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FACULDADE CÁSPER LÍBERO Maria Eugenia Lage da Silva Prado Jornalismo e Cultura: caminhos possíveis São Paulo 2015

FACULDADE CÁSPER LÍBERO Maria Eugenia Lage da Silva … · Pré-Modernismo à brasileira ... Primeira fase do Modernismo no Brasil (1922 ... do homem moderno que despontou no final

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FACULDADE CÁSPER LÍBERO

Maria Eugenia Lage da Silva Prado

Jornalismo e Cultura: caminhos possíveis

São Paulo

2015

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MARIA EUGENIA LAGE DA SILVA PRADO

Jornalismo e cultura: caminhos possíveis

Dissertação apresentada para a obtenção do

grau de Mestre em Comunicação pela

Faculdade Cásper Líbero.

Orientador: Prof. Dr. Dimas A. Künsch

São Paulo

2015

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Prado, Maria Eugenia Lage da Silva

Jornalismo e cultura: caminhos possíveis / Maria Eugenia Lage da Silva

Prado – São Paulo, SP, 2015.

144 f.

Dissertação (Mestrado) – Faculdade Cásper Líbero. Mestrado em

Comunicação, linha B – “Produtos Midiáticos, Jornalismo e

Entretenimento”, 2015.

Orientador: Prof. Dr. Dimas A. Künsch

1. Jornalismo Cultural. 2. Pós-modernidade. 3. Comunicação. 4. Cultura.

Indústria Cultural. 5. Entretenimento. I. Künsch, Dimas A. II. Título.

CDD ____.___

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais queridos. À minha mãe, Susana, pelo eterno incentivo e apoio em minhas escolhas

e caminhos. Ao meu pai, Caio, que onde quer que esteja, sei que está torcendo e, principalmente,

cuidando de mim.

Ao meu querido filho, Antonio, que me ilumina e deixa a vida repleta de sentido. E ao meu outro

amor, André, que me faz recordar diariamente que a vida é feita de sincronicidade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao professor Dimas Künsch, meu orientador, pelas aulas sempre inspiradoras, pelo

incentivo e, principalmente, pela enorme paciência.

Aos integrantes da banca, Simonetta Persichetti e Monica Martinez, pelas preciosas contribuições

na banca de qualificação. A ajuda de vocês foi fundamental para o desenvolvimento deste

trabalho.

E aos professores Antonio Roberto Chiachiri Filho e Simonetta Persichetti que também me

guiaram nessa trajetória com conhecimentos, percepções e olhares e, isso tudo, ainda, com uma

didática pedagógica iluminada.

Aos meus irmãos, Caio e João, e a minha cunhada Paula, pelo apoio constante durante essa

trajetória. E também a minha família do coração: Malu, Scandar, Natália, Silvio e Minuca.

Aos meus queridos amigos Kátia Ciccone, Gustavo Gomes da Costa, Carolina Delleva e Ju

Millan, sem o apoio e o carinho de vocês, nada disso teria sido possível.

Meu agradecimento especial à querida amiga Renata Nantes, que não só meu deu força e

esperança nos momentos mais difíceis, como também me ajudou a revisar o trabalho.

Muito obrigada a todos vocês.

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RESUMO

A presente pesquisa, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da

Faculdade Cásper Líbero, área de concentração Comunicação na Contemporaneidade e

Linha de Pesquisa Produtos Midiáticos: Jornalismo e Entretenimento, tem por tema

Cultura e jornalismo. Quer se compreender como a mídia concebe e realiza suas escolhas

editoriais no campo da cultura, levando em conta seu contexto histórico e cultural. O

Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo foi escolhido como estudo de caso.

Geralmente, as editorias de cultura apresentam reportagens, entrevistas e notas calcadas

em agendas ou ligadas à divulgação de um produto cultural, presas aos ditames da

Indústria Cultural e do entretenimento. Histórias sem profundidade e pouco conectadas

com a multiplicidade e complexidade de sentidos que a cultura oferece. Neste sentido,

esta pesquisa, além de compreender como o Caderno 2 concebe suas escolhas editoriais,

pretende apontar outros caminhos possíveis para o Jornalismo Cultural, que fujam à

lógica da agenda, da Indústria Cultural e do entretenimento. Para tanto, utiliza como

exemplo o programa semanal Paratodos, da TV Brasil. Autores como Cremilda Medina,

Edgar Morin, Michel Maffesoli, entre outros, dialogam sobre o tema. Por fim, se fez

necessário compreender o que é cultura. Esta dissertação, dentro de suas possibilidades,

pretende dar conta de suas acepções, sua evolução histórica e de suas características

gerais dentro do que se convencionou chamar de Modernidade e de Pós-modernidade, no

mundo e no Brasil. David Harvey, Gilles Lipovetsky, Raymond Williams, Sigmund

Freud, Alfredo Bosi, Renato Ortiz, Jorge Schwarz, E. H. Gombrich, além de outros, são

fundamentais para essa discussão.

Palavras-chave: Jornalismo Cultural. Pós-modernidade. Comunicação. Cultura.

Indústria Cultural. Entretenimento.

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ABSTRACT

This research was developed at the Graduate Program in Communication at Casper

Libero College, Area of Concentration Communication in Contemporary and research

line "Media Products: Communication, Journalism and Entertainment”. Culture and

journalism: this is the theme of the research proposed here. This paper wants to

understand how the media designs and builds the editorial choices in the field of culture,

taking into account its historical and cultural context. Caderno 2 of the newspaper O

Estado de S. Paulo was chosed to be a brief case study. Generally, culture editorial

feature articles, interviews and sidewalks notes in diaries are related to the disclosure of a

cultural product, stuck to the dictates of Cultural Industry and entertainment. No depth

stories and little connected with the multiplicity and complexity of meanings that culture

offers. In this regard, this research, in addition to understanding how the Caderno 2 sees

its editorial choices, intends to point out others possibles ways for cultural journalism,

that fleeing the agenda, the Cultural Industry and the entertainment. Therefore, uses as an

example the weekly program Paratodos, of TV Brasil. Authors like Cremilda Medina,

Edgar Morin, Michel Maffesoli, among others, dialogue on the subject. Finally, it was

necessary to understand what is culture. The thesis, within their means, aims to realize its

meaning, its historical evolution and its general characteristics within the so-called

Modernity and Post-modernism in the world and in Brazil. David Harvey, Gilles

Lipovetsky, Raymond Williams, Sigmund Freud, Alfredo Bosi, Renato Ortiz, Jorge

Schwarz, EH Gombrich, among others, are fundamental to this discussion.

Keywords: Cultural Journalism. Postmodernity. Communication. Culture. Cultural

industry. Entertainment.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO 1: UMA CONSTELAÇÃO DE CULTURAS 17

1.1. Cultura como o espaço da liberdade 19

1.2. Noção de cultura 22

1.3. Evolução histórica da cultura 29

1.3.1. Cultura primitiva e religiosa: Antiguidade e Idade Média 29

1.3.2. A alvorada da Modernidade 30

1.3.3. Cultura na Modernidade 34

1.3.4. Um pouco da Modernidade na História 37

1.3.5. A consagração da Indústria Cultural 43

1.4. A cultura na contemporaneidade 47

CAPÍTULO 2: CULTURA NO BRASIL 54

2.1. Modernidade e Modernismo no Brasil 54

2.2. Pindorama, Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz, Brasil 55

2.3. São Paulo, berço do Modernismo 58

2.4. Pré-Modernismo à brasileira 60

2.5. Modernismo Brasileiro 64

2.5.1. Primeira fase do Modernismo no Brasil (1922-1930) 68

2.5.2. Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924) 72

2.6. Manifesto Antropófago (1928) 72

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2.7. Segunda fase do Modernismo no Brasil (1930-45) 76

2.8. Os anos dourados (1950) 78

2.9. A ditadura e a Indústria Cultural (1964-1985) 80

CAPÍTULO 3: JORNALISMO CULTURAL HOJE 83

3.1. Um breve olhar sobre o “Caderno 2” 83

3.2. Caderno 2: história que conta a evolução do Jornalismo Cultural 83

3.2.1. Os anos 1950: mudanças na Imprensa Brasileira 87

3.3. Caderno 2 surge em 1986 93

3.3.1. Caderno 2: uma visão panorâmica das publicações dominicais 95

3.3.2. Caderno 2: Estudo descritivo sobre textos específicos 97

3.3.3. Caderno 2: Um olhar interpretativo 99

3.3.4. O que faz falta no Caderno 2 105

3.4. Um outro caminho possível: jornalismo compreensivo 107

3.4.1. O afeto como elemento da prática jornalística 109

3.4.2. A importância do “senso comum” – vozes necessárias no jornalismo 110

3.5. Relatos sobre minha experiência jornalística na TV Brasil 111

3.5.1.“Projeto Azu”, outra experiência de Jornalismo Cultural na TV Brasil 113

3.5.2. Da “porca miséria” à transformação de vida através da arte 116

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 119

REFERÊNCIAS 122

ANEXOS 126

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INTRODUÇÃO

A Modernidade criou o mundo como conhecemos na atualidade. Ainda

carregamos muito, ou quase tudo, do homem moderno que despontou no final do século

XIX, princípio do XX. Ainda sentimos, intensamente, a herança positivista e o mito

moderno da racionalidade. Nesse contexto do fascínio ou “fascismo” positivista,

algumas coisas deixaram de ser contempladas dentro da cultura, os mitos e as lendas

foram escamoteados num quarto escuro da memória; as grandes narrativas, o senso

comum e a opinião perderam sentido e relevância. E outras se tornaram fundamentais: o

conhecimento virou homogêneo, globalizado e único; a produtividade e a Indústria

Cultural, essenciais. Um mundo desencantado se desenhou no horizonte.

O final do século XX e o princípio do século XXI trouxeram à baila novos

olhares sobre o percurso tomado pela Modernidade. O desfecho, para os intelectuais,

não é nada consensual. A começar por qual seria o nome de batismo deste novo

momento histórico, no qual estaríamos inseridos hoje: pós-modernidade (Harvey),

modernidade líquida (Bauman), hipermodernidade (Lipovetsky e Serroy),

sobremodernidade (Augé) etc.

Mas a pós-modernidade abre novos caminhos. Múltiplos ou misturados, como

sugere Michel Maffesoli, onde é possível encontrar a razão e a emoção caminhando

lado a lado. O discurso diverso, heterogêneo, fragmentado e plural se faz necessário.

Nesse contexto, há um espaço possível para todas as histórias, justificações,

legitimações que, de forma complexa e plural, constituem o discurso social e o mundo.

Sendo possível pensar num Jornalismo Cultural que reintroduza dimensões míticas e

imaginárias na composição do cotidiano e da realidade social, desfazendo aquilo que o

racionalismo ocidental acredita ter apagado há muito tempo.

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Um pouco de cultura. Cultura contínua, sem data para acabar ou vender. Cultura

que vem de baixo ou de cima: Cultura. Tanto bate até que fura, canta Itamar Assunção.

O mundo não é uniforme como vemos na televisão. Os sotaques múltiplos do

Brasil não circulam nos produtos da Indústria Cultural e tampouco são representados

apenas pelo eixo Rio-São Paulo. O Brasil, em sua enormidade territorial, é rico em

cores, tradições, costumes, culinária, arte, dança, mitos. Revelar essa diversidade é, ao

menos, respeitar e compreender. Revelar então é, possivelmente, valorizar. A nossa

tradição é a miscigenação, a troca, a criatividade e, também, a antropofagia. Somos a

mistura de índios, negros e europeus.

O jeitinho brasileiro, quando usado com ternura e afeto, pode se transformar em

exemplo de cidadania surpreendente, sendo capaz de produzir solidariedade no lugar de

ausência. Mesmo na adversidade, o brasileiro consegue brilhar e manter suas tradições.

Com sua diversidade, o Brasil possui muita história para contar. Histórias que

acontecem no cotidiano, repletas de conhecimento comum. Infelizmente, esse Brasil

ainda não está na mídia, ocorrendo uma espécie de grande espiral do silêncio. O popular

não entra no gosto da elite brasileira, mas fala para todo o resto. O Brasil precisa de

novos espelhos, múltiplos, que mostrem a sua diversidade e riqueza cultural. Iremos

algum dia romper com essa lógica antiga positivista e criar novos caminhos para

realizar outras formas de Jornalismo Cultural?

Cultura e jornalismo: este é o tema da pesquisa aqui proposto. Quer se

compreender como a mídia concebe e realiza suas escolhas editoriais no campo da

cultura, levando em conta seu contexto histórico (da contemporaneidade) e cultural.

Para tanto, será traçado um breve panorama histórico do Jornalismo Cultural no Brasil,

tendo como foco o jornal O Estado de S. Paulo. Ao recontar a história do jornal, desde

1875 até os dias de hoje, veremos qual foi o espaço dedicado à cultura em sua história,

levando em conta a produção cultural de outros impressos. O destaque, no entanto, será

dado para o Caderno 2, que figura nesta dissertação, como um breve estudo de caso.

A presente pesquisa também pretende apontar outros caminhos possíveis para o

Jornalismo Cultural, que fogem da lógica da agenda, da Indústria Cultural e do

entretenimento; utilizando como exemplo o programa semanal Paratodos, da TV Brasil.

Autores como Cremilda Medina, Edgar Morin, Michel Maffesoli, entre outros,

dialogam sobre o tema.

Coloca-se no centro da página a Cultura com inicial maiúscula – com todos os

significados e possibilidades que ela abre. Assim, se fez necessário compreender o que é

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cultura. A dissertação, dentro de suas possibilidades, pretende dar conta de sua acepção,

sua evolução histórica e de suas características gerais dentro do que se convencionou

chamar de Modernidade e de Pós-modernidade, no mundo e no Brasil. David Harvey,

Gilles Lipovetsky, Raymond Williams, Sigmund Freud, Alfredo Bosi, Renato Ortiz,

Jorge Schwarz, E. H. Gombrich, além de outros, são fundamentais para essa discussão.

Outro ponto importante ressaltado na pesquisa é o impacto da revolução

tecnológica na contemporaneidade. A Pós-modernidade acarretou uma revolução no

comportamento do indivíduo e da sociedade, em todas as esferas, como a política,

econômica, social, ambiental, tecnológica e cultural. Mas, de modo geral, ainda

tomamos conhecimento dessas transformações apenas superficialmente. Para

compreendermos o Jornalismo Cultural hoje produzido no Brasil, se faz necessário

termos uma noção dos impactos provocados pela Pós-modernidade. A pesquisa cuidará

de deixar claro o que esta autora está chamando de Modernidade e, também, de Pós-

modernidade. No campo da comunicação tal como no da cultura, essas mudanças ainda

parecem ocorrer de formas descompassadas. Sem compreender de que forma a Pós-

modernidade transformou a cultura e a comunicação, se torna difícil, e quase inócuo,

refletir sobre os significados e as possibilidades do Jornalismo Cultural na atualidade.

Mesmo diante das novas possibilidades tecnológicas que o mundo digital

oferece (suportes, plataformas, aplicativos, redes sociais etc.), que já acarretam

mudanças na dinâmica de toda mídia (televisão, jornal, rádio e revista) e transformações

evidentes no comportamento da sociedade, a revolução ainda só se dá de fato no

universo tecnológico, quase não resvala para o terreno dos conteúdos e do

conhecimento.

Em pleno século XXI, o jornalismo continua preso ao modelo positivista, seja na

forma como transmite a informação, seja na produção do seu conteúdo. Só que com um

agravante: a velocidade e a quantidade de informações produzidas é infinitamente

maior. Não importa a mídia, o conteúdo e o formato são quase sempre os mesmos,

respeitando a mesma tríade: violência/morte + economia/política +

esporte/entretenimento. Pouco espaço existe para outras formas de conteúdo, que falem

do homem e de sua complexidade no ambiente da cultura.

Isso se agrava diante da crise econômica que o jornalismo atravessa devido ao

crescimento das mídias digitais. As redações esvaziam-se. São extintos cadernos

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culturais como O Sabático, do jornal O Estado de S. Paulo, e veículos como a revista

Bravo1.

Jogado para o escanteio, o Jornalismo Cultural, por sua vez, também continua a

seguir a mesma lógica da ordem científica de matriz positivista, mas com um

ingrediente específico, no que diz respeito ao seu conteúdo: mantém-se preso aos

ditames da Indústria Cultural e do entretenimento. Geralmente, as editorias de cultura

apresentam reportagens, entrevistas, anlises e notas calcadas em agendas ou ligadas à

divulgação de um produto cultural, subordinadas à lógica da Indústria Cultural de massa

e de entretenimento, sem levar muito em conta a amplitude, diversidade e riqueza do

tema. Os subtítulos revelam esse tipo de tratamento: “Estreia hoje o filme do diretor

dinamarquês, O escritor paulistano publica novo romance, Cantor pop lança disco e faz

uma série de shows”. O que vemos nos cadernos de cultura é a cultura enlatada como

um fim em si mesmo, um bem programado para ser consumido e rapidamente

substituído por outro igual. Histórias sem profundidade e pouco conectadas com a

multiplicidade e complexidade de sentidos que a cultura oferece.

O problema principal que esta pesquisa quer investigar é a ausência de um

Jornalismo Cultural compreensivo e complexo, atento às mudanças contemporâneas de

seu objeto: a cultura. Ora, por que a cultura – que carrega em sua essência o afeto, a

imaginação, a criação, a transformação, a diversidade, a liberdade, a cidadania – é

usualmente abordada pelos meios de comunicação apenas sob uma lógica científica e

econômica, quando não cientificista e economicista?

Essa possível e necessária mudança epistemológica dentro do jornalismo deve

acontecer, justamente, no âmbito da cultura e do Jornalismo Cultural, pois é no rico

contexto da cultura que conseguimos falar de complexidade humana, afeto,

solidariedade, de cidadania. Esta pode ser considerada a grande hipótese que move toda

esta pesquisa.

O desafio da contemporaneidade é também o desafio da complexidade. Por

“complexidade” entendemos aqui o que defende Morin no conjunto de sua obra:

sentidos que se tecem em conjunto, um pensamento inclusivo, compreensivo, dialógico

em relação aos diferentes saberes, experiências, sabedorias.

1 A Revista Bravo foi criada pelo cientista político Luiz Felipe d’Avila, em 1997, para tratar dos diversos

campos da cultura. A revista foi referência no campo do Jornalismo Cultural até ser editada pela Editora

Abril. Em 2013, a Bravo encerrou suas atividades.

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Quando, no parágrafo anterior, se usa o termo “compreensivo”, o entendimento

é o do Grupo de “Pesquisa Comunicação, Jornalismo e Epistemologia da

Compreensão”. Um pensamento compreensivo (KÜNSCH, 2008) renuncia à ideia fixa

de certezas e de verdades, ao dualismo, ao jogo fácil do certo e do errado, para pensar o

conhecimento como construção social de sentidos, como diálogo entre distintos

conhecimentos e saberes, como inclusão – razão pela qual os termos complexidade e

compreensão muito se aproximam nos diversos trabalhos gerados no interior desse

Grupo de Pesquisa, incluindo algumas dissertações de Mestrado.

O presente estudo não pretende dar conta de um levantamento detalhado do

Jornalismo Cultural, hoje, no Brasil. Para abordar como a mídia concebe e realiza suas

escolhas editoriais no campo da cultura, elegeu-se, como estudo de caso, o jornal O

Estado de S. Paulo, particularmente o Caderno 2, concentrando a analise nas edições

dominicais de agosto de 2014. Foram examinadas todas as reportagens, matérias,

notícias, notas, entrevistas publicadas aos domingos nesse mês. Para uma investigação

mais aprofundada, foram selecionados quatro textos que estão indexados no anexo desta

dissertação.

