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Expressões-limites do Novo Testamento ou a linguagem religiosa do Novo Testamento* * Érico Fumero de Oliveira** RESUMO Pretendemos, neste artigo, mostrar a relação direta da hermenêutica filosófica com a hermenêutica bíblica em Paul Ricoeur, com ênfase na linguagem poética, atentando para o fato de que a linguagem religiosa da Bíblia é linguagem poética. Trataremos da relação entre as hermenêuticas filosófica e bíblica a partir da análise do discurso bíblico do Novo Testamento. PALAVRAS-CHAVE: hermenêutica; bíblia; Paul Ricoeur; linguagem poética. ABSTRACT In this article we intend to show the direct relationship between the philosophical hermeneutics and the biblical hermeneutics in Paul Ricoeur, with emphasis on the poetic language, paying attention to the fact that the religious language of the Bible is poetic language. We will treat the relationship between philosophical and biblical hermeneutics from the New Testament biblical discourse analysis. KEYWORDS: hermeneutics; Bible; Paul Ricoeur; poetic language. Introdução O Novo Testamento continua nomeando Deus, assim como o Antigo. Paul Ricoeur (1996, p. 198) diz que não pretende substituir o poema de Deus pelo poema de Cristo: “resisto com todas as minhas forças a esse deslocamento do acento de Deus para Jesus Cristo, que equivaleria a substituir uma nominação por outra”. Além disso, segundo o filósofo francês, o nome Cristo confere à palavra Deus sua plena densidade histórica, em referência ao amor de doação na morte de cruz, amor este mais forte do que a morte. * Este artigo é uma adaptação do terceiro capítulo da nossa dissertação de mestrado, “A linguagem poética religiosa da Bíblia”, defendida na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia para a obtenção do título de mestre. **Érico Fumero de Oliveira é mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) e doutorando em Filosofia pela Universidade de Santiago de Compostela - Espanha (USC).

Expressões-limites do Novo Testamento ou a linguagem

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Expressões-limites do Novo Testamento ou a linguagem religiosa do

Novo Testamento**

Érico Fumero de Oliveira**

RESUMOPretendemos, neste artigo, mostrar a relação direta da hermenêutica filosófica com a hermenêutica bíblica em Paul Ricoeur, com ênfase na linguagem poética, atentando para o fato de que a linguagem religiosa da Bíblia é linguagem poética. Trataremos da relação entre as hermenêuticas filosófica e bíblica a partir da análise do discurso bíblico do Novo Testamento.

PALAVRAS-CHAVE: hermenêutica; bíblia; Paul Ricoeur; linguagem poética.

ABSTRACTIn this article we intend to show the direct relationship between the philosophical hermeneutics and the biblical hermeneutics in Paul Ricoeur, with emphasis on the poetic language, paying attention to the fact that the religious language of the Bible is poetic language. We will treat the relationship between philosophical and biblical hermeneutics from the New Testament biblical discourse analysis.

KEYWORDS: hermeneutics; Bible; Paul Ricoeur; poetic language.

Introdução

O Novo Testamento continua nomeando Deus, assim como o Antigo. Paul

Ricoeur (1996, p. 198) diz que não pretende substituir o poema de Deus pelo poema de

Cristo: “resisto com todas as minhas forças a esse deslocamento do acento de Deus para

Jesus Cristo, que equivaleria a substituir uma nominação por outra”.

Além disso, segundo o filósofo francês, o nome Cristo confere à palavra Deus

sua plena densidade histórica, em referência ao amor de doação na morte de cruz, amor

este mais forte do que a morte.

* Este artigo é uma adaptação do terceiro capítulo da nossa dissertação de mestrado, “A linguagem poética religiosa da Bíblia”, defendida na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia para a obtenção do título de mestre.

**Érico Fumero de Oliveira é mestre em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) e doutorando em Filosofia pela Universidade de Santiago de Compostela - Espanha (USC).

A nomeação de Deus envolve a mensagem de Jesus e sua mensagem sobre

Deus. Segundo Paul Ricoeur (1996, p. 198): “... Jesus é significado e compreendido

pela comunidade confessante como o homem determinado em sua existência pelo Deus

que ele proclamou (Pannenberg)”.

Deus é nomeado pelos textos da Revelação bíblica (Antigo e Novo

Testamento) como o referente último dos discursos. Todavia, no Novo Testamento, há

uma expressão religiosa que nomeia Deus diversamente: o Reino de Deus. Essa

metáfora, por se tratar da Revelação, apresenta-se como metáfora limite, porque serve

como referente último e ponto de encontro do Antigo com o Novo Testamento e dos

discursos sapienciais, proverbiais e parabólicos de Jesus, nos Evangelhos. Assim

declara Ricoeur (1996, p. 198):

Considero que o que Jesus prega é o Reino de Deus, o qual se inscreve na nominação de Deus pelos profetas, pelos escatólogos e pelos apocalípticos. E o que é a Cruz sem o grito: Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste? E o que é a Ressurreição se ela não é um ato de Deus homólogo ao do Êxodo? Assim, uma cristologia sem Deus parece tão impensável quanto Israel sem Yahweh. E não vejo como ela não poderia deixar de se diluir em uma antropologia individual ou coletiva, inteiramente horizontal, e desprovida de seu poder poético.

Paul Ricoeur pretende dizer que Jesus, ao pregar o Reino de Deus por meio de

parábolas, proclamações escatológicas e provérbios, impeliu as formas do discurso

ordinário ou descritivo a seu limite (revelação), explicitando uma lógica absurda e de

matriz paradoxal, que nosso filósofo denomina expressões-limites, que é idêntica à

nomeação dos discursos bíblicos no Antigo Testamento.

As expressões-limites dos discursos de Jesus intensificam o caráter poético da

linguagem bíblica, ao mesmo tempo em que conservam o que é próprio da Revelação,

como veremos adiante. Paul Ricoeur não pretendeu de modo algum adentrar na

problemática clássica e exegética do estudo da parábola, dos ditos escatológicos e dos

discursos proverbiais. Sua intenção é hermenêutica. Isto significa afirmar o não

dogmatismo ao falar de Deus, porque a hermenêutica não procura testemunhar como as

pessoas simplesmente pensaram ou falaram de Deus, nem prescrever como se deve

pensar sobre ele. Sua intenção é dar impulsos para pensar nele de forma sempre nova e

diferente.

Por isso, também não adentraremos na problematização exegética. Seguiremos

a argumentação hermenêutica de nosso filósofo. Utilizaremos para isso dois textos de

Paul Ricoeur (2006, p. 168-236): À escuta das parábolas: mais uma vez atônitos; e

Aquele que perde sua vida por causa de mim, a encontrará.

a) Os Discursos de Jesus nos Evangelhos Sinópticos

Jesus usa a expressão-limite Reino de Deus, que aparentemente se apresenta

como o referente último dos discursos. No entanto, veremos que tal expressão não é um

referente. Conforme Paul Ricoeur (2006, p. 193):

Proponho dizer que a expressão Reino de Deus é uma expressão limite em virtude da qual as diferentes formas de discurso, empregadas pela linguagem religiosa, são modificadas, e pelo fato mesmo convergem para um ponto último que se torna seu ponto de encontro com o infinito.

