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Experimentações fotográficas e fotoclubes. Experimentations and photografhic fotoclubes. Resumo: o presente artigo discute a importância dos fotoclubes para a história da fotografia. Seu surgimento data de fins do século XIX, e podemos exemplificar seu projeto ideológico como o de elevar a fotografia à categoria de arte através de intervenções radicais em sua própria expressão. Já no século XX apontaremos o Foto Cine Clube Bandeirantes, em São Paulo, que se firmou como o começo da fotografia moderna no Brasil. Para tanto, utilizaremos a História Visual, tal como explicitada por Ulpiano Bezerra de Menezes, e o conceito de fotografia expandida, de Rubens Fernandes Júnior. Dessa foram, podemos obter um ângulo privilegiado de abordagem do social, a imagem fotográfica, e também uma maior percepção dos meios de construção dessa imagem q ue será inserida na sociedade através de uma Cultura Visual. Palavras-chave: fotografia; fotoclubes; experimentações. Abstract: the article discusses the importance of fotoclubes to the history of photography. Your appearance date of the late nineteenth century, and we exemplify its ideological project and to raise the picture to the category of art in radical interventions in their own words. By the next century we will identify the Cine Club Photo Bandeirantes in São Paulo, which has become established as the beginning of modern photography in Brazil. For so much, Visual History, as explained by Ulpian Bezerra de Menezes, and expanded concept of photography, Rubens Fernandes Junior. Thus were we can get a preferred angle of approach of the social, the photographic image, and also a greater perception of the construction of the image that will be inserted in society through a Visual Culture. Key-words: photografhic; fotoclubes; experimentations. Introdução A fotografia, desde seu surgimento no século XIX, provocou significativas alterações nas relações do homem com o universo do 1

Experimentações Fotográficas e Fotoclubes

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Resumo: o presente artigo discute a importância dos fotoclubes para a história da fotografia. Seu surgimento data de fins do século XIX, e podemos exemplificar seu projeto ideológico como o de elevar a fotografia à categoria de arte através de intervenções radicais em sua própria expressão. Já no século XX apontaremos o Foto Cine Clube Bandeirantes, em São Paulo, que se firmou como o começo da fotografia moderna no Brasil. Para tanto, utilizaremos a História Visual, tal como explicitada por Ulpiano Bezerra de Menezes, e o conceito de fotografia expandida, de Rubens Fernandes Júnior. Dessa foram, podemos obter um ângulo privilegiado de abordagem do social, a imagem fotográfica, e também uma maior percepção dos meios de construção dessa imagem q ue será inserida na sociedade através de uma Cultura Visual.

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Experimentaes fotogrficas nos fotoclubes: o caso do Bandeirantes

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Experimentaes fotogrficas e fotoclubes.

Experimentations and photografhic fotoclubes.

Resumo: o presente artigo discute a importncia dos fotoclubes para a histria da fotografia. Seu surgimento data de fins do sculo XIX, e podemos exemplificar seu projeto ideolgico como o de elevar a fotografia categoria de arte atravs de intervenes radicais em sua prpria expresso. J no sculo XX apontaremos o Foto Cine Clube Bandeirantes, em So Paulo, que se firmou como o comeo da fotografia moderna no Brasil. Para tanto, utilizaremos a Histria Visual, tal como explicitada por Ulpiano Bezerra de Menezes, e o conceito de fotografia expandida, de Rubens Fernandes Jnior. Dessa foram, podemos obter um ngulo privilegiado de abordagem do social, a imagem fotogrfica, e tambm uma maior percepo dos meios de construo dessa imagem q ue ser inserida na sociedade atravs de uma Cultura Visual.

Palavras-chave: fotografia; fotoclubes; experimentaes.

Abstract: the article discusses the importance of fotoclubes to the history of photography. Your appearance date of the late nineteenth century, and we exemplify its ideological project and to raise the picture to the category of art in radical interventions in their own words. By the next century we will identify the Cine Club Photo Bandeirantes in So Paulo, which has become established as the beginning of modern photography in Brazil. For so much, Visual History, as explained by Ulpian Bezerra de Menezes, and expanded concept of photography, Rubens Fernandes Junior. Thus were we can get a preferred angle of approach of the social, the photographic image, and also a greater perception of the construction of the image that will be inserted in society through a Visual Culture.

Key-words: photografhic; fotoclubes; experimentations.

Introduo

A fotografia, desde seu surgimento no sculo XIX, provocou significativas alteraes nas relaes do homem com o universo do visvel. possvel constatar que a imagem fotogrfica capaz de despertar no homem uma variada gama de sensaes, de estranhamentos, de reaes. Ela provoca, esconde, assusta, mente, emociona, mobiliza, mistifica. Desde seu advento manteve-se em constante mutao, de seus meios fsicos, como as tecnologias, a mecnica utilizada, como nas maneiras variadas de pensar e empregar suas representaes, suas construes, suas linguagens.

Durante sua trajetria, a fotografia foi extremamente questionada, por isso no mantm uma posio definida, permanecendo contraditria muitas vezes: realidade/fico, veracidade/manipulao, construo de espaos/tempos instveis, e abrindo possibilidades para ser analisada em diferentes aspectos de sua existncia: poltico, esttico, discursivo, social, cientfico, subjetivo. Segundo Rubens Fernandes Jnior (2002), todas essas caractersticas criam uma trama que compe a fotografia como tecnologia produtora de imagens que deu origem a novos modelos de percepo e novas formas de representao e subjetividade.