A escolha de analisar o Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo não foi

aleatória. O Estado é um dos jornais com maior circulação em São Paulo. Segundo o

Instituto Verificador de Circulação (IVC), em 2014, o jornal saiu com uma média de

169 mil exemplares diários em abril, se consolidando como o líder em circulação no

Estado de São Paulo. A Folha de S.Paulo, principal concorrente, teve no mesmo

período, a circulação média diária de 133 mil exemplares2. Na comparação nacional, O

Estado de S. Paulo circulou com uma média diária de 237.901 exemplares e ficou atrás

da Folha, que saiu com 351.745 exemplares na média diária3. Diante da projeção do

jornal O Estado de S. Paulo, tanto em São Paulo como no Brasil, fica evidente a

importância do diário como exemplo de jornalismo praticado.

Para apontar outros caminhos possíveis para o Jornalismo Cultural, que fogem à

lógica da agenda, da indústria cultural e do entretenimento, a pesquisa recorda, de

maneira geral, duas reportagens – Projeto Azu e Extramuros – produzidas para a revista

semanal Paratodos, da TV Brasil, televisão pública nacional. Criado em 2009, o

Paratodos é um programa de meia hora, exibido aos sábados, que foca a cultura

popular, de periferia e desconhecida do grande público.

2 Disponível em <http://goo.gl/MG9lTL>. Acessado em 20/06/2015.

3 Disponível em <http://goo.gl/ipoGUH>. Acessado em 20/06/2015.

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No campo específico do estudo sobre a cultura, ou seja, para compreender a

cultura em sua acepção, evolução histórica e características gerais dentro da

Modernidade e da Pós-modernidade, trabalha-se basicamente com as concepções de

David Harvey, Gilles Lipovetsky, Raymond Willian, Terry Eagleton, Sigmund Freud,

Alfredo Bosi, Renato Janine Ribeiro e E. H. Gombrich.

O primeiro capítulo da pesquisa consiste, assim, em apresentar algumas

reflexões sobre o que se entende por cultura: sua acepção, evolução histórica e

características gerais na Modernidade e na Pós-modernidade. E tenta, por sua vez, dar

conta da seguinte pergunta: o que é cultura? Alguns autores como Renato Janine

Ribeiro, Alfredo Bosi, Raymond Williams, David Harvey, Gilles Lipovetsky, Adorno,

Gombrich, Mario Vargas Llosa, entre outros, dialogam sobre essa questão, auxiliando

na compreensão do tema.

Renato Janine Ribeiro, em Filosofia e Cultura (2011), contribui com a defesa da

cultura como espaço da experiência, liberdade e cidadania. Para compreender a acepção

de cultura, usaremos diversos autores, com destaque para três deles: Alfredo Bosi, em

Dialética da Colonização (2013); Terry Eagleton, em A ideia de cultura (2013); e

Raymond Williams, em Cultura e sociedade (1958). Para falar da evolução histórica da

cultura e suas características gerais dentro da Modernidade e da Pós-modernidade,

Gilles Lipovetsky, em A Cultura-Mundo (2013), entra com as três etapas da cultura na

história da humanidade: 1ª etapa – ligada à religião; 2ª etapa – a modernidade; e 3ª etapa

– a pós-modernidade. David Harvey, em A Condição Pós-moderna (2013), contribui

com o detalhamento da passagem da modernidade cultural para a pós-modernidade

cultural. E.H. Gombrich, também exemplifica essas modificações no campo das artes

plásticas, em A história da Arte (1999).

O segundo capítulo segue com a pesquisa sobre a cultura (acepção, evolução

histórica, características gerais etc.), só que centrada no contexto brasileiro.

Diferentemente do primeiro capítulo, este pretende apresentar características gerais da

cultura no Brasil, pincelando alguns momentos históricos, como, por exemplo, o

Modernismo e a ditadura. Para trazer essa discussão para o campo da cultura brasileira,

teremos alguns autores como apoio. Renato Ortiz, em Cultura brasileira e identidade

nacional (1985) é quem cria o norte do capítulo propondo de que forma se dá a

construção da identidade nacional e da cultura brasileira. Jorge Schwartz, em Da

Antropofagia a Brasília (2002), dá o caminho das pedras sobre a trajetória do

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Modernismo entre nós, tomando como baliza inicial a Semana de Arte Moderna de

1922 e, como auge, a construção do plano de Brasília.

O terceiro capítulo pretende traçar um panorama histórico geral do Jornalismo

Cultural praticado no jornal O Estado de S. Paulo, mostrando a evolução histórica

dentro do impresso: os rodapés literários, os suplementos de cultura e, por fim, os

cadernos de cultura. Mas o destaque será dado à produção específica do Caderno 2

durante o mês de agosto de 2014. Neste, investigaremos de que forma o Caderno 2

concebe e realiza suas escolhas editorais. Por se tratar de um caderno diário, decidiu-se

reduzir o escopo de informações a serem investigadas. Foram analisadas todas as

reportagens, matérias, notícias, crônicas, notas, entrevistas publicadas nos cinco

cadernos dominicais que circularam no mês de agosto de 2014.

O domingo foi escolhido porque, em tese, deveria ser o dia no qual o caderno

seria composto por textos reflexivos, permeado por reportagens extensas, entrevistas,

resenhas, além de artigos. O caderno de domingo é a edição da semana que mais se

aproxima do formato de uma revista semanal, pois, teoricamente possui um tempo de

elaboração maior e as reportagens publicadas, geralmente, são fechadas com

antecedência. Algo que não ocorre nas publicações durante a semana – que precisam

estar atentas ao factual e à agenda cultural. Historicamente, na imprensa brasileira, o

domingo era o dia no qual os suplementos de cultura circulavam. Afinal, é o dia em que

o público tem mais tempo para ler e enfrentar uma leitura mais densa, que exige do

leitor maior concentração.

Num primeiro momento, foi realizado um estudo quantitativo e descritivo sobre

as cinco edições dominicais, mostrando qual tipo de cultura atravessa o caderno. Num

segundo momento, uma análise interpretativa tentou dar conta de seu conteúdo: o que o

Caderno 2 está falando sobre cultura? Que conteúdos geralmente aparecem nesse

caderno?

Ainda nesse capítulo, o presente estudo pretende mostrar que há outros

caminhos possíveis para o Jornalismo Cultural, de forma complexa e compreensiva,

utilizando como exemplo duas reportagens do programa Paratodos, da TV Brasil. Na

visão desta pesquisadora, essas reportagens do programa analisadas no trabalho, fogem

à lógica da agenda, da indústria cultural e do entretenimento. Foram escolhidas as

reportagens: Extra Muros e Projeto Azu, de minha autoria. Como produtora desse

conteúdo, a interpretação será, mais do que qualquer coisa, um ensaio, destacando as

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minhas escolhas editoriais e de conteúdo para, assim, tentar delinear o que se

compreende aqui como outras vias para o Jornalismo Cultural.

No campo do estudo sobre a reportagem será usada como ponto de partida da

obra A arte de tecer o presente: narrativa e cotidiano (2003), de Cremilda Medina. Para

iluminar distintos aspectos da reportagem (questões como complexidade, compreensão,

histórias humanas etc.), além dos autores já citados, serão usadas, inicialmente, as

obras: A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento (2003), de

Edgar Morin; Introdução a uma ciência pós-moderna (1989) e A filosofia à venda, a

douta ignorância e a aposta de Pascal (2008), de Boaventura de Sousa Santos; O

conhecimento comum (1985), de Michel Maffesoli; Dialética do esclarecimento (2006),

de Theodor Adorno e Max Horkheimer; Mágica e Técnica, Arte e Política (1985), de

Walter Benjamin; A cultura-mundo (2013), de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy;

Civilização do espetáculo (2012), de Mario Vargas Llosa; A cultura no mundo líquido

moderno (2011), de Zygmunt Bauman.

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CAPÍTULO 1

UMA CONSTELAÇÃO DE CULTURAS

Quando se fala sobre cultura na contemporaneidade, as reflexões que despontam

apresentam sentimentos dos mais diversos. Ora violentos e catastróficos, ora

apaixonados e otimistas. De qualquer forma, há um sentimento comum, recorrente, nas

interpretações dos grandes intelectuais do século XXI: o da desorientação. Pode-se

também acrescentar a estupefação e a incerteza. Ninguém sabe, ao certo, o que é cultura

hoje ou o que será dela em breve. O historiador Eric Hobsbawn desabafa em Tempos

fraturados: cultura e sociedade no século XX:

Já não compreendemos o atual dilúvio criativo que inunda o globo de

imagens, sons e palavras, nem sabemos lidar com ele, dilúvio que quase

certamente se tornará incontrolável tanto no espaço como no ciberespaço

(HOBSBAWN, 2013, p. 15).

Hobsbawn se refere a uma época da história que perdeu o rumo e, que nos

primeiros anos do novo milênio, aguarda desgovernada e desorientada um futuro

irreconhecível.

Estamos perdidos no meio de tantas solicitações, informações e publicidades que

clamam por sua porção de cultura, que fica no ar a pergunta: como compreender a

cultura hoje? É o filme norte-americano em cartaz em 200 salas do Cinemark? Ou ainda

o best-seller 50 tons de cinza?

A contemporaneidade ou pós-modernidade é marcada por uma constelação de

culturas. Se por um lado, os contornos nítidos entre alta cultura / baixa cultura, cultura

antropológica / cultura estética, cultura material / cultura ideológica desapareceram; por

outro lado, uma constelação de culturas emerge: cultura de mercado, cultura de massa,

cultura de marca, cultura midiática, cultura de redes, cultura tecnológica, cultura do

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indivíduo, cultura de entretenimento, cultura periférica, cultura da moda, cultura dos

jovens, etc.

O século XXI inaugura um mundo com a ênfase nas novas tecnologias e seu

desdobramento virtual. O impacto tecnológico já é amplamente discutido e, claramente

sentido, em todas as esferas da sociedade. No que diz respeito à cultura, a combinação

de novas tecnologias e o consumo de massa criou um cenário cultural mercantil. Há

uma mercantilização da cultura e, ao mesmo tempo, uma culturalização das

mercadorias. Hoje cultura virou sinônimo de consumo. Ser culto é ser consumidor. As

trocas entre os indivíduos assumem, de certa forma, esse caráter de relação mercantil. E

a oferta de produtos culturais jamais obteve, ao longo de sua história, essa magnitude.

Obras padronizadas, alienantes, efêmeras e perecíveis, feitas para serem consumidas e

descartadas, movidas pelo “eterno retorno” da novidade. São milhares de livros, filmes

e músicas que proliferam diariamente num mercado globalizado.

Como enfatiza Zygmunt Bauman em A cultura no mundo líquido moderno:

A cultura hoje se assemelha a uma das seções de um mundo moldado como

uma gigantesca loja de departamentos em que vivem, acima de tudo, pessoas

transformadas em consumidores. Tal como nas outras seções dessa megastore,

as prateleiras estão lotadas de atrações trocadas todos os dias, e os balcões são

enfeitados com as últimas promoções, as quais irão desaparecer tão

instantaneamente quanto as novidades em processo de envelhecimento que eles

anunciam. (...) Em suma, a cultura na modernidade líquida não tem um

“populacho” a ser esclarecido e dignificado; tem, contudo, clientes a seduzir. A

sedução, em contraste com o esclarecimento e a dignificação, não é uma tarefa

única, que um dia se completa, mas uma atividade com o fim em aberto

(BAUMAN, 2013, p.21).

Diante dessa abundância de produtos, da estimulação hedonista e do

enfraquecimento de controles coletivos, o indivíduo se encontra desorientado e perdido;

sem armas necessárias para compreender o mundo em que vive; o que é e o que não é

cultura. O sentimento de desorientação acompanha a cultura na contemporaneidade,

como lembra Bauman:

Hoje a cultura consiste em ofertas, e não em proibições; em proposições, não em

normas. (...) Se há uma coisa que a cultura para a qual a cultura hoje desempenha o

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papel de homeostato, esta não é a conservação da atual, mas a poderosa demanda

por mudança (embora, ao contrário da fase iluminista, se trate de uma mudança sem

direção, ou sem um rumo estabelecido de antemão). Seria possível dizer que ela

serve nem tanto às estratificações e divisões da sociedade, mas a um mercado de

consumo orientado para a rotatividade (BAUMAN, 2013, p.18).

Talvez essa seja a chave para enfrentarmos esse descompasso. De nada adianta

vociferar apenas contra o consumo, o mercado, a indústria, etc., mas, talvez, um

caminho possível para reencontrarmos o norte seja justamente buscar a compreensão e

resgatar a complexidade que a palavra cultura carrega.

1.1. Cultura como o espaço da liberdade

Não desprezem a sensibilidade de ninguém. A sensibilidade de cada um é o

seu gênio (BAUDELAIRE, 1973, p. 340).

Falar em liberdade é, principalmente, falar sobre o sujeito. Mas, na realidade,

pode-se pensar em liberdade sobre diversos prismas: biológico, psicológico, social,

político, econômico, etc. O tema da liberdade4 foi explorado profundamente pela a

filosofia desde a Antiguidade até os dias de hoje. Não é o que se pretende neste

momento. Aqui, pensaremos a liberdade sobre a ótica cultural: a cultura como o espaço

da liberdade.

No artigo A cultura liberta, o filósofo e Ex-ministro da Educação (entre abril e

setembro de 2015), Renato Janine Ribeiro, correlaciona cultura e experiência. Na base

de seu pensamento, a cultura é transformadora quando vivenciada pelo sujeito. É a

experiência, no sentido de ser uma obra aberta, algo que desperta a criatividade5 e o

fazer dentro do sujeito: “ Gosto dessa ideia de cultura abrindo uma experiência cultural

que amplia os horizontes das pessoas. Isso lhes proporciona mais liberdade” (RIBEIRO,

2011, p. 465).

4 Segundo Kant (Dicionário Houaiss), liberdade é a potencialidade de escolha autônoma, independente de

quaisquer condições e limites, por meio da qual o ser humano realiza a plena autodeterminação,

constituindo a si mesmo e ao mundo que o cerca. 5 Segundo o Dicionário Houaiss, criatividade é inventividade, inteligência e talento, natos ou adquiridos,

para criar, inventar, inovar, quer no campo artístico, quer no científico, esportivo etc. // imaginar,

inventar, produzir (algo original, novo ou de cunho científico, utilitário).

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Cultura como transformação e liberdade. Renato Janine enfatiza que não importa

tanto a qualidade da obra cultural em questão para vivenciar uma experiência

transformadora:

Isso não quer dizer que a obra cultural que abre mais horizontes seja

necessariamente a melhor, seja uma obra do cânone, a mais conhecida, mais

famosa. Para uma pessoa, o que pode abrir o espírito pode ser uma obra não tão

boa, mas que, naquele momento, a sensibiliza de tal maneira que provoca uma

mudança (RIBEIRO, 2011, p. 465).

Podemos intuir que o autor esteja também agregando o sentido da igualdade6 ao

da liberdade. Sempre houve, porém, a questão da cultura estar cindida entre classes; a

alta e a baixa, desde a Idade Média até a Modernidade. Há o espaço culto e erudito – as

salas de concerto, de teatro, as galerias –, onde a classe alta desfruta da experiência, e o

espaço popular – essencialmente a rua, os concertos ao ar livre, o circo, o teatro

mambembe, etc. - que a classe baixa pode frequentar, devido a sua condição menos

abastada.

Hoje é possível perceber que esta cisão já não é mais tão nítida. Os espaços

cultos estão mais democráticos. Só para citar um exemplo, a Orquestra Sinfônica do

Estado de São Paulo, OSESP, realiza concertos gratuitos em sua sede na Sala São

Paulo, no centro da capital paulista.

O ponto essencial que Renato Janine Ribeiro denota é que, mesmo com a

distinção entre classes, a cultura pode ser o espaço da criatividade, da igualdade e da

liberdade para qualquer indivíduo. É por isso que a experiência cultural independe do

seu valor formal estético: “A cultura é importante na medida em que abre horizontes

para as pessoas” (RIBEIRO, 2011, p. 466).

Ela fornece estilos de sentimento e pensamento que ampliam as possibilidades

de escolha e, logo, aumentam a possibilidade de liberdade.

Para exemplificar a ideia de cultura como o espaço da liberdade e da

transformação, basta pensar na atuação de ONGS que utilizam a cultura como

construção de cidadania. Exemplo conhecido, porém funcional, é do Instituto

6 Segundo o Dic. Houassis, igualdade é princípio segundo o qual todos os homens são submetidos à lei e

gozam dos mesmos direitos e obrigações.

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Baccarelli7, uma associação civil sem fins lucrativos, que atende mais de 1300 crianças

e jovens em programas socioculturais que oferecem formação musical e artística de alto

nível. Os cursos acabam por “abrir horizontes para esses jovens”, ampliando as escolhas

que representam oportunidades de profissionalização na música. É em Heliópolis, uma

das maiores favelas da cidade de São Paulo8 que o Instituto tem sua sede e atua desde

1996.

Ali acontecem aulas individuais e em grupos, de teoria e técnica; além de prática

de conjunto em orquestras, corais e grupos de câmara. E os alunos podem ir da

musicalização à especialização. Muitas crianças e adolescentes tiveram a liberdade de

atuação ampliada através das experiências culturais que o Instituto Bacarrelli oferece. E

muitos deles escolheram o caminho da música como transformação social.

Fernando Venturelli é um deles. Com 14 anos iniciou seus estudos no Instituto.

E, depois de quatro anos em Heliópolis, foi convidado a participar de um concurso

realizado pela Associação dos Artistas Internacionais, no Carnegie Hall, de Nova York,

do qual saiu vencedor. Ele era o único músico brasileiro disputando o prêmio. De fato, a

experiência do Baccarelli ampliou de forma extraordinária o horizonte desse jovem.

Evidentemente, nem todos os adolescentes que passaram ou passarão pelo o Instituto

Baccarelli terão a mesma vocação de Fernando Venturelli.

Para estes, a cultura como educação abre portas e cria outros caminhos como a

criatividade. Tal como afirma Renato Janine Ribeiro:

A cultura pode ajudar muito, porque lida com a criação. Quando exercitamos

a nossa criatividade – seja desenhando, cantando, filmando, etc. -, temos

maior facilidade para encontrar saídas para situações que consideramos

adversas” (RIBEIRO, 2011, p. 468).

Na mesma direção, Marx aponta para a criatividade como dimensão essencial da

própria condição humana. Como lembra Gerd Bornheim, no artigo As medidas da

liberdade, que faz parte do livro Ética, organizado por Adauto Novaes:

7 Um dos fundadores e mantenedores do Instituto Baccareli foi o empresário Antônio Ermírio de Moraes

(1928 -2014) que chegou a escrever uma peça chamada “Acorda Brasil”, criticando a educação no país e

contando a história da orquestra e do Instituto, considerados por ele uma alternativa na formação de

crianças e jovens. A peça virou o filme “Acorda Brasil”, 2014, com o ator Lázaro Ramos, produzido pela

Gullane Filmes. 8 Heliópolis possui aproximadamente 1 milhão de metros quadrados, localizada ao sul do município de

São Paulo, região do Sacomã, a 25 Km do centro da cidade. Segundo pesquisa da UNAS (União de

Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis) de 2013, vivem na região cerca de 200 mil

habitantes.

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Marx diz em algum lugar que todo operário deveria ser um artista.

Evidentemente, mas nem tanto, a afirmação não pretende que todo o

trabalhador deva dedicar-se à arte de tocar o violino. O que está em causa,

parece-me, é bem outra coisa, que nem é muito mais importante: a

essencialidade é a mesma, e tudo se concentra no desenvolvimento da

criatividade, não somente do trabalhador, mas de toda pessoa inserida em seu

contexto social (Borhheim, 2002:54).

Ainda que Instituto Bacarreli não transforme esses jovens, em situação de

vulnerabilidade social, em exímios músicos aptos para tocar nas Orquestras mais

renomadas do mundo; a experiência cultural provida neste espaço oferece bagagem,

conhecimento e armas para enfrentar as adversidades da vida em sociedade. E cria

condições para a liberdade de escolha.

A relação da cultura com a democracia é curiosa porque é uma relação de mão

dupla. Por um lado, para que a população tenha acesso à cultura, é preciso que

haja democracia. A cultura é um dos principais alimentos da democracia.

