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UNIVERSIDADE CATLICA DE GOISDEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CINCIAS DA RELIGIO
AS RESSIGNIFICAES DE EXU DENTRO DA UMBANDA
LENNY FRANCIS CAMPOS DE ALVARENGA
GOINIA2006
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UNIVERSIDADE CATLICA DE GOISDEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CINCIAS DA RELIGIO
AS RESSIGNIFICAES DE EXU DENTRO DA UMBANDA
LENNY FRANCIS CAMPOS DE ALVARENGA
Dissertao apresentada aoMestrado em Cincias da Religioda Universidade Catlica deGois como requisito parcial paraobteno do ttulo de Mestre emCincias da Religio.
Orientador: Prof. Dr. LuigiSchiavo.
GOINIA2006
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DISSERTAO DO MESTRADO EM CINCIAS DA RELIGIO DEFENDIDA EM31 DE AGOSTO DE 2006
E APROVADA COM NOTA 7,0 (SETE INTEIROS)PELA BANCA EXAMINADORA
1) Dr. Luigi Schiavo / UCG (Presidente): _____________________________________
2) Dra. Irene Dias de Oliveira / UCG (Membro): _______________________________
3) Dra. Olga Rosa Cabrera Garcia / UFG (Membro): ___________________________
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AGRADECIMENTOS
No teria conseguido terminar este mestrado sem que uma srie de fatores
fosse reunida. Meus pais, Luiz e Doraci, so a base de tudo, sempre com amor,
priorizaram uma formao intelectual slida para mim e meu irmo, como tambm
promoveram nosso crescimento moral e espiritual. A eles, meu amor e dedicao e
todo o reconhecimento do mundo pelos anos de renncia pessoal em prol de seus
filhos. Obrigado por tudo!
Ao meu irmo Jules, pelo carinho e dedicao e por demonstrar tanto
interesse pela minha felicidade e bem estar, meus sinceros agradecimentos e os
mais profundos votos de crescimento espiritual a voc, a Flavielle e o pequeno Davi.
A minha doce Dineiva, meu amor, meu esteio, a total responsvel por minha
transformao pessoal, retirando-me do ostracismo em que me encontrava e me
dando um sentido para viver. Toda sua dedicao e seu amor incondicional me
ampararam nesta jornada, fazendo com que a mesma s tivesse sentido com voc
ao meu lado. Que Deus nos ilumine sempre! Te amo muito! Muito!!
Agradeo ao Luiz Jnior, amigo confidente, pela sincera amizade e
companheirismo j a longos e duros anos. E no poderia deixar de externar aqui
minha admirao e gratido por seu pai, sr. Luiz, por tudo que fez por mim e porminha famlia e que s Deus um dia saber recompensar
Agradeo a Claudio Herbert Nina e Silva pela amizade incondicional. Sua
inteligncia e senso crtico fizeram com que eu encontrasse um amigo fiel com quem
eu pudesse aprender sobre qualquer coisa.
Um agradecimento especial a Avimar Ferreira Jnior por sua amizade e os
profundos ensinamentos sobre a Religio dos Orixs. Suas explanaes iluminaram
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pontos obscuros do meu conhecimento sobre o tema. Que Oxal esteja sempre
contigo!
Agradeo aos professores Luigi Schiavo, Alberto da Silva Moreira e Haroldo
Reimer pelo incentivo durante a execuo do trabalho.
Agradeo a Secretria Geyza Pereira pela ateno, pacincia e humanidade
no trato para comigo.
Aos professores da Faculdade de Psicologia da Universidade de Rio Verde
FESURV Maria Flavina, Patrcia Pinto, rik Melo, Aline Roberta, Luiz Fernando,
dentre tantos outros colegas que me apoiaram durante a realizao do mestrado.
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ABSTRACT
ALVARENGA, Lenny Francis Campos de. THE SIGNIFICATES OF EXU IN THEUMBANDA RELIGION.(masterate of Religion Sciences) Universidade Catlica deGois, 2006.
The finality of this dissertation was to investigate the functions, images andsignificates of Exu in the umbanda religion. The developing of this theme
demonstrate that his significations works in one elevated level, that shows thesistematization of the umbandas theology and doctrine in his more importantsstreams of religious thinking. From this point of view, one comparative model of theExus image in his African origins and his transformations in the Brazilian ground wasmaked, searching the sincretism and sistematization of this theology and doctrine, inthe level iconographic and functional.
Key Works: significates, Exu, umbanda religion, sistematization.
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SUMRIO
AGRADECIMENTOS..................................................................................................4
RESUMO.....................................................................................................................6
ABSTRACT.................................................................................................................7
INTRODUO ............................................................................................................9
CAPTULO 1 .............................................................................................................15
1.1 Linhas Interpretativas..........................................................................................15
1.2 Umbanda.............................................................................................................27
1.2.1 O que umbanda?...........................................................................................27
1.2.2 O surgimento da umbanda...............................................................................30
1.2.3 As linhas de pensamento dentro da umbanda ................................................. 37
CAPTULO 2 .............................................................................................................44
2.1 Quem Exu? ......................................................................................................44
2.2 Mitos, Smbolos e Ritos de Exu Da frica ao Brasil.........................................47
2.3 O que mudou?.....................................................................................................55
2.3.1 Exu e as linhas de pensamento da umbanda...................................................55
CAPTULO 3 .............................................................................................................623.1 Elementos relacionados ressiginificao de Exu..............................................62
3.1.1 A identificao Exu/diabo aspectos histricos e atuais ................................. 64
3.1.2 Os inimigos da umbanda resposta aos ataques............................................74
3.1.3 A influncia da (ps)modernidade na umbanda...............................................82
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .........................................................................88
ANEXOS ...................................................................................................................93
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1 INTRODUO
Existem hoje no Brasil mais de 76 milhes de brasileiros que se declararam
negros ou afro-descendentes no ltimo censo, o que representa cerca de 45% da
populao do pas1. A influncia da cultura negra no dia-a-dia reflete sua importncia
dentro do modelo civilizatrio brasileiro. A culinria africana e afro-descendente,
antes legada somente ao paladar dos negros, so hoje iguarias especiais que
complementam o cardpio de importantes restaurantes. A msica e a dana, desde
o samba em suas razes, at os movimentos scio-culturais que surgiram sob a
gide do ritmo afro-baiano ax, alm da capoeira e todos os ritmos e instrumentos
musicais oriundos da frica influenciam grande parte da cultura brasileira. O folclore
afro-brasileiro que juntamente com outras tradies permeiam nosso imenso pas
com suas festas populares (congada, por exemplo). A influncia das lnguas negras
(tanto dos grupos sudaneses quanto dos bantus) no portugus duradoura,
principalmente no que tange o seu uso litrgico dentro das denominadas religies
afro-brasileiras: umbanda, quimbanda, candombl, entre outras e mesmo fora
destas religies, onde podem ser encontradas uma srie de expresses de uso
cotidiano na lngua portuguesa (CASTRO, 2001, p. 25).S a imensa influncia cultural citada, em si j justificaria a realizao deste
trabalho, mas no posso me furtar de demonstrar, dentro do modelo cultural afro, a
crescente demanda religiosa dentro do cenrio religioso atual.
1Segundo dados do Censo Demogrfico 2000 do IBGE e citados emhttp://www.criola.org.br/dados_regiao.htm, (consultado em 17/08/2006).
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As religies afro-brasileiras constituem atualmente um amplo campo de
estudos, tanto pela importncia histrica quanto atual na vida da sociedade
brasileira. A expanso de centros, terreiros, tendas, etc, destas religies justifica o
nmero cada vez maior de teses e dissertaes, alm de artigos, livros e captulos
de livros sobre o tema. No censo do IBGE em 2000, 0,34% dos brasileiros se
declararam seguidores de religies afro-brasileiras, mas este nmero no reflete a
realidade destas religies no pas. Prandi (2002, pp. 03-07), indica que em censos, a
maioria absoluta dos seguidores e freqentadores das religies afro se escondem
atrs da denominao catlico, ou mesmo esprita, mas o prprio, estima que
cerca de 30 milhes de brasileiros so freqentadores (simpatizantes ou fiis),
mesmo que sazonais, de terreiros em todo o Brasil.
No II Festival Mundial de Artes e Culturas Negras realizado em Lagos,
Nigria, em 1978, Ren Ribeiro da Universidade Federal de Pernambuco
demonstrou, utilizando dados oficias do IBGE de ento, que a religio que mais
crescia (em termos proporcionais) no pas at aquele momento era a umbanda
(SAIDENBERG, 1978[a], p. 35); o que se confirmou no censo divulgado em 1980
(PEREIRA, 2002, pp. 03-04).
Prandi (1989, p. 37) chama a ateno para uma pesquisa realizada pelo
Centro de Estudos da Religio Duglas Teixeira Monteiro em 1982 que demonstraque na dcada de 1950 existia somente um (1) terreiro de candombl registrado em
cartrio no estado de So Paulo, enquanto que na dcada de 1960 o nmero foi de
83 terreiros, pulando na dcada seguinte para 856 terreiros e at o ano de 1982 o
nmero era de 1.200 terreiros registrados, o que demonstra claramente um forte
crescimento. No Rio de Janeiro, estima-se que no incio da dcada de 1970 existiam
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mais de 20.000 terreiros de umbanda e 1.500 de candombl s no ento estado da
Guanabara (BANDEIRA, 1972, p. 38).
