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2ª parte da exegese de 1Jo.2.1-6
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GLADSON PEREIRA DA CUNHASILVINO DA CUNHA DIAS
Exegese em I João 2.1-6Parte II
Exegese apresentada ao Seminário Teológico
Presbiteriano Rev. Denoel Nicodemos Eller
atendendo as exigências da disciplina de Exegese
em Epístolas Gerais.
Professor: Rev. Ms. José João de Paula
BELO HORIZONTE
2004
Índice
1 TERMOS CHAVES...............................................................................................3
2 TRAÇOS GRAMATICAIS.....................................................................................3
3 ESTRUTURA DA PASSAGEM.............................................................................7
4 AMARRAÇÃO DA PASSAGEM...........................................................................7
5 INTERPRETAÇÃO DA PASSAGEM....................................................................7
5.1 Jesus é o Advogado dos fiéis...........................................................................8
5.2 Jesus é o Senhor dos fiéis..............................................................................14
5.3 Jesus é o Modelo dos fiéis..............................................................................18
BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................21
3
1 TERMOS CHAVES
Ao trabalharmos a passagem de 1 João 2.1-6, podemos considerar as
seguintes palavras ou expressões abaixo listadas de acordo como seu referente
versículo, como os termos e expressões chaves desta perícope:
Versículo 1
Filhinhos – tekni/onque não pequeis – me/ a(ma/pthteadvogado – para/klhtojjusto – dikaioj
Versículo 2
propiciação; oferta pelo pecado – i(lasmoj
Versículo 3
conhecemos – e)gw/kamenmandamentos – e)ntolh/obedecemos – thrwmen
Versículo 4
aquele que diz – le/gwnnão obedecendo – mh\ thrw=nmentiroso – yeu/sthj
Versículo 5
obedece – thrhverdadeiramente – a)lhtwjo amor de Deus – h) a)ga/ph tou qeoutem sido aperfeiçoado – teteleiwtai
Versículo 6permanece – me/nein/deve – o)fei/leiassim como – kaqw/jele – e)ke/inojandou – periepathsen
2 TRAÇOS GRAMATICAIS
Outro elemento importante na elaboração deste trabalho exegético é o
levantamento e análise dos traços gramaticais que são predominantes nesta
passagem. Estes traços determinam, filologicamente, a estrutura, a forma e o
conteúdo das informações que o texto tem a nos oferecer, recordando-nos sempre o
fato que as Escrituras nos foram reveladas através de uma estrutura
4
lingüisticamente qualificada,1 a qual pode e deve ser analisada pelos estudantes da
Sagrada Escritura.
Esta análise se baseia na observação e avaliação das diversas classes
gramaticais existentes na passagem, porém, evidenciando aquelas que têm maior
importância para o entendimento da idéia exposta pela passagem. Vejamos,
primeiramente, os verbos existentes nesta perícope.
O tempo verbal com maior destaque em todo o texto é o presente, como
cerca de 13 ocorrências, sendo que 9 destes casos encontram-se no modo
indicativo, 2 no infinitivo e 2 no subjuntivo – sobre os modos veremos algo mais a
frente. Este tempo grego expressa cronologia e o tipo da ação descrita pelo verbo,
como os verbos dos demais idiomas, contudo, algo que deve estar sempre presente
na mente dos exegetas ao analisar os tempos gregos é o princípio de que o mais
importante neles não é a idéia temporal, mas sim a o tipo ou a qualidade da ação.2
O presente expressa eventos continuativos e progressivos ou, como os
gramáticos preferem, durativo e linear,3 os quais se processam na ocasião do falar
ou escrever.4 Isto quer dizer que a ação expressada por este tempo é progressiva e
que ainda está acontecendo num tempo presente. O presente tem como uma de
suas características o aspecto de uma declaração, que pode indicar as intenções de
quem está realizando a ação.5
Neste caso, o apóstolo se apropria deste tempo verbal construir a sua
argumentação, afirmando ou condicionando uma realidade. Por exemplo, quando
ele afirma que egnwka au)to/n [lit. conheço a Deus], no seu argumento, ele está
se colocando no lugar de um de seus opositores e afirmando algo que era
considerado indubitável. E isto está em pleno acordo com a função deste tempo.
Este é sem dúvida o tempo verbal mais importante desta perícope tanto pela sua
ocorrência quanto pela sua capacidade descritiva e argumentativa, sendo que
1 KLOOSTER, Fred H. Toward a Reformed Hermeneutic. Em: PAULA, José João de. Apostila de Metodologia Exegética. Belo Horizonte, 2002. 1
2 PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Fundamentos para a Exegese do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 2002. 35
3 PINTO. Fundamentos para a Exegese NT, 35; TAYLOR, William Carey. Introdução ao Estudo do Novo Testamento Grego. São Paulo: Editora Batista Regular, 2000. 13; LUZ, Waldir Carvalho. Manual de Língua Grega. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1991. 1355;
4 CHAMBERLAIN, William Douglas. Gramática Exegética do Grego Neotestamentário. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989. 96
5 TAYLOR. Introdução ao Estudo. 13; PINTO. Fundamentos para a Exegese NT. 37
5
maiores evidências pode ser conseguidas mediante a análise conjunta com os
modos, nos quais este tempo aparece do desenvolvimento do texto.
