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EXMO. (A) SR. (A) DR. (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DE BELÉM. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, por intermédio desta 3º Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Consumidor, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no artigo 129, inciso III, artigos 5º inciso XXXII, 170 inciso V, 196, 197, 127, II, da Constituição Federal, artigos 927, 949 e 461 do Código Civil, artigos 4º, 6º, incisos I, VI, VII e VIII, 14, 81, inciso III da Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor, artigo 5º Lei 7.347/85, vêm perante o Douto Juízo de Direito da Vara Cível da Comarca de Belém, a qual esta couber por distribuição, propor a presente: AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA Contra: 1. – HOSPITAL PORTO DIAS S/C LTDA (HOSPITAL PORTO DIAS) – CNPJ 84.154.608/001-6. Sito à Almirante Barroso, nº 1451, bairro do Marco; 2. –DIAGNOSIS CENTRO DE DIAGNÓSTICOS LTDA, INSTITUTO SAÚDE DA MULHER, CNPJ Nº 63.979.381/001-40, situado na Tv. Humaitá, nº 1598, bairro do Marco; 1 1

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EXMO. (A) SR. (A) DR. (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DE BELÉM.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, por intermédio desta

3º Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Consumidor, no uso de suas atribuições

legais, com fundamento no artigo 129, inciso III, artigos 5º inciso XXXII, 170 inciso V, 196,

197, 127, II, da Constituição Federal, artigos 927, 949 e 461 do Código Civil, artigos 4º, 6º,

incisos I, VI, VII e VIII, 14, 81, inciso III da Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 - Código

de Defesa do Consumidor, artigo 5º Lei 7.347/85, vêm perante o Douto Juízo de Direito da

Vara Cível da Comarca de Belém, a qual esta couber por distribuição, propor a presente:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

Contra:

1. – HOSPITAL PORTO DIAS S/C LTDA (HOSPITAL PORTO DIAS) –

CNPJ 84.154.608/001-6. Sito à Almirante Barroso, nº 1451, bairro do

Marco;

2. –DIAGNOSIS CENTRO DE DIAGNÓSTICOS LTDA, INSTITUTO SAÚDE DA MULHER, CNPJ Nº 63.979.381/001-40, situado na Tv. Humaitá, nº 1598, bairro do Marco;

3. UNIMED – COOPERATIVA TRABALHO MÉDICO – (HOSPITAL GERAL DA UNIMED) CNPJ n°. 04.201.372/0001-37, estabelecida

nesta cidade na Tv. Curuzu, n.° 2192, Marco.

4. - BENEMETRIA SOCIEDADE PORTUGUESA BENEFICENTE DO

PARÁ – HOSPITAL D. LUIZ I - CNPJ 04.928.479/0001-81. Sito à Av.

Generalíssimo Deodoro, nº 868, bairro do Umarizal;

5. CLÍNICA ZOGHBI LTDA – HOSPITAL SÍRIO LIBANÊS – CNPJ 04.

965.583/0003-30. Sito à Av. Duque de Caxias, nº 1020, bairro do

Marco;

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6. VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO –

HOSPITAL ORDEM TERCEIRA - CNPJ 04.935.409/0001-50. Sito à

Tv. Frei Gil de Vila Nova, nº 59, bairro Centro;

7. CLÍNICA INFANTIL DO PARÁ - SAÚDE DA CRIANÇA CNPJ N.º

63.846.455/0001-42 , situado na Tv. 03 de maio, nº 1787, bairro de

São Braz, todos nesta cidade.

1 – RESUMO DOS FATOS – A ORIGEM COMUM

Uma quantidade indeterminada de pessoas foi submetida à cirurgia em

07(sete) hospitais particulares de Belém, e durante o procedimento cirúrgico foram

contaminados por infecção hospitalar, sendo que após alguns dias, os locais das incisões

cirúrgicas abriram, formando-se um processo infeccioso.

As vítimas foram obrigadas a se submeterem a uma limpeza cirúrgica

(debridamento) e a recorrerem a medicamentos antibióticos durante vários meses, e somente

receberam o tratamento adequado quando foi constatado pelo Instituto Evandro Chagas a

ocorrência de um surto de contaminação pela mycobacterium abscessus, transmitida durante

o procedimento cirúrgico nos hospitais.

Todas as vítimas sofreram transtornos decorrentes da infecção

hospitalar, tiveram ou estão tendo um longo processo de cicatrização das incisões cirúrgicas,

alguns levando mais de seis meses, e ainda sofrendo desagradáveis efeitos colaterais da

forte medicação que são obrigados a ingerir, notadamente o antibiótico Claritromicina 500,

que deve ser tomado por um período mínimo de seis meses.

2 - A ANÁLISE FÁTICA.

Na data de 08 de janeiro de 2005, foi publicado no jornal “O Liberal”, na

coluna “Voz do Leitor”, do caderno atualidades, página nº 05, um artigo intitulado “NÃO

MATA, MAS MALTRATA”, assinado por SALOMÃO ELIAS BENMUYAL, onde relatava o

drama pessoal que estava vivendo, pois foi acometido de uma doença que não tinha

informação exata do que se tratava, e que teria sido contaminado por uma micobactéria,

adquirido após cirurgia da vesícula realizada pelo método vídeo-laparoscópio (fls. 32 dos

autos do procedimento), informando ainda que outras pessoas estariam na mesma situação.

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Após este Promotor de Justiça ler referido artigo, determinamos que uma

serventuária do Ministério Público entrasse em contato com Sr. Salomão e perguntasse se o

mesmo gostaria de formalizar uma reclamação perante o parquet, colocando-nos a sua

disposição para um possível atendimento, o que foi feito alguns dias após.

No dia 12 de janeiro de 2005, foi formalizada a primeira reclamação

referente à infecção hospitalar causada pela mycobacterium abcessus, de autoria da Sra.

Ivani Pinto Nascimento (fls. 04), onde relatava tudo que vinha sofrendo desde que foi

submetida à cirurgia no Hospital Saúde da Mulher, fato ocorrido no dia 08 de junho de 2004.

Em que pese tenha a Sra. Ivani informado na reclamação que outras

pessoas teriam sido contaminadas da mesma forma, até então tratava-se apenas de uma

reclamação individual, entretanto, ficamos a partir de então na expectativa de recebemos

outras reclamações no mesmo sentido.

Após alguns contatos telefônicos, no dia 31 de janeiro de 2005, fomos

procurados pelo Sr. SALOMÃO ELIAS BENMUYAL, o mesmo que escrevera para o jornal “O

Liberal”, que formalizou uma reclamação nesta Promotoria de Justiça, acompanhado de

várias pessoas, ocasião em que tomamos consciência que se tratava de assunto de âmbito

coletivo e difuso, pois se tratava de uma epidemia que teria atingido um número

indeterminado de pessoas, de gravíssimas repercussões na saúde pública de nosso Estado.

Nesse mesmo dia, em torno de 10(dez) pessoas resolveram apresentar

reclamação perante o Ministério Público com idêntico teor, fazendo com que este Promotor de

Justiça juntasse todos essas reclamações em um só procedimento, baixando portaria para

apurar conveniente os fatos, bem como tomar todas as providências que se fizessem

necessárias.

Aos poucos o número de reclamações foi aumentando, sendo que até a

presente data foram formuladas mais de 60 reclamações na Promotoria de Defesa do

Consumidor.

O que vem sendo relatado nas dezenas de reclamações formuladas

perante esta Promotoria de Justiça, é que essas pessoas foram inicialmente ao consultório

médico com um determinado problema de saúde, ocasião em que receberam indicação

médica para submeterem-se a cirurgia.

Ao receberem autorização do plano de saúde, depois da realização de

todos os exames pré-operatórios necessários, combinam com o médico o dia, hora e o

hospital em que seria realizada a intervenção cirúrgica.

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Apesar do sucesso da cirurgia no que se refere ao mal que estavam

acometidas, como cálculo na vesícula, dentre outras doenças, todas as pessoas após alguns

dias da cirurgia apresentavam sintomas de infecção no local das incisões cirúrgicas.

Consoante o teor das reclamações constante dos autos, melhor

explicitados em depoimentos colhidos perante este Promotor de Justiça, quase a totalidade

das vítimas procurou o consultório médico no ano de 2004, havendo recomendação expressa

do médico para que o paciente se submetesse ao procedimento cirúrgico pelo método vídeo-

laparoscópico.

As cirurgias transcorreram normalmente, absolutamente dentro da rotina

dos centros cirúrgicos, e os pacientes receberam alta do dia seguinte, devido ao sucesso do

procedimento cirúrgico, sendo ministrada a medicação também de rotina, normalmente um

antibiótico para prevenção de infecção.

Os pacientes voltaram ao consultório médico entre sete a doze dias após

a cirurgia para a retirada dos pontos e em seguida retornaram a suas residências, ocorrendo

aparentemente à cicatrização das incisões cirúrgicas como acontece normalmente.

Ocorre que, poucos dias após a retirada dos pontos, o local das incisões

começou a abrir, apresentando vermelhidão, crescimento de nódulos e ainda saindo uma

secreção. A partir daí começa o drama das pessoas que na maioria dos casos se arrasta até

os dias de hoje, com a agravante perspectiva de duração do problema por um período incerto

de tempo.

Os pacientes acabaram voltando por inúmeras vezes ao consultório

médico e o problema persistia, ou seja, de maneira absolutamente estranha, os dias e até

meses iam passando e o local das incisões insistia em não cicatrizar, percebendo os médicos

sempre um processo infeccioso nesses locais.

Inicialmente a recomendação dos médicos era de lavar o local com água

e sabão e passar uma pomada cicatrizante, chegando a informar aos pacientes que aquilo

poderia se tratar de uma reação alérgica aos pontos, mas logo o problema seria solucionado.

Posteriormente com o agravamento do quadro, alguns médicos decidiram

realizar um novo procedimento cirúrgico, chamado debridamento ou curetagem, uma espécie

de limpeza cirúrgica, executando a retirada de nódulos e de toda a secreção, e

posteriormente encaminhando o material coletado para exame laboratorial.

Ocorre que nos laboratórios onde os médicos encaminharam o material

coletados dos pacientes, instituições particulares, como o laboratório Paulo Azevedo, o

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resultado da cultura era sempre negativo, ou seja, não havia comprovação da presença de

bactéria ou micobactéria no material enviado à análise, ficando médicos e pacientes sem

entender o que estava acontecendo.

A situação tornou-se preocupante, pois casa vez mais crescia o número

de pessoas que apresentavam o mesmo quadro após a cirurgia, sendo que médicos tomaram

conhecimento da proporção que o caso estava tomando inicialmente de maneira informal,

através de conversas com outros colegas, até que decidiram se reunir para discutir o

problema, em busca da solução adequada para o caso que já se transformava num surto ou

epidemia.

No dia 17 de fevereiro do ano de dois mil e cinco, no auditório "Ernesto

Pinho" do prédio anexo I do Ministério Público, foi realizada neunião promovida por este

Promotor de Justiça, com a finalidade de melhor se informar sobre a epidemia de infecção

hospitalar e ainda sobre as providências que a autoridades de saúde estavam tomando.

Participaram da Reunião: Dra. Carlene Almeida e a Dra. Nazaré Motta,

representantes do SESMA, o Dr. Gilfrei Mácola, representante da SESPA, a Dra. Maria Luiza

Lopes, representante do Instituto Evandro Chagas.

Aberto os trabalhos, a representante da SESMA, Dra. Carlene Almeida,

frisou que ainda não sabia a origem da infecção, mas que o Departamento de Vigilância

Sanitária, a SESMA e SESPA estavam atuando de forma integrada a fim de descobrir a

origem da infecção.

Foi cientificado que tomaram conhecimento aproximadamente no dia 18

de novembro de 2004, através de um telefonema de um infectologista, o qual informou que a

infecção tinha sido constatada nas cirurgias vídeo- laparoscópicas e por mesoterapia.

A representante do Instituto Evandro Chagas informou que o Instituto

tomou conhecimento da infecção no dia 21 de outubro de 2004, quando foi procurada por um

cirurgião que coletou o material de uma paciente e o enviou a São Paulo, para ser realizado

exame hystopatológico, onde se obteve o resultado de que o material era suspeito de

micobactéria.

A Dra. Maria Luiza declarou ainda que o Dr. Lourival Marsola,

infectologista, encaminhou o caso à ANVISA, esclarecendo que o material colhido dos

pacientes está sendo encaminhado ao Instituto Evandro Chagas para o cultivo, a fim de que

se chegue a espécie, uma vez que o resultado de presença de mycobacterium é apenas o

gênero e através do isolamento que é realizado no Instituto se chega a espécie.

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A representante do Instituto Evandro Chagas afirmou que até aquele

momento foram colhidos o material de 68 pacientes, dentre os quais 43 foram isolados, com a

presença da mycobacterium abcessus, e estão em São Paulo para que seja feito o estudo

genético.

O representante da SESPA informou na oportunidade que até novembro

de 2004 não recebeu nenhuma reclamação, entretanto, em 19 de novembro de 2004, a Dra.

DÉLIA da ANVISA deu um telefonema, avisando da infecção, esclareceu que essa doença

não é de notificação obrigatória, razão pela qual tomaram conhecimento do problema pelo

telefonema.

Informou ainda que no dia 26 de novembro de 2004 receberam os

técnicos da ANVISA para tomar conhecimento dos casos, sendo realizada uma reunião com o

Dr. Lourival Marsola para discutir acerca do problema da infecção.

Várias vítimas de infecção hospitalar também participaram dessa reunião

no MP, fazendo questionamento e buscando explicação principalmente para o tratamento da

doença, devido tratar-se de um caso raro.

Foi reivindicado na ocasião que a SESMA fornecesse os medicamentos

aos pacientes, devido a negativa dos hospitais em custear o tratamento, além de se

disponibilizar atendimento de médico infectologista e psicólogo para os pacientes, o que ficou

de ser atendido pela SESMA.

No dia 08 de mês de abril de 2005, na Sala de Reunião do prédio anexo I

do Ministério Público, este Promotor de Justiça reuniu-se com o o Sr. Antônio Marcos Freire

Gomes, Presidente do Conselho Regional de Enfermagem (COREN), para colher

informações sobre o controle a infecção hospital em Belém, e assim buscar sudsbsídios para

melhor entender as causas da epidemia que abalou a saúde de nossa cidade.

Aberto os trabalhos, o Promotor de Justiça fez uma breve síntese acerca

do assunto a ser tratado na reunião, fazendo um resumo do que foi apurado pelo Ministério

Público no Procedimento Administrativo e as providências tomadas pelo órgão.

Ao ser dada a palavra ao Presidente do COREN, este relatou uma série

de irregularidades que estariam ocorrendo nos hospitais particulares de Belém, de uma forma

genérica, não apontando especificamente para nenhum hospital envolvido na presente ação.

O COREN tem observado problemas nas Comissões de Controle de

Infecção Hospitalar (CCIH), nas Centrais de Esterilização e nos Centros Cirúrgicos desta

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cidade, nos hospitais particulares, primeiramente, como ponto fundamental, tem a apontar a

falta de um profissional qualificado para comandar esses setores, no caso um enfermeiro.

Afirmou que o trabalho tem sido realizado apenas por pessoal de nível

médio de educação, sendo que a Lei que regulamenta o exercício da Enfermagem é a Lei

Federal nº 7498/86, essa lei determina que a supervisão das atividades de auxiliares e

técnicos de enfermagem deve ser realizada pelo profissional de enfermagem, o que não está

sendo observado pelos hospitais particulares de Belém.

As atividades nas Centrais de Esterilização de material realizadas por

técnicos de enfermagem sem a supervisão direta e orientação do enfermeiro provocam falhas

nas etapas de esterilização o que pode culminar ao final em um material cuja esterilização

total esteja sob suspeita.

Outro ponto marcante no processo de esterilização é a falta de testes

periódicos para verificar a eficácia de equipamento que esteriliza material, alguns, inclusive,

colocados em espaço físico inapropriado. Algumas salas de esterilização apresentam ligação

com outras áreas do hospital, uma espécie de meia parede ou divisória, o que é

terminantemente proibido. Outros apresentam uma única entrada e saída para materiais que

são levados à esterilização e utilizados em procedimentos no hospital, quando o correto

segundo a legislação vigente é que o material entre por uma porta e saia por outra diferente.

Outra irregularidade constatada é a falta de roupa necessária, pois o uso

desses equipamentos é necessário para evitar que profissionais que atuam nessas áreas

saiam e retornem de ambientes possivelmente contaminados.

O espaço físico na Central de Esterilização não permite o

desenvolvimento confortável de todas as etapas que exigem a esterilização, considerando

que na mesma mesa em que se procede a desinfecção prévia se realiza o empacotamento do

material.

A Comissão de Infecção Hospitalar não existe em muitos hospitais, em

outros estão apenas no papel, o que impossibilita ações para controlar a ocorrência de

infecção hospitalar, concluindo que as CCIH não funcionam efetivamente nos hospitais

particulares de Belém. Nas instituições em que existem a Comissão, nenhuma apresentou o

seu programa de ações de controle de infecção, além de inexistir o enfermeiro responsável

pelas suas atividades.

Encerrou o relato questionando que os hospitais não apresentam

relatórios informando as atividades desenvolvidas pela CCIH, o que causa espanto, tendo em

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vista que a licença sanitária somente pode ser concedida quando cumpridas as exigências da

existência e funcionamento das CCIH, do Programa de Atividades da Comissão e da

Prestação de Contas das Atividades através de relatórios trimestrais ou definidos em períodos

adequados pela Vigilância.

Todas as pessoas que procuraram o MP para formular reclamações

foram encaminhadas para exame de corpo de delito, pois todas apresentavam características

de terem sofrido lesões corporais após o procedimento cirúrgico.