Além disso, Paul Ricoeur (1996, p. 196) observa que o: “... Reino é significado

apenas por parábolas, provérbios e paradoxos, sem que nenhuma tradução literal esgote

o seu sentido”.

Segundo nosso filósofo, o discurso por excelência usado por Jesus para

expressar o Reino de Deus é o parabólico (RICOEUR, 1996, p. 196) “... o caráter

indireto da nominação de Deus é particularmente perceptível nas parábolas”. No

entanto, prossegue ele (RICOEUR, 1996, p. 193):

Não podemos determinar o Reino de Deus sem antes ter colocado as parábolas em relação com outros tipos de enunciados nos quais o Reino de Deus serve também de ponto de convergência.

As parábolas, quando são vistas em suas intersignificações, juntamente com os

gêneros dos provérbios, os ditos escatológicos, as histórias de milagres nas narração dos

evangelhos, estão associadas numa intertextualidade, que ilustra o que na linguagem

religiosa da Bíblia dizemos ser: reveladora.

Nosso filósofo encontra o fundamento para a análise da linguagem da

Revelação em Ian Ramsey (1957), que se refere ao estudo da linguagem religiosa em

termos de modelos e qualificadores. É a extravagância da parábola, o paradoxo e a

hipérbole dos provérbios e das proclamações escatológicas, que funcionam como

modelos e qualificadores. Somente quando essas formas de discurso são levadas ao

extremo, exercem o poder de revelação.

Segundo Paul Ricoeur (2006, p. 203):

O poder de revelação consiste na capacidade do modelo de incorporar de uma maneira coerente a série mais ampla possível de fenômenos, a fim de realizar um panorama de nossa experiência, juntando a essa ideia, a ideia de uma economia e de uma simplicidade de expressão em relação à gama complexa dos fenômenos.

Conforme Paul Ricoeur, Ian Ramsey tira seu primeiro grupo das palavras

significativas da linguagem religiosa, de exemplos da teologia negativa, como quando

Deus é nomeado imutável ou impassível. Esses atributos dizem uma coisa. Tudo muda.

Mas, a seguir acrescentam: mas não tudo. O modelo muda, mas de repente algo mais,

sob influência do operador negativo, é modificado: não muda.

O segundo grupo de palavras significativas da linguagem religiosa, que

Ramsey analisa, diz respeito às categorias de: unidade, simplicidade, perfeição, que

põem em caminho o mesmo processo anterior. Compreendemos o significado a partir

dos contrários de pluralidade, complexidade, ambigüidade etc (RICOEUR, 2006, p.

201-202): “o atributo intervém para levar a seu limite o que o contraste sugere no

contexto da linguagem ordinária. É então aquilo pelo qual a palavra Deus preside o

resto da linguagem e aquilo em que a completa”.

O terceiro grupo de palavras significativas da linguagem religiosa analisado

por Ramsey, diz respeito às expressões causa primeira, criação ex nihilo, plano eterno,

etc. A palavra causa constitui um modelo para a explicação e a palavra primeira

modifica o modelo, prescrevendo uma maneira especial de desenvolver as situações

típicas, e fazendo jorrar o algo mais correspondente. A palavra Deus completa em

seguida as histórias causais, porque ele é logicamente anterior a tais histórias, é sua

primeira palavra (cf. RICOEUR, 2006, p. 200). Quanto ao qualificador ex nihilo, ele

força-nos a re-trabalhar da mesma maneira toda nossa experiência de criação, até o

ponto em que a expressão sinaliza para uma experiência única de extravagância.

Paul Ricoeur retoma as análises de Ramsey dizendo que a lógica do modelo e

do qualificador opera nos três tipos de linguagem religiosa que analisaremos. Por

exemplo, a função dos modelos e qualificadores nas proclamações escatológicas, nos

provérbios e nas parábolas consiste em fazer-nos ver uma modalidade que a lógica

tende a passar em silêncio. O escândalo lógico, que nos discursos que analisaremos

consiste em perceber a transgressão do quadro cronológico nos dizeres apocalípticos, a

intensificação pelo paradoxo e pela hipérbole nos provérbios, e a dramatização

extravagante, nas parábolas. Segundo Paul Ricoeur, a partir de Ramsey, ou melhor, a

partir da interpretação e da aplicação dos modelos e qualificadores, podemos

compreender a lógica da linguagem religiosa da Bíblia. Portanto, a equivalência entre

parábola, provérbio e expressões escatológicas, atribuídas a Jesus pelos Evangelhos

Sinópticos, ajudam também a esmiuçar o que é específico na linguagem religiosa da

Bíblia. Por isso, vamos começar a análise sintética e a exposição a partir de duas formas

de discursos empregadas por Jesus para expressar o Reino de Deus: os ditos

escatológicos e as fórmulas proverbiais. Depois, a título de conclusão dos discursos no

Novo Testamento, analisaremos mais detidamente o discurso parabólico, que se

apresenta como uma espécie de síntese de toda a análise anterior. Por fim, brevemente,

especificaremos como a linguagem religiosa sinaliza, na expressão Reino de Deus, para

o Totalmente Outro, ou seja, Deus mesmo (cf. RICOEUR, 2006, p. 192-193).

b) Proclamações escatológicas

Começaremos a análise pelas proclamações escatológicas de Jesus presentes

nos evangelhos, porque segundo Paul Ricoeur, a linguagem religiosa se singulariza e se

torna mais evidente no discurso escatológico, inclusive se partimos do pressuposto de

que realmente a proclamação de Jesus foi essencialmente uma proclamação

escatológica.

Para a análise das proclamações escatológicas, nosso filósofo segue os estudos

de Norman Perrin (1967, 1974). Esse autor considera as quatro fórmulas escatológicas

presentes em Mc 1,15; Lc 11,20; Lc 17,20-21 e Mt 11,12 como autênticas palavras de

Jesus (cf. RICOEUR, 2006, p. 193-194). Para nosso propósito, analisaremos apenas

essas quatro proclamações de Jesus, para percebermos a especificidade do discurso

escatológico.

O discurso escatológico nos Evangelhos Sinópticos, em geral, são discursos

que se aproximam do gênero apocalíptico, seja para questioná-lo ou para reforçá-lo. Por

exemplo, quando Jesus faz alguma proclamação escatológica, ele diz mais ou menos o

seguinte: O Reino de Deus não vem com sinais que se podem observar: não digas está

aqui ou ali, porque o Reino de Deus está entre vós , ou seja, o discurso escatológico

rompe a interpretação alegórica e seu quadro cronológico e provoca-nos a re-descrever

a totalidade das relações temporais (cf. RICOEUR, 2006, p. 201).

Na proclamação escatológica, Jesus faz um uso intensificado da expressão

escatológica por meio da qual, cai por terra todo esquema ou modelo apocalíptico capaz

de orientar uma leitura de sinais, que eram compreendidos até então na dimensão literal

temporal.

Paul Ricoeur (1996, p. 196) explica-nos:

Na proclamação escatológica é o cálculo dos tempos praticado pelos escatólogos que é subvertido: A vinda do Reino de Deus não se deixa observar e não se poderia dizer: Ei-lo, pois sabeis que o Reino de Deus está entre vós.