Quando tratamos dos fotoclubes, ou seja, de associaes de pessoas com o intuito de promover o encontro, a discusso e a exposio de trabalhos fotogrficos, temos em vista que encontraremos as contradies inerentes criao fotogrfica, alm de um privilegiado conglomerado de aspectos que forjam a trama apontada por Fernandes Jnior. Dessa forma, os fotoclubes como lugares de sociabilidade entre fotgrafos profissionais, amadores e aficionados, sendo escolhido para as exposies dos trabalhos, para as discusses que esses trabalhos proporcionam, chegando mesmo a surgir da algum meio de comunicao desses encontros uma revista com certa periodicidade, catlogos de exposies, manifestos -, se configura como um privilegiado campo de estudos para o historiador da fotografia, principalmente quando sabemos da incorporao recente da fotografia como fonte da histria.

Nosso objetivo neste artigo fazer um apontamento panormico da importncia dos fotoclubes na insero da fotografia na sociedade desde seu surgimento at os dias de hoje. Criados com a inteno de resistir massificao da fotografia j no sculo XIX, pouco depois de seu aparecimento, sendo reduto dos fotgrafos pictorialistas, no sculo XX os fotoclubes passam a ser considerados locais de reproduo de um trabalho conservador, de uma fotografia acadmica, onde no cabiam as experimentaes e inovaes pelas quais a fotografia passava como, por exemplo, os movimentos de vanguarda na Europa nas dcadas de 1920 1930.

No entanto, a necessidade de criao de uma nova linguagem, de uma nova experincia ligada ao fazer fotogrfico se fez presente tambm entre membros de fotoclubes. A incorporao de novas possibilidades da fotografia, no entanto, no foi recebida pacificamente. Existiram discusses entre membros do mesmo fotoclubes, entre fotoclubes que adotavam posturas diferentes quanto questo, e at mesmo a criao de fotoclubes por fotgrafos dissidentes, com a inteno de superar as condies de criao impostas.

Para construirmos um trabalho histrico sobre os fotoclubes e suas produes, nos apoiamos em Ulpiano Bezerra de Menezes (2003) por considerarmos sua abordagem a mais pertinente para o propsito do artigo. Dentre as vrias perspectivas abertas, a proposta por Menezes nos instiga a fazer uso da fotografia como vrtice para se chegar a uma reflexo sobre a sociedade. Segundo ele, atravs da fotografia, em sua maioria trabalhada como um conjunto, uma coleo composta seguindo alguns critrios pr-estabelecidos, criando-se um corpus, nos permitida a anlise de diferentes aspectos sociais vistos ento a partir da anlise fotogrfica (MENEZES, 2003, p. 27).

Para estabelecer a fotografia como um ngulo diferenciado de anlise do social, recorremos tambm ao importante trabalho de Boris Kossoy (2002), para quem devemos entender de antemo que a fotografia nunca inocente, descompromissada, mas sempre comprometida, engajada esteticamente, tendo assim de grande importncia na construo de imaginrios, interferindo definitivamente no processo histrico.

Assim, adotamos os fotoclubes como ponto de partida para abordarmos as questes que a fotografia enfrentou em seu percurso na busca por uma linguagem individual, discusses estas que aconteciam em uma sociedade que em meios do sculo XIX e comeo do XX passou por um processo de industrializao dinmico, com uma florescente classe mdia que necessitava de novos meios de expresso, facilitados pela tecnologia que no parava de inovar, de se transformar. As imagens pensadas e realizadas tinham ento a inteno de renovar, muitas vezes radicalmente, de romper com o pr-estabelecido, surgindo como um novo olhar que expressava uma nova subjetividade criada em meio a sociedades onde ocorriam significativas mudanas econmicas, polticas, sociais e culturais.

Falta ainda mencionar nosso interesse pelo trabalho de Rubens Fernandes Jnior, sua tese de doutorado apresentada na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo no ano de 2002, A fotografia expandida. Para Fernandes Jnior importa tratar das fotografias que, sempre em uma tentativa de superar paradigmas e questionar os padres impostos pelos sistemas fotogrficos, transgrediram esses limites.

Durante a trajetria dos fotoclubes que buscaremos mostrar, ressaltaremos a importncia desses trabalhos fotogrficos questionadores, que aos poucos, em seus enfrentamentos pessoais, engajados na maneira apontada por Kossoy, colocando em cheque noes que em determinado momento se empenharam em cristalizar um pensamento, foram criando uma nova gramtica para a arte fotogrfica. Por esse motivo, ser necessrio que durante o transcorrer do texto, no nos atenhamos somente s produes fotoclubistas.

Em alguns momentos ser necessrio abordar as formas de fazer fotografia fora desses locais, para ento, j na segunda metade do sculo XX, percebermos como os fotoclubes comearam a incorporar as inovaes propostas por vrias vertentes artsticas do comeo do mesmo sculo. A partir da nosso foco permanecer sendo o Foto Cine Clube Bandeirante, o fotoclube de So Paulo fundado em 1939, e ainda hoje em funcionamento, que abrigou uma gama ampla e varia da produo fotogrfica moderna.

