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DEFENSORIA PÚBLICA do Estado de Mato Grosso
1ª. Defensoria Pública de Cáceres
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA SEGUNDA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CÁCERES - MT.
Processo n.º142/2008 – Cód.: 76.163
BENEDITA PEREIRA PINTO, devidamente qualificada nos
autos da ação penal de número em epígrafe, por intermédio da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO, via Defensor Público firmatário, no
uso de suas atribuições institucionais, vem diante de Vossa Excelência, apresentar
seus
MEMORIAIS FINAIS
fundamentada nos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir alinhavados:Missão: Promover assistência jurídica aos necessitados com excelência, efetivando a
inclusão social, respaldada na ética e na moralidade.
Rua Coronel Faria, esquina com Rua Tiradentes nº 382, Centro, Cáceres – MT, CEP 78.200-000
Fone/Fax: (65) 3223-7005
DEFENSORIA PÚBLICA do Estado de Mato Grosso
3ª. Defensoria Pública de Cáceres
I – DA SINOPSE DO PROCESSO
A acusada foi denunciada como incursa nas sanções do artigo
33, c.c. artigo 40, inciso III, ambos dispositivos da Lei n.º 11.343/2006, porque, em
14/03/2008, por volta das 13h, teria sido preso em flagrante delito transportando
substância entorpecente (apreendida e apresentada às fls. 18), sem autorização e
em desacordo com determinação legal.
A defesa preliminar se encontra às fls. 82/83; a denúncia foi
recebida às fls. 84/85; a acusada foi citada às fls. 91; o Ministério Público desistiu da
oitiva das testemunhas arroladas, pedido homologado às fls. 94; a acusada foi
interrogada às fls. 95/96.
O Ministério Público, em seus memoriais finais, requereu seja a
demanda julgada procedente, para condenar a acusada BENEDITA PEREIRA PINTO como incursa nas penas do artigo 33, “caput”, c.c. o art. 40, inciso III e V,
ambos da Lei n.º 11.343/06, considerando-se ainda a agravante da reincidência.
II- DA INEXISTÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO (ART. 386, INCISO VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL)
O projeto acusatório estampado na denúncia (fls. 11/13) não
deve prosperar, pois o demandante deixou de carrear aos autos elementos que
sustentasse a pretensão condenatória, conclusão atingida pelo exame daquilo que
ousou a acusação — à míngua do que é facilmente observado nos autos — chamar
de conjunto probatório formado durante a instrução processual, de maneira que a
sobrevinda de sentença absolutória é medida que se impõe.
Missão: Promover assistência jurídica aos necessitados com excelência, efetivando a inclusão social, respaldada na ética e na moralidade.
Rua Coronel Faria, esquina com Rua Tiradentes nº 382, Centro, Cáceres – MT, CEP 78.200-000
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3ª. Defensoria Pública de Cáceres
A expressão destacada no parágrafo anterior, importada das
alegações finais da acusação (fls. 99), é manifestamente absurda, na medida em
que, durante a instrução processual, existiu apenas a oitiva da própria acusada,
ocasião em que esta confessou a autoria da conduta delituosa.
Por essa razão, restou configurado na fase de instrução, no
que diz respeito à prova, um isolamento da confissão, a qual, à medida que
desatendeu aos imperativos legais exigidos pela processualística penal, sobre os
quais voltaremos a tratar posteriormente, tornou-se insuficiente para influenciar a
convicção desse experiente magistrado em desfavor da acusada.
A economicidade probatória imprimiu ao processo — que é
penal (não esqueçamos) — uma insegurança cognitiva inafastável, porquanto não
sabermos o rumo que os autos poderiam tomar se a fase instrutória não tivesse sido
abreviada de maneira tão acentuada e totalmente desmotivada.