H atualmente uma revista mensal de carter religioso (Revista Espiritual de
Umbanda, fundada em 2005), alm de dois jornais (Jornal de Umbanda Sagrada,
fundado em 2001, e Jornal Orixs), um boletim (Sarav Umbanda, fundado em
1999) e um informativo (Novo Milnio), todos impressos e de circulao nacional a
respeito de umbanda, candombl, quimbanda e outras manifestaes religiosas de
origem afro; alm de um sem-nmero de publicaes on-line a respeito destas
manifestaes religiosas. Com uma simples pesquisa no site de busca na Internet
Google, observamos que ao procurarmos pela palavra-chave Orixs obtivemos
como resposta 302.000 sites sobre o tema ou que continham a palavra. Com a
palavra-chave Umbanda o nmero de sites encontrados subiu para 427.000; j
com a palavra-chave Candombl foram 330.000 sites, enquanto que a palavra-
chave Quimbanda encontrou 23.500 pginas na Internet que continham este tema,
sendo todos os sites em portugus2. Se utilizarmos outras denominaes para as
religies de cunho medinico que sofreram influncia das religies e tradies afro,
como por exemplo o Catimb, o Batuque, o Xang do Recife, o Tambor de Mina
Maranhense, bem como os nomes das divindades: Orixs, Voduns e Inkices
especficos e suas variantes; poderemos encontrar nmeros ainda mais expressivos.Todos os dados apontados acima reforam a importncia das religies afro,
entre elas a umbanda, no cenrio religioso das ltimas dcadas. Sua importncia vai
desde o crescimento no nmero de adeptos, a movimentao econmica que
abrange o comrcio de produtos e artigos religiosos at a publicao de livros e
2Pesquisa realizada no Google em 23/08/2006.
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ausncia da gira, alguns respondiam ser Exu uma entidade atrasada, com pouca
luz e, portanto sem condies de atender a assistncia, os visitantes e os fiis.
Em outras ocasies, a resposta variou para a compreenso de que estas
entidades, na verdade, eram escravas dos orixs e guias de umbanda e s
trabalhavam quando estes assim o determinavam. Uma outra variante de respostas
dizia respeito a Exu ser o protetor e guardio do terreiro e de todos que esto nele,
considerando, inclusive, que o nome genrico Exu, no refletia a verdadeira
natureza desta entidade e de suas atribuies.
Tais contradies me fizeram refletir sobre quais seriam os motivos que
levaram a tantas interpretaes diferentes. Deparei-me, ento, com um problema
metodolgico: no havia nenhum trabalho acadmico em nvel de mestrado ou
doutorado que descrevesse as diferentes vises da umbanda e como cada uma
delas entendia Exu. Optei ento por um trabalho terico que pudesse dar
sustentao aos trabalhos empricos que surgissem a partir de ento.
Com este intuito, o presente trabalho visou identificar e descrever o processo
de ressignificao de Exu na umbanda, procurando entender o significado de tantas
interpretaes sobre sua imagem e seu papel dentro da mesma. Para tanto foi
necessrio que retornssemos a frica para analisarmos seus mitos, ritos e
smbolos, o surgimento e as caractersticas do sincretismo diabo-exu, paraposteriormente identificarmos as mudanas sofridas dentro da umbanda. Para tanto,
foram adotadas as seguintes linhas de trabalho:
1) A descrio da umbanda, seu surgimento e a identificao de suas
principais correntes de pensamento;
2) Como que cada uma dessas correntes pensa e trabalha a questo de Exu
dentro de suas caractersticas prprias;
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3) Apontar as principais causas das ressignificaes de Exu dentro destas
sistematizaes teolgicas dentro da umbanda.
O caso de Exu e a anlise destas ressignificaes um exemplo
paradigmtico das mudanas que a umbanda passa e passou ao longo de sua
histria e de como hoje, ingressa-se no processo de institucionalizao
burocratizada que leva seus sacerdotes a se organizarem em Colgios, Novas
Federaes (como as que surgem no estado de So Paulo) e at mesmo uma
Faculdade de Teologia Umbandista reconhecida pelo MEC.
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CAPTULO 1
1.1 - LINHAS INTERPRETATIVAS
Para a compreenso do papel de Exu dentro da sociedade yorub,
necessrio diferenciar e conceituar o que um orix, um ancestral e um egn dentro
de sua cosmoviso. A sociedade yorub monotesta em sua essncia, pois
identifica e classifica um nico Deus como criador de tudo e de todos, inclusive dos
orixs. As classificaes nominais seguem um modelo antropnimo de atribuio de
significados segundo suas realizaes (BENISTE, 1997, p. 27). A este Deus nico
so atribudos vrios nomes, entre eles: Olrun (que significa o Senhor do Cu ou
Dono do Cu5) e Oldmar (que pode significar Senhor Dono do Poder)
(VERGER, 1999[a], pp. 21-22; 1999[b], pp. 487-492). Olrun no possui culto
especfico, mas no deixa de ser lembrado e saudado atravs dos mitos e ritos
dedicados aos orixs.
O nome dos orixs seguem a mesma premissa antropnima e geralmente
esto relacionadas a suas atribuies. Sobre a origem dos orixs Verger diz:O orix seria, em princpio, um ancestral divinizado, que, em vida, ,estabelecera vnculos que lhe garantiram um controle sobre certas forasda natureza [...], ou ento, assegurando-lhe a possibilidade de exercercertas atividades como a caa, o trabalho com os metais [...] oconhecimento das propriedades das plantas e de sua utilizao. O poder,se, do ancestral-orix teria, aps a sua morte, a faculdade de encarnar-semomentaneamente em um de seus descendentes durante um fenmenode possesso por ele provocada. A passagem da vida terrestre condiode orix desses seres excepcionais, possuidores de um se poderoso,produz-se em geral em um momento de paixo, cujas lendas conservam alembrana. [...] Estes antepassados divinizados no morreriam de morte
natural, morte que em ioruba vem a ser o abandono do corpo, ara, pelosopro, em. Possuidores de um se muito forte e poderes excepcionais,
5 Cu seria uma representao aproximada da palavra yorub run.
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Estas interpretaes esto na base para o entendimento da principal
modificao que ocorreu no significado de Exu do culto original africano para a
umbanda: a transformao de um orix em egn7
.
Na frica ento, Exu orix e tem carter de divindade. Para entendermos
suas ressignificaes importante entendermos algumas categorias antropolgicas.
A noo de espao/tempo essencial nesta anlise para o entendimento do culto a
Exu em seus diferentes contextos aqui propostos para estudo. A manifestao de
uma entidade se d em um espao especfico que Eliade (2001, p. 42 e segs)
chama de espao sacralizado. Este espao diferencia o que profano (no-sagrado)
do que sagrado e sua justificativa se faz atravs da rememorao mtica e ritual
referente a uma poca primordial, no caso, a poca em que os orixs viveram e
realizaram seus feitos.
Na frica, os espaos sagrados so caracterizados por uma consagrao
especfica como quando so erigidos templos religiosos de adorao aos orixs, por
exemplo, mas tambm existem os lugares naturalmente sagrados, como algumas
florestas, rios especficos (geralmente representaes de orixs femininos), etc. Os
espaos sagrados de Exu so os lugares pblicos, as entradas das cidades, das
casas, das vilas, feiras, entradas de templos, alm dos templos erigidos em sua
homenagem. So nestes lugares, que seus assentamentos
8
so colocados;caracterstica esta que foi repassada para algumas correntes de pensamento
umbandistas.
Na frica e no candombl, o espao sagrado a porta para o run (moradia
dos seres sobrenaturais), de onde os homens podem ascender e os orixs e os
7 Voltaremos e este tema mais adiante quando falarmos das mudanas no significado da figura deExu da frica para a umbanda.8 Assentamento: Artefato individual, representativo do ris, constitudo de diversos elementos domundo mineral, animal e vegetal. (PORTUGUAL-FILHO, 2004, p. 135).
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antepassados podem descer at a terra; onde h a comunho com o
transcendente, comunho esta possvel graas a Exu (SANTOS, 1976, p. 50 e
segs). Na umbanda, o prprio terreiro o espao sagrado por excelncia e atravs
dele que os guias espirituais descem de Aruanda (tem em tese o mesmo sentido de
run) e se manifestam.
O tempo no qual o culto acontece diferente em terras da frica do que no
Brasil. A perspectiva dessa diferena pode ser entendida na medida em que
compreendemos que as concepes de tempo na frica so caractersticas de um
perodo pr-capitalista, onde so marcados segundo acontecimentos naturais, como
o movimento dos astros e mudanas de Lua, o incio e o fim das estaes chuvosas,
etc.
O tempo na frica o tempo da narrativa, em que segundo Benjamin (1986),
narra os acontecimentos da vida segundo as percepes de quem as vivencia. Este
tempo da narrativa no precisa (e geralmente no est) estar atrelado ao tempo
cronolgico, medido e quantificado to caracterstico da modernidade.
Para a umbanda, este tempo totalmente adaptado as condies de vida
moderna. Os cultos so geralmente noite e em horrios fixos, o que permite que
as pessoas se programem e onde a maioria dos trabalhadores da casa quantos os
clientes e fieis, j deixaram seu trabalho e se dirigiram aos seus lares, ondepermanecem envolvidos em suas atividades domsticas at o momento de irem ao
terreiro.