Vamos, pois, brevemente, expor as quatro proclamações escatológicas ditas por

Jesus. Estão todas situadas no discurso tradicional da apocalíptica, mas, como veremos, o

fato importante é que essa forma é simultaneamente empregada, transgredida e revertida

por seu uso novo. Lembrando que a (RICOEUR, 2006, p. 194): “... proclamação

apocalíptica apresenta um caráter literal que é transgredido...”.

Paul Ricoeur admitiu que os ensaios das soluções oferecidas por intérpretes

bem conhecidos como Schweitzer, Dodd e Jeremias, que respectivamente concebem a

escatologia como iminente, realizada e realizando-se, ficam engessados no esquema

temporal literal. Já Norman Perrin, segundo o filósofo francês, concebe esses discursos

como transgressões do discurso apocalíptico (cf. RICOEUR, 2006, p. 194). Vejamos os

exemplos das proclamações:

a) Os tempos estão cumpridos: o Reino de Deus está próximo, convertei-vos e crede na

Boa Nova (Mc 1,15) A Boa Nova de Deus começa quando são ouvidas as primeiras

palavras de Jesus: Os tempos estão cumpridos . O Reinado do poder de Deus começou

em Jesus, que é a Boa Nova de Deus em pessoa. Terminou o tempo da espera histórica,

o tempo cumpriu-se, o momento decisivo, a ocasião propícia e favorável chegou. O

Reino de Deus se torna próximo nas palavras e ações de Jesus. A única condição

requerida para tomar parte nesta nova possibilidade é a decisão de mudar, se converter,

e a coragem de arriscar a vida sobre esta oferta anunciada: crer na Boa Nova.

O anúncio de Jesus deveria animar a fé dos ouvintes de seu tempo. Entretanto,

ele liga imediatamente a Boa Nova a um chamamento igualmente importante para uma

resposta radical: convertei-vos e crede no Evangelho . No texto, Jesus, ao utilizar essas

palavras, interpreta, segundo Paul Ricoeur, o seu projeto e significação em uma

temporalidade que escapa às alternativas propriamente cronológicas (o Reino de Deus

está próximo). O próprio poder de Deus está disponível aos que se abrem a Jesus e a seu

caminho evangélico de serviço dedicado.

b) Mas se é pelo dedo de Deus que expulso os demônios, é então que o Reino de Deus

adveio para vós (Lc 11,20). Aparece claramente neste versículo a recusa em calcular o

tempo, isto é, em interpretar o símbolo do reino que sobrevém em termos de

temporalidade literal. O que é essencialmente discutido nesse texto é a prática

apocalíptica da procura dos sinais (cf. RICOEUR, 2006, p. 195).

O contexto é o da discussão acerca das garantias ou sinais com os quais Jesus

pretende autenticar a missão. As curas e os exorcismos são credenciais. A derrota dos

demônios por Jesus é sinal de que um poder mais forte está se manifestando, um poder

que é sinal da força do Reino e só pode vir de Deus. Jesus mostra o verdadeiro sentido

de sua atividade. Nos seus gestos poderosos, irrompe o Reino de Deus, que põe fim ao

de Satanás, o adversário. Jesus pretende representar de maneira única e autorizada a

intervenção decisiva de Deus, que dá um sentido novo àquilo que ele cumpre, e isto não

pode ser compreendido de modo totalmente temporal.

c) O Reino de Deus não vem de uma maneira visível. Não se dirá: Ei-lo, está

aqui ou então Está ali . Com efeito, eis que o Reino de Deus está no meio de vós (Lc

17,20-21). Nos círculos apocalípticos, tentava-se calcular o tempo e fixar um calendário

do reino de Deus, procurando os sinais premonitórios em acontecimentos

extraordinários no céu ou sobre a terra: guerras, pestilências, carestias etc.

Jesus, na sua resposta, rejeita essas tentativas de programar ou prever a vinda

do Reino de Deus. Não existem sinais premonitórios extraordinários, externos à história

humana, que possam dispensar o homem da liberdade e da responsabilidade pessoal.

Jesus proclama a proximidade do Reino de Deus. E quando, perguntado sobre

quando virá o Reinado de Deus, responde primeiro que o Reinado já está presente e

depois fala de sua vinda definitiva. O reino de Deus diz respeito à história humana

confrontada com a ação e a presença de Deus, como revelado naquilo que Jesus faz e

diz.

Dizendo “o Reino de Deus está no meio de vós”, Jesus coloca seus ouvintes

diante do símbolo apocalíptico como diante de um símbolo verdadeiramente tensional,

com seu poder de evocar um conjunto de significações.

A manifestação do Reinado de Deus era esperada com a vinda do Messias.

Esse seria “o dia do Senhor”, um tempo de julgamento e recompensa (Jl 2,1-2;3,4-5).

Jesus diz que o conhecimento temporal literal não é importante. O que importa é

reconhecer a presença do Reinado de Deus já. O ensinamento de Jesus parece ser claro:

não é necessário perder tempo com cálculos engenhosos. É preciso tomar consciência

de que o Reinado de Deus já está presente.

d) Desde os tempos de João Batista até o presente, “o Reino dos céus sofre a

violência e os violentos buscam apoderar-se dele” (Mt 11,12). João e Jesus, não são

duas pessoas em confronto, duas épocas da história da salvação: o tempo da espera e o

do cumprimento das promessas. Com sua presença, Jesus inaugurou o tempo

escatológico, isto é, decisivo para a salvação dos homens. João é grande sim, mas faz

ainda parte do tempo preparatório. Jesus é quem inaugura o tempo e o poder de Deus.

No quarto texto, a linguagem é tirada dos mitos da guerra santa e aplicada à

significação profundamente existencial do sofrimento do Batista, de Jesus e de seus

discípulos. Esse mito significa seu destino. Paul Ricoeur não tem nenhuma dificuldade

em seguir Norman Perrin, quando propõe discernir a mesma preocupação existencial no

pedido da prece do Senhor: Venha o teu Reino. Portanto, a proclamação escatológica é

uma maneira de falar sobre o fim do tempo e do mundo. Refere-se às realidades últimas

para criar um ambiente de crises que levem a uma tomada de consciência e à decisão de

mudar o estilo de vida. A relação do tempo existencial com o tempo mítico do cálculo

de signos da escatologia tradicional é análoga ao movimento de desorientação e de

reorientação operado pelo provérbio.

c) Fórmulas proverbiais

A sabedoria está consolidada como confiança básica na realidade da criação e

do mundo. Ela visa a motivar para um sim fundamental à vida e para a fruição dela. E

faz isso não por meio de uma idealização cega do mundo, mas pelo confronto concreto

com a realidade do cotidiano. Por essa razão, o ponto de partida das fórmulas

proverbiais não é, em primeiro lugar, a revelação de Deus, qualquer que seja sua forma,

mas a razão do ser humano que visa a dominar sabiamente a vida. O que está em jogo,

realmente, é o aprender e passar adiante o saber sobre a vida e a arte de bem viver.

A arte de viver, em geral conquistada pela sabedoria, está alicerçada na

convicção, obtida pela experiência, da ligação entre ação e bem-estar ou mal-estar. Essa

ligação, cada pessoa a conhece e aprova no seu cotidiano como orientação básica do

agir humano.

