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Exploração de loterias e autorização de sorteios, no Brasil : estudo de caso com aplicação de fundamentos de Teoria do Direito Milso Nunes Veloso de Andrade Mestrando em Direito do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados. Advogado em Brasília – DF. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UniDF). Mestre em Administração pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de São Paulo. Professor de Direito e de Administração do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Pessoal da Câmara dos Deputados (CEFOR). Eisenhower Fellow (EEF), Philadelphia, EUA. RESUMO Este trabalho tem por objetivo estudar uma situação complexa de direito positivo tradicional, envolvendo hierarquia e conflito de normas, sucessão de leis no tempo, inconstitucionalidade de leis distritais em conflito com a competência legislativa da União, derrogação excepcional de normas de direito penal, normas legais federais em dissonância com normas constitucionais disciplinadoras da administração pública indireta e do regime de atuação da empresa pública na ordem econômica, conflitos de interesses públicos e privados, além de questões relativas à eficácia social de normas relativas a contravenções penais. Como preparação para a análise do caso prático (a exploração de loterias e a autorização de sorteios, no Brasil), são apresentadas considerações prévias sobre fundamentos de teoria do direito, com ênfase nas exigências de mutabilidade e adaptação do Direito e suas formas de exteriorização, próprias do contexto social atual, sob pena de distanciamento da realidade em relação ao ordenamento jurídico positivo considerado válido pelo Estado. A inação do Estado e da sociedade civil organizada diante de claras subversões dos modelos jurídicos adotados e sua lógica subjacente, leva ao questionamento sobre o que deve ser mudado: a competência executiva sobre loterias e sorteios, hoje sob a responsabilidade da Caixa Econômica Federal, ou a própria Constituição Federal, adaptando o Estado a uma circunstância tão complexa que parece melhor deixar como está. Como é correlato o assunto – e também como reflexão instigante – a questão que se põe é: vale o que está escrito? SUMÁRIO: Introdução. A. Dinamismo e relativização do Direito, em perspectiva histórica e social. B. O direito e sua função social. 1 Normatividade casuístivo- subjetiva : disfunções e distorções da experiência brasileira. 2 Factualismo contranormativo na administração pública. 3 O caso particular da exploração de loterias e autorização de sorteios. 3.1 Competência legislativa da União. 3.2 Competência executiva: evolução normativa infraconstitucional. 3.2.1 Exploração oficial de loterias. 3.2.2 A CEF como detentora da exclusividade de exploração das loterias federais. 3.2.3 Autorização de Sorteios. 3.2.4 A CEF como autorizadora de sorteios. 3.3. A natureza jurídica da Caixa Econômica Federal. 3.4 Constitucionalidade da atribuição de competência, à CEF, para exploração de loterias e autorização de sorteios. 3.4.1 Quanto à exploração de loterias. 3.4.2 Quanto à autorização de sorteios. CONCLUSÃO. A. Conclusões sobre a competência da CEF para exploração de loterias. B. Conclusões sobre a competência da CEF na autorização de sorteios. Comentários e Aplicações de Fundamentos de Teoria do Direito. Referências bibliográficas. Anexos I a IV. Palavras-chave: direito positivo. ordem jurídica. norma jurídica. eficácia social. competência legislativa. hierarquia de normas. sucessão de leis no tempo. normas de direito penal : excepcionalidade. exploração de loterias. autorização de sorteios. serviços públicos. competência executiva. inconstitucionalidade material.

Exploracao de Loterias e Autorização de Sorteios

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Exploração de loterias e autorização de sorteios, no Brasil : estudo de caso com aplicação de fundamentos de Teoria do Direito

Milso Nunes Veloso de Andrade

Mestrando em Direito do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados. Advogado em Brasília

– DF. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UniDF). Mestre em Administração pela Universidade de São Paulo.

Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de São Paulo. Professor de Direito e de Administração do Centro de Formação e

Aperfeiçoamento de Pessoal da Câmara dos Deputados (CEFOR). Eisenhower Fellow (EEF), Philadelphia, EUA.

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo estudar uma situação complexa de direito positivo tradicional, envolvendo hierarquia e conflito de normas, sucessão de leis no tempo, inconstitucionalidade de leis distritais em conflito com a competência legislativa da União, derrogação excepcional de normas de direito penal, normas legais federais em dissonância com normas constitucionais disciplinadoras da administração pública indireta e do regime de atuação da empresa pública na ordem econômica, conflitos de interesses públicos e privados, além de questões relativas à eficácia social de normas relativas a contravenções penais.

Como preparação para a análise do caso prático (a exploração de loterias e a autorização de sorteios, no Brasil), são apresentadas considerações prévias sobre fundamentos de teoria do direito, com ênfase nas exigências de mutabilidade e adaptação do Direito e suas formas de exteriorização, próprias do contexto social atual, sob pena de distanciamento da realidade em relação ao ordenamento jurídico positivo considerado válido pelo Estado.

A inação do Estado e da sociedade civil organizada diante de claras subversões dos modelos jurídicos adotados e sua lógica subjacente, leva ao questionamento sobre o que deve ser mudado: a competência executiva sobre loterias e sorteios, hoje sob a responsabilidade da Caixa Econômica Federal, ou a própria Constituição Federal, adaptando o Estado a uma circunstância tão complexa que parece melhor deixar como está. Como é correlato o assunto – e também como reflexão instigante – a questão que se põe é: vale o que está escrito?

SUMÁRIO: Introdução. A. Dinamismo e relativização do Direito, em perspectiva histórica e social. B. O direito e sua função social. 1 Normatividade casuístivo-subjetiva : disfunções e distorções da experiência brasileira. 2 Factualismo contranormativo na administração pública. 3 O caso particular da exploração de loterias e autorização de sorteios. 3.1 Competência legislativa da União. 3.2 Competência executiva: evolução normativa infraconstitucional. 3.2.1 Exploração oficial de loterias. 3.2.2 A CEF como detentora da exclusividade de exploração das loterias federais. 3.2.3 Autorização de Sorteios. 3.2.4 A CEF como autorizadora de sorteios. 3.3. A natureza jurídica da Caixa Econômica Federal. 3.4 Constitucionalidade da atribuição de competência, à CEF, para exploração de loterias e autorização de sorteios. 3.4.1 Quanto à exploração de loterias. 3.4.2 Quanto à autorização de sorteios. CONCLUSÃO. A. Conclusões sobre a competência da CEF para exploração de loterias. B. Conclusões sobre a competência da CEF na autorização de sorteios. Comentários e Aplicações de Fundamentos de Teoria do Direito. Referências bibliográficas. Anexos I a IV.

Palavras-chave: direito positivo. ordem jurídica. norma jurídica. eficácia social. competência legislativa. hierarquia de normas. sucessão de leis no tempo. normas de direito penal : excepcionalidade. exploração de loterias. autorização de sorteios. serviços públicos. competência executiva. inconstitucionalidade material.

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INTRODUÇÃO1

Numa sociedade relativamente jovem e complexa, como é o caso da brasileira, em que

a atividade legislativa é intensa e as expectativas normativas ainda esperam por uma mais

significativa estabilização contrafactual2 (LUHMANN, 1983, p. 57), vivemos, infelizmente, a

experiência dos “remendos”, para consertar situações cujas leis e prognoses legislativas

(MENDES, cit. por CAPONI, 2007) não foram devidamente elaboradas, para emoldurar um

ordenamento jurídico apropriado às necessidades do povo brasileiro e, por este, legitimado.

Os elementos integradosi - que estabelecem, compreendem, interpretam, atualizam,

aplicam, alteram, anulam as regras de convívio de um corpo social, agregado sob a idéia e

forma de Estado (povo, território e governo soberano) –, o sistema jurídico, atribui força

cogente e presunção de validadeii a um ato decisório (legislativo, normativo ou jurisdicional

referido a normasiii de conduta exigíveis dos membros do grupo), que prevalece até que

mecanismos internos do sistema o rejeitem/alterem, por discordância com as premissas

(HESSE, 1991, p. 20 e 28) e a lógica do próprio sistema, por necessidade de adaptação a

circunstâncias ou tendências políticas, sociais, econômicas, culturais, tecnológicas etc, ou

força maior instaure uma nova ordem político-social (LASSALE, 2000, p. 33).

A. Dinamismo e relativização do Direito, em perspectiva histórica e social

Nesse contexto, Miguel REALE (1999, p. 2) ensina que o Direito corresponde à

exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade

poderia subsistir sem um mínimo de ordem e solidariedade; ele não existe senão na sociedade

e não pode ser concebido fora dela. Cita Santi Romano que, “cansado de ver o Direito

concebido apenas como regra ou comando concebeu-o antes como realização de convivência

ordenada”.

É certo que o Direito não é elemento estático, mas, de acordo com o ensinamento de

Tércio Sampaio FERRAZ JR. (1994, pp. 74-75), a vinculação da mudança ao diploma legal

apenas aparece na ciência do direito do século XIX, quando “A concepção da lei como

principal fonte do direito chamará a atenção para a possibilidade de o direito mudar toda vez

1 As referências em algarismos arábicos remetem a “notas de rodapé”, contendo transcrições de frase e remissões complementares, entendidas úteis para complementação imediata do contexto.As referências sobrescritas em algarismos romanos remetem a “notas técnicas de fim” (apontamos sobre fundamentos de Teoria do Direito), com o intuito e permitir uma breve revisão de conceitos e a remissão a diferentes visões doutrinárias, para ensejar a reflexão, pelo cotejamento das idéias com as situações de fato descritas no contexto do artigo. 2 “Normas são expectativas de comportamento estabilizadas em termos contrafáticos.” (LUHMANN, 1983, p. 57)

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que mude a legislação”3.

Há, por outro lado, diferentes modos de compreensão do que seja o direito, o direito

positivoiv, a norma jurídica, o ordenamento jurídico e eles variam, especialmente, com a sua

contextualização em diferentes sistemas jurídicos. No “civil law”, sistema legal adotado no

Brasil, há predominância da lei escrita como fonte do direito, o que tem suas origens no

direito francês. É por meio do Código de Napoleão que a lei ganha supremacia sobre os

costumes e as demais fontes (REALE, 1999, p.152). Chaïm PERELMAN (2000, pp. 31-32)

nos dá a dimensão exata do que foi a escola da exegese, tomando como exemplo o Código de

Napoleão, ao relatar que se tratou de reduzir o direito à lei, impondo técnicas de raciocínio

jurídico absoluto. Adotou-se uma concepção voltada para a total separação dos poderes, na

qual, o direito identificado com a lei, era confiado aos tribunais, para que estabelecessem os

fatos dos quais decorreriam as conseqüências jurídicas. Esse sistema legalista objetivava

imprimir segurança jurídica na sociedade, diante do argumento de que, passivamente, ao juiz

cabia apenas aplicar o direito que lhe fosse dado pelo legislativo. Por outro lado,

PERELMAN (2000, p. 88), estima que já nos encontramos na “terceira fase da evolução do

pensamento jurídico posterior ao Código de Napoleão”, com o recurso à ficção

jurisprudencial, o que aponta para o abandono da idéia de que o direito se limita à lei escrita.

Parece-nos importante observar, com Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO (1975,

p. 7) a distinção entre o mundo do ser (da natureza) e o do dever-ser (das normas), aquele

com relações decorrentes da natureza mesma das coisas, mas este, não, porque fruto do

trabalho intelectual e das opções feitas pela pessoa humana.4

3 “Destarte, em comparação com o passado, o direito deixa de ser um ponto de vista em nome do qual mudanças e transformações são rechaçadas. O direito sempre fora percebido como algo estável face às mudanças do mundo, fosse o fundamento desta estabilidade a tradição - como para os romanos -, a revelação divina - na Idade Média -, ou a razão, na Era Moderna. Para a consciência social do século XIX, a mutabilidade do direito passa a ser o usual: a idéia de que, em princípio, todo direito mude torna-se a regra, e que algum direito não mude, a exceção. Esta verdadeira institucionalização da mutabilidade do direito na cultura de então corresponderá ao chamando fenômeno da positivação do direito. Assim, numa visão crítica do conceito, como o demonstram os autores contemporâneos - e não meramente escolástica -, a concepção de ordem jurídica positivada pressupõe aquela que possui força cogente no seio da sociedade. Nesta perspectiva, poderá, por exemplo, ser relativizada a eficácia normativa (“comando”) na presença de disposição legal que não tenha seu conteúdo reconhecido como (socialmente) eficaz em face da vontade do povo.” (FERRAZ JR., 1994, pp. 74-75)4 “O mundo do direito difere profundamente do mundo natural. O mundo normativo tem a sua existência própria, diversa do mundo natural, desligada dele, com um modo de ser e de existir, próprio, diverso do mundo natural. Todos nós conhecemos uma definição de lei, segundo a qual as leis seriam as relações necessárias, que derivam da natureza das coisas. Essa definição pode servir para qualquer coisa, menos para definição de uma lei, em sentido jurídico, menos para definir uma norma de direito, porque as relações de direito não derivam da natureza das coisas, mas da vontade dos homens, que as constroem com liberdade. Há uma independência profunda entre

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No mundo natural, predomina a lei da causalidade, a relação de causa e efeito. Por

outro lado, no mundo do direito vigora a relação de imputação, de normatividade, que reflete

basicamente o pensamento de KELSEN (2000, p. 64)5.

B. O direito e sua função social

Norberto BOBBIO (2000, p. 114), ao estudar o pensamento de Emanuel KANT, em

“Direito e Estado”, conclui que “o direito é a forma universal de coexistência dos arbítrios de

todos os outros”. Incorpora a condição ou o conjunto das condições segundo as quais os

homens podem conviver entre si - ou o limite da liberdade de cada um e isso de modo que

todas as liberdades externas possam coexistir segundo uma “lei universal”.6

Nos contornos de uma visão sociológica e em ressonância com o pensamento

kantiano, Paulo NADER posiciona-se no sentido de que o direito está em função da vida

social e que “a sua finalidade é a de favorecer o amplo relacionamento entre as pessoas e os

grupos sociais, que é uma das bases do progresso da sociedade”. Separando o lícito do ilícito,

o ordenamento jurídico torna possíveis os “nexos de cooperação, e disciplina a competição,

estabelecendo as limitações necessárias ao equilíbrio e à justiça nas relações”:

O Direito se manifesta, assim, como um corolário inafastável da sociedade. (...) Nem tudo é histórico e contingente no Direito. Ele não possui apenas um conteúdo racional, como adverte Del Vecchio. A natureza social do homem, fonte dos grandes princípios do Direito Natural, deve orientar as “maneirasde agir, de pensar e de sentir do povo” e dimensionar todo o jus positum.