Como exemplo das lesões corporais sofridas pelas vítimas,

conseqüência da infecção hospitalar adquirida após o procedimento cirúrgico, podemos

exemplificar dois casos onde foram submetidas à perícia de exame de corpo de delito pelo

Instituto Médico Legal, pertencente ao Centro de Perícias Científicas “Renato Chaves”:

1- SUELY CALVACANTE: refere que contraiu infecção hospitalar

quando foi submetida a vídeo-laparoscopia para ressecção de vesícula biliar, no Hospital

Saúde da Mulher, em 02.07.2004, como não cicatrizavam os orifícios da laparoscopia,

procurou outro médico em 05.08.2004, tendo feito drenagem cirúrgica nos orifícios, sob

anestesia local e curativos, permanecendo o orifício umbilical aberto e com secreção.

DESCRIÇÃO: cicatriz de laparoscopia na região epigástrica e hipocôndrio direito, medindo 0,5

cm de comprimento; ferida cirúrgica de laparoscopia na região umbilical, de coloração

vermelho vinhosa, drenando secreção de coloração amarelada. A pericianda mostrou-nos

uma guia de internação hospitalar da UNIMED BELÉM onde consta : “paciente com

deiscência de sutura umbilical + epigástrica + FD, há mais ou menos 8 m. Ass. Dr. Alberto

Lopes Magalhães CRM 4512. CONCLUSÃO: Em razão da cirurgia que ainda será submetida,

deixamos a conclusão para um exame complementar após o término do tratamento.

RESPOSTA AOS QUESITOS DE LEI: ao primeiro, sim; ao sexto, dependendo de exame

complementar após o término do tratamento; ao sétimo, dependendo de exame

complementar após o término do tratamento; ao oitavo, não; ao nono, não; ao décimo, não.

2- LÚCIA MARIA MOREIRA DUARTE – refere que foi operada de

vesícula na clínica Porto Dias em 22/07/2004, e em conseqüência teve infecção hospitalar

que foi detectado uma bactéria pela cultura através do Instituto Evandro Chagas. Refere

ainda que está em tratamento médico com infectologista. DESCRIÇÃO: quatro cicatrizes

lineares medindo de 02 a 05 cm de extensão cada uma hipercômicas e hipertróficas ao nível

das regiões: umbilical, flanco direito e epigástrica. Laudos médicos relatam: atesto para os

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devidos fins que a Srª. Lucia Maria Moreira Duarte foi submetida a tratamento cirúrgico por

quadro de infecção de parede abdominal em três pontos cirúrgicos de cirurgia vídeo-

laparoscópica prévia para ressecação de vesícula em 22/07/04. A atual cirurgia com laudo em

anexo foi realizada em 22/02/2005, com boa evolução pós-operatória. Laudo

anátomopatológico assinado pelo Dr. Fernando Silveira, CRM 5060, concluiu: processo

inflamatório crônico granulomatoso não caeificante com cativação central e exsudato

fibroleucocitário. Pesquisa de BAAR negativa. Exame de cultura realizado no Instituto

Evandro Chagas realizado em 12/11/2004. Resultado: isolamento de Mycobacterium

abcessus II. Observação: identificação por PCR – restrição enzimática, assinado Dra. Maria

Luiza Lopes. CONCLUSÃO: baseado na história clínica, laudo médico assistente e exames

laboratoriais concluímos que a pericianda apresentou infecção hospitalar, estando ainda em

tratamento com infectologista.

O primeiro médico a depor no Ministério Público foi o Dr. Marcelo Dias(fls.

292/295), sendo responsável pela cirurgia de YVANI PINTO NASCIMENTO e MARCELO

EUSTORGIO VIEIRA DA IGREJA pelo Método Vídeo-laparoscópico, e MARCIA GISELE

FRANÇA MATTOS, operada devido apresentar um câncer de rim, no dia 15 de junho de

2004, pelo método convencional, todos no hospital INSTITUTO SAÚDE DA MULHER.

Ao ser perguntado ao se em razão dos pacientes terem sido

contaminados pela Mycobacterium abscessus após a cirurgia realizada pelo declarante, se

agiu como profissional com imprudência negligência ou imperícia, respondeu que não, pois

agiu atendendo o princípio da medicina baseado em evidência, até porque essa mesma

bactéria atingiu inúmeras pessoas em Belém, envolvendo diversos médicos, diversos

hospitais e variados procedimentos.

Informou ainda que como o procedimento de cirurgia vídeo-laparoscópica

é realizado no mundo há quinze anos, sem qualquer problema, ficou difícil saber o que

causou a contaminação dos pacientes, que a única medida tomada pelo declarante,

pessoalmente, depois da notícia deste surto, foi a realização da limpeza do material através

do plasma de nitrogênio e a esterilização do mesmo era realizada através da imersão do

material, que seria utilizado no procedimento cirúrgico, na solução a base de glutaraldeído

pelo período de 12:00 hs.

O Dr. Marcelo Dias confirmou que todos os pacientes acima

mencionados sofreram processo infeccioso após a cirurgia realizada por ele.

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Conforme relatado no depoimento do Dr. Luis Cláudio Chaves (fls.

299/304), de início, os pacientes retornavam ao consultório reclamando que em uma ou duas

incisões, das quatro normalmente realizadas, apresentavam vermelhidão e um pequeno

quadro infeccioso, sendo também observada a presença de secreção de aspecto inflamatório,

não havendo indício até aquele momento de tratar-se de uma infecção bacteriana.

Era realizada assepsia no local e recomendado que os pacientes

aguardassem e com o tempo a perspectiva era de melhora, chegando inclusive a prescrever

pomadas cicatrizantes.

Como os pacientes retornavam ao consultório com as mesmas

reclamações, ou seja, que as incisões não fechavam e o quadro persistia, o Dr. Luis Cláudio

resolveu enviar material da secreção para o laboratório Paulo Azevedo, entretanto, o

resultado da cultura deu negativo.

Os pacientes submeteram-se à limpeza cirúrgica, que consiste na

ressecção ou curetagem da ferida, entretanto, o quadro continuava o mesmo, e após tomar

conhecimento com os colegas médicos que havia outros pacientes na mesma situação, o Dr.

Luis Cláudio Chaves chegou a procurar a direção do hospital Porto Dias para que houvesse a

mudança na marca do produto utilizado para esterilização, chamado glutaraldeídeo, pois o

médico desconfiava que poderia estar havendo uma irritação química, entretanto, apesar da

providência tomada pelo hospital, outro paciente submetido à cirurgia apresentou o mesmo

quadro.

No final do mês de setembro de 2004 um médico remeteu material

coletado por um paciente para o Instituto Evandro Chagas, e haviam informes preliminares de

que uma micobactéria havia sido identificada, apenas precisavam de tempo para detectar

qual era a espécie.

Ante essas informações foi realizada uma reunião no Hospital Porto Dias

no mês de outubro de 2004, entre todos os médicos cirurgiões e os membros da Comissão de

Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), ocasião em que foram tomadas diversas providências

para enfrentar o problema.

Foi realizada a primeira avaliação do que estava acontecendo com os

pacientes, sendo indicado pelo médico infectologista, Dr. Lourival Marsola, os

medicamentos que deveriam ser ministrados ao pacientes, havendo consenso dos médicos

notadamente para a prescrição do medicamento chamado Claritromicina 500, um antibiótico

de última geração.

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A direção do Hospital Porto Dias decidiu rever todo o procedimento de

esterilização, paralisando inclusive a realização de cirurgias pelo método vídeo-

laparoscópico por uma período de 15(quinze) dias, decisão que foi seguida pelo Hospital

Saúde da Mulher.

A direção do Hospital Porto Dias decidiu promover um curso de

reciclagem para limpeza de material cirúrgico, para todos os instrumentadores que atuam

naquela casa de saúde, além de adquirir um equipamento de alta tecnologia em

esterilização, denominado STERRARD, abandonando a utilização do produto químico

glutaraldeídeo para esse fim, assim que referido aparelhou chegou, o que ocorreu em

dezembro de 2004.

Na maioria dos casos, o material cirúrgico utilizado nos hospitais

particulares é de propriedade do médico, sendo que a esterilização deste material é da

responsabilidade dos hospitais, ou pelo menos deveria ser.

Em que pese os pacientes tenham reclamado da demora no diagnóstico

da doença, para os médicos, em razão da alta qualificação dos profissionais que atuam no

Instituto Evandro Chagas, o diagnóstico foi até abreviado, pois tratava-se de enfermidade

raríssima.

Foi identificada a contaminação dos pacientes pela micobactéria

abcessus em espaço de tempo razoável, pois em outros locais do mundo, segunda a

literatura médica, essa identificação ocorreu em prazo muito maior, como nos Estado Unidos

e na cidade de Campinas-SP.

Foi ressaltado ainda pelos médicos que eles apenas conheciam o

assunto pela literatura médica, haja vista que nunca havia entrado em contato direto com

essa enfermidade.

Segundo o depoimento do Dr. Luis Cláudio Chaves, este teria sido o

primeiro médico a comunicar a existência do surto de infecção pela micobactéria à ANVISA

em Brasília, mais precisamente no dia 16 de novembro de 2004, através de e-mail, e logo

após essa comunicação dois técnicos do órgão estiveram em Belém para as primeiras

providências para investigação da epidemia.

Em depoimento prestado às fls. 311/315 dos autos, o Dr. Acácio

Centeno, afirmou que os equipamentos cirúrgicos com que trabalha são de sua propriedade,

que o profissional afirmou possuir uma quantidade enorme de material cirúrgico, e

normalmente o equipamento já fica no próprio hospital. O tratamento do material se dá

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primeiramente com o uso de um degermante com solução enzimática, em seguida é feita

uma lavagem com escovação e detergente neutro, e finalmente a esterilização.

Relatou que os médicos podem realizar cirurgias dando um intervalo de

apenas meia hora entre elas, mas certamente é utilizado pela equipe médica um outro

material cirúrgico, visto que é impossível se lavar o material de laparoscopia em menos de

meia hora, porque tem que ser desmontado, escovado, lavado, secado, lubrificado e após

tudo isso ainda ser mergulhado no produto químico onde fica imerso, para dar um exemplo,

somente o material denominado porta-agulha, o declarou ter quatro unidades.

Que o depoente questiona o porquê de se estar sendo colocado em

dúvida a eficácia de um método de esterilização que é rotina nos hospitais particulares de

Belém, haja vista que utilizam a mesma metodologia adotada no mundo todo, pois não se

visa apenas combater num processo de esterilização a mycobacterium abcessus, e sim

todas as bactérias e micobactérias, sendo que somente houve surto específico desta citada.

Informou que acontece rotineiramente nos hospitais infecção hospitalar

conforme os padrões aceitos pela Organização Mundial de Saúde, como o pseudonomas,

staphylococcus, proteuros, E.coli, etc, e que tem sempre de ser levado em consideração

para a infecção hospitalar o tipo de cirurgia que o paciente realiza.

Declarou o Dr. Acácio Centeno que o método vídeo-laparoscópico é

adotado pelo mesmo desde 1991, quando retornou ao Brasil ao concluir dois cursos de Pós-

graduação na França, sendo que hoje 95% de seus pacientes são operados por esse

método. Hoje essa tecnologia é adotada no mundo inteiro pelas inúmeras vantagens que

tem em relação ao método convencional, como por exemplo: ser menos invasiva, as

alterações metabólicas são menores, a recuperação do paciente é mais rápida, a lesão na

parede abdominal ou torácica é bem menor, a dor pós-operatória é bem menor, as

complicações pós-operatórias são menores, que inclusive os pacientes recebem alta no dia

seguinte e voltam rapidamente para as suas atividades cotidianas, tratando-se esse método

de um avanço fantástico da medicina.

Declarou ainda, que tem conhecimento que nos Estados Unidos houve

um surto semelhante da mycobacterium abscessus, que acometeu 20 Estados americanos,

sendo que somente após um ano as autoridades sanitárias tomaram conhecimento do

problema, que o ele foi o primeiro médico que enviou o material para um laboratório de fora

de Belém, no caso Botucatu, em São Paulo, que deu como resultado que era uma

micobactéria, não identificando qual a espécie.

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Ante esse resultado, o médico foi conversar com um infectologista e com

a direção do Instituto Evandro Chagas, resolvendo ante às informações prestadas colher

material de seus pacientes que estavam com secreção, encaminhando para o Instituto

Evandro Chagas, sendo que inicialmente o resultado foi micobactéria de crescimento rápido

e, posteriormente foi isolada a mycobacterium abscessus, fato ocorrido no final de outubro

de 2004.

Encerou afirmando que existem equipamentos com a mesma eficiência

na esterilização do que o chamado STERRARD, pois existem outras opções e este não é o

único equipamento de esterilização que pode ser utilizado em hospitais, citando como

exemplo os autoclaves e o gluraldeído, sendo que este último tem a única desvantagem de

ser corrosivo.

Os médicos ouvidos no presente procedimento negaram à unanimidade

ter agido no exercício profissional com negligência, imperícia ou imprudência. Declararam

que apesar de reconhecerem que os pacientes foram contaminados pela mycobacterium

abcessus após a cirurgia realizada pelos mesmos, todos agiram, sob o ponto de vista

técnico, obedecendo a todos os protocolos reconhecidos internacionalmente pela medicina.

Em que pese apenas parte das vítimas conseguiram constatar terem sido

contaminadas pelo mycobacterium abcessus, por motivos diversos, em todos os casos há

provas irrefutáveis de que foram vítimas de infecção hospitalar.

É que apenas de algumas vítimas foi coletado o material e devidamente

encaminhado ao Instituto Evandro Chagas, entretanto, outras provas foram acostadas aos

autos do procedimento, dentre podemos destacar: laudo de exame de corpo de delito;

receituário médico; exames laboratoriais de laboratórios particulares; receituário médico;

termos de declaração de vítimas, termos de declarações de médicos, informações prestadas

pelos hospitais; documentos enviados ao MP pelos hospitais; prontuários médicos;

declarações dos hospitais onde estiveram internadas; atestados médicos; as lesões

corporais apresentadas, conforme os laudos de exame de corpo de delito constantes nos

autos, etc.

Uma grande parte das pessoas infectadas se mostraram decepcionadas

pelas insuficientes informações prestadas pelos médicos sobre a doença a que foram

acometidas, bem como o tempo que o tratamento poderia levar.

Somente depois de atendidas pelo médico infectologistas é que as

vítimas tomaram consciência da gravidade de seu quadro clínico, haja vista que além da

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dificuldade na cicatrizarão das incisões cirúrgicas, dos debridamentos que foram submetidas

depois das cirurgias, o tratamento recomendado é bastante demorado, sendo obrigadas a

tomar o medicamento “claritromicina 500”, por um período do que varia entre 6(seis) meses

a 1 (um) ano.

Para agravar a situação das vítimas, muitas se viram com seu corpo

deformado, com lesões permanentes, com possibilidade de reparação apenas se

submeterem à cirurgia plástica, o que tem provocado abalos psicológicos terríveis, muitas

apresentando quadro depressivo, obrigando-as procurar auxílio em médicos psiquiatras,

psicólogos e terapeutas de uma maneira geral.

Além disso, as vítimas têm reclamado que a ingestão por tão longo

período de “claritromicina 500 mg’, dentre outros medicamentos (fls. 37), tem causado

efeitos colaterais devastadores, como dores no estômago, falta de apetite, cansaço,

esquecimento, dores renais, dor de cabeça, náusea, etc.

Os gastos com medicamentos e com o tratamento após a contaminação

pela micobactéria levou as vítimas a arcarem com enormes prejuízos financeiros, pois

somente com medicamentos o tratamento custa em torno de R$ 300,00(trezentos reis

mensais), conforme documentos de fls. 51/52, além dos serviços profissionais que foram

obrigados a contratar, como psiquiatra, psicólogo, etc.

Além disso, as vítimas mudaram completamente suas rotinas, afastaram-

se do trabalho por longos períodos, cumprindo licença médica, sendo que algumas delas

tiveram a renda diminuída sobremaneira, em razão de trabalharem de forma autônoma.

Muitas das vítimas não têm como custear o tratamento, e hoje somente

tem tomado a medicação graças à Secretaria Municipal de Saúde, que vem distribuindo

gratuitamente esses medicamentos.

Deve ser ressaltado, que a SESMA vem tendo dificuldades financeiras

para assumir esse encargo, quando no nosso entendimento a obrigação maior é dos

hospitais que causaram infecção hospitalar em seus pacientes.

Assim que tomou conhecimento sobre o surto de infecção hospitalar em

Belém, A Agência Nacional de Vigilância Sanitária- ANVISA, enviou técnicos a Belém,

desenvolvendo trabalho de fiscalização e investigação em conjunto com a Vigilância Sanitária

do Estado e do Município, constituindo comissão formada por enfermeiros, médicos,

farmacêuticos, psicólogos e apoio administrativo, e através de análise técnica esclarecer

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como ocorreram as infecções causadas pela mycobacterium abscessus, assim como tomar

providências para que novos casos não venham mais a ocorrer em nossa cidade.

A comissão tem tido certa dificuldade nas investigações, devido

principalmente pela magnitude do problema, pois pelo menos sete hospitais se envolveram no

caso, dezenas de médicos e centenas de pacientes, e infelizmente ainda deve demorar

bastante para a conclusão do trabalho.

O conteúdo dessa investigação consiste na orientação epidemiológica

das infecções no ambiente hospitalar, visando oferecer uma visão geral das variáveis que

deverão ser trabalhadas, como as circunstâncias, causas do surto e fatores de risco.

Conforme relatório parcial emitido pela Vigilância Sanitária do Município

de Belém(fls. 1466/1478), para se ter uma idéia da dimensão do trabalho, as atividades de

investigação iniciaram-se através de um levantamento de todos os pacientes submetidos a

procedimentos de videolaporoscopia nos Hospitais Porto Dias e Sírio Libanês, no período de

junho de 2004 a fevereiro de 2005, sendo que o trabalho continua no mesmo sentido em

todos os hospitais envolvidos com o surto.

