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Faculdade 7 de Setembro Curso de Jornalismo LARISSA DA SILVA VIEGAS DEMOCRACIA, COMUNICAÇÃO E CULTURA: UMA ANÁLISE DO CADERNO VIDA & ARTE FORTALEZA 2008

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Faculdade 7 de Setembro

Curso de Jornalismo

LARISSA DA SILVA VIEGAS

DEMOCRACIA, COMUNICAÇÃO E CULTURA:

UMA ANÁLISE DO CADERNO VIDA & ARTE

FORTALEZA

2008

LARISSA DA SILVA VIEGAS

DEMOCRACIA, COMUNICAÇÃO E CULTURA:

UMA ANÁLISE DO CADERNO VIDA & ARTE

Monografia apresentada ao curso de Comunicação

Social com habilitação em Jornalismo da

Faculdade 7 de Setembro, com requisito parcial

para obtenção de grau de bacharel em Jornalismo.

Professor orientador: Tiago Seixas Themudo

FORTALEZA

2008

LARISSA DA SILVA VIEGAS

DEMOCRACIA, COMUNICAÇÃO E CULTURA:

UMA ANÁLISE DO CADERNO VIDA & ARTE

Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social da Faculdade

7 de Setembro, como requisito parcial para obtenção do grau

de bacharel, com habilitação em Jornalismo.

Data de aprovação: Fortaleza,

BANCA EXAMINADORA

Assinatura:

Prof. Dr. Tiago Seixas Themudo

Orientador

Assinatura:

Prof. Ms. Miguel Macedo

Membro

Assinatura:

Prof. Ms. Kátia Patrocínio

Membro

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe Rosângela, ao meu pai Renato, à minha tia

Harleyne e à toda a minha família, Silva e Viegas, presentes desde o início. Aos meus

amigos queridos, que tiveram tanta paciência nesses cinco meses; aos meus amigos de

trabalho, tão compreensivos, que me apoiaram até o último momento; aos meus

companheiros de monografia, os quais ajudaram nas horas de angústia e ansiedade; e

aos meus colegas de turma, que compartilharam momentos tão agradáveis. À memória

da Renata. E à Deus, por me ajudar a chegar onde estou.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os professores, que dedicaram tempo e compartilharam

conhecimento nesses quatro anos de curso. Agradeço também ao coordenador Ismael

Furtado, que acompanhou o nosso desenvolvimento pessoal e profissional, e ao

orientador Tiago Seixas, que me ensinou a confiar mais no meu trabalho. Obrigada,

amigos, colegas de faculdade, amigos de curso, que fizeram parte desta fase tão

importante. E obrigada família, por sempre me apoiar nas minhas escolhas.

RESUMO

VIEGAS, Larissa. Democracia, comunicação e cultura: uma análise do caderno

Vida & Arte. Fortaleza, 2008. Monografia - Curso de Jornalismo, Faculdade 7 de

Setembro.

Este trabalho analisa o atual quadro do jornalismo cultural brasileiro, fazendo

referência a dois elementos fundamentais para a formação de uma sociedade

organizada: a democracia e a comunicação. O jornalismo é peça fundamental para o

exercício de ambos os elementos e, durante o trabalho, serão apresentados fatores que

comprovam esta necessidade, a qual, muitas vezes é vista como supérflua ou

secundária. O trabalho é dividido em três capítulos e aborda temas como história do

jornalismo; relação entre o jornalismo cultural e questões econômica, política e social;

indústria cultural, cultura de massa e globalização. A relação entre a democracia e a

comunicação também é feita, assim como a apresentação da realidade das redações e os

problemas diários, apresentando com transparência as atividades jornalísticas e as

influências de elementos “não-jornalísticos” no conteúdo. As peças fundamentais no

jornalismo cultural, o crítico (profissional) e a crítica (gênero textual) recebem atenção

especial, assim como a desvalorização do profissional e a mudança que o texto sofre ao

longo do tempo. Por fim é feita uma análise de estudo de caso, onde foi selecionado um

período do caderno Vida&Arte do jornal O Povo, de Fortaleza, Ceará, para tornar

concretas as teorias apresentadas. Um único caderno é analisado em maior

profundidade, incluindo a produção textual.

Palavras-chave: jornalismo cultural, democracia, comunicação, crítica, Jornal O Povo.

SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 10

2. O CONTEXTO SOCIAL DO JORNALISMO BRASILEIRO ........................... 15

2.1 Como tudo começou ................................................................................................ 15

2.2 Capitalismo, poder e publicidade ............................................................................ 18

2.3 Indústria cultural, cultura de massa e globalização ................................................. 22

2.4 Os meios de comunicação e a sociedade ................................................................. 28

3. ELEMENTOS DO JORNALISMO CULTURAL ............................................... 31

3.1 A democracia e a comunicação ............................................................................... 31

3.2 O “problema” nosso de cada dia .............................................................................. 34

3.3 O papel do crítico .................................................................................................... 36

3.4 A crítica e o tempo ................................................................................................... 38

3.5 A participação do jornalismo na cultura e na sociedade ......................................... 42

4. JORNALISMO CULTURAL – CADERNO VIDA&ARTE ............................... 46

4.1 Estudo de caso ......................................................................................................... 46

4.2 Análise geral – Vida&Arte ...................................................................................... 46

4.2.1 Capa .......................................................................................................... 47

4.2.2 Página 2 ..................................................................................................... 47

4.2.3 Página 3 ..................................................................................................... 48

4.2.4 Página 4 ..................................................................................................... 48

4.2.5 Página 5 .................................................................................................... 49

4.2.6 Página 6 .................................................................................................... 49

4.2.7 Página 7 ..................................................................................................... 51

4.2.8 Página 8 ..................................................................................................... 51

4.2.9 Página 9 ..................................................................................................... 51

4.2.10 Página 10 ................................................................................................. 52

4.2.11 Páginas 11 e 12 ....................................................................................... 52

4.2.12 Vida & Arte Cultural Especial ................................................................ 52

4.2.13 Mais algumas informações ..................................................................... 52

4.3 Análise específica – Vida&Arte 30/07/2008 ........................................................... 53

4.3.1 Capa .......................................................................................................... 53

4.3.2 Página 2 ......................................................................................................55

4.3.3 Página 3 ..................................................................................................... 57

4.3.4 Página 4 ..................................................................................................... 59

4.3.5 Página 5 ..................................................................................................... 59

4.3.6 Página 6 ..................................................................................................... 61

4.3.7 Página 7 ..................................................................................................... 61

4.3.8 Página 8 ..................................................................................................... 64

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 67

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 69

ANEXOS ....................................................................................................................... 71

1.INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, a qualidade do jornalismo cultural brasileiro tem sido

questionada. A baixa qualidade do conteúdo é uma das questões levantadas e é na mídia

impressa que esse problema tem se tornado mais visível. Sérgio Luiz Gadini (1996)

afirma que, na maioria dos cadernos culturais brasileiros, 10% a 15% de seu espaço são

ocupados com modalidades de entretenimento, como horóscopo, palavras cruzadas,

jogos dos sete (ou oito) erros e algumas tiras. Em quase 50% do espaço são publicados

roteiros, programação televisiva e colunas sociais, restando cerca de 40% para a

publicação de matérias jornalísticas e críticas culturais.

A dificuldade financeira que os jornais enfrentam também influenciam no pouco

espaço dos cadernos culturais dedicados ao jornalismo cultural. Para suprir os gastos

dos jornais, a publicidade domina os cadernos.

“O espaço publicitário nos cadernos culturais, ocupado geralmente por

anúncios de filmes, livros editados, teatro em cartaz, entre outros produtos e serviços

menos freqüentes, demanda um maior número de páginas especialmente nas edições de

sexta-feira – quando ocorrem as trocas de cartaz de cinema, shows e estréias de peças de

teatro – bem como nas edições de sábados e domingos.” (GADINI, 1996: 239)

Para a produção de um jornalismo cultural é necessário, primeiramente, haver a

fusão entre o conceito de jornalismo (fonte de informação para a sociedade

contemporânea) e de cultura. No Brasil, por exemplo, a mistura de etnias, raças e

costumes múltiplos e diversificados implica um jornalismo que entenda a pluralidade da

cultura brasileira, resultante do processo de interações e oposições no tempo e no

espaço. Ao enfrentar o vasto campo de atuação, o jornalismo deve envolver

manifestações das diferentes culturas, seja ela erudita, popular ou de massa (Castelo

Branco, Targino e Gomes).

Após compreender que o Brasil é um país múltiplo, com pessoas de gostos e

interesses diferentes, o bom jornalista é capaz de produzir conteúdos que possam

interessar aos mais distintos públicos. Um bom texto crítico sobre o novo filme de

Steven Spielberg, por exemplo, pode interessar até aqueles que não gostam de ficção

científica. Mas, para escrever um conteúdo de qualidade, o crítico precisa dominar todas

as características de um bom texto jornalístico (clareza, coerência e agilidade), informar

ao leitor sobre o que é o filme, analisar a obra de modo sintético, mas sutil, esclarecendo

o peso relativo de qualidades e defeitos, evitando a atribuição de adjetivos e,

principalmente, ir além do objeto analisado, usando-o para a leitura de algum aspecto da

realidade, sendo o autor um intérprete do mundo. (PIZA, 1997)

“O bom jornalista cultural deve assumir como ponto de partida a idéia de que é

preciso pensar sempre de outro modo, que é preciso ver uma questão sempre pelo outro

lado, pelo lado que não está sendo visto, pelo lado oposto do hábito cultural. Nada pior

em cultural do que o hábito cultural. E o jornalismo cultural brasileiro ainda está cheio

de hábitos culturais. A cultura pode ser feita de hábitos culturais. O jornalismo cultural,

não.” (COELHO, 2007: 25)

A democratização da comunicação surge a partir dos movimentos de resistência

isoladas no combate ao monopólio dos meios de comunicação. O jornalismo cultural faz

parte dessa democratização, pois a narrativa e a matéria jornalística são produções

culturais, fazendo referência à realidade à nossa volta. Mas não é isso que vemos na

mídia contemporânea, que despreza essa democratização dos sentidos. O espaço nas

mídias para a voz coletiva é bastante restrito, prevalecendo a opinião de uma minoria

(MEDINA, 2007).

“A informação de serviço é fundamental desde que o jornalismo existe, mas,

por outro lado, sempre houve a necessidade da voz individual, da voz de opinião. No

caso das artes, essa voz se manifesta através da crítica, das resenhas e dos ensaios.

Portanto, historicamente, o que se desenvolve no jornalismo é a amplitude das vozes e

dos significados das coisas. E para tecer essas amplitudes não há como dispensar o

repórter, a reportagem ou a cobertura jornalística que oferece a polifonia e a

polissemia.” (MEDINA, 2007: 33)

Um dos fatores prejudiciais ao jornalismo cultural é a própria indústria cultural.

Esta, como toda a indústria, visa o lado comercial da cultura, explorando-a e

vulgarizando-a. Sua produção é de conteúdos que visam apenas o entretenimento e a

alienação do público, deteriorando o pensamento reflexivo e a percepção das realidades

adversas (Castelo Branco, Targino e Gomes).

Assim, o jornalismo cultural brasileiro está vivendo uma realidade que não

convém com aquilo que ele propõe inicialmente. Seu espaço nas mídias, cada vez mais

reduzidos, impede a produção de um conteúdo de qualidade, que ouça e atenda

democraticamente seus mais diversificados públicos. O jornalismo cultural atual, pelo

contrário, tem dado voz a uma minoria, que, conseqüentemente, também é “ouvido” por

um número pequeno de pessoas.

O que vemos hoje, a produção e reprodução dos sentidos, converge apenas na

manutenção de um consenso em torno de determinado assunto, sem mais discussões e

reflexões. Isso porque o jornalismo também tornou-se um produto da indústria cultural,

defendendo o interesse de pequenos grupos influentes e interessado apenas na obtenção

de lucros de grandes empresas, como a indústria cinematográfica (MENDONÇA,

2008).

Os cadernos culturais diários, em conseqüência desses simplismos e

maniqueísmos, vêm sofrendo de um novo problema. Acompanhando até certo ponto a

própria segmentação do mercado cultural, cada vez mais subdividido em gêneros, eles

parecem sucumbir ao que se poderia chamar de tribalização ou guetização. Soam como

porta-vozes de grupos que mal se comunicam. (PIZA, 2007: 56)

Ao contrário da diversidade, fator cultural e socialmente positivo, a tribalização,

para Piza, a distorce, dando-lhe sentido mais empobrecedor. Com a diversidade, há

espaço para Caymmi, Mozart e Beatles sem preconceitos e preservando a independência

do julgamento, além de enriquecer a percepção, ao enxergar os nexos entre os estilos e

as artes.

Assuntos como moda, gastronomia e design ganharam espaços nos cadernos

culturais, abrindo, assim, as fronteiras do jornalismo cultural. Este, além de anunciar e

comentar as obras lançadas, passa a “refletir (sobre) o comportamento, os novos hábitos

sociais, os contatos com a realidade político-econômica da qual a cultura é parte, ao

mesmo tempo integrante e autônoma” (PIZA, 2007: 57).

Mas a setorização excessiva do jornalismo cultural o tem deixado em posição

tímida diante do marketing e da avassaladora “indústria do entretenimento”. Eventos

mais caros, como desfiles de moda e gastronomia, ganham as capas das seções culturais,

já que os temas de capa chamam mais atenção dos leitores e “facilitam” as coisas para

editores e diretores. Não é impossível tratar desses assuntos sem ser frívolo, mas “o

jornalismo cultural sai perdendo quando os critérios passam a ser resumidos ao de

afastar o leitor de abordagens que considera erroneamente “muito sérias” ou críticas.”

(PIZA, 2007: 57)

Quando bem feito, o jornalismo cultural afirma e demonstra que a diversidade da

cultura brasileira e mundial é um fator positivo na sociedade, afastando preconceitos e

enriquecendo a percepção, já que os leitores passam a enxergar os nexos entre os estilos

e artes. Estudos comprovam que os cadernos culturais são de extrema relevância para o

público, que faz uso destes para a obtenção de informações.

O jornalismo cultural tem sido excluído dos jornais, revistas, televisão e internet.

Antes de ser tomado pela indústria cultural e pelos interesses exclusivamente

econômicos, havia muito mais revistas voltadas para esse setor do jornalismo, e os

autores dos textos, denominados críticos, definiam o sucesso ou o fracasso de um

evento ou obra. Hoje, os cadernos culturais são superficiais, restritos a comentários

fúteis e irrelevantes, como a vida de celebridades, além das críticas não seguirem mais

qualquer critério de avaliação dos produtos. (PIZA, 2007)

Nesta era da multiplicação industrial, a matéria jornalística é, por si só, um

produto cultural voltado para o consumo que às vezes se esgota em si mesmo. Em

matérias que relatam e analisam eventos culturais estrangeiros existe, para Piza (2007),

uma espécie de “submissão”, dando a impressão de que tudo que vem “de fora” é

melhor do que aquele feito no Brasil.

O contrário também deve ser evitado. A restrição a matérias sobre produto

cultural estrangeiro implica na idéia de que o material produzido aqui, não recebe

influências externas, e que as culturas não se comunicam. Obras de qualidade,

realizadas em tantas partes, não podem ser ignoradas, principalmente no Brasil, um país

onde a cultura, seja ela nacional ou internacional, é tão pouco valorizada.

Não se pode pensar que a cultura possa sobreviver e se manter ativa

isoladamente, principalmente diante da atual situação mundial, onde TV a cabo,

livrarias (reais e virtuais), bancas de revistas, lojas de discos, Internet e cinema abrem

fronteiras. Quando o jornalismo cultural alterna sua abordagem entre o nacional e o

internacional, ele só tem a ganhar, pois assim demonstra estar interpretando a realidade

moderna. “Cultura”, segundo Piza, “é expandir horizontes, até mesmo para enxergar

melhor o seu entorno. O jornalismo cultural deve-se nutrir disso.”. (PIZA, 2007: 62)

Um dos males do atual jornalismo cultural é o excessivo atrelamento à agenda.

O foco está no filme que estréia na semana e no disco que será lançado no final do mês

e, assim, nos nomes já conhecidos do público, nos eventos de grande bilheteria

previsível e nas celebridades. Outros males são o tamanho e a qualidade dos textos,

principalmente dos que abordam lançamentos. Na maioria dos casos, eles são muito

parecidos ou idênticos aos press-releases, com informações ralas e poucas declarações e

adjetivos. O terceiro mal é a marginalização da crítica, que fica em segundo plano, com

poucas linhas e pouco destaque visual. O “achismo” e o palpite prevalecem, juntamente

com os comentários mal fundamentados.

“O jornalismo cultural de hoje, na maioria das vezes, beira o fútil e o leviano.

Vê que os suplementos literários foram fechados ou drasticamente reduzidos, nota a

hegemonia das colunas em tom de crônica impressionista, sente que o autor de uma

matéria não tem muita familiaridade com o assunto ou então fala apenas aos “iniciados”

em seus códigos e gírias”. (PIZA, 2007: 63)

2. O CONTEXTO SOCIAL DO JORNALISMO BRASILEIRO

2.1 Como tudo começou

“Sempre que aparece um meio novo de comunicação – e isso

acompanha o desenvolvimento do capitalismo – presume-se o

desaparecimento dos que então existem. Assim aconteceu com o

aparecimento do rádio e, depois, com o aparecimento da televisão.