A confissão é meio de prova regulado entre os artigos 197 a
200 do Código de Processo Penal, e o seu valor probatório, impende frisar, a
exemplo das demais formas de prova, é sempre relativo, carecendo de confirmação
por outros meios idôneos, além de criteriosa valoração segundo o sistema de livre
convencimento motivado. A partir disso, postulamos, basicamente, o cumprimento
da determinação legal de que:
O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os
outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz
deverá confrontá-la com as demais provas do processo,
verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou
concordância (art. 197 do Código de Processo Penal).
Missão: Promover assistência jurídica aos necessitados com excelência, efetivando a inclusão social, respaldada na ética e na moralidade.
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O contra-argumento de que a investigação policial apontou
para a culpa da acusada também é frágil, por força dos princípios da ampla defesa,
do contraditório e da judicialidade das provas.
Por outros termos, as provas realizadas durante a fase
inquisitorial devem ser repetidas em juízo, a fim de serem submetidas ao postulado
maior, o do contraditório, não podendo, simplesmente, pretender apenas corroborá-
las com a confissão judicial da acusada, em homenagem ao artigo 5º, inciso LV, da
Constituição Federal.
Os princípios do contraditório e da ampla defesa são os
fundamentos do processo, mormente do processo penal, servindo como elemento
essencial de proteção do cidadão em face da gigantesca capacidade persecutória
do poder estatal, passível de erro.
Qualquer iniciante nos estudos jurídicos sabe da inexistência de
contraditório, quanto mais ampla defesa, na fase de inquérito policial, de maneira
que as provas produzidas em sede policial devem ser reproduzidas judicialmente,
pois é no processo que ocorre a contraposição das partes, objetivando influenciar
efetivamente o convencimento do magistrado.
A investida do órgão acusador, portanto, ao desprezar a
produção judicial de provas, desdenhou o processo, trocando a pluralidade de meios
de apreensão da realidade pelo conteúdo primitivo, simples e potencialmente falho
de uma confissão que se apresenta ao magistrado totalmente divorciada da
produção de outras provas judiciais, privilegiando a inquisição, buscando a
submissão da percepção do magistrado às conclusões emanadas da autoridade
policial, calcadas num procedimento inquisitivo.
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Seguramente, se em todos os casos em que houvesse auto-
incriminação a persecução penal fosse abreviada a ponto de não ser ouvida uma
testemunha sequer, acelerar-se-ia a fase instrutória de muitos processos, porém,
proporcionalmente seria o aumento das possibilidades de injustiça.
Não obstante a existência de insulados defensores da tese de
que as provas produzidas em inquérito não necessitam ser inteiramente ratificadas
judicialmente (posição absolutamente divorciada da mais rasa noção de garantismo
penal), não há, todavia, doutrinador algum, de respeito, que defenda a possibilidade
de condenação com base unicamente na repetição judicial de confissão prestada no
caderno policial, sendo imperativo trazermos aos autos o entendimento proferido
pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento de caso semelhante:
HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE FURTO QUALIFICADO. AUSÊNCIA DAS TESTEMUNHAS NA AUDIÊNCIA DE CONTINUAÇÃO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA DO ADOLESCENTE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESISTÊNCIA DAS PARTES. DIREITO INDISPONÍVEL. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.1- Esta Corte firmou compreensão no sentido de que a homologação do pedido de desistência da produção de outras provas, diante da confissão do adolescente da prática do ato infracional, viola as garantias constitucionais da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório, assegurados aos menores infratores nos arts. 110, 111, II, e 114 do Estatuto da Criança e do Adolescente.2 - A simples confissão, por si só, não pode sustentar decisão de internação, devendo o juiz confrontar o seu teor com as demais provas do procedimento, verificando se existe compatibilidade entre elas, conforme dispõe o art. 197 do CPP, não se podendo abrir mão da produção da prova judicial quando se cuidar de interesse de menor infrator.3 - Ordem concedida (Habeas corpus n.º 52.694, Relator o Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 12.06.2006)
Trata-se de decisão pertinente ao caso porque, embora
proferida em julgamento de demanda que versava sobre ato infracional, reflete a
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compreensão há muito firmada pela Corte Maior no sentido de que as garantias
constitucionais da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório,
assegurados aos adolescentes e, com maior realce, aos imputáveis, é de natureza
eminentemente indisponível.