Pessoas incultas terão dificuldades para encontrar seus caminhos, tanto

políticos como pessoais. A cultura faz crescer as pessoas. (RIBEIRO, 2011, p.

473).

A cultura tem, em sua essência, a potência necessária para transformar as

pessoas. No final de seu artigo, o autor enfatiza mais uma vez, a importância da cultura

como construção de cidadania e justiça social:

Acredito que a cultura pode ajudar muito o Brasil a construir uma sociedade

melhor. (...) Cada um de nós vai compor isso (a vida) mais ou menos a seu

gosto e dentro de suas possibilidades. Nossa época exige muito mais

criatividade do que as anteriores. Tudo o que consiga ligar criatividade, que é

a praia da cultura, com justiça social e, portanto, redução da desigualdade,

redução do sofrimento humano, é algo que tem e precisa ter futuro

(RIBEIRO, 2011, p. 484).

1.2. Noção de cultura

Sigmund Freud escreveu O Mal-Estar na Civilização, em 1929, onde aponta e

relaciona, em linhas gerais, os conflitos entre o indivíduo e a sociedade e, a evolução da

cultura. Mesmo tratando-se de uma teoria psicanalítica, O Mal-Estar na Civilização

(2011) serviu de arcabouço para diversos trabalhos teóricos de intelectuais e filósofos

dos séculos XX e XXI. Encontramos ecos em obras como A Sociedade da Decepção de

Gilles Lipovetsky, A Cultura-Mundo (2013) de Lipovetsky e Jean Serroy, A Civilização

do Espetáculo (2012), de Mario Vargas Llosa e A Condição Pós-Moderna (2013). Com

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as quais iremos trabalhar. Para explicar a evolução da cultura na civilização, Freud

escreve a seguinte frase, com a qual gostaria de começar:

“A fome e o amor” sustentam a máquina do mundo, forneceu-me o ponto de partida.

A fome poderia representar os instintos que querem manter o ser individual,

enquanto o amor procura pelos objetos; sua função principal, favorecida de toda

maneira pela natureza, é a conservação da espécie (FREUD, 2011, p.63).

Esse é o ponto de partida da dissertação e, talvez, tenha sido também o princípio

da humanidade. Há cerca de onze mil anos, na alvorada da agricultura, quando os povos

abandonavam gradualmente a caça e a coleta por uma vida fixa, baseada no cultivo da

terra, houve uma transformação profunda na sociedade. Com a vida mais estabilizada,

nossos ancestrais tiveram tempo, ocioso, para refletir e criar. Havia um povo chamado

Natufianos, que habitavam uma região onde agora estão Israel, os territórios palestinos,

o Líbano e a Síria (além de toda a violência desmedida). E foi dentro de uma caverna,

no deserto da Judeia, próximo a Belém, que dois arqueólogos encontraram uma pequena

escultura conhecida como a Estatueta dos amantes de Ain Sakhri.

A escultura encanta pela delicadeza do enlace entre os dois amantes. Mais do

que isso, diz respeito à predisposição, na origem do homem, de sua necessidade de

pensar e criar. O ócio primordial foi essencial para desenvolver novas relações sociais,

para contemplar as mudanças da vida e, para criar arte. A ternura das figuras abraçadas

não sugere, simbolicamente falando, apenas uma potência reprodutiva ou a ideia de

fertilidade da natureza, mas, também, o amor – ou algo que podemos denominar de

sentimento. Os homens na alvorada da agricultura se fixaram em um espaço,

começaram a cultivar a terra, a família e o amor. A Estatueta dos amantes de Ain Sakhri

fala como documento dessa sociedade em profunda transformação, mas também como

obra de arte. Eis o princípio de cultura.

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Figura 1 - Estatueta dos amantes de Ain Sakhri, 9000 A.C, Acervo British Museum.

O conceito de cultura, etimologicamente falando, é um conceito derivado do de

natureza. Um de seus significados originais é a lavoura ou cultivo agrícola, ou ainda, o

cultivo de algo que cresce naturalmente.

Em Dialética da Colonização (1992), Alfredo Bosi, lembra que colônia, culto e

cultura derivam do mesmo verbo latino: colo, que significou eu moro, eu ocupo a terra,

eu cultivo o campo. Cultura, nesse sentido, significa uma atividade completamente

material. Demorou muito tempo até que a palavra viesse a denotar questões do espírito.

A raiz latina da palavra cultura é colere; e pode significar muitas coisas, desde cultivar,

habitar, adorar e proteger. Mas colere também desembocou em cultus, que como

explica Bosi: “É sinal de que a sociedade que produziu o seu alimento já tem memória.

(...) Não apenas o trato da terra como também o culto dos mortos, forma primeira de

religião como lembrança” (BOSI, 1992, p. 13).

Para o teórico inglês Terry Eagleton, em A ideia de cultura (2003), essa

mudança no sentido etimológico da palavra cultura denota efetivamente uma mudança

histórica da humanidade:

A palavra, assim, mapeia em seu desdobramento semântico a mudança

histórica da humanidade da existência rural para a urbana, da criação de porcos

a Picasso, do lavrar o solo à divisão do átomo. (...) Se a palavra “cultura”

guarda em si os resquícios de uma transição histórica de grande importância,

ela também codifica várias questões filosóficas fundamentais. Neste único

termo, entram indistintamente em foco questões de liberdade e determinismo, o

fazer e o sofrer, mudança e identidade, o dado e o criado. Se cultura significa

cultivo, um cuidar, que é ativo, daquilo que cresce naturalmente, o termo

sugere uma dialética entre o artificial e o natural, entre o que fazemos ao

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mundo e o que o mundo nos faz. É uma noção “realista”, no sentido

epistemológico, já que implica a existência de uma natureza ou matéria prima

além de nós; mas também uma dimensão construtivista, já que essa matéria

prima precisa ser elaborada numa forma humanamente significativa. Assim

trata-se menos de uma questão de desconstruir a oposição entre cultura e

natureza do que de reconhecer que o termo cultura já é uma desconstrução

(EAGLETON, 2003, p. 10,11).

Eagleton fala de uma dialética entre natureza e cultura, entre “o cru e cozido” de

Lévi-Strauss9. O conceito cunhado pelo antropólogo francês diz respeito à existência de

uma “unidade profunda” da mitologia ameríndia. Em Minhas Palavras (1986), Lévi-

Strauss diz: “Os mitos selecionados referiam-se direta ou indiretamente à invenção do

fogo e, portanto, da cozinha, enquanto símbolo, da passagem da natureza à cultura”

(LEVI-STRAUSS, 1986, p.51). Ou ainda poder-se-ia dizer que essa dialética entre

natureza e cultura diz respeito ao “crescer e fazer” e ao “o orgânico e o mecânico”.

Partindo desse conflito, encontramos a dimensão simbólica da realidade – que advêm

dessa capacidade peculiar à espécie humana de criar símbolos – conceito central da

Antropologia. O termo “cultura” foi cunhado pela primeira vez, dentro da Antropologia,

por Edward B. Taylor, na clássica obra Primitive Culture10

(1871, p. 1):

Cultura é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral,

lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo ser

humano como um membro da sociedade”. Ou seja, a cultura pode ser resumida

como esse complexo simbólico de valores, conhecimentos, costumes, crenças e

práticas que constituem o modo de vida de um grupo específico.

Porém, o conceito de cultura gerou discussões acaloradas nos últimos 100 anos,

sem muito consenso. Não é o intuito desta pesquisa adentrar na discussão. Pelo

contrário, apenas destacaremos algumas outras concepções, sob o viés antropológico,

que contribuem para aquilo que aqui se compreende como cultura. Depois de Taylor, há

contribuição do antropólogo norte-americano Leslie White que especifica a relação

entre a cultura e a capacidade do homem de gerar símbolos:

Todo comportamento humano se origina no uso de símbolos. Foi o símbolo

que transformou nossos ancestrais antropoides em homens e fê-los humanos.

Todas as civilizações se espalharam e perpetuaram somente pelo uso de

símbolos. Toda cultura depende de símbolos. É o exercício da faculdade de

simbolização que cria a cultura e o uso de símbolos que torna possível a sua

perpetuação. Sem o símbolo não haveria cultura, e o homem seria apenas

animal, não um ser humano. O comportamento humano é o comportamento

9 “O Cru e o cozido” é um ensaio de Claude Lévi-Strauss, que faz parte do livro Mitológicas.

10 Disponível em <https://goo.gl/8IEZdF>. Acessado em 10/01/2015.

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simbólico. Uma criança do gênero Homo torna-se humana somente quando é

introduzida e participa da ordem de fenômenos super orgânicos que é a cultura.

E a chave deste mundo, e o meio de participação nele, é o símbolo (White apud

LARAIA, 2013, p. 55).

O antropólogo argentino Nestor García Canclini, em As culturas populares no

capitalismo (1982), reforça ainda a importância dessa dimensão simbólica dentro do

sistema social:

Preferimos restringir o uso do termo cultura para a produção de fenômenos que

contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólica das estruturas

materiais, para a compreensão, reprodução ou transformação do sistema social,

ou seja, a cultura diz respeito a todas as práticas e instituições dedicadas à

administração, renovação e reestruturação do sentido. (...) A cultura não apenas

representa a sociedade; cumpre também, dentro das necessidades de produção

do sentido, a função de reelaborar as estruturas sociais e imaginar outras novas.

Além de representar as relações de produção, contribui para a sua

representação, transformação e para a criação de outras relações (CANCLINI,

1982, p. 29).

O teórico galês Raymond Williams (1921-1988) foi um dos principais nomes na

crítica cultural da “New Left” inglesa do pós-guerra. Na obra Cultura e Sociedade

1780-1950, publicado em 1958, o autor tenta demonstrar como se deu o

desenvolvimento do conceito cultura até a ocasião de sua publicação; sinalizando que

“cultura é um processo”. Talvez, uma de suas maiores contribuições tenha sido a de

elencar as mudanças de sentido que a palavra cultura sofreu ao longo da história da

humanidade. Raymond apresenta quatro significados distintos de cultura: “como uma

disposição mental individual; como o estado de desenvolvimento intelectual de toda

uma sociedade; como as artes; e como o modo de vida total de um grupo de pessoas”

(WILLIAMS, 1969, p. 16).

Para exemplificar melhor estes quatro significados distintos de cultura,

utilizaremos os conceitos de Terry Eagleton (2003, p. 15), que foi aluno de Raymond.

Sobre cultura como uma disposição mental individual, Eagleton diz:

Uma vez que a cultura seja entendida como autocultura, ela postula uma

dualidade entre faculdades superiores e inferiores, vontade e desejo, razão e

paixão, dualidade que ela, então, propõe-se imediatamente a superar. Como

cultura, a palavra natureza significa tanto o que está a nossa volta como o que

está dentro de nós (...). A cultura, assim, é uma questão de auto superação

tanto quanto de auto realização. Se ela celebra o eu, ao mesmo tempo

também o disciplina, estética e asceticamente. A natureza humana não é o

mesmo que uma plantação de beterrabas, mas, como uma plantação, precisa

ser cultivada – de modo que, assim como a palavra cultura nos transfere do

natural para o espiritual, também sugere uma afinidade entre eles.

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Sobre o estado de desenvolvimento intelectual de toda uma sociedade, que

também pode ser compreendido como a relação entre a cultura e a sociedade, o filósofo

britânico compreende:

O que a cultura, faz, então, é destilar nossa humanidade comum a partir de

nossos eus políticos sectários, resgatando dos sentidos o espírito, arrebatando

do temporal o imutável, e arrancando da diversidade a unidade. Ela designa

uma espécie de autodivisão assim como uma autocura pela qual nossos eus

rebeldes e terrestres não são abolidos, mas refinados valendo-se de dentro por

uma espécie mais ideal de humanidade. (...) A cultura é uma forma de sujeito

universal agindo dentro de cada um de nós, exatamente como o Estado é a

presença do universal dentro do âmbito particularista da sociedade civil. (...)

É, assim, tanto pessoal como social: a cultura é uma questão do

desenvolvimento total e harmonioso da personalidade, mas ninguém pode

realizar isso isolado. Com efeito, é o despontar do reconhecimento de que

isso não é possível que ajuda a deslocar cultura de seu significado individual

para o social. A cultura exige certas condições sociais, e já que essas

condições sociais podem envolver o Estado, pode ser que ela também tenha

uma dimensão politica. A cultura vai de mãos dadas com o intercurso social

(EAGLETON, 2003, p. 18,21).

Para o autor, a cultura como arte representa uma gradual especialização estética:

“Cultura, nesse sentido, pode incluir atividade intelectual em geral (ciência, filosofia,

erudição etc.), ou ser ainda mais limitada a atividades supostamente mais imaginativas

como a música, a pintura e a literatura” (EAGLETON, 2003, p. 29).

Uma das questões mais caras à antropologia, cujo debate é moderno,

concentrado nos séculos XIX e XX, recai sobre a cultura como o modo de vida de um

grupo de pessoas. E esse modo de vida pode se referir sobre culturas de diferentes

nações e períodos, bem como sobre diferentes culturas sociais e econômicas dentro de

uma mesma nação. Eagleton afirma (2003, p. 43):

É com o desenvolvimento do colonialismo do século XIX que o significado

antropológico de cultura como um modo de vida singular começa a ganhar

terreno. E o modo de vida em questão é geralmente aquele dos incivilizados.

Como já vimos, cultura como civilidade é o oposto de barbarismo, mas

cultura como um modo de vida pode ser idêntica a ele. Herder11

, segundo

Geoffrey Hartman, foi o primeiro a usar a palavra cultura “no moderno

sentido de uma cultura de identidade: um modo de vida sociável, populista e

tradicional, caracterizado por uma qualidade que tudo permeia e faz uma

pessoa se sentir enraizada ou em casa”.

11

Johann Gottfried von Herder (1744 -1803) foi um filósofo e escritor alemão. Escreveu Idéias Para

Uma Filosofia da História da Humanidade (1784-91).

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A cultura não significa apenas uma narrativa grandiosa e unilinear da

humanidade em seu todo; mas uma diversidade de formas de vidas específicas: cada

uma com suas leis evolutivas próprias e peculiares.

Como veremos ao longo desse trabalho, o conceito de cultura é demasiado

complexo, um mosaico, em constante evolução histórica, aberto, ilimitado e poroso. Por

isso, em sua essência, é possível observar um leque infinito de proposições e conceitos;

uma sobreposição de sentidos - ora semelhantes, ora conflitantes que, em muitos

momentos, tornam a palavra cultura, para dizer no mínimo, contraditória e antagônica.

A cultura é um eterno espaço de negociação simbólica, de conflito, mas também de

compartilhamento e afeto.

Para além dos já citados, falta ainda um sentido de cultura importante, que

denota o seu caráter inconsciente e não planejável, algo que escapa a razão, ou como

Raymond Williams (1969, p. 334) afirma:

Uma cultura, enquanto está sendo vivida, é sempre em parte desconhecida,

em parte irrealizada. A construção de uma comunidade é sempre uma

exploração, pois a consciência não pode preceder a criação, e não existe

nenhuma fórmula para uma experiência desconhecida. Uma boa comunidade,

uma cultura viva, irá, por causa disso, não apenas dar espaço para, mas

encorajar ativamente, todo e qualquer um que possa contribuir para o avanço

em consciência que é a necessidade comum... Precisamos considerar com

toda a atenção qualquer afeto, qualquer valor, pois não conhecemos o futuro,

pode ser que jamais estejamos certos do que pode enriquecê-lo.

A cultura, para Williams, nunca pode ser trazida completamente para a

consciência. Se a cultura é alguma coisa constitutivamente ilimitada e aberta, não pode

ser totalizada. Para o crítico, a cultura é uma rede de significados e atividades

compartilhados jamais autoconscientes como um todo; mas crescendo em direção ao

“avanço da consciência”. Sobre o caráter não planejável da cultura, Williams

(1969:335) diz:

Temos que planejar o que pode ser planejado, segundo a nossa decisão

comum. Mas a ênfase da ideia de cultura está certa quando nos lembra que

uma cultura, essencialmente não é planejável. Temos que garantir os meios

de vida e os meios da comunidade. Mas o que depois será vivido através

desses meios não podemos saber ou dizer. A ideia de cultura está baseada

numa metáfora: o cultivo que cresce naturalmente. E com efeito, é no

crescimento, como metáfora e como fato, que a ênfase final deve ser

colocada.

Pensando em seu caráter aberto, ilimitado e também subjetivo, é possível

recordar a sugestão generalista de cultura criado pelo poeta norte-americano T.S. Eliot:

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“podemos até descrever a cultura simplesmente como aquilo que torna a vida digna de

ser vivida”. (ELIOT, 2013, p. 41). Terry Eagleton (2003) brinca com essa proposição de

Eliot e sugere que a cultura é, sobretudo, o lugar do afeto:

A cultura não é unicamente aquilo de que vivemos. Ela também é, em grande

medida, aquilo para o que vivemos. Afeto, relacionamento, memória,

parentesco, lugar, comunidade, satisfação emocional, prazer intelectual, um

sentido de significado último: tudo isso está mais próximo, para a maioria de

nós, do que cartas de direitos humanos ou tratados de comércio.

(EAGLETON, 2003, p. 184).

1.3. Evolução histórica da cultura

1.3.1. Cultura primitiva e religiosa: Antiguidade e Idade Média

Ao longo da história da humanidade, a ideia de cultura teve diversos significados

e formas. Mas é quase indiscutível que desde Antiguidade e as primeiras civilizações,

tais como os babilônios e os egípcios, até o processo da secularização que separou a

Igreja católica do Estado (séculos XIX-XVI), a cultura era uma conceito inseparável da

ideia de religião. É durante esse longo período que os filósofos franceses Gilles

Lipovetsky e Jean Serroy (2013) chamam da primeira etapa da cultura da humanidade.

Ela se identifica com o momento religioso tradicional da cultura, do qual as

sociedades ditas primitivas oferecem o modelo puro. (...) Neste, não se pode

distinguir nenhuma esfera cultural autônoma, o que chamamos de cultura

aparece junto com as relações clânicas, políticas, religiosas, mágicas ou

parentais. Em sua forma pura, selvagem ou mítica, a cultura é a ordenação

totalizante do mundo, aparece como um conjunto de classificações que

asseguram a correspondência ou a conversibilidade de todas as dimensões do

universo, astronômicas e geográficas, botânicas e zoológicas, técnicas e

religiosas, econômicas e sociais (LIPOVETSKY e SERROY, 2013:11-12).

Diversas tradições, valores intelectuais, morais, espirituais, artísticos surgiram,

evoluíram e ainda permanecem como importante patrimônio da cultura universal. Ainda

lembramo-nos de alguns elementos da cultura egípcia: os hieróglifos – primeiro sistema

de escrita –, o papiro, a diversidade de seus deuses – Osíris, Hathor, Horus, Anubis,

Shekmet, Bés –, o desenvolvimento da pintura com suas figuras de perfil, quase que

passadas a ferro.

Dos babilônios, também podemos recordar da incrível Cidade de Ur que, em

suas ruínas, os arqueólogos descobriram infinidades de tesouros culturais: harpas,

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tabuleiros de xadrez e placas de argila com o sistema de escrita dos babilônios, a

cuneiforme. Ali também foi descoberto o livro de leis mais antigo do mundo O Código

de Hamurabi. Os babilônios também possuíam grande conhecimento sobre a

matemática e a astronomia, foram eles que criaram a divisão da semana em sete dias.

Apenas para citar algumas culturas, pois não seria possível dar conta de todas as

civilizações antigas do mundo: fenícios, persas, macedônios, chineses, árabes, mongóis,

incas, maias, etc.

Dos gregos, a cultura ocidental bebeu muito em sua rica tradição. A mitologia

grega é bem conhecida, assim como a importância de sua arquitetura e escultura. Mas é

sempre bom recordar que foram os gregos que criaram a ideia de democracia, filosofia,

teatro e poesia.