Os fotoclubes na histria da fotografia

O desenvolvimento da fotografia est intrinsecamente relacionado com o desenvolvimento da tecnologia fotogrfica. Fotgrafos e fabricantes de materiais fotogrficos, desde o comeo da histria da fotografia instigaram-se mutuamente a procurar a superao mecnica e artstica. Rubens Fernandes Jnior (2002), citando o texto de abertura da exposio comemorativa dos 150 anos da fotografia, em 1989, toca nessa questo. Segundo o autor do texto, John Szarkowski , na medida em que fotgrafos trabalhavam na busca pela superao dos limites da tecnologia e dos materiais disponveis, explorando e experimentando novas formas de superao das bulas dos fabricantes, acabou obrigando esses fabricantes a pesquisar cada vez mais na busca por novos produtos para serem oferecidos aos fotgrafos, produtos que dessem maior satisfao tanto tcnica quanto esttica aos usurios. Szarkowski (e Fernandes Jnior) demonstram que os fotgrafos foram os verdadeiros responsveis pelos constantes melhoramentos tecnolgicos dos equipamentos e dos materiais sensveis (FERNANDES JNIOR, 2002, p. 47-48).

Essa relao entre fotgrafos e fabricantes remonta ao comeo da histria da fotografia. Os inventores da fotografia estavam em busca de um procedimento mecnico que pudesse reproduzir o real em seus menores detalhes. No existia ainda a preocupao com a criao de um novo meio de expresso artstico. No entanto, quando acompanhamos o desenvolvimento da fotografia, vemos que existiu, da parte de alguns fotgrafos, necessidade de buscar caminhos alternativos, que muitas vezes imprescindiram da criao de novas tcnicas, de novos equipamentos, para que fosse valorizada uma imagem no s como produto de um processo mecnico, mas principalmente como uma expresso de seu tempo. Nesse ponto, tocamos em um dos pontos sensveis da fotografia no sculo XIX: questo da documentao do real.

A mquina, que deveria ser somente mais um instrumento obediente criado em meio ao processo da Revoluo Industrial, com intuito de capturar o mundo, um instrumento de registro, de documentao, superou as predestinaes de seus criadores e do sistema de arte que havia lhe renegado um desenvolvimento autnomo e construiu um discurso esttico independente.

Segundo Helouise Costa e Renato Silva (2004), na sociedade racionalista do sculo XIX, em que cincia e arte viviam separadas, a aceitao da fotografia como uma cincia impedia sua existncia esttica e facilitava seu entendimento e uso como cpia do real, como documento. Alm disso, pesava contra a concepo da fotografia como arte ainda outros dois pontos: ser possibilitadora de uma linguagem fria, direta demais, e sua reprodutibilidade praticamente infinita, que permitia o acesso de um grande nmero de pessoas s imagens produzidas. A esse ltimo ponto se unia ainda a concepo acadmica vigente sobre o que poderia ser considerado arte. Sendo assim, no seria de estranhar que nos primeiros anos de existncia da fotografia esta estivesse, na maioria dos casos, diretamente ligada documentao, realidade, verdade.

No entanto, sempre encontramos fotgrafos que buscaram escapar do uso mais freqente reservado fotografia, que inovaram em seu trato com as tcnicas, criando novos procedimentos que levaram a fotografia na direo da criao de uma linguagem prpria. No podemos ignorar, como j foi mencionada acima, a importncia da evoluo tecnolgica e dos materiais sensveis que ao longo do processo foram fundamentais para uma cronologia da fotografia (FERNANDES JNIOR, 2002, p. 37).

Para que surgisse uma nova maneira de usar a tecnologia j existente at chegar a seus limites, forando assim a melhoria dos equipamentos e dos materiais fotossensveis, foi necessrio um tempo de aprendizado, de amadurecimento do domnio da tcnica e de seus procedimentos fundamentais, para ento surgir uma linguagem possvel de promover novas sintaxes visuais. No caso da fotografia, o relacionamento estreito e conflituoso com a pintura, as inevitveis comparaes com esta, ou mesmo as formas hbridas provenientes das duas artes, como no caso do pictorialismo, foram indispensveis para a criao de uma linguagem prpria e independente, fotogrfica, no campo das artes. Segundo Susan Sontag (1981), a fotografia nos ensinou uma nova gramtica que se imps como manifestao livre.

Alguns fotgrafos j na metade do sculo XIX se propuseram a fazer experimentao com a fotografia, a promover uma nova linguagem, independente da pintura. Um dos pioneiros nesse sentido foi o fotgrafo e litgrafo sueco Oscar Gustave Rejlander (1813 1875). Rejlander desenvolveu seu trabalho na Inglaterra e foi um dos primeiros a perceber que a construo era algo inerente ao fazer fotogrfico. Para ele a fotografia no era apenas um meio de imitao perfeita da natureza, um meio de reproduo mecnico, que obteria sempre o mesmo resultado, independentemente de quem manipulasse a cmera. Produziu um trabalho elaborado, complexo e singular, por compreender a fotografia como uma linguagem capaz de expressar suas idias, provando que o artista usando a cmera como instrumento, poderia ser criativo. Utilizando-se de tecnologia rudimentar para criar, por exemplo, uma nica cena a partir de trinta negativos diferentes (Two Ways of Life 1857), conseguiu criar uma marca autoral que estabeleceu um novo paradigma na histria da fotografia (FERNANDES JNIOR, 2002, p. 39 40).

Alm de seus trabalhos fotogrficos, Rejlander escreveu um texto intitulado On Photographic Composition, que justificava seu trabalho de fotomontagem e apontava as razes que o levaram a essa criao, justificando sua necessidade de experimentar para assim poder questionar as verdades estabelecidas acerca da fotografia, sendo elas, por exemplo, a idia de que a fotografia era simples, por se tratar de um meio mediado por uma mquina que fazia todo o trabalho, sendo ento incapaz de produzir uma obra complexa, mais elaborada. O trabalho de Rejlander acabou provando que a fotografia tambm era passvel de manipulao, de seleo, de arranjo, de combinao, atestando assim a idia de construo, de jogo, sempre possibilitado pela necessidade de experimentao.