Na verdade, o novo meio de comunicação importou em mudança

significativa na área mas não importou no desaparecimento dos

então existentes. Aconteceu, certamente, uma diferenciação de

tarefas, de acordo com as características dos novos meios, de

penetração maior e mais rápida do que a imprensa. E isso

correspondeu, sem dúvida, a mudanças também significativas no

papel da imprensa. Todos os meios, os de massa e a imprensa,

trabalham com a informação, no aspecto de notícia, mas operam

de maneiras diferentes. (...) Todos esses meios, na sociedade

capitalista, comercializam essa mercadoria especial que é a

informação. São meios que vendem informação: quem controla a

informação, controla o poder.” (SODRÉ, 1999: XIV)

A extensão tipográfica do homem foi uma verdadeira revolução social, pois

trouxe o nacionalismo, o industrialismo, os mercados de massa, a alfabetização e a

educação universais. A imprensa foi uma verdadeira fonte psíquica e social no

Renascimento, por exemplo, “tirando o indivíduo de seu grupo tradicional e

fornecendo-lhe um modelo de como adicionar indivíduos para formar uma poderosa

aglomeração de massa” (MCLUHAN, 1964: 197). Este espírito também incentivou os

artistas e os autores a cultivarem suas expressões particulares, assim como alguns

homens a criarem gigantescas corporações (militares e comerciais).

“Psiquicamente,”, diz McLuhan (1964: 200), “a extensão e a amplificação visual

do indivíduo pela imprensa acarretou efeitos de vária ordem. (...) As pessoas

começaram a agir como se a imortalidade fosse inerente à mágica repetibilidade e

extensão da imprensa.”.

A introdução de uma nova tecnologia em um ambiente social gera uma

constante ação neste ambiente, até a saturação de todas as instituições. O surgimento da

tipografia gerou conseqüências para as artes e as ciências nos últimos quinhentos anos.

“Seria fácil documentar os processos pelos quais os princípios da continuidade,

uniformidade e repetibilidade se tornaram as bases do cálculo, da mercadologia, da

produção industrial, da indústria do entretenimento e das ciências. Mas basta apontar

que a repetibilidade conferiu ao livro impresso o estranho e o novo caráter de um bem

de consumo de preço uniforme, o que veio a abrir as portas ao sistema de preços. Além

disso, o livro impresso tinha as vantagens da portabilidade e da acessibilidade em

relação ao manuscrito.” (MCLUHAN, 1964: 203)

De algumas décadas para cá, os meios de massa são vistos como meios de

comunicação. Mas, para Nelson Werneck Sodré (1999), no Brasil a imprensa não é

meio de massa, já que aqui a imprensa é formada por jornais e revistas, meios que não

são utilizados por uma grande parcela da população, pela verdadeira “massa”.

Nascida juntamente com o capitalismo, a imprensa também acompanhou sua

evolução, seu desenvolvimento. Hoje, ela espelha a crise que caracteriza a atual fase do

avanço do capitalismo. Esta fase está bem definida, graças ao surto e à influência dos

meios de comunicação sobre a sociedade. “Como estamos às vésperas de avanço

tecnológico de proporções inéditas, nesse terreno, é de crer que profundas mudanças

serão operadas nas atividades dos meios de comunicação, sempre em detrimento da

imprensa” (SODRÉ, 1999: X).

Como o jornalismo nasceu vinculado à ascensão da burguesia, e este sistema

possui características próprias do Brasil. Ela também recebeu traços particulares,

diretamente ligados a este avanço social.

Aquele que mais se destaca, ao nível dos fatos, é o que assinala a diferença, de

qualidade e de função, entre a pequena e a média empresa, que definiu o início da

imprensa industrial, no Brasil, e a dimensão de grande empresa que define, hoje, um

jornal ou mesmo, em menor escala, uma revista de grande circulação. Na proporção e

no ritmo em que se desenvolvem as relações capitalistas aqui, desenvolveu-se a empresa

jornalística, a oficina de um grande jornal moderno, no nosso país, é inteiramente

diferente do que era há meio século. A própria redação é diferente, avultando nela o

papel daqueles que lidam com o aparelhamento técnico. (SODRÉ, 1999: X)

O desenvolvimento da imprensa está diretamente relacionado com o crescimento

das relações capitalistas no Brasil. Este fato também concorreu para o aparecimento, a

função e a hegemonia dos meios de massa, tornando evidente que a empresa jornalística

é a maior iniciadora e impulsionadora desses meios de massa, a começar pelo rádio,

culminando com a televisão. Desta forma, surge um conglomerado empresarial, que

agrupa jornal, emissoras de rádio e televisão e, muitas vezes, revistas.

Esta nova fase revela que, muitas vezes, os jornais não acompanham o avanço

capitalista, pois não possuem recursos para assumirem a dimensão das empresas de

televisão. A evolução do capitalismo brasileiro e o surgimento de uma nova etapa, a

neoliberal, impediram que houvesse total agrupamento entre jornal e revista. “A

concentração de poder, nos casos em que esse agrupamento ocorreu, foi

extraordinariamente agravada e assinalou um traço novo no desenvolvimento da

imprensa brasileira. O reflexo e conseqüências desse traço estão evidentes, hoje”.

(SODRÉ, 1999: XI).

Como conseqüência, inúmeros jornais e revistas desapareceram no país,

acompanhando, na área da imprensa, o processo de oligopolização ocorrido na

economia e concentração da informação por um pequeno número de empresas. Para

Sodré (1999: XII), a razão da formação de oligopólios também na imprensa “vem do

caráter de grande empresa assumido pelos grandes jornais. E é por isso que a nossa

época não assiste ao aparecimento de novos jornais, e não apenas devido à função

menor que a imprensa desempenha na fase em que dominam os chamados meios de

massa.”.

A imprensa sempre foi controlada pelos interesses de quem estava no poder. “O

nosso capitalismo dependente era compelido, por razões externas e por razões internas,

a efetivar de quando em vez intervenções armadas para impedir mudanças que

ameaçassem os interesses dominantes. Daí a sucessão de golpes militares, a partir do

irrompimento da chamada „guerra fria‟.” (SODRÉ, 1999: XII). Se as manifestações

ameaçassem a ordem, logo era realizada uma intervenção militar. Hoje, essa dominação

não faz mais uso da força e sim, do convencimento, através da propaganda. “Os

embustes históricos”, explica Sodré (1999: XIII), “apenas mudam de forma. E a

imprensa desempenha nesse processo de deformação papel importante, coadjuvando os

meios de massa. Quem controla a imprensa e os meios de massa não precisa mais de

golpes militares”.

“No amplo quadro de mudanças do nosso tempo, a imprensa assume

fisionomia nova. Antes as fases se diferenciavam: a fase inicial era de imprensa

artesanal, que tivera início com o alemão que multiplicou o texto bíblico; a fase seguinte

seria a da imprensa industrial, quando o aparelhamento dos jornais apresentou

proporções desmedidas, com grandes oficinas em funcionamento acelerado. Na forma,

havia outra diferença: a imprensa artesanal vivia da opinião dos leitores e buscava servi-

la; na imprensa industrial isso já não acontecia, o jornal dispensa, no conjunto, a opinião

dos leitores e passa a servir aos anunciantes, predominantemente. A diferença é

progressiva e existe uma relação dialética entre a imprensa e o público. As proporções

assumidas pela relação citada variam com o tempo e o meio, como é normal.” (SODRÉ,

1999: XIII)

A publicidade, que hoje é de grande importância, proporciona o

desenvolvimento da imprensa em sua fase industrial de acelerado crescimento

capitalista. Este crescimento, juntamente com a opinião que a imprensa veicula (que não

é a mesma do público de leitores) é de extrema importância para a imprensa atual,

liderada pela publicidade.

Hoje, a imprensa brasileira possui número reduzido de jornais, enquanto o

número de revistas especializadas aumentou. “A especialização no público visado por

cada uma define a fisionomia da revista, mas o fato é que a especialização exclui a

competência com os jornais, além da periodicidade, que é diferente entre jornais e

revistas.” (SODRÉ, 1999: XV). Em ambos os casos, a indústria gráfica teve um avanço

tecnológico significativo, principalmente nos grandes jornais. Porém, nenhum definiu-

se como nacional, alcançando todos os cantos do país, como atingem o rádio e a

televisão.

O jornal, antigamente, dividia seus profissionais em três categorias: direção,

redação e oficinas. O poder estava nas mãos da direção, exceto em período ditatorial. A

redação não mais utilizava a linguagem literária presente na fase artesanal, pois já

estava estabelecida a diferença de linguagem entre literatura e jornalismo. “Hoje,

jornalista é uma coisa, e literato é outra. A mudança importante foi operada no nível das

oficinas: elas não comportam mais o aparelhamento gráfico diversificado anterior, em

que reinava o linotipo.” (SODRÉ, 1999: XV). Não se usa mais o nome “oficina”, pois

uma gigantesca impressora exerce o trabalho da antiga rotativa.

Para Sodré, as inovações técnicas ajudaram e incentivaram a divulgação de

forma ampla, acompanhando e influenciando a uniformidade. O esforço técnico de

produção na imprensa acompanha o progresso dos meios de comunicação e de

transporte. Esses desenvolvimentos influenciam diretamente na grande imprensa,

responsável pelo volume e espaço geográfico das notícias e das informações.

2.2 Capitalismo, poder e publicidade

Assim como acontece em qualquer forma de expressão cultural, no cinema

comércio e arte andam juntos, em equilíbrio precário que, de acordo com a crítica de

cinema Pauline Kael (2000), tende mais para o lado comercial. Apesar disso, estes

homens de negócio amavam o cinema. Dedicavam-se sentimentalmente às produções,

respeitavam a qualidade e, principalmente, estavam sempre dispostos a correr riscos,

como não obter os lucros esperados e a aceitação do público e da crítica.

Mas as mudanças econômicas dos países geram conseqüências graves. Kael

(2000: 341) diz que “as pessoas no ramo do cinema não mais julgam necessário falar

em princípios. Atuam com base nas mesmas crenças dos jornais que tornam heróis

executivos responsáveis por algum sucesso, sem suscitar questões sobre a qualidade

desse sucesso.”. As palavras da crítica são direcionadas ao cinema, mas cabem muito

bem em qualquer setor artístico atual.

Essas pessoas que determinam quais serão os próximos sucessos de Hollywood

possuem gostos e julgamentos medíocres, adjetivo usado por Pauline (2000). As

experiências que os antigos cineastas possuíam, como instintos, formação e informação,

não fazem mais parte do perfil destes profissionais. “Os diretores de conglomerados

podem ser gênios dos negócios, mas no que se refere a cinema têm instintos virgens;

idéias novas para eles, e que os tomam de assalto, podem ter fracassado de forma

grotesca dezenas de vezes. Mas eles se acham pessoas criativas”, conclui Kael

(2000:330).

Para as empresas cinematográficas, o importante são as vendas e os lucros e o

que vêm logo em seguida: glamour e poder. Grande parte deste glamour e poder

proporcionados às empresas de cinema são conseqüências da imprensa, do jornalismo

cultural. Pauline Kael (2000: 331) explica: “Os críticos dos filmes na televisão discutem

as rendas relativas dos novos lançamentos; as rendas nesse ponto em relação a sucessos

anteriores; quais filmes vão ultrapassar os outros em poucas semanas. É como a

Olimpíada – quais serão os vencedores?”

Algumas décadas antes das críticas de Pauline Kael (2000), Marshall McLuhan

(1964) já ia além da indústria cinematográfica e generaliza a questão “conteúdo x

poder”:

“Os proprietários, eles mesmos, estão muito mais interessados nos meios como

tais e não muito dispostos a ir além „do que o público quer‟ ou qualquer outra fórmula

mais ou menos vaga. Os donos têm consciência dos meios enquanto poder e sabem que

esse poder tem pouco a ver com o „conteúdo‟, ou seja, os meios dentro dos meios.

Quando a imprensa tocou na tecla do „interesse humano‟, depois que o telégrafo

reestruturara o meio da imprensa, o jornal matou o teatro, tal como a TV atinge

duramente o cinema e os clubes noturnos.” (MCLUHAN, 1964: 71)

Na fase inicial da informação como um bem econômico básico da era elétrica, a

publicidade e o entretenimento “maquiaram” esta função financeira para o público. Ao

comprar um espaço em um veículo de comunicação, como jornal, TV, rádio etc., os

anunciantes estão comprando um pedaço do leitor, do telespectador e do ouvinte, agindo

como se as casas fossem locais alugados para a realização de encontros públicos. Para

McLuhan (1964), o anunciante poderia pagar diretamente ao consumidor para ele

assistir suas propagandas. Mas na América, por exemplo, o anúncio durante uma sessão

de cinema não “vingou”, pois a maior atração é o filme, também visto como a melhor

forma de publicidade para os bens de consumo.

Os anúncios classificados são os “pés” da imprensa, exercendo a função de

sustentá-la. Quando os anunciantes encontrarem novas formas de vender seus produtos,

McLuhan (1964) afirma que a imprensa fechará suas portas.

Assim como Fidel Castro “consegue combinar liderança política, educação e

propaganda de maneira tão hábil que às vezes é difícil dizer-se onde começa uma e

termina outra” (Szulc, citado por McLuhan, 1964:349), o mundo do entretenimento

também faz uso desta combinação. Um filme americano quando é visto fora dos

Estados Unidos parece uma propaganda política disfarçada. Diz McLuhan: “O

entretenimento válido tem de lisonjear e explorar os pressupostos culturais e políticos

de sua terra de origem”.

Para Renato Ortiz (2000: 23), o universo cultural interage de forma evidente

com a dimensão econômica e, portanto, não pode ser negada. No entanto, “as relações

que se estabelecem estão longe de se acomodar a qualquer tipo de „determinação em

última instância‟”, já que esta correlação não é feita de maneira imediata. As sociedades

capitalistas possuem a sua história cultural que não é a mesma das estruturas

permanentes do capitalismo. Ortiz explica:

“O século XIX conhece expressões culturais diferenciadas no seu início, com o

nascimento da sociedade industrial, e no seu final, com a emergência da modernidade

urbana e o take off da segunda Revolução Industrial. E se hoje o tema da pós-

modernidade se impõe é porque no âmago deste mundo que descrevemos como sendo

capitalista surgem outras configurações irredutíveis ao processo econômico” (ORTIZ,

2000: 24)

No final do século XIX, a sociedade distanciou-se de suas relações econômicas e

sociais, além de estar descrente da comunidade, ética ou religião. “Agora, para sua

maior segurança e auto-realização, um grande número deles passa a procurar indícios e

aconselhamentos junto a uma nova fonte disponível – a mídia.” (Ortiz, 2000: 120). São

os publicitários, que de forma consciente ou inconsciente, que percebem como o modo

de vida urbano é complexo, especializado, interdependente, que cria um resíduo de

necessidades desencontradas. “percebendo o vácuo na orientação das relações pessoais,

eles começam a oferecer seus produtos como resposta para o descontentamento

moderno”. Os produtos são os guias para os indivíduos, que aprendem, por meio deles,

a se comportar dentro da sociedade.

Desta forma, os publicitários se consideram os verdadeiros criadores da

identidade nacional. Eles ensinam as maneiras de consumir e trabalham para a eficácia

do mercado e o reforço da unidade nacional.

“Como dizem nessa época os executivos das grandes corporações: „o dever

primeiro de todo cidadão é ser um bom consumidor‟. O universo do consumo surge

assim como lugar privilegiado da cidadania. Por isso os diversos símbolos de identidade

têm origem na esfera do mercado. Disneyland, Hollywood, Superbowl e Coca-Cola

constituem o espelho do autêntico american way of life. A memória nacional, para se

constituir, não faz apelo aos elementos da tradição, (...) mas à modernidade emergente

com o mercado. Ser americano significa estar integrado a este sistema de valores.”

(ORTIZ, 2000: 122)

Não é apenas nos Estados Unidos que as premissas relativas à sociedade de

consumo emergem com a modernidade. O consumo não tem fronteiras e o mercado não

se contenta com os limites nacionais. “A modernidade-mundo, consubstanciada no

consumo, tem uma dinâmica própria. O processo de globalização das sociedades e de

desterritorialização da cultura rompe o vínculo entre a memória nacional e os objetos.”

(ORTIZ, 2000: 125). A proliferação deste processo resulta na desenraização de seus

espaços geográficos.

Antes de atuarem no mercado, os executivos e os publicitários precisam se

adaptar a uma realidade globalizada, compreendendo o funcionamento da sociedade em

que irão atuar. Ortiz (2000) explica que os publicitários devem captar a universalidade

presente em sua sociedade e, em seguida, apelar para o estímulo ao consumo de

mercadorias desterritorializadas de forma generalizada, ou seja, anunciadas e vendidas

em todo o mundo, independente de contexto cultural.

Hoje, as agências publicitárias são verdadeiras “instâncias mundiais de cultura”.

Esta “mundialização” que vivemos é fruto das “indústrias culturais globalizadas”. O

perigo desta supremacia está na possibilidade de restringir a liberdade do debate

democrático, pois compromete a constituição de um “espaço público” (como o entende

Habermas, citado por Ortiz, 2000: 166). Segundo o autor, “as maneiras de pensar,

distintas de ideologia de mercado, dos valores de uma cultura internacional-popular,

encontram um espaço reduzido, previamente demarcado, para se manifestarem.”.

A relação atual entre imprensa e publicidade é a mais estreita possível. Isto

acontece porque antigamente os jornais e as revistas eram empresas pequenas ou

médias, que veiculavam anúncios de empresas médias ou grandes. Mas este quadro

mudou. Hoje, estes veículos são grandes empresas, de grandes valores. Eles não apenas

servem, mas também servem-se. “A publicidade atende a um conjunto de interesses a

que o jornal, ou revista, se incorpora. De qualquer maneira, o papel da imprensa, hoje, é

muito menos importante do que o papel dos meios de massa”. (SODRÉ, 1999: XIV).