O segundo tempo verbal com maior ocorrência é o aoristo, com três casos,
em todos o texto. O aoristo indica uma ação pontilear ocorrida e concluída no
passado, sem que conseqüências dela se projetem para o futuro, não sendo a sua
função descrever a ação em si, mas exclusivamente afirmá-la.6
Em dois casos, João utilizou-se do aoristo para descrever uma ação que se
processou (andou [gr. periepa/thsen]). Nos demais casos, João utilizou-se do
modo subjuntivo do aoristo para se referir a possibilidade de uma ação, não
necessariamente a sua realização.
Outro tempo verbal encontrado no texto com também 3 ocorrências é o
Perfeito. A qualidade perfectiva deste verbo sempre merece a atenção dos
exegetas, porque ela pode esconder detalhes importantes para se estabelecer o
sentido real da palavra, dando mais elementos para o estabelecimento da
mensagem do texto. Sendo, por isso, considerado como o mais importante de todos
os tempos verbais gregos.7
A ênfase do perfeito recai sobre os resultados ou condição resultante de uma
ação e não propriamente na ação.8 Nesse caso, um bom exemplo do uso deste
tempo é que João afirma que o “amor de Deus é aperfeiçoado” [gr. tetelei/wtai]
naqueles que verdadeiramente obedecem os mandamentos de Jesus Cristo. Assim,
o ato de obedecer resulta na realização no indivíduo, do aperfeiçoamento do amor
de Deus, de uma forma constante.
Quanto aos modos, dois dos cinco modos verbais existentes no Coinê estão
presentes no texto paulino: o Indicativo e o Subjuntivo. Em primeiro lugar, está o
modo indicativo que pode ser encontrado 22 vezes no texto, sendo que 18 delas
estão ligadas ao tempo presente, na voz ativa. O indicativo é o modo da afirmação,
que apresenta a ação ou estado como algo real ou factual, não havendo qualquer
possibilidade implícita de dúvida ou contingência quando este modo é utilizado, a
menos que sejam utilizados os recursos gramaticais adequados para estabelecer
tanto uma como outra.9
6 CHAMBERLAIN, William Douglas. Gramática Exegética do Grego Neotestamentário. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989. 101
7 CHAMBERLAIN. Gramática Exegética, 988 PINTO. Fundamentos para a Exegese NT, 43
6
O segundo modo é o subjuntivo, encontrado neste texto, com apenas quatro
ocorrências, o qual expressa uma idéia de probabilidade, da incerteza, da
dependência e de contingência, não havendo necessariamente o aspecto temporal,10
sendo de certo modo o contrário do indicativo. A ocorrência mais evidente e, ao
mesmo tempo controversa, é [mh\] a(ma/rthte [lit. que não pequeis]. Neste caso
específico, João demonstra uma possibilidade da não efetivação do ato pecaminoso.
Necessariamente, a realidade do pecado pode ou não ser efetivada na vida no
cristão, mas sobre os detalhes teológicos envolvidos nesse termo será trabalhado
mais adiante. O interessante é que noutro caso a idéia de dúvida é realçada pela
conjunção condicional de dúvida11 e)a/n, que antecede o verbo.
Os particípios são um caso à parte aparecendo no texto 8 vezes. Um aspecto
do particípio grego é o de assumir uma forma adjetival ou uma forma adverbial,
agindo, portanto, como uma espécie de adjetivo verbal12. No caso que temos em
mãos, todos estes particípios assumem a forma adjetival substantivada.13 O apóstolo
João usa, portanto, esses particípios para se reproduzir os argumentos de algumas
pessoas que, de alguma forma, poderiam estar afetando a saúde das igrejas
asiáticas.
O infinitivo é a outra forma nominal do verbo grego que é encontrado, com
duas ocorrências. Como vimos anteriormente o particípio é uma espécie de adjetivo
verbal, já o infinitivo é um substantivo verbal, predominando em alguns casos o
aspecto verbal e em outras o nominal.14 Tendo, portanto, um aspecto nominal, o
infinitivo deve ser encarado como um gênero neutro, que faz referência ao ato e não
a uma pessoa.15
A existência de várias conjunções é algo que deve ser também analisado
neste texto. O apóstolo João usou em seu texto um total de 16 conjunções em 6
versículos, uma média de 2,67 conjunções por versículo. Podemos definir as
conjunções como partículas conectivas, isto é, que têm como função ligar palavras a 9 PINTO. Fundamentos para a Exegese do Novo Testamento, 29; LASOR, William Sanford.
Gramática Sintática do Grego do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova,1986. 3610 LASOR. Gramática Sintática, 37; LUZ, Manual de Língua Grega, Vol.2. 139511 SCHALKWIJK Francisco Leonardo. Coinê – Pequena Gramática do Grego
Neotestamentário. Patrocínio: CEIBEL, 1998, 13012 Ibid., 8613 Ibid., 8214 SCHALKWIJK. Coinê,102; CHAMBERLAIN. Gramática Exegética, 12915 Ibid., 102
7
palavras ou mesmo cláusulas a cláusulas, relacionando estes períodos entre si,
adicionando, divergindo, comparando, condicionando uma a outra.
É possível considerar que a grande quantidade de conjunções existentes
nesta perícope se deve ao fato do apóstolo estar desenvolvendo um argumento.
Mais do que um amontoado de frases, ele precisava definir a sua idéia e deixar claro
a suas intenções, a isto os gramáticos dão o nome de textualidade. E as conjunções
cumprem o papel decisivo na construção da textualidade,16 tornado o texto e,
consequentemente, a idéia clara, articulada e coerente.