Ainda no sculo XIX encontramos outros exemplos de fotgrafos-experimentadores que, como salientou Vilm Flsser (1984, p. 25), fascinaram-se pela cmera e passaram a explorar suas potencialidades como em um jogo. Fazendo usos diferenciados das possibilidades que no s a cmera, mas todo um sistema ideolgico do qual a cmera faz parte, Fernandes Jnior destaca os trabalhos de Henry Peach Robinson (1830 1901), Julia Margareth Cameron (1815 1878) e David Octavius Hill (1802 1870). Podemos dizer que essas primeiras tentativas de subverter o cdigo fotogrfico inicial, que seria o de ser um meio de se chegar representao fiel da realidade, da natureza, eram uma forma de responder aos ataques que a fotografia sofria, que na segunda metade do sculo XIX, tinha no poeta francs Charles Baudelaire, um de seus mais ferrenhos opositores. So muito conhecidas as investidas de Baudelaire contra a fotografia. Reproduzimos aqui uma delas, selecionada por Susan Sontag:

[...] Est surgindo uma nova indstria que em muito contribui para confirmarmos a estupidez que significa depositar f nela e destruirmos o pouco que possa ter restado do divino no esprito francs. A multido idolatrada postula um ideal vlido em si mesmo e adequado a sua natureza o que perfeitamente compreensvel. No que toca pintura e escultura, o credo corrente entre o pblico sofisticado, em especial na Frana [...] o de que: Acredito na natureza, e acredito somente na Natureza (h boas razes para isso). Creio que a Arte , e no pode ser outra coisa, a reproduo exata da Natureza...Por isso uma indstria que pudesse oferecer-nos resultados idnticos Natureza seria a arte absoluta. Um Deus vingativo acedeu aos desejos dessa multido. Daguerre foi o Messias. E agora o pblico diz-se a si prprio: J que a fotografia nos d toda garantia de exatido que poderamos desejar (realmente acreditam nisso, idiotas!), ento fotografia e arte so a mesma coisa. Daquele momento em diante, nossa esqulida sociedade se apressou, de modo narcisista, a contemplar sua imagem medocre num pedao de metal [...] Algum escritor democrtico deveria ter visto nisso um mtodo barato de disseminar, entre as pessoas, o dio pela histria e pela pintura...(APUD SONTAG, 1986, p. 181 182).

Baudelaire que no concebia a arte como representao da realidade, j que a realidade se mostrava medocre, execrava a fotografia por entend-la somente uma cpia dessa realidade, uma reproduo do que no deveria ser reproduzido, sem potencialidades para criar algo distinto, um mundo diferente, desejvel. Alm de cometer esse grave erro, ela era produto de uma indstria que atendia ao mau gosto das massas, ao desejo de facilidade das massas. As idias desses artistas, rompendo com paradigmas estabelecidos para a fotografia logo em seu incio, com os modelos vigentes da poca, acabam por expor a capacidade de superao da fotografia. interessante destacar que faz parte desse grupo, Gaspard Flix Tournachon, conhecido por seu apelido, Nadar (1820 1910), que criou uma nova maneira de fotografar retratos, conseguindo convencer at mesmo Baudelaire. A imagem mais conhecida que temos do poeta um retrato de Nadar.

Como salientou Costa & Silva (2004), a esse uso documental da fotografia unia-se a concepo de que nas Belas Artes no cabia a fotografia por seu carter mecnico, sem a interveno da mo do homem, alm de sua enorme possibilidade de reprodutibilidade, gerando grande debate sobre seu uso como expresso artstica. A questo da reprodutibilidade unida s facilidades tcnicas que foram surgindo j no sculo XIX, ajudaram a massificar o uso da fotografia. Segundo Gisle Freund (1995), houve mesmo um processo de banalizao da fotografia. J para Costa & Silva, a fotografia se apresentava com um meio de expresso pela primeira vez, realmente democrtico. Seja como for, esse processo de democratizao do acesso fotografia foi devido entrada da prtica fotogrfica na lgica da produo capitalista.

O desenvolvimento da indstria funcionou como um facilitador do acesso do pblico, possibilitando o consumo/produo massivo de imagens. Nos anos que vo de 1878 a 1890, surgiu no jovem mercado fotogrfico inmeras facilidades tcnicas, como placas secas, emulso sensvel sobre pelcula flexvel, e, em 1888, o aparecimento da primeira mquina Kodak: Voc aperta o boto e ns fazemos o resto. A fotografia passava a no necessitar de conhecimento tcnico especializado, estando ao alcance de todos. Para Walter Benjamin, a partir desse momento que a fotografia passa a incorporar a cultura da documentao do privado, ou como disse Fernandes Jnior, potencializando ao mximo uma legio de domingueiros. Todas essas facilidades fazem com que o mercado da fotografia em crescimento volte sua ateno para o amador: O que antes exigia conhecimentos especficos de fsica e qumica, tornou-se um procedimento corriqueiro, levado a cabo por um simples apertar de boto (COSTA; SILVA, 2004, p. 21).

