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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA REGISTRADO(A) SOB N° *03272845* ACÓRDÃO RESPONSABILIDADE CIVIL - Danos materiais e morais - Extravio de bagagem colocada no bagageiro do ônibus - Indenização por danos materiais tarifada - Danos morais caracterizados - Má prestação de serviços da empresa transportadora - Responsabilidade objetiva - A indenização por dano moral é "in re ipsa", pelo que prescinde de comprovação - Valor da indenização fixado em dez vezes o valor do prejuízo experimentado pelo autor (R$16.964,00) - Recurso parcialmente provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO 991.07.079676-0, da Comarca de Jundiaí, sendo apelante Maicon Moda e apelado Viação Cometa S/A. ACORDAM, em Décima Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento em parte ao recurso. Recurso à r. sentença proferida pelo MM. Juiz Antônio Carlos Soares de Moura e Sedeh que, nos autos da ação de indenização por danos materiais e morais, julgou parcialmente procedente o pedido do autor, condenando a ré a pagar ao autor, pelo extravio de sua mala, a quantia de R$ 959,31, com atualização monetária desde o extravio e acrescida de juros de mora, a contar da citação. Recorre o autor buscando a majoração do valor fixado a titulo de danos materiais, e insistindo no direito à indenização pelos danos morais suportados. Recurso regularmente processado e respondido. É o relatório. A matéria de fato (extravio da bagagem do apelante) restou incontroversamente assentada nos autos. Assim, não mais se discute tal assunto. Quanto ao dano material, este foi fixado em R$ 959,31 por não ter sido provado o que continha na mala e por ser a indenização tarifada. Com efeito, não é possível saber com certeza se a mala continha os objetos alegados pelo autor. ARTES GRÁFICAS - TJ I . - ^

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA

REGISTRADO(A) SOB N°

*03272845*

ACÓRDÃO

RESPONSABILIDADE CIVIL - Danos materiais e morais - Extravio de bagagem colocada no bagageiro do ônibus - Indenização por danos materiais tarifada - Danos morais caracterizados - Má prestação de serviços da empresa transportadora - Responsabilidade objetiva - A indenização por dano moral é "in re ipsa", pelo que prescinde de comprovação - Valor da indenização fixado em dez vezes o valor do prejuízo experimentado pelo autor (R$16.964,00) - Recurso parcialmente provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO 991.07.079676-0, da Comarca de Jundiaí, sendo apelante Maicon Moda e apelado Viação Cometa S/A.

ACORDAM, em Décima Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento em parte ao recurso.

Recurso à r. sentença proferida pelo MM. Juiz Antônio Carlos Soares de Moura e Sedeh que, nos autos da ação de indenização por danos materiais e morais, julgou parcialmente procedente o pedido do autor, condenando a ré a pagar ao autor, pelo extravio de sua mala, a quantia de R$ 959,31, com atualização monetária desde o extravio e acrescida de juros de mora, a contar da citação. Recorre o autor buscando a majoração do valor fixado a titulo de danos materiais, e insistindo no direito à indenização pelos danos morais suportados.

Recurso regularmente processado e respondido.

É o relatório.

A matéria de fato (extravio da bagagem do apelante) restou incontroversamente assentada nos autos. Assim, não mais se discute tal assunto.

Quanto ao dano material, este foi fixado em R$ 959,31 por não ter sido provado o que continha na mala e por ser a indenização tarifada. Com efeito, não é possível saber com certeza se a mala continha os objetos alegados pelo autor.

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Assim, a irresignação do autor quanto ao valor fixado a titulo de danos materiais não pode ser acolhida, restando mantida a indenização fixada à tal titulo.

Já quanto aos danos morais, merece provimento o apelo.

Com efeito, todo o quadro narrado na petição inicial demonstra assistir razão ao pedido no sentido da imperiosidade de indenizar-se o autor a título de danos morais, desde os primórdios buscado por ele.

E como é cediço, o contrato de transporte é de resultado, não sendo portanto de realização aleatória, caminhando paralelamente à obrigação de segurança e de regular prestação dos serviços inclusive no que toca com o acompanhamento da bagagem do passageiro. Tal prestação de serviços tem a ver com sua própria adequação, ou seja, com sua prestabilidade. E o descumprimento de qualquer dessas obrigações, mesmo no direito anterior ao Código de Defesa do Consumidor, dá ensejo ao dever de indenizar, independentemente de qualquer discussão de culpa do contratante inadimplente. E o serviço, embora prestado, o foi de maneira viciada, consistindo tal vício na inadequada qualidade deles, na forma do art. 20 do mesmo Código de Defesa do Consumidor. Em outras palavras, o serviço foi impróprio.

Não vale argumentar com a inexistência de prova pelo autor dos danos efetivos que alegou ter ele experimentado. Reconhece-se no caso presente tratar-se de hipótese de responsabilidade objetiva.

Ora, conforme já assentado, a matéria de fato resultou incontroversa. Sem prejuízo disso, tais danos estão ínsitos na situação narrada na petição inicial. Decorrem eles da própria situação a que se submeteu o autor por força dos fatos ali trazidos à colação. E qualquer do povo conhece a natureza e a dimensão do sentimento proveniente do transtorno acarretado ao mesmo demandante.