Fazendo o contraponto, Francesco CARNELUTTI (1999, pp. 103-104), afirma que,

por mais que o homem tenha evoluído, a regra ética por si só não é capaz de evitar conflitos

de interesses, causadores da degradação social. Desse modo, é necessário procurar noutra

parte, para a regra ética, a força que ela naturalmente não possui. E, para esse provimento,

existe o direito. Para ele, o Direito tem por função reduzir a economia à ética, entre as quais

ocupa uma posição intermediária. A impossibilidade de impor a ética à economia constitui o

o mundo natural e o mundo normativo e a apreensão do significado dessa diferença é da mais fundamental importância para a interpretação, para a hermenêutica do direito.” (BANDEIRA DE MELLO, 1975, p. 7)5 “A regra de Direito e a lei da natureza não diferem tanto pelos elementos que relacionam quanto pela maneira em que é feita a conexão. A lei da natureza estabelece que, se A é, B é (ou será). A regra de Direito diz: Se A é, B deve ser. A regra de Direito é uma norma (no sentido descritivo do termo). O significado da conexão estabelecida pela lei da natureza entre dois elementos é o ‘é’, ao passo que o significado da conexão estabelecida entre dois elementos pela regra de Direito é o ‘dever ser’. O princípio segundo o qual a ciência natural descreve seus objetos é o da causalidade; o princípio segundo o qual a ciência jurídica descreve seu objeto é o da normatividade.” (KELSEN, 2000, p. 64)6 “É o contato entre os princípios do justo e as situações histórico-sociais contingentes que, por meio de processos complexos e sutis, rigorosamente inexplicáveis, constitui a condição do aparecimento de certos ideais que dão lugar às “representações jurídicas”, que são a mola propulsora do progresso do Direito, visto como tendem a se traduzir em regras de Direito Positivo em geral e estatal em particular.” (REALE, 2003, p. 100-101).

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“drama” do Direito, porque a regra ética termina por se desnaturar. Acrescenta que “o direito

visa a garantir a política com aquela redução ou imposição. E assim, evidencia, finalmente,

que o direito é um instrumento necessário da política.”

Eros GRAU (2000, p. 25), citando Norberto BOBBIO (1977, pp. 211 e 64), aponta a

visão kelseniana sobre a função do direito, como sendo “a de permitir a realização de fins

sociais que não podem ser atingidos senão através dessa forma de controle social – o direito

não é um fim; é um meio; quais sejam esses fins, isso varia de sociedade para sociedade”.

Mas que tipo de ordem é possível e qual o grau de permanência pode ser exigível,

diante de tantas variáveis pouco controladas e pressões sociais que se avolumam, nos

diferentes campos onde o Direito é requerido em uma nação em desenvolvimento, com uma

economia emergente e problemas sociais graves e crônicos, e sensibilidade política

majoritária distanciada da visão do efetivo Estado Democrático e Social de Direito?

Certo que, embora nosso grau de institucionalização já possa ser considerado elevado,

parece que a cultura subjacente ainda é a do tipo “levar vantagem” combinada com “apagar

incêndios”, que, agregadas ao fenômeno do individualismo crescente, subvertem as

prioridades públicas em prol das conquistas políticas e patrimoniais de grupos e indivíduos. O

interesse público fica à deriva das realizações privadas, dos devaneios megalomaníacos e das

justificações vazias e ilusórias tipo “não fiz por que não me deixaram fazer”. Os ganhos nos

indicadores de desenvolvimento econômico e humano seguem a reboque da conjuntura

mundial favorável. Não poder nadar contra a corrente passa, de justificativa a tábua de

salvação.

1 NORMATIVIDADE CASUÍSTICO-SUBJETIVA : DISFUNÇÕES E DISTORÇÕES

DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

De resto, também o sistema jurídico interno termina por sucumbir à evolução do

contexto, da tecnologia em geral e da informação em particular, da carência de recursos e do

volume de demandas (que obriga a desburocratização, a padronização, a simplificação).

Resultado: modernização mal planejada, portanto, a custos muito mais elevados. Mas...

modernização. E ainda: aprendizagem e adaptação aos sistemas jurídicos internacionais

(TEUBNER, 2003, p. 24), sob pena de exclusão do cenário mundial.

Na ausência de prioridades – porque são tantas e urgentes -, a tarefa do Legislador se

obstaculiza, ainda, com os escândalos e catástrofes eventuais, que terminam por focar os

esforços congressuais e a mídia nos assuntos que, a curto prazo, dão mais pontos nos índices

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de audiência, relegando, ao último lugar, o trabalho de sistematização, atualização e

aprimoramento do ordenamento jurídico da máquina estatal, salvo quando um órgão ou

entidade, por alguma conexão ad hoc, passa a ser a “bola da vez”. Então, são adotadas

“medidas de impacto” como “demita todo mundo”, “divida a autarquia”, “faça uma emenda

possibilitando a demissão dos mandatários”, “atribua status de ministro”, “pára de pressionar,

por causa dos jogos pan-americanos”, “manda fechar os bingos”, “manda tirar os ambulantes

do caminho da comitiva estrangeira”, “tira o sofá da sala”... parece brincadeira.

Um trabalho de natureza permanente, de revisão do aparelho estatal, a partir da

constante avaliação da sintonia do ordenamento jurídico-administrativo com a realidade e as

necessidades fáticas do povo brasileiro parece ter se perdido em 1998, após a promulgação da

Emenda Constitucional nº 19 (Reforma Administrativa). Muito da legislação

infraconstitucional necessária à implantação dos seus postulados foi deixado de lado,

demorou muito para ser implantado ou o tem sido com o enfrentamento de barreiras e

percalços sem medida.

A rigidez do direito positivo em nosso sistema legal contribui para essas dificuldades,

mas esse é um dado com o qual temos que conviver, pois a cultura não permitiria mudanças

abruptas e radicais no sistema de validação de normas legais, como uma guinada para o

sistema do common law por exemplo.

Por outro lado, não precisaríamos ficar estagnados em relação às tarefas necessárias,

enquanto os incêndios são apagados, caso contrário, aquelas só virão à pauta quando, em

virtude da degeneração extrema, acabarão se tornando o problema urgente de hoje.

2 FACTUALISMO CONTRANORMATIVO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Em algumas situações, como as referidas no estudo de caso adiante apresentado, a

sucessão de diplomas normativos termina por se demonstrar uma verdadeira barafunda

jurídica, gerada por conveniências políticas ou da tecnocracia, interesses indecifráveis (ou

decifráveis mas não comprovados), casuísmos legais e outros fatores da estirpe.

Exemplos de tais disfunções são as fundações públicas criadas anteriormente à

Constituição Federal atual, apenas com o intuito de utilizar da autonomia concedida pelo

Decreto-lei nº 200, de 1967, para a contratação de pessoal pelo regime da Consolidação das

Leis do Trabalho (CLT) e desfrutar de outras benesses de discricionariedade que já não eram

permitidas às autarquias. A Carta de 1988 instituiu o “regime jurídico único” para os

servidores civis da administração direta, autárquica e fundacional das três esferas de governo.

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A Emenda nº 19, de 3 de junho de 1998, suprimiu a unicidade compulsória de regime e

delimitou os campos de atuação das fundações públicas, porém, a lei complementar

regulamentadora, ali prevista, passados nove anos, ainda não foi aprovada, nem implantado o

regime de emprego público, já aprovado em lei.

Outra tentativa de subverter a ordem jurídico-constitucional por vias transversas é a

adoção de “regime especial” para entidades autárquicas, sua chancela como “agências

executivas” ou a adoção de contratos - autorizados por leis, decretos e outros instrumentos

normativos ou convencionais - firmados pelo ente de direito público interno com suas

empresas e demais entidades da administração indireta, e com associações (organizações não

governamentais cadastradas, oficialmente, como organizações da sociedade civil de interesse

público), pretendendo atribuir graus de autonomia, alcance e acordos permissivos que

excedem à razoabilidade e abrangência das previsões constitucionais dos arts. 37, § 8º

(“contratos de gestão”), e 241 (consórcios públicos e convênios de cooperação).

Com o passar do tempo, estruturas normativas inconstitucionais ou carentes de

juridicidade (no sentido da validade formal), terminam por enrijecer o sistema, dificultando

mesmo uma “re-visão” do status quo, para sua correção ou aperfeiçoamento. A multiplicidade

de intervenções criativas do poder estatal, nutridas pelo casuísmo instrumental do interesse

político de curto prazo e ensejadas pela ausência de cultura de planejamento e de respeito às

bases institucionais do aparelho administrativo do Estado, acabam tornando o Leviatã ainda

mais complexo e descomunal. A perspectiva da tarefa hercúlea para recompô-lo e enquadrá-lo

à racionalidade do sistema constitucional, inclusive para observância da supremacia da norma

constitucional, termina por desanimar os mais bem intencionados. Se desprovidos de poder

para tanto, então, sentem-se impotentes, como o profeta, clamando, só, no deserto.

O caso que se estudará a seguir não é menos espinhoso que os anteriormente

mencionados. Pelo contrário, tem suas conformações polêmicas, em termos dos elementos de

validade do direito, fortemente arraigadas na cultura do legalismo e na visão mais tradicional

do direito positivo, admitindo como válidas as normas formalmente escritas e regularmente

aprovadas pelo sistema de produção de normas constitucionais e leis ordinárias (no âmbito do

Poder Legislativo) e de medidas provisórias e regulamentação infralegal (no âmbito do Poder

Executivo).

Mas parece que, em termos das conveniências do aparelho estatal, como no jogo do

bicho, “VALE O QUE ESTÁ ESCRITO”!

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E, assim perpetuam-se as idiossincrasias, pois a pretensão de lei sem a utilização de

força coercitiva eficaz ou de outros atrativos mais eficientes ao lazer do povo, no âmbito da

polícia dos costumes, termina por desnudar o decreto, demonstrando sua inconsistência entre

o que o Governo faz (“o que eu faço”) e o que o Governo pretende que o povo não faça (“faça

o que eu mando”), em descompasso com a realidade social.

Ora, loteria não é serviço público. Então, classificá-la como tal, torna desde logo

cômica a forma escolhida. Justificá-la como arrecadadora de recursos para fins sociais

corresponde a travestir o lobo em pele de cordeiro. Atribuir delitividade à exploração e à

prática de jogos de azar sem o carimbo de “oficial”, é afirmar que o Governo pode delinqüir,

mas, o povo, não. Estabelecer penas para coagir à abstenção do jogo de azar, mas incentivar a

prática por meio das loterias oficiais e da autorização de sorteios, é um contra-senso dos mais

primorosos. Em todos esses aspectos, o ordenamento jurídico nacional termina por minar a

sua força intrínseca, porque se dissocia da lógica própria do que é, essencialmente, jurídico.

3 O CASO PARTICULAR DA EXPLORAÇÃO DE LOTERIAS E AUTORIZAÇÃO

DE SORTEIOS

3.1 Competência legislativa da União

A competência para legislar sobre loterias e sorteios, no Brasil, é reservada à União,

por expressa disposição do inciso XX do art. 22 da Constituição Federal de 1998 (in litteris,

“sistemas de consórcios e sorteios”). A regulação da modalidade, por outro ente da federação,

foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Diretas de

Inconstitucionalidade nº 28477 e 29488:

7 05/08/2004 TRIBUNAL PLENO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.847-2 DISTRITO FEDERAL - RELATOR : MIN. CARLOS VELLOSO - REQUERENTE(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA - REQUERIDO(A/S) : GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL - REQUERIDO(A/S) : CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL - EMENTA: CONSTITUCIONAL. LOTERIAS. LEIS 1.176/96, 2.793/2001, 3.130/2003 e 232/92, DO DISTRITO FEDERAL. C.F., ARTIGO 22, I E XX. I. – A Legislação sobre loterias é da competência da União: C.F., art. 22, I e XX. II. – Inconstitucionalidade das Leis Distritais 1.176/96, 2.793/2001, 3.130/2003 e 232/92. III. – ADI julgada procedente. 8 03/03/2005 TRIBUNAL PLENO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.948-7 MATO GROSSO - RELATOR : MIN. EROS GRAU - REQUERENTE(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA - REQUERIDO(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO -REQUERIDO(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO - EMENTA: AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 2º DO ARTIGO 62 DA LEI N. 7.156/99 DO ESTADO DO MATO GROSSO. INSTALAÇÃO E OPERAÇÃO DE MÁQUINAS ELETRÔNICAS DO JOGO DE BINGO NAQUELE ESTADO-MEMBRO. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. 1. A Constituição do Brasil determina expressamente que compete à União legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios (art. 22, inciso XX). 2. A exploração de loterias constitui ilícito penal. Nos termos do disposto no art. 22, inciso I, da Constituição, lei que opera a migração dessa

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Importante atentar para o voto do Ministro Carlos Ayres Britto, no primeiro

julgamento, que destaca vários aspectos relevantes para a compreensão das questões jurídicas

envolvidas no assunto em tela:

(...) Ora, como na Constituição brasileira não há: 1º) norma que tenha por conteúdo a instituição em si de atividade lotérica ou sorteio; 2º) norma caracterizadora da exploração de sorteio enquanto espécie de serviço público; 3º) norma excludente dos sorteios como atividade passível de protagonização econômica privada —— como não existe nada disso, repito, a conclusão a que chego é mesmo esta: impossível a configuração de antinomia frontal entre as duas tipologias de comando: a infraconstitucional e a constitucional. É como falar: se alguma ofensa ao inciso I do art. 22 da Lei Maior do País é de se detectar na materialidade das leis distritais que se fizeram alvo da ADI sub judice, isto somente poderá ocorrer por comparação entre essas leis e a legislação federal que faz da prática de jogos de azar uma contravenção. Que já é uma forma indireta ou reflexa de agressão ao Texto Magno. Equivale a dizer: o desrespeito à Constituição dar-se-á por negação de vigência a diploma federal, é certo, mas diploma de índole simplesmente infraconstitucional.