Estão sendo investigados todos os fatos que podem ter contribuído para

a ocorrência da infecção : técnica de esterilização, água utilizada, mudança, etc.

Assunto que precisa ser aprofundado pelas autoridades responsáveis

pela Vigilância Sanitária, tanto a nível Federal, Estadual e Mundial, diz respeito a utilização do

produto químico glutaraldeídeo na desinfecção e esterilização dos equipamentos cirúrgicos.

No estado puro, o glutaraldeído apresenta-se sob a forma de um

líquido oleoso ou de cristais incolores, de cheiro característico. É solúvel em todas as

proporções na água e no etanol, sua a aplicação é realizada como componente de

preparações bactericidas, nomeadamente para a desinfecção a frio de instrumentos médicos.

Em depoimento prestado nesta Promotoria de Justiça, o Dr. Luís Cláudio

Chaves (fls. 299/304), este relatou que a primeira suspeita dos médicos para a causa do surto

de infecção hospitalar foi o produto glutaraldeídeo, afirmando suspeitar que a mycobacterium

abscessus pode ter criado resistência a referido produto químico.

O processo de esterilização normalmente é feito em todos os hospitais

pelo glutaraldeído, tratando-se de um procedimento acolhido internacionalmente pela

medicina, consistindo o produto em um galão líquido com um ativador em pó, após misturado

pode ser utilizado por 14 dias consecutivos. O produto é colocado em um container plástico,

sendo esse procedimento chamado de desinfecção de alto nível.

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Todo o instrumental cirúrgico fica imerso no glutaraldeído por um período

de 30 minutos, como por exemplo: pinças, tesouras, trocáteres (cânula que permite a

passagem das pinças da parte externa para interna do abdome).

Segundo o médico Acácio Centeno (dep. fls.311/315) , a idéia inicial dos

médicos para a não cicatrização das incisões cirúrgicas, era de que se tratava de um fator

irritante, pois havia oscilação no estado dos pacientes, com período de melhora e piora dos

mesmos. Ele suspeitou do produto glutaraldeído estar causando uma irritação nos

pacientes, por isso resolveu não utilizar mais esse produto, e desde agosto de 2004, quando

deixou de utilizar o glutaraldeído, não teve mais nenhum problema com os pacientes nesse

sentido.

Entretanto, em que pese tenha suspeitado que aquele produto estivesse

irritando seus pacientes, pois sabidamente é um produto irritante, afirmou que no mundo todo

a esterilização é realizada por autoclave e glutaraldeído, e que o material ao ser imerso na

substância depois de 20 minutos está livre de micobactéria, pois se trata de um produto

micobactericida, padrão esse de esterilização que é aprovado pelo FDA dos Estados Unidos,

que considera o tempo de 45 minutos, suficientes para eliminar micobactéria, mesmo que os

materiais cirúrgicos não estejam perfeitamente limpos, segundo revistas científicas.

Ao ser questionado por este Promotor de Justiça para explicar a

diferença entre esterilização e desinfecção de alto nível, informou o Dr. Acácio Centeno, que

a desinfecção destrói germes não esporulados, enquanto que a esterilização destrói os

germes esporulados e não esporulados. Como exemplo de germes esporulados o bacilo do

tétano, reafirmando que as micobactérias não formam esporos e são destruídas com a

desinfecção de alto nível.

O Hospital Porto Dias ao responder às indagações do Ministério Público

confirmou que o tempo de 30 minutos é suficiente para a desinfecção dos equipamentos

cirúrgicos, ou seja, eliminar qualquer bactéria ou micobactéria, procedimento que vem sendo

adotado há anos e nunca houve qualquer contestação a respeito, muito menos contaminação

pela mycobacterium abcessus .

Ocorre que, no relatório preliminar emitido pela Vigilância Sanitária do

Município de Belém(fls. 1420.), são formuladas críticas ao processo de esterilização adotado

no Hospital Porto Dias, dando a entender que o tempo de “apenas 30 minutos” não seria o

recomendável para livrar o equipamento cirúrgico de qualquer contaminação.

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Ante a essas divergências, o parquet solicitou parecer da Agência

Nacional de Vigilância Sanitária a respeito da matéria, e assim que houver resposta será

devidamente juntada aos autos do processo.

Em decorrência das infecções causadas por micobactéria diagnosticadas

pelo Instituto Evandro Chagas (IEC), em pacientes atendidos em serviços de saúde no

município de Belém (PA), Agência Nacional de Vigilância Sanitária expediu duas notas

técnicas, informando aos profissionais de saúde sobre as características dos casos, medidas

para diagnóstico, prevenção e tratamento.

Os dados obtidos até aquele momento confirmavam a ocorrência de

infecções em 111 pessoas submetidas a procedimentos invasivos, em sua maioria cirurgias

por videoscopia e mesoterapia, desde abril de 2004. Em 48 dessas amostras, o IEC

identificou a espécie como Mycobacterium abscessus. As cepas isoladas estão armazenadas

para possibilitar análises posteriores. O estudo descritivo dos casos está em andamento, com

possibilidade de ampliação no número de pacientes envolvidos.

Segundo a nota da ANVISA, micobactérias de crescimento rápido (MCR)

como o M. fortuitum, M. chelonae e M. abscessus podem ser recuperados do solo e de fontes

naturais de água, constituindo as espécies de MCR mais freqüentes em infecções

relacionadas à assistência à saúde. Infecções por MCR podem envolver praticamente

qualquer tecido, órgão ou sistema do corpo humano, sendo mais freqüente o acometimento

de pele e subcutâneo.

As infecções de pele e subcutâneo por MCR geralmente se apresentam

como abscessos piogênicos, com reação inflamatória aguda e supuração, ou evoluem

lentamente, com inflamação crônica, formação de nódulos, ulceração, formação de loja e

fistulização. O curso da doença é variável, sendo mais freqüente a evolução crônica

progressiva, com raros casos de cura espontânea.

O tratamento das infecções inclui, muitas vezes, uma abordagem

cirúrgica associada ao uso de antibiótico. A antibioticoterapia empírica para M. abscessus

deve ser realizada, preferencialmente, usando claritromicina. Associar um aminoglicosídeo

nos casos de acometimento sistêmico ou imunossupressão. O uso de aminoglicosídeos deve

ser acompanhado do monitoramento da função renal do paciente. As quinolonas devem ser

usadas apenas se os testes laboratoriais demonstrarem a sensibilidade. A remoção cirúrgica

de corpos estranhos é imprescindível e o desbridamento de tecidos infectados é fundamental

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para o sucesso terapêutico. As infecções por MCR respondem de forma lenta e por isso

devem ser tratados por um período de 4 a 6 meses.

Expediu ainda algumas recomendações:

As instituições, por meio das CCIHs, devem intensificar as medidas de

prevenção e controle de infecções relacionadas a procedimentos invasivos, com revisão de

protocolos e programação de capacitações específicas.

No processamento de equipamentos e artigos para uso em

procedimentos invasivos, é importante lembrar que a limpeza prévia é a etapa mais

importante nos processos de desinfecção e esterilização. Resíduos de matéria orgânica,

visíveis ou não, nas superfícies externas ou no lume dos instrumentais podem abrigar

bactérias, fungos e vírus causadores de infecção.

Os desinfetantes e esterilizantes devem ser usados de acordo com as

normas dos fabricantes, respeitando-se concentrações e tempo de exposição, além da

verificação do registro desses produtos na ANVISA.

Para a prevenção de novos casos, recomenda-se a instituição da

higienização das mãos com água e sabão anti-séptico ou a fricção com produto a base de

álcool a 70% antes e após o atendimento ao paciente; a esterilização de videoscópios por

método químico ou físico (imersão em ácido peracético ou glutaraldeído e utilização de

autoclaves de plasma de peróxido).

Em razão do surto de infecção ocorrido em Belém muito tem se discutido

sobre o funcionamento da chamada Comissão de Controle de Infecção hospitalar (CCIH), se

efetivamente elas tivessem exercendo sua função nos hospitais, provavelmente a situação

não teria chegado aonde chegou.

No Brasil o controle das IH teve inicio, em 1963, no Hospital Ernesto

Dorneles, em Porto Alegre, RS. Em 1983, o Ministério da Saúde (MS) pública a portaria 196,

obrigando os hospitais a criarem CCIH normatizando aspectos importantes no controle de

infecção, não conseguindo, entretanto, o impacto desejado.

Com a morte do Presidente Tancredo Neves, em 1985, após a grande

repercussão nacional que a mídia e a população foram sensibilizadas para o problema da IH

nos hospitais brasileiros.

Em 1992, o Ministério da Saúde publica a portaria nº 930, que substitui a

antiga, sendo reestruturado o PCIH procurando adequá-lo ao novo modelo que descentraliza

e unifica a assistência à saúde no Brasil. A portaria prevê a criação dos Serviços de Controle

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de Infecção Hospitalar (SCIH) com profissionalização de enfermeiro e médico, e faz clara

recomendação para a utilização de métodos ativos na coleta dos dados.

A CCIH é um órgão de assessoria da diretoria do hospital. Para que seu

trabalho tenha possibilidade de êxito é fundamental o apoio político da administração, que

deve prover as condições mínimas essenciais para o seu funcionamento.

Deve deixar claro o grau de autonomia conferida ao SCIH para iniciar as

ações que considere necessárias para reduzir o risco de infecções, como coletar material

para cultura, afastar do trabalho profissionais com doenças transmissíveis, interditar leitos

para o controle de infecções.

As CCIH devem ser constituídas, conforme recomendação federal, ser

atendidas às peculiaridades de cada hospital, e contar com a participação em seu número

básico de representantes dos diferentes serviços, pois, por definição, uma CCIH de ser

multidisciplinar, uma vez que sua atuação envolve praticamente todos os setores do hospital.

Para existir consenso de que o SCIH deve ter um enfermeiro em

dedicação exclusiva nesta atividade para desenvolver a contento as atividades inerentes do

PCIH. Segundo a portaria 930 do MS, o SCIH deve ter, no mínimo, um enfermeiro e um

médico para cada 200 leitos, com pelo menos 6 e 4 horas de trabalho, respectivamente, e

pessoal de apoio. O médico do SCIH deve ter formação clínica, idealmente um infectologista,

com treino em epidemiologia clínica.

O médico epidemiologista é o responsável pela organização e

desenvolvimento das atividades de vigilância, presta consultoria sobre isolamentos, analisa os

dados, prepara relatórios, colabora na elaboração de normas e padronizações, supervisiona

cursos e treinamentos. Sendo que o comitê deve se reunir uma vez por mês,

preferencialmente, ou a cada dois meses. Devem ser registradas as reuniões em atas que se

tornam um importante documento, que pode ser retomado por questões médicas, éticas,

administrativas, políticas e até mesmo legais.

É importante que se mantenham atualizados os registros de taxas de

infecção, as investigações realizadas e como os problemas foram resolvidos, além dos

possíveis fatos que possam interferir na rotina da comissão.

As atividades da CCIH devem ser divulgadas, discutidas e

compreendidas por todos os que compõem a equipe de saúde, através de relatórios, gráficos,

painéis, murais.

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Este Promotor de Justiça remeteu ofício a todos os hospitais réus no

presente processo, requisitando informações sobre o conteúdo das reclamações

apresentadas perante o Ministério Público, formulando uma série de perguntas sobre o

processo de desinfecção e esterilização, atuação da CCIH, bem como sobre o funcionamento

de uma maneira geral das referidas casa de saúde.

Em resposta ao ofício recebido, o Instituto Saúde da Mulher, por seu

Diretor Salomão Zoghbi Neto, ressaltou a qualidade das instalações físicas do hospital,

comparando-as com um hotel cinco estrelas, devido a diversos equipamentos que

proporcionam maior conforto a seus pacientes, sendo que a instituição conta com uma equipe

de prevenção de infecção hospitalar, que atua constantemente em todas as instalações do

hospital.

Refere que a ANVISA está investigando o surto que acometeu vários

hospitais de Belém, entretanto, a mycobacterium abcessus não foi encontrada em nenhum

material coletado no Instituto Saúde da Mulher, o que seria muito improvável, visto que a

micobactéria prefere ambientes como a água e não teria condições de sobreviver em

instalações de um centro cirúrgico, apartamentos e enfermaria, conclui descartando

totalmente a hipótese de infecção hospitalar nas instalações do hospital (fls. 1077/1080-Vol.

V).

Ocorre que, inúmeros pacientes submetidos à cirurgia no Instituto Saúde

da Mulher foram infectados durante os procedimentos cirúrgicos ali realizados, obviamente

devido à presença da mycobacterium abcessus nesses equipamentos.

No Hospital Saúde da Mulher foram realizadas diversas reuniões da

Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, ocasião em que foram discutidos assuntos

diversos, especialmente no que se refere ao combates das infecções e o processo de

esterilização de equipamentos hospitalares, sendo adotadas providências diversas nesse

sentido.

Conforme ata da reunião realizada no hospital no dia 13 de novembro de

2004(fls. 1085), foram discutidas as infecções que estavam acometendo os pacientes que

foram submetidos a cirurgias vídeo-laparoscópicas naquela instituição, sendo relatado que

foram enviadas amostras do produto glutaraldeídeo para a empresa fornecedora e a mesma

enviou o resultado negativo.

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O Dr. Acácio relatou na reunião que as infecções observadas por ele

foram diagnosticadas desde maio de 2004, e que o resultado de cultura sempre dava

negativo, havendo necessidade de investigar os fatos.

Foi citado inclusive que essas infecções estavam sendo causadas pela

mycobacterium abcessus, e que já existiam nove pacientes com resultado de cultura positiva,

sendo recomendado suspender de imediato o uso do produto químico glutaraldeídeo para

evitar novos casos.

Na reunião da CCIH do dia 05/03/2003(fls. 1105-Vol.V), foi informado

que técnicos da ANVISA estiveram na instituição em 2004 em duas oportunidades, e que o

hospital tomou as providências recorrentes pelo órgão, como aumento do número de médicos

infectologistas, instituição do projetado ambulatórios de egressos e implantação do projeto de

antimicrobianos.

Constam dos autos o Manual de Rotinas da Central de Material

esterilizado do Hospital Saúde da Mulher(1123/1137), com as atribuições do enfermeiro, do

técnico de enfermagem, as atribuições do pessoal de apoio a do processamento dos artigos,

como e a recepção e o expurgo, a realização de limpeza, desinfecção, esterilização, etc.

Foi explicada a utilização do produto Glutaraldeído, que tem atividade

bactericida, viruscida, fungicida e esporicida, considerando a esterilização como o processo

de destruição de todas as formas de vida, ou seja, elimina os microorganismos tanto na forma

vegetativa, como na forma esporulada. Divide-se em química, que é realizada com vapor

saturados sob pressão com o aparelho denominado autoclave; e química, realizadas com

substâncias químicas como o glutaraldeído.

Foram juntados os documentos enviados à SESMA, referentes aos

boletins mensais de Controle de Infecção Hospitalar, oriundo de 2004 e 2005, onde constata

tabela de paciente, com os dados sobre idade, clínica, motivo da internação e o prognóstico

(fls. 1139/1199), e ainda a rotina do CCIH, onde se mostra com gráficos coloridos o quadro

das infecções hospitalares ao longo do ano de 2004(fls.1200/1206).

Todas as perguntas formuladas pelo Ministério Público foram

devidamente respondidas pelo hospital Saúde da Mulher (fls. 1112/1122), havendo descrição

dos procedimentos cirúrgicos realizados, a descrição técnica dos procedimentos de

esterilização, composição da Comissão de Controle de infecção Hospitalar, a periodicidade

das auditorias e inspeções sanitárias, a coleta de dados sobre infecção hospitalar, enfim,

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todas o processo de funcionamento do hospital e as medidas que são tomadas para evitar a

infecção hospitalar.

Em resposta ao ofício enviado ao hospital Sírio Libanês pelo Ministério

Público às fls. 779, referente às explicações dos casos de infecção hospitalar ocorridos

naquela casa de saúde, foi respondido resumidamente o que segue:

A CCIH funciona efetivamente no hospital, sendo feitas inspeções

técnicas trimestralmente, a fim de detectar possíveis falhas que serão solucionados pelos

membros deste órgão.

A limpeza e desinfecção dos artigos cirúrgicos é feita através da

degermação, onde o produto utilizado é o cidex (glutaraldeído), que permanece por um

período de 1h - 1:30h em solução, e antes de sofrer esse processo, os materiais são postos

na solução prozime, um poli-enzimático que tem por função degradar enzimas contidas em

soluções corpóreas; em seguida estes materiais são enxaguados com água estéril e postos

em solução de hipoclorito de sódio, ficando por mais 20 minutos; repete-se a lavagem com

água estéril e postos no cidex. A partir daí os instrumentos cirúrgicos são esterelizados a

121ºC por 30 min.

Sendo os materiais de cirurgias vídeo-laparoscópicas esterilizados

totalmente no CME do próprio hospital, utilizando-se a ação de um poli-enzimático (prozime )

para se proceder a esterilização por 15 min. à 121ºC.

Ressaltado que o hospital confirmou não ter meios de detecção de

infecção hospitalar pós-alta, já que os pacientes são em sua maioria procedentes de

consultório médicos particulares.

Foi remetido ao MP o Manual de Rotinas da Central de Material

esterilizado do hospital Sírio Libanês, onde constam as atribuições do enfermeiro, do técnico

de enfermagem, as atribuições do pessoal de apoio e do processamento dos artigos, como a

recepção e o expurgo, a realização de limpeza, desinfecção, esterilização, etc.

Foram juntados os documentos enviados à SESMA, referentes aos

boletins mensais de Controle de Infecção Hospitalar, oriundos de 2004 e 2005, onde consta

tabela de paciente, com os dados sobre idade, clínica, motivo da internação e o prognóstico

(fls. 802/822- vol. IV).