justamente nesse momento de aburguesamento da fotografia, que vemos surgir o movimento pictorialista. Robert Demachy (1859-1938) foi um dos mais importantes representantes do movimento pictorialista francs, membro do Photo Club de Paris e autor de vrios ensaios sobre a esttica pictorialista. Ele foi um dos que criticou a deselegncia das imagens produzidas pelo grande pblico. O movimento fotoclubista nasceu junto com o pictorialismo, como reao a massificao da produo fotogrfica. Assim, podemos dizer, seguindo Costa & Silva, que o fotoclubismo surgiu como um movimento elitista que visava fazer da fotografia uma atividade artstica. Os fotgrafos membros desse fotoclubes, procuraram inovar a fotografia fazendo com que essas, ao mesmo tempo em que se tornava outra vez complexa em sua execuo, se aproximasse o mximo possvel do que at ento era aceito, canonizado como arte, ou seja, a pintura. Segundo Freund:

[...] se inventam os novos processos, tais como os papis de carvo, gomados, de leo, de bromleo, etc, com ajuda dos quais se procurou fazer com que a fotografia se assemelhasse cada vez mais pintura a leo, ao desenho, s guas-fortes, litografias e outras tcnicas do domnio da pintura. O seu efeito principal consiste em substituir pelo flou a nitidez da objetiva. Os fotgrafos apenas acreditavam dar um tom artstico s suas provas se apagassem precisamente aquilo que caracterstico da imagem fotogrfica, a sua nitidez. O estilo impressionista na pintura desempenhou um papel importante nessa evoluo. Quanto mais a fotografia parecia um substituto da pintura, mais o grande pblico pouco cultivado a considerava artstica (FREUND, 1995, p. 93).

Sendo assim, nesses primeiros fotoclubes notadamente pictorialistas, o que importava no era tanto o assunto abordado pela fotografia, mas maneira como era apresentado, sendo preferidos os temas idealizados e romnticos, seja na representao das paisagens, seja na atitude da figura humana. Nesses trabalhos, o que importava era o distanciamento de tudo o que pudesse ser identificado com o documental, principalmente com o banal das cenas cotidianas produzidas pelo grande pblico.

Foram adotados recursos pictricos para a manipulao dos originais, como ressaltou Freund, tais como as tcnicas do bromleo, o uso de lpis, de lentes de pouca definio que atuavam os contornos, borrachas, pincis, entre outros recursos para acentuar valores tonais, e tornar a imagem final mais romantizada, mais buclica. Essas tcnicas eram, em sua maioria, aplicadas no no negativo, mas j na imagem revelada.

Essa interveno posterior incorporava um trabalho manual do fotgrafo, que pretendia retirar da fotografia seu carter de produo mecnica, resultante somente de uma mquina, para lhe dar um carter considerado mais artstico atravs da interveno manual/pessoal que transformava aquela imagem em nica, e por isso mais prxima das consideradas Belas Artes. Para Kossoy, a questo da esttica presente no movimento pictorialista, que reivindicava para a fotografia um carter artstico partindo do princpio de que a arte fotogrfica s seria vlida se alterasse ou mesmo negasse sua produo/reproduo mecnica, est intimamente ligado a uma tentativa de elitizao da fotografia (KOSSOY, 2002, p. 439). A opinio de Demachy era comum e bem aceita no meio fotoclubista.

Para Costa & Silva (2004), a caracterstica mais marcante do fotoclubista era ser profissional liberal dono de uma situao financeira privilegiada, podendo assim se dedicar fotografia em suas horas vagas, ou seja, componentes de uma classe mdia urbana em ascenso: O pequeno burgus agora um artista (COSTA; SILVA, 2004, p. 22). Sendo assim, podemos afirmar que o fotoclubismo se afirmou como um fenmeno dos grandes centros urbanos, propagando-se pelas grandes capitais do mundo.

Uma caracterstica dos fotoclubes era sua hierarquizao. Seus membros eram classificados segundo sua entrada no clube e por seu grau de aperfeioamento, que poderiam variar de um fotoclube pra outro, mas que seguiam algo parecido a: novssimo, jniors e seniors. Havia concursos internos onde a competio era amplamente estimulada, podendo mesmo refletir em uma promoo nas categorias hierrquicas. Foram criados at mesmo duelos fotogrficos:

Os fotgrafos se desafiavam e saam juntos com o mesmo tipo de equipamento a fim de registrar os mesmos assuntos. Depois, submetiam seus resultados a uma banca julgadora escolhida de comum acordo. Toda a tradio burguesa se fazia presente: a honra ultrajada, o desafio, a igualdade de condies e o vencedor (COSTA; SILVA, 2004, p. 24).

Alm dos duelos, das competies, os fotoclubes se dedicavam vrias atividades. Publicavam boletins informativos, revistas, catlogos de exposies, realizavam cursos de esttica e de tcnicas fotogrficas, seminrios, avaliaes internas da produo de seus associados, excurses fotogrficas, concursos internos com temas escolhidos, intercmbios com fotoclubes nacionais e internacionais. No Brasil, na dcada de 1940, havia um grande circuito nacional de fotoclubes (COSTA; SILVA, 2004, p. 23 25). Considerando essas caractersticas, podemos dizer que a produo fotoclubista, embora intensa, estava muito bem dirigida a uma pequena parte da sociedade.

Dessa forma, os fotoclubistas no participavam das transformaes estticas que aconteciam fora de suas paredes. Praticavam o que por muito tempo ficou sendo a expresso artstica da fotografia, ou seja, o culto a uma esttica acadmica que sobrevalorizava a tcnica no trabalho fotogrfico.