A confissão, se não pode, por si só, sustentar a decretação de
internação a adolescentes, com mais razão ainda, indubitavelmente, não pode
ensejar automática condenação, pois é dever do magistrado confrontar o seu teor
com as demais provas produzidas na instrução judicial, examinando se existe
compatibilidade entre as mesmas (art. 197 do Código de Processo Penal) e evitando
— sobretudo da maneira desmotivada como se deu nestes autos — abrir mão da
produção da prova judicial quando se tratar de interesse cujo titular extrapola os
limites do litígio, no caso, toda a sociedade.
Pontuando com muita propriedade o absurdo lógico e
anacrônico da sobrevinda de eventual sentença condenatória nestes autos, leciona
Eugênio Pacelli de Oliveira de Oliveira que:
A previsão legal que indica a necessidade de se confrontar o conteúdo da confissão com os demais elementos de prova (art. 197) é bastante emblemática da situação do acusado perante o sistema do CPP de 1941. É que, na ordem precedente, (antes do sistema processual implantado com a Constituição de 1988), as provas produzidas na fase policial sempre serviram de fundamento, e, às vezes único, para a condenação.Atualmente, com a exigência do contraditório e da ampla defesa, as provas produzidas na fase pré-processual destinam-se ao convencimento do Ministério Público e não do juiz. Por isso, devem ser repetidas na fase instrutória da ação penal.A confissão, sobretudo, não terá valor algum quando prestada unicamente na fase de inquérito (ou administrativa), se não confirmada perante o juiz.E, mesmo quando prestada em juízo, deverá ser também contextualizada junto aos demais elementos probatórios, quando houver, diante do risco, sempre presente, sobretudo nos crimes societários, de auto-acusação falsa, para proteger o verdadeiro
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autor. As razões são várias, indo desde a motivação afetiva ou afetuosa, até aquela movida por interesses econômicos.
No presente caso, insistimos, não há nada produzido
processualmente para corroborar a confissão da acusada, de forma que o
magistrado só pode associar o seu interrogatório às informações constantes no
inquérito policial, ocasião em que a defesa nem poderia contradizer os depoimentos,
nem influenciar as perguntas.
De acordo com o artigo 156 do Código de Processo Penal, a
prova da alegação incumbirá a quem a fizer e desse modo cabe à acusação o ônus
de provar a autoria do delito descrito na denúncia. No decorrer da ação penal não se
quedou claro ser a acusada o agente da conduta delituosa em questão, não
havendo, no decorrer da instrução, uma testemunha sequer capaz de afirmar que
tenha a defendente incorrido no crime de tráfico.
A acusado não pode sofrer uma sanção penal imerecida,
sobretudo neste caso, cujas conseqüências, em razão da elevada previsão de pena
privativa de liberdade prevista pelo preceito secundário do delito de tráfico, apenas
com base em meros indícios de autoria.
Insta dizer que os princípios da presunção de inocência e do in
dúbio pro reo, inseridos em nossa Carta Magna e consagrados processualmente,
exigem, como garantia fundamental do cidadão, um conjunto probatório robusto, que
leve à convicção do magistrado à certeza da ocorrência do delito e de sua autoria. Sem
esse conjunto probatório gerador de certeza absoluta, a acusada deve ser considerada
inocente.
Se sobrevier sentença condenatória, a despeito da discorrida
dúvida, estaremos diante de um desvirtuamento do processo criminal, de um
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verdadeiro julgamento antecipado da lide, na seara penal, inacreditavelmente, em
desfavor da acusada.