Outra categoria antropolgica importante para a anlise das modificaes no
significado da figura de Exu na umbanda o conceito de mito. Eliade define o mito
da seguinte forma:
o mito conta uma histria sagrada; ele relata um acontecimento ocorridono tempo primordial, o tempo fabuloso do princpio... Os mitos,efetivamente, narram no apenas a origem do Mundo, dos animais, das
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Por este motivo, o presente trabalho no far uso do termo sincretismo, nem
mesmo em seu sentido mais amplo, para se referir ao processo de representao
estabelecido entre as divindades catlicas e africanas.
Verger (1999[a], p. 25-28) afirma ser praticamente impossvel determinar o
momento inicial da identificao entre os santos catlicos e os orixs africanos.
Mesmo entre Exu e o diabo dos cristos, todas as evidncias apontam para uma
origem localizada na frica11 sobre esta representao.
Foi atravs deste sistema de analogias que a umbanda foi e constituda de
um simbolismo nico e atravs do smbolo que o homem diferencia o sagrado e o
profano, o material do imaterial.
Eliade (1996, p. 20 e segs.) demonstra que nas sociedades arcaicas ou
tradicionais os smbolos surgem atravs de uma experincia original com o Sagrado.
Tudo recebe uma qualidade especfica que diferencia um smbolo de outro. As
imagens em si no carregam necessariamente um nico significado, mas atravs
de um ritual de sacralizao pode-se atribuir-lhe um significado mpar. Assim se
caracterizam os assentamentos de Exu.
Segundo Rocher (1971) o smbolo qualquer representao de uma
realidade para outra. Sua caracterstica tomar emprestada unidades significativas
de um sistema j constitudo, submetendo-as a uma nova organizao. Para tornaruma pedra laterita parte do assentamento de Exu (tanto Exu-egn quanto para
qualidades de Exu-orix), ser necessrio utilizar elementos do reino animal, mineral
e vegetal que j carregam um significado pr-estabelecido, transferindo os mesmos
para a pedra, que passa ento a apresentar as qualidades necessrias para se
tornar um assentamento de Exu (representativo e diretamente ligado a tal Exu).
11 Voltaremos a este tpico no captulo referente identificao Exu-diabo.
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obrigaes de um, trs, sete anos, por exemplo), eleva o status social do iniciado,
acarretando em uma mudana de cargo e levando-o a ter novas e mais atribuies
(RIVIRE, 1997, p. 80).
As reconfiguraes dos mitos e ritos referentes a Exu dentro da umbanda,
obedecem a um processo social intenso. Da frica ao Brasil, mais do que uma
mudana de localidade, mudou-se tambm os sistemas sociais dos africanos. Estes
deixaram de se relacionar pelo contato social13 e passaram a faz-lo (com o mundo
e o outro) atravs do estabelecimento de uma diviso social do trabalho
caracterizado pelo sistema escravagista que inexistia na frica. Esta mudana
mais abrupta do que se pensa a princpio, pois os africanos estavam distantes de
configurar na frica os sistemas de trabalho servil caracterstico escravido.
Aps a dispora, suas relaes tnicas se perderam, bem como seus
sistemas sociais e no Brasil, alm de terem de se adaptar ao sistema servil de
trabalho, ainda tiveram que restabelecer o intercmbio com os negros provenientes
das mesmas regies. Mas medida que o sculo XX surge e avana, a
modernidade aparece e contribui ainda mais com este distanciamento.
Na dcada de 1950, uma modernidade tardia e perifrica impulsionou o
desenvolvimento das cidades brasileiras, que por sua vez buscavam mo de obra
para o seu crescimento, aumentando assim a migrao do campo para as cidades,culminando no aumento das periferias e consequentemente no aumento da pobreza
e da excluso social. Dentre os que vinham para as cidades, estavam os negros,
atrados pelas promessas de oportunidades e prosperidade fcil.
13 Apesar de j existir na frica um intrincado sistema de comrcio baseado nas feiras realizadas em
vrias localidades do territrio yorub, entre outros. E o mais interessante notar que mesmo sendouma sociedade arcaica, o sistema de lucros no s existia como legitimava uma srie de relaessociais, mas por isso tornava a sociedade menos tradicional (VERGER & BASTIDE, 1992, p. 122-159).
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Na mesma dcada de 1950, Bastide (1985, p. 210-215) identificou a
umbanda, at ento chamada de macumba14, e a facilidade com que se integrou as
grandes metrpoles do sudeste, onde os ideais religiosos da umbanda se
identificavam com vrios elementos do campo religioso que se abria para seus
seguidores e sacerdotes. neste contexto que a umbanda cresce e se fortalece,
estabelecendo com muita facilidade nestas periferias por se constituir em um culto
com mais qualidades urbanas do que rurais, adaptando-se a um campo religioso em
expanso15.
Para a anlise desta expanso preciso avaliar as estruturas e funes das
organizaes religiosas. ODea (1969) afirma que existem dois tipos principais de
organizaes religiosas, uma pertencente s sociedades arcaicas e outra
pertencente s sociedades urbanas modernas. A diferena bsica consiste no
sistema familiar e comunitrio relacionado s sociedades arcaicas em contraposio
ao carter impessoal da sociedade moderna.
Esta dicotomia se torna evidente quando analisamos comparativamente o
culto aos orixs entre os yorubs, em seus vilarejos, seus sacerdotes e o cotidiano
de suas atividades caracterizadas pela transmisso de conhecimento conhecida
por tradio oral, na qual os mais velhos passam os conhecimentos de culto aos
mais novos em relao moderna umbanda, com seus cursos de iniciao,faculdade de teologia umbandista, colgios teolgicos de umbanda sagrada, que
ensinam dentre outras coisas, a como fazer um assentamento de Exu e cultu-lo
atravs de rituais, etc.
14 Macumba: nome genrico usado na primeira metade do sculo XX como sinnimo de cultos deorigem afro. Atualmente tem um carter pejorativo, no que no tivesse antes, mas mais acentuado
tanto para se referir as religies afro, quanto para se referir de modo genrico aos trabalhosrealizados dentro dessas religies. Etimologicamente o termo macumbase refere a um pequenoinstrumento de percusso utilizado durante os rituais para marcar o ritmo dos toques.15 Sobre os elementos deste campo religioso em expanso vide o captulo 02 desta dissertao.
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medinicos com a presena de outras entidades alm das do panteo africano no
nordeste brasileiro (Catimb, entre outros), e no Rio de Janeiro, Joo do Rio estudou
a macumba e suas diversas manifestaes (BASTIDE, 1978, pp. 64 e segs.; 1983,
pp. 159 e segs. & DO RIO, 1976, pp. 13 e segs).
Para Freitas e Pinto (1970, pp. 73-76), a umbanda se enquadra como religio
porque rene os elementos necessrios para tal: a) a idia do sagrado, atravs das
manifestaes dos orixs, guias e demais entidades de umbanda; b) a ocorrncia de
magias e milagres, a partir dos relatos de cura e da realizao de trabalhos mgicos
pelas entidades e sacerdotes; c) a crena em uma vida futura, pois acredita na
imortalidade do esprito e na reencarnao; d) a prtica de cerimnias e rituais em
dias especficos de atendimento pblico e uma seqncia de festas religiosas que
seguem um calendrio prprio e, e) uma explicao do universo atravs de uma
teogonia prpria.
Para os trabalhadores de umbanda (mdiuns e sacerdotes) a religio se
caracteriza por se fundamentar em trs pilares: amor, f e caridade. importante
ressaltar que amor, f e caridade tambm so pilares do espiritismo, que no Brasil
ficou mais conhecido com o nome de Kardecismo.
O cerne da prtica umbandista o trabalho pblico de consultas abertas a
qualquer pessoa em que os mdiuns incorporam os diversos guias espirituais eministram passes, mas alm dos passes, so dados conselhos, ensinados banhos
e/ou defumaes, so preparados remdios para os casos de doena e feitas
oraes e benzies. A umbanda tambm tem a premissa de desmanchar os
trabalhos de magia negra eventualmente feitos contra os consulentes16 nos terreiros
de quimbanda17.
16 Esta caracterstica tem implicaes para o tema deste trabalho, pois na imensa maioria das vezesos trabalhos de magia negra so feito em terreiros de quimbanda sob a gide de exus e pombagiras,
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A classificao destes orixs vai depender da corrente de pensamento
seguida pelo chefe de terreiro. Para DellaMonica (1993, p. 37), por exemplo, os
orixs das 7 linhas so: Oxal, Ogum, Oxossi, Xang, Yemanj, Obaluai e Ibeji. J
Freitas e Pinto (1970, pp. 103-104) subdividem da seguinte forma: Oxal, Yemanj,
Ogum, Oxossi, Xang, Oxum e Omolu. E assim sucessivamente... Mas importante
ressaltar que na maioria das casas de umbanda, cinco dos orixs sero sempre os
mesmos: Oxal, Ogum, Oxossi, Xang e Yemanj.
Alm dos guias j citados (pretos-velhos, caboclos, crianas), existem os
povos baianos, marinheiros, jangadeiros, boiadeiros, ciganos, encantados, alm das
correntes do oriente, correntes africanas e correntes indianas. A quantidade de
espritos que podem descer nos trabalhos de umbanda representa bem as
subdivises das linhas. Cada linha tem 7 falanges e cada falange tem 7 sub-
falanges, e cada sub-falange tem mais 7 bandas e cada banda tem mais 7 legies e
em cada legio havero mais 7 sub-legies e em cada sub-legio havero mais 7
povos19 (DELLAMONICA, 1993, p. 38).