As preposições encontradas no texto, as quais somam um total de 10 casos,
não despertam a necessidade de uma análise imediata mais profunda. O uso de
algumas delas poderá ser discutido no momento em que o texto for trabalhado de
modo mais amplo na interpretação da passagem.
3 ESTRUTURA DA PASSAGEM
A partir das informações dadas em aula reconhecemos como a estrutura da
passagem as seguintes colunas:
I. Jesus é o Advogado dos fiéis – [v.1-2]
II. Jesus é o Senhor dos fiéis – [v.3-5]
III. Jesus é o Modelo dos fiéis – [v.6]
4 AMARRAÇÃO DA PASSAGEM
Antes de partirmos para a análise da mensagem para os dias do autor, faz-se
necessário trabalharmos a estrutura contextual, afim de conhecermos o contexto em
que nossa passagem se encontra.
5 INTERPRETAÇÃO DA PASSAGEM
Todo o estudo exegético visa, em última instância a edificação do corpo de
Cristo, por meio da mensagem contida numa passagem estudada. Qualquer esforço
exegético que não tenha este alvo é vão. Mesmo se tratando de um trabalho
acadêmico, não é possível dissociar da Palavra de Deus seus aspectos didáticos
nem os kerigmáticos; de certo ela será útil para o ensino, para correção, para a
educação na justiça, como ele a mesmo se descreve (2 Tm.3.16).
16 MAGALHÃES, Thereza Cochar; CEREJA, William Roberto. Gramática – Texto, Reflexão e Uso. São Paulo: Editora Atual, 1998. 168
8
Uma pergunta básica deve ser feita neste momento, cuja a resposta nos dará
o conteúdo da mensagem que objetivamos. Esta pergunta é: o que os leitores
primários desta epistola entenderam quando ela foi lida por eles? Acreditamos que
as três colunas do texto respondem esta questão.
5.1 Jesus é o Advogado dos fiéis
O apóstolo amado inicia esta perícope com o vocativo Tekni/a mou [lit. meus
filhinhos] para chamar a atenção dos seus leitores para o que será dito. Na verdade,
João chama os seus leitores para observar os dois momentos existentes no seu
discurso, isto é, o que ele disse no contexto anterior, no qual ele tinham em mente
os seus oponentes, e a necessidade de defender a verdadeira doutrina dos ataques
destes.17
Interrompendo, então, esse argumento, o apóstolo transfere a sua atenção
aos seus filhinhos, chamando-os a atenção para o que estaria dizendo a partir de
então. Assim, ele utilizou essa declinação do substantivo grego, colocando-a ainda
no diminutivo, como um termo de estima e de intimidade,18 para demonstrar aos
seus leitores o aspecto pastoral existente naquelas palavras. É interessante notar
que apesar dos apóstolos terem sido advertidos para que ninguém os chamasse de
pai (Mt.23.9), a relação que a tarefa pastoral coloca o líder e os seus liderados é
exatamente esta relação paterna. Para visualizarmos melhor isso, vamos analisar a
construção dos períodos, estruturados como se segue:
v.1a Meus Filhinhos,
isto [que] estou escrevendo NÃO PEQUEM [gr. a(ma/rthte]
é para que vocês
O assunto para qual João está chamando a atenção dos seus leitores, o qual
já havia introduzido na perícope anterior, é a relação cristão x pecado. Neste
momento, portanto, ele inicia seu argumento dizendo que o que ele estaria
escrevendo a partir de então tinha apenas um objetivo: “para que vocês não
pequem” [gr. a(ma/rthte] (v.1).
O apóstolo utiliza-se de um aoristo no modo subjuntivo para construir o seu
argumento. Algo que deve estar bem claro antes de continuarmos é que João não
17 MARSHALL. I. Howard. The Epistles of John. Em: FEE, Gordon [ed.] The New Internacional Commentary on the New Testament. Grand Rapids: Wm. Eerdmans Publishing Co. 1987. 115
18 SMALLEY. Stephen S. 1, 2 and 3 John. Em:MARTIN, Ralph P. [ed.]. Word Bilbical Commentary Vol.51. Waco: Word Books Publisher, 34
9
está sendo autoritativo, isto é, ele não está transmitindo um mandamento a respeito
da ausência do pecado na vida dos cristãos, mas está afirmando que existe uma
possibilidade do cristão evitar a prática do pecado. Esse aspecto de possibilidade é
uma das característica do subjuntivo, que unido ao aoristo, não expressa uma ação
passada, mas indica uma visualização de uma ação que poderá se realizar, de
modo factual.19
Assim, mais do que dar uma ordem impossível de ser cumprida, o que João
está fazendo é chamando todo o seus seguidores a repudiar inteiramente o
pecado,20 vivendo a assim uma vida em santidade. Entendendo, portanto, que a
doutrina de João estava expondo tinha o desígnio de manter os homens afastados
do pecado, demonstrando que há uma possibilidade dos cristãos se abster da
prática do pecado. 21 Porém, como João não está apresentando uma realidade
absoluta, mas uma realidade relativa, isto é, existe a possibilidade do pecado; o
próprio apóstolo apresenta uma solução para este pecado. Ele continua:
v.1b E se [gr. kai/ e(an] mesmo assim alguém PECAR [gr. a(ma/rtv]
TEMOS um ADVOGADO [gr. para/klhton] diante do Pai, Jesus Cristo,
O JUSTO [gr. di/kaion].