8. Convém insistir nesta minha mais que tudo respeitosa divergência ao primeiro calço jurídico de que se valeu o insigne relator do feito para emitir o seu respeitável decisum, pois é fato que ele próprio, relator, funda o seu juízo de inconstitucionalidade no raciocínio de que instituir loteria é forma excepcional de derrogação de normas de Direito Penal (...). Mas de que normas de cunho penal? Seguramente as veiculadas pelo Decreto-Lei federal nº 204, de 27 de fevereiro de 1967, cujos arts. 50 e 519 fazem da prática de “jogos de azar” uma contravenção.

Daí a conclusão ora contrabatida: o Distrito Federal excepcionou regra tipificadora de conduta contravencional, cujo caráter penal somente comporta legiferação de matriz subjetiva congressual. Jamais distrital, sob pena de inconstitucionalidade por usurpação competencial da União. Que é vício formal insanável.

9. Suponho que tudo fica mais fácil de entendimento se o raciocínio partir da consideração de que, fora das hipóteses em que a própria Constituição criminaliza um dado comportamento, a simples outorga de competência à União para legislar sobre Direito penal opera como induvidosa cláusula aberta. Isto no sentido de que somente depois que a União faz o efetivo uso dessa aptidão normante é que se tem uma específica regra de Direito Penal. E enquanto essa regra não se positiva, a conduta humana resta amparada pela fórmula altissonante de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (inciso II do art. 5º do Código Supremo).

(...) 13. Nesse tipo de conjectura, o abalroamento da Constituição por uma lei simplesmente infraconstitucional se configuraria por dispensa de qualquer mediação normativa. Ocorreria por forma direta, e a Magna Carta do País, somente ela, é que permaneceria como parâmetro do controle de constitucionalidade do diploma jurídico de menor hierarquia. Sem que o vôo do raciocínio hermenêutico tivesse que fazer escala em outro campo de pouso que não fosse a Constituição Nacional. E sem que a própria Ordem Jurídicav experimentasse o estonteante vaivém que resultaria, ainda por hipótese, de uma revogação pura e simples da legislação federal que faz da prática dos jogos de azar uma contravenção. Pois a conseqüência de tal ab-rogação não seria outra senão a instantânea revalidação, a automática repristinação de todas as questionadas leis do Distrito Federal (com o quê todos os processos de controle de constitucionalidade que se sucedessem no tempo operariam do lado de dentro de leis da União, mas sempre do lado de fora da Constituição).

(...)15. Encerro esta primeira parte do meu voto, portanto, no claro sentido de proclamar um óbice formal instransponível e que me força a não conhecer, no ponto, da ação direta sub judice.

16. Passo, agora, a examinar a segunda causa de decidir, já verbalizada no retrospecto do feito. E já antecipo que ela me convence. Convence-me, sim, esta segunda base jurídica do voto que traz a

atividade do campo da ilicitude para o campo da licitude é de competência privativa da União. 3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.9 Há um equívoco na remissão legal. Os arts. 50 e 51, que criminalizam a exploração de jogo de azar e a extração de loteria sem autorização legal, são da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941). O Decreto-lei nº 204, de 1967, é o que descriminaliza a atividade de exploração de loterias pela União, em regime de exclusividade e qualificada como serviço público, não passível de concessão. Os referidos dispositivos são transcritos mais adiante.

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10

luminosa assinatura do eminente relator Carlos Mário Velloso, recebendo e em seguida julgando procedente a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade. Mas recebendo e julgando procedente a Ação Direta para declarar a invalidade de todas as leis distritais impugnadas em face da Constituição Federal de 1988, indistintamente, pela consideração de tratar-se de leis de conteúdo pro-indiviso; quer dizer, diplomas legais que se desdobram em dispositivos materialmente imbricados, de modo que a derrocada do primeiro deles acarreta a necessária queda dos demais, em processo de mortal efeito dominó (o que de pronto afasta a preliminar de inépcia da inicial, esgrimida nas informações que prestou o Poder Executivo Distrital).

E esses diplomas distritais são, confirmativamente, os seguintes: Lei nº 232, de 14.01.92; Lei nº 1.176, de 29.07.96; Lei nº 2.793, de 16.10.2001; e Lei nº 3.130, de 16.01.2003, todas elas tidas como expressão de uso transbordante da capacidade legislativa do Distrito Federal, porquanto veiculadoras de regramento que só à União foi outorgado: legislar sobre sorteios.

17. Com efeito, os dispositivos das quatro leis objeto da presente argüição de inconstitucionalidade ornam-se de compleição normativa quanto à matéria central e aos temas laterais que lhes animam os imbricados relatos. Mais que autorizar a instituição de várias modalidades de jogo de resultado aleatório (seis, ao todo), mediante paga por parte dos eventuais apostadores, elas normatizam os assuntos que lhes servem de substrato fático: nome e características de cada sorteio; mensagens sociais por ele necessariamente aportadas; possibilidade de concessão ou permissão à iniciativa privada, observado o devido processo licitatório; obrigação do envio de relatório trimestral à Câmara Legislativa do Distrito Federal; tipos de arregimentação de mão-de-obra a priorizar na operacionalização dos sorteios, etc., além de transferir para a Chefia do Poder Executivo Distrital a complementar regulação do que nelas se contém. Por via de inferência, cuida-se de atos legislativos que emitem comandosvi genéricos, impessoais e abstratos, com o quê assumem a compostura de leis em sentido material. E o fato é que assim dispor —— abstrata, impessoal e genericamente —— sobre jogos cujo resultado só depende da sorte, ora exclusiva ora preponderantemente, é aptidão que a Magna Carta de 1988 embutiu na competência privativa da União. Daí o nome “sorteio” —— que é substantivo masculino derivado do feminino “sorte” ——, a significar atividade ou acontecimento que depende da fortuna, do acaso, fado ou ação do destino - que se lê na parte final do inciso XX do art. 22 da Constituição de 1988, in verbis: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – (...) ...XX – sistemas de consórcios e sorteios.” (grifamos)

3.2 Competência executiva: evolução normativa infraconstitucional

3.2.1 Exploração oficial de loterias

A regulação do segmento de loterias, vigente no Brasil, é a realizada pelo Decreto-lei nº 204, de 27 de fevereiro de 196710, que estabeleceu, entre outras disposições, que:

Art. 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito Penal11, constitui serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente Decreto-lei.

Os concursos de prognósticos foram acrescentados, como modalidade da Loteria

Federal, pela Lei nº 6.717, de 12 de novembro de 1979:

Art. 1º A Caixa Econômica Federal fica autorizada a realizar, como modalidade da Loteria Federal regida pelo Decreto-lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967, concurso de prognósticos sobre o resultado de sorteios de números, promovido em datas prefixadas, com distribuição de prêmios mediante rateio.

(...) Art. 3º O concurso de prognósticos de que trata esta Lei será regulado em ato do Ministro de Estado da Fazenda, que disporá obrigatoriamente sobre a realização do concurso, a fixação dos prêmios, o valor unitário das apostas, bem como sobre o limite das despesas com o custeio e a manutenção do serviço. (grifos nossos)

3.2.2 A CEF como detentora da exclusividade de exploração das loterias federais

A atual Carta Magna recepcionou, a priori, com base no Princípio da Presunção de

10 Ver Anexo I.11 Ver Anexo II.

Page 11: Exploracao de Loterias e Autorização de Sorteios

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Constitucionalidade - e ausente declaração de inconstitucionalidade -, as disposições legais

que asseguraram, à CEF, a exclusividade da exploração das loterias federais, tendo por

fundamento objetivo o diploma legal de sua criação - Decreto-lei nº 759, de 12 de agosto de

1969, que “Autoriza o Poder Executivo a constituir a emprêsa pública Caixa Econômica

Federal e dá outras providências”12:

Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a constituir a Caixa Econômica Federal - CEF, instituição financeira sob a forma de emprêsa pública, dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e autonomia administrativa, vinculada ao Ministério da Fazenda.

(...) Art. 2º A CEF terá por finalidade:

a) explorar, com exclusividade, os serviços da Loteria Federal do Brasil e da Loteria Esportiva Federal nos têrmos da legislação pertinente;13

b) prestar serviços que se adaptem à sua estrutura de natureza financeira, delegados pelo Govêrno Federal ou por convênio com outras entidades ou emprêsas.

(...) Art. 6º Como instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional, a CEF estará sujeita às normas gerais, às decisões e a disciplina normativa estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional e à fiscalização do Banco Central do Brasil.

3.2.3 Autorização de Sorteios

Em consonância com essa competência, deduz-se que a atual Carta Magna

recepcionou novamente, sobre o opilar da Presunção de Constitucionalidade e na ausência de

declaração de inconstitucionalidade as seguintes disposições legais, relativas à questão

principal aqui estudada a Lei nº 5.768, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1971, que “Altera a

legislação sobre distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a

título de propaganda, estabelece normas de proteção à poupança popular, e dá outras

providência”14:

CAPÍTULO I

Da Distribuição Gratuita de Prêmios

Art. 1º A distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada, dependerá de prévia autorização do Ministério da Fazenda, nos termos desta lei e de seu regulamento.

-----------------------------------------------------------------------------------------

LEI Nº 7.291, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1984.

Dispõe sobre as atividades da eqüideocultura no País, e dá outras providências.

(...) CAPÍTULO VI - Dos "Sweepstakes" e outras Modalidades de Loterias

12 Ver Anexo III.13 Segundo a Associação Brasileira de Loterias Estaduais (ABLE), em nota publicada em 29/11/2006, sob o título “Capítulo das Loterias Estaduais do Relatório Final da CPI dos Bingos”, “Nos termos da legislação federal vigente, os Estados e o Distrito Federal somente podem explorar os produtos lotéricos que já exploravam quando da edição do Decreto-Lei nº 204, de 1967, ainda assim limitadas suas emissões às quantidades de bilhetes e séries em vigor naquela data.” Disponível em ; http://www.able.org.br/noti.php?ArtID=18. Extraído em : 20/3/2007.14 Ver Anexo IV.

Page 12: Exploracao de Loterias e Autorização de Sorteios

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Art. 14 - As entidades promotoras de corridas de cavalos com exploração de apostas poderão ser autorizadas pelo Ministério da Fazenda a extrair "sweepstakes" e outras modalidades de loteria, satisfeitas as exigências estipuladas pela Secretaria da Receita Federal, quanto aos Planos de Sorteios.

Parágrafo único. Os Regulamentos dos Planos de Sorteios de modalidades de jogos lotéricos, abrangendo corridas de cavalos não incluídas no movimento geral de apostas dos hipódromos, deverão dispor sobre o percentual devido à Comissão Coordenadora da Criação do Cavalo Nacional - CCCCN.

Essas competências do Ministério da Fazenda foram, em 1996, transferidas para o

Ministério da Justiça, como abaixo descrito:

No período de 12.08.96 a 29/06/2000, passou também para a competência do Ministério da Justiça, através de sua Inspetoria Regional, exercer as seguintes funções antes atribuídas ao Ministério da Fazenda, que as exercia através das Delegacias da Receita Federal: a) todas aquelas previstas na Lei nº 5768/71, que trata da distribuição gratuita de prêmios, para fins de propaganda, bem como das várias formas de captação antecipada de poupança popular, arroladas nos incisos II à V do art.7º da referida Lei 5768/71, excepcionando-se as operações de consórcio, fundos mútuos e outras formas associativas assemelhadas (inciso I, do art.7º da Lei nº 5768/71), que são da competência do Banco Central do Brasil, de acordo com o art.33 da Lei nº 8177/91; b) as previstas no art.14 da Lei nº 7291/84, que dispõe sobre atividades de eqüideocultura; e c) as previstas nos Decretos-Lei nºs 6259/44 e 204/67, que tratam sobre a exploração dos serviços de loterias (Portarias Interministeriais nºs 45/96, 106/96 e 186/96).15

Voltaram, depois, à esfera do Ministério da Fazenda:

(...) a partir de 30/06/2000, a competência atribuída ao Ministério da Justiça relativa a prêmios e sorteios VOLTOU A SER ATRIBUÍDA AO MINISTÉRIO DA FAZENDA, conforme art. 20 da Medida Provisória nº 2.049-20, de 29 de junho de 2000, mantido pelas seguintes (MP nºs 2.049-21, de 28/07/2000; 2.049-22, de 28/08/2000; 2.049-23, de 27/09/2000; 2.049-24, de 26/10/2000; 2.049-25, de 23/11/2000; 2.049-26, de 21/12/2000; 2.123-27, de 27/12/2000; 2.123-28, de 26/01/2001; 2.123-29, de 23/02/2001; 2.123-30, de 27/03/2001; 2.143-31, de 02/04/2001; 2.143-32, de 02/05/2001; 2.134-33, de 31/05/2001;2.143-34, de 28/06/2001; 2.134-35, de 27/07/2001; 2.143-36, de 24/08/2001 e 2.216-37, de 31/08/2001).16

-----------------------------------------------------------------------------------------

MEDIDA PROVISÓRIA No 2.049-20, DE 29 DE JUNHO DE 2000

Reeditada pela MPV nº 2.049-21, de 2000

Altera dispositivos da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências.