O Império Romano (31 a.C – 476 d.C), mudou a configuração do mapa da

mundo em seu período com suas enormes conquistas territoriais – alcançando uma área

de cinco milhões de quilômetros quadrados, ao longo da Europa, Norte da África e

Oriente Médio. Mas os simples camponeses italianos, que se tornaram bravos

guerreiros, trouxeram outras contribuições para a cultura ocidental. Júlio César, por

exemplo, foi quem organizou o tempo da forma que conhecemos hoje; criando o

calendário Juliano com doze meses e anos bissextos.

Porém, o evento de maior relevância para a constituição da nossa ideia de

tradição de cultura ocorreu com a instauração do Cristianismo em 380 d.C. O seu

surgimento representou, grosso modo, o fim das religiões pagãs, até então, vigentes. E

foi durante a Idade Média que a Europa realmente vivenciou o florescimento e o

desenvolvimento da religião cristã como norte da cultura. Da Antiguidade a Idade

Média, o globo experimentou civilizações dominadas pelas religiões, em que o homem

conhecia o seu lugar, sem duvidar da ordem mágica do mundo.

1.3.2. A alvorada da Modernidade

Há, porém, questões não colocadas dentro desse esquema proposto por Gilles

Lipovetsky e Jean Serroy que devem ser ressaltadas aqui. Se por um lado, a proposta

dos autores tenta simplificar em linhas gerais o que determinou a primeira era da cultura

(o vínculo estrito entre religião e cultura), por outro lado, eles deixam de fora marcos

históricos, personagens e aspectos deste longo período – Antiguidade e Idade Média –

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que carregaram o embrião da Modernidade – a segunda era da cultura, proposto pelos

autores.

É sempre bom reforçar que o caminho da história e a evolução da cultura não

acontecem a passos largos; são pequenos saltos, entremeados com retornos e voltas, até

por fim, desembocar em algo novo. O processo, geralmente, é lento. Alguém descobre

algo aqui que somente duzentos anos depois será utilizado de tal forma que realmente

representará uma revolução; o estopim de uma nova era. O advento da Modernidade

também padeceu desse percurso incerto e sinuoso.

Por mais que a Idade Média, período que abrange cerca de um milênio, tenha

sido marcada pelo vínculo restrito da religião com a cultura; foi justo durante sua

trajetória que a alvorada da Modernidade surgiu. O historiador Hilário Franco Jr. em A

Idade Média: nascimento do ocidente enfatiza (1988) essa filiação entre as estruturas

medievais e modernas. Para ele, os quatro movimentos que se convencionou considerar

inauguradores da Modernidade – Renascimento, Protestantismo, Descobrimentos e

Absolutismo – são de fato medievais:

A baixa Idade Média (século XIV – meados do século XVI) com suas crises e seus

rearranjos representou exatamente o parto daqueles novos tempos, a Modernidade.

A crise do século XIV, orgânica, global, foi uma decorrência da vitalidade e da

contínua expansão (demográfica, econômica, territorial) dos séculos XI-XIII, o que

levara o sistema aos limites possíveis de seu funcionamento. Logo, a recuperação a

partir de meados do século XV dava-se em novos moldes, estabelecia novas

estruturas, porém assentadas sobre elementos medievais: Descobrimentos (baseados

nas viagens dos normandos e dos italianos), Renascimento (no Renascimento do

século XII), Protestantismo (nas heresias), Absolutismo (na centralização

monárquica) (FRANCO JR., 1988, p. 14).

Não é o intuito aqui explanar sobre os quatro movimentos considerados

inaugurais da Modernidade: Renascimento, Protestantismo, Descobrimento e

Absolutismo. Deter-nos-emos, um pouco, sobre o Renascimento (XIX-XIV), por ser um

movimento ligado diretamente à cultura. E também por servir de exemplo desta equação

entre as estruturas medievais e modernas.

O Renascimento dos séculos XIV-XVI recorreu a modelos culturais

clássicos, que a Idade Média também conhecera e amará. Aliás, foi em

grande parte através dela que os renascentistas tomaram contato com a

Antiguidade. As características básicas do movimento (individualismo,

racionalismo, empirismo, neoplatonismo, humanismo) estavam presentes na

cultura ocidental pelo menos desde princípios do século XII. Ou seja, como

já se disse muito bem “embora o Renascimento só invoque a Antiguidade, é,

realmente o filho ingrato da Idade Média” (FRANCO JR., 1988, p. 171).

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Mas por que então o Renascimento (XIV-XVI) representa uma ruptura na

mentalidade medieval?

Chamou-se Renascimento em virtude da redescoberta e revalorização da cultura

da antiguidade clássica (greco-romana), que acabou por nortear mudanças em direção a

um ideal humanista e naturalista. O Renascimento manifestou-se primeiro em Florença,

depois expandiu para o resto da Itália e, por fim, para Europa. Gombrich (2012, p. 198-

199) detalha essa mudança de pensamento:

Por volta de 1420, os Florentinos aperceberam-se de que eram um povo

diferente daquele que tinham sido na Idade Média. Os interesses eram

diferentes. Para eles, as catedrais e os quadros antigos pareciam tristes e

rígidos, e as velhas tradições eram penosas. Ao procurarem alguma coisa que

lhes agradasse, algo que fosse livre, independente e sem restrições,

descobriram a Antiguidade. Pouco lhes interessa que as pessoas desse tempo

não fossem cristãs. O que mais os espantava era o que essas pessoas tinham

conseguido fazer. (...) Era como se todo o período que separava a

Antiguidade daquela época não tivesse passado de um sonho, como se a

cidade livre de Florença estivesse quase a transforma-se em Atenas ou Roma.

Essa sensação de “sonho” que Gombrich enfatiza serviu para dar nome a esse

período intermediário entre a Antiguidade e o Renascimento: a Idade Média, cunhado

durante o século XVI. Havia um certo desprezo por parte dos renascentistas em relação

ao medievo, afinal se o movimento se via como o reflorescimento da civilização greco-

latina, a Idade Média não passava de um hiato entre esses dois polos de criatividade.

Para o pintor Rafael (1483-1520), a arte medieval era grosseira ou “gótica”. Já o escritor

Rabelais (1483-1553) falava da Idade Média como “a espessa noite gótica”.

O Renascimento não representava apenas um resgate da cultura greco-romano.

Na realidade, o movimento procurava por outros elementos para a elaboração de uma

nova cultura. Este movimento acabará por abrir o caminho para a cultura laica e

humanista da Modernidade. O processo de transformação da mentalidade medieval para

a renascentista, como já fora enfatizado, foi lento e complexo. Aqui serão sinalizadas

algumas mudanças estruturantes.

Durante a Baixa Idade Média (séculos XI-XIV), o Ocidente europeu assistiu a

um processo de ressurgimento do comércio e das cidades (burgos). Surgiram, assim,

entrepostos comerciais; as primeiras casas bancárias, as universidades e uma nova

camada social, a burguesia - que procurava conquistar um poder político e um prestígio

social. O período é de grande inventividade técnica: criam-se novas técnicas de

exploração agrícola, de construção naval e navegação (bússola, astrolábio, mapas), de

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armamentos (pólvora) e de guerra. É também o momento da invenção da imprensa de

Gutenberg (1450) e de novos tipos de papel e de tintas. Todas as invenções técnicas já

se converteriam em conquistas. Colombo descobriu a América (1492), o Brasil “fora

descoberto” pelos portugueses (1500) e Ferdinando de Magalhães fez a primeira viagem

ao mundo (1519-1521). E com os descobrimentos e suas navegações, o sistema

comercial, pode ampliar-se, até atingir a extensão do global.

O desenvolvimento científico do período foi extraordinário. Ao resgatar os

valores da cultura greco-romana, os Renascentistas colocaram em prática a observação

atenta e metódica da natureza. O historiador Nicolau Sevcenko, em O Renascimento,

enfatiza justamente a importância da ciência no Renascimento:

O desenvolvimento de uma atitude que hoje poderia chamar de cientifica deve ser

compreendido, portanto, como um aspecto indissociável de todo o conjunto da

cultura renascentista. Se com Copérnico a astronomia e a cosmologia eram ainda um

campo teórico, mais explorado pela matemática e pela reflexão dedutiva, com

Galileu e Kepler, pouco mais de 50 anos depois, elas já eram objeto de observações

sistemáticas e apoiadas por instrumentos e experimentos arrojados (SEVCENKO,

1988, p. 19).

Andreas Vesalius (1514-1564) é considerado o pai da anatomia moderna, com

suas dissecações de cadáveres; Leonardo da Vinci (1452-1519) elabora pesquisas

teóricas e projetos práticos nos campos da hidráulica e da hidrostática; o mesmo faz

Brunelleschi (1337-1446) com a arquitetura e as técnicas de construção, além de

inventar a perspectiva linear. No campo filosófico religioso, Nicolau de Cusa (1501-

1464) introduz o platonismo. Erasmo (1466-1536) publica em 1516 uma edição do

Novo Testamento, que veio depois culminar na reforma da religião, com a Reforma

Protestante de Lutero (1483-1546). No campo do pensamento político, Maquiavel

(1469-1527) escreve o Príncipe (1513). Os exemplos são intermináveis. Como muito

bem resume Nicolau Sevcenko (1988, p. 23) não é possível falar em um Renascimento,

mas em múltiplos renascimentos:

Como se pode perceber, são múltiplos os caminhos do pensamento

renascentista e certamente a variedade, a pluralidade de pontos de vista e

opiniões, foi um dos fatores mais notáveis da sua fertilidade. Grande parte

das trilhas que foram abertas aí nós percorremos até hoje. É inútil querer

procurar uma diretriz única no humanismo ou mesmo em todo o movimento

renascentista: a diversidade é o que conta. Fato que, de resto, era plenamente

coerente com sua insistência sobre a postura crítica, o respeito pela a

individualidade, seu desejo de mudança. A concepção de que tudo já está

realizado no mundo e que aos homens só cabem duas opções, o pecado ou a

virtude, não faz mais sentido. O mundo é um vórtice infinito de

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possibilidades e o que impulsiona o homem não é representar um jogo de

cartas marcadas, mas confiar na energia da pura vontade, na paixão de seus

sentimentos e na lucidez de sua razão. Enfim, o homem é a medida de si

mesmo e não pode ser tolhido por regras, deste ou do outro mundo, que

limitem suas capacidades. As disputas, as polêmicas, as críticas entre esses

criadores são intensas e acaloradas, mas todos acatam ciosos a lição de Pico

Della Mirandola: a dignidade do homem repousa no mais fundo da sua

liberdade.

Fora no campo das artes plásticas que se condensaram as principais tendências

da cultura renascentista: a filosofia, a religião, a história, a arte, a técnica e a ciência.

A arte renascentista é uma arte de pesquisa, de invenções, inovações e

aperfeiçoamento técnico. Ela acompanha paralelamente as conquistas da física,

matemática, geometria, anatomia, engenharia e filosofia. Basta lembrar a invenção

da perspectiva matemática de Brunelleschi, ou seus instrumentos mecânicos de

construção civil ou militar inventados por Leonardo da Vinci, ou as pesquisas

anatômicas de Michelangelo, ou o aperfeiçoamento das tintas à óleo pelos irmãos

Van Eyck, ou os estudos geométricos de Albrecht Durer, entre tantos outros

(SEVCENKO, 1988, p. 24).

Nessas condições, há uma mudança qualitativa no papel social desempenhado

pelo o pintor. Ele já não era mais um artesão, mas um cientista completo, como

Leonardo, Michelangelo, Dürer e tantos ouros. A criação artística torna-se livre e cada

artista torna-se um criador individualizado, tal como enfatiza G.C. Argan em De Giotto

a Leonardo:

No princípio do Quatrocentos cumpre-se, em Florença, uma transformação da

concepção, dos modos, da função da arte tão radical quanto a que se completara, um

século antes, com Giotto. Os primeiros protagonistas do movimento são um

arquiteto, Filippo Brunelleschi, um escultor, Donatello, um pintor, Masaccio (...).

Ao lado deles está Leon Battista Alberti, literato e arquiteto: a ele se devem três

tratados sobre a pintura, a arquitetura e a escultura. Neles, especialmente nos dois

primeiros, o autor não se limita mais a dar preceitos de técnica para a boa execução,

mas enuncia os princípios e descreve os processos do projeto da obra de arte. Isso é

compreensível, uma vez que o artista medieval era responsável apenas pela

execução, porque os conteúdos e até os temas de imagem eram-lhe fornecidos; agora

o artista deve encontrá-los e defini-los, isto é, não opera mais segundo diretrizes

ideológicas impostas por uma autoridade superior ou por uma tradição consagrada,

mas determina de modo autônomo a orientação ideológica e cultural do próprio

trabalho. A arte não é mais uma atividade manual ou mecânica, seja até mesmo de

alto nível, mas intelectual ou liberalis (ARGAN, 2003, p. 129).

O Renascimento (XIV-XVI), dentro de sua complexidade de manifestações

variadas e divergentes, pode ser visto como a raiz, ou ainda, a base de nossa consciência

moderna.

1.3.3. Cultura na Modernidade

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Dentro do esquema sugerido por Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (2013), a

segunda era da cultura coincide com o advento da Modernidade e das democracias

modernas, onde os valores de igualdade e liberdade do indivíduo tornam-se os alicerces

da cultura. É importante ressaltar que o olhar desses autores – eurocêntrico

especificamente voltado para a escola francesa – representa uma das perspectivas

possíveis sobre a compreensão da Modernidade. Como veremos no segundo capítulo, a

Modernidade brasileira é algo completamente distinta; chega ao Brasil “de navio”,

porém, é na terra brasilis que ela germina, misturada, criando algo completamente

distinto e genuinamente brasileiro.

Mas, voltando ao esquema de Lipovetsky e Serroy, a Modernidade se concretiza

com o momento da secularização da cultura.

Seja ela política, jurídica, ética, cotidiana, literária ou artística,

desenvolvendo-se cada um desses domínios segundo necessidades e

dinâmicas próprias. (...) Fé na ciência, na dominação tecnológica da natureza,

no progresso ilimitado, a modernidade cultural identifica-se com a virada da

organização temporal das sociedades para a dimensão do futuro contra a

antiga orientação passadista (LIPOVETSKY e SERROY, 2013:12).

Como vimos até agora, o nascimento da Modernidade é extremamente

complexo. Não há um consenso entre os teóricos. A alvorada da Modernidade acontece

durante o Renascimento (XIV-XVI), mas sua consolidação como período histórico

ocorre por volta da segunda metade do século XVIII e perdura até a segunda metade do

século XX. Aqui, iremos ressaltar algumas de suas características estruturantes, dentro

do esquema sugerido por Lipovetsky e Serroy (2013).

A Modernidade carrega, em sua essência, a ideia de antítese do antigo. De tudo

que precedeu, em termos de história, até então. É a negação, por excelência, do passado

e, nesse sentido, a Modernidade é a era das invenções. Carl Schorske, em Viena fin-de-

siècle, esclarece o que significou culturalmente essa ruptura com o passado:

A arquitetura moderna, a música moderna, a filosofia moderna, a ciência

moderna – todas se definem não a partir do passado, e na verdade nem contra

o passado, mas em independência do passado. (...) Num nível mais

complexo, o modernismo emergente tendeu a assumir a forma específica de

“reembaralhamento do eu”. Aqui, a transformação histórica, além de obrigar

o indivíduo a buscar uma nova identidade, também impõe a grupos sociais

inteiros a tarefa de rever ou substituir sistemas de crenças já mortos.

Paradoxalmente, o esforço de lançar fora os grilhões da história acelerou os

processos históricos, pois a indiferença por qualquer relação com o passado

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libera a imaginação, permitindo que proliferem novas formas e novas

construções (SCHORSKE,1990, p. 13,14).

Não é possível falar sobre Modernidade sem trazer à baila a definição concebida

por Charles Baudelaire (1821-1867), o primeiro artista efetivamente moderno. Em seu

artigo Le peintre de la vie moderne, escrito em 1863, o poeta sugere: “A Modernidade é

o transitório, o fugitivo, o contingente; é uma metade da arte, cuja a outra metade é o

eterno e o imutável”.

Essa definição talvez seja a que melhor define a experiência estética da

Modernidade: algo extremamente vago e de difícil determinação. Esse jogo dual e

contraditório entre o efêmero e o eterno talvez tenha impulsionado todas as invenções

modernas. Algo que David Harvey, no livro A condição pós-moderna, irá denominar

como “destruição criativa”:

A imagem da “destruição criativa” é muito importante para a compreensão da

modernidade, precisamente porque derivou dos dilemas práticos enfrentados

pela implementação do projeto modernista. Afinal, como poderia um novo

mundo ser criado, sem se destruir boa parte do que viera antes? (...) se o

modernista tem que destruir para criar, a única maneira de representar

verdades eternas é um processo de destruição passível de, no final, destruir

ele mesmo essas verdades. E, no entanto, somos forçados, se buscarmos o

eterno e o imutável, a tentar e a deixar a nossa marca no caótico, no efêmero

e no fragmentário (HARVEY, 2013, p. 26).

Com todas essas acepções sobre a Modernidade, já seria satisfatório para

avançar nas experiências modernas propriamente ditas, mas também não se pode deixar

de fora a definição de Marshall Berman, em Tudo que é sólido desmancha no ar: a

aventura da modernidade (1986):

Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder,

alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor

– mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que

sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula

todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião

e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie

humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela

nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança,

de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte

de um universo no qual, como disse Marx, “tudo o que é sólido desmancha

no ar” (BERMAN, 1986, p.15).

Portanto, a Modernidade também carrega em sua essência: o caos, a invenção, a

imaginação, a criatividade, o efêmero, a mudança, autotransformação, a incerteza, a

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destruição, a fragmentação, o progresso, numa busca incansável pelo novo eterno

imutável, em antítese do antigo.

1.3.4. Um pouco da Modernidade na história

Com o advento do Iluminismo (XVII e XVIII), os princípios da liberdade

individual e da igualdade se tornam a base da sociedade, da lei e do saber. O iluminismo

enquanto promotor da racionalidade e o individualismo como referencial da

democracia. Segundo o sociólogo Renato Ortiz, em Cultura e Modernidade (1991), é a

filosofia iluminista que introduz a individualidade que se concretiza na Modernidade:

A Modernidade coloca em andamento o indivíduo. Por isso vamos encontra-lo como

ator político, consumidor e viajante. No imaginário dos homens modernos o

indivíduo ocupa um lugar de reverência; ele é o fulcro da ideologia liberal, o núcleo

das estratégias publicitárias, o centro do narcisismo das modas e do consumo. Seria

incorreto imaginar que o princípio da individualidade se origine no XIX; sabemos

que a história da “persona” é antiga, e remonta às sociedades longínquas no passado.

Mas creio que a filosofia iluminista que privilegia o homem universal como centro

de seu pensamento só poderá se materializar quando as sociedades tornam-se

industriais, transformando radicalmente sua organização anterior (ORTIZ, 1991, p.

264).

Mas é claro que as mudanças não ocorreram da noite para o dia. E.H. Gombrich,

em Uma pequena história do mundo (2012), recorda que o vento começou a soprar em

outra direção só depois de 1700: “O grande sofrimento por que passaram os europeus

durante aquelas horríveis guerras religiosas pôs as pessoas a pensar se tinham mesmo o

direito de julgar os outros por terem uma fé diferente” (GOMBRICH, 2012, p. 252).

Pela primeira vez, as pessoas começaram a falar sobre o princípio da tolerância, calcado

no conceito da razão e da lógica.

Assim, inicia-se a “era da razão” que ganha o nome de Iluminismo, ou seja, a luz

pura da razão, supostamente, em oposição às trevas da superstição que prevaleceram

durante toda a Idade Média. Gombrich enfatiza que “nos duzentos anos que se seguiram

ao Iluminismo, estudaram-se e explicaram-se mais mistérios da natureza do que nos

dois mil anos anteriores” (GOMBRICH, 2012, p. 254).

David Harvey (2013) recorda Habermas, ao enfatizar que o projeto da

Modernidade entrou em foco durante o século XVIII: “Esse projeto equivalia a um

extraordinário esforço intelectual dos pensadores iluministas para desenvolver a ciência

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objetiva, a moralidade e a lei universais e a arte autônoma nos termos da própria lógica

interna destas” (HARVEY, 2013, p. 23).