1.2.2 O SURGIMENTO DA UMBANDA
Em 1908, no estado do Rio de Janeiro, municpio de Neves perto deNiteri, Zlio Fernandino de Morais, com 17 anos, foi atacado por umaparalisia que os mdicos no sabiam diagnosticar e muitos menos fazer acura. Aps alguns dias, Zlio levantou da cama e disse: Amanh estareicurado e no outro dia ele voltou a andar normalmente. (SAIDENBERG,1978[a], pp. 34-35).
19 As linhas, falanges, sub-falanges, bandas, legies, sub-legies e povos refere-se a umaclassificao hierrquica onde milhares de entidades trabalham, buscando sempre a evoluo de umestgio para outro.
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Assim foi, segundo a verso oficial para o surgimento da umbanda, a primeira
manifestao medinica de Zlio Fernandino de Morais, considerado pela maioria
dos seguidores da umbanda, como o seu fundador e principal codificador da
mensagem de f umbandista.
O trfico de escravos trouxe ao Brasil uma variedade de africanos que tinham
em seus pases de origem uma especificidade tnica e religiosa mpar (VERGER,
1999[b], pp. 19-23 & PRANDI, 2000[b], pp. 52-55). No Brasil estes africanos foram
obrigados num primeiro momento a se aglutinar a qualquer grupo tnico de origem
africana para trabalharem todos juntos como escravos. Esta experincia tornou
aqueles que antes, em terras africanas, eram na maioria das vezes inimigos, em
amigos e companheiros na saudade de sua terra e de seus costumes. As etnias
foram se misturando e as peculiaridades de cada culto, tal qual era praticado na
frica, foram se mesclando e deram origem, por exemplo, ao que chamamos hoje
de Candombl de Caboclo das naes de Angola e Congo (ambas manifestaes
Bantu com influncia de grupos Jejs e Nags) (PRANDI, 2000[b], pp. 55-60).
Nas fazendas, os negros eram obrigados a passar por uma catequese
forada para se converterem em cristos catlicos; eles eram batizados e adotavam
nomes portugueses. Este contato forado com o catolicismo resultou em uma forte
tendncia que ainda observamos em muitos terreiros afro: a identificao dedivindades africanas com santos catlicos (BASTIDE, 1983, pp. 159-192).
Os negros alforriados, ou aqueles que conseguiam fugir para o meio das
matas, em muitos casos, travaram contato com ndios nativos que faziam uso de
uma erva chamada jurema, uma planta que estimulava o xtase. Facilmente, os
negros, acostumados aos cultos com manifestaes de transe, foram apreendendo
os ensinamentos desses ndios e posteriormente aos encantados (espritos da
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faltando uma flor!20, e retirou-se da sala voltando com uma rosa que colocou no
centro da mesa.
Houve um inevitvel rebulio entre os componentes da mesa e da assistncia
e algumas manifestaes medinicas comearam a ocorrer com outros membros da
mesa, tambm mdiuns. As entidades manifestantes se diziam espritos de antigos
negros escravos e de ndios e caboclos. Os espritos foram ento convidados a se
retirar pelo dirigente da mesa visto que eram espritos atrasados. Zlio, tomado
ainda pela mesma voz, perguntou aos dirigentes por que aquelas entidades no
poderiam trabalhar ali.
Um dos componentes da mesa respondeu a ele Por que o irmo fala
nestes termos, pretendendo que esta mesa aceite a manifestao de espritos que,
pelo grau de cultura que tiveram, quando encarnados, so claramente atrasados? E
qual o seu nome, irmo?. Ao que Zlio, tomado pela entidade, disse: Se
julgam atrasados esses espritos dos pretos e dos ndios, devo dizer que amanh
estarei em casa deste aparelho (o mdium, Zlio), para dar incio a um culto em que
esses pretos e esses ndios podero dar a sua mensagem, e, assim, cumprir a
misso que o plano espiritual lhes confiou. Ser uma religio que falar aos
humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmos,
encarnados e desencarnados. E, se querem saber o meu nome, que seja este:Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque no haver caminhos fechados para mim.
O dilogo continuou: Julga o irmo que algum ir assistir ao seu culto?
perguntou o mesmo membro da mesa que havia iniciado o dilogo, ao que o
20 As citaes entre aspas () das falas so dos depoimentos dados por Zlio e outros que estavampresentes naquela reunio revista Selees de Umbanda em 1975, e o Jornal Giras de Umbandade 1977 e citadas em O Surgimento da Umbanda em Nosso Pas, artigo publicado na revista Planeta(pg 34 38) em 1978 (SAIDENBERG, 1978[a], pp. 34-38).
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Caboclo da Sete Encruzilhadas respondeu: Cada colina de Niteri atuar como
porta voz, anunciando o culto que amanh iniciarei!.
Segue o depoimento de Zlio sobre o desenrolar do dia 16: Minha famlia estava apavorada. Eu mesmo no sabia explicar o que sepassava comigo. Surpreendia-me haver dialogado com aqueles austerossenhores de cabea branca, em volta de uma mesa onde se praticava umtrabalho para mim desconhecido. Como poderia, aos dezessete anos,organizar um culto? No entanto, eu mesmo falara, sem saber o que dizia epor que dizia. Era uma sensao estranha: uma fora superior que meimpelia a fazer e a dizer o que nem sequer passava pelo meu pensamento.E no dia seguinte, em casa de minha famlia, na rua Floriano Peixoto, 30,em Neves, ao se aproximar hora marcada 20 horas j se reuniam osmembros da Federao Esprita, seguramente para comprovar averacidade do que fora declarado na vspera; os parentes mais chegados,
amigos e vizinhos e, do lado de fora, grande nmero de desconhecidos.s 20 horas, (continua Zlio em seu relato) manifestou-se o Caboclo dasSete Encruzilhadas. Declarou que se iniciava, naquele momento, um novoculto em que os espritos dos velhos africanos, que haviam servido comoescravos e que, desencarnados, no encontravam campo de ao nosremanescentes das seitas negras, que trabalhavam somente com osorixs, e os ndios nativos de nossa terra poderiam trabalhar em benefciode seus irmos encarnados, qualquer que fosse a cor, a raa, o credo e acondio social. (SAIDENBERGE, 1978[a], pp. 35-36)
O Caboclo estabeleceu as normas do culto que se iniciava naquele dia:
sesses (assim seriam chamadas s reunies medinicas de umbanda) realizadas
preferivelmente noite, atendimento ao pblico gratuitamente, e o uniforme oficial
seria o branco. Ao terreiro que primeiro fundou deu o nome de Nossa Senhora da
Piedade, e a prerrogativa principal das atividades seria a prtica da caridade, no
sentido de amor fraterno, que teria por base o Evangelho de Cristo, e como mestre
supremo Jesus (indicativo da identificao j existente em sua origem, tanto com
crenas catlicas, quanto com a base caritativa crist apregoada pelo Espiritismo).
Sobre o nome Umbanda so dadas vrias explicaes sobre seu surgimento,
segundo uma dessas verses, este nome teria sido dado pelo prprio Caboclo das
Sete Encruzilhadas durante o desenrolar da primeira sesso em casa de Zlio
(SAIDENBERG, 1978, p. 36). Etimologicamente o termo umbanda ponto de
discusso entre os autores. Alguns diro ser um termo de origem bantu, mas de
significado amplo, podendo ser sacerdote, feiticeiro, lugar de ritual, ou mesmo
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terra ou linha da terra (FREITAS & PINTO, 1970, p. 67). Outros afirmam ser um
termo de origem snscrita e que originalmente seria escrito Aumbhanda: Deus ao
nosso lado (SAIDENBERG, 1978, p. 36).
Explicada as normas do culto e estabelecendo o termo para design-la
[umbanda], o Caboclo passou a parte prtica do trabalho e naquela noite, muitas
curas foram feitas em diversos tipos de enfermos. Antes do trmino da sesso,
manifestou-se um preto-velho, Pai Antnio, que vinha completar as curas. Nos dias
seguintes, verdadeiras romarias se formaram na rua de Zlio para poder receber a
cura para seus males.
Dez anos se passaram antes que Zlio, inspirado pelo Caboclo das Sete
Encruzilhadas desse incio a criao de 07 (sete) templos que seriam o ncleo na
qual a religio se espalharia pelo Brasil e o culto se tornou popular em uma
velocidade espantosa. At 1935, todos os sete templos so criados e em 1939, o
Caboclo determina a criao de uma Federao, com um conselho nacional
deliberativo para as questes referentes ao culto que seria a instituio que
congregaria todos os templos de umbanda que nascessem no pas (FREITAS &
PINTO, 1970, pp. 177-183). Foi a partir de ento que o nome umbanda passou a
ser utilizado de modo mais abrangente para denominar os cultos de mediunidade
em que se manifestavam espritos de antigos escravos, ndios, crianas, povos derua (exus), entre outros j citados.
