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Proposta Ezra Chowaiki, dono de uma galeria em Moscovo, propôs ao Governo comprar o acervo Coleção Berardo pode ir parar à Rússia zra Chowaiki, um nego- ciante de arte nova-ior- quino com estreitas rela- ções comerciais com a Rússia, propôs ao Gover- no português comprar a Coleção Berardo. Cho- waiki terá contactado a Secretaria de Estado da Cultura e as Finanças, fazendo uma proposta avultada para a aquisição das 862 peças que compõem o acervo do comendador cedido ao Estado em regi- me de comodato desde dezembro de 2006 e avaliado pela leiloeira Christie's um ano depois em €316 milhões. A notícia é avançada por Joe Berardo: "Estava eu numa instituição bancária, cujo nome não posso revelar, quando me dizem: temos uma comunicação do Governo a informar-nos que recebeu uma proposta de compra da sua cole- ção. E eu, que sou o proprietário? A mim ninguém me diz nada?" O empresá- rio madeirense, que teve acesso à "carta enviada aos presidentes dos bancos", ga- rante que a missiva foi assinada pelos secretários de Estado da Cultura e das Finanças, Jorge Barreto Xavier e Ma- nuel Luís Rodrigues, respetivamente, sendo datada de 19 de novembro. "Sei que foi feita uma oferta mas desconheço o seu valor. De resto, não houve nenhu- ma avaliação recente à coleção", conti- nua, frisando que desconhece se foi o Es- tado que pediu propostas de compra. Governo não dá explicações Contactados pelo Expresso, tanto Bar- reto Xavier como Manuel Luís Rodri- gues escusaram-se a fazer qualquer co- mentário sobre a matéria, deixando em aberto questões tão pertinentes como se cabe ao Estado encontrar um com- prador para a coleção; se, não sendo o proprietário da coleção, porque é que a proposta de compra lhe foi dirigida; qual o valor da oferta; ou qual a posição atual do Governo em relação ao exercí- cio do direito de opção de compra do acervo até ao final de 2016, pois a poderá vender depois de a comprar. Berardo diz que é "incompetência" e "ignorância". "Provavelmente, acham que podem fazer dinheiro com a coleção, comprando-a por €316 milhões e venden- do-a a seguir por mais. Esquecem-se é que o acordo que assinei com eles diz que ela nunca poderá sair do país, tem de ficar em Portugal!" Uma afirmação que é discutível juridicamente, uma vez que o acordo vigora até 31 de dezembro de 2016. Certo é que o mercado de arte tem vindo a valorizar as peças do empresário madeirense. Basta olhar para o montan- te dos seguros aplicados a apenas 92 obras da coleção que esta quarta-feira se- rão expostas em Miami €270 milhões , para perceber essa valorização. Quem éo comprador? A Ezra Chowaiki nada disto terá passa- do despercebido. A negociar em arte desde 2004, ano em que fundou a Cho- waiki & Co em Nova lorque, o marchant reuniu num mesmo espaço galeria e ser- viço de consultoria, uma combinação que lhe permitiu ganhar alguns dos maiores clientes do mundo da arte no que diz respeito à aquisição de obras tan- to do período Impressionista, como, e so- bretudo, dos grandes mestres da arte moderna e contemporânea, precisamen- te os campos artísticos que a Coleção Be- rardo abrange recordem-se as obras assinadas por nomes como Jean-Michel Basquiat, Andy Warhol, Roy Lichtens- tein, Aleksandr Rodchenko, Piet Mo- drian, Andreas Gursky ou Mareei Du- champ. Mas o grande salto de Chowaiki aconteceu quando, em março de 2007, abriu a Gallery Shkola em Moscovo. Courbet, Monet, Renoir, Pissarro, Cha- gall, Miro, Picasso, entre muitos outros, chegaram à Rússia pela sua mão e foi com obras de mestres como estes que conseguiu alcançar uma clientela exten- sa, interessada sobretudo em criar no- vas coleções privadas. São russos abasta- dos, dispostos a dar o dinheiro que for preciso para, em pleno século XXI, con- seguirem reunir acervos, cujo valor ad- vém mais dos nomes dos artistas do que das peças que assinam, dada a dificulda- de de se encontrar no mercado seja o que for da sua autoria. Solicitações há muitas "Não conheço a galeria nem faço ideia quem é o dono. Acho que é um russo qualquer, mas nem me dei ao trabalho de ir à internet procurar", diz Berardo, que apenas tomou nota do nome do nego- ciante de arte à mão numa folha de pa- pel. "Mas acredito que foi um agente ou um marchant daqui que falou com ele, o aconselhou a fazer uma proposta de com- pra ao Governo e o apresentou aos gover- nantes, servindo de intermediário. E até aí ainda entendo. Agora, o Governo escre- ver cartas a outros, ou melhor, aos ban- cos, e não a mim, não percebo. Isso é uma falta de consideração total!" O comendador assume pela primeira vez que "parte da coleção está hipote- cada aos bancos", mas desvaloriza a questão: "Isso é a mesma coisa que es- tar a pagar o empréstimo da casa ao banco todos os meses, e não legitima em nada eu não ter sido notificado co- mo proprietário do acervo." "Zanga- do", sim, afirma, mas "descansado". O empresário madeirense diz que não precisa que ninguém lhe arranje com- pradores "para coisa nenhuma", até