O domínio científico, o desenvolvimento de formas lógicas de organização

social e de modos racionais de pensamento prometia a libertação das irracionalidades do

mito, da religião, da superstição e do uso abusivo do poder, inclusive. E o pensamento

iluminista abraçou a ideia de progresso, ao longo do século XVIII, com as doutrinas de

igualdade, liberdade e fé na inteligência humana e na razão universal. A Revolução

Francesa (1789-1799) com o seu mote “Libertè, iguatelitè e fraternitè” e suas

reverberações criaram um público moderno e o princípio dessa nova era.

No campo das artes plásticas, a Revolução Francesa e os ideais da Era da Razão

também deixaram marcas. No século XVIII, os artistas começaram a se tornar mais

exigentes a respeito de estilo e temas. Surgem as academias de arte, com a função de

ensinar e as exposições anuais, especialmente em Paris e Londres. Gombrich, em A

história da arte (1999), lembra que há também uma mudança no tema da pintura:

Antes de meados do século XVIII, era raro os artistas se desviarem dos

estreitos limites da ilustração, pintarem uma cena de romance ou um episódio

da história medieval ou de seu próprio tempo. Tudo isso mudou muito

rapidamente durante o evoluir da Revolução francesa. De repente, os artistas

sentiram-se livres para escolher qualquer coisa como tema, desde uma cena

de Shakespeare a um acontecimento do dia, o que quer que, de fato, apelasse

para a imaginação e despertasse interesse (GOMBRICH, 1999, p. 481).

Um exemplo conhecido desta mudança no tema da pintura – representando o

crescente interesse pela a história da época e pelo gosto do tema heroico – é a obra

Marat assassinado, de Jaques-Louis David, pintado em 1793. Nela, David pintou

Marat, que foi um dos líderes da Revolução Francesa, como um mártir.

O projeto moderno começa a consolidar-se com a Revolução Industrial, na

esteira do século XIX. Renato Ortiz (1991) afirma que a “Modernidade é um modo de

ser, uma sensibilidade”, no entanto, para que esta maneira de ser possa se constituir, foi

necessário todo um processo de reorganização da sociedade:

O prolongamento das formas de sociabilidade do Antigo Regime teve de ser

rompido. As transformações políticas, no caso a Revolução Francesa, mas eu

diria, principalmente a Revolução Industrial, desempenham papéis

fundamentais nessas mudanças. A ruptura das fronteiras sociais, dos

privilégios estatutários, o surgimento da cidadania, são elementos cruciais

para a consolidação desta sociedade historicamente determinada (ORTIZ,

1991, p. 263).

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O entusiasmo era grande e as invenções das máquinas – barco à vapor, a

locomotiva, o telégrafo, a máquina fotográfica, a imprensa diária, o telefone – só vieram

corroborar esse sentimento de fé na ciência. Em 1769, surge a primeira máquina à vapor

e, em 1803, um barco à vapor foi lançado no rio Sena, em Paris. Sobre esta invenção,

Napoleão Bonaparte teria dito: “Este projeto pode vir a mudar a face do mundo”

(GOMBRICH, 2012, p. 28). Em 1814, a locomotiva foi construída. Onze anos depois,

era inaugurada a primeira ferrovia. De qualquer forma, a industrialização começa a ser

sentida, em grande escala, entre 1820 e 1840.

Concomitantemente, a experiência da Modernidade se solidifica com o

surgimento da nova paisagem urbana e com o crescimento explosivo das cidades e os

seus movimentos sociais de massa. Para muitos teóricos, como Harvey, o marco do

modernismo aconteceu, em 1848, com “a primavera dos povos”. O Modernismo,

enquanto estética cultural concretiza-se como a arte das cidades. É nesse momento que

surgem novas formas de representação. Gombrich defende que foi a “ruptura na

tradição” que possibilitou uma revolução estética nas artes plásticas:

A ruptura na tradição abrira-lhes um campo ilimitado de opções. Cabia ao

artista plástico decidir se queria pintar paisagens ou cenas dramáticas do

passado, se preferia temas inspirados em Milton ou nos clássicos, se adotava

a maneira comedida da ressureição clássica de David ou a maneira fantástica

dos mestres românticos. (...) Pela primeira vez, tornou-se verdade que a arte

era um veículo perfeito para expressar a individualidade (GOMBRICH,

1999, p. 501,502).

Outra aliada fundamental, a fotografia, contribuiu também para essa

ruptura. O daguerreótipo, inventado por Niépce e Daguerre, foi exibido publicamente,

pela primeira vez, em 1839 e, assim, nasceu a idade da fotografia. Os primórdios da

fotografia refletem a visão e o temperamento românticos. Mas, pouco a pouco, foi

agregando o espírito moderno, a máquina, a cidade.

A partir da metade do século XIX, a fotografia introduz, nas imagens, valores

que transformam a vida e a sensibilidade dos habitantes das grandes cidades industriais.

Enquanto modificou profundamente o modelo documental, contribuiu para representar a

cidade de maneira moderna. Sobre seu surgimento, André Rouillé, em A fotografia:

entre o documento e a arte contemporânea (2009), também enfatiza que o advento da

fotografia só poderia acontecer dentro dos recém-criados centros urbanos da

Modernidade:

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Os lugares, as datas, os usos, os dispositivos, os fatos: tudo comprova que a

invenção da fotografia se insere na dinâmica da sociedade industrial

nascente. Foi ela que assegurou as condições de seu desdobramento, que a

modelou, que se serviu dela. Criada, forjada, utilizada por essa sociedade, e

incessantemente transformada acompanhando evoluções, a fotografia, no

decorrer do primeiro século, como destino maior conheceu apenas o de

servir, de responder às novas necessidades de imagens da nova sociedade

(ROUILLE, 2009, p.31).

A fotografia teve um extraordinário impacto na imaginação do século XIX,

tornando o resto do mundo acessível, ou simplesmente revelando-o sob uma forma

diferente. Em 1839, o jornalista Jules Janin diz sobre o advento do daguerreótipo:

“Nenhuma mão humana poderia desenhar como o sol desenha. Não é mais o olhar

impreciso do homem, não é mais a mão trêmula. A câmara escura não produz nada por

ela própria, não é um quadro, é um espelho, capaz somente de reproduzir” (JANIN apud

ROUILLÉ, 2009, p. 33). E o crítico francês André Rouillé (2009, p. 42) complementa:

Seja como for, foi a fotografia documento que prevaleceu durante mais de

um século, e sob formas variáveis, segundo às alianças de que participou,

particularmente a estabelecida com a imprensa dos anos 1920. A máquina

fotográfica forneceu da realidade; um inventário incomparavelmente mais

preciso que o fornecido pelo olho.

A fotografia acabou, dessa forma, por libertar a arte de sua obrigação de buscar a

representação do real. Como diz Gombrich (1999, p. 525):

Antes da máquina fotográfica, quase toda pessoa que se prezava devia posar

para o seu retrato, pelo menos uma vez na vida. Agora, as pessoas raramente

se sujeitavam a esse incômodo (...) por causa disso, os artistas viram-se cada

vez mais compelidos a explorar regiões onde a máquina não podia substituí-

los. De fato, a arte moderna dificilmente se converteria no que é sem o

impacto da invenção da fotografia.

Paris, a Cidade das Luzes, tornou-se a capital artística da Europa no século XIX,

especialmente na primeira etapa do Modernismo. Por lá, escritores como Baudelaire e

Flaubert flanavam e exploravam novas possibilidades no campo estético. E artistas

plásticos como Édouard Manet (1832-1883), Claude Monet (1840-1926), Pierre

Auguste Renoir (1841-1919), Edgar Degas (1834-1917) revolucionaram a estética

artística com a invenção do movimento impressionista. Em 1874, Manet e Monet

resolveram organizar uma exposição. Havia uma tela de Monet intitulada “Impressão:

nascer do sol” que representava um porto visto através das névoas matinais. Um dos

críticos achou o título particularmente ridículo e passou a se referir a todo o grupo de

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artistas como “os impressionistas”. O rótulo pegou. E a intenção de zombar do

movimento, logo foi dissipada.

Para Harvey (2013), essas novas experiências estéticas que tomaram conta de

Paris, na segunda metade do século XIX, começaram a se expandir rapidamente para

outras cidades importantes como Berlim, Viena, Munique, Londres, Nova York,

Chicago, Moscou, chegando ao seu apogeu pouco antes da Primeira Guerra Mundial:

“A maioria dos comentadores concorda que esse furor de experimentação resultou numa

transformação qualitativa na natureza do modernismo em algum ponto entre 1910 e

1915” (HARVEY, 2013, p. 36).

De fato, quando olhamos as obras literárias produzidas durante esses anos é

possível notar a transformação radical que o Modernismo experimentou: O caminho de

swann, de Marcel Proust (1871-1922), é publicado em 1913; Dublinenses, de James

Joyce (1882-1941), e Morte em Veneza, de Thomas Mann (1875-1955), saem em 1914,

só para citar algumas. Na música, O despertar da primavera, de Igor Stravinsky (1882-

1971), provocou uma revolução em 1913. E no campo das artes plásticas, surgem as

vanguardas europeias: surrealismo, dadaísmo, expressionismo etc.

Gombrich faz uma ressalva sobre o fato de os impressionistas serem

considerados os precursores da arte moderna. Para o autor, Paul Cézanne (1839-1906),

Vincent van Gogh (1853-1890) e Paul Gauguin (1848-1903) são os artistas que

realmente possibilitaram o surgimento da arte moderna:

Aquilo a que chamamos arte moderna nasceu desses sentimentos de

insatisfação; e as várias soluções que esses três pintores tinham buscado

converteram-se nos ideais de três movimentos na arte moderna. A solução de

Cézanne levou, em última análise, ao cubismo, que se originou na França; a

de Van Gogh converteu-se no expressionismo, que na Alemanha encontrou a

sua principal resposta; e a de Gauguin culminou nas diversas formas de

primitivismo (GOMBRICH, 1999, p. 555).

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) colocou em cheque o Modernismo

enquanto estética cultural e gerou a necessidade da criação de um novo mito moderno.

A questão é complexa, pois, desse impasse, podemos ressaltar que a Modernidade

acabou por desenvolver caminhos distintos, criando diversos mitos. Harvey chama este

período entre guerras de o período “heroico” do Modernismo:

O trauma da guerra mundial e de suas respostas políticas e intelectuais abriu

caminho para uma consideração daquilo que poderia constituir as qualidades

essenciais e eternas da modernidade relacionadas na parte inferior da formulação de

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Baudelaire. Na ausência de certezas iluministas quanto à perfectabilidade do

homem, a busca de um mito apropriado torna-se crucial (HARVEY, 2013, p. 38).

Ora, o “eterno e imutável” moderno proferido lá trás por Baudelaire acaba,

então, no começo do século XX, por encontrar o mito da racionalidade. Mito este que

encontra sua perfeita forma na arquitetura moderna de Mies van der Rohe (1886-1969)

e Le Corbusier (1887-1965). Harvey diz: “Foi esse o período em que as casas e as

cidades puderam ser livremente concebidas como máquinas nas quais viver”

(HARVEY, 2013, p. 39).

A arte política também tomou conta de uma ala do movimento modernista. Nas

artes plásticas, o surrealismo, o construtivismo e o realismo socialista procuravam

mitologizar o proletariado de suas respectivas maneiras. E, mais para frente, surge

também uma versão reacionária do modernismo, ligada aos regimes políticos fascistas

como o de Mussolini – basta recordar as experiências estéticas dos futuristas italianos.

O mesmo ocorreu na Alemanha Nazista que acabou por se utilizar dos projetos da

Bauhaus para a construção dos campos de concentração.

Em resumo, a primeira metade do século XX experimentou as mais diversas,

ambíguas e contraditórias mitologias da modernidade. Com o advento das vanguardas

europeias, o Modernismo deu curso a uma cultura revolucionária, transgressiva,

subversiva, contrária às formas tradicionais e clássicas de expressão, em todos os

domínios: pintura, escultura, arquitetura, dança, música e literatura. Com a propagação

das utopias e ideologias políticas – socialismo, comunismo, anarquismo, fascismo, etc.,

a cultura experimentou sua face engajada e panfletária.

Para os pensadores da Escola de Frankfurt, como Adorno e Horkheimer, assim

como para Walter Benjamin, o Modernismo das vanguardas representou o último

instante de produção daquilo que entendemos como alta cultura. No artigo “O

Surrealismo: o último instantâneo da inteligência europeia”, Benjamin enfatiza que o

movimento surrealista, que brotou na França, na década de 1920, caminhou de uma

experiência estética poética e artística para um movimento político. Foi nesse sentido

que residiu a sua força:

Os surrealistas dispõem desse conceito radical da liberdade. Foram os

primeiros a liquidar o fossilizado ideal de liberdade dos moralistas e dos

humanistas, porque sabem que a liberdade, que só pode ser adquirida neste

mundo com mil sacrifícios, quer ser desfrutada, enquanto dure, em toda a sua

plenitude e sem qualquer cálculo pragmático (BENJAMIN, 1985, p. 32).

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Fredric Jamenson, em Pós-modernidade e sociedade de consumo (1985), lembra

que a modernidade das vanguardas era uma arte do contra: “Ela despontou dentro da

sociedade comercial da época dourada ao mesmo tempo como escândalo e insulto para

o público burguês – feia, dissonante, boêmia, sexualmente chocante” (JAMENSON,

1985, p. 25). A arte, nessa altura, para resistir ao mercado, tinha em sua essência a

violência. Walter Benjamin lembra que o dadaísmo, quando surge em 1916, era

essencialmente agressivo e escandaloso: “O comportamento social provocado pelo

dadaísmo foi o escândalo. Essa obra de arte tinha que satisfazer uma exigência básica:

suscitar a indignação pública. (...) Atingia, pela agressão, o espectador” (BENJAMIN,

1985, p. 191).

Porém, se o início do século XX apresentou ainda movimentos, ideias e obras de

arte de vanguarda, isso não foi suficiente para resistir ao advento do positivismo

moderno e da Indústria Cultural. Como lembra Renato Ortiz (1991, p. 266,267):

Neste sentido, a modernidade é tensão. O debate entre a arte e a cultura de

mercado marca bem essa contradição. Por um lado a educação e o gosto

começam a ser democraticamente difundidos em escala sem precedentes, por

outro, a liberdade de expressão só consegue florescer quando distante deste

mundo uniforme pautado pela padronização industrial. Liberdade e opressão,

diferença e uniformidade, colidem num antagonismo estrutural. (...) o

contraste entre indivíduo e uniformização (burocrática, mercantil, etc.) se

intensifica, e a ordem industrial aparece como um tipo de dominação, não

porque serve exclusivamente aos interesses de uma classe social em

detrimento de outras (como em Saint-Simon ou em Marx), mas na sua

essência, na sua idiossincrasia. A Modernidade não conhece fronteiras ou

nacionalidades. Ela traz consigo os germes de uma ordem planetária. Não

exclusivamente econômica, mas de um tipo de cultura que se expressa no

lazer, na Indústria Cultural, no consumo, no turismo, nas cidades.

1.3.5. A consagração da Indústria Cultural

No mundo moderno, aos poucos, os mitos e as lendas perdem seu lugar; as

narrativas se transformaram. O conhecimento vira homogêneo, globalizado e único,

onde a produtividade e a disciplina se tornam fundamentais para o progresso que se

desenhou no horizonte. Nesse mundo desencantado, Michel Foucault em Microfísica do

Poder (1979) lembra que o homem “não é mais o cantor da eternidade, mas o

estrategista da vida e da morte” (FOUCAULT,1979, p. 10). É como se o sonho tivesse

morrido com a consolidação do pensamento moderno, dentro daquilo que é o fascínio

positivista. Michel Maffesoli em O conhecimento comum (1985), diz:

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Na real marcha do progresso, que assinala o final do século XIX, o racional,

o quantitativo é o que, em nível profundo, faz funcionar, “deve” fazer

funcionar a vida em sociedade. O que está em jogo é uma sociedade perfeita,

que não mais repousa um fantasma religioso ou imaginário, mas que encontra

na razão os seus fundamentos (MAFFESOLI,1985, p. 54).

É nessa sociedade, onde a razão instrumentalizada é soberana, que se consolida a

Indústria Cultural. O termo “Indústria Cultural” foi cunhado pela primeira vez em um

ensaio de Horkheimer intitulado “Arte e cultura de massa” de 1940. Como explica Luís

Mauro Sá Martino, em Teoria da Comunicação: ideias, conceitos e métodos (2009, p.

48):

A racionalidade levou a uma selvagem exploração do trabalho – relatos do

século XIX mostram operários trabalhando até 16 horas por dia. Finalmente,

a Primeira Guerra Mundial e a ascensão do totalitarismo na Europa dos anos

1920 e 1930 foi a pá de cal na ideia de um mundo guiado pela razão. De

acordo, com os dois autores, a cultura era o lugar de resistência contra a

técnica. Artes e humanidades eram o polo de crítica ao projeto moderno. A

modernidade encontraria seu equilibro no contraponto entre arte e técnica. E

teria sido assim se, no final do século XIX, a própria cultura não tivesse sido

apropriada pela técnica. Os meios de comunicação provocaram uma alteração

sem precedentes no cenário cultural. A cultura, transformada pela tecnologia,

poderia chegar a todos os lugares. Mas Adorno e Horkheimer não

compartilhavam desse otimismo. Ao contrário: a cultura transformada pela

técnica, tornava-se produto. Onde a Modernidade imaginava conhecimento

como liberdade, os dois pensadores enxergavam um elemento de dominação.

Dominada pela técnica, as produções da mente se organizam na forma de

uma Indústria Cultural.

Para os mentores desse conceito, Adorno e Horkheimer, isso significou a

introdução da estrutura mercantil na própria forma e no conteúdo da obra de arte. É o

início da cultura de massas, da produção em série de obras reproduzíveis (medíocres,

inautênticas, padronizadas) destinadas ao mercado de grande consumo. Em suma, seria

o princípio do fim da alta cultura:

O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade é

que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia

destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. (...) O fato de que

milhões de pessoas participam dessa indústria imporia métodos de

reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a disseminação de bens

padronizados para a satisfação de necessidades iguais. (...) Os padrões teriam

resultado originariamente das necessidades dos consumidores: eis por que

são aceitos sem resistência. (...) A racionalidade técnica hoje é a

racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade

alienada de si mesma. Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou

apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a

diferença entre a lógica da obra e a do sistema social. Isso, porém, não deve

ser atribuído a uma lei evolutiva da técnica enquanto tal, mas à sua função na

economia atual (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 100).

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Com o advento da Indústria Cultural, a modernidade cultural torna-se bicéfala.

De um lado, uma cultura revolucionária, que luta contra a lógica do mercado; de outro,

em plena oposição e, cada vez mais forte, uma Indústria Cultural que vende produtos

culturais padronizados, destituídos de seu valor intrínseco de arte – verdadeiras

mercadorias descartáveis. Adorno e Horkheimer (2006, p. 111) afirmam:

A Indústria Cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter

erigido em princípio a transferência muitas vezes desajeitada da arte para a

esfera do consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades

inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias. Quanto mais total

ela se tornou, quanto mais impiedosamente forçou os outsiders, seja a

declarar falência seja a entrar para o sindicado, mais fina e mais elevada ela

se tornou, para enfim desembocar na síntese de Beethoven e do Casino de

Paris. Sua vitória é dupla: a verdade, que ela extingue lá fora, dentro ela pode

reproduzir a seu bel-prazer como mentira.

Adorno e Horkheimer enfatizam que a obra de arte como resistência ou alta

cultura não tem quase saída: será inevitavelmente engolida pela Indústria Cultural. “A

Indústria Cultural desenvolveu-se com o predomínio que o efeito, a performance

tangível e o detalhe técnico alcançaram sobre a obra, que era outrora o veiculo da Ideia

e com essa foi liquidada” (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 104).