Em 1940, em um terreiro de umbanda no Rio de Janeiro, o Caboclo
Tupinamb promove outra revoluo dentro da umbanda, ordenou que se retirasse
a mesa do centro do salo. Assim deu espao para os Exus se comunicarem com os
assistentes e consulentes, [...] em um ritual em que, aps baixarem os Caboclos e
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Pretos Velhos, baixariam tambm os Exus, antes de encerarem os trabalhos.
(RONTON, 1989, p. 10)
Assim tem incio oficial, as giras de Exu dentro da umbanda, gira esta antes
legada aos crculos de quimbanda, macumbas e candombls de caboclos.
Das diversas influncias religiosas e culturais sofridas pela umbanda,
algumas caractersticas podem ser facilmente identificadas: dos africanos vieram os
nomes, rituais e costumes (referentes aos orixs, por exemplo); dos ndios, algumas
denominaes e outros costumes (uso de determinadas ervas, e acesso a entidades
tipicamente indgenas, como os encantados das florestas, por exemplo); dos
espritas, a doutrina filosfica moderna com seus conceitos de evoluo espiritual,
moral, tica e a prtica da caridade; do catolicismo, os santos, os sacramentos e
alguma coisa do ritual, como o uso comum de oraes catlicas tradicionais; dos
orientais, alguns conceitos e fundamentos teolgicos (conceito de karma,
reencarnao, chacras, alguns smbolos como a mandala, etc).
Esta histria a respeito do surgimento da umbanda vem se propagando
atravs dos anos nos terreiros de todo o Brasil e constitui um dos patrimnios mais
importantes da cultura afro-brasileira. Atualmente a umbanda caminha para uma
revalorizao dos sistemas tradicionais que lhe deram origem, ao mesmo tempo que
sofre a influncia do emparelhamento de outras prticas rituais e elementos deordem esttica que no faziam, originariamente, parte de seu sistema simblico e
que resulta em uma hipertrofia ritual de elementos no culto umbandista (PRANDI,
2000[a], pp. 83-88).
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tipo de Umbanda no encontramos o cultro aos orixs, nem o trabalho dos exus e
pombagiras, ou a utilizao de elementos como atabaques, fumo, imagens e
bebidas. Geralmente nessas umbandas, fazem o uso do Evangelho Segundo o
Espiritismo de Kardec, alm de trabalhar somente com caboclos, pretos-velhos
entre outros mentores espirituais espritas.
A UmbandadoCabocloMirim (Escola de Mirim)cuja histria marca uma
tentativa de estabelecer mudanas doutrinrias e ritualsticas na conduo dos
trabalhos de umbanda. Como na histria de Zlio e do Caboclo das Sete
Encruzilhadas, a manifestao do Caboclo Mirim que deu origem a seu trabalho
doutrinrio tambm nasceu dentro de um Centro Esprita, no caso com uma
verdadeira tradio esprita, visto que o mdium do Caboclo Mirim, Benjamim
Gonalves Figueiredo, fazia parte de uma conhecida famlia de grande importncia
dentro do espiritismo. Vamos a sua histria:
No dia 12 de Maro de 1920, o Mdium incorporou, pela primeira vez, oCaboclo Mirim, anunciando que aquela seria a ltima Sesso de Kardec eque as prximas Sesses passariam a ser de Umbanda. Em uma de suasmensagens ele disse que a partir daquele momento a TENDA ESPRITAMIRIM seria reconhecida mundialmente e advertia que a mesma seria umaOrganizao nica no gnero em todo o Brasil, cujo mtodo seria adotadopor outras Tendas, at mesmo em outros Estados da Federao.
Caboclo Mirim, Esprito Missionrio, preparava ento a antena receptivadaquele que seria o intermedirio do seu programa, de suas ordens e desuas mensagens, ou seja, o seu Mdium, que preservaria a sua misso eque cumpriria, religiosamente, a sua tarefa.
Aos 13 dias do Ms de Maro do ano de 1924 foi fundada a Tenda EspritaMirim, uma Organizao que j contou com mais de 50 Filias, contribuindode forma decisiva para o aprimoramento, crescimento e evoluo daUmbanda no Brasil.
Em 05 de outubro de 1952, foi fundado o PRIMADO DE UMBANDA, naCidade do Rio de Janeiro, como uma Organizao Federativa Nacional decarter religioso e inicitico. O Primado de Umbanda foi tambm idealizadopelo Caboclo Mirim e posto em prtica pelo seu aparelho, o saudosomdium Benjamim Figueiredo, o maior propagador e defensor da Umbandano Brasil, que introduziu pela primeira vez a Escola de Formao Iniciticado 1 ao 7 Grau, usando a terminologia da lngua Nhengat da nossaRaa Raiz, a Raa Tupy, para identificar os respectivos graus de evoluo
espiritual. (retirado de http://www.tendaespiritamirim.com.br/ em29/07/2006)
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As caractersticas do trabalho doutrinrio do Caboclo Mirim diziam respeito
desafricanizao dos trabalhos de umbanda (no uso da linguagem, uso do sacrifcio
ritual com animais, recolhimentos, obrigaes, camarinha), o enxugamento ritual e
da quantidade de apetrechos (roupas, indumentrias especficas das entidades, o
uso exagerado de guias no pescoo, o excesso de imagens no altar, etc), a
necessidade de constante estudo doutrinrio (baseados em grande parte em duas
fontes de informao: a doutrina esprita e a Teosofia), a no realizao de trabalhos
especficos somente de Exu., etc. Esta umbanda tem hoje o Primado de Umbanda
no Rio de Janeiro com um grande centro de divulgao da doutrina do Caboclo
Mirim, alm de ser considerada por muitos como precursora da Umbanda Esotrica
A Umbanda Esotrica fundada por W. W. da Matta e Silva (1917-1988).
Chamada por eles de Aumbhanda. a mais universalista das umbandas existentes
pois resgata fundamentos da cultura de todas as etnias do globo. A Umbanda
Esotrica desenvolve a tese de que todo conhecimento que rege o ritual e as
prticas, alm das formas como os guias espirituais de umbanda se manifestam,
correspondiam a uma linguagem simblica, oculta, mas passvel de ser conhecida e
estudada. Havia ento um aspecto exotrico e um esotrico na umbanda e o modo
de revel-la era atravs do conhecimento das principais tradies religiosas do
mundo, entre elas a cabala, os vedas, etc.
Esta escola fundamentou o trabalho da umbanda tambm atravs de outras
tradies msticas e esotricas como a Teosofia, a Astrologia, e em um instrumento
mstico-esotrico chamado Arquemetro, com o qual seria possvel se chegar ao
significado oculto dos smbolos astrolgicos, das combinaes numerolgicas, suas
relaes com a cabala, relacionando-o tambm com o uso de determinadas cores.
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Esta umbanda no faz sacrifcios animais e tambm rejeita outras
aproximaes ritualsticas entre a umbanda e as tradies religiosas africanas. Para
a Umbanda Esotrica, as sete linhas de umbanda so compostas por: Oxal, Ogum,
Oxossi, Xang, Yemanj, Yori e Yorim. Yori e Yorim, desconhecidos na frica,
seriam as correntes espirituais que representariam a corrente das crianas (Yori)
como espritos evoludos que se esconderiam nas manifestaes de crianas para
passar seus ensinamentos; e a corrente dos pretos-velhos, tambm chamados de
pai-velhos (Yorim) como mestres ascencionados com misso de esclarecimento e
luz para toda a humanidade.
Esta escola encontra grande espao nos meios umbandistas atuais e conta
hoje com uma derivao conhecida pelo nome de Umbanda Inicitica, que tem
como maior expoente atual Rivas Neto (Mestre Arhapiaga), fundador e atual diretor
geral da FTU Faculdade de Teologia Umbandista. Ambas tm grande influncia
orientalista. Esta ltima faz grande uso de mntras e da utilizao ritual e inicitica
com o snscrito.
A UmbandaMstica, derivada da Umbanda Tradicional de Zlio e o Caboclo
das Sete Encruzilhadas, mas com grande influncia do catolicismo popular e suas
tradies. A Umbanda Mstica talvez seja a expresso umbandista mais difundida
pelas cidades de interior do Brasil a fora e tambm nas periferias das grandes
cidades. Na Umbanda Mstica h rituais de culto as formas com ritos e fundamentos
que se focalizam nas formas msticas de apresentao das entidades (ndio, preto-
velho, criana) com adio de novas formas de folclore regional: baianos, malandros
cariocas, mineiros, boiadeiros, jangadeiros, marinheiros, ciganos, exus e
pombagiras. A Umbanda Mstica no possui uma doutrina especfica que adiferencie de outros ramos da umbanda, estas diferenas vo se manifestar
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principalmente na forma de executar os trabalhos pois seus cultos se baseiam na
utilizao de muitos sacramentos da Igreja Catlica (RONTON, 1989, pp. 07-14).
A Umbanda Sagrada desenvolvida por Rubens Saraceni, baseia-se nos
ensinamentos psicografados por ele atravs de entidades espirituais, como por
exemplo, o preto-velho Pai Benedito de Aruanda, entre outros. A Umbanda Sagrada
visa uma completa separao das teorias africanistas, espritas, catlicas e
esotricas da umbanda, que segundo ele, tem uma teologia prpria e muito bem
estruturada. Sua Doutrina e Teologia se aproximam muito de concepescientificistas para explicar a existncia dos orixs, dos guias espirituais e das foras
da natureza, mas acaba se aproximando um pouco da tendncia universalista da
umbanda.