2.3 Indústria cultural, cultura de massa e globalização

“Não se trata tanto para a indústria cultural de adaptar-se às

reações dos clientes, mas sim de fingi-las. Ela as inculca neles ao

se comportar como se ela própria fosse um cliente. (...) A indústria

cultural modela-se pela regressão mimética, pela manipulação de

impulsos de imitação recalcados. Para isso ela se serve do método

de antecipar a imitação dela mesma pelo espectador e de fazer

aparecer como já subsistente ao assentimento que ela pretende

suscitar. Ela consegue fazê-lo tanto melhor quanto mais, em um

sistema estabilizado, ela pode contar de fato com tal assentimento,

precisando muito mais repeti-lo de maneira ritual do que, a rigor,

produzi-lo. O que ela produz não é um estímulo, mas um modelo

para maneiras de reagir a estímulos inexistentes.” (Theodor

Adorno apud Marcelo Coelho, 2006: 183)

O mau gosto, puro e simples, ganha um nome especial para Clement Greenberg,

citado por Marcelo Coelho (2006). O kitsch é aplicado de forma ampla e com

julgamento fortemente depreciativo a todo produto da indústria cultural. Para

simplificar, o autor cita como exemplos alguns vídeos de 15 anos e o pingüim de

geladeira. A “arte facilitada”, arte acadêmica, também é um exemplo de kitsch, pois

poupa esforços dos espectadores.

Não requer esforço de interpretação, de decodificação, de compreensão. Ao

espectador não cabe inquirir a obra, nem sequer conviver com ela; apenas consumi-la. O

kitsch, portanto, já traz dentro de si as interpretações, as conclusões, as mensagens a

serem absorvidas pelo espectador. Oferece-as prontas; de algum modo, prescreve e

orienta as reações do público. Um artista de vanguarda, como Picasso, pinta a causa – e

deixa que esta produza seus efeitos, sejam quais forem, no espectador; é provável que a

grande obra de arte, aliás, produza em cada espectador um efeito diferente. Repin, ao

contrário, pinta o efeito: o próprio artista planeja e orienta as reações que deve provocar,

incrustando-as no próprio quadro. O quadro já vem acompanhado de seu „modo de

usar‟, já traz sua explicação, sua „legenda‟; nada exige do espectador exceto o

assentimento – o que é fácil de fazer. É assim que „prefigura‟ o efeito, trazendo-o

mastigado, pré-digerido. (COELHO, 2006: 164)

Décadas após a publicação do artigo de Greenberg, as características do kitsch

apresentadas ainda são encontradas em muitos produtos da indústria cultural. Como

exemplo, podemos citar os seriados cômicos americanos. As risadas de um público

artificial já estão inclusas após a piada. O telespectador não se esforça nem para rir. Na

opinião de Coelho (2006), quem faz uso de recursos como a risada artificial menospreza

a inteligência de sua audiência. E, mesmo com este menosprezo, ainda quer aplausos e

risos “reais”. Não existe liberdade de reação.

É dessa forma que a cultura de massa trata seu público. Ele não é um

interlocutor, mas sim, um objeto. As pessoas são coisas. “De resto, se está em jogo

estabelecer juízo num contexto de comunicação, ética e estética terminam – em pontos

muito específicos – se confundindo.” (COELHO, 2006: 169)

O kitsch também está presente no jornalismo. O suprimento do uso de adjetivos

em textos e títulos jornalísticos está descrito em manuais e cursos de jornalismo.

Barthes, citado por Coelho (2006:173), cita como exemplo três títulos de uma notícia:

“INCÊNDIO MATA 34 PESSOAS EM SP

PAVOROSO INCÊNCIO EM S. PAULO

PAVOROSO INCÊNDIO EM SÃO PAULO!”

Pode-se notar que o primeiro título é esteticamente preferível em um texto

jornalístico e, para Greenberg (citado por Coelho, 2006:174), “causa de um efeito

possível”. Mas as duas manchetes seguintes fazem uso de adjetivos. A segunda, com o

adjetivo “pavoroso”, substitui a reação do leitor. Na terceira manchete, a exclamação

substitui a exclamação do próprio leitor.

A segunda e a terceira manchete são muito utilizadas em jornais sensacionalistas

ou populares. “Não se trata, por certo, de uma questão de compreensibilidade: o leitor

mais inábil entenderia tanto um quanto os outros exemplos. (...) A prefiguração do

efeito visa, aqui, não a um aumento de integibilidade, mas à manutenção da passividade

do leitor.” (COELHO, 2006: 174).

A manchete, ao contrário de um quadro do Picasso, não pode gerar inúmeros

efeitos possíveis. “Mas, quando o próprio jornal fala em „pavoroso incêndio!‟, o que se

está seqüestrando é a hipótese de que o leitor reaja com voz própria a tudo o que de

pavoroso venha a defrontá-lo.” (COELHO, 2006: 174). O jornalista popular imagina

que o seu leitor não possui vocabulário e faz uso dele como um serviço ao leitor de

poupar esforços.

O uso do “pavoroso” também pode ser visto como uma forma de igualar as

classes, a dos que produzem os jornais (jornalistas de elite, com formação universitária)

e a dos que lêem, um público inculto. Para Adorno, em citação de Coelho (2006), a

massa nada mais é do que um acessório da indústria cultural. O consumidor não impera

nem comanda esta indústria, ele é apenas um objeto. Dwight McDonald completa:

“a Cultura de Massa é imposta, vem de cima. É fabricada por técnicos

contratados por homens de negócios; os seus públicos são consumidores passivos, cuja

participação se limita à escolha entre comprar e não comprar. Os senhores do kitsch, em

suma, exploram as necessidades culturais das massa a fim de obter lucro e/ou manter o

domínio de sua classe” (Dwight McDonald apud Marcelo Coelho, 2006: 187)

Umberto Eco também tem uma opinião formada sobre kitsch. Para ele, “kitsch é

a obra que, para justificar sua função de estimuladora de efeitos, pavoneia-se com os

espólios de outras experiências, e vende-se como arte, sem reservas”. O kitsch, então,

não passa de uma falsificação artística. Immanuel Wallerstein, citado por Renato Ortiz

(2000:26), explica que a “cultura é o sistema-idéia desta economia capitalista mundial”.

Ela é a esfera ideológica do sistema mundial, “a estrutura na qual o sistema mundial

opera”. Ao contrário do que é imaginado, “uma cultura mundializada não implica o

aniquilamento das outras manifestações culturais, ela coabita e se alimenta delas. Um

exemplo: a língua” (ORTIZ, 2000: 27).

Durante discussões sobre cultura de massa, uma idéia sempre surge: a

uniformização das consciências. A própria palavra “massa” sempre desperta a suposição

de que “massa” está diretamente relacionada com multidão e as individualidades

viraram uma única opinião. As tecnologias, imaginava-se, contribui para essa

homogeneização, pois aproximariam as pessoas, que passariam a ter as mesmas idéias e

opiniões, formando, assim, um mundo cada vez mais idêntico e com a impressão de se

menor. Para Ortiz (2000), quando elementos culturais, como filmes e séries de televisão

tornam-se produtos da indústria cultural, conseqüentemente o mercado irá exigir uma

padronização destes produtos.

O líder mundial no campo da indústria cultural são, indiscutivelmente, os

Estados Unidos. Em estudos realizados pela Unesco, Ortiz (2000: 90) explica que os

norte-americanos “dominam a produção e a distribuição mundial de dramaturgia

televisiva, filmes e publicidade”. Para Jeremy Tunstall, citado pelo autor (2000: 91), a

indústria cultural deste país precisou inventar uma “cultura irresistível” e “portadora dos

germes da universalidade”. Os outros apenas a imitavam. Assim, a história do

predomínio norte-americano teria pouco a ver com os elementos econômicos ou

políticos. “O apelo da mídia americana em outros países se deve apenas à gramática dos

filmes, da televisão, das histórias em quadrinho e da publicidade” (ORTIZ, 200:91).

Cabem aos outros povos copiar.

Um dos autores citados por Renato Ortiz, Roland Corbisier (2000: 93), explica

sobre a importação de produtos culturais fabricados no exterior: “ao importar o cadillac,

o chicletes, a coca-cola e o cinema não importamos apenas objetos ou mercadorias, mas

também todo um complexo de valores e de condutas que se acham implicados nesses

produtos”.

Uma cultura internacional-popular é baseada na desterritorialização e apóia o

mercado consumidor. Quando esta cultura ultrapassa suas fronteiras, ela caracteriza uma

sociedade global de consumo, modo dominante da modernidade-mundo. A publicidade

é fundamental para que as fronteiras sejam rompidas. O autor (2000: 111) diz que seu

papel é de “capitalizar determinados signos e referências culturais reconhecidos

mundialmente”. A publicidade ensina que é preciso haver um “desenraizamento” não só

dos objetos, mas também das referências culturais que o compõem.

A indústria cultural transformou o homem, que passou a ver os seus produtos

com outros valores e funções.

Os homens devem estar aptos a comprar os produtos fabricados. Existe, porém,

resistências e hábitos que os levam a agir de outra forma. No mundo „tradicional da

sociedade industrial que se forma até o final do século XIX, o produto é percebido

apenas como algo funcional. Ele serve para alguma coisa (lavar roupa, matar a sede,

embriagar-se, cozinhar etc). Sua utilidade é o elemento preponderante na sua definição.

A sociedade emergente requer, no entanto, um outro entendimento das coisas. As

mercadorias têm de ser adquiridas independentemente de seu “valor de uso”. A ética do

consumo privilegia sua “inutilidade”. Há, portanto, um choque de valores. (ORTIZ,

2000: 118)

O consumo, que evoluiu rapidamente após o surgimento da indústria cultural,

precisou então de uma ética, não apenas devido às necessidades econômicas, mas

também para a criação de uma boa relação com a sociedade envolvente e seus membros.

“no mundo em que o mercado torna-se uma das principais forças reguladoras, a tradição

torna-se insuficiente para orientar a conduta. Uma dessas instâncias é a publicidade,

pois cumpre o papel de elaborar o desejo do consumidor atomizado, conferindo-lhe uma

certa estabilidade social.” (ORTIZ, 2000: 119).

De acordo com este autor (2000), as sociedades pós-industriais são constituídas,

basicamente, por conhecimento e informação. Um administrador global deve conhecer a

realidade da sociedade que ele rege. O segundo ponto, a informação, é essencial para

que sejam elaboradas estratégias. E ela que fornece aos agentes as condições necessárias

para a elaboração de um plano de intenções.

Não basta uma produção industrializada de cultura para que ela se mundialize.

Um exemplo é a Índia, que possui a maior indústria cinematográfica do mundo (do

ponto de vista quantitativo), mas, segundo os mercadores globais, seus produtos não são

exportáveis. São poucas transnacionais no mercado e não há interesse pelo filme

indiano. Por ser um produto industrializado, estes filmes estão cheios de estereótipos,

com características próprias.

Para que os filmes indianos possam ser explorados comercialmente, é necessário

que as tradições indianas obedeçam as exigências estabelecidas pelas técnicas

modernas. Este padrão de desenvolvimento é feito em vários países. “Em cada um

deles, as indústrias culturais combinam as tecnologias, os interesses pecuniários, e as

especificidades culturais. No entanto, elas se limitam aos contextos nacionais.” (ORTIZ,

2000: 200).

Outro fator que contrasta com o processo de mundialização são as produções

marcadamente nacionais. Ortiz explica, dando como exemplo a exibição das novelas

brasileiras em outros países:

Isto significa que o mercado internacional encerra disponibilidades estéticas

nas quais os gostos se encontram predeterminados. A riqueza das manifestações

culturais, específicas a certos povos, enfrenta uma barreira intransponível. Sua

autenticidade é limitada. Daí o interesse das grandes corporações em fabricarem

produtos culturais mais abrangentes, os empresários diriam „universais‟. É o caso da

telenovela brasileira. Quando exportada, ela sofre uma profunda transmutação. O

número de capítulos é reduzido (passa de 180-200 capítulos para uma média de 60), a

história é compactada, o merchandising é retirado, assim como tudo que lembre em

demasia os matizes locais. O que é sobremaneira brasileiro torna-se supérfluo, sendo

por isso eliminado. A trilha sonora é modificada, sendo introduzida uma faixa com

músicas de fácil entendimento do público internacional. Os produtores de telenovelas

reinterpretam as cenas num código estético, de uma linguagem de vídeo, comum aos

consumidores do mercado exterior. (ORTIZ, 2000: 200)

“A dinâmica de concentração multinacionalizada condiciona os processos de

industrialização do entretenimento”, afirma Dênis de Moraes (1998:135). A TV, o

rádio, o cinema, a música e os livros encontram-se agrupados em torno de

conglomerados. “A maximização global de lucros norteia-se por pressupostos

semelhantes aos das corporações de mídia.” Não há uma centralização de produção,

comercialização e distribuição das mercadorias e dos serviços.

Citando Renato Ortiz, Moraes (1998: 135) afirma que esta concentração

significa controle, pois as agências transnacionais são responsáveis pela definição de

padrões de legitimação social e, portanto, são instâncias mundiais de cultura. Essas

“indústrias culturais globalizadas” são as principais responsáveis pela totalidade

mundializada.

As corporações buscam a globalização dos bens culturais por meio de integração

tecnológica e internacionalização de mercados. Logo é possível se deparar com um

paradoxo midiático: “nunca a oferta cultural foi tão diversificada e abrangente, e, no

entanto, jamais se registrou uma conglomeração tão acentuada na esfera da produção, da

circulação e do consumo de bens simbólicos.” (MORAES, 1998: 136).

O foco das emissoras de rádio e televisão e de periódicos continua sendo a

massificação da audiência, apesar de investirem na fragmentação e no reagrupamento de

consumidores.

“Os consumidores passam a ser classificados não exclusivamente por faixas de

renda, classes ou escolaridade, mas em função de estilos de vida. Tomá-los como

unidades de agrupamento dos indivíduos ofusca, em boa medida, os laços geográficos,

lingüísticos, raciais, religiosos e classistas. As novas categorias mercadológicas

especificam graduações entre padrões extremos de comportamento e de preferências. O

que importa um salto qualitativo na direção de análises precisas. (...) O rigor numérico

que prevalece nas sondagens de audiência massificada coexiste, agora, com

metodologias de análise psicológica de segmentos com poder de demanda. No

acirramento dos confrontos empresariais, o marketing reenquadra as categorias de

consumidores, tendo por meta fixar hábitos e predileções fiáveis, demonstrados por

disposições e atitudes consensuais.” (MORAES, 1998: 198)

A segmentação implica “uma reorganização estratégica das relações entre os

aparatos de comunicação e o público” (MORAES, 1998: 200), a partir de ações de

marketing que proporcionem uma oferta mais heterogênea de produtos, “em

consonância com padrões estratificados e desterritorializados de consumo”. Dentre os

chamarizes para investimentos segmentados estão o universo feminino, as unidades

raciais e os esportes. Outro exemplo de segmentação é a TV por assinatura, que possui

inúmeros canais, cada um para um público específico.

2.4 Os meios de comunicação e a sociedade

Rádio, televisão, internet, jornal impresso... Os meios de comunicação vivem em

constante conflito. Mas não são apenas eles que fazem parte desta guerra. Marshall

McLuhan (1964: 67) inseria a este combate a nossa “vida psíquica também, pois a

guerra é conduzida por forças que são extensões e amplificações de nossos próprios

seres.”. Essa guerra civil avassaladora de sociedade e mentes também pode ser chamada

de inter-relação entre os meios.

A extensão dos meios como nossos sentidos se relacionam não apenas com os

sentidos humanos, mas cria também uma inter-relação entre os meios, desenvolvendo

novos índices relacionais. O surgimento do rádio mudou a forma dos jornalistas

produzirem as notícias. A televisão mudou drasticamente a programação do rádio.

Marshall McLuhan (1964: 350) diz que “quase todas as tecnologias e

entretenimentos que seguiram a Gutenberg não têm sido meios frios, mas quentes;

fragmentários, e não profundos; orientados no sentido do consumo e não da produção”.

A palavra falada, o manuscrito ou a TV são bons exemplos de meio frio, pois dá muito

mais margem ao ouvinte ou usuário do que um meio quente. Se um meio é de alta

definição, sua participação é baixa. Se um meio é de baixa definição, sua participação é

alta.

Renato Ortiz (2000: 95), explica que a “imitação” é uma forma de propagação

dos costumes. Para Gabriel Tarde, por exemplo, a sociedade é vista como um conjunto

de relações resultante das “leis de imitação”. “Desta maneira”, ele relata, “a opinião

pública seria um fenômeno de propagação que se realizaria graças ao movimento social

da imitação dos cérebros.”. Quando os indivíduos entram em contato com uma opinião

expressa por um pólo emissor, eles seriam persuadidos a aceitá-la. A moda é um

exemplo de “lei de imitação”. Ela se difunde por todas as camadas sociais quando é

reproduzida, seja por meio de desfiles, revistas, televisão, jornais ou internet.

Os meios de comunicação são fontes para as produções culturais. “Um livro, um

quadro, um filme, uma obra arquitetônica, não só dialogam, como assimilam, na sua

constituição, os traços da cultura de mercado”, afirma Ortiz (2000: 128). Para o autor, a

memória da sociedade também é um meio de comunicação: “a memória internacional-

popular funciona como um sistema de comunicação. Por meio de referências culturais

comuns, ela estabelece a conivência entre as pessoas.” (ORTIZ, 2000: 129).

A criação de novas mídias irá gerar conseqüências na recepção das mensagens

transmitidas, com a interatividade.

”As novas mídias evoluem segundo duas tendências concorrentes, a primeira

sendo de uma extrema individualização, a outra, a mundialização. Pode-se dizer que

elas visam a que duas pessoas não consigam ver o mesmo filme, ou a mesma emissão.

A combinação do satélite, da distribuição a cabo, e do computador, torna muito mais

vasta a escolha. Mas além desta diferenciação da audiência, as novas mídias encorajam

o telespectador a participar da elaboração das emissões. Dito de outra forma, olhar a

televisão torna-se uma atividade altamente personalizada. O outro grande objetivo dessa

mídia é que todo mundo possa ver o mesmo filme e a mesma emissão. Isso se chama

aldeia global. Trata-se do divertimento de massa, que apela para o menor denominador

comum, ultrapassando assim facilmente as barreiras culturais e lingüísticas.” (KATZ

apud ORTIZ, 2000: 180)

A globalização é um fenômeno que esconde um movimento de re-significação

das palavras, dos conceitos. Sua universalidade está na quantidade, medida por

empresas e enquetes de opinião pública. Ela é sinônimo de mundial. Quando um

produto abrange o planeta, ele é chamado de “universal”, como o filme “exportável”.