O Hospital da Beneficente Portuguesa (D. Luiz I) respondeu as perguntas

solicitadas pelo MP, expondo o que segue:

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Das quatro pessoas que fizeram reclamações de infecção hospitalar

neste órgão Ministerial contra Hospital da Beneficente Portuguesa, foi confirmado pelo

referido hospital que apenas três realizaram cirurgia no mesmo, não confirmando a Instituição

que tenha havido casos de infecção hospitalar.

Informou que a CCIH do hospital é própria, sendo composta por nove

funcionários os quais realizam auditorias e inspeções sanitárias mensalmente.

Quanto à limpeza e desinfecção dos artigos cirúrgicos, é de

responsabilidade dos funcionários da Central de Material de Esterilização. Sendo realizada

por prospectiva geral com busca ativa de casos de infecção hospitalar em pacientes

internados, com prioridade para os internados na UTI neonatal, UTI adulto, e aqueles

submetidos a procedimento cirúrgicos.

Sendo a esterilização do material de cirurgia feita em parte pelo hospital

(aparelho do hospital) e em parte pelos médicos que trazem (medida suspensa) seu aparelho

já processado para uso na instituição, e também, realizados por membros da equipe destes

cirurgiões utilizando os serviços da CME do hospital.

A taxa de infecção hospitalar na instituição no período de 01/2004 à

03/2005 foi de 3,32%.

Foi remetido ao MP o programa de controle de infecção hospitalar, as

atas de reuniões da CCIH, assim como a rotina de limpeza do Hospital, especificando as

normas técnicas adotadas, além de boletim enviado à SESMA, no período de janeiro de 2004

a março de 2005.

Quanto ao hospital Saúde da Criança, foram apresentadas no MP até a

presente data duas reclamações de infecção hospitalar, sendo que a instituição também não

prestou as devidas informações solicitadas por este Promotor de Justiça.

No que se refere ao hospital da Ordem Terceira (Venerável Ordem

Terceira de São Francisco), foram apresentadas no MP até a presente data duas

reclamações de infecção hospitalar, sendo que até a presente data a instituição não prestou

as devidas informações solicitadas por este Promotor de Justiça.

O Hospital Geral da Unimed, pertencente ao plano de saúde Cooperativa

do Trabalho Médico - Unimed, respondeu às indagações formuladas pelo MP juntando os

documentos pertinentes às fls. 881/955, que podemos resumir da seguinte forma :

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O plano de saúde confirma que das cinco pessoas que fizeram

reclamação neste órgão Ministerial todas se submeteram a procedimento cirúrgico no hospital

da Unimed e tem conhecimento que duas delas adquiriram infecção hospitalar.

Informa que as auditorias e inspeções sanitárias internas são realizadas

mensalmente pelos membros executores da CCIH nos diversos setores de apoio. Durante as

inspeções realizadas não foram detectados casos de infecção com diagnóstico confirmado ou

presumido por Mycobacterium Abcessus.

Para materiais termoresistentes faz a lavagem com enzimático seguindo

a orientação do fabricante, empacotamento com as devidas identificações e autoclavação. E

para materiais termosensíveis faz o mesmo procedimento, acrescentando a submersão em

solução de glutaraldeído a 2% por 10 horas.

Informou que a esterilização do instrumental de propriedade da UNIMED

é feita totalmente pelo hospital, porém destacou que os médicos também utilizam seus

instrumentais que são esterilizados por seus instrumentadores, usando ou não o produto

químico do hospital.

Foi enviado regimento interno de CCIH, regimento do centro de controle

de infecção, programa de controle de infecção hospitalar, atas das reuniões da CCIH, dados

estatísticos sobre infecção hospitalar; boletins mensais de Controle de Infecção Hospitalar.

O Hospital Porto Dias respondeu às indagações do MP, juntando os

documentos correspondentes às fls. 956/1003, conforme resumimos a seguir:

Iniciou a resposta confirmando que os pacientes que formularam

reclamações nesta PJ foram submetidos à cirurgia naquela instituição, entretanto, negando

que tenham sido contaminados por infecção hospitalar, afirmando que a direção do hospital

soube da ocorrência de infecções apenas indiretamente, através de médicos e de notícias da

mídia local, não tendo dados concretos sobre em quais pacientes foram isolados a

mycobacterium abscessus, apesar de já terem solicitado essas informações aos órgãos

competentes. Foi indicada a lista dos pacientes solicitada pela MP, com a data da cirurgia e a

equipe médica que os atendeu.

Foi detalhado o funcionamento da Comissão de Controle de Infecção

Hospitalar – CCIH, presidida pelo Dr. Lourival Rodrigues Marsola, sendo que normalmente as

inspeções sanitárias são realizadas anualmente pela Vigilância Sanitária do Município,

ressaltando-se que o hospital não possui vigilância pós-alta de procedimentos cirúrgicos. A

taxa média mensal de pacientes com infecção hospitalar no período solicitado(2004) foi de

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1,58 %. A avaliação é feita pela CCIH do hospital, que utiliza os indicadores epidemiológicos

de infecção hospitalar para traçar os níveis endêmicos.

O hospital possui dois instrumentais para cirurgia vídeo-laparoscópicas,

porém, em regra, os cirurgiões optam por fazer uso de seus próprios instrumentos,

informando que no período de 01/01/2004 à 31/03/2005 foram realizadas 551(quinhentos e

cinqüenta e uma) cirurgias por esse método.

A limpeza dos artigos hospitalares é realizada de forma manual e

mecânica, com solução enzimática de três enzimas (amilase, protease e lípase). A

desinfecção química de alto nível é destinada aos artigos semicríticos termosensíveis,

adotando-se para isso solução desinfetante o glutaraldeído 2%, os artigos são submetidos a

etapas sistematizadas (limpeza, enxágüe, secagem, desinfecção, enxágüe e secagem),

sendo expostos a essa solução por um período de 30(trinta) minutos, ao final do processo

esses artigos são embalados em sacos de algodão cru esterilizados, sendo monitorada a

solução do glutaraideídeo quanto a concentração de substância ativa e ao ph pela CCIH.

O processo de esterilização no hospital é feito por plasma de peróxido de

hidrogênio (STERRAD) englobando as seguintes fases: Vácuo – retira-se o ar de dentro da

câmara de esterilização; Injeção – uma vez processado o vácuo é enviado um sinal para que

as agulhas existentes nas válvulas de injeção perfure a ampola de peróxido de hidrogênio;

Difusão – o peróxido de hidrogênio na fase gasosa, se “espalha” por todo material para que o

peróxido tenha oportunidade de chegar em todos os cantos; Ventilação – o ar é filtrado para

dentro da câmara do equipamento, igualando a pressão interna com a externa.

Anteriormente o processo de limpeza mecânica era realizada pelo

instrumentador da equipe cirúrgica, que antes do ato cirúrgico promovia a desinfecção de alto

nível mantendo imerso em glutaraldeído a 2% por 30(trinta) minutos, protocolo seguido desde

o ano de 1999, quando iniciaram os procedimentos vídeo laparoscópicos no hospital.

Atualmente a CME (Central de Material e Esterilização) do Hospital

Porto Dias é centralizada, todo o processo de esterilização é feito nela. O artigo é submetido

à limpeza mecânica e manual pelo instrumentador da equipe cirúrgica e após isto os artigos

são inspecionados, acondicionados e esterilizados pela equipe do hospital, para em seguida

serem embalados e esterilizados no Plasma de Peróxido de Hidrogênio(STERRAD).

Os instrumentadores da equipes cirúrgicas no mês de novembro de

2004 participaram de um curso sobre o tema da limpeza e esterilização dos artigos de vídeo-

laparoscopia.

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O hospital informou que tomou conhecimento de casos de infecção por

micobactéria quando começou a ocorrer a continuidade de relatos de “alergia” ao

glutaraldeído, devido a isso, em setembro de 2004, alguns pacientes foram encaminhados ao

médico infectologista para investigação. Sendo estes avaliados e o material colhido das

feridas cirúrgicas foi enviado ao Instituto Evandro Chagas, onde foi detectado presença de

micobactéria, porém ainda não caracterizando como Mycobacterium Abscessus .

O hospital enviou rotina de higienização onde demonstra os cuidados na

limpeza do bloco cirúrgico, no banheiro em geral e a orientação que se observa para o

pessoal da limpeza.

No dia 03 de novembro foi realizada reunião extraordinária no hospital,

com a presença de médicos-cirurgiões, membros da CCIH e a direção do hospital, onde

foram discutidas providências em relação ao surto da Mycobacterium Abcessus.

Os protocolos de processamento de vídeo laparoscopia foram revistos,

assim como do centro de material esterilizado, sendo suspensas todas as cirurgias por um

período de 15 dias, sendo iniciada uma investigação pela CCIH, sendo enviado equipamentos

para análise no Instituto Evandro Chagas.

Entre as medidas preventivas tomadas, as mais importantes que

consideramos foram processar os equipamentos de vídeo laparoscopia no glutaraideídeo, por

um período de 10(dez) horas, para esterilização após limpeza com detergente enzimática,

haja vista que anteriormente os equipamentos ficavam imersos na substância por apenas 30

(trinta) minutos, sendo que a partir da chegada do equipamento Sterrad em dezembro de

2004, todos os materiais termosensíveis incluindo os laparoscópicos passaram a ser

esterilizados utilizando o peróxido de hidrogênio(fls. 964-Vol IV).

Às fls. 966/976 dos autos constam os relatórios técnicos das cirurgias,

onde estão descritos os procedimentos realizados nos paciente de forma pormenorizada,

documentos esses assinados pelos médicos-cirurgiões.

Foram juntados às fls. 975/983, o programa de prevenção e controle de

infecções hospitalares, onde são seguidas as determinações da Portaria nº 2.616/MS/GM, de

02 de maio de 1998, sendo que o Programa de Controle de Infecção Hospitalar(PCIH) é “o

conjunto de ações desenvolvidas deliberadamente e sistematicamente, com vistas à redução

máxima possível da incidência e da gravidade das infecções hospitalares”.

As atas das reuniões da CCIH (2004/2005) constam às fls. 987/1002 dos

autos. Na reunião realizada no dia 09 de setembro de 2004 foi aventada pela primeira vez a

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questão do produto glutaraldeído, que supostamente estaria causando alergia aos pacientes

e deveriam ser melhor investigados os casos, pois já havia notícia de um paciente de outro

hospital ter sido contaminado por micobactéria.

No dia 20 de outubro de 2004 na reunião da CCIH(fls 996), foi levantada

a possibilidade de surto, sendo confirmada a ocorrência de micobactéria de crescimento

rápido, não sendo ainda identificada a espécie pelo Instituto Evandro Chagas, inclusive o Dr.

Lourival Marsola , Presidente da CCIH informou que já havia comunicado os fatos à ANVISA,

questionando os problemas com o produto glutaraldeído e as infecções por micobactéria após

cirurgia.

Na reunião ocorrida no dia 03 de novembro de 2004(fls. 997-Vol. IV),

foram tomadas diversas providências pela CCIH em relação às infecções por micobactéria,

ocasião em que foi relatado pelos médicos a ocorrência de inúmeros casos, sendo tratado

novamente o assunto no dia 09 de dezembro de 2004 (fls. 999).

Em que pese não tenha a direção dos hospitais réus, com exceção da

Unimed, admitido expressamente a responsabilidade pelas infecções hospitalares

transmitidas aos pacientes submetidos à cirurgia, não negaram a ocorrência dos fatos

descritos na presente ação, inclusive nas reuniões da CCIH ocorridas no Hospital Porto Dias

e Saúde da Mulher o assunto foi amplamente discutido e nas próprias informações do hospital

foram relatadas as providências tomadas pela instituição quando o problema da

mycobacterium abcessus ganhou a dimensão de surto, o que não poderia certamente ser de

outra forma.

É fato notório que os pacientes que foram submetidos a cirurgia nesses

hospitais foram acometidos de infecção hospitalar, não havendo no nosso entendimento, de

acordo com a legislação em vigor, como os réus fugirem da responsabilidade civil do

pagamento dos danos materiais e morais sofridos pelas vítimas do evento.

3 - LISTA DAS VÍTIMAS DE INFECÇÃO HOSPITALAR QUE APRESENTARAM RECLAMAÇÃO NO MP:

SAÚDE DA MULHER

1.IVANY PINTO NASCIMENTOTv. Apinagés, 569, apto. 102, Batista Campos, CEP 66033-170

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2.MARCELO EUTÓRGIO VIEIRA DA IGREJAConjunto Maguari, Alameda 15, casa 56, Icoaraci

3.ANA BEATRIZ DE OLIVEIRA PANTOJA PIMENTELAv. Conselheiro Furtado, 1574, apto 1501, Edifício Rio de La Plata.

4.MARIA JOSÉ ARGUELLES MOTTATrav. 14 de Março, 1320, apto. 1502

5.MARIA ELIZABETH FONSECA DE MENEZESRua Mundurucus, Passagem Máquinas, n.º 69.

6.RUTH HELENA COSTA SANTOSAv. Conselheiro Furtado, Vila da Paz, 25, Nazaré, entre Generalíssimo Deodoro e Quintino Bocaiúva.

7.SIMONE SOEIRO VIEIRAAv. Visconde de Souza Franco, 1114, apto 401.

8.MÁRCIA GISELE FRANÇA DE MATOSTv. Tiradentes, 700, apto. 602, Santarém, Pará.

9.SUELY CAVALCANTEResidencial Sabiá, Quadra 03, N.º 9.

10.AILDE BATISTA DOS SANTOSRua Vizeu, 364, Conjunto Médice II, Marambaia.

11.ALDA FRANÇA COSTAConjunto Vitória Régia, Alameda 1, casa n.º 9.

12.OSCARINA PEREIRA MUNIZRua Oswaldo de Caldas Brito, 490.

13.RAIMUNDA DOS SANTOS CAMPOSRua Américo Santa Rosa, 562, Bairro Canudos.

14.ANTÔNIA REGINA DA PAIXÃO RODRIGUESRua Américo Santa Rosa, 564.

15.KARLA CELESTE MENEZES QUEIROZAv. Gentil Bittencourt, n.º 1485, apto. 201.

16.ALESSANDRA DO ROSÁRIO BRITOConjunto Panorama XXI, Quadra 28, casa 11.

17.JOSÉ ALVES DE ARAÚJOAv. 25 de Setembro, n.º 37, São Braz.

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18.EPAMINONDAS DA SILVA SOUZARua Canal do Galo, 23-A, entre Djalma Dutra e Nena Barreto, Telégrafo.

19.NÃLIA SOCORRO MORAES GOMESTv. Monte Alegre, 1265, Bloco Karen, Apto. 202, Jurunas.

20.OSWALDO PINHEIRO DILLONPassagem Santa Maria, 88, Sacramenta.

21.ROBERTO NAZARENO ALBUQUERQUE DA SILVAConjunto Júlia Sefer, Rua 14, casa 94, Ananindeua.

22.MARIA DO SOCORRO MARTINS COSTABR 316, Rua Anabeju, 300, Castanheira.

23.MARIUZA MATIAS PALHETATrav. Lomas Valentinas, 2409, Marco.

24.MARIA DO SOCORRO OLIVEIRA PIMENTAAv. José Bonifácio, 2071, Altos.

25.AUDI MARIA DE LIMA FERREIRAAv. Naziazeno Ferreira, s/ n.º, Bairro do Riozinho, Bragança, Pará.

26.ANA CRISTINA MARTINS PINTOAv. Braz de Aguiar, 73, apto. 21

27.ANA CRISTINA DO ESPÍRITO SANTO PIRESRodovia Augusto Montenegro, Residencial José Homobono II, Bloco 09, apto. 101, Tapanã

28.FLÁVIA CRISTINE ALCÂNTARA SANTOSRua Epitácio Pessoa, 46, Guamá.

PORTO DIAS

29.ULYSSES JOSÉ TAVARESAv. 16 de Novembro, 594, apto 1101, Cidade Velha

30.SALOMÃO ELIAS BENMUYALRua Arcipreste Manoel Teodoro, 103, apto 1703

31.CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA MONTEIROTv. Curuzu, 2215, apto 602.

32.SUELY REGINA DOS SANTOS ALHOTv. Humaitá, 1470, entre Duque de Caxias e Visconde

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33.MARIA BEATRIZ ARAÚJO DOS SANTOSRua Reginaldo de Souza, 34, Distrito Industrial

34.ROSICLER IANDECY MOURA BARBOSARodovia Augusto Montenegro, km 8, Residencial José Homoboro Paes de Andrade I, bloco 01, apto. 104, Tapanã.

35.ARYADNE CAROLINE LEÃO DE ANDRADERua de Américo Santa Rosa, n.º 806, entre Teófilo Conduru e Francisco Monteiro.

36.MARIA MADELEINE BASTOS DA VERA CRUZRod. Augusto Montenegro, Passagem Maria das Graças, n.º 42.

37.PATRÍCIA CARLA NOGUEIRAAv. Almirante Barroso, n.º 892, apto. 208 - B.

38.NÚBIA MÁRCIA MIRA GÓESAv. Xavantes, nº 174, B, Beirol, Macapá, Amapá.

39.MARIA JOSÉ CARDOSO SANTOSAv. Dr. Freitas, Passagem Santa Helena, 231.

40.JANETE PAMPLONA RODRIGUESAv. Duque de Caxias, Vila S. Gabriel, 54, Marco.

41.MARIA JOSÉ DE OLIVEIRA LAMEIRARua Diogo Móia, 417, Umarizal.

42.LÚCIA MARIA MOREIRA DUARTEAv. Conselheiro Furtado, 246.

43.EDUARDO ANTÔNIO BASTOS SANTOSRodovia Mário Covas, Condomínio Pau d’Arco, rua 04 , casa 04, Coqueiro, Ananindeua.