Art. 1o A Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998, passa a vigorar com as seguintes alterações:

(...) Art. 20. Ressalvadas as competências do Conselho Monetário Nacional, ficam transferidas para o Ministério da Fazenda as estabelecidas na Lei no 5.768, de 20 de dezembro de 1971, no art. 14 da

15 Disponível em : http://www.mp.sp.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/CAO_CONSUMIDOR/ENDERE%C3%87 OS%20%C3%9ATEIS/SDE.HTM. Acesso em : 10/5/2007.16 Idem. “NOTA: Anteriormente, as Portarias Interministeriais nºs 45, de 05/03/1996; 106, de 14/03/1996 e 186, de 12/06/1996, baixadas pelo Ministério da Fazenda e da Justiça, dispunham que: “... serão transferidas para o Ministério da Justiça as competências atribuídas ao Ministério da Fazenda pela Lei 5.768, de 20/12/1971, pelo art. 14 da Lei nº 7.291, de 19/12/1984, e pelos Decretos-Leis nºs. 6.259, de 10/02/1944, e 204 de 27/02/67, ressalvadas as do Conselho Monetário Nacional”. Estas portarias foram baixadas com fundamento no art. 18, inciso V, alínea “b” da Medida Provisória nº 1.302, de 09/02/1996 e MP’s 1.498-19, sendo convertidas na Lei nº 9.649, de 27/05/1998, que, em seu art. 18, determina: “Art.18 - São transferidas as competências: ..... V - para o Ministério da Justiça: .... b) atribuídas ao Ministério da Fazenda pela Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, pelo art. 14 da Lei nº 7.291, de 19 de dezembro de 1984, e nos Decretos-Leis nºs 6.259, de 10 de fevereiro de 1944, e 204, de 27 de fevereiro de 1967, nos termos e condições fixados em ato conjunto dos respectivos Ministros de Estado, ressalvadas as do Conselho Monetário Nacional;”

Page 13: Exploracao de Loterias e Autorização de Sorteios

13

Lei no 7.291, de 19 de dezembro de 1984, e nos Decretos-Leis nos 6.259, de 10 de fevereiro de 1944, e 204, de 27 de fevereiro de 1967, atribuídas ao Ministério da Justiça.

§ 1o No período de sessenta dias, contados a partir de 30 de junho de 2000, as autorizações de que tratam a Lei no 5.768, de 1971, e o art. 14 da Lei no 7.291, de 1984, serão concedidas a título precário.

§ 2o Os processos atualmente em andamento serão remetidos ao Ministério da Fazenda, para análise e decisão, com restituição integral dos prazos assinalados para os interessados.

Com base nesses dispositivos, o Ministro da Fazenda Interino, baixou portaria

delegando a competência para análise e decisão dos pedidos de autorização para realização

dos sorteios à Secretaria de Acompanhamento Econômico, constituindo Grupo de Trabalho

com a participação de empregados da Caixa Econômica Federal:

Ministério da Fazenda - Gabinete do Ministro

PORTARIA Nº 201, DE 5 DE JULHO DE 2000 (D.O.U., 06/07/2000)

O Ministro de Estado da Fazenda, Interino, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 87, inciso II da Constituição, e os arts. II e 12 do Decreto-lei n° 200, de 25 de fevereiro de 1967, e, considerando o disposto no art. 20 da Medida Provisória nº 2.049-20, de 29 de junho de 2000, resolve:

Art. 1° Fica atribuída à Secretaria de Acompanhamento Econômico, deste Ministério, a competência para analisar e decidir sobre as autorizações de que tratam a Lei n° 5.768 de 20 de dezembro de 1971, o art. 14, da Lei n° 7.291, de 19 de dezembro de 1984, e os Decretos-lei n° 6.259, de 10 de fevereiro de 1944, e 204, de 27 de fevereiro de 1967.

Art. 2° Fica instituído, no âmbito da Secretaria de Acompanhamento Econômico, Grupo de Trabalho, composto de servidores do Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda e Caixa Econômica Federal, de acordo com a relação a seguir, que se incumbirá da análise dos processos em andamento e dos que forem ou tenham sido protocolados a partir da publicação da Medida Provisória nº 2.049-20, de 29 de junho de 2000:

(...) Parágrafo único. Caberá ao Secretário de Acompanhamento Econômico decidir sobre as autorizações.

O Secretário de Acompanhamento Econômico, por seu turno, baixou, em seguida,

portaria disciplinando, especificamente, a realização de sorteios por instituições filantrópicas:

SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO

PORTARIA N.º 88, DE 28 DE SETEMBRO DE 2000

O SECRETÁRIO DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO, no uso das atribuições que lhe confere o art. 20 da Medida Provisória no 2.049-22, de 28 de agosto de 2000, combinado com o parágrafo único do art. 2º da Portaria MF no 201, de 5 de julho de 2000, resolve:

Art. 1º A realização de sorteio, por instituições que se dedicam a atividades filantrópicas, estará condicionada a emissão de autorização específica por parte do Ministério da Fazenda, na forma desta Portaria, e seus anexos.

(...) Art. 3º O pedido de autorização deverá ser dirigido ao Secretário de Acompanhamento Econômico, por meio de requerimento a ser protocolado na Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE/MF), no prazo mínimo de trinta e máximo de cento e oitenta dias, antes da data de realização do sorteio.

(...) Art. 4º O pedido de autorização correspondente à realização de sorteios deve ser formulado à SEAE/MF, por intermédio da Caixa Econômica Federal, contendo a indicação do nome da requerente, endereço completo e número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ/MF.

3.2.4. A CEF como autorizadora de sorteios

O texto legal atualmente vigente, em relação a essa retomada de competência ao

âmbito do Ministério da Fazenda, é o estabelecido pela medida provisória:

Page 14: Exploracao de Loterias e Autorização de Sorteios

14

MEDIDA PROVISÓRIA No 2.216-37, DE 31 DE AGOSTO DE 2001

Altera dispositivos da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências.

Art. 1o A Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998, passa a vigorar com as seguintes alterações:

(...) "Art. 18-B. Ressalvadas as competências do Conselho Monetário Nacional, ficam transferidas para o Ministério da Fazenda as estabelecidas na Lei no 5.768, de 20 de dezembro de 1971, no art. 14 da Lei no 7.291, de 19 de dezembro de 1984, e nos Decretos-Leis nos 6.259, de 10 de fevereiro de 194417, e 204, de 27 de fevereiro de 196718, atribuídas ao Ministério da Justiça.

§ 1o A operacionalização, a emissão das autorizações e a fiscalização das atividades de que trata a Lei no 5.768, de 1971, ficam a cargo da Caixa Econômica Federal, salvo nos casos previstos no § 2o

deste artigo.

§ 2o Os pedidos de autorização para a prática dos atos a que se refere a Lei mencionada no § 1o

deste artigo, em que a Caixa Econômica Federal ou qualquer outra instituição financeira seja parte interessada, serão analisados e decididos pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

§ 3o As autorizações serão concedidas a título precário e por evento promocional, que não poderá exceder o prazo de doze meses." (NR)

Pela redação dada ao art. 18-B, acrescentado à Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998,

evidencia-se que: (a) a operacionalização, a emissão das autorizações e a fiscalização das

atividades de que trata a Lei no 5.768, de 1971, ficam a cargo da Caixa Econômica Federal;

(b) dessa competência ficam ressalvados os casos em que a Caixa Econômica Federal ou

qualquer outra instituição financeira seja parte interessada, cuja análise e decisão continuará

sob a responsabilidade da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da

Fazenda.

3.3. A natureza jurídica da Caixa Econômica Federal

O registro histórico encontrado na página dessa empresa pública da administração indireta federal, na internet, nos dá uma visão de como se ocorreu sua evolução e crescimento, ampliando paulatinamente a imensa gama de serviços por ela prestados:

O dia 12 de janeiro de 1861 marcou o início da história da CAIXA e de seu compromisso com o povo brasileiro. Foi nesse dia que Dom Pedro II assinou o Decreto n° 2.723, dando origem à Caixa Econômica e Monte de Socorro. Criada com o propósito de incentivar a poupança e de conceder empréstimos sob penhor, a instituição veio combater outras que agiam no mercado, mas que não ofereciam garantias sérias aos depositantes ou que cobravam juros excessivos dos devedores.

A experiência acumulada desde então permitiu que em 1931 a CAIXA inaugurasse operações de empréstimo em consignação para pessoas físicas. E que, em 1934, por determinação do governo federal, assumisse a exclusividade dos empréstimos sob penhor, com a conseqüente extinção das casas de prego operadas por particulares.

(...) Em 1931, começou a operar a carteira hipotecária para a aquisição de bens imóveis. Cinqüenta e cinco anos mais tarde, incorporou o Banco Nacional de Habitação (BNH), assumindo definitivamente a condição de maior agente nacional de financiamento da casa própria e de importante financiadora do desenvolvimento urbano, especialmente do saneamento básico.

Também em 1986, a CAIXA incorporou o papel de agente operador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), antes gerido pelo BNH. Três anos depois, passou a centralizar todas as contas recolhedoras do FGTS existentes na rede bancária e a administrar a arrecadação desse fundo e o

17 Dispõe sôbre o serviço de loterias, e dá outras providências.18 Dispõe sôbre a exploração de loterias e dá outras providências.

Page 15: Exploracao de Loterias e Autorização de Sorteios

15

pagamento dos valores aos trabalhadores.

Desde sua criação, a CAIXA estabeleceu estreitas relações com a população, assistindo suas necessidades imediatas por meio de poupança, empréstimos, FGTS, PIS, seguro-desemprego, crédito educativo, financiamento habitacional e transferência de benefícios sociais. Também alimentou sonhos de riqueza e de uma vida melhor com as Loterias Federais, das quais detém o monopólio desde 1961.

Ao longo de sua história, a CAIXA cresceu e se desenvolveu, diversificando sua missão e ampliando sua área de atuação. Hoje, ela atende correntistas, trabalhadores, beneficiários de programas sociais e apostadores.19

A autorização para a atividade como instituição financeira é disciplinada, atualmente,

pelo Regulamento anexo à Resolução nº 3.040, de 28 de novembro de 2002, do Banco Central

do Brasil, que divulgou Decisão do Conselho Monetário Nacional, tomada na forma do art. 9º

da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Esta lei “Dispõe sobre a Política e as Instituições

Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras

providências”. Seus arts. 17 e 18 rezam o seguinte:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

(...) Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.

§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, (...), das caixas econômicas e (...), também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, (...), as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e (...). (grifos nossos)

Estão sujeitos a apreciação, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), os pedidos de

autorização, das seguintes espécies de instituições financeiras: bancos (múltiplos, comerciais,

de investimento, de desenvolvimento); caixas econômicas; sociedades de crédito,

financiamento e investimento; sociedades de crédito imobiliário; companhias hipotecárias;

agências de fomento; sociedades de arrendamento mercantil; sociedades corretoras ou

distribuidoras de títulos e valores mobiliários; e sociedades corretoras de câmbio; associações

de poupança e empréstimo; cooperativas de crédito; sociedades de capitalização; sociedades

de crédito ao microempreendedor; bolsas de valores ou mercadorias e futuros; representações

de instituições financeiras estrangeiras; e agentes autônomos de investimento.”

Integram o sistema financeiro nacional os seguintes órgãos, entidades e instituições,

públicas e privadas20:

19 Disponível em : http://www.caixa.gov.br/acaixa/historia_missao.asp. Extraído em : 20/3/2007.20 Disponível em : http://www.bcb.gov.br/?SFNCOMP. Extraído em : 29/4/2008.

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Órgãos normativos Entidades supervisoras Operadores

Conselho Monetário Nacional - CMN

Banco Central do Brasil -BACeEN

Instituições financeiras captadoras de depósitos à vista

Demais instituições financeiras

Outros intermediários financeiros e administradores de recursos de terceiros

Bancos de Câmbio

Comissão de Valores Mobiliários - CVM

Bolsas de mercadorias e futuros

Bolsas de valores

Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP

Superintendência de Seguros Privados -SUSEP

IRB-Brasil RessegurosSociedades seguradoras

Sociedades de capitalização

Entidades abertas de previdência complementar

Conselho de Gestão da Previdência Complementar - CGPC

Secretaria de Previdência Complementar - SPC

Entidades fechadas de previdência complementar(fundos de pensão)

A CEF enquadra-se no grupo das instituições financeiras captadoras de depósitos à

vista, composto por: bancos múltiplos, bancos comerciais, Caixa Econômica Federal e

cooperativas de crédito.

Destaca o Banco Central que:

A Caixa Econômica Federal (...) está regulada pelo Decreto-Lei 759, de 12 de agosto de 1969, como empresa pública vinculada ao Ministério da Fazenda. Trata-se de instituição assemelhada aos bancos comerciais, podendo captar depósitos à vista, realizar operações ativas e efetuar prestação de serviços. Uma característica distintiva da Caixa é que ela prioriza a concessão de empréstimos e financiamentos a programas e projetos nas áreas de assistência social, saúde, educação, trabalho, transportes urbanos e esporte. Pode operar com crédito direto ao consumidor, financiando bens de consumo duráveis, emprestar sob garantia de penhor industrial e caução de títulos, bem como tem o monopólio do empréstimo sob penhor de bens pessoais e sob consignação e tem o monopólio da venda de bilhetes de loteria federal. Além de centralizar o recolhimento e posterior aplicação de todos os recursosoriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), integra o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e o Sistema Financeiro da Habitação (SFH). 21 (grifos nossos)

Os arts. 22 a 24 da lei acima referida estabelecem, em relação às Caixas Econômicas

integrantes da Administração Pública Indireta, o seguinte:

Art. 22. As instituições financeiras públicas são órgãos auxiliares da execução da política de crédito do Governo Federal.

§ 1º O Conselho Monetário Nacional regulará as atividades, capacidade e modalidade operacionais das instituições financeiras públicas federais, que deverão submeter à aprovação daquele órgão, com a prioridade por ele prescrita, seus programas de recursos e aplicações, de forma que se ajustem à política de crédito do Governo Federal.

(...) § 3º A atuação das instituições financeiras públicas será coordenada nos termos do art. 4º desta lei.22

(...) Art. 24. As instituições financeiras públicas não federais ficam sujeitas às disposições relativas às instituições financeiras privadas, assegurada a forma de constituição das existentes na data da publicação desta lei.