Portanto, a sabedoria se empenha em proveito de uma perspectiva múltipla da

percepção do mundo e da vida, apelando à compreensão, às experiências próprias e ao

discernimento próprio do indivíduo. Ao mesmo tempo, ela mantém a perspectiva

comunitária e (geralmente) apresenta os fatos com o conceito de vida que atenta para a

interdependência social e histórica do grupo.

Segundo Ricoeur (2006, p. 195):

A base comum pressuposta e utilizada aqui é constituída pelas palavras de sabedoria, que, diferentes das palavras proclamatórias, não visam a singularizar a tradição judaica, mas que funcionam antes para lançar uma ponte entre a perspectiva da fé e a experiência do homem fora desse círculo da fé.

Por conseguinte, além desta sabedoria estritamente humana há a convicção dos

sábios de que também se podem extrair da sabedoria divina instruções para a conduta.

Por exemplo, algumas facções do judaísmo crêem na Torá como uma grandeza cósmica,

que se identifica com a sabedoria de Deus que está presente em toda a criação (Sr. 24;

Sb, Fílon). Por isso, as máximas da Torá foram percebidas como fazendo parte da

vontade de Deus diretamente. Todavia, mesmo essa sabedoria, por sua natureza, é

sóbria, às vezes até cética, e por esse motivo, constitui-se um bom corretivo contra todas

as formas de exaltação religiosa. Enquanto gênero literário, a sabedoria foi consignada

já na antiguidade oriental nas mais variadas formas, por meio das sentenças de

sabedoria e dos conselhos, como pequenos tratados e como provérbios. Em todas as

formas aparecem máximas que têm o propósito de exercer o discernimento e orientar as

decisões nas circunstâncias singulares da vida.

O gênero proverbial que nos interessa é originário do mashal. Trata-se de um

gênero muito antigo, tanto em Israel, como nos países vizinhos. Há informações

bíblicas, segundo as quais, se praticava na côrte de Salomão a sabedoria dos provérbios

(1Rs 4,29-34; 10, 1-13.23-25). Essas informações são perfeitamente fidedignas e é

muito natural que a antiga tradição judaica, bem como a cristã, tenha considerado

Salomão como o autor do livro dos Provérbios.

Na teologia sapiencial tardia de Israel, tanto os Provérbios de Salomão, quanto

os inúmeros textos proverbiais espalhados no Antigo Testamento foram considerados

como inspirados.

Na tradição cristã, o registro mais antigo de Jesus já o mostra como mestre da

sabedoria (cf. tão somente os provérbios sapienciais de Jesus em Mc 2,17b.19bc;

3,21.24.27; 4,22a. 25), que fala como os livros sapienciais do Antigo Testamento. Por

exemplo, os logia de Jesus, frequentemente são designados como ditos, e a coletânea

hipotética desses ditos (a fonte Q), segundo pensam os estudiosos, subjaz a Mateus e

Lucas. Por exemplo, os ditos, no sentido de instrução dos sábios, acham-se entre os

logia de Jesus em Mc 9, 50//Lc 14,34; cf. Mt 5,13; Mt 5,15//Lc 11,33; 6, 19//Lc 12,33;

Mt 6,22-23; Lc 11,34-35. É possível que alguns destes sejam novas produções de Jesus,

que mais tarde tornaram-se provérbios.

Desde cedo se reconheceu, com R. Bultmann, que muitas tradições proverbiais

de Jesus estão contidas em gêneros sapienciais. Contudo, só mais tarde se descobriram

as consequências para a compreensão teológica. Alguns estudiosos, como por exemplo,

G. Bornkamm (2003), em 1971, chamaram a atenção para a compreensão sapiencial da

Lei, à qual toda casuística da Torá é alheia. Ele vê aqui a pré-condição histórica dos

provérbios de Jesus, que não são casuísticos e almejam à evidência interna. No interior

da tradição sapiencial, os ditos de Jesus indicam peculiaridades de forma e conteúdo:

quanto à forma, é característica a frequência de exortações no plural; e, quanto ao

conteúdo, a concentração na relação com o próximo, entre outras coisas. Enfim, o

caráter especial da sabedoria de Jesus, sob o denominador de uma autointensificação,

provoca a sabedoria em sua forma mais autêntica.

Nos provérbios usados por Jesus, sucede o mesmo que nas proclamações

escatológicas. Ou seja, o provérbio é também uma espécie de modelo para re-descrição.

A função tradicional do provérbio era a de guiar as decisões nas circunstâncias

ordinárias da vida. Com o uso paradoxal do provérbio por Jesus, há uma re-orientação

da vida, desorientando-a. Nesse sentido, o provérbio de Jesus especifica e qualifica a

linguagem religiosa do Novo Testamento.

Se compararmos os dizeres apocalípticos com os dizeres proverbiais, talvez

compreendamos de que espécie de subversão se trata. A mesma transgressão afeta o

propósito ordinário do provérbio, que é o de guiar a vida em circunstâncias usuais.

No contexto dos Evangelhos Sinópticos, os provérbios de Jesus são levados à

ruptura, por meio de um uso sistemático do paradoxo e da hipérbole. Eles dissuadem de

algum modo o ouvinte de formar um projeto coerente e de fazer de sua própria

existência uma totalidade contínua. Mediante essas estratégias, o provérbio provoca a

surpresa e o escândalo, desafia a orientação contida na sabedoria popular e reorienta,

desorientando.

Para William A. Beardslee (1970, p. 30-41), o provérbio é um enunciado a

respeito de um tipo particular de circunstâncias ou situação, uma seqüência ordinária de

experiências, que pode eventualmente ser repetida 264. É por meio da repetição das

experiências, que o discurso proverbial apresenta uma analogia com a parábola. Sem ser

uma narrativa, o provérbio implica uma história, algo que acontece (cf. RICOEUR,

2006, p. 196).

A transmutação desta história ou existência terrestre é realizada no provérbio

por uma estranha estratégia, que Paul Ricoeur chama de re-orientação pela des-

orientação 266. A palavra toma aqui o caminho desviado da poética. O provérbio

pressupõe um campo comum, uma base a partir da qual responder ao desafio, donde o

campo de intensificação, que já foi dado pela sabedoria tradicional Beardslee sublinha

as conclusões de N. Perrin e chama esse traço, que se destaca da comparação de

intensificação. Isso porque, segundo ele, esse traço faz com que a forma de sabedoria

prática, própria dos provérbios, seja ao mesmo tempo, tomada e transgredida, como no

traço precedente da proclamação escatológica de superação do limite da tradição literal

temporal.

A intensificação da palavra proverbial de Jesus é subvertida pelo jogo que se

dá entre generalização e confronto. Com isso, Paul Ricoeur diz que Beardslee entende a

utilização do paradoxo e da hipérbole como a característica literária que faz manifestar a

intenção do provérbio (cf. RICOEUR, 2006, p. 196). Ou seja, a intensificação se leva a

cabo por meio desse recursos que deslocam o propósito prático do provérbio de

constituir uma ponte entre o homem de fé e a experiência comum. Os paradoxos,

mediante afirmações opostas e inversões agudas, fazem fracassar o projeto de formar

uma totalidade contínua com a própria existência; as hipérboles, com surpreendentes

desafios, também separam o leitor e o ouvinte do seu projeto de vida.