III SUBSIDIARIAMENTE, DA DOSIMETRIA DA PENA APLICADA
III. I) da não-incidência das causas especiais de aumento de pena
Prosseguindo no seu desígnio acusatório, pretende o órgão
ministerial subsumir os fatos em apreço também ao art. 40, incisos III e V, da Lei n.º
11.343/06, uma vez que, segundo consta em alegações finais, “o tráfico de
substância entorpecente reiteradamente era praticado por meio de transporte
público” (fls. 101) e “a acusada confessou que fora contratada para transportar o
referido entorpecente de Cáceres para Goiânia/GO” (fls. 105).
Porém, estamos diante de mais um pleito que não merece
guarida, na medida em que reflete uma interpretação superficial da lei em comento,
deixando de contemplar os avançados métodos de alcance da norma sistematizados
pela hermenêutica jurídica.
Segundo o art. 40 da Lei de Drogas, as penas previstas nos
arts. 33 a 37 são aumentadas de um sexto a dois terços, entre outros motivos
pontuados nos seus incisos, se “a infração tiver sido cometida nas dependências ou
imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de
entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de
locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões
de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de
reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos”
(inciso III).
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O exame puramente gramatical tangencia apenas a
superficialidade da norma, restando, ainda, um sem-número de níveis de
compreensão, aguardando sejam alcançados pelo intérprete, através de outros
modos de interpretação, como a histórica, a sistemática, a teleológica, a lógica, a
sociológica e assim por diante.
Dessas alternativas, interessa-nos, especificamente, a
interpretação teleológica, também denominada de finalística, por buscar a finalidade
da norma, incentivada pelo ordenamento jurídico nacional, por intermédio do artigo
5º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), segundo o qual, “na aplicação da lei,
o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Se um traficante, na condição de mula, objetivando levar
determinada quantidade de substância entorpecente de uma localidade para outra,
tomar um trajeto que passe pela frente de uma escola, seria possível extrair,
segundo uma interpretação superficial, a incidência da causa de aumento em
questão, na medida em que o criminoso, em dado momento, praticou a conduta
principal nas imediações do estabelecimento de ensino.
Parece uma ilação absurda, improvável, pois se assim fosse,
todos os transportadores de drogas incidiriam na causa de aumento, em razão da
impossibilidade prática de percorrer grandes percursos sem deixar de, em algum
momento, estar ou transitar nas proximidades dos tantos locais descritos na norma.
Porém, existe pretensão semelhante nestes autos, quando o
órgão ministerial requer seja a pena eventualmente aplicada à acusada aumentada
em razão de ter a mesma utilizado transporte público como meio de consecução do
seu projeto criminoso.
A partir de tais considerações, temos que a simples constatação
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de ter a acusada praticado a conduta de tráfico no interior de transporte público, por
si só, não corresponde à finalidade do legislador quando formatou a causa especial
de aumento de pena ora apreciada.
A intenção refletida na norma, acertadamente, é dar resposta
eficiente à situação, intuitiva, de que quanto maior é a aglomeração de pessoas,
mais difundida se torna a comercialização de drogas, tanto que todos os locais
contemplados no inciso referido são marcados por essa mesma característica, a
reunião de indivíduos.
Os autos retratam contexto deveras diverso daquele
abstratamente contido no dispositivo em apreço, pois a acusada objetivava tão-
somente transportar a substância entorpecente, nada pretendendo em relação ao
veículo coletivo que não a utilidade comum deste, ou seja, o transporte, assim como
o traficante acima mencionado, que tomou um trajeto que passava em frente de uma
escola, mas nada pretendia em relação à mesma.
Não existiu, isso é o mais importante, qualquer possibilidade,
muito menos intencionalidade, de a acusada, qualquer que seja a perspectiva,
oferecer ou vender aos demais passageiros o produto ilícito (situação jamais
ventilada pela acusação), constatação que faz cair por terra a pretendida aplicação
da causa de aumento.