Ezra dono galeria em propôs comprar o Coleção Berardo pode ... · que foi feita uma oferta mas desconheço o seu valor. De resto, não houve nenhu-ma avaliação recente à coleção",

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Proposta Ezra Chowaiki, dono de uma galeria em

Moscovo, propôs ao Governo comprar o acervo

Coleção Berardopode ir parar à Rússia

zra Chowaiki, um nego-ciante de arte nova-ior-quino com estreitas rela-ções comerciais com a

Rússia, propôs ao Gover-no português comprar aColeção Berardo. Cho-waiki terá contactado aSecretaria de Estado da

Cultura e as Finanças, fazendo umaproposta avultada para a aquisição das862 peças que compõem o acervo docomendador cedido ao Estado em regi-me de comodato desde dezembro de2006 e avaliado pela leiloeira Christie'sum ano depois em €316 milhões.

A notícia é avançada por Joe Berardo:"Estava eu numa instituição bancária,cujo nome não posso revelar, quandome dizem: temos uma comunicação doGoverno a informar-nos que recebeuuma proposta de compra da sua cole-

ção. E eu, que sou o proprietário? Amim ninguém me diz nada?" O empresá-rio madeirense, que teve acesso à "cartaenviada aos presidentes dos bancos", ga-rante que a missiva foi assinada pelossecretários de Estado da Cultura e das

Finanças, Jorge Barreto Xavier e Ma-nuel Luís Rodrigues, respetivamente,sendo datada de 19 de novembro. "Sei

que foi feita uma oferta mas desconheçoo seu valor. De resto, não houve nenhu-ma avaliação recente à coleção", conti-

nua, frisando que desconhece se foi o Es-tado que pediu propostas de compra.

Governo não dá explicações

Contactados pelo Expresso, tanto Bar-reto Xavier como Manuel Luís Rodri-

gues escusaram-se a fazer qualquer co-mentário sobre a matéria, deixando emaberto questões tão pertinentes comose cabe ao Estado encontrar um com-prador para a coleção; se, não sendo o

proprietário da coleção, porque é que a

proposta de compra lhe foi dirigida;qual o valor da oferta; ou qual a posiçãoatual do Governo em relação ao exercí-cio do direito de opção de compra do

acervo até ao final de 2016, pois só apoderá vender depois de a comprar.