O apóstolo inicia esta segunda cláusula apresentando o lado negativo da
possibilidade anteriormente demonstrada por ele. Novamente ele utiliza um aoristo
subjuntivo para transmitir um idéia contingencial, a qual recebe uma forte ênfase da
conjunção de contingência e(an, que também poderia ser traduzida por quando, que
transmitiria mais que uma idéia de dúvida, mas um incerteza em relação a
efetivação de tal ação ou não. Estabelecido, então, a possibilidade que algum cristão
pecasse, João, como se ele voltasse ao seu argumento do capítulo anterior, diz que
existe um remédio para todo aquele que peca e confessa o seu pecado.
O autor deixa de lado o modo subjuntivo e se apropria de modo indicativo, no
tempo presente, para demonstrar o contraste entre a possibilidade do pecado e a
realidade da existência de uma solução para ele. João usa o verbo e)/xw para
afirma que todo o fiel tem um advogado [gr. paraklhtoj (translit. paraklētos)] junto ao
Pai (v.1b). Esse advogado é quem assume, portanto, a tarefa de defender a sua
19 REGA. Lourenço Stelio e BERGMANN, Johannes. Noções do Grego Bíblico. São Paulo: Edições Vida Nova,2004.139-140
20 SMALLEY. Word Bilbical Commentary. 3421 CALVIN, John. Commentaries on the Catohlics Epistles. Grand Rapids: Baker Books House,
1979. 170
10
causa diante de grande juiz de todo universo. Porém, antes de darmos
prosseguimento a análise da ação remediadora desse paraklētos, acreditamos que
precisamos fazer algumas considerações a respeito do uso desta palavra no grego e
principalmente nos escritos joaninos.
Etimologicamente, paraklhtoj significa “o que é chamado para o lado para
ajudar)”.22 Porém, é necessário para nossa avaliação muito mais que simplesmente
o aspecto etimológico, mas também o sentido que tal palavra recebeu no
desenvolvimento da língua. Quando nos voltamos para o classicismo grego, o uso
da palavra paraklētos ocorre em fragmentos de literatura jurídica. Embora não exista
ligação entre paraklētos e o seu cognato latino advocatus, como uma espécie de
conselheiro legal, esta idéia deve ser encarada à luz da assistência jurídica junto ao
fórum, indicando aquele que pleiteia a causa de outrem.23
Dentro do uso deste termo nos documentos do Novo Testamento, podemos
encontrá-lo apenas nos escritos joaninos. Fora a ocorrência em questão, as demais
ocorrem apenas no Quarto Evangelho, sendo que nem nos escritos paulinos e nem
nos sinóticos, tal uso acontece.24 O que se configura numa característica marcante
da teologia joanina o uso deste termo. Uma questão que surge, porém, é a seguinte:
por que João usa o termo consagrado à pessoa do Espírito Santo para se referir a
Jesus Cristo? Será possível que o mesmo título se aplique à pessoa de Jesus, sem
criar qualquer constrangimento à teologia de João?
De fato, muitos eruditos no estudo neotestamentário, inclusive o próprio
Rudolf Bultmann, consideram que a identificação do paraklētos com o Espírito é um
fator decisivo em assessorar o ensino apostólico, embora reconheçam que a única
exceção aceitável seja Jesus Cristo.25 Nesse sentido, é possível identificarmos a
relação existente entre Jesus e o Espírito num texto joanino.
Próximo a sua crucificação, Jesus falou a respeito do Espírito Santo referindo-
se a ele como o “outro Consolador” [gr. a)llon para/klhton], que seria enviado da
parte do Pai à pedido de Jesus (Jo.14.16). Se observarmos atentamente a
construção desta expressão, a palavra a)lloj indica a existência imediata de um
22 MARSHALL. The Epistles of John. 11623 BRAUMANN, Georg. Advogado. Em: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento – vol. 1. São Paulo: Edições Vida Nova, 2002. 26
24 Ibid., 2725 Ibid., 26
11
paraklētos, caso contrário, esse termo seria extremamente desnecessário. Logo,
podemos concluir que o próprio Jesus, mesmo que indiretamente, se intitulado “um
consolador”, o qual já estava presente e que deveria dar lugar ao que ainda viria.
Se recorremos, como fez Plummer,26 ao testemunho paulino, poderemos
confirmar o nosso argumento. Segundo Paulo, tanto Jesus Cristo quanto o Espírito
Santo são nossos intercessores junto ao Pai (Rm. 826-27;34), embora não exista no
texto paulino a ocorrência variações do verbo grego parakalew [translit. parakaleō].
Porém, a idéia de uma ação intercessora está presente em ambos os verbos
utilizados pelo apóstolo aos gentios.
O que pode ser considerado é a diferença entre os ministérios dos paráklētoi.
Poderíamos resumir esta diferença nas palavras de Archibald T. Robertson, quanto
esse diz que “o Espírito Santo é o advogado de Deus sobre a terra diante dos
homens, enquanto o Filho é o advogado do homem junto ao Pai”.27
John Stott, então, reforça o que foi dito por Robertson, demonstrando como
se dá a ação desses paraklētoi. Para ele, o Espírito Santo é o agente que promove a
causa de Cristo neste mundo hostil,28 o que num aspecto soteriológico deve ser
entendido como a proclamação da mensagem redentiva do evangelho de Cristo.