44.RUI GUILERME MESSIAS CASTROTv. Soares Carneiro, Passagem Belém, n.º 150, Umarizal.

45.ANA CRISTINA MARTINS PINTOAv. Braz de Aguiar, 73, apto. 21.

UNIMED

46.TAHÍS CHAVES PENNER TAVARES Conjunto Bela Vista, Tv. João Pessoa, 3306, Val-de-Cães.

47.GUIOMAR GALVÃO ARCOVERDETv. Pina de Ribeiro, 96, São Braz.

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48.ROSALVO MONTEIRO BRITOTv. Curuzu, nº 1603.

49.EMILIANO ROBERTO COELHO DOS SANTOSR. São Domingos, n.º 66, Terra Firme, Montese.

50.CLAÚDIA REGINA SANTOS FERREIRATrav. Bom Jardim, n.º 104, Cidade Velha.

51.ANA MARY BAETASD. Pedro I, 235, Umarizal.

52.SAMUEL VIEIRA CRUZRua Carlos Magno, Al. 1º de Maio, n.º 03, Marambaia.

53.MARIA DO ROSÁRIO DE FÁTIMA SOUZA CAETANORodovia Augusto Montenegro, km 05, Privê Sol Dourado, Bloco F, Apto. 203, Parque Verde.

BENEFICIENTE PORTUGUESA

54.REINALDO JOSÉ TEIXEIRA GONÇALVESAv. Cora de Carvalho, 877, Centro, Macapá, Amapá.

55.MARIA RAIMUNDA CARDOSO MIRANDARua Inácio Gabriel, n.º 15, Marituba, Pará.

56.MARIA AMÉLIA BENTES CAVALCANTEAv. Conselheiro Furtado, 290, apto. 1008, Edifício Monsenhor Azevedo.

57.MARIA DA GLÓRIA BREU SOUZA FILHARua Silva Santos, 128, entre Ferreira Cantão e 1º de Março.

58.ROSE MARY DE SOUZA COUTINHOPassagem São João, nº 01, bairro do Telégrafo Sem Fio

HOSPITAL SÍRIO LIBANÊS

59.REGINA FALCÃO MEDEIROSPassagem Vitória, 339, Terra Firme, entre São Pedro e Rua Nova.

60.EDNA MORAIS BARROSORua Curuçá, 136, Umarizal.

61.RAIMUNDA MIRALDA CRUZ MAGNORua do Fio, 173, Av. Pedro Álvares Cabral, Telégrafo.

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SAÚDE DA CRIANÇA

62.JOANA VALDERINE DE SOUSA ROSÁRIORua Alacide Nunes, Passagem Três Marias, n.º 30.

63.SANDRA SUELY PEDREIRO CAVALCANTETrav. Felipe dos Santos, Quadra 327, casa 428, lote 28, Vila dos Cabanos, Barcarena, Pará.

64.ANA CELY MONTEIRO DA SILVARua Tancredo Neves, Quadra 07, n.º 18, Tenoné, Passagem Fé em Deus.

ORDEM TERCEIRA

65.ELIZÂNIA SANTOS DE OLIVEIRARua Mundurucus, 2602, casa 01.

66.MARIA DE NARARÉ LISBOA LAGOConjunto Parklândia, Quadra Q, n.º 8.

3- ASPECTOS JURÍDICOS DA QUESTÃO.

3.1. DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E DA ADEQUAÇÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA A TUTELA DOS DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Em que pese a Lei da Ação Civil Pública (7.347/85) esteja prestes a

completar 20 (vinte) anos e o Código de Defesa do Consumidor (8.078/90) esteja

completando 15 (quatorze) anos, a atuação do Ministério Público na defesa dos direitos ou

interesses metaindividuais ainda continua causando polêmica entre os juristas, notadamente

no que se refere aos chamados direitos individuais homogêneos.

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/95), dispõe

no Art. 25, que incumbe ao Ministério Público, promover o inquérito civil e a ação civil pública,

na forma da lei, para proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao consumidor,

além de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos”.

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De acordo com o parágrafo único do artigo 81, do CDC, a defesa

coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeito deste

Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos

deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria

ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Podem ser atribuídas três características aos direitos individuais

homogêneos:

1) trata-se de um conjunto de interesses individuais, ou seja, um

agrupamento de interesses individuais;

2) que haja uma identidade desses interesses;

3) que haja a possibilidade de exigir o interesse em face da mesma

pessoa ou mesmas pessoas.

Usando dos critérios do CDC, extrai-se que, pelo aspecto subjetivo,

os direitos ou interesses individuais homogêneos tem como titulares pessoas perfeitamente

individualizadas, que também podem ser indeterminadas, mas determináveis sem nenhuma

dificuldade. Pelo aspecto objetivo e pelo caráter predominantemente individualizado, são eles

sem dúvida divisíveis e distinguíveis entre seus titulares. Sob o aspecto de sua origem,

possuem eles origem comum. Em relação a essa origem comum é que existe ponto de

semelhança entre os direitos ou interesses individuais homogêneos e os direitos ou

interesses difusos, pois ambas as categorias, diferentemente dos direitos coletivos em sentido

estrito, nascem ligadas pelas mesmas circunstâncias de fato, não obstante, sejam, quanto à

titularidade e objeto, totalmente distinguíveis.

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A legitimação do Ministério Público está expressa no texto

constitucional (art. 127, caput, e art. 129, III). A mesma Lei maior confere ao legislador

infraconstitucional poder para conceder ao parquet outras funções compatíveis com suas

atribuições (art.129,IX, da CF), e a legitimidade no caso é institucional e está

respaldada,como se vê, no texto constitucional. A atuação é de interesse social, e sempre

que houver a afirmação de direito pertinente aos interesses ou direitos individuais

homogêneos, o Ministério Público poderá atuar, com o ajuizamento da respectiva ação

coletiva. O que ele defende não é o interesse de cada vítima ou de seus sucessores, mas o

interesse globalmente considerado que, no caso, é o interesse social, justificado para evitar a

proliferação de demandas individuais, a dispersão das vítimas titulares dos direitos e o

desequilíbrio jurídico decorrente da possibilidade de decisões jurisdicionais contraditórias

sobre o mesmo assunto.

Para a maioria da doutrina e da jurisprudência, ao Ministério Público

cabe não somente a defesa dos direito difusos e coletivos, mas também os direitos individuais

homogêneos.

Conforme ensinamento da consagrada doutrinadora do direito

Consumerista, Claudia Lima Marques, “no caso brasileiro, trata-se da realização de um direito

fundamental (positivo) de proteção do Estado (Rechte auf positive Handlungen-v. Alexy, p.179

e ss.) para o consumidor (art.5º, XXXII, da CF/1988). O consumidor foi identificado

constitucionalmente (art. 48 do ADCT) como agente a ser necessariamente protegido de

forma especial.

O Código de Defesa do Consumidor é claro, em seu art. 1.º, ao dispor

que suas normas dirigem-se à proteção prioritária de um grupo social, os consumidores, e

que constituem-se em normas de ordem pública, inafastáveis, portanto, pela vontade

individual. São normas de interesse social, pois, como ensinava Portalis (apud Georges

Ripert,L’ ordre économique et la liberte contractuelle, Mélanges offert à Geny, Paris, 1959, p.

347), as leis de ordem pública são aquelas que interessam mais diretamente à sociedade que

aos particulares.

O Código de Defesa do Consumidor constitui verdadeiramente uma

lei de função social, lei de ordem pública econômica, de origem claramente constitucional.

Visando tutelar um grupo específico de indivíduos, considerados

vulneráveis às práticas abusivas do livre mercado, esta nova lei de função social intervém de

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maneira imperativa em relações jurídicas de direito privado, antes dominadas pelo dogma da

autonomia da vontade. São normas de interesse social, cuja finalidade é impor uma nova

conduta, transformar a própria realidade social”( Comentários ao Código de Defesa do

Consumidor, ed. Revista dos Tribunais, p. 54).

A jurisprudência dominante hoje no Brasil, sabiamente é no sentido

de se admitir a legitimidade do Ministério Púbico na defesa de interesses individuais

homogêneos, notadamente os nossos tribunais superiores:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AÇÃO COLETIVA – MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE – INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – PLANO DE SAÚDE – REAJUSTE DA

MENSALIDADE – UNIMED. O Ministério Público tem legitimidade

para promover ação coletiva em defesa de interesses individuais

homogêneos quando existente interesse social compatível com a

finalidade da instituição. Reajuste de prestação de plano de saúde

(Unimed). Art. 82, I, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do

Consumidor). Precedentes. Recurso conhecido e provido (STJ –

Resp 177965/PR – rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – j. 18.05.1999).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – IMPETRAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO VISANDO A FIXAÇÃO E O PAGAMENTO DE MENSALIDADES ESCOLARES –

ADMISSIBILIDADE – DIREITOS E INTERESSES QUE PODEM SER

CONSIDERADOS COLETIVOS OU SE CONSIDERADOS

INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS SEUS TITULARES SÃO

CONSUMIDORES - INTELIGÊNCIA DO ART. 2º , PARÁGRAFO

ÚNICO, DA LEI 8.078/90. Ementa da Redação. O Ministério Público

tem legitimidade para ingressar com ação civil pública visando a

fixação e o pagamento de mensalidades escolares, pois os interesses

e direitos daí decorrentes podem ser considerados coletivos. Mas,

ainda que esses direitos sejam considerados como individuais

homogêneos, pode o órgão ministerial propor a ação, eis que têm

vinculação com o consumo, ou seja, podem os titulares do direito ser

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considerados consumidores, nos termos do art. 2ª ,parágrafo único,

da Lei 8.078/90 (STF – 2ª T. – RE 185.360 – 3/SP – rel. Min. Carlos

Velloso – j. 17.11.1997 – RT 752/116).

Rodolfo Camargo Mancuso entende “que o ponto de equilíbrio nessa

controvérsia depende de que seja devidamente valorizado o disposto no art. 127 da CF, onde

se diz que o parquet compete a defesa dos “interesses sociais e individuais indisponíveis”. Ou

seja, quando for individual o interesse, ele há de vir qualificado pela nota da indisponibilidade,

vale dizer, da prevalência do caráter de ordem pública em face do bem da vida direto e

imediato perseguido pelo interessado. Até porque, de outro modo, a legitimação remanesceria

ordinária, individualmente ou em cúmulo subjetivo.

Registre-se entendimento no sentido de que a nota da

indisponibilidade (CF, caput) pode, ainda, derivar do próprio interesse social em que seja

prevenida a atomização dos conflitos coletivos, os quais, tratados fora dos esquemas de

jurisdição coletiva, acabam gerando múltiplas demandas judiciais, com efeitos deletérios bem

conhecidos: sobrecargas do judiciário, duração excessiva de feitos, risco de decisões

qualitativamente diversas. No ponto, Nery e Nery sustentam que a ação civil pública movida

pelo Ministério Público em matéria de interesses individuais homogêneos é deduzida no

interesse público em obter-se sentença única, homogênea, com eficácia erga omnes da coisa

julgada (CDC, art. 103, III), evitando decisões conflitantes”.

Assim se deu no rumoroso caso da explosão, por vazamento de gás,

ocorrida em shopping center situado em Osasco SP, tendo o MP ajuizado ação coletiva, em

defesa dos interesses individuais homogêneos das vítimas e/ou de suas famílias. Outro

exemplo é caso dos contratos de leasing de automóveis, quando houve a subida vertiginosa

no cambio do dólar, onde o Ministério Público ajuizou ação coletivas em favor dos

consumidores contra vários bancos, em diversos Estados da Federação.

Esses exemplos mostram como se pode configurar o interesse social.

Num conflito coletivo com número muito expressivo de sujeitos, com tal refratário à técnica do

litisconsórcio ativo facultativo (v. parágrafo único do art. 46 do CPC, redação da lei 8.952/94),

essa situação acaba ensejando que esses interesses metaindividuais sejam conduzidos para

a jurisdição coletiva.

Negar o interesse geral da sociedade na solução destes litígios e

exigir que cada lesado comparecesse a juízo em defesa de seus interesses individuais seria

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desconhecer os fundamentos e objetivos da ação coletiva ou da ação civil pública” (Ação Civil

Pública, Ed. Revista dos Tribunais, 7ª edição, pág. 114).

O constituinte não deixou qualquer margem de dúvida para a

questão. Ora, se vem expresso no artigo IX do art. 129 da CF que o parquet pode “exercer

outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade”, o

Código de Defesa do Consumidor e outras inúmeras leis ao conferiram atribuições diversas

ao Ministério Público, certamente estão em perfeita consonância com o texto constitucional.

A atuação do parquet é imperativa fundamentalmente para evitar a

proliferação de demandas individuais, a dispersão das vítimas titulares dos direitos e o

desequilíbrio jurídico decorrente da possibilidade de decisões jurisdicionais contraditórias

sobre o mesmo assunto.

3.2. O DIREITO À SAÚDE

A saúde, para efeitos de aplicação do art. 196 da CF/88, pode ser

conceituada como: “um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao

mesmo tempo que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de

aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse

mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-

estar”(Fernanda Schaefer, in Responsabilidade Civil dos Planos e Seguros de Saúde, páginas

22/23, 2003, Ed. Juruá).

Antigamente chegava-se ao conceito de saúde como ausência de

doença. Hodiernamente, é outra a concepção, pois o termo é polissêmico, cujo significado,

em suas raízes latinas, é solda, soldado, ou seja, uma peça única, inteira. Em suas origens

gregas, o significado da palavra saúde é, dentre outros, inteiro, real, integridade. A

organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “completo bem-estar físico, mental,

social e político”.

O art. 196 da Constituição Federal, preceitua: “a saúde é direito de todos e dever do Estado (grifo nosso), garantindo mediante políticas sociais e econômicas

que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e o acesso universal e

igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

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Outro importante conceito é trazido pelo art. 197, da Constituição

Federal, que afirma: “São de relevância Pública (grifo nosso) as ações e serviços de saúde,

cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e

controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e também, por

pessoa física ou jurídica de direito privado”. Assim, serão considerados de relevância pública

as ações e serviços de saúde que interessam à efetivação dos princípios fundamentais do

Estado Democrático de direito, inclusive os tidos como privados.

Finalmente, o art. 199 da Constituição Federal abre as portas do sistema

de assistência à saúde ao setor privado: “A assistência a saúde é de livre iniciativa privada”.

Essa liberdade será sempre exercida de forma complementar ao Sistema Único de Saúde,

observados todas as suas diretrizes (arts. 21 e 22 da Lei 8.080/90 – Lei Orgânica Nacional da

Saúde). A flexibilização do sistema universalista ocorreu face ao alto custo de manutenção da

saúde pública e possibilitou a organização da iniciativa privada sob as formas básicas de

seguros e medicina pré-paga e suas derivações.

Não se pode falar em direito à saúde, sem indagar o que significa o termo

saúde. O primeiro conceito de saúde é atribuído ao poeta satírico Juvenal, que viveu em

Roma entre os anos 42 e 130 D.C.: “mens sana in corpore sano”. O poeta quis dizer “Alma sã

num corpo são”. Não basta a saúde da alma; é necessária também a saúde do corpo.

Capra, citado por Rocha (199, p.43), afirma que a saúde pública é uma

“busca contínua pelo equilíbrio entre influências ambientais, modo de vida e os vários

componentes”. É, por isso, que a Constituição Federal preocupou-se não só com as ações

curativas mas também com as preventivas, e com a concretização da sadia e digna qualidade

de vida. A saúde é um direito de caráter difuso e coletivo, indivisível, que se efetiva a partir da

afirmação diária e contínua da cidadania plena.

De acordo com o artigo 127, II, da CF. é função institucional do Ministério

Público zelar pelo efetivo respeito dos poderes e dos serviços de relevância pública aos

direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.

Assim, sendo violados os direitos dos consumidores no exercício do direito constitucional à

saúde, no caso sub examen tendo havido a ocorrência de danos materiais e morais na

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prestação dos serviços de saúde, é dever institucional do parquet ingressar em juízo para

pleitear a reparação desses danos.

3.3. A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DOS HOSPITAIS

A responsabilidade objetiva permite que o juiz ordene a

reparação do dano sem que se prove a culpa daquele a quem será imputado esse dever.

Surgiu das dificuldades verificadas em definir a culpa diante de eventos danos concretizados

em certas atividades em que a posição humana é inferiorizada. O fato (atividade) surge para

atender as expectativas de lucro de quem explora esses segmentos, os chamados “criadores

de risco” por Alvino Lima, de modo que, quando a vítima entrar no esquema que envolve

riscos e dele sair prejudicada, não haverá de provar a culpa para obter a reparação do dano

sofrido; basta que prove a relação de causalidade entre o dano e o fato gerador. Uma vitória,

sem dúvida, da luta pela maior e mais efetiva proteção ao consumidor.

De acordo com o artigo 927, § único do Código Civil, “Haverá

obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei”. Na

verdade, os hospitais só se exonerariam da responsabilidade se comprovasse: não ter

realizado os serviços, culpa exclusiva do autor ou terceiro ou ocorrência de caso fortuito ou

força maior.

O artigo 6º da Lei 8.078/90(CDC) exige, como direito básico, a

proteção da vida e da saúde contra os riscos e práticas decorrentes do fornecimento de

serviços, bem como o direito à efetiva reparação de danos patrimoniais, morais, individuais,

coletivos e difusos.

Dispõe a Lei 8.078/90 (código de Defesa do Consumidor) :

Artigo 14: “O fornecedor de serviços responde, independente da

existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos

relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas

sobre sua fruição e riscos”.