O Omolok, trazida para o Brasil por Tancredo da Silva Pinto. Omoloko
uma palavra yorub, que significa: Omo - filho e Oko fazenda, zona rural onde
esse culto, devido intensa represso policial que havia naquela poca, era
realizado. No Omoloc tanto se manifestam entidades caractersticas da umbanda,
como se manisfestam os inkices (considerados a grosso modo como um
correspondente bantu para orix).
Mas alm do Omoloc, ainda podemos apontar uma tendncia umbandista
que tenta se aproximar das tradies africanas. A chamada Umbanda Traada,
vulgarmente conhecida como Umbandombl, se caracteriza por praticar os rituais
do candombl, fazendo tambm as giras de umbanda com todas as entidades deste
panteo, inclusive Exu.
Outras formas existem, mas no tm uma denominao apropriada. Se
diferenciam das outras formas de Umbanda por diversos aspectos peculiares, mas
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como cada terreiro segue na maioria das vezes mais de uma tendncia de
pensamento, fica impossibilitada sua classificao satisfatria.
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desmanch-los. Mas vai depender sempre da denominao umbandista que o
mesmo se manifesta (se for o caso).
Os Exus so amorais, no so nem totalmente bons, nem totalmente maus,
podendo desde realizar vrias curas, como realizar trabalhos prejudiciais a outras
pessoas. Essas caractersticas contriburam com que os Exus fossem identificados
com o diabo dos cristos, e por isso que vemos nas lojas de artigos religiosos
especializados em umbanda aquelas imagens com chifres, rabos pontudos,
tridentes, dentes afiados, ps de bode e cabras. Os Exus so constantemente
confundidos com os kiumbas (espritos inferiores que gostam de praticar o mal), que
segundo as estrias perpetuadas pelos terreiros, adquirem qualquer forma e so
mistificadores.
Hierarquicamente os Exus esto acima dos kiumbas e abaixo dos guias
espirituais e orixs de cada terreiro. Dentro da corrente de Exu, existem vrias
subcorrentes que so classificadas pelos seus nomes: Exu Tranca-Ruas, Exu
Quebra-Galhos, Exu Z Pelintra, Exu Caveira, Exu do Lodo, Exu Veludo, e mais
uma infinidade de nomes. Cada uma destas subcorrentes contm uma infinidade de
espritos que atendem pelo nome genrico de cada entidade. Isto explica o fato de
poder existir em um mesmo terreiro, dois ou mais Exus Tranca-Ruas ou Z Pelintras
incorporados.Os trabalhos de culto a Exu dentro dos terreiros de umbanda so
caracterizados de duas maneiras: 1) como giras de Exu (trabalhos em que os exus
incorporam em seus cavalos) e 2) Pontos firmados, oferendas e despachos
(trabalhos em que os exus atuam invisivelmente, ou seja, sem a necessidade de
incorporao destas entidades).
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orculo de If), quando este determinou que para haver harmonia e abundncia
entre os homens Exu deveria comer em primeiro lugar (PRANDI, 2001[b], pp. 45-46).
No candombl, seu status de orix mensageiro, como na frica,
estabelecendo o contato dos homens com os outros orixs. Esta funo est bem
estabelecida no jogo oracular dos Bzios, onde Exu quem leva as perguntas e traz
as respostas, traduzindo-as, sendo s vezes, (como j foi dito) ele prprio quem as
responde (PRANDI, 2001[a], p. 48). Mesmo no orculo de If (opel-if), do qual o
jogo de bzios uma variante mais simples, Exu aparece como o orix que revelaos segredos da adivinhao para If e posteriormente o revela tambm aos homens,
pois Exu o princpio comunicador de tudo e de todos (BRAGA, 1988, pp. 46-49 &
PRANDI, 2001[b], pp. 60-61, 78-80).
Dono das entradas e passagens27, Exu tm seus assentamentos nas
entradas das casas e dos terreiros; na frica, principalmente no Benin e na Nigria,
Exu est na entrada das cidades, vilarejos, feiras, etc (VERGER, 1997, p. 76).
Bastide (1978, pp. 179-182) afirma que no Brasil, cada terreiro de candombl tm
dois exus assentados, o primeiro deles de carter extremamente arredio, agressivo
e virulento estaria assentado na entrada do Il Ax (terreiro), enquanto o segundo,
com caractersticas mais amenas, s vezes brincalho, sedutor e corts, em outras
srio e conselheiro, mas sempre vaidoso e orgulhoso de sua posio, chamado
muitas vezes de compadre28, est assentado na entrada do barraco onde so
realizadas as festas pblicas. Sabe-se, entretanto, que qualquer terreiro de
candombl pode apresentar mais de dois Exus assentados, podendo variar este
nmero de acordo com as qualidades de Exu presentes no terreiro. Exu tambm o
27. Atributo tambm recebido de Olofim (nome dado a Olodumar pelos Lucumi descendentes dos yorubs emCuba) em mito que Exu O cura e recebe as entradas e passagens (PRANDI, 2001[b], p. 53-54).28 Denominao muito comum tambm em terreiros de umbanda e tem a conotao de entidade de confiana.
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no tm uma forma especfica, podendo adquirir qualquer forma de acordo com sua
vontade. Alguns dos Exus e Pomba-Giras citados por ela so: Exu Marab, Exu
Quebra-Galhos, Exu da Capa Preta (todos ligados a Xang); Exu Omulu (ligado ao
Orix Omulu); Exu Caveira (ligado a Orunmil), Exu Sete Encruzilhadas (ligado a
Oxal), Exu Tranca-Ruas, Exu Tranca-Tudo, Exu Tira-Teimas, Exu Tronqueira
(ligados a Ogum); Exu Veludo (ligado a Oxossi); Exu Pedra Negra (ligado a
Tempo32); Exu Calunga (ligado a Oxum), Pomba-Gira Cigana (ligada a Oxum);
Pomba-Gira da Praia (ligada a Yemanj), Pomba-Gira Maria Padilha (ligada a Nan)
entre tantos outros Exus e Pomba-Giras (DELLAMONICA, 1993, pp. 77-80). Vale
lembrar que existe uma infinidade de Exus que so cultuados em diversos terreiros
de umbanda em todo o Brasil, e mesmo a lista de correlaes entre os Exus e os
orixs a que estariam ligados vai depender sempre de terreiro para terreiro.
No candombl cada Orix tem seu peji (lugar onde se encontra o
assentamento), chamado de casa, em uma localizao especfica dentro do Il
Ax. Esses assentamentos podem ser pblicos ou privativos aos iniciados, tendo
Exu (ou vrios Exus do terreiro) tambm a sua casa, geralmente prxima porta de
entrada do mesmo ou prximo a matas e passagens importantes. Alguns terreiros
de umbanda mantiveram esta tendncia, principalmente no caso de Exu, que chega
a ter um barraco especfico para a realizao de suas giras e festas. Mas,
recentemente, tem-se observado que muitos terreiros de umbanda no realizam
mais as giras de Exu e em muitos casos, no os mantm nem mesmo como
entidades de pontos firmados protegendo seus terreiros. Em entrevista realizada
com Pedro Miranda, dirigente de um dos mais antigos e respeitveis terreiros de
umbanda no Brasil, Tenda Esprita So Jorge fundada em 1936, este declarou:
32 Inkice bantu relacionado ao Orix Irco, ambos sendo divindades fitoltricas.
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Na tentativa de responder as questes formuladas, principalmente no que
concerne a sistematizao da teologia e da doutrina de umbanda e para que
possamos compreender com mais clareza estas modificaes na imagem de Exu, se
faz necessrio abordar as correntes de pensamento onde elas aconteceram. As
escolas analisadas atendem ao fato de apresentarem uma sistematizao da
teologia e doutrina umbandistas e que no corpo de suas explicaes abraam a
figura de Exu. Estas escolas so: 1) EscoladeMirimdo Caboclo Mirim; 2) Umbanda
Esotrica (Aumbhanda) de W. W. da Matta e Silva; 3) Umbanda Inicitica
(Ombhandhum) de Rivas Neto; 4) UmbandaSagradade Rubens Saraceni.
Ponto comum para estas escolas que todas elas rejeitam a idia de que a
figura de Exu est associada ao diabo dos cristos.
A Umbanda da Escola de Mirim no trabalha fazendo giras especficas (com
dias e horrios exclusivos) a Exu. Para eles Exu um agente mgico universal,
entidade de ao, podendo ser ao mesmo tempo neutro, positivo e negativo
(DECELSO, sd, p. 24 e segs.). Na Escola de Mirim, Exu uma entidade tripolar, o
que justifica o uso do tridente, onde cada uma das ponterias representaria uma
polaridade; o que faz de Exu essencial em qualquer trabalho por sua capacidade de
transformar as energias do ambiente, atuando sempre sob a gide dos mestres
espirituais da umbanda a quem devem prestar contas.Na umbanda do Caboclo Mirim suas sesses de caridade sempre foram
muito produtivas, pois todos davam sua contribuio para alcanar o bem-estar e a
cura de seu semelhante: do encarnado ao desencarnado, do Caboclo ao Exu, todos
participavam simultaneamente do atendimento ao pblico, com discrio e perfeita
harmonia (TEIXEIRA, sd, retirado de: http://www.caboclopery.com.br/caboclo_mirim.htm em
29/07/2006).