Parágrafo único. As Caixas Econômicas Estaduais equiparam-se, no que couber, às Caixas Econômicas Federais, para os efeitos da legislação em vigor, estando isentas do recolhimento a que se refere o art. 4º, inciso XIV, e à taxa de fiscalização, mencionada no art. 16, desta lei. (grifos nossos)

21 Disponível em : http://www.bcb.gov.br/pre/composicao/ifcdv.asp. Extraído em : 20/3/2007.22 “Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República: (...).”

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17

3.4 Constitucionalidade da atribuição de competência, à CEF, para exploração de

loterias e autorização de sorteios

3.4.1 Quanto à exploração de loterias

De início, salta aos olhos que uma atividade definida como ilícita – exploração de

jogos de azar e loterias - seja objeto de norma permissiva da atividade por parte da

administração pública, tendo por fundamento “derrogação excepcional da normas de direito

penal”.

Ora, ainda que não se identifique uma contrariedade ao texto constitucional, é de se

concluir pela falta de juridicidade e de coerência do ordenamento jurídico pátrio. Como pode

uma atividade ser tipificada como crime, se exercida por particular, e, simultaneamente, tida

por lícita, legítima, constitucional, se praticada pelo Poder Público.

Salvo melhor juízo, estamos, há muitos anos, diante de uma grave ofensa ao Princípio

da Igualdade, em relação à iniciativa privada. Tal tratamento discricionário, a nosso ver, só

poderia ser realizado por norma de estatura constitucional. A própria República tem, por um

dos seus fundamentos, a livre iniciativa (CF art. 1º, IV, “b”, segunda parte).

O argumento de que a lei pode regular o exercício de atividade empresarial ou

profissional não se sustenta diante da falta de reserva constitucional de exclusividade ou

monopólio das loterias. Deste ponto de vista, o Princípio da Legalidade (art. 5º, II) deve ceder

ao Princípio da Supremacia da Constituição.

Também não colabora para a pacífica compreensão da existência de

constitucionalidade, no atual sistema que regra a exploração de loterias, a alegação de que se

trataria, a atividade, de “serviço público” (talvez, o de arrecadação e destinação de recursos

para fins sociais: apoio à educação, aos esportes, à cultura etc – isso, porém, pode ser feito por

meio de impostos incidentes sobre a atividade privada, a cobrança de tarifas pela exploração

dos serviços ou outros instrumentos do sistema tributário nacional).

Ainda que o fosse, não há explicitação na Lei Maior reservando a competência, para

sua prestação, apenas à União, mas apenas a “competência legislativa” desta, em relação a

loterias e sorteios.

Por outro lado, ainda que se superassem essas objeções, assombra que a exploração de

loterias seja feita por uma empresa pública – a Caixa Econômica Federal. Apesar de haver

autorização legal explícita – presumidamente constitucional, até decisão judicial em contrário

–, avulta observar que o o Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) da Constituição

Page 18: Exploracao de Loterias e Autorização de Sorteios

18

Federal é claro em relação aos seguintes postulados: (a) a ordem econômica funda-se na livre

iniciativa (art. 170, caput); a exploração de atividade econômica diretamente pelo Estado (e

por suas empresas) só será permitida nos casos ressalvados pela Constituição (que não é o

caso) e quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse

coletivo, conforme definidos em lei (de fato, o art. 1º do Decreto-lei nº 204, de 1967,

estabelece a qualificação formal de “serviço público exclusivo da União” para o serviço de

loterias).

Note-se que, o art. 22, XX, da Constituição atribui competência legislativa privativa à

União, como já foi visto, porém, o art. 21, que trata das competências executivas da União,

não faz, nos incisos indicativos dos serviços públicos (X , XI, XII, XV, XXII, XXIII e

XXIV), qualquer alusão a “loterias e sorteios”.

Em relação à delimitação da atividade econômica do Estado, como referência geral de

análise, deve-se, no art. 173 da Constituição, que: (a) falta o estabelecimento da lei prevista no

§ 1º, que prevê o estatuto jurídico da empresa pública e de suas subsidiárias, que deve dispor,

entre outros aspectos, sobre a função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela

sociedade, assim como regulamentar as relações as relações entre aquela e estes; (b) é

importante parametrizar ou, ao menos, estabelecer diretrizes, na lei, em relação ao disposto no

§ 4º, com vistas à repressão do abuso do poder econômico por parte da estatal.

3.4.2 Quanto à autorização de sorteios

Em relação à autorização de sorteios, além dos comentários acima, não se pode

desconhecer que o só-fato de a CEF realizar a extração de loterias, ainda que a atividade de

sorteios guarde afinidade e semelhanças, não significa que será utilizada a mesma experiência

operacional. Isso se comprova, de imediato, pelo fato de que apenas há seis anos a atribuição

foi determinada à estatal, tendo por décadas vagueado entre o Ministério da Fazenda e o

Ministério da Justiça, mas sempre no âmbito da administração direta.

Ocorre também que se trata de atividade precípua de poder de polícia: verificação do

atendimento de requisitos legais, credenciamento, autorização e fiscalização da regularidade

dos sorteios. Isto, como é cediço e da natureza própria da organização do aparelho estatal, é

atividade própria da administração direta ou autárquica e não se caracteriza como exploração

direta de atividade econômica, esta, sim, própria de empresa pública ou sociedade de

economia mista.

Page 19: Exploracao de Loterias e Autorização de Sorteios

19

Nesse sentido, o art. 174 da Constituição também nos dá um referencial útil, ao

estabelecer que o Estado, ao atuar “Como agente normativo e regulador da atividade

econômica”, “exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,

sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.” O serviço de

autorização de sorteios insere-se nas funções de fiscalização da atividade econômica.

Parece incongruente e, do ponto de vista da racionalidade administrativa, criação de

estrutura dúplice para realização de tarefas idênticas, que a CEF atue no controle e

autorização de sorteios em geral, ficando impedida de fazê-lo em relação aos processos em

que ela ou outra instituição seja interessada. Ora, muito mais lógico que a Secretaria de

Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda fique encarregada de todos os

processos. Na verdade, o fato de um interessado em autorização de sorteio não ser instituição

financeira, não significa que a CEF, como pessoa jurídica de direito privado, estar isenta de

interesses no mundo corporativo, em virtude da existência de grupos empresariais de natureza

comercial que contam com bancos e financeiras em seus conglomerados empresariais.

CONCLUSÃO

Não se vislumbra, em princípio, vício ou inconstitucionalidade formal na atribuição, a

instituição financeira da administração indireta federal (empresa pública), de competências

para exploração de loterias e autorização de sorteios, estabelecida no âmbito da competência

legislativa da União, tendo a lei reservado o seu exercício, inicialmente, a órgãos da

administração direta e, depois, a entidade da administração indireta federal.

A constitucionalidade material dos diplomas infraconstitucionais e normas

administrativas que atribuem competências executivas à CEF, no campo da exploração de

loterias e da autorização de sorteios, pode, no entanto, ser apreciada: (a) diante da omissão do

texto constitucional em relação à atividade, afetando a recepção de normas pré-constitucionais

e ensejando interpretação quanto à lógica de organização do Estado definida conforme a

Constituição vigente; (b) diante dos dispositivos constitucionais que definem competências ou

finalidades para as empresas públicas, como instrumentos de exploração direta da atividade

econômica pelo Estado; (c) diante de normas legais que indevidamente permitem ao Poder

Público a exploração de atividade tida como ilícita para o particular, e que a conceituam,

simultânea e paradoxalmente, como serviço público; (d) diante da restrição da atividade

privada na exploração de loterias, caso redefinida como lícita e desqualificada como serviço

público da União.

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20

Neste último aspecto, pode-se vislumbrar possível oposição ao princípio da livre

iniciativa e obstaculização da iniciativa privada. As normas de controle, com vistas a prevenir

o cometimento de delitos contra a economia popular, devem ser objeto de execução por

órgãos da administração direta ou autarquias, com poder de polícia, desfigurando a empresa

estatal a assunção de tais responsabilidades.

A. Conclusões sobre a competência da CEF para exploração de loterias

A CEF é instituição criada por lei federal, que lhe atribuiu competências para a

prestação de serviços bancários, sob a supervisão do Banco Central do Brasil e atendendo as

normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional, além da legislação aplicável às

instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

O mesmo diploma legal concedeu à CEF, diretamente, a exclusividade para

exploração das loterias federais23, em todo o território nacional, entre outros serviços, como

monopólio de penhores civis e também aqueles que “se adaptem a sua estrutura de natureza

financeira, delegados pelo Governo Federal ou por convênio (...)”.

A legislação que disciplina as loterias define - a nosso ver, paradoxalmente - a

exploração de loterias como “serviço público” e, simultaneamente, como “derrogação

excepcional de normas de direito penal”.

No exercício de sua competência legal, a CEF pode delegar a comercialização, por

terceiros, de bilhetes lotéricos e formas assemelhadas, que permitam a participação nos

concursos que promove, e a contratação de serviços ou aquisição de bens destinados à

instrumentalização e operação da atividade principal24.

O credenciamento de revendedores (art. 21 do DL nº 204, de 1967) deve obedecer ao

disposto no art. 175, caput25, da Constituição Federal, mas a realização dos sorteios deve ser

realizada diretamente pela CEF, não podendo ser delegada, consoante o disposto no art. 13 do

Decreto-lei acima referido.

O regime de permissão aplicável obedece ao disposto na Lei nº 8.987, de 13 de

fevereiro de 1995, com especial atenção para o disposto nos arts. 1º e 14, que exigem a

aplicação da legislação própria para licitação e contratos da administração pública.

23 O direito de os Estados explorarem loterias ficou adstrito à posição que detinham quando da vigência do Decreto-lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967.24 Ver importantes desdobramentos disto no Anexo I.25 “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

Page 21: Exploracao de Loterias e Autorização de Sorteios

21

A CEF está obrigada, para tanto, à observância da Lei nº 8.666, de 21 de junho de

1993, por força do disposto em seus arts. 1º, parágrafo único, e 6º, XI, por ser empresa

pública e integrante da administração indireta da União.

O art. 119 do estatuto das licitações atribui competência à CEF, como empresa

pública, para editar regulamento próprio, desde que devidamente aprovado pela autoridade

superior a que se vincula (Ministro de Estado da Fazenda) e publicado na imprensa oficial,

sujeito, porém, às disposições da referida lei.

B. Conclusões sobre a competência da CEF na autorização de sorteios

O diploma legal que criou a CEF concedeu-lhe competência para “prestar serviços que

se adaptem à sua estrutura de natureza financeira, delegados pelo Governo Federal ou por

convênio com outras entidades ou empresas”.

A legislação que disciplina os sorteios estabelece a obrigatoriedade de prévia

autorização do “Ministério da Fazenda”, para a realização de operações do tipo: “distribuição

gratuita de prêmios a título de propaganda quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde,

concurso”, ou assemelhadas.

Idêntica autorização é requerida, também, quando se pretenda que o sorteio, na

distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda, seja excluído da obrigatoriedade de

processamento com base nos resultados da extração da Loteria Federal, nas condições que a

lei especifica.

Idem, ainda, para a realização de propaganda comercial, com distribuição gratuita de

prêmios vinculada a sorteio, quando a promoção for realizada diretamente por pessoa jurídica

de direito público, nos limites de sua jurisdição, como meio auxiliar de fiscalização ou

arrecadação de tributos de sua competência.

Essas três últimas competências (alíneas “c”, “d” e “e”) foram delegadas, por portaria

do Ministro da Fazenda, à sua Secretaria de Acompanhamento Econômico.

Com fundamento na Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001, as

competências encontram-se transferidas para a Caixa Econômica Federal, exceto nos casos

em que seja ela a interessada ou outra instituição financeira, casos em que as competências

serão exercidas pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Portanto, no exercício de competência legalmente atribuída, e exclusivamente nesse

plano, não há reparos a fazer, em termos formais, quanto ao exercício, pela Caixa Econômica,

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da outorga de autorização, a terceiros, que não instituições financeiras, para a realização de

sorteios, nos termos da Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971.

A possível exceção repousa na lógica de organização do aparelho do Estado, ainda não

suficientemente atendida, em nível de regulamentação infraconstitucional.