Na lição lapidar de Claudia Lima Marques, “a responsabilidade

imposta pelo art. 14 do CDC é objetiva, independente de culpa e com base no defeito, dano e

nexo causal entre o dano ao consumidor-vítima (art. 17) e o defeito, do serviço prestado no

mercado brasileiro. Com o CDC, a obrigação conjunta de qualidade-segurança, na

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terminologia de Antônio Herman Benjamin, isto é de que não haja um defeito na prestação do

serviço e conseqüente acidente de consumo danoso à segurança do consumidor-destinatário

final do serviço, é verdadeiro dever imperativo de qualidade (arts. 24 e 25 do CDC), que

expande para alcançar todos os que estão na cadeia de fornecimento, ex vi art. 14 do CDC,

impondo a solidariedade de todos os fornecedores da cadeia, inclusive aqueles que

organizam, os servidores diretos e os indiretos (parágrafo único do art. 7º do CDC)”(in

Comentários ao CDC, pág. 248, 2004, ed. Revistados Tribunais).

A única exceção do sistema do CDC de responsabilidade objetiva é § 4º

do art. 14 do CDC, que privilegia os profissionais liberais, retornando ao sistema subjetivo de

culpa, razão pela qual o Ministério Público não discute na presente ação a responsabilidade

dos médicos, haja vista que numa ação coletiva como esta não teríamos condições de discutir

caso a caso, ou seja, individualmente a relação médico-paciente, se houve ou não a

ocorrência de culpa por ocasião dos serviços prestados.

Recorrendo novamente aos ensinamentos da brilhante professora

Claúdia Lima Marques, “Trata-se do fornecimento de serviços por profissionais liberais cuja

responsabilidade será apurada mediante verificação de culpa. Explica-se a diversidade de

tratamento em razão da natureza intuitu personae dos serviços prestados por profissionais

liberais. De fato, os médicos e advogados – para citarmos alguns dos mais conhecidos

profissionais – são contratados ou constituídos com base na confiança aos respectivos

clientes.

Assim sendo, somente serão responsabilizados por danos quando

ficar demonstrada a ocorrência de culpa subjetiva em quaisquer de suas modalidades:

negligência, imperícia ou imprudência”.

Entretanto, a jurisprudência e a doutrina são pacíficas com relação

a responsabilidade de hospitais em caso de infecção hospitalar, havendo a obrigação da

reparação dos danos causados aos pacientes :

HOSPITAL - INFECÇÃO GRAVE – RESPONSABILIDADE

OBJETIVA - HOSPITAL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO –

INDENIZAÇÃO – REPARAÇÃO DE DANOS – SIMPLES

TRAUMATISMO NO DEDO DE UM MENOR QUE, NÃO

OBSTANTE O ATENDIMENTO MÉDICO RECEBIDO, ACABA SE

TRANSFORMANDO EM INFECÇÃO GRAVE, A PONTO DE SER

NECESSÁRIA A AMPUTAÇÃO CIRÚRGICA DO MEMBRO –

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FALHA DE SERVIÇO CARACTERIZADA - VERBA DEVIDA PELO

ESTABELECIMENTO HOSPITALAR, POIS NOS TERMOS DO

ART. 14 DA LEI 8.078/90, RESPONDE OBJETIVAMENTE

INDEPENDENTE DE CULPA, PELOS DANOS CAUSADOS AOS

CONSUMIDORES. Ementa oficial: como prestadores de serviços

que são, os estabelecimentos hospitalares respondem

objetivamente pela reparação de danos causados aos

consumidores. Essa responsabilidade tem por fato gerador o

defeito do serviço, conforme expressamente previsto no art. 14 do

CDC, que em última instância, criou para o fornecedor um dever de

segurança e idoneidade em relação aos serviços que presta aos

consumidores. Simples traumatismo no dedo de um menor que,

não obstante o atendimento médico recebido, acaba se

transformando em infecção grave, a ponto de se fazer necessária

amputação cirúrgica da terceira falange, caracterizada falha do

serviço e leva à indenização, independentemente de culpa” (TJRJ –

2ª Câm. – Ap 11.323/98 – rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho – j.

15.12.1998 – RT 768/353).

RESPONSABILIDADE CIVIL – HOSPITAL–ESTABELECIMENTO

QUE ENQUADRA-SE COMO FORNECEDOR DE SERVIÇO –

RESPONSABILIDADDE OBJETIVA PELO ACIDENTE DE

CONSUMO, QUE SÓ É AFASTADA SE DEMONSTRAR QUE O

DEFEITO INEXISTE OU QUE A CULPA É DO CONSUMIDOR OU

DE TERCEIRO – INTELIGÊNCIA DO ART. 14 § 3º, DA LEI

8.078/90. Ementa Oficial: Considerando que o hospital se enquadra

na categoria de fornecedor de serviço, devem ser consideradas,

para o fim da definição de sua responsabilidade objetiva pelo fato

do serviço, as diretrizes traçadas pelo Código de Defesa do

Consumidor, a saber: de um lado, a aptidão ou idoneidade do

produto ou serviço geram responsabilidade pelo chamado vício,

caso em que o fornecedor só arca com as conseqüências jurídicas

do fornecimento de um produto ou serviço imperfeito; de outro lado,

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a falta de segurança do produto ou serviço acarreta, por sua vez,

responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto/serviço

(acidente de consumo), especificamente no que diz respeito aos

danos produzidos, caso em que a imperfeição do serviço recebe o

nome de defeito. Tratando-se de defeito, a responsabilidade do

fornecedor do serviço é objetiva, só sendo afastadas se e quando

demonstrar (e a prova fica a seu cargo) que, tendo prestado o

serviço, o defeito inexistiu, ou, então, que foi do consumidor ou de

terceiro a culpa exclusiva pelo defeito (art. 14, § 3º, do CDC) (TJSP

– 6ª Cam. – Ap c/ Ver 70.286-4/6- rel. Des. Antônio Carlos Marcato

– J. 29.04.1999 – RT 771/212).

4. DA NECESSIDADE DE CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA

A antecipação de tutela, prevista nos artigos 273 e 461 do CPC, não tem

natureza de medida cautelar; tem, pois caráter satisfativo. Não protegem simplesmente o

processo, como as cautelares (cunho assecuratório), mas antecipam o próprio direito objeto

do pedido.

A tutela antecipada é um instituto novo no Direito, que trata da prestação

jurisdicional cognitiva, de natureza emergencial, executiva e sumária. E como por ela se

busca desde logo os efeitos de uma futura sentença de mérito, sua natureza jurídica só pode

ser de execução latu sensu da pretensão deduzida em juízo. É, em suma, medida de

natureza excepcional que intenciona dar efetividade à prestação jurisdicional, pois, caso não

se alcançasse a antecipação da tutela, implicaria na ocorrência de dano irreversível ou na

carência do objetivo almejado pela sentença.

O artigo 273 do Código de Processo Civil assim dispõe:

“O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total

ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no

pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se

convença da verossimilhança da alegação e:

I- haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil

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reparação (...)”

Dessa forma, para a concessão da antecipação de tutela prevista no

CPC, como acima exposto, deve existir prova inequívoca da existência do direito - aquela cuja

clareza e precisão não enseja dúvida na convicção do julgador -, onde serão admitidos todos

os possíveis meios comprobatórios. Há, também, a exigência da verossimilhança, ou seja, a

possibilidade de existência do direito, juízo este que repousa na persuasão íntima de que as

questões fáticas induzirão a que o autor merecerá a prestação jurisdicional em seu favor.

A decisão do juiz que concede a Tutela Antecipada deve ser plenamente

justificada, clara e precisa, indicando as razões de seu convencimento, impedindo desse

modo, a irreversibilidade do provimento.

A presente Ação Civil Pública tem por objetivo precípuo a tutela dos

direitos dos consumidores para a indenização dos danos sofridos.

Os gastos com medicamentos e com o tratamento após a contaminação

pela micobactéria levou as vítimas a arcarem com enormes prejuízos financeiros, pois

somente com medicamentos o tratamento custa em torno R$ 300,00(trezentos reis

mensais), conforme documentos de fls. 51/52, além dos serviços profissionais que foram

obrigados a contratar, como psiquiatra, psicólogo, etc.

Além disso, as vítimas mudaram completamente suas rotinas, afastaram-

se do trabalho por longos períodos, cumprindo licença médica, sendo que algumas delas

tiveram a renda diminuída sobremaneira, em razão de trabalharem de forma autônoma.

Muitas das vítimas não têm como custear o tratamento, e hoje somente

tem tomado a medicação graças à Secretaria Municipal de Saúde, que vem distribuindo

gratuitamente esses medicamentos.

Deve ser ressaltado, que a SESMA vem tendo dificuldades financeiras

para assumir esse encargo, quando no nosso entendimento a obrigação maior é dos

hospitais que causaram infecção hospitalar em seus pacientes.

Ora, de acordo do como artigo 949 do Código Civil, no caso de lesão ou

outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará ao ofendido nas despesas do tratamento,

necessária se faz antecipar a tutela no sentido de obrigar os hospitais réus custearem de

imediato pelo menos as despesas com medicamento das vítimas.

O dano é a circunstância elementar da responsabilidade civil, que é a

lesão a um bem jurídico, um patrimônio, não podendo haver reparação onde não houve

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prejuízo. Ora, não há dúvida que as vítimas de infecção hospitalar sofreram graves ofensas à

saúde, com prejuízos de aspectos materiais e morais.

No caso sub examen esses dano foi provocado dentro de uma relação de

consumo, no interior de uma unidade hospitalar, ocorreu um fato do serviço, ou seja, os

acidentes de consumo decorrentes de graves falhas na execução do serviço hospitalar, que

causaram sérios danos à saúde física e psicológica do paciente-consumidor, e por isso,

merecem ser indenizados.

Conforme previsto no artigo 949 do Código Civil, no caso de lesão ou

outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido nas despesas do tratamento e dos

lucros cessantes até o fim do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença,

além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

A própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV afirma que

não se deve excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito,

sendo obrigatório ao magistrado a concessão da referida tutela.

No tema, artigo 461 do Código de Processo Civil consagra o instituto da

tutela específica, medida através da qual, em ações que objetivem o cumprimento de

obrigações de fazer – consoante o objeto da presente demanda, o juiz determinará

previamente providências que assegurem o alcance do desiderato perseguido por meio do

provimento jurisdicional. Assim dispõe a legislação processual civil, in verbis:

“ Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento

de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a

tutela específica da obrigação ou, se procedente o

pedido, determinará procedente o pedido, determinará

providências que assegurem o resultado prático

equivalente ao do adimplemento.

§3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e

havendo justificado receio de ineficácia do provimento

final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou

mediante justificação prévia, citado o réu. A medida

liminar poderá ser revogada ou modificada a qualquer

tempo, em decisão fundamentada”.

Ademais, preceitua o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor:

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“Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento

da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá

tutela específica da obrigação ou determinará

providências que assegurem o resultado prático

equivalente ao do adimplemento. (grifo nosso)

§ 3º: Sendo relevante o fundamento da demanda e

havendo justificado receio de ineficácia do provimento

final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente (...)”

(destacamos)

Complementando a ordem de proteção contida no dispositivo acima,

estabelece, ainda, a Lei da Ação Civil Pública n.º 7.347 de 24 de junho de 1985, artigos 11,

12, que poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação, objetivando a

cessação da atividade nociva.

In casu, deflui-se que os requisitos autorizadores da concessão da

medida liminar restaram inteiramente comprovados, de vez que é indiscutível a direito

assegurado aos consumidores lesados no que concerne ao fornecimento dos medicamentos -

fumus boni juris-, havendo risco à saúde e a vida dos pacientes se não tomarem os

medicamentos prescritos pelos médicos, por ser medida imprescindível à efetividade da

sentença – periculum in mora.

Ante o exposto, uma vez demonstrada a pertinência da concessão da

TUTELA ANTECIPADA, requer SEJA DETERMINADO LIMINARMENTE AOS RÉUS QUE

FORNEÇAM MENSALMENTE OS MEDICAMENTOS CLARITROMICINA 500 mg, 04

(QUATRO) CAIXAS COM 14(CATORZE) COMPRIMIDOS E OMEPRAZOL 20 mg, 04

(QUATRO) CAIXAS COM 14(CATORZE) COMPRIMIDOS, PARA AS VÍTIMAS DA

INFECÇÃO HOSPITALAR RELATADA NA PRESENTE AÇÃO, INDISPENSÁVEIS AO

TRATAMENTO MÉDICO, PELO PERÍODO DE 6 MESES, CONFORME PRESCRIÇÃO

MÉDICA.

5 - DO PEDIDO

Ante o exposto, o Ministério Público do Estado do Pará, por meio do

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Promotor de Justiça signatário, com base nos argumentos de fato e de direito mencionados,

REQUER:

1-Seja os réus citados, através do seu representante legal, para

apresentar, se assim o desejarem, contestação a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, sob pena

de revelia e demais cominações legais;

2-Seja julgada procedente a demanda, condenando-se os réus a

efetuarem o pagamento de indenização por danos materiais e morais causados aos

consumidores vítimas de infecção hospitalar especificados nesta exordial, em quantum a ser

fixado em liquidação de sentença – que entendemos por artigo;

3-A concessão de medida liminar inaudita altera pars, em tutela

antecipada, seja determinado liminarmente aos réus que forneçam mensalmente os

medicamentos claritromicina 500 mg, 04 (quatro) caixas com 14(catorze) comprimidos e

omeprazol 20 mg, 04 (quatro) caixas com 14(catorze) comprimidos, para as vítimas da

infecção hospitalar relatada na presente ação, indispensáveis ao tratamento médico, pelo

período de 6 meses, conforme prescrição médica.

4- Caso Vossa Excelência entenda necessário, uma vez que os fatos

relatados nesta petição são públicos e notórios, protesta o autor pela produção de todos os

meios de provas admitidas em direito; inclusive, a inversão do ônus da prova, nos exatos

termos do art. 6º , inc. VIII, do CDC;5- Seja realizada a publicação em Imprensa Oficial, para os fins

colimados no art. 94 do CDC.

Protesta por todos os meios de prova admitidos em Direito, inclusive

documentais, periciais e testemunhais e demais provas que se façam necessárias no

transcurso da presente demanda.

Dá-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 300,00 (trezentos

reais).

Belém, 06 de maio de 2004.

MARCO AURÉLIO LIMA DO NASCIMENTO3º Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor, em exercício

Sentença

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Proc. 20051027894-5

Vistos, etc.

Cuida-se de Ação Civil Pública impetrada por MINISTÉRIO PÚBLICO

ESTADUAL por intermédio da 3a. Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos do Consumidor em

face de HOSPITAL PORTO DIAS S/C LTDA; DIAGNOSIS CENTRO DE DIAGNÓSTICOS

LTDA. (INSTITUTO SAÚDE DA MULHER) ; UNIMED COOPERATIVA DO TRABALHO

MÉDICO (HOSPITAL GERAL DA UNIMED); BENEMÉRITA SOCIEDADE BENEFICENTE

DO PARÁ (HOSPITAL D. LUIZ I); CLÍNICA ZOGHBI LTDA.; VENERÁVEL ORDEM

TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO e CLÍNICA INFANTIL DA PARÁ (SAÚDE DA CRIANÇA).

O Ministério Público informou a respeito de possível epidemia de uma bactéria

conhecida e identificada como mycobacterium abcessus. Aduz que foram identificados 66 (sessenta e

seis) pacientes de 07 (sete ) hospitais que teriam sido infectados pela referida bactéria e que estas

pessoas estão recebendo ajuda da SESMA, tendo em vista que precisam de medicamentos caros que

devem ser utilizados por cerca de 06 (seis) meses, no mínimo.

Foi concedida por este juízo a antecipação dos efeitos da tutela de mérito a fim

de que os réus fornecessem mensalmente os medicamentos requeridos na exordial aos pacientes

relacionados às fls. 47/52.

Foi impetrada Reconvenção pelo HOSPITAL PORTO DIAS e pela clínica

DIAGNOSIS Centro de Diagnósticos Ltda. Alegam que não houve prova técnica de que as infecções

foram contraídas nas dependências destes hospitais e que o reconvindo, pelos meios de comunicação,

difamou o seu prestígio, sua imagem e sua honra. Requerem indenização para que seja reparado o dano.

O Ministério Público informou, na petição de fls.3077, que constantemente é

procurado por vítimas da referida bactéria para que seu nomes constem da lista de pessoas que têm o

direito, concedido pela liminar, aos medicamentos capazes de combater a ação daquelas. Pretende a

extensão do benefício concedido na liminar a todo o universo de pessoas contaminadas, cabendo a estas

a prova de que realizaram cirurgia no local e que estão infectadas.

Este juízo indeferiu o pleito do Ministério Público por entender que a

extensão da liminar poderia trazer problemas de execução da antecipação da tutela, em prejuízo aos que

já se encontram protegidos pela concessão inicial. Foi deferido o pedido quanto à admissão do

litisconsorte ativo ANA CÉLIA SOUZA, tendo ficado os demais pedidos para análise posterior.

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A UNIMED BELÉM e a clínica DIAGNOSIS interpuseram Agravo de

Instrumento, tendo sido indeferido o efeito suspensivo destes.

Houve contestação do HOSPITAL PORTO DIAS, tendo este alegado

preliminarmente, litispendência e ilegitimidade ativa ad causam do MP e, no mérito, argüido a

inexistência de prova de que os pacientes foram contaminados pela referida bactéria e de que tal

contaminação tenha ocorrido nas dependências do hospital. Aduziram ainda que existem diversas

formas de contaminação e que nenhuma delas é exclusiva de ambiente hospitalar.

A clínica DIAGNOSIS CENTRO DE DIAGNÓSTICOS LTDA., em

contestação, pretendeu, preliminarmente, a integração dos planos de saúde à lide como litisconsortes

passivos necessários e aduziu a ilegitimidade ativa ad causam do MP. No mérito, alegou que não há

qualquer prova técnica quanto à responsabilidade da contestante no que tange à infecção das bactérias.