Portanto, o provérbio, submetido à lei do paradoxo e da hipérbole, não orienta

senão desorientando. A transgressão afeta o propósito do provérbio, que é o de guiar a

vida em circunstâncias usuais. Por uma falta de lógica, aparece outra lógica, a do

Reino, que dissuade de algum modo o ouvinte de formar um projeto coerente e de fazer

de sua própria existência uma totalidade contínua. Vejamos dois exemplos: Um

exemplo de intensificação paradoxal do provérbio: Quem buscar conservar sua vida,

perdê-la-á, e quem a perder, salvá-la-á (Mc 8,35; Lc 17,33). Assim nos explica Paul

Ricoeur (2006, p. 196):

O paradoxo consiste em duas afirmações opostas. De um lado, retorna o pressuposto sobre o qual o uso das palavras de sabedoria se apóia, a saber, o projeto de fazer da existência um todo contínuo. Porque quem pode forjar um projeto coerente perdendo sua vida para salvá-la ? De outro lado, afirma que apesar de tudo, a vida é concedida através desse caminho paradoxal. Se assim não fosse, teríamos uma simples negação, seja cética, seja irônica, por exemplo, do projeto da existência.

Neste provérbio, o paradoxo é mais especificamente a intensificação da

conversão da existência. Essa conversão é tão aguda que a imaginação é projetada,

sacudida para fora de sua visão de um vínculo contínuo entre uma situação e outra.

Um segundo exemplo proverbial, porém, agora de hipérbole é: Amai vossos

inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam (Mt 5,44; Lc 6,27). Segundo Paul Ricoeur

(2006, p. 196) neste caso:

A hipérbole é concebida para ejetar o ouvinte para fora do projeto de fazer uma continuidade de sua vida, nos reconduzindo ao coração da existência. O desafio da sabedoria convencional é, ao mesmo tempo, uma maneira de viver.

A hipérbole é uma exageração que produz uma intensificação, a qual também

desconjunta todo projeto de vida, como por exemplo, em amar vossos inimigos. Essa

intensificação, pelo paradoxo e pela hipérbole, nos fornecerá mais adiante uma chave

importante para a interpretação das parábolas. (cf. RICOEUR, 2006, p. 196)

d) O relato parabólico

Os estudos de Paul Ricoeur, sobre a metáfora, lhe permitiram aprofundar a

riqueza da linguagem poética, assim como a riqueza da linguagem bíblica do Novo

Testamento. Considerando que a metáfora é o paradigma do discurso poético, as

parábolas são consideradas, por Paul Ricoeur, paradigmas do discurso religioso no

Novo Testamento. E se seguirmos o itinerário de Paul Ricoeur, perceberemos que o

específico da linguagem religiosa do Antigo Testamento foi dado na análise ou na

polifonia das formas de discursos, e no Novo Testamento, o específico se clarifica por

meio da análise do texto parabólico.

Na forma parabólica, Paul Ricoeur faz a aplicação sintética de suas duas

teorias: textual e metafórica. Para ele, os códigos narrativos em ação nas narrações

parabólicas funcionam por sua vez como dois constrangimentos paradigmáticos e como

um impulso à criação, como veremos adiante.

Importa destacar antes, que os Evangelhos Sinóticos designam todas as formas

de discurso figurativo de Jesus como parábola, desde o provérbio (Lc 4,23), o dito

imagético (Lc 6,39) ou a simples comparação (Mc 13,28), até as parábolas propriamente

ditas. Isso porque, conforme a Septuaginta (LXX), o termo hebraico mashal resultou na

tradução parábola. No Antigo Testamento, o mashal é uma declaração em forma de

comparação. A parábola, pois, é um caso particular do mashal. Ela visa a revelar a

significação de uma pessoa, de um objeto ou de um evento, colocando-os em relação

com outro domínio da realidade. Na qualidade de contador de parábolas, Jesus se

inscreve nessa longa tradição veterotestamentária judaica do mashal.

Não pretendemos entrar na discussão da exegese histórico-crítica e da análise

literária. Nossa intenção, neste tópico, é compreender como Paul Ricoeur, a partir do

discurso parabólico do Novo Testamento, concebe a especificidade da linguagem

religiosa bíblica. Segundo a opinião unânime da crítica, as parábolas constituem uma

das expressões mais características da pregação do Jesus histórico. A tradição sinótica

(Mt, Mc e Lc) conservou umas quarentas delas (cf. BERGER, 1998, p. 40-58).

As coleções parabólicas permitem descobrir a linguagem de Jesus, sua intenção

pragmática e o centro teológico de sua mensagem. Entretanto, só uma operação crítica

permite reconstituir a forma original das parábolas de Jesus, uma vez que, ele nada

escreveu. Como dissemos anteriormente, não enveredaremos por este caminho de

reconstrução da forma original das parábolas.

Consideremos inicialmente que durante muito tempo a Igreja interpretou todas

as parábolas como alegorias, e, assim não apenas o conjunto da narração, mas também

cada um de seus elementos foi compreendido como uma imagem. Por exemplo, Lucas

10, 30-35 era interpretado alegoricamente mais ou menos do seguinte modo: o ferido é

o homem pecador; o bom samaritano, o Senhor; o óleo e o vinho, os sacramentos; a

hospedaria, a Igreja. Chegava-se, pois, à conclusão de que realmente o problema da

interpretação era resolvido com a alegoria.

Porém, recentemente tem-se sustentado que os elementos alegóricos teriam sido

acrescentados às parábolas pela Igreja primitiva. Mesmo levando em consideração que

várias parábolas, realmente, são alegorias, interpretadas como tais por Jesus (Mt 13, 4-9;

18-23; 24-30; 36-43; 47-50; 21, 33-41), outras possuem traços alegóricos que não se

deixam descartar (Mt 22, 2-14; Lc 13, 25-30; 19, 11-27).

É importante destacarmos que Jesus usa parábolas para anunciar o Reino de

Deus. Assim é expresso em parábolas o sucesso e o insucesso desta mensagem (Mt 13,

4-9; 18-23); a certeza de sua vinda (Mt 13,31ss; Mc 4, 26-29); seu valor para os homens

(Mt 13,44ss); a ameaça que constitui em face do juízo final (Mt 13, 24-30; 13, 36-43;

13, 47-50); a graça do reino, igual para todos (Mt 20, 1-15); o convite (Mt 22, 1-14; Lc

14, 15-24); sua vinda súbita, a vigilância necessária e em que ela consiste (Mt 24, 45-

51; 25, 1-13; 14-30; Lc 16, 1-12; 19, 11-27; 12, 35-40). Além disso, Jesus também

expressa sua própria situação em parábolas, diante da reação dos homens a seu

ministério: os pecadores se regozijam pela graça de Deus, os justos dela nada

compreendem (Lc 15, 1-32); o povo de Deus rejeita o Filho de Deus (Mt 21, 33-44). E

algumas parábolas tratam do amor ao próximo (Lc 10, 30-37); do perigo das riquezas

(Lc 12, 16-21; 16, 19-31). Inclusive a perseverança na oração (Lc 11, 5-13), também é

posta em relação com a vinda do Reino de Deus (Lc 18, 1-8). Enfim, o discurso

parabólico no Novo Testamento nos ajuda a compreender quem é Jesus (Mc 4, 21ss e

33) e qual a sua mensagem religiosa.