A demonstrar a plausibilidade de nossas argumentações,
colacionamos entendimento jurisprudencial pertinente, bem como a compreensão de
parcela da doutrina, demonstrando-se esta, em se considerando o pouco tempo de
existência da norma em destaque, relativamente avançada:
A causa de aumento da pena somente tem lugar quando o agente nos
locais ali especificados se encontrar com intuito de conseguir clientela
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ou ampliar seu torpe comércio de tóxicos, difundindo o vício entre
doentes, estudantes ou presidiários - incluem-se passageiros -. (TJSP,
Apelação n.º 5.803-3, Segunda Câmara, julgado em 16.3.1981,
Relator Rezende Junqueira, RT 558/310).
Segundo Clarence Willians Duccini, em artigo publicado no site
http://www.mp.ro.gov.br:
Logo, ao que transparece, não é o simples fato de o agente
transportar a droga de ônibus que faz incidir a agravante, se seu
objetivo não é alcançar outros passageiros, até porque a lei visa
proteger o local onde há maior possibilidade de disseminação da
droga, dada a aglomeração de pessoas, tornando ágil e facilitando ao
comércio, diante do acesso público (maior perigo à saúde pública).
No caso do agente estar na rodoviária para embarcar no ônibus com
objetivo do transporte, sem qualquer intenção de oferecer as pessoas
que por ali circulam ou passageiros no coletivo público, não faz incidir
a aplicação literal da causa de aumento, por força de sua
interpretação teleológica.
Aparando as arestas, a verdade é que o caso em questão
merece ser analisado à luz da doutrina moderna, segundo os ensinamentos de
doutrinadores da envergadura de Ferrajoli, Zaffaroni e Luiz Flávio Gomes, os quais,
por vezes utilizando diferentes terminologias e até pontos de vista diversos,
redimensionaram o Direito Penal, imprimindo-lhe ou aperfeiçoando progressivas
diretrizes de respeito aos direitos humanos.
Os princípios da lesividade e da ofensividade, como paradigmas
de interpretação e aplicação da norma penal, induzem ao questionamento quanto ao
grau de reprovação da conduta de transportar entorpecentes em um automóvel
particular ou transportar entorpecentes em um veículo coletivo — neste caso,
contemplando a circunstância de ter restado totalmente afastada qualquer hipótese Missão: Promover assistência jurídica aos necessitados com excelência, efetivando a
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de que o produto ilícito, de alguma forma, fosse disseminado durante a viagem.
Por conseguinte, chegamos à conclusão de que a conduta
principal continua a mesma, nada lhe sendo agregado a ponto de justificar o aumento
de pena eventualmente aplicada, situação diversa, aí sim compreenderíamos, do
autor de tráfico que, por exemplo, pulveriza o produto ilícito nos ambientes indicados
no inciso III do art. 40 da Lei n.º 11.340/06, este o criminoso visado pelo mesmo
dispositivo.
Quanto à causa de aumento prevista no inciso V, referente ao
tráfico interestadual de substância entorpecente, não lhe toca melhor sorte, na
medida em que, para a aplicação do dispositivo seria imprescindível que acusada
houvesse logrado a transposição de fronteira estadual.
Alinha-se a essa tese parcela expressiva da jurisprudência
recentemente produzida sobre o assunto, da qual extraímos a decisão a seguir
colacionada, proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do
Sul:
EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL - INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 40, INCISO V, DA LEI 11.343/2006 - POSSIBILIDADE - AGENTE PRESO DENTRO DOS LIMITES DO ESTADO - RECURSO PROVIDO. Não justifica a aplicação da causa de aumento prevista no inciso V do art. 40 da Lei 11.343/2006 (tráfico interestadual), a apreensão de entorpecentes ilícitos no momento em que o agente ainda está no território onde ele os adquiriu, sendo insuficiente a mera intenção do agente. (TJMS, Embargos Infringentes em Apelação Criminal n.º 2007.031985-2/0001-00, Seção Criminal, Relator Claudionor Miguel Abbs Duarte, julgado em 07.04.2008).