Essa concepo de que a fotografia produzida pelos meios pictorialistas era a possibilidade de se desenvolver um trabalho artstico reconhecido, esteve de tal forma ligada produo dos fotoclubes, que estes, passado o apogeu pictorialista ainda continuavam a reproduzir seus preceitos. Nesse sentido, os fotoclubes tiveram no s a importncia de conservar as tcnicas pictorialistas, mas tambm de divulg-las pelo mundo. Kossoy cita um importante defensor e difusor do pictorialismo no Brasil, Valncio Barros, um importante personagem do contexto do fotoclubismo paulistano, j na primeira metade do sculo XX. Seu artigo Bromleo, publicado no Boletim Foto Clube, em 1946, um bom exemplo de como as regras do pictorialismo eram empregadas de maneira dogmtica no interior dos fotoclubes:

Sem a interpretao, isto sem a interveno pessoal do autor na execuo de seu trabalho, especialmente em sua fase final a cpia a fotografia dificilmente poder alcanar o seu almejado ideal, que ser um processo de Arte. Por mais perfeito que seja, tecnicamente, um negativo, sua cpia fiel, sua reproduo puramente fotogrfica, faltaro quase sempre as qualidades que constituem uma obra de arte (APUD: KOSSOY, 2002, p. 439).

No entanto, nesse comeo do sculo XX, j havia significativas mudanas no campo fotogrfico. Se nos sales fotogrficos de todo o mundo ainda prevaleciam geralmente as temticas descompromissadas com a realidade, o distanciamento das questes polticas e sociais, o repdio aos movimentos estticos de vanguarda, havia tambm o fotojornalismo nascente na Alemanha e Inglaterra, a mudana de perspectivas artsticas proporcionadas pelas vanguardas europias, e o surgimento da fotografia direta nos Estados Unidos. Fora do ambiente dos fotoclubes existia uma efervescncia de novidades no tratamento da e com a fotografia, enquanto em seu interior ainda vigorava um mundo artificial (KOSSOY, 2002, p. 440). Comeavam os movimentos que mais tarde dariam incio ao que ficou conhecido como fotografia moderna.

Podemos dizer que o pictorialismo foi a fora motriz do movimento fotoclubista por um longo perodo. No entanto, alguns fotgrafos, apesar de terem comeado suas carreiras nesse ambiente, quando perceberam a impossibilidade de desenvolveram outras propostas para a fotografia, acabaram se desvinculando deles. Um exemplo disso o fotgrafo americano Alfred Stieglitz, que comeou sua atuao como fotgrafo pictorialista, mas acabou se interessando pelo que ficou conhecido como fotografia pura ou fotografia direta, uma fotografia livre do peso de ter que ser entendida como arte.

Alfred Stieglitz, que se empenhou em difundir o trabalho dos artistas modernos europeus em seu pas. A pesquisa que se desenvolveu em torno de Stieglitz e da revista Cmera Work, da Galeria 291, chamada de fotografia direta, se empenhava em explorar as potencialidades da cmera enquanto instrumento de registro expressivo do mundo. Aos poucos vo fazendo uma fotografia cuja proposio esttica exigir um novo enquadramento e limpeza formal, um renovado esprito de documentao voltado a temticas mais contundentes da realidade social, colocando o fotgrafo em contato com o mundo, afastado das tcnicas de laboratrio, fazendo um questionamento direto da natureza. Entre os fotgrafos desse perodo encontramos alm de Alfred Stieglitz, Paul Strand e Clarence White.

Num segundo momento dessa produo, a partir das dcadas de 1920 e 1930, temos Edward Weston, Berenice Abott, Walker Evans e Margarethe Mather, ligados ao projeto fotogrfico da Farm Security Administration, nome pelo qual ficou conhecida a Seo de Histria da Administrao de Realojamento Rural do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, que iniciou suas atividades em 1935, com objetivo de, atravs de um projeto fotogrfico de documentao social, conscientizar a populao urbana sobre as condies de vida da populao rural depois da crise de 1229, aliada s secas que assolaram o pas no comeo da dcada de 1930 (SONTAG, 1981, p. 6).

As experimentaes com a fotografia nas artes plsticas foi bastante forte dentro dos movimentos de vanguarda que tm lugar entre as duas guerras mundiais, momento decisivo da histria da arte e da cultura do sculo XX, constituindo o divisor de guas entre a fotografia do sculo XIX, que pretendia ser considerada arte e o surgimento de uma esttica fotogrfica condizente com a cultura do seu tempo. Nesse ambiente de profundas reformulaes em oposio ao conservadorismo e cultura tradicional, prosperou uma fotografia moderna associada idia da tcnica e dos meios de reproduo, numa revigorada forma de ver e interpretar o mundo: uma fotografia moderna, pensada a partir dos movimentos avant-gard, comeou se disseminar.

Tatava-se ento de por de lado a esttica pictorialista e de dar fotografia um projeto atuante e contemporneo s aspiraes revolucionrias da arte moderna. Todo esse movimento de renovao foi bastante amplo, e teve dois grandes plos de agenciamento: a Europa e os Estados Unidos. Segundo Rubens Fernandes Junior (2002), os movimentos das vanguardas histricas foram os responsveis por dar fotografia um estatuto cultural definitivo.

Na Europa foram muitos os artistas dos movimentos de vanguarda que se utilizaram da fotografia em seus trabalhos. No tiveram formao de nenhum grupo definido de fotgrafos, fechado, como nico precursor da renovao fotogrfica, mas percebemos claramente que essa renovao se deu em pontos isolados e socialmente distintos, se configurando como uma renovao radical das linguagens artsticas. A fotografia de Eugne Atget reconhecida por vrios autores, como Benjamin, por exemplo, como o incio de uma revoluo da fotografia que se estendeu at 1930 (BENJAMIN, 1994, p. 100). Dentre os vrios artistas que fizeram essa fotografia renovada, dentro desse perodo, temos Lzlo Mohoy-Nagy, Man Ray, Alexander Rodchenko, Ren Magritte, Max Ernest, entre outros. A fotografia se libertou dos condicionamentos at ento impostos pela cmera, atravs dos fotogramas, colagens e fotomontagens dos dadastas, surrealistas e construtivistas.