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Na Umbanda Esotrica, Exu o agente krmico responsvel pelo
cumprimento da lei e da justia. ele quem executa a lei do retorno, ou seja, ele
quem traz o positivo para quem faz o bem e o negativo para quem faz o mal
(MATTA E SILVA, 1997, p. 40 e segs.).
W. W. da Matta e Silva apresenta em Umbanda de todos ns um intrincado
sistema de identificao etiolgica para explicar a origem da palavra Exu; o que em
ltima anlise poderia explicar a prpria origem de Exu dentro de seu sistema de
pensamento tido como esotrico:
A palavra EXU, cremos, corruptela ou correspondncia fontica deYrsch, que de 55 sculos para c, vem encarnando o Princpio do Mal.Yrsch [...] foi o nome do regente que comandou o Schisma indiano, queestremeceu o Mundo dessa poca... A vibrao malvola da palavraYrsch teve, logicamente, no espao, seus afeioados, que encarnam nelaos princpios negativos... (MATTA E SILVA, 2005, pp. 23-24)
Para W. W. da Matta e Silva, a umbanda, nos seus fundamentos espirituais,
composta por Sete Planos da Lei, tanto nos seus aspectos positivos, quanto nos
seus aspectos negativos. Os aspectos positivos seriam relacionados ao
desenvolvimento e ordenao do mundo e estariam representados da seguinte
forma: Orixal (A Essncia Divina), Yemanj (O poder oculto da palavra), Yori (O
poder do verbo), Xang (O poder do conhecimento), Yorim (O poder da palavra da
lei), Oxossi (O poder da vontade) e Ogum (O poder do pensamento criador)
(DELLAMONICA, 1993, pp. 83-86).
Em contrapartida os Sete Planos Negativos que correspondem aos Positivos
so todos chefiados por Exus e esto distribudos da seguinte forma: Exu Sete
Encruzilhadas (corresponde vibrao de Orixal), Exu Pomba-Gira (corresponde a
Yemanj), Exu Tiriri (corresponde vibrao de Yori), Exu Gira-Mundo (corresponde
vibrao de Xang), Exu Tranca-Ruas (corresponde vibrao de Ogum), Exu
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Marab (correspondem vibrao de Oxssi) e Exu Pinga-Fogo (corresponde
vibrao de Yorim) (MATTA E SILVA, 1997, pp. 40 e segs.).
Exu, portanto, dentro da Umbanda Esotrica, no pratica o mal porque mau,
mas sim porque ele o agente responsvel pela execuo do karma segundo o
merecimento das pessoas.
Na Umbanda Inicitica (Ombhandhum), derivada da Esotrica, Exu um
Arcano que guarda todos os segredos iniciticos, sendo portanto o guardio dos
mistrios e segredos da Sntese Religiosa35. Exu quem guarda os segredos das
foras sutis da natureza, ajuda a criar e renovar todas as foras dos reinos mineral,
vegetal e animal e dos elementos terra, fogo, ar e gua, alm de proteger os
segredos de outras dimenses da vida. Por conhecer todos estes segredos, Exu
quem executa a Magia e a Justia (NETO, 1993, pp. 15 e segs.).
Na Ombhandhum, Exu uma entidade telrica, apresentando aqui uma
dimenso tripolar; por estas caractersticas, Exu usado nos trabalhos de limpeza e
descarga (NETO, 1993, pp. 15 e segs.). Novamente aqui no existe a perspectiva de
que Exu mal, mas de que ele apenas faz retornar o mal a quem o faz, estando
ligado direta e exclusivamente, neste caso, a parcela passiva do karma (reao)
(NETO 1993, pp. 15 e segs.). Suas origens nesta modalidade de umbanda so
muito semelhantes Esotrica, por isso no faremos meno a ela.A Umbanda Sagrada de Rubens Saraceni faz uma diferenciao de Planos
Positivos e Negativos semelhante a Umbanda Esotrica, mas um ponto decisivo vai
diferenciar as duas doutrinas: a funo de Exu. Enquanto na Umbanda Esotrica, o
Plano Positivo era contraposto pelo negativo atravs dos Exus, para Rubens
Saraceni (2005, pp. 25 e segs.), Exu no pertence ao Plano Negativo em si,
35 Filosofia de Rivas Neto que procura uma sntese nica para todas as manifestaes religiosas e segredosiniciticos, sendo Exu, portanto, o guardio desta sntese.
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Reverendo Bowen, chama a ateno para o fato de existirem uma enormidade de
outros espritos maus (BOWEN, 1858 apud, VERGER, 1999[b], p. 134).
Abaixo alguns trechos das notas do abade Bouche reproduzidas por Verger
(1999[b]) sobre Exu Elegbar na frica:
Elegbara o esprito do mal, o Belfegor dos Moabitas [...] um amontoadode terra amassada e grosseiramente moldada, representando mais oumenos a cabea e o busto de um homem. Dois grandes bzios fazem opapel dos olhos, duas fileiras de dentes de cachorro ou de pequenasconchas formam a queixada; penas so implantadas no queixo, maneirade barba [...] assim que os negros representam o esprito imundo. [...] Os
negros reconhecem em Sat o poder da possesso, pois o denominamordinariamente Elegbara... (BOUCHE, 1885, pp. 120-121 apud VERGER,1999[b], p. 135).
E fazendo referncia ao og (j citado anteriormente) depe: Os negros so
bem inspirados quando fazem desse instrumento o atributo de Elegbar,
personificao do demnio (BOUCHE, 1885, pp. 120-121 apud VERGER, 1999[b],
p. 136).Legb, seu equivalente fon, foi primeiramente comparado a um deus Prapo
(POMMEGORGE, 1789, p. 201 apud VERGER, 1999[b], p. 133). Com toda a
certeza esta identificao segue a lgica das caractersticas flicas de Legb. Para
DAvezac (1845, p. 84, apud Verger, 1999[b], p. 133) Elegwa38 um gnio mau
que coexiste com outros Deuses africanos. Ainda sobre Legb, Burton diz ser ele
uma espcie de diabo de deus que corre atrs das moas (1857, p. 195, apud
VERGER, 1999[b], p. 134). Esse comentrio refora a idia de que, sendo Legb
uma divindade representada por um smbolo flico (pnis), foi facilmente ligada
sexualidade, a copulao e a fecundidade; ligao esta rejeitada por Verger
(1999[a], p. 78) como dito anteriormente.
38 Grafia original do autor.
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Sobre Legb, h a seguinte descrio de seu carter: Vodun pessoal [...]
sempre disposto a alguma malcia ou as piores maldades. [...] Legba o causador
de quase todas as doenas e acidentes, desde o mais banal ao mais terrvel. (Le
HERISS, 1911, p. 137 apud VERGER, 1999[b], p. 136).
Esses comportamentos, juntamente com a crena de Exu ser a clera dos
homens e demais orixs (VERGER, 1999[a], pp. 76-78) cometendo desatinos e
provocando mal entendidos, justifica, pelo menos em parte, a identificao exu-diabo
praticada pelos missionrios. Mas podemos avaliar outros motivos que poderiam ter
levado a esta identificao.
Sendo Exu o comunicador por excelncia e gozando ele do privilgio de ser o
nico orix a ser homenageado em todos os rituais, inclusive recebendo suas
oferendas antes de qualquer outro orix, natural que estatisticamente, as
imolaes, sacrifcios e qualquer outro tipo de cerimnia acontea com mais
freqncia com ele do que com outras divindades, o que fez parecer que seu culto
de certa forma estivesse mais em evidncia, o que causou uma srie de
interpretaes errneas, todas elas relacionadas a um suposto medo que os
yorubs sentiam de suas armaes e de sua violncia e da necessidade de aplac-
la.
Alm disso, Exu ligado ao fogo e tem como cores o preto e o vermelho;elementos estes relacionados, na icnografia crist ao diabo, ao inferno e as
deidades ligadas a este.
A sexualidade dos negros africanos com certeza outro elemento que
contribuiu para chocar o decoro dos missionrios europeus, to cheios de valores
vitorianos e entendendo o sexo e a sexualidade de acordo com a noo de pecado
do pensamento cristo, no demoraram em categorizar Exu como uma entidade
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Num sbado entre vinte trs horas e meia noite, coloque a torcida de umavasilha de barro cozido nova e encha com gua do mar, dizendo ao mesmotempo:DUXGOR! DUXGOR! DUXGOR!E doze vezes o seguinte:
AMAPOYLFAC!Retire a torcida da gua e pendure-a para secar luz da lua, durante oitonoites consecutivas, isto at a noite do prximo sbado e entre vinte trshoras e meia noite continuars a operao diablica.Acende um fogareiro de barro cozido e jogue nas brasas um defumadorcomposto de:Incenso em p, farinha, um ovo, leite, mel, cnfora e ptalas de rosas,fazer uma pasta e deixar secar antes de utilizar. Defume a torcida e aomesmo tempo vai fazendo nela sete ns, recitando a seguinte invocao:, pai Sat! mo Sheva! Em vossas honras levantei esse pequeno fogopara que me escuteis e ajudeis. (Ao chegar aqui faa um ns na torcida).Eu vos invoco para que fulano me pertena em corpo e alma. (Faa outron).