Contemporâneo e amigo de Adorno, Walter Benjamin interpreta esse efeito

como a reprodução da obra de arte, característica determinante da Indústria Cultural. Ele

lembra que foi justamente o que aconteceu com o dadaísmo, que acabou sendo

incorporado na lógica da indústria cinematográfica, especialmente nos filmes de

Chaplin: “Sua impulsão profunda só agora pode ser identificada: o dadaísmo tentou

produzir através da pintura (ou da literatura) os efeitos que o público procura hoje no

cinema” (Benjamin, 1985, p. 191).

Vale lembrar o que define o conceito de obra de arte para Benjamin é sua

autenticidade ou “aura”:

A autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo o que foi transmitido

pela tradição, a partir de sua origem, desde sua duração até o seu testemunho

histórico. (...) o conceito de aura permite resumir essas características: o que

se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é sua aura. ...

Podemos dizer que a técnica da reprodução destaca do domínio da tradição o

objeto reproduzido. Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui

a existência única da obra por uma existência serial. (...) Esses dois processos

resultam num violento abalo da tradição, que constitui o reverso da crise

atual e a renovação da humanidade. Eles se relacionam intimamente com os

movimentos de massa, em nossos dias (BENJAMIN, 1985, p. 168).

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“O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da Indústria Cultural”, enfatizam

Adorno e Horkheimer. As obras de arte destituídas de sua aura, feitas em série,

adentraram na esfera da cultura, de forma irreversível. E o seu fortalecimento se deu,

justo, em um momento em que o homem moderno conseguiu se libertar das amarras

religiosas que tolhiam a sua liberdade individual.

A partir da segunda metade do século XX, com o desmoronamento das utopias e

ideologias políticas, onde o crescente domínio do capital e do mercado, – o

neoliberalismo –, se torna motor regularizador da sociedade, o homem torna-se, cada

vez mais, desorientado, completamente à deriva, com seus instintos. É coerente retomar

algumas considerações de Freud. Para o psicanalista alemão, o princípio de prazer do

indivíduo e a busca pela felicidade é o sentido da vida para o homem, porém impossível

de ser alcançado: “Esse programa está em desacordo com o mundo inteiro” (FREUD,

2011, p. 20). A felicidade, dentro do viés da psicanálise freudiana, pressupõe uma

liberdade dos instintos do indivíduo, algo que não condiz com a vida em sociedade. Por

isso Freud diz (2011, p. 40): “A liberdade individual não é um bem cultural”. As

normas regulam os vínculos humanos, inibindo os instintos individuais, sendo a única

forma de coexistência na sociedade. O psicanalista reforça que a sublimação do instinto

é um traço fundamental da evolução cultural:

O elemento cultural se apresentaria com a primeira tentativa de regulamentar essas

relações. Não havendo essa tentativa, tais relações estariam sujeitar à arbitrariedade

do indivíduo, isto é, aquele fisicamente mais forte determinaria conforme seus

interesses e instintos. Nada mudaria, caso esse mais forte encontrasse alguém ainda

mais forte. A vida humana em comum se torna possível quando há uma maioria que

é mais forte que qualquer indivíduo e se conserva diante de qualquer indivíduo.

Então o poder dessa comunidade se estabelece como “Direito”, em oposição ao

poder do indivíduo, condenado como “força bruta”. Tal substituição do poder do

indivíduo pelo da comunidade é o passo cultural decisivo. (...) O resultado final deve

ser um direito para o qual todos – ao menos todos os capazes de viver em

comunidade – contribuem com sacrifício de seus instintos, e que não permite – de

novo com a mesma exceção – que ninguém se torne vítima da força bruta (FREUD,

2011, p. 40).

As religiões, por exemplo, sempre funcionaram como ótimos controles

coletivos. A sociedade criou também outros dispositivos coletivos que refreavam a

fruição doa instintos individuais: a família, a lei, a moral, as ideologias políticas, entre

outras, que regulamentaram e organizaram o indivíduo, dentro da sociedade até meados

dos anos 1970.

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Com o estabelecimento do capitalismo tardio ou neoliberalismo, já não é mais

assim, não há mais coerções nítidas externas impostas pela sociedade contra a

individualização, pelo contrário, tudo que um dia funcionou como controle,

desapareceu. Há uma exaltação do individualismo na contemporaneidade. E o homem

se vê literalmente perdido no meio da multidão à espreita de qual melhor modelo de

existência lhe cabe. “Quanto mais o indivíduo é livre e senhor de si, mais aparece

vulnerável, frágil, desarmado internamente” (FREUD, 2011, p. 55). Sem balizas que

assegurem a sua existência na sociedade, o indivíduo perde sua consciência moral,

torna-se inconsciente e, em última estância, alienado e vulnerável para sucumbir às

tentações do mercado de consumo. É nesse contexto que “O Mal Estar da Civilização”

encontra a Indústria Cultural ou cultura de massas de Adorno e Horkheimer:

Todos são livres para dançar e para se divertir, do mesmo modo que, desde a

neutralização histórica da religião, são livres para entrar em qualquer uma das

inúmeras seitas. Mas a liberdade de escolha da ideologia, que reflete sempre

a coerção econômica, revela-se em todos os setores como a liberdade de

escolher o que é sempre a mesma coisa. (...) Eis aí o triunfo da publicidade na

Indústria Cultural, a mimese compulsiva dos consumidores, pela qual se

identificam às mercadorias culturais que eles, ao mesmo tempo, decifram

muito bem (ADORNO e HORKHEIMER, 2006, p. 138).

1.4 A cultura na Contemporaneidade

É esse estado de solidão e miséria subjetiva que fundamenta, em parte, a

escalada consumista, que permite à pessoa oferecer a si mesma, pequenas

felicidades como compensação pela falta de amor, de laços ou reconhecimento.

Quanto mais frágil tudo isso, mais triunfa o consumismo como refúgio, evasão,

pequena aventura remediando a solidão e as dúvidas sobre si próprio

(LIPOVETSKY e SERROY, 2013:56).

O final do século XX e o princípio do século XXI trouxe a baila novos olhares

sobre o percurso tomado pela modernidade. O desfecho, entre os intelectuais, não é

consensual. A começar por qual seria o nome de batismo deste novo momento histórico:

pós-modernidade, modernidade líquida, sobremodernidade, etc. Na pós-modernidade,

os caminhos tornaram-se múltiplos, mas todos concordam que este momento seria uma

segunda etapa da Modernidade levada ao extremo. Para Lipovetsky e Serroy (2013) é

neste momento que se inicia a terceira etapa da cultura: “a cultura-mundo”. E pós-

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modernismo é o termo escolhido por David Harvey (2013) para falar sobre a cultura na

pós-modernidade.

O pós-modernismo, para Harvey, em sua essência, carrega muitas características

da modernidade: a aceitação total do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do

caótico. Mas a forma como responde a essas características é bem particular: “ele não

tenta transcendê-lo, opor-se a ele e sequer definir os elementos eternos e imutáveis que

poderiam estar contidos nele. O pós-modernismo nada nas fragmentárias e caóticas

correntes da mudança, como se isso fosse tudo o que existisse” (HARVEY, 2013, p.

49). Nessa conjectura, o pós-modernismo não propõe elementos para o eterno e

imutável, pelo contrário, ele é auto referente, calcado apenas na força da mudança. Vale

lembrar a definição proposta por Terry Eagleton:

Talvez haja consenso quanto a dizer que o artefato pós-moderno típico é

travesso, auto ironizador e até esquizoide; e que ele reage à austera

autonomia do alto modernismo ao abraçar imprudentemente a linguagem do

comércio e da mercadoria. Sua relação com a tradição cultural é de pastiche

irreverente, e sua falta de profundidade intencional solapa todas as

solenidades metafísicas. (...) O pós-modernismo assinala a morte dessas

“metanarrativas”, cuja função terrorista era fundamentar e legitimar a ilusão

de uma história humana universal (EAGLETON apud HARVEY, 2013, p.

19).

Mas há também aspectos positivos na pós-modernidade. A heterogeneidade e a

diferença surgem como possíveis forças libertadoras na redefinição do discurso cultural.

Essa desconfiança sobre as metanarrativas ou discursos universais totalizantes pode ser

visto como algum saudável.

Voltando a Lipovetsky e Serroy. Para eles, essa “cultura-mundo” em que

estamos inseridos é, basicamente, regulamentada por um hiper capitalismo, um mercado

de consumo sem fronteiras, operado pela revolução científica e, acima de tudo, pela

revolução tecnológica, sobretudo midiática, que cria, pela primeira vez na história,

denominadores culturais mundiais. Uma cultura de massas que quase extingue por

completo a alta cultura e a cultura erudita. Como diz Lipovetsky e Serroy (2013, p. 9):

Cultura-mundo significa o fim da heterogeneidade tradicional da esfera da

cultura e a universalização da cultura mercantil, apoderando-se das esferas da

vida social, dos modos de existência, da quase totalidade das atividades

humanas. Com a cultura-mundo, dissemina-se em todo o globo a cultura da

tecnociência, do mercado, do indivíduo, das mídias, do consumo.

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Quando a cultura passa a integrar a lógica econômica do mercado, perde sua

potência autônoma, criadora de modos de vida e de sentido de existência. Há uma

mercantilização da cultura e, ao mesmo tempo, uma culturalização das mercadorias.

O mundo hipermoderno organiza-se em torno de quatro pilares: o

hipercapitalismo, a hipertecnização, o hiperindividualismo e o hiperconsumo.

É nessas condições que a época vê triunfar uma cultura globalizada ou

globalista, uma cultura sem fronteiras cujo objetivo não é outro senão uma

sociedade universal de consumidores. Cultura mundo hoje é geradora de um

novo mal estar na civilização, de uma nova relação cultural com o mundo. A

hipertécnica e a hipereconomia não cria apenas um mundo racional-material,

cria também uma cultura, um mundo de símbolos, de significações e de

imaginário social que tem como particularidade ter se tornado planetário

(LIPOVETSKY e SERROY, 2013, p. 32).

Há uma quase falência total da cultura. Hoje cultura virou sinônimo de consumo.

Ser culto é ser consumidor. As trocas entre os indivíduos tornaram-se basicamente

relações mercantis. Nada escapa à lei do capital. Os sonhos e os desejos são guiados e

até roubados dentro dessa lógica.

Vilipendiada como produção padronizada e kitsch, como alienante e

manipuladora das massas, a cultura de massa surge como uma ameaça a

pesar sobre o espírito da verdadeira cultura, transformando e caricaturando

obras nobres, reduzindo-as à condição de produtos mercantis entregues aos

lazeres do entretenimento (LIPOVETSKY E SERROY, 2013, p. 72).

O impacto da revolução tecnológica, em especial, com o advento do mundo

virtual (internet, redes sociais, blogs, etc.), agrava ainda mais a alienação, os valores

hedonistas e uma vida guiada pelo lazer e entretenimento. A rede, cheia de

possibilidades, deixa todos anestesiados “nas nuvens virtuais”. O caos da rede

(conexões e interconexões) ainda não tem normas e regras “ela apresenta tudo aquilo

que se vê no playground – a única diferença é que nesse playground não há professores,

policiais ou moderadores que ficam de olho no que se passa.” (GAMBLE apud

BAUMAN, 2006, p. 10).

Na pós-modernidade virtual, o homem transferiu seu afeto para a rede e tornou-

se basicamente um consumidor, cada vez mais distante de sua humanidade. “Há mais

coisas na vida além da mídia”, observa Germaine Greer, “mas não muito. Na era da

informação, a invisibilidade é equivalente à morte” (BAUMAN, 2006, p. 21). Um

mundo virtual caótico, desencantado e ao mesmo tempo tão pouco revolucionário no

sentido de produção de conteúdos.

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É um modelo cultural inédito que se estabelece, marcando o triunfo da

velocidade, do instantâneo, do furo, da publicidade, do divertimento

permanente e estável, cultura mosaico, cultura do zapping, do fragmentário,

da insignificância, do descontinuo, partilhada por todos os homens,

modelando sua apreensão do mundo, reunindo-os em uma mesma atitude

cativa. (LIPOVETSKY e SERROY, 2013, p. 75).

Diante da avalanche de informações que recebemos da mídia, seja via jornais,

revistas, tvs, internet (computares, celulares e tablets), fica a questão proposta lá atrás

por T.S. Eliot: onde está o conhecimento que perdemos na informação? Atualizando a

pergunta de Eliot na contemporaneidade, onde está a cultura que perdemos na

informação?

No ocidente, a liberdade não é ameaçada pela falta, pela censura, pela

limitação, ela o é pela superinformação, pela overdose, pelo caos que

acompanha a própria abundância. Não é a informação que falta: ela

transborda em nós; o que falta é um método de orientação. Como educar os

indivíduos e formar espíritos livres em um universo com informações em

excesso. A política, a religião, a ciência, o business, a moda, a imprensa, a

literatura, a filosofia, o esporte, até a cozinha: hoje, nada mais escapa ao

sistema do estrelado. (...) Todo o domínio da cultura se tornou uma economia

do estrelato (LIPOVETSKY e SERROY, 2013, p. 81).

Mario Vargas Llosa, em “A Civilização do Espetáculo” (2012) também sugere o

que seria a cultura contemporânea. Um tanto mais pessimista, acaba, mesmo assim, por

encontrar a Cultura-Mundo sugerida por Lipovestky e Serroy.

Na pós-modernidade, cultura passa a ser entendida, apenas como uma

maneira agradável de passar o tempo. É óbvio que a cultura pode ser isso

também mas, se acabar sendo só isso, se desnaturará e depreciará: tudo o que

faz parte dela se equipara e uniformiza ao extremo, de tal modo que uma

ópera de Verdi, a filosofia de Kant, um show de Rolling Stones e uma

apresentação do Cirque du Soleil se equivalem (LLOSA, 2012, p. 31).

É o fim da hierarquização da cultura, da diferença entre alta e baixa cultura. As

reflexões de Vargas Llosa, Lipovetsky e Serroy se complementam. Vargas Llosa

esmiúça o que resta da cultura na contemporaneidade com uma infinidade de exemplos

e, enfatiza que a cultura hoje é o entretenimento e a diversão; Lipovetsky e Serroy se

debruçam com afinco na complexidade de todas as esferas da civilização pós-moderna

ou hipermoderna. Há, de qualquer forma, uma indignação e uma estupefação

compartilhada: o que será da cultura em breve? O que restará de cultura nesse mundo

hipermoderno ou pós-moderno?

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Outra característica dela (civilização) é o empobrecimento das ideias como

força motriz da vida cultural. Hoje vivemos a primazia das imagens sobre as

ideias. Por isso, os meios audiovisuais, cinema, televisão e agora a internet,

foram deixando os livros para trás. Nossa cultura privilegia o engenho em

vez da inteligência, as imagens em vez das ideias, o humor em vez da

sisudez, o banal em vez do profundo e o frívolo em vez do sério (LLOSA,

2012, p. 41).

Ao abrir o jornal impresso, no caderno de cultura, ou mesmo ao ver os poucos

minutos do telejornal dedicado à cultura, o que vemos é a proliferação de agendas e

produtos culturais, quase sempre vinculadas, a essa cultura de entretenimento e

divertimento. Blockbusters, hits musicais, grandes exposições dão a tônica da cultura. A

crítica cada vez mais pulverizada, para não dizer inexistente, endossa a perpetuação

dessa lógica rasa da diversão, consumo e alienação. Não há diversidade cultural

presente nos cadernos culturais, apesar da enorme riqueza de manifestações culturais

existentes em cada canto do planeta. Mas a banalização da cultura, ou simplesmente, a

homogeneização da cultura e a proliferação dos produtos culturais é algo que está na

ordem do dia da imprensa.

O que antes era revolucionário virou moda, passatempo, brincadeira, ácido

sutil que desnatura o fazer artístico e o transforma em apresentação de teatro

Grand Guignol. Nas artes plásticas a frivolidade chegou a extremos

alarmantes. O desaparecimento de consensos mínimos sobre os valores

estéticos faz que nesse âmbito a confusão reine, pois já não é possível

discernir com certa objetividade o que é ter e o que é não ter talento, o que é

belo e o que é feio, qual obra representa algo novo e duradouro e qual não

passa de fogo de palha. Uma cultura que sofre de hedonismo barato e

sacrifica ao divertimento qualquer outra motivação e desígnio (LLOSA,

2012, p. 43).

A democratização da cultura possibilitou um acesso numa esfera global, ao

mesmo tempo, em que banalizou, padronizou e homogeneizou toda a vida cultural, onde

impera a superficialidade de conteúdo e a frivolidade. É a massificação da ideia da

cultura. Mário Vargas Llosa quase sugere que o fim da alta cultura (democratização)

representa o princípio do fim da cultura.

É bem verdade que ninguém mais lê livros como antigamente. Todavia, milhares

de livros estão disponíveis no mercado e nunca os clássicos estiveram tão ao alcance da

mão de todos. Não há mais contemplação da obra de arte como algo que tange o

universo sagrado. Porém, as obras basilares (balizares) da história da arte podem ser

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acessadas por todos e, atualmente, os museus são frequentados por multidões; algo

jamais visto antes na história.

A pós-modernidade levou a cultura para esse lugar esquizoide, de pastiche;

sentenciada a girar na Roda da Fortuna da Indústria Cultural. Se a Modernidade

inaugurou a nova era da mercadoria cultural, é na pós-modernidade que ela se encontra

em sua forma plena, reinando cada vez mais absoluta. É natural que diante dessa

profusão de imagens, produtos, propagandas, etc., o sentimento seja de desespero,

estupefação e desorientação. Para os amantes da Cultura, parece não haver mais saída.

Como anuncia Vargas Llosa, a cultura está soterrada em baixo de um grande parque de

diversões:

Banalização lúdica da cultura imperante, em que o valor supremo é agora

divertir-se e divertir, acima de qualquer outra forma de conhecimento ou

ideal. As pessoas abrem um jornal, vão ao cinema, ligam a teve ou compram

um livro para se entreter, no sentido mais ligeiro da palavra, não para

martirizar o cérebro com preocupações, problemas, dúvidas (LLOSA, 2012,

p. 123).

Não há mais o tempo e o interesse necessário para a cultura que exige reflexão.

Todos estão absortos em seus computadores, celulares e televisores, basicamente, se

divertindo.

Mas, resta, ainda, uma esperança: a essência da cultura. Se a cultura é um

mosaico aberto, ilimitado e poroso; um processo em constante evolução histórica pode

ser ela mesma é a solução para o problema da contemporaneidade.

Assim, retornarmos ao conceito de “cultura comum” cunhado pelo teórico

Raymond Williams, em Cultura e Sociedade (1958). Para Williams, “a cultura é de

todos, em toda a sociedade e em todos os modos de pensar”, este o sentido do termo

“cultura comum”. Porém se a cultura é de todos, não é igual para todos. Ela pressupõe a

igualdade do ser, sem a qual ela não poderá ser de todos. E é o desafio da construção de

uma cultura comum numa sociedade capitalista contemporânea.

Raymond chama atenção para que ocorra uma “cultura comum” é necessário que

todos tenham acesso a qualquer tipo de atividade. Para ele, a chave da discussão não

está entre a oposição tradicional entre “alta cultura” e “cultura popular”, o foco está em

estabelecer a distinção crucial entre as formas alternativas de se conceber a natureza da

relação social. Para Williams (1969, p. 340), a saída está na ideia de solidariedade como

“potencialmente, a verdadeira e real base de uma nova sociedade”. Solidariedade e

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“cultura comum”. Algo que, como o próprio autor sinaliza, não é possível determinar

um caminho pronto, de curso delineado:

Qualquer civilização hoje imaginável depende de ampla variedade de

capacidades altamente especializadas, que acarretarão, em partes definidas da

cultura, inevitável fragmentação da experiência. A atribuição de privilégios a

certos tipos de capacitação profissional vem constituindo procedimento

tradicional e será difícil mudar esse hábito até o ponto que se faz necessário,

para se assegurar uma substancial igualdade de condições, indispensável ao

sentimento de comunidade. Em nossos dias, uma cultura comum não se

confundirá com a da sociedade simples e homogênea dos velhos sonhos. Será a

de uma organização complexa, a exigir contínuo ajustamento e revisão. Em tão

difícil organização, o único elemento capaz de lhe assegurar estabilidade, que

se pode conceber, é o sentimento de solidariedade. Mas para fazê-lo operar será

necessário que estejamos constantemente a redefini-lo. Além da dificuldade

intrínseca de descobrir a motivação para esse sentimento de solidariedade,

serão muitas as tentativas de retorno aos velhos sentimentos, a serviço de

qualquer novo desenvolvimento seccional. O que desejo aqui acentuar é que

essa primeira dificuldade – a compatibilidade de uma especialização crescente

com uma cultura genuinamente comum – só se resolverá num contexto de

comunidade das condições materiais da sociedade e através do processo

democrático em sua plenitude. (WILLIAMS, 1969, p. 341).