COMENTÁRIOS E APLICAÇÕES DE FUNDAMENTOS DE TEORIA DO DIREITO

iIntegração da norma jurídica. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro determina em seu art. 4º que,

em sendo a lei omissa, deve o juiz recorrer: (a) à analogia - forma particular de promoção da isonomia (FERRAZ JR., 1999, p. 301), consistindo no emprego extensivo de disposições normativas existentes sobre outras situações em tese, que podem ser consideradas equivalentes ou assemelhadas à uma dada situação sub judice, inclusive com a especialidade do Direito Comparado, quando aplicável; (b) aos costumes - práticas usuais reiteradas da população, aceitas como formas lícitas e regulares de agir; (c) aos princípios gerais do direito - consagrados pela doutrina e pela jurisprudência no âmbito do direito interno ou externo. Adicionalmente, determina também que, “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e à exigências do bem comum” (art. 5º).A integração é, portanto, o processo de completamento de lacunas no ordenamento jurídico, a busca do sentido que o sistema normativo vigente pretende para uma determinada situação, para a qual não existe norma jurídica explícita. Utiliza “elementos que a própria legislação oferece ou princípios jurídicos, mediante lógica e juízos de valor. A doutrina distingue a auto-integração - que se opera pelo aproveitamento de elementos do próprio ordenamento -, da hetero-integração - que se faz com a aplicação de normas que não participam da legislação, como é a hipótese, por exemplo, do recurso às regras estrangeiras.” (NADER, p. 185, 2000)Chaïm PERELMAN (2000, p. 66), distingue três espécies de lacunas: (a) lacuna intra legem - resultante de uma omissão do legislador; (b) praeter legem – “criadas pelos intérpretes que, por uma ou outra razão, pretendem que certa área deveria ser regida por uma disposição normativa, quando não é expressamente que afirmam a existência de uma lacuna axiológica”; (c) contra legem – casos em que os “intérpretes, desejando evitar a aplicação da lei, em dada espécie, restringem-lhe o alcance introduzindo um princípio geral que limita, e criam assim uma lacuna, que vai de encontro às disposições expressas da lei”. Nota-se, em PERELMAN, uma crítica clara à falta de isenção na interpretação, incorporando a “impureza” (interesses políticos, econômicos, de grupos sociais etc) às outrora teorias “puras” do direito.A rapidez com que as transformações ocorrem, a evolução da sociedade em sentido cultural e tecnológico, enfim, o progresso que avança velozmente, trazem tanto benefícios como problemas para vida em sociedade, que precisam de soluções jurídicas antes não previstas pelo Legislador. Com o instrumento da integração, configurando-se a exigência de novas hipóteses normativas, os juízes podem estar progressivamente emancipando-se da tutela do Legislador.Com relação aos costumes, a sensibilidade do magistrado, o acúmulo das práticas dos juízes e o conhecimento do contexto cultural das partes em lide são fundamentais para particularizar a aplicação da lei, estabelecida em sua característica de abstração e generalidade. Isto é especialmente verificável, por exemplo, na aplicação de sanções penais alternativas e na conciliação de pequenas causas cíveis e criminais.No que toca aos princípios gerais de direito, falam mais alto a doutrina e a jurisprudência, devendo ser examinados os princípios historicamente consagrados no direito pátrio e mesmo internacional, sua consonância com os valores e crenças do povo (ou aspirações, no dizer de REALE, já citado) e sua conformidade com a melhor interpretação da Constituição.Grande parte dos autores é unânime em admitir que, diante de um caso para o qual não existe norma, os juízes devem lançar mão do “espírito do Direito”, dos juízos de valores (NADER, 2000, p. 189) e das técnicas consagradas e protegidas em outros textos. A grande celeuma em torno deste tema é saber quais as técnicas a serem utilizadas pelo juiz para que ele não recaia na arbitrariedade, ou seja, qual a melhor maneira de limitar seu poder e de garantir a imparcialidade ao preencher as lacunas da lei.

iiValidade e eficácia da norma jurídica. BOBBIO (2003) propõe que se deve submeter a norma jurídica a três

valorações distintas e independentes, quais sejam: (a) justiça – de natureza filosófica, diz do grau de correspondência da norma aos valores fundamentais do ordenamento jurídico; o “problema deontológico do direito”, que se resolve por meio de um juízo de valor; (b) validade – de natureza jurídica, refere-se à existência da regra enquanto parte do sistema jurídico (oficial), traduzindo o problema deontológico do direito (o que se entende por direito), cuja verificação se resolve por um juízo de fato, que averigua (1) a legitimidade da

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autoridade que a emanou quanto ao seu poder para emitir a norma; 2) se a norma não foi ab-rogada; 3) sua compatibilidade com outras normas do sistema. e (c) eficácia - de natureza histórico-sociológico, entendida como eficácia social - em termos de seu acatamento, ou não, independente de sanção -, ou jurídica - por respeito ao ordenamento ou por receio da sanção Superada a conceituação de cada valoração, BOBBIO passa a mostrar as várias relações de independência, a partir de seis proposições: (1) Norma justa não válida – como o caso de princípios do direito natural não incorporados a manuais de direito positivo; (2) Norma válida não justa - como o sistema jurídico que admite oficialmente a escravidão; (3) Norma válida não eficaz – como o caso da “lei seca”, nos EUA, ou o “jogo do bicho”, no Brasil; (4) Norma eficaz não válida – como as regras da boa educação que não pertençam ao sistemajurídico, ou seja, não adquirem validade jurídicaii; (5) Norma justa não eficaz – o típico caso do “faça o que eu mando, não faça o que eu faço”; (6) Norma eficaz não justa – “O fato de uma norma ser universalmente seguida não demonstra justiça, assim como também, o fato de não ser absolutamente obedecida não pode ser considerado prova de sua injustiça”, do que, novamente, é exemplo escravidão, por exemplo, do lado da aceitação social por povos “civilizados” em certo período histórico. Segundo BOBBIO, “A justiça é independente da validade, mas também independente da eficácia”.Nesta perspectiva, BOBBIO critica três teorias reducionistas: a que reduz a validade à justiça (= uma norma só é válida se é justa, “como o caso da doutrina do direito natural”); a que reduz a justiça à validade (“a concepção positivista no sentido mais restrito e limitado do termo”); a que reduz a validade à eficácia, (“o direito real não é aquele que os homens efetivamente aplicam nas suas relações cotidianas”, exemplificada pelas “correntes realistas da jurisprudência americana e pelas suas antecipações no continente”).Eficácia da norma constitucional. No que toca ao aspecto específico da eficácia de normas constitucionais, sempre importante lembrar a famosa a discussão sobre a fonte da eficácia da Constituição, que chamou a atenção para duas conclusões distintas, porém, igualmente bem arrazoadas: (a) eficácia heterorreferenciada, como entendida por Ferdinand LASSALE: a força normativa da Constituição – como documento jurídico - decorre da vontade dos detentores dos fatores reais de poder – a Constituição real (LASSALLE, 1862, cit. por HESSE, 1991, p. 9); (b) eficácia intrínseca, como desenvolvida por Konrad Hesse: a Constituição assume, perante o povo que a adotou, uma força normativa própria, inerente, “que influi e determina a realidade política e social” (HESSE, 1991, p. 24).iii

Norma jurídica e sua formação. GRAU (2000, p. 178) conceitua norma jurídica como o “preceito, abstrato, genérico e inovador – tendente a regular o comportamento social de sujeitos associados – que se integra no ordenamento jurídico”. Miguel REALE (2003, p. 100), ao explicar o processo de positivação do direito, lembra que este é sempre uma concretização do ideal que tem o homem de completar-se, de elevar-se tanto em sentido material, como espiritual. E, por ocasião das situações novas que se constituem, o processo de renovação do sistema jurídico positivo não consegue atingir a perfeição, para adaptar-se às novas circunstâncias. À luz desse pensamento, o autor afirma que, de acordo com princípio do justo e do injusto é que o homem se coloca diante do fato social que surge, julgando-o e firmando uma norma que pode ser de adesão ou repulsa.Agregando-se o ideal que tem o homem de completar-se e elevar-se, ao que julga justo ou injusto, é que se pode chegar às já mencionadas representações jurídicas, as quais vão impulsionar o progresso do Direito, tendendo a traduzir-se em regras de “Direito Positivo em geral e estatal em particular”. É inerente à essas representações uma “força de expansão, (que) tende a se impor à massa dos espíritos, atuando como poderosa idéia-força na medida de sua correspondência com as aspirações coletivas (e) tende a se tornar norma jurídica positiva, dentro de um círculo social particular primeiro, para depois se estender aos círculos periféricos, ou ainda diretamente no círculo mais largo representado pela integração nacional: tende, pois, a valer universalmente como Direito estatal”.Um importante corolário dessa compreensão é anotado por Carlos Ari SUNDFELD (2000, p. 158), na perspectiva do princípio da submissão do Estado ao Direito. Assim, todo ato ou comportamento do Poder Público, para ser válido e obrigar os indivíduos, deve ter fundamento em norma jurídica superior. Ao Estado é proibido agir contra a ordem jurídica; todo poder por ele exercido tem sua fonte e fundamento em uma norma jurídica.É importante ressaltar a consideração que PERELMAN (2000, pp. 226-227) faz a respeito dos efeitos produzidos pelos conceitos ou conteúdos normativos, ao variarem de sociedade para sociedade e de uma época para outra época. Ele alerta para o fato de que a variação dos conceitos “normativos”, em maior medida que em relação os conceitos “descritivos”, que não evoluem tão rapidamente, pode causar grandes problemas para os juízes, uma vez que os critérios de aplicação desses conceitos não devem ser dissociados do contexto social. Como exemplo, o autor menciona a aplicação do conceito de “bons costumes”, pela dificuldade encontrada para definir o queseria ofensivo aos bons costumes, de acordo com determinada sociedade e em qual época isso ocorra.

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Características da norma jurídica. Paulo NADER (2000, p. 84), ao tecer considerações sobre as características das normas jurídicas, cita Miguel REALE, quando diz que a caracterização efetiva de uma norma jurídica se dá com base no fato de ser uma “estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória”. Nesse sentido, há uma opinião predominante, nos manuais de direito, de que as características da norma jurídica são a bilateralidade - o sujeito ativo, portador do direito subjetivo, e o passivo do dever jurídico (NADER, 2000, p.85) - , a generalidadeiii - em relação ao destinatário: geral/individual (FERRAZ JR., 1994, pp. 122-123) e a abstratividade – em relação ao conteúdo: abstrato/concreto (idem, ibidem), a imperatividade - caráter normativo (REALE, 1999, pp. 129-130) - e a coercibilidade - possibilidade de uso da coação para exigir o cumprimento da norma (NADER, 2000, p. 86). No Estado Democrático de Direito, na visão de HESSE, ampliada e muito bem detalhada por Sundfeld (2000, pp. 37 a 58), o processo de amadurecimento do Estado leva à construção de uma consciência coletiva dos cidadãos no sentido de submeter, a si e ao Estado, à ordem jurídica constitucional e legal, a que podemos chamar de “autocoerção”. De todo modo, a eficácia da norma existirá sempre que haja uma determinada força, seja ela física, moral, política ou jurídica que lhe dê respaldo, aceitação e credibilidade perante os cidadãos que vivam sob um determinado ordenamento jurídico.Distinção entre princípios e regras. Entre as normas, há que se fazer uma distinção importante, entre os princípios - enunciados de caráter mais genérico e orientativo, que configuram diretrizes aplicáveis a situações variadas -, e as regras - descrições específicas de condutas esperadas daqueles que se subordinam a uma determinada ordem jurídica.Quando jurídicos, é de se esperar que, sob o “civil law”, em face do Princípio da Legalidade, as regras estejam escritas. Com relação aos princípios, no entanto, não necessariamente. Thomas de Rosa Bustamante (2002, pp. 155 e 161), ao tratar da distinção entre princípios e regras e sua importância para a dogmática jurídica, cita os estudos de Ronald Dworkin (critério lógico: normas destinam-se a soluções específicas e sua validade vem por sua efetividade; princípios ponderam-se, para aplicação conforme cada situação), Robert Alexy (critério funcional: normas podem ou não ser cumpridas, em sentido absoluto; princípios são “mandados de otimização”, que se cumprem de forma graduada, como resultante do dependendo das condições jurídicas - “conflito” com outros princípios e normas - e fáticas) e Humberto Ávila (critério teleológico-sistemático: normas “estabelecem indiretamente fins, para cuja concretização estabelecem com maior exatidão qual o comportamento devido, (com) maior grau de determinação da ordem e maior especificação dos destinatários”; princípios são normas que estabelecem diretamente “fins”, dependendo para sua concretização de outras normas e de “atos institucionalmente legitimados de interpretação”).

ivPositivação do Direito. O fenômeno da positivação do Direito pode se dar, regularmente, por duas vertentes:

a construção derivada da experiência prática da vivência humana (o Direito Consuetudinário) ou aquela decorrente da atividade intelectual do Legislador, dando caráter formal, objetivo e institucional às regras que devem reger a sociedade, no contexto atual do Estado Democrático e Social de Direito.Existem outras formas de estabelecimento de regras para um grupo social, como a ditadura militar, a monarquia absolutista, o poder carismático, a supremacia parental etc, não fundadas, necessariamente, na “tradição” ou no “império da lei” (estas englobando, naturalmente, as experiências da “equity”, do “common law” e do “civil law”, e seus desdobramentos institucionais, inclusive a Jurisprudência e, ressalvadas as posições em contrário. Como decorrência da natureza formal e institucionalizada do Estado Moderno, o Direito Positivo pode ser definido como “(..) denominação genérica, dada em oposição à de Direito Natural, no seu sentido de dever de consciência, para distinguir o conjunto de regras jurídicas em vigor, que se impõem às pessoas e às instituições, sob a coação ou sanção da força pública, em qualquer dos aspectos em que se manifeste”. (DE PLÁCIDO E SILVA, 2001, p. 276.)Para KELSEN (2000, pp. 166 e 559), o Direito é sempre Direito positivo e a positividade repousa no fato de ter sido criado e anulado por atos de seres humanos, independente da moralidade e de sistemas similares de normas. Também, o Direito positivo é essencialmente uma ordem de coerção e, “ao contrário das regras do Direito natural, as suas regras derivam da vontade arbitrária de uma autoridade humana”. Curioso que, para explicar o Direito, tem ele que forçosamente lançar mão do que considera “não-Direito”, referindo-se a “Direito natural”.Quando essa vontade arbitrária da autoridade (o Poder Legislativo, por exemplo) resulta em ato decisório, a positivação passa a ser termo correlato à própria decisão e, o direito, a ser considerado juridicamente válido e pronto a produzir efeitos, regulando as relações disciplinadas no ato. Mas a validade jurídica do direito positivo pode advir de outros conceitos do que seja “Direito” e que (ainda) não foram expressamente formalizados pelo Estado, vinculando-se a princípios, crenças e valores: “(...) positivação passa a ser um fenômeno em que todas as valorações, regras e expectativas de comportamento na sociedade têm de ser filtradas através de processos