Assim, Cristo é aquele que intercede junto ao Pai, pela causa daqueles que são
alcançados pela ação transformadora do evangelho.29
Algo que também deve ser notado quanto a personalidade do paraklētos
Jesus, é o uso do adjetivo di/kaioj [translit. dikaios (port. justo)], atribuindo à Jesus
tal qualidade. Para Stott essa é um inesperado uso que o autor faz desse adjetivo,
que no argumento anterior era um qualificador da pessoa do Pai (1Jo.1.9). Isso
indica, segundo Stott, o caráter daquele que pode por meio de sua própria justiça
pode purificar alguém de “todas as suas injustiças”.30 De posse desse atributo, Jesus
Cristo, o justo (1Jo.2.1), poderia pleitear junto ao Pai, que também é justo (1Jo.1.9),
por todos aqueles que não possuem nenhuma justiça.31
26 PLUMMER, Alfred [ed.] Cambridge Bible for Schools and Colleges – The Epistles of St. John. Cambridge: Cambridge University Press, 1954. 86
27 ROBERTSON, Archibald Thomas. Imágenes Verbales en el Nuevo Testamento – Tomo 6. Barcellona: Editorial CLIE, 1990. 233
28 STOTT, John R.W. As Epistolas de João – Introdução e Comentário. Em: Série Cultura Bíblica. São Paulo: Edições Vida Nova e Editora Mundo Cristão, 1985. 70
29 Ibid., 7030 Ibid., 7031 PLUMMER. The Epistles of St. John. 87-88
12
Disso surge uma questão: como Cristo exerce o papel de paraklētos em favor
dos seus fieis? Vejamos a resposta que João dá no versículo seguinte:
v.2 Ele é a PROPICIAÇÃO [gr. i(lasmo/j] pelos nossos PECADOS[gr
a(martiw=n],
não apenas por causa dos NOSSOS,
MAS TAMBÉM [gr. a)lla\ kai]
pelos pecados de TODO O MUNDO.[gr. o(/lou tou= ko/smou]
Esse versículo possui um aspecto parentético, sendo assim uma explicação
do anterior, justamente uma resposta a pergunta que anteriormente elaboramos. Ao
falar que temos um Advogado junto ao Pai, João tratou de identificá-lo e qualificá-lo,
isto é, Jesus Cristo, o Justo. Agora, nesse segundo momento, o apóstolo elabora um
argumento para apresentar a ação de Cristo como nosso paraklētos.
Ele começa dizendo que kai\ au)to\j i(lasmo/j e)stin [port. e ele é a
propiciação] . João novamente usa o indicativo para demonstrar a realidade desse
estado de Jesus como o i(lasmo/j pelos nossos pecados. Mas como entender o que
o apóstolo está dizendo por meio desta palavra?
De fato, João lança mão de um termo veterotestamentário para demonstrar
que ação de Jesus em retirar do pecador, que é injusto, a causa de sua injustiça,
isto é, o pecado. Palavra i(lasmo/j é traduzida como propiciação, denota a oferta
pelos pecados (cf. Lv.4). Porém, devemos ter em mente que o seu uso como na
cultura helênica, tal expressão estava relacionado com o apaziguamento de uma
divindade por meio de sacrifício cruento. De modo, que muitos críticos têm rejeitado
inteiramente a noção da propiciação cristã.32
Isto talvez se deva não apenas ao uso gentílico, mas também pelo fato desse
termo ser uma palavra alienígena tanto na Septuaginta como no Novo Testamento.
De fato, tal termo somente ocorre na primeira epístola de João (1Jo.2.2; 4.10).
Porém, nestes usos Cristo é apresentado como a propiciação pelos nossos
pecados. As construção grega dos dois versículos são muito semelhantes. O
diferencial está, no primeiro caso, que Cristo é a propiciação (1Jo.2.2), e no segundo
caso, que Deus mesmo o enviou para ser a propiciação (1Jo.4.10).
Neste último caso, fica claro a ação de Deus em providenciar ele mesmo o
meio pelo qual os pecadores poderiam ter a remissão dos seus pecados. Assim,
32 STOTT. As Epistolas de João. 71
13
Deus que é propiciado pelo seu caráter santo e justo, prover aos homens o perdão,
mediante o sacrifício vicário e expiatório de Cristo, que é a nossa propiciação.33
O apóstolo João, portanto, parte dum contexto dos sacrifícios do Antigo
Testamento, para ensinar como Cristo realiza a defesa dos seus. Fica evidente,
nesse contexto, que a propiciação a que ele se refere é a morte de Jesus. Para
Marshall isso fica claro, quando se faz um paralelo com 1Jo.1.7, quando o apóstolo
afirma que a purificação do pecado se dá por meio do sangue de Cristo, sendo esse
sangue uma metáfora para a morte sacrificial de Jesus.34
Neste sentido, o exercício de Cristo em favor da nossa salvação assume,
segundo Smalley, dois caminhos: num Cristo é aquele que intercede por nós, noutro
ele é aquele que se oferece pelos nossos pecados.35 Em outras palavras o que João
está dizendo é que o nosso advogado é a própria oferta, o pagamento, pelo nosso
pecado. Nas palavras de Calvino, a ação intercessora de Cristo é a continuada
aplicação da sua morte à nossa salvação.36 Sendo a sua morte vicária o instrumento
que se torna a base de nossa absolvição, 37 e concomitante imputação da justiça que
vêm de nosso justo advogado. Mas qual é a esfera de ação de Jesus? A quem se
aplica, segundo o texto joanino, essa dupla atividade de Cristo?