Destarte, a causa de aumento em questão somente é aplicável
se de maneira efetiva houver a ultrapassagem da fronteira estadual, do contrário, se
o agente não atingir o seu desiderato criminoso, em razão da anterior prisão em
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flagrante delito, a interestadualidade permanece restrita ao campo das intenções,
fator este, por si só, insuficiente.
A reforçar nossos argumentos, seguem trechos de
recentíssimos julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre casos análogos ao
presente, demonstrando a tendência daquele elevado sodalício de transformar em
jurisprudência os argumentos aqui retomados.
Vejamos o posicionamento da Ministra Jane Silva:
Consta da denúncia que a intenção dos agentes seria a de transportar a droga apreendida da Cidade de Ponta – Porã – MS até a cidade de Goiânia. Porém, antes que eles atingissem a fronteira entre os Estados, o veículo em que estavam apresentou defeito que os impediu em continuar viagem. Antes que ele fosse reparado, os militares os abordaram. De fato, conforme reconhecido na sentença, a intenção inequívoca dos acusados era a de realizar o transporte das substâncias ilícitas entre os Estados de Mato Grosso do Sul e Goiás.Entretanto, por circunstâncias alheias às suas vontades (quebra do veículo), eles não lograram êxito em conseguir seus intentos, havendo sido presos ainda no Estado de Mato Grosso do Sul.(...)Desta forma, como eles não conseguiram atravessar a fronteira entre os mencionados Estados, inviável o reconhecimento da majorante ora vergastada, a qual, portanto, deve ser desde logo afastada da condenação do paciente'. (HC nº 99.373/MS, Min. Rel. Jane Silva – Desembargadora Convocada do TJ, DJ de 14/04/2008, p.1)
No mesmo sentido foi a decisão proferida pela Sexta Turma do
mesmo Tribunal superior, no HC 106.333, da lavra do Ministro Nilson Naves e que,
publicada em 13.06.2008 no DJ, seguindo parecer do Ministério Público Federal, acolheu, em caso onde a paciente foi interpelada tentando levar substância
entorpecente para outra unidade da federação, a tese de que “a causa de aumento
somente incide se o crime efetivamente ultrapassar a barreira estadual e não se a
droga não chegar a ir além do Estado, ficando apenas na fase da intenção (agente
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quer transportar a droga para outro Estado, e antes de cruzar a fronteira é preso em
flagrante delito)”, em citação do estudioso Marcus Edoardo de Sá Siqueira1
III.II) Da não-aplicação da agravante de reincidência
Em caso de condenação, não há que se falar em aplicação do
art. 61 do Código de Processo Penal, uma vez que sobressai dos autos a ausência
de informações seguras quanto à suposta condenação penal anterior, não havendo
qualquer referência sobre isso nas certidões de fls. 61, 71 e 76.
Nesse sentido, é o entendimento majoritário da jurisprudência,
inclusive do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso e do Superior Tribunal de
Justiça:
APELAÇÃO CRIMINAL - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - EXASPERAÇÃO - AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA - AUSENTE CERTIDÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO - INAPLICABILIDADE – TENTATIVA - REDUÇÃO MÁXIMA - INADMISSIBILIDADE - “ITER CRIMINIS” PRÓXIMO DA CONSUMAÇÃO - REDUÇÃO MÍNIMA – CRIME HEDIONDO - REGIME INTEGRALMENTE FECHADO - APELO PROVIDO. Sendo de todo desfavoráveis as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, cumpre a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Ao reconhecimento da agravante reincidência, faz-se imprescindível a certidão cartorária do trânsito em julgado da condenação, que é ônus da Acusação. Uma vez extenso o caminho percorrido na busca da consumação do delito, será mínima a redução da pena, relativamente à tentativa.Em razão da gravidade, a jurisprudência pátria reconhece hediondo o atentado violento ao pudor, em qualquer de suas modalidades, impondo-se o cumprimento da pena no regime integralmente fechado. (TJ/MT, Apelação Criminal n.º 32856/2004, Segunda Câmara Criminal, julgado em 15.12.2004)
PENAL. HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO. POLICIAIS. DOSIMETRIA DA REPRIMENDA. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES. AUSÊNCIA DE CONSIDERAÇÃO DE TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. REINCIDÊNCIA NÃO-COMPROVADA POR CERTIDÃO CARTORÁRIA JUDICIAL.