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decisórios antes de adquirir validade jurídica. Em outras palavras, direito positivo é não só aquele que é posto por decisão, mas, além disso, aquele cujas premissas da decisão que o põem também são postas por decisão.” (FERRAZ JR., 1994, p. 75)Miguel REALE (2003, p. 97 e 100-101) enfatiza que não se pode apenas reduzir o Direito Natural às categorias do Direito Positivo. Antes, deve-se entender que este é revestido pelas matrizes daquele, porém, não se deve esquecer que o Direito Natural evolui, na medida em que outras aspirações dos povos ganham validade universal, no decorrer da história da humanidade. Nesse passo, o reconhecido Doutrinador ensina “As concepções monistas ou sacrificam o Direito reduzindo-o aos quadros do Direito Positivo, ou incidem no erro de admitir a possibilidade de se converter o Direito Natural em Direito Positivo, como se naquele nada houvesse de imutável e este estivesse sujeito a mil contingências históricas”.Eros GRAU (2000, pp. 42-45 e 55) vê o direito positivo como aquele posto pelo Estado, o qual resultará da constatação, pelo Legislador, da norma jurídica pressuposta pela sociedade. Mas, disso decorre a norma legal, embora legalmente vigente, possa não mais corresponder à vontade ou à práxis do povo (Neste sentido, DUGUIT, citado por GRAU (2000, p. 49): “(...) uma regra de direito repousa sempre sobre um desejo social e sobre o sentimento de equidade que exista em um momento dado na consciência dos homens. Uma regra que não é conforme à eqüidade não é jamais uma regra de direito. Uma regra legal pode não ser conforme à eqüidade: mais ainda, ela não é uma regra de direito.”)... e também decorre a possibilidade de que uma norma pressuposta não conste do arcabouço legal dito “positivado”: “Markovic (1995/139-141) defende a existência de uma dualidade no direito positivo, no sentido de serem duas as suas fontes fundamentais: a sociedade e o Estado, ou seja, as normas sociológicas e as normas estatais (étatistes). Estas duas categorias funcionam simultaneamente na ordem positiva, completando-se, entrelaçando-se e mutuamente influenciando-se, aquelas expressando a justiça material existente na sociedade, estas refletindo as posições ideológicas que o Estado introduz na ordem jurídica positiva no exercício de seu imperium. A norma sociológica, enquanto imperativo jurídico, constitui a infra-estrutura, ao passo que a norma estatal, enquanto imperativo ideológico do Estado, representa a superestrutura.”Em suma, o direito positivo, em sentido lato, é o conjunto de prescrições normativas de caráter cogente em relação a uma determinada sociedade, constitutivas de um ordenamento jurídico entendido e aceito como válido e eficaz, compreendendo: (a) as normas jurídicas produzidas pelo Estado e que não tenham perdido a força cogente em face da inexistência adesão social suficiente para manutenção do preceito nelas inscrito; (b) as sentenças e decisões judiciais, que possuem força cogente intrínseca, com respaldo na ordem constitucional, complementando, interpretando e fazendo observar o ordenamento jurídico; (c) os preceitos ou descrições de conduta (“representações jurídicas”) entendidos e aceitos pelo organismo social como válidos e eficazes (ou seja, tendo força cogente), porém, ainda não “descobertos” e institucionalizados pelo Legislador ou pelo Juiz. v

Ordem jurídica. Segundo Eros Grau (2000, p. 177), o vocábulo ordenamento, “ainda quando qualificado pelo adjetivo jurídico”, compreende sentidos diversos. Lembra que, para Kelsen, que examinou o assunto em minúcias, ordenamento jurídico e direito positivo coincidem, razão pela qual o ordenamento se reduz a um “sistema normativo” e deve ser entendido como um sistema fechado, completo, dotado de unidade e homogeneidade.Da leitura de Miguel REALE (2003, pp. 91-92), compreende-se que, em determinada sociedade, existe uma multiplicidade de ideais e uma grande variedade de aspirações, nos indivíduos e nos grupos. Essas aspirações se desdobram em duas ordens: uma é a das aspirações permanentes, que procura conjugar a estabilidade e o movimento; a outra, é o que o mestre chama de aspirações opostas – a manutenção do status quo, para o que já existe e está consagrado nos usos e costumes. Daí, se pode inferir que existe o homem revolucionário e o homem conservador.O mesmo autor (2003, pp. 91-92) abstrai que, contrapondo-se as duas ordens acima citadas, as sociedades subsistem no intermédio dessas forças, uma vez que, para manter a ordem jurídica, não se pode postular por uma ordem estática e definitivamente adaptada, pois, perder-se-ia o sentido íntimo do Direito e se confundiria a ordem jurídica substancial com a ordem jurídica formal que nos é dada pela legislação positiva. O Direito, como resultado das forças indicadas, “segundo os imperativos da Justiça e as necessidades da convivência pacífica”, é um “corretivo das desigualdades naturais que existem entre os homens”, que é “legítimo até e enquanto não ultrapassa os lindes dos direitos essenciais da pessoa”.Paulo NADER (2000, pp. 78-79) anota duas possíveis concepções: (a) o conceito positivista tradicional: agrupamento de normas que se ajustam entre si e formam um todo harmônico e coerente de preceitos; (b) a visão do “pós-positivismo”: a possibilidade de o jurista revelar a ordem jurídica subjacente, a partir do emprego de regras à interpretação atualizadora, “renovando a sua compreensão à luz das exigências contemporâneas”.

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Lei, direito e norma. Em estudos acerca das concepções modernas do Direito e do raciocínio jurisprudencial, da maneira como foram desenvolvidas logo após a Segunda Guerra Mundial, PERELMAN (2000, pp. 95-96) verificou reações contra o positivismo.Em estudos comparados dos sistemas de direito contemporâneo, René DAVID (1998, p. 110) buscou semelhanças e diferenças sobre como os países romano-germânicos entendem e aplicam a lei. Constatou que, em todos eles, a lei parece abarcar a totalidade da ordem jurídica. Embora os juristas e a própria lei reconheçam, a priori, a possibilidade de haver lacunas, essas parecem não se revelar de modo significante, na prática. Mas isso não deve corresponder à realidade: “A lei não deve ser considerada unicamente no seu texto, independentemente dos processos, freqüentemente muito extensivos, usados para a sua interpretação e nos quais se revela o poder criador da jurisprudência e da doutrina. Os códigos apenas representam, para os juristas, um ponto de partida, não um resultado.”Eros GRAU (2000, p. 179), demonstrando que a função legislativa não se confunde com a função normativa, cita Alessi, quando contrapõe lei e norma, aquela como sendo “estatuição, embora carente de conteúdo normativo, expressa, necessariamente com valor de estatuição primária, pelo órgãos legislativos ou por outros delegados daqueles” e, esta, “todo preceito expresso mediante estatuições primárias (na medida em que vale por força própria, ainda que eventualmente com base em um poder não originário, mas derivado ou atribuído ao órgão emanante)”. Cogita, a partir daí, da existência de três combinações possíveis: lei-norma, lei não-norma e norma não-lei. Quando Paulo NADER (2000, p. 81) trata dessa distinção, afirma que lei é apenas uma das formas de expressão das normas. Estas se manifestam também pelo Direito costumeiro e pela jurisprudência.

vi Elementos da norma jurídica. São elementos da norma jurídica o preceito, o comando e a sanção. O comando se decompõe em preceito e sanção. Os doutrinadores apresentam concepções diferentes sobre o que motiva a exigibilidade da conduta, se a coerção - para viabilizar as prescrições do Estado -, ou a finalidade - no campo do exercício das liberdades individuais.CARNELUTTI (1999, p. 111) ensina que preceito é o modo como se traduz um valor ou crença, ou seja, a “fórmula que reveste a regra ética”, de modo a permitira a aplicação desta a um dado caso. Sobre o comando(idem, p. 119), afirma que “Quando o preceito é imposto, isto é, sancionado, transforma-se em comando, passando-se assim da ética para o direito”. Ou seja, o preceito é o conteúdo, o teor ético do comando. O comando é o substrato jurídico do preceito.As sanções são formas de garantia de cumprimento de regras. Para REALE (1999, p. 72), sanção é “todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em uma regra. (...) O que caracteriza a sanção jurídica é a sua predeterminação e organização”. Quando ao preceito se junta a sanção, começa o direito. Seguindo a idéia de predeterminação e organização, BOBBIO (2003, p. 161), esclarece que a sanção jurídica, antes de tudo, passa por uma institucionalização externa: “Temos tendência a fazer coincidir a juridicidade com a organização e a organização com a institucionalização da sanção. Por isto, julgamos poder dizer que a sanção externa e institucionalizada é uma característica distintiva das normas jurídicas.”Não se pode olvidar, no entanto, como se verá adiante, que, considerados individualmente, os dispositivos textuais derivados do processo legislativo - no caso brasileiro: artigos, parágrafos, incisos, alíneas, números - há normas jurídicas que não se constituem em regras stricto sensu, tendo algumas apenas o conteúdo ético genérico, a que se denomina princípios não acompanhadas de sanção, ou têm natureza descritiva ou definidora, para possibilitar a aplicação das regras do direito objetivo, sendo a sanção e o comando elementos que devem ser extraídos da compreensão do conjunto de dispositivos versando em torno de uma mesma regra “principal”, como se sabe, de sobejo, é defendido pela Teoria Geral das Normas kelseniana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FERRAZ, Júnior, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo : Atlas, 1944.

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NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 18 ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000.

PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica. Tradução: Verginia K. Pupi. São Paulo : Martins Fontes, 1998.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24 ed. São Paulo : Saraiva, 1998.

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ANEXO I: Decreto-lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967

Art. 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito Penalvi, constitui serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente Decreto-lei. Parágrafo único. A renda líquida obtida com a exploração do serviço de loteria será obrigatòriamente destinada a aplicações de caráter social e de assistência médica, empreendimentos do interesse público. Art. 2º A Loteria Federal, de circulação, em todo o território nacional, constitui um serviço da União, executado pelo Conselho Superior das Caixas Econômicas Federais, através da Administração do Serviço de Loteria Federal, com a colaboração das Caixas Econômicas Federais. (...) Art. 3º A Loteria Federal subordinar-se-á as seguintes regras: (...) Art. 10. A Loteria Federal adotará os sistemas de garantia que julgar mais convenientes à segurança contra

adulteração ou contratação dos bilhetes. (...) Art. 13. As extrações serão realizadas em sala franqueada ao público, pelo sistema de urnas transparentes e de esferas numeradas por inteiro. § 1º A Loteria Federal, poderá, também, adotar outros sistemas modernos de extração, de comprovada eficiência e garantia, devidamente aprovados pelo Ministro da Fazenda. § 2º As extrações serão realizadas na sede da Loteria Federal ou em local prévia e amplamente divulgado pela imprensa. Art. 14. Não haverá extração em feriados nacionais e as que já estiverem programadas serão adiadas para o primeiro dia útil subseqüente. Art. 15. Depois de postos os bilhetes em circulação, a extração só poderá ser cancelada ou adiada por ato

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expresso do Diretor Executivo da Administração do Serviço de Loteria Federal, do qual será cientificado, imediatamente, o Ministério da Fazenda. Parágrafo único. No primeiro caso, serão recolhidos todos os bilhetes e restituídos os respectivos preços e, no segundo, avisar-se-á pela imprensa o nôvo dia designado para a extração. (...) Art. 20. Nenhuma pessoa física ou jurídica poderá redistribuir, vender ou expor à venda bilhetes da Loteria Federal, sem ter sido previamente credenciada pelas Caixas Econômicas Federais, sob pena de apreensão dos bilhetes que estiverem em seu poder. Art. 21. As Caixas Econômicas Federais credenciarão os revendedores de bilhetes de preferência, entre pessoas que, por serem idosas, inválidas ou portadoras de defeito físico, não tenham outras condições de prover sua subsistência. § 1º Poderão ser credenciados, para revenda de bilhetes, pequenos comerciantes, devidamente legalizados e estabelecidos que, além de outras atividades, tenham condições para fazê-lo. § 2º Nenhuma pessoa física ou jurídica de direito privado poderá ser detentora de cotas ou comercializar bilhetes da Loteria Federal em quantidade superior a 2% (dois por cento) da respectiva emissão. § 3º Ninguém será credenciado para a revenda de bilhetes em mais de uma unidade da Federação. § 4º O credenciamento de revendedores estabelecidos dependerá de prévia comprovação da existência de local apropriado e acessível ao público para a exposição e revenda de bilhetes e pagamento de prêmios. § 5º A cessão ou transferência de cota de bilhetes de loteria entre revendedores importará na perda de credenciamento dos participantes da operação. (...) Art. 31. É vedado o uso das expressões "Loteria Federal", "Loteria Federal do Brasil", "Loteria do Brasil", "Loteria Nacional", e outras assemelhadas, quer como nome próprio, quer como nome comum, no intuito de propaganda que não seja em benefício da Loteria Federal, ficando reservado o uso daquelas expressões ao Conselho Superior das Caixas Econômicas Federais, à Administração do Serviço de Loteria Federal e às Caixas Econômicas Federais. § 1º O emprêgo da expressão "Loteria Federal" pelas organizações autorizadas a distribuir prêmios de mercadorias, por sorteio, só será permitida no anúncio do sorteio ou na divulgação do resultado das extrações. § 2º Na divulgação dos resultados da "Loteria Federal", as organizações a que se refere o parágrafo anterior deverão proceder de modo a não induzir a equívoco, publicando na íntegra os números correspondentes aos prêmios maiores da Loteria Federal, sob pena de cancelamento da autorização mediante representação do Diretor-Executivo da Administração do Serviço de Loteria Federal ao Departamento de Rendas Internas. Art. 32. Mantida a situação atual, na forma do disposto no presente Decreto-lei, não mais será permitida a criação de loterias estaduais.§ 1º As loterias estaduais atualmente existentes não poderão aumentar as suas emissões ficando limitadas às quantidades de bilhetes e séries em vigor na data da publicação dêste Decreto-lei. § 2º A soma das despesas administrativas de execução de todos os serviços de cada loteria estadual não poderá ultrapassar de 5% da receita bruta dos planos executados. Art. 33. No que não colidir com os têrmos do presente Decreto-lei, as loterias estaduais continuarão regidas pelo Decreto-lei nº 6.259, de 10 de fevereiro de 1944. Art. 34. A Administração do Serviço de Loteria Federal poderá estabelecer convênio com a Casa da Moeda para a impressão de bilhetes.Art. 36. Êste Decreto-lei será regulamentado por Decreto do Poder Executivo. (grifos nossos)

ANEXO II: DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941Lei das Contravenções Penais