“Sua distribuição mundial (que não pode ser posta em dúvida, ela é mensurável) lhe

assegura um valor ontológico.”, expõe Ortiz (2000: 203).

Quando os iluministas julgavam o homem de “universal” eles imaginavam que,

apesar das profundas diferenças existentes entre os povos, eles possuíam algo em

comum. Com a mundialização do consumo, este conceito se modifica. Para Ortiz (2000:

203), “as fronteiras da universalidade devem agora coincidir com as da mundialidade.

Elas são concretas, não mais abstratas”. O universal deixa então de ser algo abstrato,

imaginário e se materializa, sendo partilhado (consumido) por “todos”. “O mercado-

mundo torna-se assim o único universal „verdadeiro‟.”

As diferentes expressões de cultura devem ter seu espaço não apenas dentro de

seu país, mas em um contexto internacional. Para Felipe Lindoso (2007), é possível

acompanhar, pela mídia, o desaparecimento de certas culturas, como línguas e etnias

indígenas. Também é possível observar que a produção cultural dos Estados Unidos

exerce uma dominação, principalmente no campo audiovisual, como televisão e cinema.

“O processo”, diz Lindoso (2007: 50), “não é apenas político e cultural. Também é

econômico. A movimentação econômica dos produtos diretamente derivados das

atividades criativas e culturais é absolutamente fantástica”.

A produção industrial de cultura não é apenas um processo cultural e político,

ocupando também o campo econômico. Os produtos derivados das atividades criativas e

culturais promovem uma movimentação econômica fantástica. “As indústrias da

criatividade contribuíram mais para a economia dos Estados Unidos e empregaram mais

trabalhadores do que qualquer setor manufatureiro isolado”, afirmou a Coalizão das

Indústrias de Entretenimento (EIC) dos Estados Unidos (LINDOSO, 2007: 50). Por

outro lado, o autor explica:

“A exceção cultural é um mecanismo de defesa nas negociações comerciais.

Usando esse mecanismo, o país se recusa a colocar em discussão determinados pontos

porque reserva o direito de estabelecer políticas próprias de defesa da produção da sua

indústria cultural vis-à-vis os outros países.(...) Os produtos e bens culturais, portanto,

também são objeto de eventuais processos de negociação, dentro do processo de trocas

de incentivos ou liberalizações.” (LINDOSO, 2007:51)

Esta questão afeta toda a produção cultural, todos os aspectos que têm a ver com

criatividade, com a capacidade de desenvolvimento e também com as condições de

circulação dos produtos culturais. O acesso à cultura é um assunto que deve ser tratado

como política pública, não sendo deixado simplesmente ao sabor do mercado.

“Constatamos com freqüência muito grande que os cadernos de cultura, o

jornalismo cultural, também não se dão conta desse processo e desses problemas. Mais

além das questões da formação, das questões da tecnologia, existe um mundo de

conflitos e disputas econômicas e políticas que interferem na questão da produção

comercial, da produção cultural e da sua difusão internacional.” (LINDOSO, 2007: 53)

3. ELEMENTOS DO JORNALISMO CULTURAL

3.1 A democracia e a comunicação

“O direito de ter acesso à cultura passa a ser um elemento

componente e necessário de políticas públicas. Não se pode

simplesmente dizer que existe liberdade de expressão, e que essa é

absolutamente fundamental. Não se pode parar aí, falta criar

condições para que a população tenha acesso aos bens culturais.”

(LINDOSO, 2007: 52)

Com a evolução dos meios de comunicação, a participação dos veículos na

sociedade tornou-se um aspecto dominante da sociedade humana, pois não há um ponto

de vista particular. Por isso, Marshall McLuhan (1964) diz que a imprensa é inseparável

do processo democrático.

“A inexistência ou ineficácia de políticas públicas e democráticas de

comunicação tem estreita conexão com o que Jacques Rancière define como a

capitulação dos Estados contemporâneos, que nada comandam, pretendem não desejar

mais nada e estabelecem como regra obedecer à circulação das riquezas.” (MORAES,

1998: 105).

Ignacio Ramonet criou a expressão “regimes globalitários” fazendo referência a

“um outro tipo de totalitarismo” no final do século XX. Estes regimes, explica Moraes

(1998: 105), “repousam sobre os dogmas da globalização e de um pensamento único na

formulação da política econômica. Subordinam aos direitos sociais dos cidadãos à razão

competitiva, entregando aos mercados financeiros o controle real das sociedades.”.

Desta forma, os mercados são protagonistas e estão acima dos contratos sociais e das

leis.

Casos de domínio midiático estão presentes no mundo todo e no Brasil não é

diferente, principalmente quando a questão é o descumprimento de leis que buscam o

controle de concentração de propriedade pelas forças políticas dominantes. Assim, o

teor democrático torna-se duvidoso e bem limitado. E não muda nada o problema da

sempre discutida liberdade de imprensa.

O parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição Federal estipula que „os meios de

comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou

oligopólio‟. Letra morta, pois os conglomerados de mídia no Brasil se estruturam

através de propriedades cruzadas que robustecem o seu raio patrimonial e a sua

extensão setorial. Os limites de propriedade estabelecidos pelo Código Brasileiro de

Telecomunicações (de 1962, ainda em vigor no que se refere à radiodifusão) não são

cumpridos. A lei determina que a mesma entidade ou pessoa não pode ter participação

em mais de dez emissoras de TV em todo país, sendo cinco no máximo em VHF. Letra

morta, também. Como salienta Muniz Sodré: „o setor cada vez mais responsável pelo

controle desse imaginário [social brasileiro] – imprensa escrita e radiodifusão – é um

dos mais centralizados ou monopolistas do país. E também um dos mais familiais: nove

clãs controlam mais de 90% de toda a comunicação social brasileira. Trata-se de jornais,

revistas, rádios, redes de televisão, com mais de 90% de circulação, audiência e

produção de informações.‟” (MORAES, 1998: 106)

O objetivo dessas novas leis é de assegurar, de forma legal, a situação existente.

A grande imprensa controla a informação e, conseqüentemente, estabelece as regras do

jogo político. O quadro atual brasileiro não pode, portanto, ser considerado

democrático. Louvando o neoliberalismo, a imprensa perde a sua antiga função, a de

refletir a realidade.

Outras leis também são descumpridas de maneira evidente no Brasil. De acordo

com a Constituição de 1988, é proibido que “Igrejas sejam proprietárias de empresas de

comunicação” (MORAES, 1998: 107), mas a Rede Record de Televisão possui vínculos

com a Igreja Universal do Reino de Deus, do empresário e também pastor Edir Macedo.

O ex-presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, deixou de herança para sua

família o comando de um sólido grupo regional de comunicação na Bahia, após seu

falecimento em julho de 2007. Tudo isso sem citar o Globo, maior grupo do país e um

dos maiores do mundo, propriedade do também falecido Roberto Marinho.

O monopólio do grupo Globo é uma realidade e seu poder sobre a sociedade,

indiscutível. Seu poder não é apenas econômico e político, mas sobretudo ideológico

por regular identidades sociais. Embora extensiva, essa influência não é homogênea e

possui diferentes funções de quesitos, como escolaridade, padrão cultural, capacidade

aquisitiva e nível social.

Os aparatos mediáticos incidem na vida cotidiana, não restringindo-se apenas ao

universo da Globo. Todos os veículos influenciam, de alguma forma, no dia-a-dia da

sociedade. “Acima de nuances editoriais, dos embates competitivos e das desmedidas

concentrações patrimoniais, a grande mídia ocupa – aqui como na sociedade capitalista

mundial – lugar central e decisivo entre as forças que compõem o bloco hegemônico,

constituído pelo Estado e por megacorporações financeiras e industriais” (MORAES,

1998: 115). O conjunto dos meios de comunicação de massa serve para “despistar” o

público da realidade e, assim, impedindo qualquer forma de manifestação que

prejudique a dominação de seus proprietários.

O Conselho Nacional de Comunicação Social, previsto na Constituição de 1988,

nunca saiu do papel. “A regulamentação adormece nas comissões do Congresso,

imobilizada pela ação de poderosos lobbies, contrários a qualquer disciplina

democrática sobre os órgãos de difusão. Enquanto isso, concessões de canais de

televisão flutuam ao sabor dos arranjos políticos e das composições eleitorais”, explica

Moraes (1998: 108).

“A abertura das comunicações no Brasil começou, formalmente, com a Lei

8.977/95, que enquadrou a TV paga a cabo como telecomunicações e não radiodifusão.

Liberou as empresas para o capital estrangeiro, no limite de 49%.” (MORAES, 1998:

109). Foram também atribuídas concessões de exploração das TVs pagas por 15 anos. A

transmissão é feita via satélite, na Banda KU. Estas concessões “foram dadas

gratuitamente pelo governo FHC aos grupos Globo e Abril, em abril de 1996, sob a

alegação de que tinham direitos adquiridos por já estarem transmitindo canais pagos

para assinantes, por meio da Embratel.” (MORAES, 1998: 109). Segundo o autor, o

Brasil foi o primeiro país latino-americano a autorizar a transmissão por

miniparabólicas sem nenhuma restrição ao uso de satélites estrangeiros. O México e a

Argentina, ao contrário, impuseram algumas condições.

Lutando contra este monopólio e oligopólio midiático, é possível verificar o

surgimento de centenas de jornais novos e pequenos, alguns de vida efêmera, como é

natural, preenchendo o vazio que a grande imprensa estabeleceu em relação ao que é

nacional e ao que é democrático. O aparecimento desses pequenos jornais e revistas

reflete, de maneira mais clara e justa, o perfil social e político do Brasil. Os problemas

reais das classes menos favorecidas vêem à tona e são geradas “propostas convenientes

aos interesses daquelas camadas da opinião que não encontram guarida nem vez na

imprensa oligopolizada.” (SODRÉ, 1999: XVIII).

Por outro lado, estes veículos procuram preencher o vazio que a grande imprensa

deixa, com aspectos e atividades parceladas da sociedade, “como se os problemas

fundamentais não fizessem parte da realidade do nosso povo.”

A farsa que, no desenvolvimento do processo, torna cada vez mais clara o

sentido daquilo que, no Brasil atual, se pretende conhecer e aceitar como democracia,

coloca com escândalo não apenas o conceito de democracia como o de realidade

nacional, sempre escondida nos grandes jornais e revistas, na imprensa que, pouco a

pouco, aparece com os seus traços definidores inconfundíveis de alavancas suportando a

alienação e buscando convencer os leitores de que o quadro apresentado, nessa

unanimidade torpe de opiniões, resulta de uma fatalidade, a que todos devem se curvar.

Na verdade, a imprensa oligopolizada e vinculada à estrutura social e política vigente

definiu a sua alienação e perdeu qualquer traço do que é nacional aqui. A alienação é o

seu retrato.” (SODRÉ, 1999: XVIII).

3.2 O “problema” nosso de cada dia

“A imprensa é hoje não apenas um mosaico de todas as

tecnologias da comunidade. Mesmo na seleção dos que fazem a

notícia, a imprensa prefere aqueles que já alcançaram algum tipo

de notoriedade no cinema, no rádio, na TV e no teatro. Por aqui se

pode testar a natureza do meio-imprensa, pois aquele que aparece

no jornal é, pela razão acima, um cidadão comum” (MCLUHAN,

1964: 244)

A atividade jornalística tem passado por mudanças. Hoje, as reportagens têm seu

espaço, mas apresentam valores intimamente ligados à imprensa moderna. A imprensa

atual não é elaborada por jornalistas e apresenta um aspecto singular.

Entre as diferenças está a uniformidade de posições em cada um dos jornais, ao

contrário da diversidade existente anteriormente. De maneira nunca vista antes, a

imprensa brasileira está deformando ou escondendo a realidade. “Existe profundo

divórcio entre o que o público pensa e acredita e necessita e aquilo que a grande

imprensa veicula. A alienação dessa imprensa nova, e aqui a palavra não tem qualquer

identidade com o moderno e muito menos com o popular, é total.” (SODRÉ, 1999:

XVI). Ainda falando sobre a alienação da imprensa, o autor completa:

“Uma das medidas dessa alienação – como distanciamento da realidade – está

no desprezo com que a imprensa encara a cultura nacional. Claro que este é apenas um

dos aspectos do desprezo por tudo o que é nacional, desde o uso da língua. Salvo o que

se relaciona com a música, e assim mesmo apenas no nível da chamada música popular,

nada, em termos de cultura, é refletido pela imprensa. (...) Em termos de cultura, como

em tudo o mais, o Brasil não existe para a grande imprensa. Essa desnacionalização da

imprensa – raiz de sua alienação – tem sólidas razões, por isso mesmo.” (SODRÉ, 1999:

XVI)

Para o editor Maurício Styce (2007: 72), o jornalista de cultura “é influenciado

pelo excesso de espaços e de oferta de produtos e pela contaminação do jornalismo pela

publicidade, entre outros problemas”. Para o autor, o jornalismo é um reflexo de seu

tempo e, o que é visto hoje, não é nada otimista.

A partir de sua experiência em veículos como Folha de S. Paulo, revista Época e

revista CartaCapital, Styce listou os seis problemas que a imprensa brasileira tem

enfrentado. O primeiro, que poderia ser visto como ponto positivo, é o excesso de

espaço que os jornais brasileiros dedicam ao jornalismo dito cultural, inédito em

grandes veículos de todo o mundo, como The New York Times (Estados Unidos), Le

Monde (França), Guardian (Inglaterra) e El País (Espanha). Nenhum deles dedica à

cultura um caderno diário de dez a 12 páginas. Como conseqüência desse espaço, pode-

se identificar o segundo problema, as imensas ofertas da chamada indústria cultural.

“Hoje recebo uma média de 30, 50 livros por semana. (...) Dez a 20 CD´s

novos, toda semana. Ocorrem em São Paulo uma média de duas a cinco estréias de

filmes por semana. Estréiam também de duas a cinco peças de teatro por semana.

Exposições de artes plásticas, um número às vezes maios do que esses. É uma

dificuldade e uma tarefa enorme para o jornalista cultural lidar com esse volume de

informação e selecioná-lo.” (STYCER, 2007: 72)

O terceiro problema é contemporâneo, e é também um dos mais graves: a

contaminação do jornalismo pela publicidade. Stycer cita como exemplo a capa da

revista Época sobre o filme Harry Potter, que colocou como título a frase “A magia vai

começar”, referindo-se ao primeiro filme da série. Para o autor, a chamada foi um

slogan publicitário, bem distante do jornalismo cultural, cuja função está distante de

incentivar a compra da revista.

Quarto problema: os assuntos considerados chatos, como patrocínio e leis de

incentivo à cultura, também são rejeitados por grande parte da imprensa, devido à

dificuldade de cobertura. Mesmo assim, eles ocupam papel fundamental no cenário

cultural brasileiro, já que nenhum filme nacional, exposição ou livro é feito sem apoio

de alguma lei ou renúncia fiscal.

Um outro problema, que ocupa a quinta posição na “lista” elaborada pelo autor,

é o jornalismo de celebridades. A nova peça do artista tornou-se menos importante do

que o término do seu casamento ou o nascimento de seus filhos.

“Hoje a vida é mais importante que a obra. E isso é dramático. Não dá para

discutir cultura se a vida do artista é mais importante que a obra que ele produziu.

Digamos, discutir Volpi, citando exclusivamente que ele teve infância pobre, que foi

autodidata, que teve uma vida simples, que era um cara simplório até o fim de sua vida,

e não discutir como ele chegou a fazer aquela obra, que é magnífica, não é possível. A

cobertura dita cultural tem privilegiado a vida em detrimento da obra. E isso ocorre

como reflexo disso que chamo de jornalismo de celebridades.” (STYCER, 2007: 73)

O sexto problema é uma conseqüência da contaminação do jornalismo de

celebridades. Para Maurício (2007: 73), o assessor de imprensa, “porta-voz” de artistas

e empresas, “estão tendo um poder de influência muito grande nas pautas do jornalismo

cultural.” Eles negociam diretamente com editores e repórteres o tipo de matéria que

querem ver publicada, dando preferência para a carreira de seu cliente.

Para enfrentar tais problemas, o jornalista precisa saber articular idéias. Diante

de tantas ofertas culturais, visíveis ou um pouco mais ocultas, o profissional precisa se

esforçar para “enxergar uma lógica nesses produtos, entender o que liga uma estréia a

outra, as razões de determinados lançamentos, o que há por trás de certos modismos ou

„tendências‟”, explica Stycer (2007: 74). O jornalista não deve deixar de pôr em questão

temas como as leis de incentivo, impostos que deixam de ser recolhidos para serem

aplicados em cultura.

Outra maneira de enfrentar os problemas é ser curioso, ir atrás de assuntos que

estão fora da agenda. É difícil descobrir quem publicou seu livro por conta própria

tendo 50 livros das principais editoras do país sobre a mesa, toda semana. Para que haja

essa investigação, também são necessários recursos humanos, investimentos financeiros

e pessoas que possam trabalhar, pesquisar, procurar, viajar. Pontos inexistentes na

imprensa atual.

Depois de superar tais dificuldades, é preciso ter coragem para publicar assuntos

ainda não consagrados. “Coragem para dizer: „isso aqui é uma coisa boa! Ninguém

conhece, mas é muito importante, vai ter uma importância grande em termos culturais”,

diz Stycer (2007: 75).