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CAPÍTULO 2

CULTURA NO BRASIL

Nesta hora de sol puro, palmas paradas, pedras polidas, claridades, faíscas,

cintilações, eu ouço o canto enorme do Brasil (Ronald de Carvalho, Toda la

América, 1930).

2.1. Modernidade e Modernismo no Brasil

Nosso breve estudo sobre a cultura brasileira tem como demarcação temporal o

advento da modernidade no país até os dias de hoje. Para tanto, não iremos nos prender

a uma análise histórica (aqui o contexto histórico aparece com o pano de fundo), o

recorte é basicamente sociológico e atento às questões culturais: os movimentos, os

personagens e obras que contribuíram, de maneira mais relevante, para a formação da

cultura brasileira.

No campo da sociologia, teremos o auxílio essencial de Renato Ortiz, em

Cultura brasileira e identidade nacional (1985). Através de um estudo minucioso sobre

a construção da nossa identidade nacional, Ortiz recorda o pensamento dos principais

intelectuais brasileiros que se detiveram sobre a questão da identidade e da cultura

brasileira. Como bem sinaliza na introdução do livro: “Toda identidade é uma

construção simbólica (...). Não existe uma identidade autêntica, mas uma pluralidade de

identidades, construídas por diferentes grupos sociais em diferentes momentos

históricos” (ORTIZ, 1985, p. 8).

Com a percepção de que a identidade é plural, conseguiremos compreender de

que forma se deu a evolução dessa construção de identidade e, consequentemente, do

desenvolvimento da cultura brasileira.

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No campo da cultura enquanto movimentos, personagens e obras, inicialmente,

contamos com o auxílio da obra Da Antropofagia a Brasília: Brasil 1920-1950 (2002),

organizado por Jorge Schwartz e, depois, de outras obras, como 1992: a semana que

nunca acabou (2012), do jornalista Marcos Augusto Gonçalves, e Vanguarda europeia

e modernismo brasileiro (2012), de Gilberto Mendonça Telles. A proposta, nesse

sentido, é juntar o pensamento desses autores em suas respectivas obras e observar de

que forma a sociologia reverbera no campo da arte e vice-versa, tendo assim uma visão

mais global da cultura brasileira.

2.2. Pindorama, Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz, Brasil

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a

felicidade (Oswald de Andrade, Manifesto Antropofágico, 1928).

É curioso notar que os precursores das ciências sociais no Brasil, tais como

Sílvio Romero (1851-1914) e Euclides da Cunha (1866-1909), escrevem suas teses na

virada do século XIX para o século XX, justo em momento de transição. Em 1888,

acontece a abolição da escravatura; em 1889, ocorre a proclamação da República e a

instauração da Primeira República (1889-1930). E é também um período marcado por

inúmeras crises econômicas (encilhamento 1889-1891) e conflitos sociais: Revolta da

Vacina em 1904, Revolta da Chibata em 1910, Guerra do Contestado entre 1912-16,

movimentos operários de 1917-19, Revolta dos tenentes em 1922, e Revolta de 1924, só

para citar alguns exemplos.

Mesmo diante dessa transição, desse impasse em que o Brasil se encontrava, os

intelectuais do período (1888-1914), a exemplo de Sílvio Romero e Euclides da Cunha,

insistiam em construir uma identidade de um Estado brasileiro que ainda não existia:

As modificações realizadas na esfera socioeconômica (fim de uma economia

escravagista, emergência de uma classe média) ainda não tinham se

consolidado no interior de uma nova ordem social. Vivia-se um momento de

transição e, neste sentido, as teorizações sobre a realidade brasileira refletiam

necessariamente o impasse vivenciado. As ciências sociais da época

reproduzem, no nível do discurso, as contradições reais da sociedade como

um todo. A inferioridade racial explica o porquê do atraso brasileiro, mas a

noção de mestiçagem aponta para a formação de uma possível unidade

nacional (ORTIZ, 1985, p. 34).

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Além da questão do declínio do Romantismo (1836-1881) no Brasil, havia uma

necessidade por parte desses intelectuais de dar conta desse novo Estado brasileiro em

formação. As teorias raciológicas europeias, tais como o positivismo de Comte, o

darwinismo social e o evolucionismo de Spencer, que entram em voga no Brasil

(mesmo com uma defasagem temporal entre o momento de produção e o momento de

consumo), são aclimatadas para dar conta da questão da identidade nacional. Porém,

logo de cara, essas teorias colocam uma problemática ainda maior aos nossos autores:

como pensar a nossa identidade nacional dentro de um quadro onde a “superioridade”

da civilização europeia torna-se decorrente das leis naturais que orientam a história dos

povos? Como lembra Ortiz (1985, p. 15):

Aceitar as teorias evolucionistas implicava analisar-se a evolução brasileira

sob as luzes das interpretações de uma história natural da humanidade; o

estágio civilizatório do país se encontrava assim de imediato definido como

inferior em relação à etapa alcançada pelos países europeus. Torna-se

necessário, por isso, explicar o “atraso” brasileiro e apontar para um futuro

próximo, ou remoto, a possibilidade de o Brasil se constituir como povo, isto

é, como nação.

Para dar conta deste descompasso, desta suposta inferioridade brasileira, o

pensamento brasileiro da época acaba por encontrar sua justificativa em duas noções: o

meio e a raça. Assim, a interpretação, nessa altura, tem um viés completamente racista e

determinista; clima e raça explicando a natureza “indolente” do brasileiro. Por exemplo,

Sílvio Romero, em Cantos populares no Brasil (1883), divide a população brasileira em

habitantes das matas, das praias e margens do rio, dos sertões e das cidades.

É importante notar que até o final da escravatura, os negros, ideologicamente,

não faziam parte do discurso: eles simplesmente não existiam enquanto etnia. Mas essa

posição é revista com o advento da Abolição.

Como fato político e econômico, marca o início de uma nova ordem, o negro

deixa de ser mão-de-obra escrava para se transformar em trabalhador livre. Mesmo

sendo considerados pela sociedade como cidadãos de segunda categoria, os negros

adquirem uma importância maior do que a dos índios.

Assim, surge a teoria da mestiçagem; a afirmação de que o Brasil se constitui

através da fusão entre três raças: o branco, o negro e o índio. Porém, o “mito” das três

raças não desemboca em uma teoria positiva. Ao contrário, era justo, essa mistura –

presença do negro e do índio – que tornava o brasileiro inferior. E representava um

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entrave civilizatório – a impossibilidade do desenvolvimento capitalista no país. Logo,

para esses intelectuais, o Brasil teria uma identidade plena num futuro, ou seja, quando

a sociedade passasse por um processo de “branqueamento”. Essas ideias racistas

influenciaram a elite intelectual brasileira entre 1888 e 1914.

Porém, diante do início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), é instaurada

no Brasil a emergência de um espírito nacionalista, que procurava desvencilhar-se das

teorias raciais e ambientais características do início da República Velha.

O mito das três raças se estabelece na virada do século, mas ainda não de forma

plena. A mudança, no interior do mito, começa a ocorrer a partir das primeiras décadas

do século XX, quando há uma evolução decisiva na economia e da sociedade brasileira,

que correspondem a esse momento de despertar nacionalista. Mas é o Modernismo que

irá dar conta dessa equação.

A partir das primeiras décadas do século XX, o Brasil sofre mudanças

profundas. O processo de urbanização e de industrialização se acelera, uma

classe média se desenvolve, surge um proletariado urbano. Se o Modernismo

é considerado por muitos como um ponto de referência, é porque o

movimento cultural trouxe consigo uma consciência histórica que até então

se encontrava de maneira esparsa na sociedade (ORTIZ, 1985, p. 39).

Se Ortiz aponta para o movimento cultural modernista como responsável por

engendrar tal concepção, não é à toa. De forma plural e multidisciplinar, o Modernismo

abarcou todas as manifestações artísticas – literatura, artes plásticas, escultura,

arquitetura, música etc. E conseguiu explorar e afirmar, positivamente, as forças étnicas

brasileiras, principalmente, colocar a mestiçagem como o grande atributo da identidade

nacional.

Mas é importante ressaltar que o caminho não foi fácil, foram muitas tentativas,

incursões e manifestos para dar conta da questão. O problema enfrentado pelos

modernistas, basicamente, consistia em que as mudanças que o Brasil sofrera no

princípio do século XX representaram uma modernização na esfera da política e da

economia, mas o mesmo não poderia ser dito sobre a esfera cultural. Nesse campo, o

país continuava a ser uma “colônia das letras”.

Um pouco antes da Semana de Arte Moderna de 1922 (considerada o marco do

modernismo no Brasil), o diplomata e escritor Graça Aranha (1868-1931), um de seus

promotores, inclusive, publica a obra de gênero filosófica Estética da vida (1921). Nela,

o autor aponta para uma falta de comunhão entre a alma brasileira e a natureza, pois,

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para ele, as “três raças” formadoras do Brasil atuavam por um artificialismo cultural; e a

constituição de uma cultura verdadeiramente brasileira deveria criar uma nova relação

com a natureza do país. Graça Aranha diz:

O espírito moderno é dinâmico e construtor. Por ele temos de criar a nossa

expressão própria. Em vez de imitação, criação. Nem imitação europeia, nem

a imitação americana – a criação brasileira (ARANHA apud TELLES, 1987,

p.318).

Apesar da inegável influência francesa nas suas concepções estéticas, Graça

Aranha compreendia que a elite brasileira voltava as costas para suas raízes tropicais e

que essa fratura seria a causa do artificialismo cultural dominante.

2.3. São Paulo, berço do Modernismo

Mas por que São Paulo é considerado o berço do Modernismo no Brasil?

Na virada do século XIX para o XX, a cidade de São Paulo começa a deixar para

trás o seu casulo colonial. É preciso lembrar que nenhum lugar do país experimentou a

aceleração do tempo e espaço, promovida pela mudança industrial e tecnológica, de

forma tão veloz e concentrada como a cidade de São Paulo. Se a modernidade, na virada

do século, chega ao Rio de Janeiro – esta já era capital influente e porto internacional –,

seu impacto quase não fora percebido. Porém, a capital paulista, nessa altura, não

passava de uma vila provinciana. E o efeito modernizador do “progresso” pelo qual

passou foi sentido como um furacão; em apenas quatro décadas, transformou a cidade

em centro urbano, industrial, comercial e, em tese, cosmopolita.

A elite paulista também foi fundamental para “modernizar culturalmente a

capital do café”. Em ação conjunta com o poder público, a elite cafeeira criou

instituições educacionais, científicas e artísticas no estado, tais como o Liceu de Artes e

Ofícios (1873), o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (1894), o Museu

Paulista (1895), a Pinacoteca do Estado (1900), o Conservatório Dramático e Musical

de São Paulo (1906), o Teatro Municipal de São Paulo (1911) e a Sociedade de Cultura

Artística (1912).

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Em 1922: a semana que não terminou (2012:68), o jornalista Marcos Augusto

Gonçalves enfatiza a importância da transformação socioeconômica que São Paulo

vivia:

Na década de 1910, a tradicional sociedade das fazendas ganhava uma

interface urbana mais definida e convincente. Famílias do interior

transferiam-se para a capital, onde a “picareta civilizadora” – como observou

o cronista Couto de Magalhães – abria novos espaços e substituía os pesados

casarões por prédios elegantes e construções à moda de tudo, de chalés suíços

a moradias bretãs ou italianas. (...)

Na década de 1920, São Paulo acelera ainda mais seu crescimento urbano

(automóveis) e industrial (fábricas, máquinas, locomotivas) e, sobretudo, sofre uma

mudança de temporalidade e sociabilidade. Diante desse novo impulso, há ainda uma

maior migração de estrangeiros, criando condições melhores para se tornar efetivamente

uma cidade moderna e, sobretudo, modernista.

É importante ressaltar como Mário de Andrade (1893-1945) e Oswald de

Andrade (1890-1954), os principais ideólogos do movimento, defenderam São Paulo

como o berço do Modernismo. Nas palavras de Mário, proferidas em sua célebre

conferência realizada na Casa do Estudante, no Rio de Janeiro, em 1942 (MÁRIO apud

SCHWARTZ, 2002, p. 476): “Ora, São Paulo estava muito mais ‘ao par’ que o Rio de

Janeiro. E, socialmente falando, o modernismo só podia mesmo ser importado por São

Paulo e arrebentar na província (...)”. Já Oswald, em seu também famoso discurso

proferido em 1954, afirma:

Se procurarmos a explicação do porque o fenômeno modernista se processou

em São Paulo e não em qualquer outra parte do Brasil, veremos que ele foi

consequência de nossa mentalidade industrial. São Paulo era de há muito

batido por todos os vento da cultura. Não só a economia cafeeira promovia os

recursos, mas a indústria na sua ansiedade do novo, a sua estimulação do

progresso, fazia com que a competição invadisse todos os campos de

atividade (OSWALD apud SCHWARTZ, 2002, p. 477).

A visão de uma Viena fin-de-siècle tropical ou de uma Paris das luzes

tupiniquim não parece ser unânime entre os teóricos que estudam o movimento

modernista brasileiro. Para a crítica de arte Annateresa Fabris, essa ideia de uma São

Paulo moderna, por excelência, é mais mito romântico do que realidade. No artigo

Figuras do Moderno possível, que faz parte do livro Da Antropofagia a Brasília: Brasil

1920-1950, ela diz:

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Se for aceita a premissa de que a idade industrial provocou uma mudança

profunda na função da arte e na natureza da imagem, e se for confrontado

esse pressuposto com as concepções vigentes no Brasil no momento

constitutivo do Modernismo, encontrar-se-á um quadro de referências

bastante diferente daquele europeu, próximo de uma visão realista (quando

não acadêmica), e avesso àquelas categorias anti-sublimes e desumanizadoras

que representavam um dos traços fundamentais das vanguardas históricas.

Tal diferença de enfoque não é casual, devendo ser reportada à questão da

revolução tecnológica, muito mais mito do que presença efetiva no Brasil do

começo do século XX, que se projeta no universo do artifício por um desejo

de atualização sem, contudo, ter vivido de perto as profundas transformações

antropológicas engendradas pelo novo modelo de produção (FABRIS, 2002,

p. 42,43).

Para Annateresa, não há uma Paulicéia moderna, assim, rapidamente constituída.

O que havia, entre os moços modernistas, era um desejo, uma idealização futurista de

uma São Paulo moderna e palpitante:

A Modernidade defendida pelos artistas de São Paulo responde a essa

vontade de atualização, informada pelo princípio de estilização e pela

determinação de um núcleo temático alicerçado na imagem da cidade

industrial; congenial com a situação de São Paulo, a proposta modernista é

portadora de implicações estéticas e sociológicas. (...) Conscientes de que o

horizonte tecnológico transformara as concepções e os modos de vida da

sociedade ocidental, os modernistas desejam participar do clima de

renovação mundial e encontrar uma expressão artística adequada aos desafios

do século XX (FABRIS, 2002, p. 43).

Seja como for – mito ou realidade –, essa Modernidade pulsante da capital do

café dos anos 1910 e 1920 ficou para a história e ainda faz parte do imaginário paulista.

2.4. Pré-Modernismo à brasileira

Jorge Schwartz, em seu artigo Tupi or not Tupi que também está no livro Da

Antropofagia a Brasília: Brasil 1920-1950, enfatiza que o Modernismo brasileiro oscila

entre os elementos nacionais e internacionais; porém, busca criar e manter, acima de

tudo, a sua brasilidade: “Ao mesmo tempo que procura atualizar os elementos nacionais,

sente-se atraída pela a medusa dos ventos vanguardistas europeus e tenta não cair na

mera imitação de modelos alheios sem perder, com a adoção de novas linguagens, seu

caráter nacional” (SCHWARTZ, 2002, p. 143).

Nesse sentido, é curioso notar que algumas manifestações artísticas que ocorrem

durante os anos 1910, numa etapa preparatória do movimento, num pré-modernismo,

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por assim dizer, pendem mais fortemente para uma reprodução, pura e simplesmente,

das linguagens estéticas europeias. Como, por exemplo, quando, em 1916, Oswald de

Andrade (1890-1954) e Guilherme de Almeida (1890-1969) escrevem as peças Mon

Coeur Balance e Leur Âme. Além de reproduzirem repertórios do Simbolismo, os

autores escolhem a língua francesa para dar forma a esse “teatro dos amores perdidos” –

em consonância com o momento em que elites políticas e intelectuais brasileiras ainda

se encontravam, ou seja, afrancesadas.

Em contrapartida, nesse pré-modernismo (1910-1920), é possível encontrar

exemplos que fogem da mera imitação e constituem algo novo. Exemplo disso é a

coleção de poemas La Divina Increnca (1915), escrita por Juó Bananére – pseudônimo

adotado pelo escritor Alexandre Ribeiro Marcondes Machado (1892-1933).

O autor estava atento às transformações sociais que a capital paulista vivia,

especialmente sob o impacto da imigração estrangeira que destilava uma polifonia de

dialetos e idiomas pelas ruas da cidade, como hebraico, alemão, espanhol, árabe. Tal

como Bananére captou, com muito humor, a língua que se destacava era o italiano,

alcançando as calçadas, naquela mistura macarrônica ítalo-paulistana (e que ainda

podemos encontrar, com força, nos bairros da Mooca, Brás, Bexiga etc.).

Sua Divina Increnca, em forma de paródia, faz uma crítica social e brinca com a

presença italiana na cidade: “Che sbornia, che pagodêra,/ Che pandiga, che arrelia,/ A

genti sempre afazia/ Nu largo d'Abaxo o Piques,/ Passava os dia e as notte,/Brincando di

scondi-scondi,/I atrepáno nus bondi,/Bulino cos conduttore” (BANANÉRE, 2001, p.

72).

Outro que merece destaque nesse cenário de construção de algo novo, de caráter

brasileiro, é o artista plástico Vicente do Rego Monteiro (1899-1970). Em 1921, o

artista pinta a obra Antropófago. Um índio escultural, forte, que segundo Jorge

Schwartz (2002, p.147) “recostado na placidez do ócio paradisíaco”, saboreia um fêmur.

Pode-se afirmar que Rego Monteiro é o primeiro artista plástico que se volta de

forma sistemática para a questão da identidade nacional, através de representações da

vida e de lendas indígenas. Inclusive, podemos dizer que Vicente antecipa a temática da

Antropofagia. Essa obra foi realizada sete anos antes de Abapuru (1928), de Tarsila do

Amaral, e do Manifesto Antropófago (1928), de Oswald de Andrade. Tanto é que,

quando Oswald de Andrade convida Rego Monteiro para participar do grupo

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antropofágico, em 1930, Vicente Rego recusa, pois se considera anterior ao grupo e,

portanto, seu precursor.

Figura 2 - O Antropófago, Vicente de Rego Monteiro, 1921.

Para todos os efeitos, o grande precedente do movimento cultural modernista,

comumente citado pelos teóricos, diz respeito à exposição de Anita Malfatti (1889-

1964), em 1917. Nesta, sua pintura marcada pelo Expressionismo alemão e americano

provocou polêmica e escândalo. Mesmo assim, a crítica da época reconheceu em sua

obra, o primeiro olhar moderno brasileiro e um ponto de partida para as vanguardas

históricas brasileiras.