A UNIMED apresentou contestação às fls. 3296/3326, argüindo a preliminar

de ilegitimidade do Ministério Público e, no mérito, a inexistência de prova da infecção hospitalar.

O MP, às fls.3349, requereu a extensão, ao Município de Belém, dos efeitos

da liminar aos pacientes contaminados pela bactéria em cirurgias realizadas na clínica ZOGHBI LTDA,

tendo em vista a aquisição desta pelo Município, para que recebam os medicamentos mensalmente

através da Secretaria Municipal de Belém.

A Clínica ZOGHBI LTDA apresentou contestação às fls. 3576/3592 alegando

que tratou-se de um surto de infecção ocorrido na cidade, não havendo provas de que houve infecção

hospitalar. Aduz ainda que as supostas vítimas, ao procurarem o hospital, já estavam acometidas de

algum mal.

O Ministério Público apresentou réplica à contestação às fls. 3605/3620,

argüindo sua legitimidade para impetrar a ação, alegando que esta objetiva defender direitos individuais

homogêneos de um grupo de pessoas, as vítimas de infecção hospitalar. Quanto à litispendência, aduz

que esta inexiste por se tratar de ação civil pública e ação individual e que este entendimento já é

pacífico no STJ. Aduz que a intervenção de terceiro pretendida pelos réus, não pode ser deferida em

prejuízo do consumidor e que, se existem avencas entre os planos de saúde das vítimas e os réus, essas

deverão ser resolvidas entre eles. Alega que os hospitais são os responsáveis objetivamente no caso de

infecção hospitalar, pois são fornecedores de serviços, tendo portanto a obrigação de manter a qualidade

na prestação destes e a obrigatoriedade de reparação dos danos causados.

Às fls. 3683/3726, foi juntado o relatório da Agência Nacional de Vigilância

Sanitária- ANVISA, cujo objeto é a investigação do surto de infecção ocorrido em Belém

Foram juntados documentos.

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Os réus BENEMÉRITA SOCIEDADE PORTUGUESA BENEFICENTE DO

PARÁ, VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO e CLÍNICA INFANTIL DO

PARÁ não apresentaram contestação no prazo legal.

Foi juntado aos autos cópia da decisão do STJ que negou seguimento aos

Agravos de Instrumento interpostos por Diagnosis Centro, bem como pelo Hospital Porto Dias.

É o relatório. Passo a decidir.

PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Passo inicialmente à análise da preliminar argüida quanto à ilegitimidade do

Ministério Público.

Vejamos o que diz o Código de Defesa do Consumidor a respeito:

“Lei nº 8.078/90

Da Defesa do Consumidor em Juízo

CAPÍTULO IDisposições Gerais

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou

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classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, Parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

         I - o Ministério Público

(...)”

A Constituição Federal assim dispõe:

“Seção I - DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” (grifo nosso).

Eis a jurisprudência acerca do assunto:"A ação civil pública presta-se a defesa de direitos individuais

homogêneos, legitimado o Ministério Público para aforá-la, quando os titulares

daqueles interesses ou direitos estiverem na situação ou na condição de

consumidores, ou quando houver uma relação de consumo. Lei 7.374/85, art. 1º,

II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do

Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. Certos direitos individuais

homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou

identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a

ação civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério

Público para a causa." (RE 195.056, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em

9-12-99, DJ de 30-5-03)

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Ainda, a Ação Civil Pública, movida pelo Ministério Público, no que

tange aos interesses individuais homogêneos, tem como objetivo primordial a obtenção de

sentença única, com eficácia erga omnes da coisa julgada, evitando assim que sejam

prolatadas decisões conflitantes.

Visto isso, entendo que o Ministério Público Estadual é parte legítima

para figurar como autor da presente demanda.

DO MÉRITO

Vencida a preliminar passo ao mérito.

De tudo o que foi carreado aos autos é necessário que se esclareçam

alguns pontos nodais que devem ser desatados pelo julgador. O primeiro deles diz respeito

ao fundamento jurídico-processual do pedido contido na inicial, ou seja, a eventual

condenação com base no Código de Defesa do Consumidor. O segundo ponto é definir se há

nexo de causalidade entre o fato e o dano, definir o alcance da sentença em caso de

condenação e, por fim, determinar se tal responsabilidade é objetiva ou subjetiva.

FUNDAMENTO JURÍDICO-PROCESSUAL. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

A primeira questão, embora devesse a rigor ter sido analisada

determinando se tal responsabilidade é objetiva ou não já nas preliminares de mérito, guarda

relação com o próprio direito material pleiteado e não somente com a dinâmica processual.

Cuida-se da aplicação do Código de Defesa do Consumidor que passo a denominar de CDC

a partir deste ponto. Quanto a isto ratifico o que disse às fls. 78 dos autos ao afirmar inclusive

juntando jurisprudência, que há relação de consumo entre hospitais e pacientes. Eis o aresto

que junto:

STJ- CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM

E LABORAL. SERVIÇOS MÉDICOS. AÇÃO. ALEGAÇÃO DE ERRO

MÉDICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

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A competência para julgar as ações movidas por pacientes contra os

respectivos médicos e ou hospitais é da Justiça Comum. A ampliação

da competência da Justiça do Trabalho pela modificação do art. 114

da Constituição Federal, promovida pela Emenda Constitucional nº

45/04, não altera a competência para o julgamento das demandas que

não envolvem "relação de trabalho típica", uma vez que, segundo a doutrina especializada, tratando-se de relação em que o contratado é prestador de serviços ao público em geral, isto é, o tomador do serviço é um número indeterminado de pessoas (mercado consumidor), tal relação não é de trabalho, mas "relação de consumo". Conflito conhecido, declarando-se

competente o juízo suscitado.( grifo nosso).

(Conflito de Competência nº 64669/SP (2006/0126883-4), 2ª Seção do

STJ, Rel. Nancy Andrighi. j. 11.10.2006, unânime, DJ 26.10.2006).

Assim sendo, não restam dúvidas quanto à relação existente entre

hospitais e pacientes. A relação jurídica envolvendo paciente e nosocômio é de consumo,

respondendo a instituição, de forma objetiva, pelos eventuais danos causados ao consumidor

pelo defeito na prestação do serviço (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor). Observe-

se, que não existe aqui relação direta entre o serviço médico contratado e o resultado

esperado do hospital, tendo em vista que este é apenas o local onde são efetuados os

procedimentos, com garantia de hospedagem que forneça os meios necessários e

recomendados por profissional habilitado. De outro modo e de maneira mais simples, diga-se

que o nosocômio, seja de que nível for, se não tem a obrigação de devolver o paciente ao

seio social sempre curado, o que seria em tese inviável, pelo menos não deve contribuir para

que a moléstia seja acrescida de outras ofertadas, quando da estadia do paciente naquele

local. Trocando mais ainda em miúdos. Não se pode admitir por mero exemplo, que o

paciente se interne por conta de uma diverticulite e saia do hospital com um tétano, adquirido

em função da má higiene do local, ou mesmo nem saia com vida. Deveriam ser suficientes as

vicissitudes que a vida oferece a cada um, sem necessidade de ajuda de quem deveria ter a

obrigação de oferecer serviços de excelência em matéria de higiene e combate bacteriano.

Difere aqui da responsabilidade contratual com o médico, ou mesmo o plano de saúde, pois

se provado que o erro foi médico ou do procedimento indicado, outras questões deverão ser

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discutidas, como a natureza do tratamento, se era obrigação de meio ou de fim et coetera.

Desta forma, partindo deste pressuposto, ficando provado o nexo de causalidade entre o fato

e o dano e que a responsabilidade não era do médico e sim do nasocômio, este deve

responder pelos eventuais danos causados a seus pacientes.

NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O FATO E O DANO

Quanto ao caso trazido a juízo, os pacientes reclamaram de serem

vítimas de infecção hospitalar, sofrendo diversos procedimentos de debridamento e

recorrendo a antibióticos caros sem que se apresentasse resultado satisfatório. Informaram

ainda que o processo de cicatrização era lento e as feridas a rigor não cicatrizavam,

causando-lhes transtornos, entre os quais a dificuldade de retomarem seu dia-a-dia e o gasto

excessivo com medicamentos. A maioria das vítimas declarou ter se submetido a

procedimento cirúrgico pelo método laparoscópico no ano de 2004. Os primeiros exames

laboratoriais não detectaram a existência de uma bactéria específica ou conhecida, aliás os

exames eram a princípio negativos. Pesquisa do Instituto Evando Chagas concluiu que a

maioria dos pacientes estava infectada pela mycobacterium abcessus, tendo sido o estudo

genético realizado na cidade de São Paulo.

O relatório produzido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária-

ANVISA, intitulado Investigação de casos de Infecção por mycobacterium não tuberculose

pós procedimento invasivo no município de Belém –Pa – Ano de 2004 em investigação

coordenada pela Gerência de Investigação e Prevenção das Infecções e dos Eventos

Adversos – GIPEA – e divulgado em 25 de julho de 2006 em Brasília (fls. 3.683/3800), é

bastante esclarecedor a respeito do assunto.

Tal bactéria, ao contrário do que se pensava inicialmente, é velha

conhecida da literatura, sendo o M. abcessus uma micobactéria de crescimento rápido

(MCR). Foi reconhecida em 1953 como um patógeno humano dadas suas características e

incluída no complexo M. fortuitum (consistente ainda da espécie M. chelonae, sendo este

posteriormente dividido em subspécie abcessus e subspécie chelonae).

Em 1992, Kazunoki e Ezaki estabeleceram pela técnica de

hibridização de DNA, que esses microorganismos eram espécies separadas, sendo que,

entre estes quatro grupos conhecidos, encontra-se a M. abcessus. Logo, não se trata de uma

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novidade que desafie novos estudos, mas investigação e meios adequados para evitá-la.

Informa ainda o relatório que são poucos os casos de infecções descritos por MCR no Brasil.

Os sintomas eram consistentes de regra em hiperemia (vermelhidão); hipertermia (calor);

Edema (inchaço); vesículas (bolhas); nódulos (tumorações); fistulização (drenagem);

secreção (serosa- - piosanguinolenta; difícil cicatrização (não resposta a tratamentos

convencionais); recidiva (retorno dos sintomas após melhora inicial). Prossegue o relatório da

ANVISA afirmando que:

“Em novembro de 2004, foram identificadas 69 pessoas infectadas.

Estes números foram significativamente ampliados no transcorrer do

processo investigativo, totalizando 311 em junho de 2005, conforme

descritos no Gráfico 1” (fls. 3.700)

“O surto foi confirmado por meio da investigação epidemiológica e

estudos descritivos realizados junto aos pacientes e em instituições

hospitalares do Município, no período de novembro de 2003 a abril de

2004...Embora o surto tenha ocorrido entre abril de 2004 e dezembro

do mesmo ano, foi encontrado indício de casos de infecção por M.

abcessus no município em 2001, além de casos suspeitos, mas não

confirmados laboratorialmente em 1992” (idem).

O mesmo relatório aponta os hospitais cujos pacientes adquiriram a

infecção (fls. 3702): Beneficente Portuguesa; Clínica do Bebê; Dicorps; Divina Providência;

Hospital Amazônia; Hospital Geral da Unimed; Hospital Geral de Belém; Hospital Guadalupe;

Hospital Ordem Terceira; Hospital Porto Dias; Hospital Santa Clara; Instituto Saúde da

Criança; Hospital Saúde da Mulher; Hospital Sírio Libanês; INCOR.

Ressalte-se que o Hospital Saúde da Mulher, Porto Dias e Beneficente

Portuguesa juntos respondem por cerca de 67,5% das infecções e que, a Clínica do Bebê,

Divina Providência, Hospital Amazônia, INCOR e Hospital Santa Clara, respondem por

apenas 2,5% dos casos investigados.

Os procedimentos a que foram submetidos os pacientes infectados pela

ordem de incidência foram: colecistectomia (58,52%); Hernia Esofágica (7,07%);

Laparascopia (4,82%); Mesoterapia (4,50%), Bariátrica (3,54%); SI (8,04%); outros (13,50%).

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No item coleta de dados das instituições (fls. 3.713) o relatório afirma

que:

“ Em nenhum dos hospitais envolvidos com a ocorrência de pacientes

infectados pelo M. abscessus, havia qualquer sistema de rastreabilidade

dos itens potencialmentes suspeitos. Fato que obrigou a equipe de

investigação a buscar junto aos fabricantes e distribuidores a

identificação dos lotes que, supostamente, teriam sido utilizados no

período...

O levantamento preliminar indicou falha no controle dos produtos

sujeitos à vigilância sanitária em todas as instituições. A ausência de um

sistema de monitoramento sobre produtos, medicamentos e saneantes

indica desorganização da estrutura farmacêutica dos hospitais, o que

colabora para a elevação do risco associado à utilização dessas

tecnologias da saúde”

Às fls.36 do relatório (3.718 dos autos), aponta-se para as falhas nos

processos de limpeza, desinfecção e esterilização dos equipamentos. O documento afirma

que foi verificada a inoperância das Comissões de Controle de Infecção Hospitalar em todas as instituições envolvidas na ocorrência de casos de infecção por M. abscessus .

Aduz ainda que as visitas foram feitas nos seguintes locais: Hospitais

Beneficente Portuguesa, Guadalupe, Sírio Libanês, Saúde da Mulher, Porto Dias e Incor,

onde foram observadas falhas nas etapas do processo de esterilização. Afirma, em

determinado trecho, que as rotinas e processos de trabalho nos centros cirúrgicos destes

hospitais são falhos. Prossegue a investigação afirmando que: “De acordo com os dados

levantados, os equipamentos utilizados para os procedimentos de videocirurgia circulam entre

os hospitais que apresentaram infecção por MCR, tornando-os , portanto, um dos principais

suspeitos de serem carreadores das micobactérias entre os serviços...Conforme relatos

coletados após as cirurgias, o instrumentador lavava as peças do aparelho de vídeo no

próprio hospital e as guardava até ser necessário levá-las para outro serviço, onde a equipe

de cirurgiões realizaria novo procedimento. Nesse processo , detectaram-se alguns pontos

críticos que podem justificar a hipótese de contaminação dos equipamentos por MCR em

vários hospitais simultaneamente:

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1)O uso do produto químico glutaraldeído por vários dias, em bandejas

transparentes e em volume insuficiente para cobrir todo o equipamento e sem um controle da

efetividade da substância; 2) A validade do saneante (glutaraldeído) refere-se ao produto

ativado, enquanto estiver no galão, e não para o que está em uso nas bandejas. Neste devem

ser verificadas a manutenção da qualidade durante toda a sua utilização, por meio de testes

mínimos de controle. Este último não foi realizado em qualquer das instituições envolvidas; 3)

A utilização da água “esterilizada” em autoclaves do próprio hospital, sem verificação da

qualidade final ou garantias da qualidade final do processo. A autoclavação não é método

recomendado para esterilização de líquidos; 4) O uso de água destilada que não é,

necessariamente, estéril. As instituições utilizavam a água destilada em substituição à

solução com qualidade injetável, ou seja, estéril; 5) Circulação de instrumentos entre os

diferentes hospitais e sua utilização por várias equipes cirúgicas. (fls. 3.719/3720).

O referido relatório pontua em considerações finais (fls.3.724) que:

“O não aparecimento de casos novos, após a modificação no processo

de limpeza, desinfecção e esterilização dos equipamentos de

videolaparoscopia em alguns dos hospitais que apresentaram “casos”

evidencia fortemente a correlação desta parte do processo, na

responsabilidade pelas infecções nos pacientes que foram submetidos a

procedimentos invasivos, utilizando a técnica de videoscopia”.

“Apesar de não identificada a fonte como sendo única, a causalidade

das infecções está intrinsecamente relacionada com a assistência hospitalar (internação e

procedimento cirúrgico).” Vejamos parte da conclusão do relatório (fls. 3.726):

“...existe um ponto comum entre todos os processos analisados: a

prática inadequada, identificada na investigação, de desinfecção e

esterilização nos serviços de saúde com casos no Município de

Belém, em bandeja única para os aparelhos de vídeo de todos os

cirurgiões. Este fato justifica a contaminação de todos os aparelhos e

conseqüentemente dos pacientes. Esta hipótese, entre as demais é a

mais positiva já que se justifica pela plausibilidade biológica e como

fator facilitador da transmissão cruzada entre todos os aparelhos de

vídeo.”

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Consta ainda do Resumo da Conclusão (fls. 3.726):

“Os casos de infecção por micobactéria de Belém, apontam para um

problema que vem sendo discutido há algum tempo nos meios técnicos

e acadêmicos e merece uma tomada de atitude mais enfática e eficiente

dos órgãos reguladores, da atividade profissional e da indústria, no

sentido de incorporar as práticas de esterilização de aparelhos de vídeo

e rastreabilidade e monitoramento da eficácia dos produtos”.

Quanto aos pacientes submetidos à mesoterapia, o único ponto em

comum com os demais pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos mais invasivos foi

o cirurgião que as realizou e os instrumentais utilizados. Também, de acordo com o

relatório da ANVISA, há várias falhas nos estabelecimentos hospitalares, onde se pode

observar a inadequação de alguns procedimentos neles realizados, dentre os quais

destacamos: A presença de sinais de manchas superficiais nas articulações dos

instrumentais encontrados em alguns estabelecimentos; caixa de aço inoxidável não furada

para esterilizar instrumental na autoclave a vapor, utilizando a rotina de tampa semi-aberta.

A recomendação da ANVISA como padrão esperado seria o seguinte: se forem detectados

sinais de oxidação no material, este deveria ser substituído, pois as reentrâncias dificultam o

processo de esterilização; a utilização de caixa de aço furada para acondicionar o material

que seria submetido à esterilização, pois todo o material deve estar embalado e fechado

antes do início da esterilização para impedir que entre em contato com o ar ambiente após o

término do processo.