3.3 O papel do crítico

“A verdade é que os espectadores estão sempre de posse de suas

faculdades e sabem, do primeiro ao último ato, que o palco é

apenas um palco e que os atores são apenas atores” (Samuel

Johnson apud Marcelo Coelho, 2006: 27)

O crítico é uma figura importante dentro do jornalismo cultural, porém ele deve

evitar algumas atitudes e comentários, de acordo com Marcelo Coelho. Este profissional

não deve apresentar seus critérios gerais de qualidade nem avaliar se tal obra atende as

exigências estabelecidas previamente. De acordo com o autor (2006: 15), “o crítico que

fizer isso pode ter sua vida bem facilitada, mas estará condenado a ser um „controlador

de qualidade‟, um „mediador‟ de obras.”.

No texto de Marcelo Coelho, o crítico em questão é Monteiro Lobato que, para o

autor, é um exemplo de crítico conservador e autoritário. Quando o autor assume o

ponto de vista do público, ele se torna uma autoridade. Este público é aquele que o

artista ignora, que não é seu foco e sua obra é inacessível para o público, pois possui um

palavreado de difícil compreensão. A identificação com o público só acontece quando

ele percebe que ambos não entendem nada.

Ao fazer uso de nomes de artistas plásticos raros para comparar com a jovem

Anita Malfatti, Monteiro Lobato que demonstrar autoridade e conhecimento de causa.

Para Coelho, esta atitude do escritor não condiz com a função de crítico.

“Digamos que as „convenções‟ que o conservador quer respeitadas sejam os

aspectos exteriores, circunstanciais, do código artístico. Um palavrão numa peça, uma

cor excessivamente clara num quadro, um vilão que triunfa no final de uma telenovela:

tais coisas „não podem‟ ocorrer, porque ferem as convenções, e o crítico simplesmente

acionará seu repertório de invectivas e motivos quando se deparar com isso. Uma visão

mais liberal com relação às convenções e às regras talvez possa, entretanto, conviver

com a idéia de que existem alguns „princípios‟ da arte, menos explicitáveis, menos

„codificáveis‟ do que, para a crítica conservadora, seria de desejar.” (COELHO, 2006:

28)

Conservador ou não, o crítico não deve tentar adivinhar o que o artista estava

querendo dizer, mas explicar como a sua obra exemplifica o estado de coisas a que se

chegou. O papel do crítico, antes de julgar uma obra, é saber se o risco vermelho no

meio da tela ou a desafinação do cantor são intencionais ou não. Caso a resposta seja

afirmativa, cabe ao crítico saber se há razões para justificá-las. “Talvez seja a principal

tarefa a que um crítico deve se dedicar – com tudo o que envolve de intuição, com tudo

o que exige de experiência, e de raciocínio também” (COELHO, 2006: 36).

Não foi apenas Monteiro Lobato quem cometeu falhas ao exercer o papel de

crítico. Durante o século 20, muitos críticos e artistas fizeram uso e abuso do

“palavreado técnico” (termo usado por Coelho, 2006) para gerar prestígio e exclusão

social.

Mas este não é o único erro que os críticos comentem até os dias atuais. Julgar

uma obra pelo seu autor é mais comum do que podemos imaginar. A ignorância

bibliográfica e histórica do autor pode ser uma alternativa para a crítica literária

moderna, como afirma Marcelo Coelho, mas ainda não é a ideal. Uma coisa é o crítico

reduzir seu texto a uma análise bibliográfica e psicológica de seu autor e outra é ler o

texto tendo conhecimento de sua vida, de suas obras, de sua religião e de sua

sexualidade. Contudo, o jornalismo cultural não deve se aprofundar na vida do autor,

especialmente sexual.

Renato Ortiz (2000: 127) também cita outro erro que os críticos, principalmente

os literários, têm cometido. Diz ele: “Os críticos literários têm demonstrado como, na

literatura atual, um texto é sempre construído a partir de outros discursos anteriores.

Como se cada escritor, à sua maneira, contasse uma história que já foi contada.”.

Para que os críticos não cometam os erros citados, Maria Helena Martins (2000:

14) diz que eles precisam estar fundamentados teoricamente, seja o público específico

ou amplo. “Seu grande desafio”, explica, “está em criar um texto consistente e

agradável de ler. (...) Ao sugerir mais que explicar, desperta curiosidade, afina a

capacidade de observação, favorece outras leituras.”.

O crítico de televisão, especificamente, também passa por algumas dificuldades.

Para Maria Aparecida Baccega, citada por Martins (2000: 14), a crítica de televisão se

instala em um terreno instável e dificultoso, pois localiza-se entre o “pólo da emissão” e

o “pólo da recepção”, ambos em contínua interação e interdependência.

“Nessa „circularidade‟ do campo da comunicação se inserem tópicos básicos

para o exercício da crítica: „a construção social da subjetividade, o intercâmbio

enunciador/enunciatário, a linguagem e o estereótipo‟. Cabe ao crítico a função de

„ressignificar‟ o „mundo editado‟ da televisão, desvelando a „ficcionalização do real‟,

inclusive nos noticiários. (...) Se todo esse universo televisivo se relaciona diretamente

com seu público, este se torna „co-produtor do produto cultural‟, e também cativo.”

(BACCEGA apud MARTINS, 2000: 14)

As palavras analisam, comparam e avaliam os objetos. O discurso crítico

introduz a figura do crítico. Suas palavras surgem com tons autoritários, competitivos,

subjetivos, parciais. Listam os filmes no ano e as músicas do século. E no outro

extremo, o autor, o criador.

Para Jean-Claude Bernardet, citado por Buitoni em obra organizada por Maria

Helena Martins, (2000: 63), “o texto crítico é um discurso paralelo à obra e não se

identifica com ela: entre os dois, um jogo de aproximações e distanciamentos se

estabelece. É uma produção que vive da obra a que se refere, mas tem leis próprias”.

Bernardet condena a crítica que julga e coloca sinais positivos e negativos para os

filmes. A crítica não tem nada a ver com paráfrase. Para o autor, o crítico deve procurar

o latente, o que está além ou aquém do dito.

3.4 A crítica e o tempo

E, finalmente, a circulação virtual, o consumo virtual – mas

medido pelo número de acessos. Novas configurações na rede.

Sites divulgam arte e cultura, sites vendem produtos culturais, sites

abrem espaço para os consumidores se manifestarem. Textos

verbais interagem com imagens estáticas ou dinâmicas. Janelas se

abrem no meu e-mail e um produtor cultural aparece em pessoa e

critica um evento artístico. Presenças e ausências, textos,

intertextos e hipertextos, seleção e combinação, dispersão,

fragmentação. Como se infoescreve o jornalismo cultural?.”

(BUITONI, 2000: 61)

Assim como o jornalismo possui uma história, as críticas culturais também

passaram por modificações desde o seu surgimento. A crítica, inicialmente mais

vinculada à literatura ou à música, foi-se inserindo nas publicações de interesse geral.

Ao mesmo tempo, foram surgindo veículos especializados, alguns especializados até

pelo meio: revistas de cinema, de rádio, de televisão.

A crítica de arte surge no século XVIII, a partir do momento em que teatros,

salas de concerto e museus começam a se espalhar e atrair pessoas nas cidades

européias. Os leigos começam a apreciar arte e a crítica torna-se um prolongamento das

conversas que surgem em rodas aristocráticas e intelectuais, formadas em salões e cafés.

As funções culturais da corte são transferidas para as cidades. Para divulgar as críticas

desenvolvidas, revistas impressas são editadas.

“O público letrado das cidades era o público dos jornais diários e outros

periódicos que, mesmo de cunho político, quase sempre abrigavam temas literários.”

(BUITONI, 2000: 59). Assim, a literatura foi a mãe da crítica cultural publicada na

imprensa. “Porém”, explica Buitoni, “se formos considerar a crítica a produções

artísticas consumidas por platéias antecessoras do público de massa, talvez a crítica

musical, iniciada no século XVIII, seja a matriz mais pertinente.”.

Os séculos XVIII e XIX foram marcados pelo jornalismo de opinião, que incluía

artigos filosóficos, acadêmicos, críticas de arte etc. Eram raros os críticos de fatos

atuais. Predominavam os textos analíticos e dissertativos. As críticas de óperas, por

exemplo, relacionavam o fato com acontecimentos passados. “A noção contemporânea

de notícia e de reportagem ainda não havia se estruturado. Paradoxalmente, boa parte do

texto narrativo presente nos jornais daquela época concretizava-se via ficção.”

(BUITONI, 2000: 59). O folhetim foi o grande responsável por atrair e incentivar o

público a consumir um relato seqüenciado.

Já no século XX, as revistas surgiram com força total e se firmaram no mercado.

A fotografia e a vida urbana viram temas corriqueiros. Revistas como a Revista da

Semana, do Rio de Janeiro, era responsável pela construção do imaginário visual. Já nos

anos 1930, esse papel foi assumido pela O Cruzeiro, que misturava progresso (cidades e

indústria), belezas naturais, ídolos do cinema americano e reportagens sobre os

concursos de Miss Universo e os indígenas do país. De grande importância, O Cruzeiro

era responsável pela configuração do visual brasileiro até o surgimento da televisão.

Com a expansão das revistas, a imprensa foi se tornando cada vez mais produto.

Ao lado de matérias julgadas “sérias”, como política e economia, os jornais passaram a

ampliar cadernos e seções de cultura, gerando uma espécie de prazer e indo contra a

realidade.

“Industrialização, avanço do capitalismo, urbanização, fluxo de capitais e de

pessoas, corrente migratórias, guerras: o século XX passou a produzir industrialmente o

jornalismo, hoje submetido a leis de mercado. Muitas atividades culturais são encaradas

como produto, dentro de uma lógica de consumo. A publicidade permeia tudo. Jornais,

revistas, veículos especializados, segmentação de públicos, pesquisa de audiência.

Marketing cultural. As artes plásticas deslizam das formas pintura e escultura,

assumem-se instalações e performances, materializam-se em vídeos, holografias e

qualquer novo suporte inventado ou por inventar.” (BUITONI, 2000: 60)

Com o objetivo de favorecer a leitura rápida e de usar imagens para “refrescar” a

diagramação, os cadernos culturais e algumas revistas criam vinhetas com rostos

sorridentes ou bravos, estrelas, tabelas etc. Esta facilitação surgiu nos anos de 1940,

com a revista A cena muda. Em outra seção, “Mande Também Sua Crítica”, os leitores

criticavam filmes, em textos longos, e concluíam com cotações.

Um dos maiores e melhores tablóides criados no país foi O Pasquim (1969-

1985). Humorístico e irônico, lançado em plena ditadura, arejou a forma e o conteúdo

da imprensa brasileira. “Política, costumes, cultura, nada escapava de seu tom gozador,

orquestrado por jornalistas e cartunistas de irreverente visão: o público gostou da

válvula de escape naqueles tempos difíceis e o jornal fez enorme sucesso, mesmo

enfrentando censura e prisão de seus redatores.” (Buitoni, 2000: 56).

A falta de espaço para o crítico em jornais diários encaminhou o profissional

para revistas culturais. Atualmente, a revista Bravo!, criada em 1997, é uma das maiores

representantes do jornalismo crítico e cultural no país, com críticas mais elaboradas. Ela

aborda livros, música, teatro, artes plásticas e cinema. Os temas são abordados em

reportagens, entrevistas, críticas em profundidade e críticas mais ligeiras. Na revista há

seções sobre jornalismo de serviço, seções de textos curtos e indicações. “Cada área

cultura”, cita Buitoni (2000: 66), “tem sua agenda do mês, e os produtos, exposições e

espetáculos são analisados em vários tópicos, dispostos numa tabela repartida em

retângulos”.

De maneira resumida, as agendas da revista Bravo! apresentam os elementos que

julgam necessários ao leitor. Assim, ela prova que o jornalismo pode ser de leitura

rápida, mas simultaneamente agradável e, o mais importante, de conteúdo. Os itens das

agendas são os principais elementos de que o leitor necessita, apresentados no formato

de pequenos documentos, registros da crítica de cultura.

Buitoni explica que atualmente a crítica está presente em diversos veículos e o

jornalismo cultural possui diversos tipos. As críticas podem aparecer no jornal diário,

nas seções de arte e espetáculos em revistas semanais, suplementos e revistas culturais.

As revistas especializadas também apresentam este tipo de jornalismo, expondo seções

sobre livros, discos e cinema, assim como em revistas masculinas, femininas, revistas

para adolescentes. Outros veículos fazem uso da crítica, como fanzines, programas de

rádio e televisão, sites na Internet – veículos distintos, diferentes suportes -.

Independente do meio, todos tratam dos inumeráveis produtos culturais que quase

sempre utilizam múltiplas linguagens. Diversidade e diversidades. Objetos múltiplos,

imensos e pequenos públicos, públicos pasteurizados e públicos diferenciados. Para a

autora, o jornalismo cultural é múltiplo e se multiplica.

É comum pensar que a crítica de arte e da cultura está em jornais e revistas

especializados nos temas. Já a crítica cultural pode estar na maioria dos veículos,

impressos ou eletrônicos. Pode estar em um jornal alternativo, nos cadernos de cultura

dos diários, em seções de revistas para adolescentes ou até em roteiros culturais da

televisão aberta ou a cabo.

A crítica de televisão também exerce um papel social devido à sua crítica do

poder. Para Eugênio Bucci, citado por Maria Aparecida Baccega (2000: 37), “a crítica

de televisão é a crítica de um novo patamar das relações sociais e das relações

ideológicas entre os sujeitos, e a partir daí ela ganha seu sentido político – o que mais

interessa.”. Este tipo de crítica lida com um fato social. “Portanto,” conclui Eugênio,

“deve declarar que, discutindo a cultura, está discutindo a sociedade e seus sujeitos.”.

3.5 A participação do jornalismo na cultura e na sociedade

“A difusão é processo pelo qual os elementos ou sistemas culturais

se espalham. Obviamente ela está ligada à tradição, na medida em

que a cultura material passa de um grupo para outro. Porém, como

é usualmente entendida, a tradição se refere à transmissão de

conteúdos culturais, de uma geração para outra (do mesmo grupo

de população); a difusão, de uma população para outra. A tradição

opera essencialmente em termos de tempo, a difusão em termos de

espaço” (KROEBER apud ORTIZ, 2000: 74)

A multiplicidade e a multiplicação são características do jornalismo cultural,

segundo Dulcilia Buitoni, citada por Maria Helena Martins (2000: 15). As artes

“consagradas” ainda são referências, mas, no jornalismo cultural contemporâneo, elas

dividem espaço com “quadrinhos, culinária, manifestações religiosas, grafites,

paisagismos, arquitetura, fotografia, rodeios, design, bordado, videogames.” Para

Buitoni, a produção e o consumo desse jornalismo são de uma rapidez surpreendente.

Assim, esse jornalismo tende a ser “de serviço”, mais que “de opinião”, como acontecia

no século XIX no Brasil, época que o texto era mais consistente e a figura do autor era

fundamental.

Os males da sociedade não são conseqüências da televisão. Se esta fosse

responsável pelos problemas sociais, bastaria eliminar da programação as informações e

os programas negativos, violentos, tristes, para que pudéssemos viver em um mundo

róseo e fraterno. Para Baccega, o problema deve ser enfocado no lugar que lhe é

próprio: a sociedade. Assim como os outros meios de comunicação que fazem uso da

tecnologia, a televisão é responsável por ampliar o campo de comunicação entre o

enunciador e o enunciatário.

Essa subjetividade, que caracteriza ambos os pólos – da emissão e da recepção –

possibilita, pela sua dinâmica, descortinar com equilíbrio a crítica aos meios de comunicação, à

televisão em particular. Isso porque, caracterizando o indivíduo/sujeito que faz a produção

cultural, o enunciador, podemos ver nele, com clareza, o indivíduo/sujeito que interage com a

sua realidade, enunciatário dos vários discursos sociais nos quais ele está inserido e que servirão

como raiz de sua produção. A subjetividade do enunciador-produtor se manifesta no produto.

(BACCEGA, 2000: 40)

Os receptores têm acesso a produtos culturais “idealizados”, quer dizer,

constituído pelo enunciador a partir de referências genéricas – todo produto cultural

destina-se a um público determinado. A crítica de televisão é elaborada a partir do

momento que o crítico se vê como um “eu plural”, tornando claro na sua relação com o

outro.

Para Baccega (2000: 40), a partir do momento que essa atitude é tomada, “será

possível fazer aflorar a importância dos indivíduos/sujeitos de ambos os pólos na

configuração de verdades, de valores que permeiam o imaginário, condicionantes dos

comportamentos que se manifestam no cotidiano das pessoas, dos grupos, das classes

sociais.”. As verdades, os valores e os comportamentos formam a consciência social,

ideológica e estética que atualizam as manifestações dos produtos da indústria cultural,

em leituras diversas.

As marcas do universo cultural presentes nos discursos trazem, inclusive,

preconceitos e estereótipos. Eles “condicionam comportamentos de repúdio ao outro ou

de aceitação elogiosa de determinados valores e condutas. (...) Ecléa Bosi, em „A

opinião e o estereótipo‟, afirma que, quando procuramos conhecer a realidade, ocorre

„um processo de facilitação e de inércia. Isto é, colhem-se aspectos do real já recortados

e confeccionados pela cultura. O processo de estereotipia se apodera da nossa vida

mental‟.” (BACCEGA, 2000: 43).

Vivemos no mundo do conformismo, muito bem representado pela programação

de televisão. É neste território que a crítica deve atuar. O que vemos, ouvimos e lemos é

um mundo editado pelos meios de comunicação, que nos transmitem os fatos

recortados, selecionados da realidade por meio de relatos impregnados de estereótipos.

Para Maria Aparecida Baccega, estes relatos nos apresentam uma visão de mundo como

um todo, não apenas dos fatos que fazem parte do nosso cotidiano, do nosso universo.

Os estereótipos são apresentados de uma maneira tão natural que são vistos como

conceitos, que são enraizados com seus valores e emoções pré-estabelecidos.