Para responder este questionamento, João afirma que a propiciação de Cristo
não é apenas [gr. ou) mo/non …] para os cristãos, mas também pelos pecados do
mundo inteiro [gr. a)lla\ kai\ … o(/lou tou= ko/smou]. Smalley faz uma importante
análise dessa construção. Para ele, o que João está dizendo é que o sacrifício de
Cristo é efetivo não apenas para uma parte do mundo e nem mesmo para o
pequeno grupo, com o qual ele estava se correspondendo, mas que deveríamos
entender kosmoj, como a esfera da atividade salvífica de Deus, sendo o perdão que
existe “no sangue” de Cristo estendido à todo esse campo.38
Assim, a provisão universal de um meio para a resolução do mal, chamado
pecado, implica numa necessidade igualmente universal; sendo, portanto, o
33 VINE, W.E. [ed.]. Dicionário Vine. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. 90734 MARSHALL. The Epistles of John. 118-11935 SMALLEY. Word Bilbical Commentary. 3836 CALVIN. Catohlics Epistles.37 SMITH, David. Commentary on the Epistles of St. John. Em: Expositor’s Greek Testament.
London: Hodder & Stoughton, 191038 SMALLEY. Word Bilbical Commentary. 40
14
sacrifício de Cristo é o este único meio universal para que a humanidade tenha
acesso à comunhão, através do perdão dos pecados mediante esse sacrifício.
É evidente, entretanto, que nem todos responsavelmente aceitam o sacrifício
de Cristo e o perdão que há nele. Não devemos ser forçados a pensar, segundo nos
previne John Stott, que automaticamente todos os pecados do kosmos é perdoado
por meio da propiciação de Cristo. Segundo Stott, podemos inferir um perdão
universal que é graciosamente oferecido à humanidade, mas que se torna efetivo na
vida daqueles que o aceitam.39 Corroborando com Stott, Marshall afirma que mesmo
que João esteja evidenciando a possibilidade universal do perdão por meio de
Cristo, é fato que o próprio apóstolo deixa claro também que a eficácia da morte de
Cristo é limitada, isto é, sem o reconhecimento verdadeiro Cristo não há perdão.40
Do que foi dito, surge uma breve questão: Como deve ser entendida essa
relação entre Cristo e o cristão, para que este último se torne verdadeiramente alvo
dos cuidados do paraklētos Jesus ? É exatamente sobre isso que o apóstolo João
tratará nos próximos versículos como poderemos muito bem analisar. Vejamos,
então o próximo bloco:
5.2 Jesus é o Senhor dos fiéis
Continuando a sua argumentação, o apóstolo João começa a evidenciar os
modos como identificar a relação entre Jesus e seus verdadeiros seguidores. Para
tanto, ele apresenta a seguinte estrutura do terceiro versículo:
v.3 E nisto SABEMOS [gr. ginw/skomen] que o CONHECEMOS [gr.
e)gnw/kamen]:
Se [gr. e)a\n] OBEDECEMOS [gr. thrw=men] os seus mandamentos.
João inicia esse versículo dizendo usando o mesmo verbo repetidamente em
dois tempos diferentes. O primeiro uso do verbo ginoskw está no presente
indicativo ativo [gr. ginw/skomen]. Neste caso, devemos lembrar o que presente
tem como uma de suas características o aspecto de uma declaração, que pode
indicar as intenções de quem está realizando a ação ou mesmo a realidade factual
de tal ação.41 Assim, João está indicando uma ação de ter conhecimento, mas
conhecimento de que?
39 STOTT. As Epistolas de João. 7340 MARSHALL. The Epistles of John. 11941 PINTO. Fundamentos para a Exegese NT. 37
15
Para, então, responder essa pergunta, ele usa novamente o mesmo verbo [gr.
e)gnw/kamen], porém, no tempo perfeito indicativo ativo, para indicar o objeto de
que se sabe alguma coisa. O verbo e)gnw/kamen transmite uma idéia que ocorreu
no passado, mas cujas conseqüências se manifestam até o presente momento; de
modo que poderíamos traduzir a idéia da expressão e)gnw/kamen au)to/n, que
aparece no texto, como “o que desde o primeiro momento temos conhecido,
continua sendo desenvolvido”, pois se trata de um conhecimento progressivo
adquirido pela experiência diária entre Cristo e os seus.42
Logo, esse jogo verbal, presente nessa primeira clausula, juntamente com a
expressão que a inicia, kai\ e)n tou/t% [port. e nisto …], serve para indicar o
motivo ou razão pelo qual é possível identificar o verdadeiro cristão, a qual se segue
na clausula seguinte.
Essa segunda clausula inicia com a conjunção de dúvida e)an, que podemos
também traduzir como quando, dando um sentido contingencial a oração. A idéia,
portanto, transmitida por essa conjunção é que somente é possível conhecer Cristo
quando uma determinada condição for preenchida. Mas qual é essa condição que
preenchida? A reposta é simples: a obediência aos mandamentos de Cristo.
Essa conjunção, como nos casos anteriores em que ela ocorre, se relaciona
com um verbo no modo subjuntivo; nesse caso específico thrw=men [lit.
obedecer]. A denotação do verbo thre/w indica a idéia duma observância de
determinada norma ou pensamento, dando a devida atenção ao assunto,43
mantendo uma obediência tanto interna como externa em relação a tal assunto.44
Mas o que deveria então ser observado? João é claro em dizer que era necessário
que obedecer aos mandamentos de Cristo [gr. ta\j e)ntola\j au)tou].