Diante das provas carreadas aos autos, não há dúvidas de que houve um surto

de infecção ocasionado pela micobactéria abcessus e que os pacientes submetidos à procedimentos

cirúrgicos nos referidos hospitais foram por esta infectados.

Vejamos o que diz a jurisprudência acerca da matéria:

(STJ) RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR.

INFECÇÃO HOSPITALAR. RESPONSABILIDADE

OBJETIVA DO HOSPITAL. ART. 14 DO CDC. DANO

MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO.

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1. O hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar,

pois esta decorre do fato da internação e não da atividade

médica em si.

2. O valor arbitrado a título de danos morais pelo Tribunal a

quo não se revela exagerado ou desproporcional às

peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional

intervenção desta Corte para revê-lo.

3. Recurso especial não conhecido.

(Recurso Especial nº 629212/RJ (2004/0019175-2), 4ª

Turma do STJ, Rel. Cesar Asfor Rocha. j. 15.05.2007,

maioria, DJ 17.09.2007).

A legislação aplicável então ao caso é o Código de Defesa do

Consumidor que assim estatui em seu artigo 14:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde,

independentemente da existência de culpa, pela reparação dos

danos causados aos consumidores por defeitos relativos à

prestação dos serviços, bem como por informações

insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança

que o consumidor dele pode esperar, levando-se em

consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de

novas técnicas.

§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado

quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

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§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será

apurada mediante a verificação de culpa. (grifo nosso).

Logo, cabia aos hospitais provar a inexistência do dano ou a culpa exclusiva

do consumidor ou de terceiro. Tal desiderato não foi alcançado pelos requeridos.

Há que se ressaltar que o direito público subjetivo à saúde representa

prerrogativa jurídica indisponível assegurada a todas as pessoas pela própria Constituição Federal no

seu art. 196. Trata-se de um bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade devem

velar os que detêm a atribuição de prestar tais serviços, ainda que em caráter particular.

Cabe ao fornecedor do serviço, no caso os hospitais, comprovar que tal

infecção não se deu dentro do seu estabelecimento ou que não concorreu para tal fato.

Os hospitais não podem transferir os riscos da sua atividade aos pacientes,

pois sua responsabilidade é objetiva, ou seja, respondem, independentemente de culpa, pela reparação

dos danos causados por deficiência na prestação de seus serviços médico-hospitalares, de acordo com o

art. 14 do CDC.

Quanto às provas constam dos autos pareceres técnicos científicos expedidos

pelo Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, Instituto Médico Legal (fls. 3.626/3664), afirmando

nos casos analisados que as lesões constatadas fogem do padrão habitual de pós-operatório esperado

para cirurgias de tais natureza. Há laudo que faz referência direta a Mycobacterium abcessus II. (fls.

3627).

DO EFEITO ERGA OMNES DA DECISÃO

No curso dos autos, observa-se que os pacientes provam a internação com

documentos no período que compreende o surto da bactéria abscessus ocorrido em Belém. Além de

que, nunca é demais ressaltar que o dispositivo da sentença terá eficácia erga omnes e que, cada

prejudicado buscará na liquidação e execução da sentença demonstrar o efetivo prejuízo sofrido em

face da contaminação pela bactéria abscessus. Também não é demais ressaltar que cuidando-se a rigor

de interesse individual homogêneo, a fim de que cesse qualquer discussão doutrinária a respeito e,

embora entenda que o artigo 91 da lei 8.078/90 ao falar de ação civil coletiva, também abrange a ação

civil pública, embora sem a melhor técnica, alargando o requisito exigido pelo inciso IV do artigo 1º da

Lei 7.347/85, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou a respeito de tal possibilidade ao afirmar

que:

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STJ-214175) PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MENOR

SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. ART. 227 DA CF/88.

LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88.

ARTS. 7º, 200, E 201 DO DA LEI Nº 8.069/90. FORNECIMENTO DE

MEDICAMENTOS PELO ESTADO. DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO

JUDICIAL DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. BLOQUEIO DE VERBAS

PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE, IN CASU.

PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO

DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS

DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. NOVEL

ENTENDIMENTO DA E. PRIMEIRA TURMA.

1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses

transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais

homogêneos.

2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no

controle dos atos da Administração, com a eleição dos valores imateriais do

art. 37, da CF/1988 como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série

de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou

um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da

Administração Pública, nele encartando-se a Ação Cautelar Inominada, Ação

Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como

instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas

pétreas.

3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um

autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses

transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo

dos mesmos.

4. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do

disposto no art. 127 da CF/1988, que o habilita a demandar em prol de

interesses indisponíveis.

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5. Sob esse enfoque a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a

incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis,

podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que

compatível com sua finalidade institucional (CF/1988, arts. 127 e 129).

6. In casu, trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do

Estado do Rio Grande do Sul, objetivando o fornecimento de medicamento

para o menor Rafael Vailatti Favero, portador de cardiopatia congênita.

7. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal é direito indisponível,

em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força

impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.

8. Outrossim, o art. 6º do CPC configura a legalidade da legitimação

extraordinária cognominada por Chiovenda como "substituição processual".

9. Impõe-se, ressaltar que a jurisprudência hodierna do e. STJ admite ação

individual acerca de direito indisponível capitaneada pelo MP (Precedentes:

REsp 688052/RS, DJ 17.08.2006; REsp 822712/RS, DJ 17.04.2006; REsp

819010/SP, DJ 02.05.2006).

10. O art. 461, § 5º do CPC, faz pressupor que o legislador, ao possibilitar ao

juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas assecuratórias como

a "imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de

pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva,

se necessário com requisição de força policial", não o fez de forma taxativa,

mas sim exemplificativa, pelo que, in casu, o seqüestro ou bloqueio da verba

necessária à aquisição de medicamento objeto da tutela deferida, providência

excepcional adotada em face da urgência e imprescindibilidade da prestação

dos mesmos, revela-se medida legítima, válida e razoável.

11. Recurso especial desprovido.

(Recurso Especial nº 869843/RS (2006/0152570-3), 1ª Turma do STJ, Rel.

Luiz Fux. j. 18.09.2007, unânime, DJ 15.10.2007). (grifo nosso).

STJ-211997) PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL

PÚBLICA - LEGITIMIDADE ATIVA - ASSOCIAÇÃO - COBRANÇA DE

TAXA DE OCUPAÇÃO SOBRE BENFEITORIAS - IMÓVEIS SITUADOS

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EM TERRENOS DE MARINHA - CONCESSÃO DE LIMINAR SEM A

OITIVA DO PODER PÚBLICO - ART. 2º DA LEI 8.437/92.

1. Não cabe ao STJ, em sede de recurso especial, examinar possível violação

a dispositivos constitucionais.

2. A relação jurídica decorrente do contrato administrativo de enfiteuse sobre

imóveis situados em terrenos de marinha, regulada pelo Decreto-Lei

9.760/46, não se enquadra no conceito de relação de consumo, o que afasta a

incidência do Código de Defesa do Consumidor.

3. As associações têm legitimidade ativa para propor ação civil pública

visando a proteção de direitos e interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos, como substituta processual - legitimação extraordinária,

mesmo que não se trate de relação de consumo.

4. A concessão de liminar contra o Poder Público, quando não esgote o objeto

da ação é admitida, na interpretação do art. 1º, § 3º, da Lei 8.437/92.

5. É nula a liminar concedida contra pessoa jurídica de direito público sem a

observância da sua oitiva prévia (art. 2º da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, no mérito, parcialmente

provido.

(Recurso Especial nº 667939/SC (2004/0080341-8), 2ª Turma do STJ, Rel.

Eliana Calmon. j. 20.03.2007, maioria, DJ 13.08.2007). (grifo nosso)

E deixo de colacionar outras decisões apenas para reiterar que a teor do que

dispõe o artigo 97 do CDC onde afirma que a liquidação e a execução de sentença poderão ser

promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82. Logo,

a liquidação individualizará cada caso, alcançando a extensão do dano bem como definindo o

quantum a partir da prova juntada pelo exeqüente. Além disto, tendo a sentença efeito erga omnes,

abrangerá todos aqueles que foram infectados, desde que fique claro o nexo de causalidade entre o

fato danoso neste processo apurado e os danos efetivos sofridos pelos exeqüentes. Reproduzo a

posição de José dos Santos Carvalho Filho ao afirmar que... “No que toca aos direitos individuais

homogêneos, muito embora haja muitos indivíduos no grupo, cada um deles tem direito próprio, que

pode variar sob os aspectos quantitativos e qualitativos.” (in Ação Civil Pública, Lumen Juris, 6ª ed.,

pg 30)

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O efeito erga omnes, então, mitiga o artigo 472 do CPC no caso em espécie,

na medida em que terceiros receberão o influxo da decisão proferida nestes autos, inclusive casas de

saúde que não participaram da relação jurídica. Ademais, embora o artigo 16 da lei da Ação Civil

Pública seja alvo de ácidas críticas em face de sua duvidosa constitucionalidade, não se pode olvidar

que não é o caso dos presentes autos, pois tratando-se de direitos individuais homogêneos, a

liquidação se realizará por artigos na forma do que preceitua o 475-E do CPC, que remete ao

procedimento ordinário, quando então serão citados os responsáveis pela contaminação para

individualização das reparações civis na forma do artigo 475-F do CPC, ou seja, não se pode alegar

que os hospitais que não participaram desta relação processual estejam obstados de exercer ampla

defesa, ficando entretanto, restrita a liquidação, apenas à comprovação do nexo de causalidade e que

o dano tem relação com a bactéria identificada neste processo.

Sem embargo destas considerações, tenho que há provas suficientes nos autos

de que houve o surto da bactéria abscessus na cidade Belém, especialmente nas casas de saúde

elencadas na inicial. Em maior ou menor grau, os nosocômios contribuíram para a disseminação da

referida bactéria. Quanto ao nexo de causalidade, os diversos prontuários juntados aos autos

corroboram a responsabilidade dos hospitais, na medida em que provam as internações no período do

surto. Logo, tenho que está provado o nexo de causalidade entre as lesões apresentadas pelos

pacientes e o fato gerador do dano, ou seja, a internação dos mesmos.

DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS HOSPITAIS EM FACE

DE PRECEDENTES DO STJ.

Por fim, resta a definição a respeito da responsabilidade do hospital, se

objetiva ou subjetiva. Vale a pena ressaltar os votos que levaram à lavratura do acórdão que serviu de

paradigma para esta decisão constante às fls. 12/13 deste decisum. Trata-se do Recurso Especial nº

629212/RJ (2004/0019175-2), 4ª Turma do STJ, Rel. Cesar Asfor Rocha. j. 15.05.2007, maioria, DJ

17.09.2007). Discutia-se então a responsabilidade objetiva de um hospital em relação a determinado

paciente. O voto vencedor faz diferença entre a indenização por erro médico e a responsabilização

objetiva do hospital. Discutiu-se então, o que havia constado no REsp n. 258.389/SP, relatado pelo

Ministro Fernando Gonçalves, em que, afastada a culpa dos médicos, não se poderia responsabilizar o

hospital objetivamente. Trecho do referido julgamento foi citado:

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“ O artigo 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa

conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o

prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos

serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento

empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia

do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares

(enfermagem, exames, radiologia), etc e não aos serviços técnico-

profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação

subjetiva de preposição (culpa).”

Prosseguindo na discussão, o voto afirma que o precedente distinguiu entre os

danos decorrentes da atividade médica daqueles oriundos do fato da internação em si. Neste caso, a

responsabilidade seria então objetiva. É o caso da infecção hospitalar. Prossegue o voto do eminente

Relator Ministro César Asfor Rocha:

“...A referida atividade de “guarda”, distinguindo-se do tratamento

propriamente dito, é risco assumido pelo hospital, independentemente de

quem tenha assistido o paciente ou da natureza do vínculo entre a instituição e

o médico lá atuante.

Daí a responsabilidade objetiva em caso de infecção hospitalar: Sua

ocorrência decorre da atividade prestada em exclusividade pelo hospital, pois

este, na qualidade de fornecedor de serviço de internação é responsável pela

guarda e incolumidade física do paciente.”

Tal entendimento deixa claro apenas que a condenação do hospital não é

substitutivo de eventual fracasso na comprovação da culpa do profissional de saúde. É preciso, desde

o início, delimitar a lide, partindo do pressuposto de que ou o erro foi médico, havendo necessidade

de apuração de culpa, ou foi do nasocômio, partindo da responsabilidade objetiva, embora possa até o

profissional ser denunciado à lide ou vice-versa. Neste caso, o pedido alternativo seria incompatível

com o escopo processual de delimitar tais responsabilidades, dada a natureza destas, uma subjetiva,

outra não.

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Incursionou ainda o voto, pelo argumento anterior da Turma no sentido de

que, a incolumidade do paciente é obrigação contratual de meio, logo, presumida, e que somente

poderia ser afastada por evento externo. O Eminente Ministro ressalta que tal posicionamento não

explicaria como ficariam as situações em que, havendo infecção hospitalar, estaria excluída a

responsabilidade do hospital, não somente quando houvesse agente externo, mas quando tivessem

sido oferecidos todos os meios para a garantia da incolumidade física do paciente, independentemente

do hospital assumir os riscos da internação, pois as infecções inevitáves, ficariam imunes à reparação,

bastando ao nasocômio a prova do suposto cuidado com a internação e higiene das instalações. Neste

ponto, entendo que a posição do Ministro Relator dá vida ao artigo 14 do CDC, tendo em vista que,

embora reconhecidamente as infecções sejam causadas em regra por condições propiciadas pelos

hospitais, não é de todo incomum que algumas infecções se alastrem, apesar de eventuais cuidados

providenciados por esses. Não há dúvidas também, que tais estabelecimentos são verdadeiras

empresas e, logo, devem assumir o risco de seus negócios. De outra forma, que garantia teria o

paciente em caso de infecção hospitalar? Nenhuma, caso se tenha como pressuposto, tratar-se de uma

relação contratual fundada a responsabilidade na culpa do estabelecimento.

O voto do Ministro Aldir Passarinho também ratifica o entendimento do

Relator e foi proferido nos seguintes termos:

“Aliás, não fosse assim, a partir de agora, estaríamos simplesmente isentando

qualquer possibilidade de indenização por infecção hospitalar. E isso é um

precedente perigosíssimo. Quer dizer, o risco da atividade tem que ser

assumido. E tem que ser assumido pelo hospital. E parece-me que o acórdão a

quo fez a ressalva. Não foi hermético, evidentemente, ele atribuiu a

responsabilidade objetiva que é, realmente, objetiva, no caso da infecção, não

tenho dúvida nenhuma disso, com a máxima vênia da doutrina destacada

pelo ilustre advogado da tribuna. Mas como aqui se decide o caso concreto, o

que prevalece é o que se decide e não a doutrina.

O acórdão a quo ressalvou, evidentemente, que se se provasse alguma

circunstância que afastasse essa responsabilidade objetiva, quer dizer, algum

quadro de, talvez, por exemplo, tal deficiência orgânica do paciente, que seria

natural que ele fatalmente poderia ser atingido por qualquer infecção, e não

propriamente uma infecção específica, como se sabe que as hospitalares são,

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porque é um vírus resistente a vários tipos de doenças. Mas não foi esse o

caso.

O voto do Sr. Ministro César Asfor Rocha é rigorosamente de acordo com a

linha de pensamento dessa turma, pelo menos nos precedentes mais

modernos.”

Dito isto, o caso concreto nos remete à licitude dos hospitais em tentar provar

que não deram causa ao surto da bactéria abscessus. Tal desiderato não foi alcançado pelos referidos

estabelecimentos. Também ficou bastante claro que o resultado de interveniência direta dos que

tinham o dever de tentar diminuir a incidência do surto produziu uma diminuição drástica na

propagação da bactéria, o que não deixa de ser louvável.

Outrossim, não resta dúvida de que a infecção hospitalar ocorreu

dentro dos estabelecimentos dos réus e, sendo a responsabilidade neste caso objetiva, não

houve a prova de que tal fato não tenha ocorrido nestes locais, ou de que tenha sido causada

por intervenção de profissional específico ou mesmo evento externo.

O ponto fulcral do caso é a existência do nexo de causalidade

necessário à configuração da responsabilidade civil dos réus, o que restou plenamente

configurada, ante às provas constantes nos autos, pois a infecção dos pacientes ocorreu em

razão da internação e cirurgia realizada nos referidos estabelecimentos. Há que se ressaltar

que os réus em nenhum momento comprovam que a contaminação dos pacientes pela

bactéria tenha ocorrido fora de suas dependências.

DISPOSITIVO DA SENTENÇA

Assim sendo, condeno os hospitais PORTO DIAS S/C LTDA;

DIAGNOSIS CENTRO DE DIAGNÓSTICOS LTDA. (INSTITUTO SAÚDE DA MULHER);

UNIMED COOPERATIVA DO TRABALHO MÉDICO (HOSPITAL GERAL DA UNIMED);

BENEMÉRITA SOCIEDADE BENEFICENTE DO PARÁ (HOSPITAL D. LUIZ I); CLÍNICA

ZOGHBI LTDA.; VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO e CLÍNICA

INFANTIL DA PARÁ (SAÚDE DA CRIANÇA), bem como todo e qualquer estabelecimento de

saúde que tenha contribuído para a disseminação e infecção de pacientes pela bactéria

mycobacterium abcessus, a efetuarem o pagamento de indenização por danos materiais e morais aos

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autores e demais pacientes infectados comprovados nos autos, danos estes a serem apurados em

liquidação de sentença por artigo, conforme preceitua o art. 475-F do CPC.

Sem custas e honorários.

P.R.I.

Belém, 16 de maio de 2008.

MARCO ANTONIO LOBO CASTELO BRANCO

Juiz de Direito Titular da 2ª Vara da Fazenda da Capital

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