Impregnada pela condição de “crítica do poder”, a crítica da televisão deve levar

em consideração as transformações culturais que ocorrem na sociedade, lugar onde

efetivamente se consolidam, circulam e se renovam sentidos e significados. Dessa

forma, a cultura aparece como centro do cenário político e social.

“Abre-se assim ao debate um novo horizonte de problemas, no qual estão redefinidos os

sentidos tanto da cultura quanto da política, e do qual a problemática da comunicação não

participa apenas a título temático e quantitativo – os enormes interesses econômicos que movem

as empresas de comunicação – mas também qualitativo: na redefinição de cultura, é fundamental

a compreensão de sua natureza comunicativa. Isto é, seu caráter de processo produtor de

significações e não de mera circulação de informações, no qual o receptor, portanto, não é um

simples decodificador daquilo que o emissor depositou na mensagem, mas também um

produtor.” (MARTÍN-BARBERO apud BACCEGA, 2000: 45)

Para Martín-Barbero, apresentado por Baccega (2000: 46) a televisão não atende

apenas às necessidades do sistema industrial e às estratégias comerciais. Muitas

exigências partem da trama cultural e dos modos de ver. “A televisão não funciona sem

assumir – e ao assumir, legitimar – as demandas que vêm dos grupos receptores; mas,

por sua vez, não pode legitimar essas demandas sem ressignificá-las em função do

discurso social hegemônico.”.

Mas, apesar do papel da televisão, a responsável por toda ação do jornalismo

cultural é a escrita verbal, mesmo com toda a visualidade de fotos e ilustrações. Para

Dulcilia Buitoni, a palavra é essencial e o ponto-chave para o jornalismo cultural. Sem

ela não seria possível registrar, avaliar e discutir outras formas de expressão, como o

som, a imagem e até mesmo outras palavras.

Conceitos múltiplos interagem entre si e provocam múltiplas visões. Por mais

que o trabalho do conhecimento proceda a classificações e sínteses, neste campo

minado jornalismo/cultura, é possível mapear alguns caminhos, mas não chegar a

critérios completamente delimitados. Quando pensamos numa iniciação à crítica no

jornalismo de arte e cultura, há que discutir o que se entende como jornalismo cultural.

Primeiro, a proposta já apontou para uma subdivisão, sujeita a questionamentos,

separando arte e cultura. Arte não estaria englobada por cultura? O que apontaria essa

distinção? Arte seria artes plásticas? E cultura reuniria música, fotografia, cinema, TV,

teatro, quadrinhos, shows, críticas de restaurantes etc.? o próprio termo cultura

comporta qualificações: cultura de elite, cultura popular, cultura de massa, cultura

nacional, cultura globalizada, com todas as implicações sociológicas, ideológicas,

filosóficas possíveis e imagináveis.” (BUITONI, 2000: 57)

A arte, inserida no universo da cultura, pode ser vista como uma realização

cultural mais aprimorada. Ela envolve objetos estéticos, críticos, vanguarda, além de

envolver os conceitos de autor, público, produto, circulação. Assim, a arte não pode ser

vista como cultura do dia-a-dia.

A origem das notas e matérias que visam fornecer informações necessárias para

o dia-a-dia das pessoas foi no jornalismo norte-americano. Informações sobre os mais

diversos assuntos são apresentadas como guia de endereços, programação de artes e

espetáculos, manual de instruções. Essas seções possuem caráter utilitário e estão

vinculadas ao dado temporal, ao dia, à hora. Esse tipo de matéria, segundo Buitoni, é

chamado de jornalismo de serviço e é uma espécie de acessório para os outros discursos

jornalísticos.

Roteiros, guias de programação, com endereços, horários, preços etc são

classificados como serviços no jornalismo cultural. Alguns jornais dedicam grande parte

de seu espaço para seções de serviço, restando poucas linhas para matérias mais

trabalhadas. A simplificação e a ligeireza do jornalismo contemporâneo impedem que o

crítico trabalhe como autor. Os comentaristas de jornais e revistas agem de forma

rápida, sem deixar uma marca de obra ou sequer um estilo.

4. JORNALISMO CULTURAL – CADERNO VIDA&ARTE

“Os cadernos diários estão mais e mais superficiais. Tendem a

sobrevalorizar as celebridades, que são entrevistadas de forma que

até elas consideram banal (“Como começou sua carreira?” etc); a

restringir a opinião fundamentada (críticas são postas em

miniboxes nos cantos da página); a destacar o colunismo

(praticado cada vez menos por jornalistas de carreira); e a reservar

o maior espaço para as „reportagens‟, que na verdade são

apresentações de eventos (em que se abrem aspas para o artista ao

longo de todo o texto, sem muita diferença em relação ao press-

release). Os assuntos preferidos, por extensão, são o cinema

americano, a TV brasileira e a música pop, que dominam as

tabelas de consumo cultural.” (PIZA, 2007: 53)

4.1 Estudo de caso

Conteúdo de baixa qualidade, desvalorização do jornalista, problemas e

interesses econômicos, exclusões, publicidade, preconceitos, ausência de crítica

jornalística, colunas sociais. Os problemas citados ao longo dos dois capítulos anteriores

estão presentes no jornalismo cultural de todo o país e no Ceará não é diferente. O

Estado possui dois grandes jornais, Diário do Nordeste e O Povo, ambos produzidos na

capital Fortaleza. Escolhi, para o estudo de caso deste trabalho de conclusão de curso, o

caderno cultural do jornal O Povo, que declara a tiragem média de 30.000 exemplares

diários.

Primeiramente será feita a análise geral do caderno escolhido, dando destaque ao

conteúdo e à divisão gráfica e sempre expondo o espaço destinado à publicidade. Na

segunda parte do estudo, foi selecionado apenas um caderno Vida&Arte para se fazer

uma observação mais detalhada, página por página, principalmente sobre a qualidade

editorial dos textos, as imagens selecionadas e o foco do caderno.

4.2 Análise geral – Vida&Arte

O caderno Vida&Arte, também conhecido pela abreviação V&A, é publicado

diariamente no jornal O Povo. Para esta análise, foram estudados 32 cadernos, no

período de um mês. Entre os dias 1º de julho de 2008 e 31 de julho de 2008 foram

publicados 31 cadernos Vida&Arte e um caderno especial, o “Vida&Arte Cultura –

Especial Lampião”, dedicado ao cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva.

4.2.1 Capa

Durante a análise, foi possível perceber a variedade de temas abordados,

principalmente nas capas. Os temas foram:

- Música –sete capas;

- Cinema – seis capas;

- Exposição e arte – Os temas foram capas em cinco cadernos;

- Cultura –três capas;

- Teatro – três capas;

- Literatura – três capas;

- Comportamento – duas capas;

- Patrimônio cultural – duas capas.

Deve-se levar em consideração que o período analisado, julho do ano 2008, é de

férias escolares, logo o número de atrações culturais na cidade é mais elevado.

A maioria dos cadernos dedicava sua capa apenas para o tema principal.

Estatisticamente falando, vinte cadernos, 62,5% dos analisados, apenas três cadernos,

9,37%, dedicavam espaço para única chamada sobre outro tema a ser abordado no V&A

do dia. Duas chamadas estavam presentes em nove cadernos, 28,12% dos trinta e dois

cadernos analisados.

A publicidade, tão presente nos jornais diários do país, só teve espaço em apenas

quatro capas.

4.2.2 Página 2

É a página mais “fixa” do caderno, sem variações de conteúdo. A Página 2 é

separada basicamente em três largas colunas, com duas colunas de texto cada,

compostas por conteúdos diversos. A primeira parte é composta pela coluna “Crônica”.

Esta possui dois autores diferentes. Durante a semana, de segunda à sexta-feira, é escrita

por Airton Monte. Aos domingos, é escrita por Simone Pessoa. Ela ocupa parte da

primeira das três grandes colunas.

Abaixo da “Crônica” há espaço para outra coluna. Em “Um Dia Como Hoje”,

são relatadas breves notícias escritas há décadas no mesmo dia do caderno. O cabeçalho

indica há quantos anos ela foi publicada: “Há 80 anos”, “Há 40 anos” etc. Quando a

“Crônica” não é publicada, o espaço é reservado à coluna “Do Tempo do Reclame”.

Esta publica anúncios antigos, com imagens e textos. Nos cadernos do período

analisado ela foi veiculada apenas aos sábados, dias 5, 12, 19 e 26 de julho de 2008.

O caderno possui também uma colunista social fixa. Esta escreve a coluna

homônima “Sonia Pinheiro”. Os assuntos abordados são de Fortaleza e do Brasil,

ilustrando alguns fatos com fotografias (coloridas, na maioria das vezes). Na página 2

também são encontradas matérias, mas em pouca quantidade. Dos trinta e dois

cadernos, apenas cinco apresentaram este conteúdo, de forma breve. Os temas

abordados foram: show, televisão, documentário e música.

A publicidade ocupava praticamente um espaço fixo. Em vinte e três cadernos,

71,87% dos objetos analisados, os anúncios ocupavam 2/3 de duas colunas.

4.2.3 Página 3

A característica principal desta página é a continuação da coluna da Sonia

Pinheiro, que, em quase 60% dos cadernos, ocupa pouco mais de meia página. O

restante é dedicado à publicidade.

Em dez cadernos havia espaço para uma matéria, curta, sobre os mais diferentes

assuntos: show, música, cinema, televisão, livro, festival, dança, DVD e minissérie.

Apenas uma era continuação da matéria de capa.

4.2.4 Página 4

Grande parte dos cadernos analisados dedica esta página às matérias de capa e

de outros assuntos. A Página 4, muitas vezes, também é composta pela coluna do José

Simão. Publicada de segunda a sábado, o foco são piadas e críticas sobre temas atuais e

em voga na mídia.

A “Agenda” também é vista algumas vezes nesta página. Em dez cadernos

V&A, a coluna tem como foco principal o cinema. Ao lado do nome “Agenda”, no sutiã

da página, de segunda a sábado, há uma nota que não aborda um único tema, podendo

ser sobre quadrinhos, cinema, televisão, eventos culturais, videogame, musicais, vida

pessoal de atores etc.

Como padrão são listadas as salas de cinema e os preços dos ingressos, além dos

filmes que estão em cartaz e suas respectivas sinopses, salas de exibições e

classificações. Os filmes podem receber de uma a cinco estrelas, classificando-o,

respectivamente, em péssimo e ótimo. As fotos ilustram os filmes de maior destaque da

semana. A seção “Grátis” lista os eventos gratuitos da cidade.

Em apenas um caderno foi publicada “Páginas Azuis”, espaço onde são

realizadas entrevistas no estilo “ping-pong” e, em outro, a coluna “V&A Viu”, com

resenha sobre algum assunto. A publicidade é visível nesta página, ocupando de 25 a

50% do espaço.

4.2.5 Página 5

É a página reservada para a Agenda e sua seção “De Tudo Um Pouco”, voltada

para exposições, teatro, literatura, humor, música, cursos etc. Treze cadernos analisados

abrigavam este conteúdo. Dentro dela, alguns cadernos publicam boxes denominados

“Em Destaque”, apresentando, resenhando e ilustrando espetáculos, lançamentos de

livros, apresentações musicais, festivais, exposições, shows, espetáculos etc.

Às segundas-feiras é publicada a seção “O Que Vem Por Aí”, com foto, nome,

resenha e serviço dos eventos agendados. Também existe uma pequena agenda da

semana, com data, nome, local e telefone para informações do evento.

Nesta página, em treze cadernos analisados não havia publicidade. No restante,

não ocupava mais de meia página.

4.2.6 Página 6

Esta é a última página de treze dos trinta e dois V&A analisados. Os dias que

eles possuem apenas esta quantidade de páginas não são fixos, mas durante o mês foi

observado que três segundas-feiras, quatro terças e quatro quintas-feiras e duas sextas-

feiras apresentaram essa quantidade de páginas.

Esta página também é responsável pela publicação da coluna do José Simão e de

matérias, abordando os mais diversos assuntos, como eventos, comportamento, shows,

quadrinhos, cinema, literatura, televisão, dança, teatro e música.

A “Crônica”, publicada em dois cadernos nesta página, ocupa quase todo o

espaço desta. Não existe um escritor ou jornalista fixo que escreva este conteúdo. O

responsável por este texto assina e recebe a indicação “especial para O Povo”, o que

significa que ele não é jornalista do veículo. Os temas abordados são variáveis e

ilustrados.

A coluna “OK” saiu três vezes no mês de julho e em duas ocuparam a Página 6,

nos dias 8 e 22 de julho de 2008. Escrita por Rodrigo Rocha e diagramada por Gil

Dicelli a “OK” possui uma diagramação diferente do restante do caderno. A cada

publicação, um tema é escolhido como o principal e acompanhado pelo layout da

página.

Voltada para o público infanto-juvenil, a coluna aborda temas como música,

seriados, cinema, histórias em quadrinhos, lanchonetes, videogame e tecnologia. Nela,

cores e imagens são bastante exploradas, assim como a imagem que ilustra o tema

principal do dia. Não há publicidade.

Na seção “TV & DVDS”, publicada três vezes no mês analisado, duas foram na

Página 6 e uma na Página 8. Ela sempre ocupa a última página do caderno do dia e

divide espaço apenas com a publicidade e seu boxe. No sutiã da página há uma nota

sobre televisão ou cinema. A imagem é essencial para a coluna, pois ilustra o tema da

crítica do dia. Nos três dias, os temas foram lançamento de DVD (4/07), seriados de

televisão (11/07) e lançamento de cinema (28/07).

No boxe “Sintonia”, sempre ao lado direito, são publicados programação de TV

e dicas e lançamentos de DVDs. Nela existem as seções “no ar” e “fora do ar”, onde são

publicadas novidades (boas e ruins) da televisão. No boxe também são publicadas

resenhas de filmes em DVD com suas respectivas capas.

“V&A Viu” é uma coluna dedicada à crítica, podendo ser de cinema, teatro etc.

Bem ilustrada com fotos grandes, a crítica feita por jornalistas e estagiários do O Povo

ocupa grande espaço nas páginas destinadas. A Página 6 recebeu cinco colunas “V&A

Viu”, também publicada na Página 4 e duas vezes na Página 7.

Em todos os cadernos, a publicidade não ocupava mais de meia página. Em

apenas um caderno dos trinta e dois analisados esta página era toda de publicidade.

4.2.7 Página 7

Dos dezenove cadernos que possuem as páginas 7 e 8, treze destinam este

espaço para matérias, às vezes continuação da capa, outras, entrevistas, além de perfis.

No geral, a publicidade é pouca e, na maioria das vezes (em onze edições do V&A),

inexistente. Em apenas um caderno, o do dia 19 de julho de 2008, a página era 75%

preenchida por publicidade.

4.2.8 Página 8

A última página de quatorze cadernos possui pouca publicidade, que não ocupa

nem um quarto do espaço destinado. Ela é dedicada à seções como “CDS & DVDS”,

que segue a mesma estrutura da “TV & DVDS”, com sutiã com nota sobre o tema, uma

grande crítica musical e o boxe “Sintonia”, sobre os lançamentos do ramo. Em apenas

um caderno, o espaço é dividido com uma matéria. A publicidade ocupa o final da

página nas edições dos dias 9 e 23 de julho.

A seção “Livros & Resenhas” possui os mesmos elementos das “CD & DVDS”

e “TV & DVDS”. O boxe “Estante” trata dos lançamentos dos livros. Nas quatro

edições analisadas, a seção ocupava sempre a Página 8 e era publicada aos sábados. Seu

espaço era dividido com a coluna “Das Antigas”, escrita pelo jornalista Demitri Túlio.

Ela aborda temas do passado em forma de crônica. Nestas páginas não havia

publicidade, com exceção do dia 26 de julho de 2008, onde a publicidade está no espaço

do boxe “Estante”.

Nos cadernos dos dias 6, 13 e 20 de julho, a Página 8 é preenchida sempre pelo

mesmo conteúdo. Encabeçando a página está a coluna “Professor Pasquale”, escrita

pelo próprio, com dicas de português e exemplos do nosso dia-a-dia. A seção “Aos

Vivos” também está na página e é escrita por Tarcísio Matos. Apresenta textos no

formato de crônica. Por último, a coluna “Efeito Dominó”, escrita por Audifax Rios,

com crônicas e charadas antigas. Dos três cadernos que publicaram este conteúdo,

apenas um não tinha publicidade.

4.2.9 Página 9

Presente em apenas quatro cadernos analisados, metade apresentava matérias.

Em um caderno estão as colunas “Aos Vivos” e “Efeito Dominó” e, no último, a página

é ocupada pelo informe publicitário “Fortaleza Gourmet”, que apresenta roteiro sobre

restaurantes, bares e lanchonetes da cidade.

4.2.10 Página 10

Em três dos quatro cadernos restantes, esta página é dedicada à “Agenda” e à

seção “De Tudo Um Pouco”. A publicidade ocupa um terço da página. Além de

divulgar a marca do anunciante, ela informa sobre o “Domingo Cultural” promovido

por ele e apresenta uma receita de culinária. O quarto caderno tem cem por cento da

página de informe publicitário.

4.2.11 Páginas 11 e 12

Nos três cadernos, todos veiculados no domingo (dias 6, 13 e 27), essas duas

páginas são destinadas à informes publicitários. A Página 11 dedica seu espaço ao

“Fortaleza Gourmet”, enquanto a 12 tem cem por cento de seu espaço ocupado pelo

“Unimed Fortaleza Em Pauta”.

4.2.12 Vida & Arte Cultural Especial

Muito bem ilustrado, o caderno, que traz na capa o título “Mataram Lampião!?”,

foi uma edição especial publicada no dia 20 de julho de 2008. Com oito páginas e uma

diagramação diferenciada, este V&A não possui publicidade.

4.2.13 Mais algumas informações

Pôde-se observar que os assuntos das matérias publicadas no V&A são variados

e não seguem uma linha. Por exemplo, se a capa é sobre música, o caderno não se

restringe a este assunto.