Berardo diz que é "incompetência" e

"ignorância". "Provavelmente, acham

que podem fazer dinheiro com a coleção,comprando-a por €316 milhões e venden-do-a a seguir por mais. Esquecem-se é

que o acordo que assinei com eles diz

que ela nunca poderá sair do país, tem deficar em Portugal!" Uma afirmação queé discutível juridicamente, uma vez que oacordo só vigora até 31 de dezembro de2016. Certo é que o mercado de arte temvindo a valorizar as peças do empresáriomadeirense. Basta olhar para o montan-te dos seguros aplicados a apenas 92obras da coleção que esta quarta-feira se-rão expostas em Miami — €270 milhões—

, para perceber essa valorização.

Quem é o comprador?

A Ezra Chowaiki nada disto terá passa-do despercebido. A negociar em artedesde 2004, ano em que fundou a Cho-waiki & Co em Nova lorque, o marchantreuniu num mesmo espaço galeria e ser-

viço de consultoria, uma combinaçãoque lhe permitiu ganhar alguns dosmaiores clientes do mundo da arte no

que diz respeito à aquisição de obras tan-to do período Impressionista, como, e so-

bretudo, dos grandes mestres da artemoderna e contemporânea, precisamen-te os campos artísticos que a Coleção Be-rardo abrange — recordem-se as obrasassinadas por nomes como Jean-MichelBasquiat, Andy Warhol, Roy Lichtens-

tein, Aleksandr Rodchenko, Piet Mo-drian, Andreas Gursky ou Mareei Du-champ. Mas o grande salto de Chowaiki

aconteceu quando, em março de 2007,abriu a Gallery Shkola em Moscovo.Courbet, Monet, Renoir, Pissarro, Cha-

gall, Miro, Picasso, entre muitos outros,chegaram à Rússia pela sua mão e foicom obras de mestres como estes queconseguiu alcançar uma clientela exten-

sa, interessada sobretudo em criar no-vas coleções privadas. São russos abasta-

dos, dispostos a dar o dinheiro que forpreciso para, em pleno século XXI, con-seguirem reunir acervos, cujo valor ad-vém mais dos nomes dos artistas do quedas peças que assinam, dada a dificulda-de de se encontrar no mercado seja o

que for da sua autoria.

Solicitações há muitas

"Não conheço a galeria nem faço ideia

quem é o dono. Acho que é um russo

qualquer, mas nem me dei ao trabalhode ir à internet procurar", diz Berardo,que apenas tomou nota do nome do nego-ciante de arte à mão numa folha de pa-pel. "Mas acredito que foi um agente ouum marchant daqui que falou com ele, o

aconselhou a fazer uma proposta de com-

pra ao Governo e o apresentou aos gover-nantes, servindo de intermediário. E atéaí ainda entendo. Agora, o Governo escre-

ver cartas a outros, ou melhor, aos ban-

cos, e não a mim, já não percebo. Isso é

uma falta de consideração total!"O comendador assume pela primeira

vez que "parte da coleção está hipote-cada aos bancos", mas desvaloriza a

questão: "Isso é a mesma coisa que es-tar a pagar o empréstimo da casa aobanco todos os meses, e não legitimaem nada eu não ter sido notificado co-mo proprietário do acervo." "Zanga-do", sim, afirma, mas "descansado". O

empresário madeirense diz que não

precisa que ninguém lhe arranje com-pradores "para coisa nenhuma", até

porque, "quer o Estado queira quernão até 2016 nada pode ser vendido".O acordo firmado com a Fundação Co-

leção Berardo assim o diz, sublinha.Além disso, "solicitações para venderas minhas obras de arte não me fal-tam, agora são os judeus que as que-rem!" Como já foram os franceses, os

árabes, ou os canadianos...ALEXANDRA CARITA

política @ expresso.impresa.pt

EM MOSCOVO,EZRA CHOWAIKITEM SIDO UMDOS MAIS ATIVOSMARCHANTS E

AJUDADO A CRIARCOLEÇÕES DEARTE PRIVADAS

Não preciso que ninguém me arranje compradores para coisa nenhuma , diz Joe Berardo foto jorge simão