Contudo, o sentido das parábolas pode permanecer oculto e é preciso segui-lo

com uma explicação ou aplicação (2 Sm 12, 7; Is 5,6s). Os ouvintes podem não

concordar, rejeitar a revelação contida na parábola (Mc 12, 12; Mt 21, 45). No entanto,

o Reino de Deus não veio como os judeus esperavam (Lc 17, 20s), e não virá como nós

esperamos. Cabe compreender o Reino de Deus, expressão-limite das parábolas, na

perspectiva da fé, exatamente como o fato de que Jesus é o Cristo e, as parábolas

participam deste mistério. O que acaba de ser dito mostra que as parábolas de Jesus não

são, em primeiro lugar, um ensinamento sobre um reinado ou reino de Deus, mas que a

enunciação mesma de uma parábola por Jesus faz advir o reino de Deus como evento no

presente. Este caráter performativo da parábola assinala, ao mesmo tempo, que a

identidade do locutor reveste uma significação decisiva. Somente aquele que afirma ser

o enviado escatológico de Deus pode fazer da enunciação de uma parábola o espaço

onde o Reino de Deus se torna evento.

No que se refere à teologia, segundo Paul Ricoeur, podemos dizer que, com

Adolf Jülicher (cf. 1970) começa a moderna pesquisa sobre as parábolas como rejeição

da interpretação alegórica predominante até então, que reconhecia nas parábolas a

decifração dos mistérios teológicos. Jülicher mostrou que a compreensão alegórica das

parábolas no cristianismo primitivo se deu apenas num estágio secundário. Em Jesus,

elas tinham originalmente como alvo um ponto de comparação, pelo qual se exprimia

uma verdade universal. Por exemplo, a de que se deve sacrificar um bem menor por um

maior: o Reino de Deus (as parábolas do tesouro e da pérola, Mt 13, 44-46).

Contra a interpretação das parábolas em termos de verdades atemporais

reconheceuse que elas devem ser entendidas no contexto da pregação de Jesus, como

proclamação do Reino de Deus. Esse contexto é definido quer como a pregação

escatológica geral de Jesus (C. H. Dodd), quer como a multiplicidade de situações

biográficas concretas na vida de Jesus (J. Jeremias).

Para Paul Ricoeur (2006, p. 198):

Devemos a Dodd e a Jeremias ter recolocado as parábolas sobre o fundamento das palavras escatológicas e ter descoberto a colusão entre a visão escatológica das palavras apocalípticas e a das palavras narrativas.

Neste sentido, diz Ricoeur (2006, p. 180), Dodd (cf. 1961) compreende que as

parábolas anunciam a presença do Reino de Deus na pessoa de Jesus e que isso produz

crise na realização das esperanças escatológicas. Já Jeremias (cf. 1963), prossegue nosso

filósofo, atina para a situação biográfica de Jesus, porque o contexto histórico determina

as parábolas, afinal, o Jesus histórico é o proclamador das parábolas (cf. RICOEUR,

2006, p. 180). Devido a isso, elas são pedras originais da tradição e como tal,

normativas, e, longe do contexto histórico próprio, é difícil recolher um significado real.

Paul Ricoeur se insere dentro desta tradição moderna de estudo e interpretação.

Além disso, ele também considera as contribuições de Robert W. Funk (cf. 1996),

Eberhard Jüngel (cf. 1972), Hans Weder (cf. 1989) que interpretam as parábolas a partir

do evento-palavra que se desdobra na proclamação das mesmas. Ou seja, as parábolas

são entendidas como evento lingüístico dinâmico, em que Jesus reivindica o amor de

Deus para os pecadores, torna presente o Reino de Deus e transforma os homens de tal

forma que eles se abrem para a realidade de Deus.

Além dos estudiosos citados anteriormente, Paul Ricoeur está muito próximo

da mais recente pesquisa americana sobre a parábola, cujos representantes mais

importantes são Dan Otto Via (cf. 1967), John Dominic Crossan (cf. 1973) e Bernard B.

Scott (cf. 1989). Esses, sem dúvidas, são tributários da hermenêutica existencial, por

isso, a compreensão da parábola, se dá como evento linguístico que se baseia na

metáfora, mas que é capaz de modificar a existência humana. As parábolas, como obras

literárias completas, normalmente contêm uma mensagem chocante que contradiz as

posturas religiosas estabelecidas.

A estas investigações recentes, somam-se os trabalhos sobre a metáfora de

Jüngel, Wilden (cf. 1964) e Paul Ricoeur (cf. 2000). Esses estudiosos, ao proporem uma

nova abordagem da metáfora, inauguram também uma nova leitura das parábolas sem

negar totalmente a abordagem clássica proposta por A. Jülicher. A questão da

antigüidade, baseada na expressão introdutória “O Reino de Deus é semelhante a...”

continua como um ponto de partida possível.

Com estas considerações, Paul Ricoeur (2006, p. 134) concebe o relato

parabólico como: “... a conjunção de uma forma narrativa e de um processo

metafórico”. Ou seja, na forma narrativa das parábolas há uma torção metafórica

extravagante.

Paul Ricoeur nos adverte, com esta definição, contra a tentação de

compreender um relato-parábola simplesmente aplicando a teoria moderna da metáfora.

Além do que, só muito recentemente se aplicou o conceito de metáfora às parábolas,

visto que é recente a revisão da teoria da metáfora284. Para Paul Ricoeur (2006, p. 135),

temos de ser cuidadosos ao fazer a apressada transposição da metáfora para o discurso

parabólico:

... enunciados metafóricos limitam-se a frases, e são as expressões transitórias e vivas que se tornam triviais e, depois, mortas. A teoria da parábola exige um desenvolvimento específico a fim de ser aplicada a uma obra de discurso, que tem uma composição por sua própria conta em nível mais elevado que o da frase.

O processo metafórico do qual surge uma inovação semântica, estende-se à

composição mesma da trama em sua totalidade. Isto significa que a parábola é mais do

que uma metáfora, ela é uma narração em cujo seio está um processo metafórico.

Por isto, ao considerarmos a especificidade da metáfora, temos, por um lado,

de atentar para a função figurativa assumida pela totalidade do relato (a tensão não é

entre palavras, mas entre a cena que mostra e a realidade cotidiana), e por outro, a

função heurística (pretensão referencial), máxima do processo metafórico que sempre

aponta para além do texto. Paul Ricoeur (1996, p. 196) completa:

É como intriga e como ponta que a narrativa parabólica sofre uma transferência de sentido, um deslocamento metafórico, através do que a crise e o desenlace da história contada visam obliquamente ao Reino: o Reino de Deus é parecido com... Assim a parábola junta uma transferência metafórica a uma estrutura narrativa.