A quantidade de páginas dos trinta e um cadernos do mês de julho de 2008 mais

o especial é:

- Treze cadernos possuem seis páginas;

- Quinze cadernos, oito páginas;

- Um caderno, dez páginas;

- Três cadernos, doze páginas.

Os cadernos de sexta-feira deste mês não possuem Agenda e as edições de

domingo recebem o nome de “Vida&Arte Cultura”. A maioria das páginas é colorida.

Os anúncios mais publicados são os referentes a shows, Igreja Evangélica,

médicos e clínicas, cartão e financeira, cinemas e filmes, festivais, lojas e rádios. Muitos

anunciavam constantemente (lê-se diariamente) e alguns já possuíam seu espaço fixo,

tendo assim, que o conteúdo do jornal se adequar ao anunciante.

4.3 Análise específica – Vida&Arte 30/07/2008

Para realizar este tipo de análise, foi selecionado apenas um dos trinta e dois

cadernos Vida&Arte do mês de julho. A edição escolhida foi a do dia 30 de julho de

2008. Este possui oito páginas, que abordam temas como cinema, televisão, literatura e

música. Todas as citações utilizadas nesta observação fazem parte do caderno

selecionado.

4.3.1 Capa

O ator hollywoodiano Will Smith ilustra a parte superior da página. A imagem

escolhida foi a do filme Hancock, lançado em julho nos cinemas brasileiro. À priori, a

impressão que se tem é que o caderno trará informações sobre o filme, mas basta ler a

legenda da foto para perceber que não é esse o tema da matéria.

“Cena de Hancock: cópia dublada no North Shopping fez quase dois mil espectadores a

mais que a legendada no Iguatemi”

A fotolegenda e o título da matéria (“Cinema falado”) levam o leitor a uma outra

interpretação. A continuação da leitura, através do “abre”, permite o total entendimento

do que a reportagem pretende apresentar ao leitor:

“A oferta de filmes dublados tem crescido no Brasil. O fenômeno ecoa em Fortaleza,

onde já é possível encontrar cinemas com mais cópias faladas em português do que

legendadas.”

Após a apresentação, resta ler o texto para entender porque os filmes dublados

têm recebido tanto destaque. O primeiro parágrafo sustenta a idéia do crescimento do

número de cópias faladas, ultrapassando os “longas infantis, de animação ou destinados

à família”. Filmes como Batman – O Cavaleiro das Trevas e Hancock (mais uma

justificativa para a imagem da capa) aumentam as bilheterias quando são ofertados

também em português, de acordo com a repórter.

No parágrafo seguinte a idéia continua sendo sustentada, citando a quantidade de

cópias dubladas que alguns cinemas de Fortaleza exibem. O depoimento de Pedro

Pinheiro, responsável pela programação dos cinemas UCI e Severiano Ribeiro na

capital, segue outra linha. “A oferta alcança um público de renda mais baixa, já

acostumado a ver filmes dublados na TV, que ampliou o gosto com a popularidade de

títulos em DVD falados em português.”. O aperfeiçoamento da técnica de dublagem

também influencia esse aumento.

Outro motivo é a dificuldade de acompanhar cenas e diálogos simultaneamente.

“Se a pessoa não tiver capacidade de leitura rápida, ela perde alguns diálogos e cenas

importantes quando assiste ao legendado. Como o grande público realmente não tem o

hábito da leitura, nós estamos percebendo que ele prefere mesmo o dublado para se ligar

somente à imagem e ao som”, afirma Pedro. A repórter permanece sustentando a sua

idéia inicial com números comparativos.

No quarto parágrafo a autora apresenta um argumento que torna totalmente clara

a atual situação. “No caso do North Shopping, a diferença é tão sensível que, quando é

possível estrear somente uma cópia de algum filme, opta-se pela dublada. A legendada

entra na grade somente quando não há oferta de cópias em português.”. Com esta

afirmativa, ela “quebra” todos os pré-conceitos que alguns leitores têm sobre este tipo

de filme e amplia horizontes, como a volta dos cinemas de interior e novas zonas de

penetração (periferia), citados no texto.

Quebrando mais um pré-conceito, no parágrafo seguinte um depoimento da

Warner Bros. Pictures afirma que “há maior propensão das classes A e B ao consumo de

filmes no formato dublado”. O gerente da rede UCI de Fortaleza, Jefferson Stoever,

confirma que adolescentes e adultos dessas classes questionam se os filmes têm cópias

nesse formato.

Para encerrar a matéria, a jornalista explica que as dublagens, no Brasil, só são

costumes em animação, ao contrário dos outros países, como Estados unidos, França e

Alemanha, que preferem filmes estrangeiros falados na língua de cada um, rejeitando as

legendas. Com a intenção de evitar a formação de suposições sobre o fim das legendas,

o depoimento do gerente Stoever garante que isso está longe de acontecer. “A gente

percebe que está mudando, mas ainda tem um público que só aceita o legendado. A

gente (sic) não pode eliminar nem um nem outro. A gente (sic) tem que dar

oportunidade de o público ver os dois.”

Para complementar a reportagem, um boxe “EMais” foi criado e dois assuntos,

abordados. O primeiro trata da ação dos canais de TV por assinatura, que passaram a

dublar seriados e filmes, além de lançar canal exclusivo de filmes dublados e destinar

um horário apenas para essas exibições. No segundo tópico a apresentação de um

projeto de lei, ainda à espera de aprovação, “que tornaria obrigatória a dublagem de

todos os filmes estrangeiros em exibição nos cinemas do País como forma de

democratizar o acesso à obras audiovisuais a quem não domina a leitura”.

Na coordenada “Para todos os gostos”, vários depoimentos afirmam a

preferência pelos filmes dublados, enquanto outros decidem por cópias legendadas. Os

argumentos são diversos, possibilitando o leitor se identificar com as opiniões e, assim,

também se identificar com o texto por completo.

O espaço reservado para a matéria foi ideal. Talvez se fosse um pouco mais

longa ou possuísse mais informações, a leitura tornaria cansativa e até repetitiva,

“forçando” o leitor a interrompê-la antes de concluí-la. As entrevistas e os depoimentos

tornaram o texto mais fluído e natural.

4.3.2 Página 2

A “Crônica”, de Airton Monte, ao contrário do texto da capa, não possui uma

leitura muito fácil. Rica em metáforas e com um vocabulário não tão simples, o texto do

autor não pode ser julgado como popular. O ápice de tal afirmativa está no segundo

parágrafo: “Dizia Boswell, ao escrever a biografia de Samuel Johnson, que ninguém

pode escrever sobre a vida de um homem, a não ser que tenha comido, bebido e

convivido com ele. Frase com a qual concordo inteiramente.”.

Surgem as perguntas: “Quem é Boswell?”, “Quem é Samuel Johnson?”. Em um

trabalho jornalístico, essas perguntas deveriam ser respondidas ao longo do texto, sem

que o leitor fique com esses questionamentos mesmo após concluir a leitura.

Na coluna “Um Dia Como Hoje”, nota e notícia de 80 e 40 anos atrás,

publicadas também no dia 30 de julho. A nota é objetiva e informa quem é o novo chefe

do serviço de Saneamento e Profilaxia Rural do Ceará. A notícia, com o título

“Tropicalismo, a ironia do nada”, é ilustrada com foto do Caetano Veloso e Gilberto Gil

com uma modelo da época. As declarações de Caetano justificam o título da notícia.

A colunista Sonia Pinheiro, em sua coluna de mesmo nome, possui um espaço

muito grande no Vida&Arte, o que prova a importância da coluna social para o caderno

e até mesmo para o jornal. No seu espaço, ela fala sobre diversos assuntos, mas

principalmente publica notas sociais, muitas vezes ilustradas.

No caderno do dia 30 de julho, a coluna tem início com comentários sobre

política, fazendo uso de linguagem coloquial e estrangeira além de pontuar frases de

forma confusa:

“...E a corrida eleitoral em Juazeiro do Norte, pós-decisão da Justiça de impugnar os

dois ex-alcaides e atuais candidatos Manoel Salviano e Carlos Cruz – ô comédia! – se

resume – no momento – ao postulante Manoel Santana (PT) e à deputada federal Gorete

Pereira.”

“...E no famoso Beco do Cotovelo (Sobral city) o titi é um só: padre José Linhares

adoraria (!) pintar como vice-prefeitável. Isso, porque o atual “segundinho”, Clodoveu

(Veveu) Arruda desistiria de bisar o papel para assumir cargo no Iphan.”

Misturando social com publicidade, a colunista fala sobre a promoção da rede

Pão de Açúcar e ilustra a nota com foto. O texto é uma adaptação de release, com

algumas palavras modificadas para seguir o perfil da coluna:

“... com start amanhã, prosseguindo até 27 de agosto, via sorteio de seis jantares para os

clientes que fizerem compritas nos supermercados da rede no valor acima de R$ 60.

Com os felizardos podendo convidar até 12 amigos para o dîner...”

4.3.3 Página 3

A página é praticamente continuação da coluna “Sonia Pinheiro”. O “sutiã” é

feito por notas sobre o ator José Wilker em evento na Paraíba. Ao longo do restante da

coluna, notas sobre eventos nacionais. A primeira foto ilustra o presidente da

Transpetro, Sérgio Machado, sendo homenageado na cerimônia de estréia da nova

diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. Nas notas abaixo, a colunista

transcreve parte do discurso do novo presidente e o agradecimento do homenageado.

Mudando de assunto, em outra nota com novo título (“Endereço”) é citado o

“empréstimo” de uma casa para a realização de cerimônia de casamento. A palavra

“marriage” (casamento) é utilizada para enfatizar o acontecimento. Ainda sobre o

mesmo assunto, mas já falando de outras pessoas, a nota “Comme Il Fauty” cita o

requinte de outra festa e os bem-casados assinados.

A segunda foto recebe o título “Chic Marriage” (novamente, palavras de língua

estrangeira) e também é de um casamento. A legenda informa apenas, de forma

rebuscada, os nomes das pessoas que estão na imagem e onde foram os casamentos,

religioso e civil.

Com o título “Quem & Onde”, A colunista diz onde algumas pessoas passam o

fim de semana (que ela chama de “weekend”), além de falar sobre a “visita da

cegonha”. Os nomes das pessoas que estiveram visitando o Festival de Flores,

Chocolate e Café, realizado em Pacoti no final de semana, também foram listados.

Outras notas citam presenças em pizzaria e viagem de ministro, novamente com

palavras em inglês:

“Sybilla e Cláudio Borges movimentaram noitada de pizzas, sábado, no Teimosia,

agrupando family & friends.”

“O ministro (TCU) Ubiratan Aguiar e Terezita regressarão, domingo, ao DF, de onde

ele voltará, quinta, para, no day after, fazer speech em seminário sobre Segurança

Jurídica, na FIEC.”

A terceira imagem, com o título “Nat”, é de apenas uma senhora, com a legenda

“Valéria Câmara sopra velinhas”. Abaixo, no “Blitz „In‟”, notas sociais sobre jantares e

aniversários.

Os textos, como foi possível perceber, são curtos e objetivos, mas muitas vezes

confusos para quem não tem o hábito de ler colunas sociais. O uso de palavras

estrangeiras e os assuntos abordados restringem o público. É possível perceber que o

conteúdo é dedicado à classe A e B da capital, já que as outras não se identificam com o

conteúdo publicado (viagens, jantares, eventos, casamentos luxuosos etc.).

Após alguns anúncios, a Página 2 encerra com uma matéria sobre TV nacional.

O título obedece às normas do jornalismo, está na ordem direta e o verbo no tempo

presente: “Ó Pai, ó estréia na Globo em setembro”. A retranca “minissérie” ajuda a

entender do que se trata a matéria.

O primeiro parágrafo familiariza o leitor. Como o autor do texto não sabe se ele

já conhece a história do ator principal da minissérie, Lázaro Ramos, um pouco é

contado. Logo em seguida, explica-se a origem do programa e a história do mesmo. O

depoimento do ator complementa o perfil do personagem: “Ele é um cara sonhador,

romântico e comprometido politicamente com a sua comunidade.”. O depoimento dá

mais credibilidade a matéria.

Para contextualizar, é feita uma comparação do personagem da série com o

personagem que o ator interpretava na época em uma novela. A diferença entre eles é

apresentada por Lázaro e pelo jornalista. “Na nova série da emissora, Lázaro aparece

sem camisa, rebolando com sensualidade e cantando.”. A comparação termina com um

comentário do autor: “Sim. Agora ele canta.”, como se estivesse respondendo a

pergunta do leitor “mas o Lázaro é cantor?!”.

No parágrafo seguinte são evidenciadas as diferenças entre o filme e a

minissérie. Para deixar mais claras essas características, há um depoimento da diretora

de ambas as obras, Monique Gardenberg. Prolongando o assunto, são citados os nomes

dos diretores do programa e os companheiros de cena do Lázaro. O depoimento do ator

é emotivo.

O elenco da série e as músicas que o personagem Roque cantará são listados,

prolongando um pouco o texto. O restante da matéria (um parágrafo e meio) está

voltado para o fato do ator também cantar, incluindo a pergunta se ele tem planos para

lançar um CD.

4.3.4 Página 4

A “Agenda” ocupa a página inteira. No topo, uma nota sobre o novo filme do Zé

do Caixão, que encerra informando a data de estréia. Um boxe, “Cinema Salas &

Preços”, padrão em todas as Agendas informa o nome das salas, endereço, telefone e

preços com respectivos dias. Todos os cinemas da cidade são listados.

Nesta página são apresentados 21 filmes. Todos possuem seus nomes originais,

país de origem e ano de produção, além de direção e elenco. Logo em seguida são

relacionadas as salas que estão em cartaz e os horários. Por último são apresentados o

gênero e a resenha.

Alguns filmes recebem classificações. Na Página 4, 17 filmes ganham estrelas

ao lado do nome. Dos filmes listados, três ganharam cinco (ótimo) e quatro estrelas

(bom), oito ganharam três (regular), dois foram classificados como “ruins” (duas

estrelas) e um é considerado “péssimo”.

Dois filmes estão destacados por boxes coloridos. Seus gêneros são publicados

acima das fotos e as resenhas são mais detalhadas. Cada um ocupa parte de duas das

seis colunas em que são divididos os filmes.

A Página 4 restringe-se apenas ao material que recebe pronto na redação. Não há

uma crítica de um especialista nem a opinião do público, de alguém que viu o filme. A

página também é pouco ilustrada, apesar de tratar sobre filmes, imagens. Quatro fotos

ilustram seus respectivos filmes, sendo duas de tamanho médio e duas pequenas. Todas

são coloridas.

As classificações influenciam na hora da escolha do filme. Os que receberam

cinco estrelas, por exemplo, geram mais interesse no leitor/telespectador.

Coincidentemente (ou não), os filmes mais bem qualificados são os de maior destaque

na mídia e pela crítica no período do caderno: “Batman – O Cavaleiro das Trevas” e “O

Escafandro e a borboleta”

4.3.5 Página 5

Esta página é ocupada quase totalmente pelo boxe “De Tudo Um Pouco”,

integrante da “Agenda”. Dividido em gêneros, se assemelha bastante ao material de

cinema publicado na página anterior.

Em “Literatura”, é apresentado o nome do livro, sua resenha, o nome do escritor

e o local de lançamento, com endereço e telefone para mais informações. Neste gênero

foi publicado, por engano, um evento musical.

No tópico “Especial”, vários eventos são divulgados: “Maratona de Cinema”,

“Biblioteca de Artes Visuais Leonilson”, “DELE”, “Bienal Internacional de Dança”,

“Planetário” e “Projeto Amar Fortaleza”. Nele também são dadas as informações

básicas, como o que consiste o evento, local, horário, preços e telefone e e-mail para

informações.

Já “Música” mistura shoppings, bares e restaurantes com informações sobre as

apresentações ao vivo. As notas maiores assemelham-se a releases:

“BEACH SOUNDS – O Beach Park, durante todo o mês de julho,

apresenta diariamente shows ao vivo com revelações locais da música. No

total, sete grupos se revezam durante o período de alta estação, no palco

montado na areia da praia. As apresentações começam ao meio-dia e a música

só pára às 16 horas. O estilo é o mesmo, o pop rock, mas cada grupo

desenvolve um trabalho bem particular. Hoje, é a vez da Banda Marajazz, no

restaurante do Beach Park. Couvert R$ 3,80. Info.: 4012 3000”

Em “Dança”, “Filme” e “Exposição”, apenas uma nota, que seguem os padrões

citados anteriormente. O filme é ilustrado com uma foto colorida.

Os boxes “EmDestaque 1” e “EmDestaque 2” estão dentro do “De Tudo Um

Pouco”. No primeiro, um texto explica a ação da Secult (Secretaria da Cultura) em

homenagem ao Dia do Patrimônio. O primeiro parágrafo contextualiza, contando um

pouco da história. No segundo e no terceiro é apresentado o roteiro do cortejo

organizado pela Secretaria e as atividades que acontecerão em cada ponto que ele

passará. O último parágrafo lista as participações. O serviço informa o nome do evento,

horário, local e telefone.

O segundo “EmDestaque” segue o padrão do primeiro, mas trata de música.

Inicia-se situando o leitor sobre o evento e, em seguida, conta um pouco da história e

das composições do músico Costinha, o artista convidado. O parágrafo seguinte fala

sobre a segunda atração, o Trio Forte, suas parcerias e os músicos que se apresentarão

com eles. Para tornar o texto mais íntimo, há um comentário do autor do texto: “Em

prol da boa música”. Os serviços possuem as mesmas informações do texto anterior.

Por estarem destacados, os textos são mais bem trabalhados, com mais detalhes

e informações, tornando o leitor mais interessado no evento. Percebe-se que houve uma

pesquisa para a formulação do conteúdo. São praticamente matérias: possuem título,

foto e legenda. O fato de possuírem serviço no final os inclui na Agenda do V&A.