Devemos ter em mente que esse pronome de terceira pessoa está no
genitivo, o que indica o posse de alguma coisa por alguém. Nesse caso, os
mandamentos indica o objeto possuído. Assim, au)tou indica Jesus Cristo com
aquele que possui ou, em outras palavras, é quem impõe estes mandamentos. Algo
importante que deve ser dito aqui, é que o uso da construção “guardar seus
mandamentos” ou “guardar as suas palavras” é uma característica dos escritos
joaninos (Jo.14.12,21; 15.10; Ap.12.17, 14.12).
42 PLUMMER. The Epistles of St. John. 8943 VINE. Dicionário Vine. 68544 PLUMMER. The Epistles of St. John. 90
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João, portanto, está afirmando que a prova pela qual podemos nos tornar
seguros que conhecemos e temos progredido nesse conhecimento de Cristo, é
quando objetivamente nos empenhamos em guardar, fazendo cumprir em nossas
vidas, os mandamentos que o próprio Cristo nos ordena. De fato, como afirma
Plummer, não existe nenhum conhecimento de Deus nem sequer qualquer
comunhão com ele, sem que exista uma conformidade prática à sua vontade.45
É possível perceber nesta afirmação uma defesa da fé apostólica diante da
ação dos proto-gnósticos que surgiram no meio daquelas comunidades. O
conhecimento de Deus era um dos temas preferidos das antigas religiões,
principalmente do gnosticismo, que dava seus primeiros passos nos dias de João.
Esse grupo, ao que parece, entendia que o “conhecimento” de Deus era uma
espécie de experiência mística ou uma visão direta do sagrado.46 A isso agregasse a
o dualismo entre o espírito e a matéria, no qual eles percebiam que o primeiro é
inerentemente bom e a segundo inerentemente má, sendo irrelevante as ações
deste segundo sobre o primeiro, caso o indivíduo tenha chegado a um estado de
iluminação ou ao conhecimento.
Desse modo de perceber a realidade, tais pessoas arrogantemente podiam
viver a vida mais dissoluta e mesmo assim afirma um relacionamento pessoal com
Deus. No entanto, João demonstra desde o capítulo anterior que um procedimento
divorciado completamente de uma vida santidade, não pode ser jamais considerado
como conhecimento de Deus, insistindo que o conhecimento moral sem uma prática
correta é lago simplesmente inútil.47
Neste sentido, percebemos uma nova dimensão na relação entre Cristo e os
seus “crentes”. Se num primeiro momento somos expostos a uma relação passiva,
isto é, Cristo como nosso advogado age em novo favor para nos purificar de toda a
injustiça, ação esta na qual somos inteiramente passivos; nessa nova dimensão
somos convocados a fazermos algo para realmente estabelecermos a relação com o
nosso Parakletos. Neste novo momento, Jesus assume o papel de Senhor sobre o
modo de vida daqueles que o querem seguir. Se afirmamos que Cristo nos impôs
seus mandamentos, então devemos reconhecer a sua autoridade sobre nós e, a
45 Ibid., 9046 MARSHALL. The Epistles of John. 12147 PLUMMER. The Epistles of St. John. 90
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isso, damos o nome de senhorio, sendo esse o único modo de realmente nos
relacionarmos com o nosso Senhor, obedecendo-o.
Assim, o apóstolo João apresenta duas situações distintas para descrever as
duas possibilidades em relação ao que foi dito neste versículo. Para isso, o autor
utiliza dois versículos parentéticos para explicar as duas possibilidades:
v.4 Aquele que diz: “Eu o CONHEÇO [gr. egnwka]“;
e NÃO GUARDA OS SEUS MANDAMENTOS [gr. ta\j e)ntola\j au)tou= mh\
thrw=n]
é MENTIROSO [gr. yeu/sthj], e nele não está a VERDADE [gr. a)lh/qeia].
A primeira situação João descreve uma pessoa que afirma de uma forma
enfática, através do uso de um verbo perfeito [gr. egnwka], que ele realmente
possui um relacionamento com Cristo. No entanto, a sua atitude é contrária ao que
foi afirmado na clausula imediatamente anterior. É interessante perceber que João
usa a mesma construção do final do v.3, inserindo apenas o advérbio de negação
me/, para afirmar que as ações dessa primeira pessoa desqualifica a sua
pretensiosa asseveração de conhecer a Cristo, sem se sujeitar ao seu senhorio,
obedecendo-lhe os mandamentos. João conclui também de forma enfática dizendo
que esse hipotético indivíduo é yeu/sthj [lit. mentiroso], afirmação que é reforçado
pelo paralelo sinonímico que ele emprega, dizendo que nele não existe verdade
alguma.
Já na segunda situação, João não faz nenhuma referência ao que esse
segundo indivíduo diz. Ele simplesmente enfatiza as atitudes dessa pessoa.
Vejamos a construção usada por ele:
v.5a Pois quem OBEDECE À SUA PALAVRA [gr. thrv= au)tou= to\n lo/gon],
nele VERDADEIRAMENTE [gr. a)lhqw=j]
TEM SIDO APERFEIÇOADO. [gr. tetelei/wtai] o amor do Deus.
Podemos notar que João coloca este indivíduo num nítido contraste com o
anterior. Talvez poderíamos inferir um aspecto humilde desta pessoa, porque ele
não afirma nada de si mesmo, simplesmente se sujeita a obedecer a palavra de
Cristo [gr. au)tou= [Xristoj] to\n lo/gon].