Na ordem da poética, quando a metáfora é erigida em relato, a tensão é com

uma concepção extra-ordinária. Ou seja, da dissonância semântica criada pela metáfora

surge um inesperado excedente de sentido e também um excedente que aponta para

alguma realidade fora do texto. Ou seja, consideramos que a compreensão da metáfora

não pode se esgotar nas palavras individuais ou na frase, mas na composição narrativa.

Paul Ricoeur afirma que ao é ou ao não é das metáforas corresponderia, nas parábolas, o

como ou o semelhante a entre o plano de partida e o plano da imagem. Em ambos os

casos, a tensão entre os dois planos seria de caráter semântico e hermenêutico.

O excedente de sentido e de realidade, no relato parabólico, é expresso enquanto

expressão-limite do discurso como Reino de Deus. É graças a essa expressão, que um

relato parabólico transfere o significado a outra experiência diferente daquela que está

sendo contada.

Assim, em um mesmo gênero literário se unem uma estrutura narrativa e um

processo metafórico. Ambos sustentados pela expressão limite: Reino de Deus.

“O Reino de Deus é semelhante a...” Nessa expressão introdutória do discurso

há uma comparação que aponta para um deslocamento metafórico ou uma transferência

do sentido. O Reino é semelhante ao conteúdo dramático da parábola, faz-se presente

por uma trama que põe em cena alguns acontecimentos como alguns personagens que

chegam a um desenlace trágico ou feliz (as virgens sem azeite, Mt 25, 1-12; ou o Filho

Pródigo, Lc 15, 17-24). É importante ressaltar que se trata de episódios da vida

cotidiana: as parábolas do Reino se apóiam, assim, sobre os aspectos mais dramáticos

(excepcionais, singulares, surpreendentes) da vida cotidiana, ou, como assinala nosso

autor (RICOEUR, 1996, p. 180):

a parábola submetida ao que chamarei de lei da extravagância, faz surgir o extraordinário dentro do ordinário. Não há parábola, com efeito, que não introduza na própria estrutura da intriga um traço plausível, insólito, desproporcionado, até mesmo escandaloso.

Aparentemente, o relato parabólico começa como uma narração comum.

Porém, um outro elemento rompe a lógica: o extraordinário irrompe no ordinário, no

cotidiano. Este é o segredo da parábola: a parábola significa e aponta para o Reino,

precisamente pela extravagância que vai além de seus limites.

Esta irrupção do extraordinário, responde de fato às necessidades mais

profundas do ser humano e pode às vezes ter razões de ordem dramática. Trata-se de

desconcertar o leitor, de abalar sua imagem de mundo e conduzi-lo a descobrir novas

possibilidades existenciais. A parábola torna-se então uma linguagem de mudança, ou

dizendo em termos religiosos, linguagem de conversão. Afinal, é na trama que o fato de

extravagância intervém, e com ele, o elemento de estranheza que põe a parábola no

mesmo nível das proclamações escatológicas e dos provérbios de Jesus nos Sinópticos.

Vamos analisar alguns relatos parabólicos com o objetivo de complementar o

que já foi exposto na análise das proclamações escatológicas e proverbiais, e também

explicitar, juntamente com Paul Ricoeur, o específico da linguagem religiosa bíblica do

Novo Testamento.

As parábolas contam histórias que teriam podido acontecer ou que sem dúvida aconteceram, mas é esse realismo das situações, personagens e intrigas que justamente acentua a excentricidade dos modos de comportamento aos quais o Reino dos céus é comparado. O extraordinário no ordinário: é o que me impressiona no desfecho das parábolas. (RICOEUR, 2006, p. 197-198)

, na parábola dos vinhateiros O relato parabólico se apresenta como a narração

de um caso particular interessante, no qual intervêm um ou vários personagens e

desemboca no poder sugestivo do relato de evocar o extraordinário (ex. Lc 15, 11ss).

Vejamos alguns exemplos:

Mc 12, 1-11//Mt 21, 33-44// Lc 20, 9-18: A extravagância do dono da

propriedademaus. Depois de ter enviado os servos, e esses terem sido assassinados,

envia o filho. Que proprietário palestino vivendo no estrangeiro, seria bastante louco

para agir como esse dono da vinha?

Mt 22, 1-10//Lc 14, 16-24: A estranheza do anfitrião, na parábola do grande

banquete, nos causa surpresa. Afinal, quem, ao receber uma rejeição, buscaria

convidados substitutos na rua? Não diríamos que foi no mínimo extravagante o convite?

Lc 15, 11-32: A extravagância do pai, na parábola do filho pródigo, parece ser

quase absurda. Qual Pai acolheria o filho, que excedeu todos os limites? O amor sem

limites não é também uma conduta incomum?

Mt 20, 1-10: A parábola dos empregados da undécima hora também é

excêntrica. Que empregador pagaria a seus empregados da undécima hora, da última

hora, o mesmo que aos contratados na primeira?

Mc 4, 30-32//Mt 13,31-32//Lc 13, 18-19: A extravagância das parábolas de

crescimento, nos ajuda a compreender a finalidade exata do real, afinal, de uma pequena

semente, resulta uma árvore imensa, onde os pássaros podem fazer ninhos.

Mt 13,33//Lc 13,20-21: A parábola do fermento se insere no mesmo contexto

de exagero da anterior, afinal, o efeito supera a causa.

Mc 4, 3-8// Mt 13, 3-8//Lc 8, 5-8: A parábola do semeador, destaca-se também

pelo extraordinário, afinal, o grão supera de longe a realidade.

Lc 18, 1-8: A parábola do juiz iníquo. A estranheza do comportamento do juiz

que é interessante, de repente, o juiz iníquo faz justiça.

Lc 11, 5-8: A parábola do amigo que pede ajuda de noite não é apenas a um

reforço ou exortação à perseverança na oração, pois, põe-se em relevo no texto o

comportamento do amigo incomodado, comportamento que, embora esperado, não

deixa de ser causa de espanto. As parábolas que Joaquim Jeremias agrupou sob os

títulos de “diante da catástrofe” (cf. JEREMIAS, 1996, p. 162-172) e de “A ameaçação:

é tarde demais” (cf. JEREMIAS, 1996, p. 172-181) incluem a dramatização do que na

experiência ordinária chamamos aproveitar a ocasião. Segundo Paul Ricoeur, essa

dramatização é ao mesmo tempo paradoxal e hiperbólica. Paradoxal, porque vai contra

a experiência efetiva, segundo a qual há sempre outra chance; e hiperbólica porque

exagera a experiência do caráter único das decisões importantes da existência (cf.

RICOEUR, 2006, 198-199). Por exemplo, o devedor de Mt 5, 25s e Lc 12,58s e o

crescendo inexorável do juiz, ao oficial em prisão, que dramatiza a decisão. Com

relação à atitude do intendente injusto, é habitualmente dito que é exemplar,

precisamente por causa do espírito de decisão que demonstra diante das necessidades do

momento.