No canto da página, a seção “Grátis” apresenta todos os eventos gratuitos da

cidade. Ela é encabeçada por uma imagem do filme “Laranja Mecânica”, de Stanley

Kubrick, que, logo abaixo, recebe o título do filme, o nome original, o país de origem e

o ano de produção, seguidos pela direção e resenha. No final, gênero, tempo e horário e

local de exibição, com telefone para informação.

Os eventos seguintes seguem o mesmo padrão e variam: são palestra,

documentários, filme e oficina de teatro. Outra imagem ilustra mais um filme de

Kubrick, que também está em exibição gratuita.

Assim como na programação de cinema, o material publicado nesta página

aparenta ser quase todo formado por textos de releases, programações e notas recebidas

no jornal. Não existe crítica jornalística nem participação dos leitores.

As Páginas 4 e 5 são os chamados “serviços”. Possuem textos curtos e objetivos,

proporcionais ao tempo que supõe-se que o leitor possui para lê-las. O destaque nos

títulos facilita a busca do leitor, que não precisa “perder tempo” procurando aquilo que

deseja. Mas esta facilidade também pode dificultar o acesso do leitor à novas culturas.

4.3.6 Página 6

Dedicada exclusivamente à informe publicitário.

4.3.7 Página 7

Com duas matérias, esta página não possui anúncios publicitários e é bem

ilustrada. A primeira publicação é uma crítica de cinema. O filme “Ensinando a Viver”

foi visto pelo jornalista que, em seguida, elaborou um texto. Após o título, a retranca

“Vida & Arte Viu” deixa subentendido que o caderno teve interesse pelo evento e quis

mostrar ao leitor a sua opinião.

O abre, com excesso de adjetivos, dá a idéia de que o filme possui muitas

informações, exibidas em uma sessão de arte:

“O filme Ensinando a Viver, de Menno Meyjes, conta a história da adoção de

um menino que pensa ser de marte por um homem, viúvo, escritor de ficção científica.

Isso tudo na sessão de arte”

O texto começa com comentários sobre o título que, se fosse traduzido ao pé da

letra, seria “Criança Marciana”. A crítica já começa a partir daí. O jornalista explica que

se o título literal fosse utilizado, era possível confundi-lo com uma obra infanto-juvenil.

O lado adulto do filme é comentado no segundo parágrafo, que explica a relação entre a

criança e escritor viúvo com uma terceira personagem, quem dá o toque “adulto” do

filme.

A origem do filme é explicada: baseia-se no livro “The Martian Child”, o qual o

autor é também o roteirista da produção. A crítica intensifica nos dois últimos

parágrafos. No penúltimo, argumenta-se sobre como o filme é clichê e o

“congelamento” do enredo.

“O filme torna-se clichê quando não consegue desenvolver esse enredo,

intrincado, que poderia fazer da obra uma ótima história sobre narrativa, ficção e

realidade. A ficção científica e o contexto interplanetário dão ao filme um certo olhar

estranhado sobre o mundo, mas o longa não consegue ir além de certas cenas

engraçadinhas ou excessivamente líricas, o que revela as próprias intenções do roteirista

em esgarçar essa dimensão.”

Por último, o autor brinca com os dois títulos do filme, o brasileiro e o traduzido.

Ele critica os “dois” filmes, principalmente o lado infantil da história, onde, para o

crítico, o não foi possível “explorar melhor as possibilidades desse conflito

interplanetário entre adultos e crianças”. E Encerra: “O filme ensina a viver,

desaprendendo a criar. E isso não é de outro planeta, mas é estranho na sessão de arte.”

O comentário que encerra a crítica expõe a total indignação do autor pelo fato de

uma obra que ele classificou como “ruim” estar sendo exibida em um espaço destinado

a filmes realmente artísticos.

A segunda matéria é de um jornalista da Folhapress. O título brinca com o tema,

livro: “Com a palavra: Pedro Almodóvar”. O mundo literário do diretor espanhol é

explicado logo no início do parágrafo, quando cita o livro de 1988 “Mulheres à Beira de

um Ataque de Nervos”, que marcou o autor pela “imaginação, a originalidade e as tintas

barrocas, fosse na trama, nas atuações ou na direção de arte e até mesmo figurino.”.

Em seguida, o jornalista muda o perfil de Almodóvar, classificando-o como

reflexivo. Ele explica o porquê da crítica quando revela o feito de um renomado

jornalista francês. Em poucas palavras, o repórter da Folhapress traça o perfil do autor

do livro, explica seu diferencial e expõe seu feito.

Seguro do que escreve, pode-se perceber que o crítico ao menos pesquisou sobre

o livro do francês: “Strauss, que dividiu seu livro por filmes e temas, disse que

inicialmente não esperava do diretor uma reflexão mais profunda sobre o cinema ou sua

obra.”. A citação, que segue a afirmativa, dá um peso maior à matéria.

Pode-se conhecer um pouco mais sobre o livro no parágrafo seguinte, que, de

forma clara e objetiva, é resenhado: “O livro de Strauss pode ser encarado como uma

espécie de biografia de Almodóvar contada por meio de seu cinema. O jornalista diz

que é possível encontrar, ao longo da carreira de Almodóvar, toda sua trajetória.”

Em seguida, a transcrição do depoimento do autor do livro detalha um pouco

mais o conteúdo, o foco do mesmo. A humanização do conteúdo do livro é apresentada

neste parágrafo: “(...) Nas entrevistas que tivemos acerca de Volver, ele fala coisas

sobre o tempo que passa, sua experiência com a vida até então etc. (...)”.

A matéria é interrompida com um subtítulo, mal representado e mal configurado

na Página 7 do V&A. “Sexualidade” aparece na quarta linha da penúltima coluna da

matéria, solta, sem pontuação ou qualquer destaque, como negrito. Também não há

espaço antes e/ou depois da palavra, tornando confusa a idéia do autor.

Sobre o assunto destacado, bastante abordado nos filmes de Almodóvar (tema

que o torna uma pessoa polêmica), o jornalista relaciona as obras Má Educação (2004)

e Volver (2006) com a vida pessoal do diretor. Esta relação torna-se uma espécie de

justificativa e uma forma de gerar curiosidade no leitor, pois mais informações podem

ser encontradas no livro.

O depoimento de Strauss no parágrafo seguinte reforça a idéia do anterior. Nos

dois últimos parágrafos, o autor do texto também faz uso deste recurso. Por último é

apresentada a mudança de personalidade do diretor durante os anos e o contexto

histórico em que o escritor o acompanhou.

E, para concluir a matéria, o jornalista completa com mais uma citação: “(...) ele,

que sempre foi alguém com paixão pelo cinema, passou a ser um diretor que tem muito

mais controle das coisas e desejo de refletir sua prática do cinema. Sua ambição, hoje, é

ser um grande artista.”.

Pôde-se observar que, durante o texto, a idéia do jornalista sempre era reforçada

e fundamentada com depoimentos do autor do livro. A entrevista com Strauss foi

fundamental para a elaboração da matéria. O que poderia ser apenas uma resenha, com

texto curto e objetivo, tornou-se um material vasto e capaz de gerar mais interesse no

leitor.

4.3.8 Página 8

Dedicada exclusivamente ao conteúdo de música, sem qualquer publicidade

neste dia, a Página 8 recebe a coluna “CDS & DVDS”. O próprio jornal descreve a

página: “toda quarta neste espaço, os lançamentos musicais em CD e DVD, as

indicações do Vida&Arte.” E ainda completa, sugerindo a participação do leitor através

de e-mail. A coluna, portanto, é interativa.

Ao lado do título, um sutiã com um conteúdo musical. O título “reta final” já

pré-define a nota, esclarecendo que o evento que será descrito está acabando. Apesar de

parecer um serviço, o texto apenas apresenta local e dias do acontecimento, sem

horários, preços e telefone para mais informações.

A matéria principal trata do lançamento de um cd de uma banda de rock

britânica. O título, no primeiro momento, é estranho, pois para quem não conhece a

banda, não entende a brincadeira que o jornalista fez. Ao contrário das regras básicas do

jornalismo, não há verbo no título.

A retranca também não é muito esclarecedora: “Primal Scream”. O uso de língua

estrangeira dificulta a compreensão de muitos leitores. E, para quem entende inglês,

alguns continuam sem saber do que se trata a matéria, já que esse é o nome da banda.

Esses “mistérios” podem ajudar ou prejudicar a leitura do texto, pois alguns podem

desistir de lê-lo e outros podem sentir-se mais curiosos, e seguir à diante com a leitura.

Finalmente, o abre é responsável pelo entendimento do título, da retranca e da

abordagem do texto:

“Bobby Gillespie leva seu Primal Scream em direção ao futuro com seu CD mais

eclético e diversificado. Beautiful Future traz rock, soul, dance e até folk.”

Apesar de dizer, logo no primeiro parágrafo, que a banda dispensa

apresentações, o jornalista dedica estas linhas para apresentar ao leitor um pouco da

história da banda e, principalmente, do seu vocalista. “Eles vêm resistindo bravamente

aos modismos e se adaptando a eles com maestria, sem cair no oportunismo vazio,

graças a capacidade de Bobby Gillespie, vocalista e líder da banda, se ser um autêntico

camaleão.”.

O novo CD é descrito no parágrafo seguinte, juntamente com as formações da

banda e os recursos utilizados para a produção do mesmo. Novamente, o autor do texto

apresenta Gillespie como o grande responsável pela banda e pelo rumo que ela pode

tomar.

Em seguida, um pouco de história musical da banda: o estilo e as tendências que

influenciaram e comparações com outras bandas: “Logo depois, o grupo mergulhou de

cara num som revival dos bons momentos dos Rolling Stones.”. Também é feito um

link com cinema, onde a banda assina algumas trilhas sonoras. Tudo descrito e

apresentado.

O subtítulo “Sem volta” é referência ao primeiro single do álbum, “Can´t Go

Back”. Mesmo demonstrando que gosta da banda, o jornalista assume que o refrão da

música é “direto e grudento”. A outra faixa, disponibilizada na internet, juntamente com

a primeira, é um disfarce para o autor. “A tendência roqueira dessas duas faixas talvez

até mascare a característica eclética do CD.”.

Os próximos dois parágrafos falam sobre os estilos de algumas músicas, seus

instrumentos e algumas parcerias. O jornalista ainda arrisca qual será o próximo single.

A música parece fazer parte da vida do autor, como se fosse sua especialidade:

“Zombie Man também segue esta tendência, ganhando guitarras em slide e vocais de

apoio bem soul. É bom lembrar que o gênero vem ganhando nova força dentro da leva

do chamado new-rave, onde estão Klaxons e os ingleses enquadraram os brasileiros

CSS (Cansei de Ser Sexy).”.

O texto encerra concluindo que a banda ainda tem muito o quem mostrar,

mesmo com os “altos e baixos” do vocalista. Alguns boxes foram criados para informar

melhor o leitor. O “Discografia” apresenta todos os álbuns e DVD da banda com seus

respectivos anos de lançamento. No final do texto, o “Serviço” traz a foto e o nome do

álbum, a descrição do CD, participações, produção, gravadora quantidade de faixas e

preço médio. Em “Conteúdo Extra” há a indicação do site do jornal O Povo, onde se

pode ouvir algumas faixas do disco.

A crítica está sobre o fundo da foto do líder da banda. A legenda fala um pouco

sobre o vocalista: “Bobby Gillespie, líder do Primal Scream, é uma das figuraças mais

controversas da cena indie britânica”.

Termos com “assobiável”, “Techno-pop dos anos 80”, “indie-dance” além de

outros presentes ao longo do texto, mostram que o autor tem um certo conhecimento de

música e de crítica musical. Ele também demonstra conhecimento da banda, além de

segurança na hora de apresentar suas idéias. Se o jornalista já não conhecia a banda, fez

pesquisas e ouviu pessoas que a admiram. Um parágrafo é sempre continuação do outro,

sendo a crítica totalmente “costurada”.

No canto direito da página, a coluna “Sintonia” apresenta os lançamentos

musicais. Mais um serviço, com o nome do CD/DVD, gravadora, quantidade de faixas e

preço. Uma pequena imagem ilustra o produto, descrito em forma de resenha. O link

“veja também” dá sugestões relacionadas ao álbum destacado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Ser culto é pertencer a todos os tempos e lugares sem deixar de

pertencer a seu tempo e lugar.” (Octavio Paz, apud Daniel Piza,

2007:62)

Mesmo após a apresentação e a descrição de tantos problemas visíveis e

invisíveis é incorreto afirmar que a crítica jornalística morreu e que os cadernos

culturais deixaram de existir. O que tem acontecido é o seu enfraquecimento e a

diminuição de seu papel democratizador. Felizmente, estas deficiências possuem

soluções. Assim como o atual quadro do jornalismo brasileiro não foi formado de uma

hora para a outra, também serão necessários tempo, interesse e, principalmente,

dedicação para o universo jornalístico tornar-se um exemplo de cidadania e democracia.

Ao contrário do que se possa imaginar, esses segundos cadernos são de extrema

importância para os jornais e revistas. Ele é um dos cadernos mais lidos e influentes.

“Investir nesse espaço não significa necessariamente das numerosas páginas para ele,

pelo menos não nos dias úteis, em que o tempo é mais exíguo para a leitura do jornal e para as

atividades culturais. Mas significa olhá-lo de forma particular, respeitando seu papel um pouco

mais específico dentro da publicação. Significa ter colunistas com recursos literários, que saibam

traduzir sensações e opiniões diante das tantas faces da realidade; significa ter uma equipe com

preparo intelectual, que faça com exigência e charme as críticas, entrevistas e reportagens;

significa permitir pluralidade e criatividade com ainda mais vigor do que nas outras seções.”

(PIZA, 2007:64)

Infelizmente, esses quesitos não têm sido cumpridos, em particular no

jornalismo brasileiro, que, assim como toda a sociedade, sofre com problemas

financeiros e precariedade educacional. As colunas sociais estão nas mãos de

“personalidades” que, ao invés de um bom texto, se destacam pelo seu nome. Os

escritores profissionais (que, como foi visto, possuem colunas fixas nos cadernos

culturais) também fazem uso do seu espaço para falar sobre fatos corriqueiros ao invés

da cultura propriamente dita, como livros, CDs, DVDs, filmes e exposições. Em muitos

dos textos analisados, os profissionais possuíam pouco repertório e ambição,

concordando com os acontecimentos (de maneira a agradar o leitor) e tornando-se

previsíveis. Todos esses fatores juntos resultam em menos pluralidade e criatividade.

Além desses problemas, algumas atitudes dos jornalistas prejudicam a produção

de um jornalismo cultural de qualidade. Piza (2007:67) diz que “os obstáculos mentais

precisam ser retirados. Há um longo caminho a percorrer no hiato entre os segundos

cadernos e os suplementos semanais, entre o discurso superficial e/ou tribal daqueles e o

discurso distante e/ou retórico destes”. As entrevistas precisam contestar os

entrevistados, as resenhas devem ser mais incisivas e as colunas devem evitar narrar o

dia-a-dia dos colunistas. “Faltam perfis que relacionem a personalidade do artista com

sua criação, críticas que saibam se deter tanto na estrutura do filme como na sua

eventual posição e recepção, articulistas que valorizem especialmente as idéias que

mexem com nosso cotidiano.” (PIZA, 2007: 67)

O jornalismo cultural necessita, antes de tudo, se valorizar. Ele (e os jornalistas

responsáveis) precisa se impor diante dessa fase transitória que ele tem enfrentado ou

não terá mais lugar na cultura. Daniel Piza (2007) diz que os jornalistas têm que tomar

consciência da riqueza e importância do jornalismo cultural e buscar caminhos

alternativos dos niilismos e modismos. Ele não pode ser apenas uma agenda cultural, e

sim, segundo afirma Ailton Cerqueira em artigo de Castelo Branco, Targino e Gomes,

“um instrumento de democratização do acesso à cultura, um espaço para que a

sociedade se conheça como ente criados de arte”.

Diante de tais problemas, restam apenas interesse e criatividade para reverter

esta situação. Este interesse não deve partir apenas das autoridades e dos proprietários

de veículos de comunicação. É dever dos jornalistas, leitores, ouvintes, telespectadores,

estudantes de comunicação, enfim, dos agentes que compõem uma sociedade, exigir e

lutar por tais mudanças. Caso contrário, este ramo tão importante do jornalismo (como

foi visto), seja ele brasileiro ou de qualquer outro país, pode ser extinto, restando apenas

recordações.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de 2008, localizado em: Google Acadêmico

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COELHO, Marcelo. Crítica Cultural: Teoria e Prática. São Paulo: Publifolha, 2006

GADINI, Sérgio Luiz. Grandes estruturas dos cadernos culturais Principais

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março de 2008, localizado em: Google Acadêmico

(http://revcom.portcom.intercom.org.br/index.php/fronteiras/article/view/3138/2948)

KAEL, Pauline. Criando Kane e Outros Ensaios (Raising Kane and Other Essays)

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LINDOSO, Felipe (org.). Rumos [do] Jornalismo Cultural. São Paulo: Summus: Itaú

Cultural, 2007

MARTINS, Maria Helena (org.). Outras Leituras: Literatura, Televisão, Jornalismo

de Arte e Cultura. São Paulo: SENAC, 2000

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem

(understanding media) (trad. Décio Pignatari). São Paulo: Cultrix, 1964

MENDONÇA, Maria Luisa Martins de. Cinema e dinamização cultural: a dupla face

dos festivais. Disponível em: 9 de março de 2008, localizado em: Google Acadêmico

(http://revcom2.portcom.intercom.org.br/index.php/NAU/article/viewDownloadInterstit

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MORAES, Dênis de. Planeta Mídia: Tendências da Comunicação na Era Global.

Campo Grande: Letra Livre, 1998

ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 2000

PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. São Paulo: Contexto, 2007

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad,

1999

ANEXOS