E na hipótese vertente o pedido consubstanciado em tal petição encontra sustentação nada mais nada menos do que em dogma constitucional (art. 5°., incisos V e X, da Constituição Federal). E os "danos morais" aí previstos representam conceituação moderna, ditada pelo avanço tecnológico que provocou e tem provocado a substituição do homem pela máquina. E num quadrante em que o ser humano cria universalidades de direito e de fato para depois, num processo de autolimitação, render-se às normas ditadas por tais universalidades, como se não proviessem elas do intelecto e não fossem resultantes do consenso de seus componentes (seres humanos). Daí a facilidade e a comodidade de descumprimento de obrigações sempre sob o pretexto de estarem sendo cumpridas tais normas ditadas por entidades etéreas e abstratas. Privilegiadas sempre e em detrimento do ser humano que rende tributos e se escraviza (até por comodismo e para isentar-se de responsabilização), em processo de inversão de valores, a tais entidades.

E disso tudo decorrem as explicações sempre retóricas (mas de absolutamente nenhuma praticidade) pelas empresas que descumprem, como de sua obrigação, o contrato de transporte em sua integralidade. E por meio delas,

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sempre se cria um virtual posicionamento de ética e de "savoir faire", reconhecendo-se explicitamente e sem rodeios, por um lado, a responsabilidade pelo ocorrido, mas, por outro, contando sempre com a compreensão e fidelidade dos usuários e objetivando sempre aprimoramento dos serviços. Mas, no campo prático, nada ...

E é assente ser objetiva a responsabilidade do transportador pelos danos causados pela má prestação de serviços. Há desnecessidade de prova do dano. Além do mais, são inegáveis os danos sofridos pelos passageiros com o atraso do transporte e com o dano psíquico causado pelo extravio da bagagem." (Apelação n. 650.689-8, São Paulo , 8a. Câmara Especial, extinto 1o. TACSP, v.u., rei. Juiz Franklin Nogueira, j . 03/01/96).

E não fossem todas essas circunstâncias e aquelas já apontadas quanto ao tópico atinente à comprovação do dano experimentado pelo autor, "não é necessária uma agressão à personalidade moral do ser humano para que se configure o dano moral, sobretudo porque a conseqüência não é nada de tão dramático : ela é , no plano civil, mera e prosaica indenização. Não se há exigir , no plano ético, que o dano moral seja tão grave e funesto quando a conseqüência que a ordem jurídica lhe assinala se resume numa indenização compensatória... dano moral é aquele dano que se pode depois neutralizar com uma indenização de índole civil, traduzida em dinheiro, embora a sua própria configuração não seja material. Não é como incendiar-se um objeto ou tomar-se um bem da pessoa. É causar a ela um mal evidente " (voto vencedor do Min. Francisco Rezek quando do julgamento do caso já aludido acima pelo E. S.T.F.) . E discorrendo sobre a pecha de "país da impunidade" outorgada ao Brasil, conclui o eminente jurista: "parece-me que essa forma de leniência no foro cível deveria finalmente, à luz da CF/88, encontrar seu paradeiro, produzindo-se uma situação nova, condizente com os termos da Carta".

E não se olvide, por seu turno, que o dano moral é "in re ipsa" ou "damnum ex facto", pelo que prescinde de comprovação, mesmo porque atinge a esfera extra-patrimonial do ofendido. E a alma somatiza as dores do corpo e esse as daquela, o que tudo se situa na esfera metafísica ou no campo do intangível.

E a conduta da empresa recorrida traduz a ocorrência de danos morais "in re ipsa". Aliás, sem muita dificuldade é curial concluir-se que a má prestação de serviços, é comprovação da existência de dano moral.

Porém, não se pode acolher o pedido de indenização no montante requerido pelo autor.

Com efeito, pleiteia o autor o valor de 50 salários mínimos como indenização pelos danos morais sofridos, valor este que se afigura exagerado. É que a fixação do "quantum", em casos que tais, há de atender aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, do mero lenitivo ao ofendido e de desestímulo do ofensor.

E, essa E. Câmara de há muito tem assentado o não cabimento de fixação de indenização em salários mínimos.

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Confira-se a respeito e apenas para exemplificar o constante do v. acórdão prolatado nos autos da apelação n. 1105903-9 de Campinas (V.D. de Paulínia), voto n. 8988 desse relator: "imperioso lançar-se uma segunda observação: a condenação em salários mínimos não podia ser assim assentada, já que a lei n. 6205, de 29 de abril de 1975, dispõe que "os valores monetários fixados com base no salário mínimo não serão considerados para quaisquer fins de direito" (art. 1o, "caput", de tal diploma legislativo).

Aliás e no mesmo sentido disposição lançada na Constituição Federal (art. 7o, inciso IV, parte final).

Assim, dez vezes o valor do prejuízo alegado (10 X R$ 1.696,40= 16.964,00) traduz suficiente lenitivo ao autor.

Diante do exposto, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, com a conseqüente condenação da ré ao pagamento da indenização em valor já referido, com o acréscimo de correção monetária a partir do ajuizamento da ação, dos juros de mora de um por cento ao mês a partir da citação, das custas e despesas processuais corrigidas e dos honorários de advogado ora fixados em vinte por cento sobre o valor da condenação.

Presidiu o julgamento o Desembargador THIAGO DE SIQUEIRA e dele participaram o Desembargador PEDRO ABLAS e o Desembargador JOSÉ TARCISO BERALDO.

São Paulo, 27 de outubro de 2010.

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