1 SIQUEIRA, Marcus Edoardo de Sá Earp. In: FREITAS, André Guilherme Tavares de. Estudos sobre as Novas Leis de Violência Doméstica contra Mulher e de Tóxicos (Lei 11.340/06 e 11.343/06), Rio de Janeiro: Lumem juris, 2007.
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ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E PARCIALMENTE CONCEDIDA.1. As decisões judiciais devem ser cuidadosamente fundamentadas, principalmente na dosimetria da pena, em que se concede ao Juiz um maior arbítrio, de modo que se permita às partes o exame do exercício de tal poder.2. Reincidência não-comprovada por certidão cartorária judicial não pode ser considerada para fins de fixação da pena.3. Ordem parcialmente conhecida e nesta extensão concedida para anular parcialmente o acórdão e a decisão de primeiro grau, no que se refere à dosimetria das penas, fixando-se novo regime de cumprimento; e para excluir a agravante da reincidência aplicada a um dos pacientes. (STJ, Sexta Turma, Hábeas Corpus n.º 43.930, Relatora a Ministra Jane Silva, julgado em 22.04.2008).
Por outro lado, ainda que essa informação seja considerada verdadeira,
é certo que existe grande probabilidade de ter decorrido tempo superior a 5 (cinco)
anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a presente infração,
devendo sobressair, portanto, a determinação constante no inciso I do artigo 64 do
Código de Processo penal, segundo a qual deixa de prevalecer a condenação
anterior, se configurada a sobredita circunstância, para efeito de reincidência.
III.III) Da aplicação da atenuante de confissão e da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º da Lei de Drogas Ainda com vistas no princípio da eventualidade, em caso de
condenação, é importante frisar que a acusada reconheceu espontaneamente a
prática da conduta criminosa, tanto na fase policial como na fase judicial, de maneira
que merece ser beneficiada pela atenuante da confissão, prevista no artigo 65,
inciso III, alínea “d”, do Código Penal.
Na derradeira fase do cálculo penal, postulamos a observância
da causa de diminuição da pena inserta no art. 33, § 4º da Lei n.º 11.343/06, em
seu grau máximo, ou seja, 2/3, não sendo demais salientar a impossibilidade — sob
pena de evidente bis in idem — de argüição de elementos impeditivos do pleito já
contemplados em etapa anterior da fixação da pena.
Missão: Promover assistência jurídica aos necessitados com excelência, efetivando a inclusão social, respaldada na ética e na moralidade.
Rua Coronel Faria, esquina com Rua Tiradentes nº 382, Centro, Cáceres – MT, CEP 78.200-000
Fone/Fax: (65) 3223-7005
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IV) DOS REQUERIMENTOS FINAIS
Por tudo, requer:
a) a absolvição da acusada, em aplicação do artigo 386, VI
(não existir prova suficiente para a condenação) do Código de Processo Penal;
subsidiariamente,
b) a não-aplicação da agravante prevista no artigo 65,
inciso I (reincidência) do Código Penal e das causas especiais de aumento
previstas no artigo 40, incisos III (tráfico em transporte público) e V (tráfico
interestadual) da Lei n.º 11.343/06.
c) a aplicação da atenuante contida no artigo 65, inciso III,
alínea “d” (confissão) e da causa de diminuição de pena entrevista no art. 33, §
4º, da Lei n.º 11.343/06, em seu grau máximo, ou seja, 2/3 (dois terços);
Pede deferimento.
Cáceres-MT, 10 de julho de 2008.
Marcello Affonso Barreto Ramires Defensor Público do Estado
(em substituição)
Érika Cristina CáceresEstagiária da Defensoria Pública
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