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FIGUEIREDO, F. F. . TRAGÉDIA NO JAPÃO: Contra fatos existem argumentos. Observatório da Imprensa, Rio de Janeiro, p. 1 - 2, 22 mar. 2011. Homepage: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=634JDB009 ; ISBN: 15197670. LIXO & ARTE Uma atividade extraordinária e perversa Por Fábio Fonseca Figueiredo em 22/2/2011 O Brasil está concorrendo a um Oscar com o documentário   Lixo Extraordinário  . Co- produção entre o Reino Unido e Brasil e vencedor de prêmios de público nos festivais de Sundance e Berlim em 2010, o filme tem tudo para trazer por primeira vez ao país a cobiçada estatueta dourada (ver aqui). O documentário foi gravado no maior lixão a céu aberto do Brasil, o Jardim Gramacho (Rio de Janeiro). Diferentemente do documentário  Estamira, que apresenta de maneira nua e crua o cotidiano dos catadores,  Lixo extraordiná rio possui um roteiro simples e imagens impactantes para quem jamais esteve num lixão. Trata de um artista plástico que convence os catadores do local a cederem seus rostos para que sejam pintados em quadros e posteriormente vendidos. A arrecadação com a venda dos quadros será revertida aos catadores. Nas palavras de Vik Muniz, que pintou os quadros, "a proposta foi fazer do lixo uma arte a partir do lixo". Aparentemente, o artista conseguiu seu objetivo, que se traduz em belos quadros que foram expostos e vendidos em Londres. Para além do glamour cinematográfico, Lixo Extraordiná rio reacende a discussão sobre a problemática social vivida pelos catadores de lixo no Brasil. Trata-se de um universo de aproximadamente um milhão de pessoas (estatística não confirmada e que penso ser maior) que possuem como fonte de renda a coleta e separação de materiais para posterior venda a indústrias de reciclagem. Contando com quase nenhum apoio governamental, estes sujeitos invisíveis na sociedade brasileira são responsáveis por 90% da oferta dos materiais que atualmente são reciclados no país.

Fábio Fonseca Figueiredo - Lixo e arte

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8/6/2019 Fábio Fonseca Figueiredo - Lixo e arte

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FIGUEIREDO, F. F. . TRAGÉDIA NO JAPÃO: Contra fatos existem argumentos.

Observatório da Imprensa, Rio de Janeiro, p. 1 - 2, 22 mar. 2011. Homepage:

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=634JDB009; ISBN:

15197670. 

LIXO & ARTE

Uma atividade extraordinária e perversa

Por Fábio Fonseca Figueiredo em 22/2/2011

O Brasil está concorrendo a um Oscar com o documentário   Lixo Extraordinário . Co-

produção entre o Reino Unido e Brasil e vencedor de prêmios de público nos festivais

de Sundance e Berlim em 2010, o filme tem tudo para trazer por primeira vez ao país a

cobiçada estatueta dourada (ver aqui).

O documentário foi gravado no maior lixão a céu aberto do Brasil, o Jardim Gramacho

(Rio de Janeiro). Diferentemente do documentário  Estamira, que apresenta de maneiranua e crua o cotidiano dos catadores,  Lixo extraordinário possui um roteiro simples e

imagens impactantes para quem jamais esteve num lixão. Trata de um artista plástico

que convence os catadores do local a cederem seus rostos para que sejam pintados em

quadros e posteriormente vendidos. A arrecadação com a venda dos quadros será

revertida aos catadores. Nas palavras de Vik Muniz, que pintou os quadros, "a proposta

foi fazer do lixo uma arte a partir do lixo". Aparentemente, o artista conseguiu seu

objetivo, que se traduz em belos quadros que foram expostos e vendidos em Londres.

Para além do glamour cinematográfico, Lixo Extraordinário reacende a discussão sobre

a problemática social vivida pelos catadores de lixo no Brasil. Trata-se de um universo

de aproximadamente um milhão de pessoas (estatística não confirmada e que penso ser

maior) que possuem como fonte de renda a coleta e separação de materiais para

posterior venda a indústrias de reciclagem. Contando com quase nenhum apoio

governamental, estes sujeitos invisíveis na sociedade brasileira são responsáveis por

90% da oferta dos materiais que atualmente são reciclados no país.

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Ninguém é catador porque decidiu ser catador

As políticas assistencialistas tampouco têm conseguido mudar o status quo de miséria

desses dos catadores, uma vez que diversos estudos científicos e algumas poucas e boas

reportagens denunciam a maior precarização do trabalho destes sujeitos e,

paralelamente, lucros crescentes e extraordinários conseguidos pelas indústrias de

reciclagem no país. Entretanto, na perspectiva oficial, inclusão social implica a

formação de associações e cooperativas de catadores, com vistas a aumentar a coleta de

materiais destinados às recicladoras. Essa perspectiva pode ser vista na célebre frase do

ex-presidente Lula durante a Expocatadores de 2009: "O governo está dando a vara para

os catadores pescarem os materiais recicláveis."

A inclusão social no Brasil é uma quase-inclusão, justificada pelo senso de

benevolência e conformidade sociais ante a periclitante situação vivida pelos catadores.

A noção é simplória: já que o catador está catando os materiais de uma maneira

desordenada, a ideia é profissionalizar o catador de maneira que ele possa realizar a sua

atividade de maneira produtiva, ou seja, fazendo com que o catador entre na lógica

mercadológica da indústria da reciclagem. Dessa forma, o catador poderá conseguir

maiores rendas a partir do trabalho organizado.

Mas... maiores rendas para quem? Para as indústrias de reciclagem? Para que o governo

pose de bom moço por capacitar os catadores a coletar materiais recicláveis?

Conforme o discurso do Movimento Nacional de Catadores de Materiais recicláveis, as

prefeituras devem contratar os catadores para a realização dos serviços de coleta e

separação dos materiais. Se entendo, tal discurso trata de transformar catadores em

garis. Isso é inclusão social ou apenas uma forma digna de se adentrar na economiapolitica do lixo? Não se pode esquecer que ninguém é catador porque decidiu ser

catador, e sim porque as condições de exclusão social levam as pessoas a serem

catadoras. Vale a pena a leitura do livro  Metamorfose do Trabalho, onde André Gorz

analisa a ressignificação do trabalho na sociedade. E também Vidas desperdiçadas, de

Zygmunt Bauman.

Profissão promissora

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Quem defende a inclusão social propõe como condição primeira a melhoria nas

condições de trabalho e de vida dos catadores. O reconhecimento da atividade de

catação pelo Ministério do Trabalho em 2002, a disponibilidade de financiamento

público do BNDES e Funasa a entidades de catadores e a recém-criada política nacional

de resíduos sólidos indicam a postura oficial no sentido de melhorar a situação daqueles

sujeitos.

Os encaminhamentos oficiais e o apelo de parte da sociedade levam a crer que a

atividade de coleta e separação dos materiais recicláveis será uma promissora profissão

num futuro próximo. Nesse sentido, uma pergunta se faz importante: alguém que possui

filhos menores gostaria que eles se tornassem catadores de materiais recicláveis, mesmo

sabendo que este profissional possui todos os direitos trabalhistas reconhecidos,rendimentos interessantes e que a atuação laboral se desse em condições satisfatórias? A

mesma pergunta serve para empregadas domésticas, coveiros, embaladores de

mercadorias em caixas de supermercado, flanelinhas...