“PARTE GERAL: CAPÍTULO VII - DAS CONTRAVENÇÕES RELATIVAS À POLÍCIA DE COSTUMES (...) 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessivel ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele: (Vide Decreto-Lei nº 4.866, de 23.10.1942) (Vide Decreto-Lei 9.215, de 30.4.1946) (...)§ 2º Incorre na pena de multa, (...), quem é encontrado a participar do jogo, como ponteiro ou apostador. § 3º Consideram-se, jogos de azar: (a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva. § 4º (...) Art. 51. Promover ou fazer extrair loteria, sem autorização legal: (...) § 1º Incorre na mesma pena quem guarda, vende ou expõe à venda, tem sob sua guarda para o fim de venda, introduz ou tenta introduzir na circulação bilhete de loteria não autorizada. § 2º Considera-se loteria toda operação que, mediante a distribuição de bilhete, listas, cupões, vales, sinais, símbolos ou meios análogos, faz depender de sorteio a obtenção de prêmio em dinheiro ou bens de outra natureza. § 3º Não se compreendem na definição do parágrafo anterior os sorteios autorizados na legislação especial. Art. 52. Introduzir, no país, para o fim de comércio, bilhete de loteria, rifa

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ou tômbola estrangeiras: (...). Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende, expõe à venda, tem sob sua guarda. para o fim de venda, introduz ou tenta introduzir na circulação, bilhete de loteria estrangeira. Art. 53. Introduzir, para o fim de comércio, bilhete de loteria estadual em território onde não possa legalmente circular: (...). Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende, expõe à venda, tem sob sua guarda, para o fim de venda, introduz ou tonta introduzir na circulação, bilhete de loteria estadual, em território onde não possa legalmente circular. Art. 54. Exibir ou ter sob sua guarda lista de sorteio de loteria estrangeira: (...) Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem exibe ou tem sob sua guarda lista de sorteio de loteria estadual, em território onde esta não possa legalmente circular. Art. 55. Imprimir ou executar qualquer serviço de feitura de bilhetes, lista de sorteio, avisos ou cartazes relativos a loteria, em lugar onde ela não possa legalmente circular: (...) Art. 56. Distribuir ou transportar cartazes, listas de sorteio ou avisos de loteria, onde ela não possa legalmente circular: (...) Art. 57. Divulgar, por meio de jornal ou outro impresso, de rádio, cinema, ou qualquer outra forma, ainda que disfarçadamente, anúncio, aviso ou resultado de extração de loteria, onde a circulação dos seus bilhetes não seria legal: (...) Art. 58. Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou exploração: (...) Parágrafo único. Incorre na pena de multa, (...), aquele que participa da loteria, visando a obtenção de prêmio, para si ou para terceiro.” (grifamos)

ANEXO III: Decreto-lei nº 759, de 12 de agosto de 1969Autoriza o Poder Executivo a constituir a emprêsa pública Caixa Econômica Federal e dá outras providências

Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a constituir a Caixa Econômica Federal - CEF, instituição financeira sob a forma de emprêsa pública, dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e autonomia administrativa, vinculada ao Ministério da Fazenda. (...) Art. 2º A CEF terá por finalidade: a) explorar, com exclusividade, os serviços da Loteria Federal do Brasil e da Loteria Esportiva Federal nos têrmos da legislação pertinente;vi

b) prestar serviços que se adaptem à sua estrutura de natureza financeira, delegados pelo Govêrno Federal ou por convênio com outras entidades ou emprêsas. (...) Art. 6º Como instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional, a CEF estará sujeita às normas gerais,

às decisões e a disciplina normativa estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional e à fiscalização do Banco Central do Brasil. Art. 7º Os recursos das Agências Estaduais da CEF serão aplicados obrigatòriamente nas respectivas jurisdições, de forma proporcional aos depósitos ali captados e aos resultados da venda de bilhetes de loteria no Estado. Parágrafo único. Tendo em vista a instalação de novas Agências ou Filiais e o desenvolvimento dos negócios da emprêsa, poderão ser feitas aplicações, até o limite de 10% (dez por cento) das aplicações totais da CEF, em áreas diversas da origem dos depósitos. Art. 8º Os diretores da CEF, respeitados os princípios da legislação em vigor, serão solidàriamente responsáveis pelos prejuízos ou danos causados pelo não cumprimento das obrigações ou deveres impostos pela lei ou regulamentos que lhes definam os encargos e atribuições. (...) Art. 10. Os resultados da exploração da Loteria Federal e da Loteria Esportiva Federal que couberem à CEF como executora dêsses serviços públicos serão destinados ao fortalecimento do patrimônio da emprêsa, vedada sua aplicação no custeio de despesas correntes. § 1º A CEF terá direito a uma comissão de venda a título de remuneração fixa pelos serviços de distribuição nacional dos bilhetes de loteria, cujo saldo líquido será anualmente levado à conta do Fundo de Reserva, para futuro aproveitamento em aumentos de capital. § 2º A CEF contabilizará em separado tôdas as operações relativas à exploração dos serviços da Loteria Federal e da Loteria Esportiva Federal, não podendo os resultados financeiros decorrentes dessa exploração inclusive os referidos no parágrafo anterior, ser consideradas sob forma alguma para o cálculo de gratificações e de quaisquer vantagens devidas a empregados ou administradores. § 3º O limite máximo para as despesas efetivas de custeio e manutenção dos serviços lotéricos e para a comissão de venda referida no § 1º assim como as normas sôbre a contabilização da renda líquida decorrente da exploração dos mesmos serviços serão estabelecidos em regulamento. Art. 11. Fica vedado às instituições financeiras em geral e a quaisquer outras emprêsas, ressalvadas as Caixas Econômicas Estaduais já em funcionamento, o uso da denominação "Caixa Econômica". Art. 12. As atuais Caixas Econômicas Estaduais não poderão realizar operações vedadas à CEF. (grifos nossos)

ANEXO IV: LEI nº 5.768, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1971 (Texto atualizado)

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Altera a legislação sobre distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda, estabelece normas de proteção à poupança popular, e dá outras providências.

CAPÍTULO I - Da Distribuição Gratuita de PrêmiosArt. 1º A distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada, dependerá de prévia autorização do Ministério da Fazenda, nos termos desta lei e de seu regulamento.§ 1º A autorização somente poderá ser concedida a pessoas jurídicas que exerçam atividade comercial, industrial ou de compra e venda de bens imóveis, comprovadamente quites com os impostos federais, estaduais e municipais, bem como com as contribuições da Previdência Social, a título precário e por prazo determinado, fixado em regulamento, renovável a critério da autoridade.§ 2º O valor máximo dos prêmios será fixado em razão da receita operacional da empresa ou da natureza de sua atividade econômica, de forma a não desvirtuar a operação de compra e venda.§ 3º É proibida a distribuição ou a conversão dos prêmios em dinheiro.§ 4º Obedecerão aos resultados da extração da Loteria Federal, os sorteios previstos neste artigo.§ 5º O Ministério da Fazenda, no caso de distribuição de prêmios a título de propaganda, mediante sorteio, poderá autorizar que até o limite de 30% (trinta por cento) dos prêmios a distribuir por essa modalidade seja excluído da obrigatoriedade prevista no parágrafo anterior, desde que o sorteio se processe exclusivamente em programas públicos nos auditórios das estações de rádio ou de televisão.§ 6º Quando não for renovada a autorização de que trata este artigo, a empresa que, na forma desta lei venha distribuindo, gratuitamente, prêmios vinculados à pontualidade de seus prestamistas nas operações a que se referem os itens II e IV do art. 7º continuará a distribuí-los exclusivamente com relação aos contratos celebrados até a data do despacho denegatório.Art. 2º Além da empresa autorizada, nenhuma outra pessoa natural ou jurídica poderá participar do resultado financeiro da promoção publicitária de que trata o artigo anterior, ainda que a título de recebimento de “royalties”, aluguéis de marcas, de nomes ou assemelhados.Art. 3º Independe de autorização, não se lhes aplicando o disposto nos artigos anteriores:I - a distribuição gratuita de prêmios mediante sorteio realizado diretamente por pessoa jurídica de direito público, nos limites de sua jurisdição, como meio auxiliar de fiscalização ou arrecadação de tributos de sua competência;II - a distribuição gratuita de prêmios em razão do resultado de concurso exclusivamente cultural artístico, desportivo ou recreativo, não subordinado a qualquer modalidade de álea ou pagamento pelos concorrentes, nem vinculação destes ou dos contemplados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço.Parágrafo único. O Ministério da Fazenda poderá autorizar a realização de propaganda comercial, com distribuição gratuita de prêmios vinculada a sorteio realizado nos termos do tem I deste artigo, atendido, no que couber, o disposto no art. 1º e observada a exigência do art. 5º.Art. 4º Nenhuma pessoa física ou jurídica poderá distribuir ou prometer distribuir prêmios mediante sorteios, vale-brinde, concursos ou operação assemelhada, fora dos casos e condições previstos nesta lei, exceto quando tais operações tiverem origem em sorteios organizados por instituições declaradas de utilidade pública em virtude de lei e que se dediquem exclusivamente a atividades filantrópicas, com o fim de obter recursos adicionais necessários à manutenção ou custeio de obra social a que se dedicam. (Redação dada pela Lei n.º 5.864, de 12.12.1972)§ 1º Compete ao Ministério da Fazenda promover a regulamentação, a fiscalização e controle das autorizações dadas em caráter excepcional, nos termos deste artigo, que ficarão basicamente sujeitas às seguintes exigências: (Parágrafo incluído pela Lei n.º 5.864, de 12.12.1972)a) comprovação de que a requerente satisfaz as condições especificadas nesta lei, no que couber, inclusive quanto a perfeita regularidade de sua situação como pessoa jurídica de direito civil; (Alínea incluída pela Lei n.º 5.864, de 12.12.1972)b) indicação precisa da destinação dos recursos a obter através da mencionada autorização; (Alínea incluída pela Lei n.º 5.864, de 12.12.1972)c) prova de que a propriedade dos bens a sortear se tenha originado de doação de terceiros, devidamente formalizada; (Alínea incluída pela Lei n.º 5.864, de 12.12.1972)d) realização de um único sorteio por ano, exclusivamente com base nos resultados das extrações da Loteria Federal somente admitida uma única transferência de data, por autorização do Ministério da Fazenda e por motivo de força maior. (Alínea incluída pela Lei n.º 5.864, de 12.12.1972)§ 2º Sempre que for comprovado o desvirtuamento da aplicação dos recursos oriundos dos sorteios excepcionalmente autorizados neste artigo, bem como o descumprimento das normas baixadas para sua

Page 31: Exploracao de Loterias e Autorização de Sorteios

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execução, será cassada a declaração de utilidade pública da infratora, sem prejuízo das penalidades do art. 13 desta lei. (Parágrafo incluído pela Lei n.º 5.864, de 12.12.1972)§ 3º Será também considerada desvirtuamento da aplicação dos recursos obtidos pela forma excepcional prevista neste artigo a interveniência de terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, que de qualquer forma venham a participar dos resultados da promoção. (Parágrafo incluído pela Lei n.º 5.864, de 12.12.1972)Art. 5º (Artigo revogado pela Lei n.º 8.522, de 11.12.1992, art.1º, Inciso V )Art. 6º Quando o prêmio sorteado, ou ganho em concurso, não for reclamado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, caducará o direito do respectivo titular e o valor correspondente será recolhido ao Tesouro Nacional no prazo de 10 (dez) dias pelo distribuidor autorizado.CAPÍTULO II - De Outras Operações Sujeitas à Autorização(...) CAPÍTULO III - Das Disposições Gerais e Penalidades(...) Art. 12º. A realização de operações regidas por esta Lei, sem prévia autorização, sujeita os infratores às seguintes sanções, aplicáveis separada ou cumulativamente: (Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)I - no caso de que trata o art. 1º: (Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)a) multa de até cem por cento da soma dos valores dos bens prometidos como prêmios; (Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)b) proibição de realizar tais operações durante o prazo de até dois anos; (Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)II - nos casos a que se refere o art. 7º: (Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)a) multa de até cem por cento das importâncias previstas em contrato, recebidas ou a receber, a título de taxa ou despesa de administração; (Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)b) proibição de realizar tais operações durante o prazo de até dois anos. (Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)Parágrafo único. Incorre, também, nas sanções previstas neste artigo quem, em desacordo com as normas aplicáveis, prometer publicamente realizar operações regidas por esta Lei. (Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)Art. 13º. A empresa autorizada a realizar operações previstas no art. 1º, que não cumprir o plano de distribuição de prêmios ou desvirtuar a finalidade da operação, fica sujeita, separada ou cumulativamente, às seguintes sanções: (Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)I - cassação da autorização; (Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)II - proibição de realizar tais operações durante o prazo de até dois anos; (Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)III - multa de até cem por cento da soma dos valores dos bens prometidos como prêmio.(Redação dada pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)Parágrafo único. Incorrem nas mesmas sanções as instituições declaradas de utilidade pública que realizarem as operações referidas neste artigo, sem autorização ou em desacordo com ela. (Parágrafo incluído pela Lei n.º 7.691, de 15.12.1988)(...) Art. 16º. As infrações a esta lei, a seu regulamento ou a atos normativos destinados a complementá-los, quando não compreendidas nos artigos anteriores, sujeitam o infrator à multa de 10 (dez) a 40 (quarenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, elevada ao dobro no caso de reincidência.Art. 17º. A aplicação das penalidades previstas nesta lei não exclui a responsabilidade e as sanções de natureza civil e penal, nos termos das respectivas legislações.Art. 18º. O processo e o julgamento das infrações a esta lei serão estabelecidos em regulamento.Art. 19º. A fiscalização das operações mencionadas nesta lei será exercida privativamente pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.CAPÍTULO IV - Das Disposições TransitóriasArt. 20º. As operações de que trata o artigo 1º, autorizadas pelo Ministério da Fazenda e em curso na data do início da vigência desta Lei, serão adaptadas às suas disposições e às de seu regulamento, no prazo de 90 (noventa) dias, após o qual as respectivas autorizações serão consideradas canceladas de pleno direito, sujeitando-se quem as praticar, sem permissão legal, às penalidades previstas nos itens II e IlI, do artigo 13. (...) Art. 22º. O Poder Executivo baixará regulamento desta Lei no prazo de 90 (noventa) dias.Art. 23º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogados os Decretos-lei números 7.930, de 3 de setembro de 1945, e 418, de 10 de janeiro de 1969, e demais disposições em contrário.Brasília, 20 de dezembro de 1971; 150º da Independência e 83º da República.