Eu vos peo com todas as foras de meu esprito, que Fulano no faacaso de nehuma outra mulher mais que de mim. (Faa outro n).Eu quero, se ama a outra mulher ou tem relao com ela que a esqueadesde este instante. (Faa outro n).Eu desejo que fulano sofra muito por mim, que me ame de todo coraoque no possa dormir nem sossegar sem mim e que minha imagem no seaparte de seu pensamento. (Faa outro n).Eu quero que F... aqui pea o que desejar da pessoa em particular. (Faaoutro n). pai Sat! mo Sheva! Eu vos rogo que me concedais quanto vos pedie em pago disso, vos levantarei durante sete sbados seguidos, mesmahora de hoje, um pequeno fogo, como o desta noite.(Faa o ltimo n na torcida).
Guarda a torcida envolta com um pano preto e oculta-a num lugar queningum saiba e ningum possa achar.Para destruir o trabalho basta queimar a torcida.Durante sete sbados seguidos acende-se o fogareiro, queima-se a citadadefumao dizendo: pai Sat! me Sheva! Em vossa honra fao este fogo e queimo estesperfumes como pagamento da ajuda que vos pedi. (VASARIAH, 2002, pp.69-71).
3.1.2 OS INIMIGOS DA UMBANDA RESPOSTA AOS ATAQUES
A forma de responder a questo acima perpassa na necessidade de
identificarmos quem so os responsveis pela perpetuao da imagem negativa de
Exu e mais, quem so os responsveis pela tentativa de desqualificao da
umbanda dentro de um modelo religioso vlido. Em linhas gerais: Quem so os
inimigos da umbanda?
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A intensa atividade religiosa contra a atuao do mal (trabalhos de umbanda)
na vida cotidiana e a batalha do bem para vencer as figuras malficas (Exus) um
ponto crucial da propaganda da IURD. Acontecimentos relacionados ps-
modernidade, como desemprego, por exemplo, so atrelados figura de Satans e
aos encostos (Exus e Pomba-Giras); alm de tragdias particulares, como
doenas, que tambm so associadas presena do mal na vida dessas pessoas.
Nos programas de TV, veiculados das 13:00hs s 14:00hs de segunda a
sexta, so ofertadas bnos e servios (mediadores do sagrado) para as pessoas
que buscam uma salvao para sua vida; salvao esta que ser geralmente
atestada pela melhora de condio, tanto financeira, quanto de sade e afetiva. Mas
para que tal acontea necessria expulso dos Exus da vida dessas pessoas.
Para isso, nas IURDs, realizam-se exorcismos sempre com um mesmo modus
operandique culminam, na maioria das vezes, com a humilhao do encosto e sua
expulso (PRANDI, 2001[a], p. 80) e a posterior exaltao da prpria religiosidade;
este fenmeno transmitido via televiso (canal aberto) para todo aquele que quiser
ver.
Talvez a caracterstica marcante de um movimento como a Igreja Universal
seja melhor descrita, sem neologismo, atravs do entendimento da histria do
nascimento e expanso dos movimentos pentecostais (como movimento e ideologiade carter missionrio) no final do sculo XIX (CAMPOS, 2000, p. 11), juntamente
com as promessas do modernismo ou primeira fase do capitalismo (SOUZA
SANTOS, 2003). Apesar de a IURD pertencer mais ajustadamente ao
neopentecostalismo subproduto brasileiro (no caso) do pentecostalismo original,
fruto de uma srie de combinaes que vo desde o imaginrio coletivo estimulado
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existentes, e a partir da estabelecida uma maneira de se praticar o culto de uma
maneira que os leigos possam se identificar e tornar-se freqentadores.
Contudo, entender o contexto nas quais os ataques ocorrem e a resposta da
umbanda sistematizando a teologia e ressignificando Exu, permite que faamos
uma leitura sociolgica do fenmeno.
A modernidade, impulsionada pelos avanos cientficos do final do sculo
XIX, questionou at mesmo o papel da existncia das expresses religiosas,
promovendo a secularizao e a crena racional nas verdades cientficas,
transformando as relaes do homem em seu meio social, onde so
supervalorizadas a produo, a diviso social do trabalho e a crena otimista de que
todos os problemas da humanidade (ticos, morais, polticos, de sade, emocionais,
cientficos, filosficos, etc.) sero solucionados.
Para Souza Santos (2003, p. 80), o projeto da modernidade causou um
intenso processo de mal-estarpela impossibilidade clara de cumprir este anseio. O
projeto da modernidade cumpriu algumas das suas promessas e at as cumpriu em
excesso, e por isso mesmo inviabilizou o cumprimento de todas as restantes. Estas
ltimas... tm de ser reinventadas, o que s ser possvel no mbito de outro
paradigma (SOUZA SANTOS, 2003, p. 80).
A ps-modernidade surge no como um sistema, mas como uma resposta
paradigmtica da sociedade, na lacuna provocada pela modernidade e uma de suas
principais caractersticas justamente ser mais elstica do que a modernidade; no
se importando com a categorizao e nem com a definio de todas as coisas que
existem. Se algo foge dos limites extticos das definies das cincias naturais, isso
no leva necessariamente a um mal-estar cientfico; diferente da modernidade, que
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passou a viver este mal-estar justamente por tentar enquadrar e estar enquadrada
em um padro onde tudo pode ser resolvido.
A ps-modernidade permite ao homem, no sentido lato, o relativo conforto de
que saber e fazer nem sempre tm de ser seguido ou antecipado por uma
verbalizao que a explique. Dessa forma o sentir passa a ser valorizado,
retomando a importncia das expresses religiosas, e conseqentemente buscado
pelos homens e ofertado em um mercado cada vez mais competitivo de religies
(BAUMAN, 1997, pp. 205 e segs.).
neste contexto ps-moderno que surge em resposta a crescente demanda
religiosa e a busca desenfreada por novas tendncias new age, no sentido dado por
Bauman (1997, pp. 205 e segs.), uma grande tentativa de estabelecer uma doutrina
nica para a umbanda. O que evidencia a busca por uma legitimidade dentro do
cenrio religioso nacional.
Esta tentativa obedece a uma tendncia de sistematizar uma teologia e
doutrina da umbanda, diferenciando-a do candombl. Vale lembrar que a umbanda
sempre foi uma religio fundamentada no aqui-e-agora e na soluo dos problemas
reais da populao que a procura, no estando interessada, at ento, em uma
teologia do ps-mortem, nem na gnese do mundo e da vida e to menos nas
explicaes sobre como as foras invisveis (espirituais e mgicas) atuam no mundo.Esta tendncia sistematizao teolgica se enquadra em parte no que
chamamos de institucionalizao da religio. A fundao de uma instituio de
ensino superior autorizada pelo MEC, Faculdade de Teologia Umbandista em So
Paulo e de um Colgio de Umbanda Sagrada Pai Benedito de Aruanda autorizado
pela prefeitura de So Paulo, mostra bem a tentativa de buracratizar (WEBER, 1991)
os sistemas de transmisso de conhecimento religioso, antes passados via tradio
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oral (que respeita as necessidades individuais e os mritos de cada um dentro do
sistema religioso). Cada vez mais, editoras como a Madras, de So Paulo, se
especializam na publicao de livros enquadrados dentro da tica de quanto mais
informao, melhor! Isso acabou acelerando ainda mais o acesso do pblico aos
cursos de teologia, hoje concentrados principalmente na Regio Sudeste, bem como
a livros sobre doutrina e teologia de umbanda, vendidos no pas todo.
Na umbanda institucionalizada, a luta dos sacerdotes desta nova tendncia
teolgica e pragmtica para estabelecer a legitimao da instituio burocratizada
frente aos fiis e clientes que se matriculam nos cursos, compram os livros, etc. Mas
ao mesmo tempo obedece a uma tentativa de reformular a umbanda no imaginrio
brasileiro, inclusive ressignificando Exu, sua figura mais polmica.
De maneira menos sistemtica e mais pragmtica, um dos principais
legitimadores da umbanda no pblico religioso (leigo ou no) a cura e a pretendida
resoluo rpida para os problemas cotidianos, podemos ento expressar algumas
opinies a respeito do futuro da umbanda no cenrio religioso. Segundo Montero
(1979, pp. 24-27), a doena no se expressa apenas no mbito fisiolgico e sim num
contexto social mais amplo que envolve vrios setores da vida do indivduo, muitas
vezes tendo sua causa neste contexto social.
Neste aspecto a populao mais carente no goza de uma assistncia eficaza estes problemas, bem como outros, como falta de emprego, etc, se intensificam.
justamente aqui que a umbanda funciona como um grande plo de atrao com a
possibilidade para se resolver, com poucos recursos, problemas de diversos tipos.
Sua teraputica se baseia em ensinamentos dos antigos nativos (ndios), e dos
negros que na frica, utilizavam as plantas em todos os aspectos da vida (VERGER,
1995, pp. 29-464). A teraputica da umbanda passa ento pela receita e aplicao
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modalidades que no faziam o culto), ou mesmo, Exus no fazem parte da umbanda
(como no texto do anexo 3).
Faz-se necessrio a realizao de trabalhos empricos que visem identificar
com mais preciso quais so as variveis envolvidas neste processo de
ressignificao da umbanda e de Exu. As variveis: a presena de sincretismo ou
no, a histria de vida do(s) dirigente(s) do terreiro, tendncia de pensamento
seguida dentro da umbanda, dentre outras; podem contribuir para uma anlise mais
real do problema uma vez que este foi identificado.
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ANEXO 2
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Em 30/07/2006.
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