Tambm nas primeiras dcadas do sculo XX, surge na Alemanha a nova objetividade, aliando s mudanas fotogrficas j citadas o interesse pelos maquinismos e engrenagens, pelas estruturas metlicas, linhas e volumes da arquitetura e do espao urbano, pelas aparncias dramticas. interessante notar que essa nova esttica fotogrfica trazida da Alemanha para vrios pases da Amrica pelos imigrantes que vm fugidos das dificuldades geradas pelas Grandes Guerras. Segundo Kossoy (2004), esses imigrantes atuaram na fotografia profissional, em reas da arquitetura, da publicidade, do jornalismo e da indstria, estabelecendo um padro de qualidade tcnica dentro de uma visualidade moderna coerente com o crescimento urbano e populacional de So Paulo nos anos de 1940 e 1950. No Mxico tambm so muitos os fotgrafos alemes, sendo os que mais nos interessa aqui Ruth Deustch Lechuga e Walter Reuter.

Com relao ao Brasil, percebemos que a fotografia, to utilizada pelos artistas das vanguardas europias, no foi contemplada (nem o cinema), quando da Semana de Arte Moderna em 1922, a primeira grande manifestao de vanguarda nas artes do pas. Se a fotografia brasileira inaugurou o sculo XX to inovadora e surpreendente com a obra de Valrio Viana, principalmente em Os Trinta Valrios (1900), percebemos que existiu certo retrocesso quanto s conquistas estticas. Segundo Fernandes Junior (2002, p. 165), se uma das principais caractersticas da modernidade no s incorporar tcnicas, mas ter inteno de pensar e produzir arte sobre novas bases estticas, nossos modernistas no foram to radicais em suas propostas de renovao em direo a uma nova sensibilidade.

Ser somente em meados da dcada de 1940 e princpios de 1950 que poderemos perceber o surgimento de uma fotografia moderna no Brasil, principalmente atravs de um movimento que ficou conhecido como Escola Paulista e aconteceu no interior do Foto Cine Clube Bandeirantes.

Em 1939 um grupo de fotgrafos amadores que se reuniam habitualmente na loja de materiais fotogrficos Foto Dominadora tiveram a idia de formar um fotoclube. Mediante assemblia realizada nos sales do Portugal Clube, no Prdio Martinelli, foram aprovados os estatutos e a primeira diretoria do Foto Cine Clube Bandeirantes. No ano de 1946 comeariam a publicar seu tradicional Boletim (KOSSOY, 2002, p. 443). Segundo Costa & Silva, a produo fotoclubista nesse momento apresentava ainda traos do pictorialismo, mas, no entanto j no se mostrava dogmtico.

Para Kossoy (2002), a renovao da mentalidade dos membros do FCCB se deu mediante as influncias dos movimentos vanguardistas como um todo, e principalmente atravs da renovao que ocorria em determinada corrente fotoclubista internacional, que Costa & Silva identificam com alguns grupos como o C. S. de Londres, o Grupo dos XV da Frana, o Bssola da Itlia, o La Ventana no Mxico, o La Capeta de los Diez da Argentina, e o mais conhecido de todos, o Fotoform da Alemanha.

Ainda segundo Kossoy, no existem conexes ideolgicas entre as vanguardas europias e os membros do FCCB durante os anos de 1940, estes acabam embarcando em uma procurar por caminhos formais na fotografia que os levem em direo a uma esttica moderna, que dizia muito sobre um cotidiano externo aos muros do fotoclube, nas ruas das grandes cidades, especialmente de So Paulo, que naqueles anos, se verticalizava, expandia. No entanto, podemos dizer que provvel que esses fotgrafos tenham sido influenciados pelas produes europias e estadunidenses, que tambm buscavam uma nova sensibilidade. Costa & Silva identifica essa mudana esttica com relao fotografia fotoclubista com o trabalho de alguns pioneiros:

A construo de uma esttica moderna na fotografia brasileira se fez pelo somatrio de inmeras pesquisas individuais no explicitamente direcionadas e muitas vezes afastadas no tempo, mas que a longo prazo nos permite identificar a instaurao de um novo olhar, em uma ruptura clara com a prtica acadmica (COSTA; SILVA, 2004, p. 35)

Fatores como o crescimento industrial e urbano que ocorreram no Brasil a partir do ps-guerra, deram um novo impulso ao fotoclubismo que aps as realizaes da dcada de 1920, tinha sofrido um refluxo em suas atividades. No incio o movimento fotoclubista centrou-se no Rio de Janeiro, com a criao do Photo Club do Rio de Janeiro, em 1910. Nesse novo momento do fotoclubismo brasileiro, So Paulo, como o FCCB, assume essa liderana (COSTA & SILVA, 2004, p. 33 - 34).

Assim, no Brasil a incorporao da nova forma de fazer fotografia, a fotografia chamada moderna, comea a se fazer presente no ambiente dos fotoclubes na forma de uma contestao esttica. Segundo Costa & Silva, por sua prpria origem social, a fotografia moderna serviu como meio de adequao da classe mdia s modificaes que vinham sendo operadas na sociedade. Nesse sentido, podemos identificar essa ao com um grupo de fotgrafos que ento atuou no Foto Cine Clube Bandeirante, na cidade de So Paulo, e que foi por isso batizado pela crtica da poca de Escola Paulista (COSTA & SILVA, 2004, p. 13). Dentre os vrios fotgrafos que comearam a desenvolver um trabalho inovador no FFCB, temos Geraldo de Barros, Jos Yalenti, Tomaz Farkas, German Lorca, Gaspar Gasparian e Eduardo Salvatore.