Daí, então, o autor algo sobre esta pessoa obediente. Segundo ele, neste
elemento que obedece a palavra de Cristo, Deus aperfeiçoa o seu amor. Note que o
uso do advérbio a)lhqw=j, que intensifica e qualifica não a pessoa, mas aquilo que
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nela é operada pelo próprio Deus, a quem ela obedece, mediante Cristo. Novamente
nos deparamos com um perfeito, o qual nos chama a atenção para o modo com
Deus realiza a aplicação e desenvolvimento do seu amor em seu servo.
A ênfase do perfeito, como já dissemos, recai sobre os resultados ou
condição resultante de uma ação e não propriamente na ação. 48 Outro aspecto que
o envolve é a indefinição da continuidade dos resultados da ação. A ação divina de
aperfeiçoar o seu amor em seu fiel servo está atrelada à obediência do mesmo,
lembrando que esta obediência em momento algum está ligada a uma espécie de
perfeccionismo, pois, como diz Calvino, João não está apontando para pessoas que
satisfazem totalmente todos os aspectos da lei, mas aponta para aqueles que lutam,
de acordo com a capacidade humana, para formar a sua vida na obediência de
Deus.49 Todavia, João indica que o ato de Deus será intenso, progressivo e durativo
sobre aquele que obedece as palavras de Jesus, reconhecendo o seu senhorio
sobre a sua vida.
5.3 Jesus é o Modelo dos fiéis
Na terceira coluna existente neste texto, o apóstolo João retoma o seu
discurso usando uma construção muito semelhante a utilizada por ele no v.3, para
introduzir este último período. Ele diz:
v.5b E SABEMOS [gr. ginw/skomen]
que ESTAMOS [gr. e)smen] NELE [gr. e)n au)t%=] por causa disto:
João demonstra a factualidade desta afirmação ao usar o tempo presente
para os dois verbos existentes nessa cláusula. Ele parece repetir o mesmo
argumento, porém introduzindo uma ilustração mais positiva. Porque mais do saber,
como defendiam os protognósticos que se embreavam pelas igrejas, João
demonstra que a essência do cristianismo reside no relacionamento pessoal de
Deus em Cristo.50
Esse relacionamento pode ser percebido na construção da cláusula final e)n
au)t%= e)smen [lit. nele estamos]. É bem possível que João esteja fazendo
alguma relação entre estar em Cristo, no v.5, e permanecer em Cristo, como em
Jo.15.2-5. Nesse sentido, portanto, percebemos a relação vital existente entre o
cristão verdadeiro e o seu Senhor e Advogado, o que pode ser também percebido
48 PINTO. Fundamentos para a Exegese NT, 4349 CALVIN. Catohlics Epistles.50 STOTT. As Epistolas de João. 79
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na primeira cláusula do v.6, quando o autor usar a construção final e)n au)t%=
me/nein, como uma forma análoga da cláusula anterior. Sendo isso, uma ênfase
essa comunhão. Então, o apóstolo apresenta a sua última ilustração. Ele diz:
v.6 Aquele que afirma que PERMANECE nele,
DEVE ANDAR [gr. o)fei/lei (…) periepa/tein]
da MESMA FORMA COMO [gr. kaqw\j] ele ANDOU [gr. periepa/thsen].
Esse exemplo é algo típico na relação mestre-discípulo, bem comum nos dias de João. As chamadas escolas peripatéticas, cujo grande nome era Aristóteles, tinham como metodologia de ensino o uso de caminhada em que o mestre ensinava a disciplina ao aluno, enquanto os dois andavam. O adjetivo português peripatético tem sua origem no verbo grego periepa/thsen [lit. andar], que João utiliza em seu texto.
É óbvio que o sentido desse verbo é figurado. O que João está dizendo é que
ao declarar que se está moralmente envolvido com Cristo, tal declaração necessita
de uma demonstração objetiva, que implica num aspecto prático. Esse aspecto
implica na obrigação de imitar Cristo, que é a concreta expressão da vontade do
Pai.51 Essa imitação é o sentido do verbo periepate/w. O autor usou a conjunção
comparativa kaqwj para enfatizar o caráter imitável de Cristo. Em outras palavras,
João está dizendo que as mesmas atitudes presentes em Cristo, enquanto esse
esteve entre nós, deve se tornar a prática daqueles que desejam se relacionar com
ele. Não há outra possibilidade. Essa imitação deve ser exata.52
Essa atitude envolve uma disposição pessoal. João é claro em dizer que tal
prática é uma obrigação [gr. o)fei/lei] daquele que afirma estar em Cristo. A idéia
envolvida nesta palavra é a duma dívida contraída por alguém. Sendo, portanto,
essa uma obrigação interna, porque envolve as disposições do coração, e pessoal,
porque cada indivíduo tem esse intransferível compromisso.
João procura deixar claro nesse último momento que não se pode ter
conhecimento nem sequer relacionamento com Deus, sem que isto passe pelo crivo
das obrigações éticas e morais ensejadas pelo próprio Deus em sua palavra. A
única forma de podermos demonstrar que estamos em Cristo é através da imitação
do mesmo. Qualquer conhecimento meramente intelectual e desprovido de qualquer
prática correta, não tem nenhum valor para aqueles que querem se aproximar de
Deus e do seu Filho. Esse relacionamento se torna possível apenas quando
assumimos o exemplo de Cristo, como o modelo que devemos imitar.51 PLUMMER. The Epistles of St. John. 9152 Ibid.,91
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