As parábolas do trigo (Mt 13, 24-30) e da rede (Mt 13, 47-50), que Jeremias

coloca sob a rubrica “a via do sofrimento é a revelação da glória do Filho do Homem”

(cf. JEREMIAS, 1996, p.218-219), parecem desprovidas de todo traço de

extravagância. Contudo, um traço surpreende. O homem, na parábola do trigo, “não

quis que se arrancasse o joio”. Jeremias nota que a pergunta dos servos: “Queres que

vamos arrancar a erva má?” não é de modo algum uma questão desarticulada. É habitual

arrancar o joio, e mesmo repetidamente (cf. JEREMIAS, 1996, p. 223-224). Assim, a

significação da palavra é precisamente que “se evite toda discriminação prematura”, o

que pareceria ao contrário, sugerir o curso normal da ação.

Mt 22,11-13, na parábola do convidado privado da vestimenta de núpcias, tal

como é contada, provoca uma extrapolação em direção da escatologia, por um

comportamento que só pode parecer desproporcionado em relação à lógica da trama.

Mesmo a atitude do bom samaritano (Lc 10, 30-37) comporta um traço

excessivo que preserva o caráter parabólico, apesar de expressamente concebida como

uma história exemplar. Ela transmite uma mensagem não-convencional, que choca com

as expectativas do ouvinte. Depois do fracasso do sacerdote e do levita, os ouvintes

judeus esperam que apareça um israelita íntegro como herói, que ajude o oprimido e

com o qual eles possam se identificar. Em vez disso, aparece o arquiinimigo como

herói, e os ouvintes voltam a se encontrar forçosamente no papel de vítima (judia). A

parábola desaponta as expectativas para mostrar que no Reino de Deus se eliminam

todas as fronteiras entre os homens. Apenas o conjunto gentio de ouvintes/leitores, tal

como o pressupõe Lucas, poderia se identificar diretamente com o samaritano e ler a

parábola como uma história exemplar do que significa ser um próximo.

Se continuássemos analisando mais relatos parabólicos, nesta perspectiva,

destacaríamos mais extravagâncias, mais traços extraordinários no ordinário. Para

encerrar terminamos com as parábolas do tesouro no campo (Mt 13, 44) e da pérola (Mt

13, 45s). No nível narrativo, elas nos revelam uma história ao mesmo tempo plausível e

desconcertante. Pois que comerciante trocaria todos os seus bens por uma pérola?

Assim, todos os relatos parabólicos têm um elemento de extravagância, de

surpresa, por meio do qual desorientam a vida para orientá-la em um sentido novo. “É

então o contraste entre o realismo da história e a extravagância do desenlace que suscita

a espécie de deriva através da qual a trama e a sua ponta são subitamente deportadas

para o Todo-Outro” (RICOEUR, 1996, p. 197).

Não é tanto a bipolaridade entre ensinamento (proclamação) e pregação

(provérbio e parábola), que aqui é importante, mas antes a semelhança da passagem ao

limite que opera nesses discursos parabólicos. Portanto, o acento na parábola deve

sempre ser colocado sobre o extraordinário, o novo, o sem limite etc, porque o relato

parabólico não é apenas uma narração, mas uma narração com um processo metafórico

intensificado, que, como tal, constitui-se o específico da linguagem religiosa do Novo

Testamento, como veremos no próximo tópico.

Conclusão

Analisando as proclamações escatológicas, as fórmulas proverbiais e os relatos

parabólicos do Novo Testamento clarificam-se a textura e a especificidade da

linguagem religiosa. Todos estes gêneros literários, mediante a transgressão do quadro

cronológico, a intensificação paradoxal ou hiperbólica e a extravagância dramatizada,

apontam para um procedimento comum, uma estratégia comum no seio da linguagem

poética. Ou seja, mediante a linguagem do Novo Testamento (especificamente dos três

gêneros analisados), somos levados até ao referente último de todos os discursos

analisados: o Reino de Deus. Este referente especifica a linguagem religiosa, uma vez

que a expressão Reino de Deus traz para dentro da linguagem poética um sentido de

extravagância, que lhe confere um uso especificamente religioso.

Paul Ricoeur (cf. RICOEUR, 2006, p. 28-30), valendo-se da análise de J.

Ramsey sobre a linguagem teológica denomina os três discursos do Novo Testamento

analisados, de modelos, e as transgressões dos usos ordinários ou tradicionais, de

qualificadores.

Vimos que os provérbios servem para guiar as decisões nas circunstâncias

ordinárias da vida. Por isso, constituem-se numa espécie de modelo para redescrição.

Todavia, com o uso paradoxal e hiperbólico de Jesus, eles re-orientam des-orientando.

O mesmo sucede com o discurso escatológico de Jesus que, dentro do modelo

apocalíptico e literal de interpretação do tempo, rompe com o quadro tradicional e

convida os ouvintes ou leitores a re-descreverem a totalidade das relações temporais. E

por último, a parábola que, por meio da trama, estabelece uma tensão entre o ordinário e

o extraordinário, inserindo um traço de extravagância no relato parabólico.

Com isso, Paul Ricoeur afirma que não é tanto a função metafórica enquanto

tal que constitui a linguagem religiosa, mas a intensificação da função metafórica, que

também se encontra em outros discursos não metafóricos, tais como o discurso

proclamatório e proverbial dos Evangelhos Sinópticos.

Assim o filósofo francês (RICOEUR, 2006, p. 137) nos explica:

Chamando-o qualificador de cada um desses modos de discurso, trato-o como um símbolo que requer uma interpretação capaz de fazer dele uma parte do sentido da parábola, do provérbio ou do dito proclamatório. É o indicador que aponta para além da estrutura, para além mesmo da dimensão metafórica, e que requer um fator correspondente de radicalidade na redescrição da realidade humana.

O fator de radicalidade da redescrição da realidade humana, ou seja, os vários

processos por meio dos quais a linguagem religiosa modifica a linguagem poética,

fazendo dela uma linguagem estranha, são denominados expressões-limites.

E para Paul Ricoeur a expressão Reino de Deus é justamente a expressão

comum e o elemento capaz de radicalizar a realidade humana. Por isso, ela exerce nos

discursos do Novo Testamento a função de expressão-limite. Também poderíamos

arriscar, segundo ele, chamar ao Reino de Deus de expressão simbólica ou referente-

limite, na medida em que o funcionamento da linguagem religiosa orienta o exame para

uma característica correspondente da experiência humana, que podemos chamar

experiência-limite (RICOEUR, 2006, p. 204). Ou seja, a irrupção do inaudito em nosso

discurso e em nossa experiência constitui precisamente uma dimensão de nosso discurso

e de nossa experiência. Conforme Paul Ricoeur (2006, p. 207): “falar de experiências-

limites é falar de nossa experiência”.

Nesse sentido, devemos dizer que o referente último das parábolas, provérbios

e dizeres escatológicos não é o Reino de Deus, mas a realidade humana em sua

totalidade (cf. RICOEUR, 2006, p. 207-208). O que a linguagem religiosa faz, é revelar

a dimensão religiosa da experiência humana comum, transcendendo em direção às

experiências que são experiências-limites.

Portanto, o específico da linguagem religiosa do Novo Testamento, conforme

estudado, é o acesso ou a revelação da experiência humana na sua profundidade, que

beira ao limite. A linguagem religiosa é poética de um modo excêntrico e único, porque

visa à transgressão ou à superação dos discursos, apontando mais além de seu

significado imediato, isto é, até o Totalmente Outro.

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Artigo recebido em 20.05.2012Artigo aprovado em 03.07.2012