O comeo dessa nova experincia fotogrfica se deu em um ambiente ainda muito conservador, mas teve fora suficiente para causar uma profunda renovao na prtica fotogrfica. Os temas tratados por essa nova esttica moderna so temas do cotidiano da cidade, fotografados agora em ngulos inusitados, altos contrastes, sombras e siluetas, elementos geomtricos, explorao de detalhes. So trabalhos de pioneiros que se lanaram na busca por uma nova viso, da construo de uma nova linguagem pautada principalmente por uma viso pessoal dos temas tratados, que se propunha muito mais intuitiva, sem um projeto de modernidade definidos. Nesse momento, que vai de 1940 a 1950, destacamos os trabalhos de Jos Yalenti, Thomaz Farkas, Geraldo de Barros e German Lorca.

Para Costa & Silva, a atuao desses pioneiros desencadeou mudanas que aos poucos se configurou em uma sensibilidade moderna que logo foi disseminada. Eram jovens que comeavam a fotografar, ou seja, no tiveram grande contato com o pictorialismo, estando mais abertos a novas possibilidades formais e estticas. Procuravam uma produo diferenciada, que mexesse na amorfa produo fotoclubista, homogeneizada pelo academicismo. Os trabalhos desses pioneiros, caminhando em direes distintas, se complementavam quando afirmavam a fotografia como um meio de expresso autnomo dentro das artes:

A partir da geometrizao (Jos Yalenti), de novos ngulos de tomada (Tomaz Farkas), da pesquisa abstracionista (Geraldo de Barros) ou do exerccio pleno de uma viso fotogrfica moderna materializada no estranhamento da realidade cotidiana (German Lorca), os pioneiros renegaram o carter exclusivamente documental da fotografia e abriram vrias frentes de pesquisa, desencadeando uma grande mudana na produo fotoclubista. O pioneirismo desses fotgrafos no diz respeito apenas datao de seus trabalhos, mas principalmente influncia decisiva que tiveram no desenvolvimento de uma experincia renovadora na fotografia brasileira (COSTA; SILVA, 2004, p. 47).

Procuramos de maneira sucinta perfazer uma pequena parte do trajeto dos fotoclubes na histria da fotografia, desde seu surgimento no sculo XIX at os anos de 1950, sendo cenrio de importantes transformaes pelas quais passou o fazer fotogrfico, seu caminhar em busca de uma forma diferente de se constituir como expresso. A cada nova questo colocada fotografia, pudemos ver seu grande poder de renovao em sua busca pela construo de um discurso esttico prprio. Dentro das paredes fechadas dos fotoclubes uma parte significativa da produo fotogrfica foi idealizada, realizada, tcnicas foram criadas e disseminadas. Houve tambm dogmatismos e homogeneizao, que, no entanto, foram dissolvidos graas ao trabalho renovador, inquieto e questionador dos fotgrafos experimentadores.

importante ressaltar, como muitos pesquisadores j o fizeram, como Kossoy e Fernandes Jnior, que a pesquisa histrica na rea de fotografia do sculo XX ainda incipiente se comparada ao volume de pesquisas desenvolvidas sobre a fotografia do sculo XIX. Junte-se a isso a falta de cuidados e de armazenamento adequado conservao dos acervos fotogrficos desse perodo. Felizmente desde finais do sculo XX e comeo do XXI, o interesse em conservar e estudar essa parte importante da produo fotogrfica, alm da divulgao em exposies, catlogos e livros, vem aumentando consideravelmente. Podemos citar como exemplo a exposio retrospectiva da obra de Tomaz Farkas, em fevereiro de 2011, que contou tambm com uma publicao em livro Tomaz Farkas: uma antologia pessoal. Nosso pequeno artigo pretende ajudar minimamente nesse processo de dar visibilidade a uma importante parte da produo fotogrfica brasileira.

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No campo da histria, a fotografia comeou a ser utilizada depois da renovao das fontes nos trabalhos historiogrficos iniciada por Marc Bloch e Lucien Febvre. Com a ampliao da noo de texto e documento, a fotografia foi incorporada como importante fonte documental da histria, junto com a pintura e o cinema, por exemplo. Essa incorporao e sua contnua ampliao acabam promovendo a aproximao da histria com outras disciplinas, com a inteno de desenvolver uma metodologia adequada aos novos documentos (CARDOSO & MAUAD, 1997).

John Szarkowski: curador do Museu de Arte Moderna de Nova York por mais de quarenta anos, e escritor do texto de abertura da exposio comemorativa dos 150 anos da fotografia no ano de 1989.

Termo composto de bromo mais leo, sendo sinnimo de oleobrmio, sendo um processo de tiragem artstica, por meio de tintas graxas.

Em Os Trinta Valrios, o fotgrafo, pintor e msico Valrio Viana produziu uma fotomontagem com trinta auto-retratos que se articulam em uma cena que representa uma apresentao musical, em que ele o garom, os msicos, a platia, o busto e os retratos na parede da sala. Alm da grande originalidade de seu trabalho, Valrio Viana tinha profundo conhecimento tcnico e domnio do processo do trabalho fotogrfico.

O ttulo do trabalho de Geraldo de Barros, Fotoformas, estaria ligado ao do grupo alemo.