/82: artigos 33, p. 4, 34, p. 2 e 3, 39, p. 5º, I, II e III,40, 68, p. 2º, 87, p. 4º e 91, p. Único.”

ERRO: ORIGEM DA REFERÊNCIA NÃO ENCONTRADA 10

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A pretensão punitiva dos crimes eleitorais observa prazos prescricionais bastante

diminutos e exige a especialização dos juízes eleitorais, para que haja celeridade própria do

processo eleitoral e definição dos eleitos que poderão exercer seu mandato. A urgência das li-

des eleitorais exigem dedicação do juiz eleitoral a esta matéria, deixando aos juízes federais a

competência para os crimes federais comuns. Caso também fossem de competência da Justiça

Eleitoral, ficariam relegados a segundo plano, sendo enfrentados em momento posterior à elei-

ções. O prejuízo daí decorrente é evidente, em especial tendo-se em conta que boa parte dos

crimes federais que seriam julgados pela Justiça Eleitoral, são relacionados a desvios milioná-

rios de recursos da União e de suas empresas.

A Justiça Eleitoral conta com estrutura material e humana adequada para lidar

com crimes eleitorais, não com os crimes federais. De fato, a irrazoabilidade do entendimento

de que a Justiça Eleitoral tem competência para processar e julgar crimes federais conexos a

crimes eleitorais fica ainda mais evidente quando se constata a extrema complexidade de que

se reveste boa parte do universo de crimes federais, a exigir, para o seu bom enfrentamento,

não apenas estrutura adequada, mas, também, profissionais especializados.

Tanto é assim que a própria Justiça Federal tem sido levada a criar varas especiali-

zadas para cuidar de crimes sofisticados e complexos, como a lavagem de capitais e os crimes

contra o sistema financeiro nacional, em um reconhecimento de que as varas criminais co-

muns da Justiça Federal, assoberbadas com diferentes feitos criminais, necessitam de meios

específicos para processar tal espécie de criminalidade. Os excelentes serviços prestados pela

jurisdição eleitoral decorrem de sua estruturação para exercer atividades típicas da matéria

eleitoral e terá dificuldade para absorver matéria própria da Justiça Federal.

O fato é que, caso se permita que boa parte dos crimes ligados às mais complexas

operações da história do país sejam processados e julgados pela Justiça Eleitoral, será certa-

mente necessário reformulá-la por inteiro, aumentando-se, por exemplo, os recursos materiais

e humanos destinados a tal Justiça, a qual, atualmente, tem seu funcionamento mais acentuado

apenas em época de eleição.

Por fim, relembre-se que a Justiça Eleitoral não tem quadro próprio de juízes, ten-

do, ao revés, composição transitória (os julgadores têm mandato de dois anos9) e mista (for-

9A duração de cada mandato é de 2 (dois) anos, reconduzíveis uma única vez consecutiva. A transitoriedade dos órgãos eleitorais decorre da habitualidade com que ocorrem as eleições no país. Em regra, ocorre a cada 2 (dois) anos um pleito eleitoral,ERRO: ORIGEM DA REFERÊNCIA NÃO ENCONTRADA 11

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mada por advogados não togados e por juízes10). Aliás, essa composição mista, com a presen-

ça de advogados no quadro de julgadores da Justiça eleitoral, foi historicamente concebida

com o objetivo de se garantir pluralidade no julgamento de lides que versam sobre a sobera-

nia popular, como é o caso das que tratam de crimes eleitorais, mas não é o caso de crimes

comuns federais.

Assim, além de todos os óbices constitucionais à competência da Justiça Eleitoral

para julgar crimes federais comuns acima indicados, há, ainda, que se questionar se seria con-

veniente e desejável permitir-se que a Justiça Eleitoral – que não tem expertise e condições

materiais para julgar crimes comuns e que possui composição transitória e mista de juízes –

processe e julgue milhares de complexas investigações e ações penais que versam, por exem-

plo, sobre crimes de corrupção e financeiros. Trata-se de reflexão, repita-se, que não pode dei-

xar de ser feita e que deve conduzir à conclusão de que a Justiça Eleitoral deve continuar res-

trita a executar importante mister democrático de conhecer de lides criminais tipicamente elei-

torais, deixando a Justiça Federal a cargo dos crimes comuns de natureza federal, cujo proces-

so e julgamento lhe foi atribuído pela Constituição.

III - Conclusões

Pelo exposto, a Procuradora-Geral da República entende que a Constituição deter-

mina que, em caso de conexão entre crimes federais comuns e crimes eleitorais, cada um de-

verá ser processado e julgado na Justiça Federal e na Justiça Eleitoral, respectivamente.

Brasília, 25 de fevereiro de 2019.

Raquel Elias Ferreira DodgeProcuradora-Geral da República

10 Artigos 119 e 120 da CF.ERRO: ORIGEM DA REFERÊNCIA NÃO ENCONTRADA 12

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