Para Mário de Andrade, autor-chave do movimento modernista, a exposição de

Malfatti representou um despertar de sua consciência modernista. “Reza a lenda” que,

quando Mário entrou na exposição e se deparou com o quadro O Homem amarelo

(1915-16), se pôs a rir sem parar. Pelas mãos do poeta, o impacto da obra tornar-se-ia

um soneto parnasiano. Depois, Mário viria a adquirir o quadro.

O final da década de 1910 foi marcado por uma efervescência cultural e, pouco a

pouco, os “modernistas da caverna”, como graciosamente Marcos Augusto Gonçalves

(2012, p. 156) chama os moços modernistas, começaram a colocar “as asinhas para

fora”. Em 1918, Oswald de Andrade, outro pivô fundamental do movimento

modernista, dá um novo sentido a sua garçonnière – que até então era utilizada para

encontros amorosos e reuniões entre amigos – e começa a compor com seus amigos

uma espécie de diário coletivo: O perfeito cozinheiro das almas deste mundo. Era um

caderno de duzentas páginas, no qual adicionavam tiradas líricas, pastiches, poemas,

trocadilhos, xingamentos, gozações, caricaturas etc.

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Em dezembro de 1920, Mário de Andrade já anunciava, em um artigo da revista

Ilustração Brasileira, o que estava por vir na Semana de Arte Moderna de 1922, mesmo

que de forma embrionária: “Os palácios de mármore dos parnasianos” começavam a

ruir “sob o alaúde vertiginoso da mocidade alegre e triunfal” (ANDRADE apud

GONÇALVES, 2012, p. 215).

Mas foi no começo de 1921 que, de fato, tem-se um vislumbre do que viria a ser

a Semana e o movimento modernista. Para alguns, o “Manifesto do Trianon”, como

ficou conhecido, teria sido o lançamento oficial do movimento modernista na capital

paulista. Um grupo de prestígio político e intelectual (entre eles, Oswald de Andrade,

Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Victor Brecheret e Affonso de Taunay) se

reuniu no restaurante Trianon para homenagear o escritor Menotti del Picchia (1892-

1988), que lançava uma edição do poema Máscaras. Mas foi Oswald de Andrade quem

deu o tom modernista ao evento, segundo o jornalista Marcos Augusto Gonçalves

(2012, p. 219):

Não poderia faltar ao discurso a exaltação do dinamismo paulista, pano de

fundo da inquietação dos novos artistas e escritores, que pretendiam seguir

pelos “espantosos caminhos da arte atual”. Num mundo – dizia o orador

futurista – em que o pensamento e a ação se deslocavam, “num milagre lento

e seguro”, da Europa para “os países descobertos pela súplica das velas

europeias”, São Paulo surgia como uma espécie de Canaã, terra prometida da

modernidade. Com suas chaminés e “gargantas confusas”, seus conjuntos de

“palácios americanos” e seus bairros em veloz expansão, a cidade agitava,

num “tumulto egoísta e inteligente”, as “profundas revoluções criadoras de

imortalidades”.

O discurso de Oswald figurou como um anúncio de uma proposta que sugeria o

rompimento com as formas estéticas do passado e a adoção de um repertório novo.

Entretanto, é importante destacar a crítica que Marcos Augusto Gonçalves (2012, p.

195) faz sobre a forma pela qual nosso modernismo se instaura:

A oligarquia do café, em sua expressão mais esclarecida, imaginava-se,

segundo Berriel, como uma burguesia clássica, considerava-se portadora de um

projeto nacional que abarcava, além do poder econômico e político, o poder

cultural. Paulo Prado seria a expressão mais cosmopolita e moderna – e

também aristocrática – dessa ilusão, que desmoronaria, afinal, no fim da

década de 1920, com o crack das bolsas e a revolução de 1930. Berriel aponta

uma diferença crucial entre o processo de instauração da arte moderna na

Europa, sobretudo na França, e no Brasil. Enquanto por lá a nova estética

precisou conquistar terreno à margem dos salões oficiais, no Brasil essa mesma

arte ingressou “pela via oficial e conduzida pela mão do poder”. A inversão

revelaria o esforço de modernização de um poder já assentado – no caso, o do

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café –, que desejava ir além. Por seu caráter renovador e sua vocação

insurrecional, a arte moderna teria uma contribuição a dar nessa tentativa de

ascendência intelectual da elite paulista.

Como veremos a seguir, o surgimento do modernismo brasileiro se dá entre os

seios da elite paulista, e não de forma consoante com todo o escopo da sociedade.

2.5. Modernismo brasileiro

O Modernismo no Brasil tem como marco simbólico a Semana de Arte

Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, durante três dias: 13, 15 e 17 de

fevereiro de 1922. O evento, que é recordado até hoje como convulsivo, carnavalesco,

irreverente e polêmico, foi marcado pelo seu caráter multiartístico e heterogêneo, com

conferências, saraus, concertos e uma exposição de arquitetura e artes plásticas.

Organizada para celebrar o Centenário da Independência, a Semana de Arte Moderna

declarou o rompimento com a cultura oficial “passadista”, associada às correntes

literárias e artísticas anteriores: o parnasianismo, o simbolismo e a arte acadêmica. E

acabou sendo considerado o ingresso do Brasil na modernidade.

Há uma série de divergências sobre a origem da ideia (quem, como, onde e

quando) da Semana de Arte Moderna, muito bem relatadas no livro do jornalista

Marcos Augusto Gonçalves (2012). Aqui ficamos com a versão que encontra maior

aceitação entre os pares modernistas e, como tal, parece ser a mais próxima do que de

fato ocorreu:

Di Cavalcanti, em conversas com Guilherme de Almeida e Jacinto Silva, teve

a ideia de promover uma espécie de salão modernista, a ser realizado na

própria livraria onde o pintor fazia sua exposição. A sugestão, já apresentada

ao grupo modernista, coincidiu com as intenções de Graça Aranha, que, ao

retornar da Europa, precipitou os acontecimentos. O escritor procurou os

paulistas, inteirou-se das propostas e expôs suas ideias. Sugeriu que se fizesse

uma aliança com os artistas do Rio e levou os rapazes a Paulo Prado, que

estaria disposto a patrocinar a aventura. As primeiras reuniões aconteceram

no Grande Hotel da Rôtisserie Sportsman, onde Graça se hospedava, e no

palacete do autor de Paulística. Num desses encontros – ou talvez no

primeiro, apenas com a presença de Di, na residência de Prado – discutiu-se a

hipótese de um evento mais amplo e estruturado. (...) Quanto ao Teatro

Municipal, a sugestão teria sido de Paulo Prado, único em condições de

conseguir o principal palco da cidade para um festival de arte moderna

(GONÇALVES, 2012, p. 261).

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Concebida, inicialmente, então, por assim dizer, pelo pintor Emiliano Di

Cavalcanti (1897-1976) e pelo intelectual Graça Aranha, a Semana realizou-se como

iniciativa conjunta entre intelectuais, pintores, poetas, músicos etc. Estiveram presentes,

escritores como Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Ronald de Carvalho (1893-

1935), Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia e Manuel Bandeira (1886-1968), que

não compareceu ao evento mas cuja literatura se fez presente mediante a leitura do

provocativo poema O Sapo. Músicos como Villa-Lobos (1887-1960) que, aliás, foi o

artista que recebeu maior destaque na semana, tendo apresentado ao todo vinte peças de

sua autoria. E também compareceram o próprio Graça Aranha e o mecenas do

movimento, Paulo Prado (1869-1943).

Na área da arquitetura, a exposição foi representada por Antônio Garcia de

Moya (1891-1949) e por Georg Przyrembel (1885-1956); na escultura, por Victor

Brecheret (1894-1955) e Wilhelm Haarberg (1891-1986). E, na pintura, por Anita

Malfatti, Di Cavalcanti, Jonh Graz (1891-1980), Zina Aita (1900-1967), João Fernando

de Almeida Prado (1898-1987), Oswaldo Goeldi (1895-1961), Ignácio da Costa Ferreira

(1892-1958) – conhecido como Ferrignac – e Vicente do Rego Monteiro.

Diante da abrangência cultural e de seu espírito plural, pode-se dizer que a

Semana de Arte Moderna de 1922 foi o começo daquilo que Mário de Andrade afirma

em sua famosa conferência de 1942 (ANDRADE apud SCHWARTZ, 2002, p. 477):

“Vivemos uns oito anos, até perto de 1930, na maior orgia intelectual que a história do

país registra”.

Orgia intelectual que começa com a defesa de uma nova estética brasileira,

concebida através do vínculo estreito com as linguagens das vanguardas europeias do

século XX (Cubismo, Futurismo, Surrealismo, Dadaísmo etc). Tal esforço de

redefinição da linguagem artística se articula a um forte interesse pelas questões

nacionais e pelo compromisso com a independência cultural do país para, uma vez por

todas, enterrar a “colônia das letras”. Como recorda Schwartz (2002, p. 144):

A semana de 22 vem no encalço das comemorações do primeiro centenário

da Independência do Brasil e é contemporânea à fundação do partido

comunista brasileiro. Por sua parte, o acontecimento marca a superação dos

modelos considerados ultrapassados do século XIX, o esgotamento de uma

literatura com exagerada influência dos cânones europeus finisseculares, o

ingresso do Brasil na Modernidade e o nascimento de uma literatura nacional,

amalgamada a uma forte afirmação de brasilidade.

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Sem um programa estético definido, a Semana desempenha na história da

cultura brasileira muito mais uma etapa de rejeição ao conservadorismo vigente na

produção literária, musical e visual do que efetivamente um acontecimento construtivo

de propostas e criação de novas linguagens. Como aponta Marcos Augusto Gonçalves

(2012, p. 270), tratava-se de um “modernismo plantation”:

A entrada dos modernistas pela porta da frente, no ano do centenário da

independência, com direito à presença do governador e do Grand Monde

paulista, não seria possível sem compromissos. E estes não consistiam

simplesmente em abrir mão de escolhas estéticas radicais para facilitar o êxito

do espetáculo. Na realidade, com uma ou outra exceção, mal havia escolhas

estéticas radicais das quais abrir mão. Naquele momento, estava tudo a meio

caminho, em nosso modernismo plantation. O velho tardava em se retirar e o

novo ainda não reunia energias para se impor. A semana, é certo, irradiou um

sentimento de rejeição à arte oficial e ao “passadismo”, mas o fez por

intermédio de obras que, em muitos aspectos, se conectavam à tradição que

pretendiam confrontar.

Foi uma Semana de Arte mais constituída por discursos do que por obras

substanciais de vanguarda, ditas brasileiras. Nesse “modernismo plantation”, havia um

pouco de tudo: estéticas do passado misturadas com as novas teorias europeias de

vanguarda; tudo apurado em nome de uma cultura brasileira.

O elo de união entre os distintos artistas era, segundo seus dois principais

ideólogos, Mário e Oswald de Andrade, a negação de todo e qualquer "passadismo": a

recusa à literatura e à arte importadas. Vale aqui ressaltar que o discurso modernista

habitualmente utilizava o termo “futurismo”, mas num sentido distinto proposto pela

corrente europeia, cunhado pelo poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944).

Para os nossos modernistas, como Oswald e Menotti Del Picchia, o “futurismo”

designava as propostas novas que se opunham às receitas “passadistas” e “acadêmicas”.

Como Marcos Augusto Gonçalves explica (2012, p. 20):

A polarização “futurismo” x “passadismo” servia como tática retórica eficaz

– mas também simplificadora. Este aspecto do discurso modernista, que se

apresentava como ruptura com o “velho”, acabava por atirar na lata do lixo

do “passadismo” manifestações variadas, às quais, digam-se, não raro os

próprios “novos” estavam atados. (...) Os rapazes modernistas desejavam

apenas “ser atuais, livres de cânones gastos, incapazes de objetivar com

exatidão o ímpeto feliz da modernidade”. A expressão “ímpeto feliz” vinha

como um grito de frescor e juventude em oposição à sisudez “passadista” e

ao ambiente soturno dos anos anteriores, imposto pela guerra. Era um traço

do movimento.

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Em De olho em Mário de Andrade (2012), o sociólogo André Botelho enfatiza

que o “novo grito do Ipiranga” dos jovens modernistas representava uma renovação da

sensibilidade. E também ressalta que o contexto do momento foi essencial para a

concepção de um projeto modernista brasileiro:

Vivenciava-se naquele momento um contexto particular, marcado por uma feliz

convergência que se mostraria crucial para o projeto dos modernistas brasileiros de

renovar a sensibilidade, a imaginação social e as artes no Brasil. Refiro-me, ao lado

de questões mais gerais como os processos de modernização e urbanização então em

curso, especificamente ao interesse das vanguardas artísticas europeias do período

pela arte africana dita primitiva. Essa arte seria tomada por pintores europeus, como

o cubista espanhol Pablo Picasso, como o meio de revitalização da arte europeia,

então vista como decadente por causa do engessamento causado pela longa tradição

estética do continente. Se esse interesse pelo primitivo não explica inteiramente o

programa de abrasileiramento do Brasil de nossos modernistas, facilitou muito a

valorização do nosso passado e das nossas manifestações artísticas populares e

eruditas, até então vistas com preconceito, como se fossem expressão do nosso

atraso ou inferioridade em relação à arte europeia (BOTELHO, 2012, p. 42).

Mário de Andrade ao retomar a Semana de 1922, vinte anos mais tarde, em sua

conferência afirma:

De primeiro, foi um movimento estritamente sentimental, uma intuição

divinatória, um estado de poesia. (...) O Modernismo, no Brasil, foi uma

ruptura, foi um abandono de princípios e técnicas consequentes, foi uma

revolta contra o que era a Inteligência nacional. É muito mais exato imaginar

que o estado de guerra da Europa tivesse preparado em nós um espírito de

guerra, eminentemente destruidor. E as modas que revestiram este espírito

foram, de início, diretamente importadas da Europa (MÁRIO apud

SCHWARTZ, 2002, p. 477).

Seja como for, a Semana deveria representar uma renascença paulista e, de certa

forma, foi; ecoou nos autos da história brasileira como um divertido e provocativo

estalo da Modernidade. É o marco inicial do Modernismo como escola oficial no país,

justo, no simbólico ano do Centenário da Independência.

Mas ainda havia, pela frente, muito trabalho por fazer e corrigir. E eles sabiam.

O passo seguinte dos modernistas de São Paulo, pós-semana, aconteceu em maio de

1922, com a publicação da revista Klaxon12

. Irreverente, bem humorada e transgressora,

em sua primeira edição, a revista trazia, em seu editorial, uma auto avaliação crítica da

Semana:

12

Klaxon: mensário de arte moderna, n. 01, maio 1922. Disponível no site Biblioteca Brasiliana Guita e

José Mindlin http://goo.gl/YRA3YW. Acesso em: 03/03/2015.

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A luta começou de verdade em princípios de 1921 pelas colunas do Jornal do

Comércio e do Correio Paulistano. Primeiro resultado: “Semana de Arte

Moderna” – espécie de Conselho Internacional de Versalhes. Como este, a

semana teve sua razão de ser. Como ele: nem desastre, nem triunfo. Como

ele: deu frutos verdes. Houve erros proclamados em voz alta. Pregaram-se

ideias inadmissíveis. É preciso refletir. É preciso esclarecer. É preciso

construir. Daí Klaxon. E Klaxon não se queixará jamais de ser

incompreendido pelo Brasil. O Brasil é que deverá se esforçar para

compreender Klaxon.

Vale lembrar que a crítica não só fazia parte, como era extremamente importante

dentro do projeto modernista, e daí os muitos balanços que foram feitos sobre poesia,

literatura e artes plásticas. Nesta mesma primeira edição da Klaxon, há uma divertida e

irreverente crítica sobre uma exposição de artes plásticas, que diz:

Se o belo é de todos os lugares e de todas as espécies, é preciso acreditar que

o feio é de todos os tempos, de todos os lugares e de todas as espécies, e isso

porque aqui, em pleno século vinte, na ocasião em que toda a nova geração

de artistas se dirige ardentemente para a Beleza, nos foi dado visitar a

exposição do Sr. Hermann. Que pecado cometemos para sofrer tão dura

penitência?

As críticas eram militantes, sobretudo espirituosas, algo que se perdeu um pouco

no tempo e no espaço do jornalismo brasileiro. Talvez porque, naquela altura, havia

uma necessidade de romper com as tradições do passado. Mas fato é que a atividade

jornalística representava tanto um meio de subsistência para os escritores e intelectuais,

como também uma estratégia de ascensão intelectual, uma vez que os periódicos

constituíam a base de circulação de ideias.

E não foram poucas as revistas que circularam durante a década de 1920:

Estética (1924), Terra do Sol (1924) , Revista do Brasil (1925), A Revista (1925), Terra

Roxa e Outras Terras (1926), Revista Novíssima (1926), Festa (1927), Revista de

Antropofagia (1928), Movimento (1928), Verde (1928), Arco e Flexa (1928), Maracajá

(1929), Madrugada (1929), entre outras.

2.5.1. Primeira fase do Modernismo no Brasil (1922-1930)

Sou um tupi tangendo um alaúde (Mário de Andrade, Paulicéia

Desvairada,1922, p. 115).

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É impossível pensar o Modernismo brasileiro sem recordar o extraordinário

casal Tarsila do Amaral (1886-1973) e Oswald de Andrade, ou “Tarsiwald”, como

chegou a chamá-los outra figura fundamental do movimento: Mario de Andrade.

Arriscaria dizer que a primeira fase do Modernismo (como ficou mais comumente

conhecida) deve-se basicamente à atuação dos três. Aqui, iremos deter nossa atenção

sobre três obras: Paulicéia Desvairada (1922), Manifesto Pau-Brasil (1924) e

Manifesto Antropófago (1928).

Mário de Andrade publica Paulicéia Desvairada em 1922, logo após a Semana

de Arte Moderna. Antes de adentrarmos na obra em si, é importante falar um pouco

sobre o escritor que, aliás, é o homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty, a

Flip, deste ano de 2015, quando se celebram setenta anos de sua morte.

Mário foi um intelectual de muitas facetas, dimensões e significados. Entre as

várias áreas do conhecimento sobre as quais ele escreveu podem-se destacar a poesia,

literatura, belas-artes, música, folclore, etnografia e história. Era um prodígio

intelectual, criativo e autodidata. Ou, como ele mesmo se definiu, num dos poemas do

livro Remate de males (1930): “Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta”. Um

multifacetado Mário, um polivalente Mário.

É difícil definir Mário de Andrade, sua trajetória intelectual se encontra

misturada à da cultura brasileira. Pode-se dizer que Mário dedicou sua vida e obra numa

busca moderna de “abrasileiramento” do Brasil. Para ele, o Brasil não era somente o

lugar do sentimento, mas da imaginação, do pensamento e da criação artística. O

abrasileirar-se, para o intelectual, significa não ter aversão a valores, práticas e povos

estrangeiros. É, antes, adquirir uma maneira própria (brasileira), sem intolerância e

preconceito, de se relacionar com a história, as culturas e as pessoas do mundo.

“O nosso contingente tem de ser brasileiro” (MÁRIO apud FROTA/BOTELHO,

2002) diz ele, em carta, para Carlos Drummond de Andrade. Por isso, Mário reforça a

importância de se voltar para a cultura popular brasileira: o folclore e as manifestações

populares. O sociólogo André Botelho (2012) sinaliza que um meio estratégico de

“abrasileiramento”, utilizado por Mário de Andrade, foi explorar a aproximação da

língua portuguesa escrita (norma culta) com a língua falada (popular). Reconhecer a

língua falada do povo como uma língua literária foi uma atitude revolucionária para a

época. E acabou por significar não apenas uma conquista estética, mas também uma

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conquista social e política, dando uma voz própria ao homem brasileiro. Botelho afirma

(2012, p.75):

Essa aproximação, enfim, do “como falamos” ao “como somos” remete a um

aspecto central do pensamento e da atuação de Mário de Andrade que já

assinalamos em relação à valorização do folclore e das práticas culturais

populares como meio estratégico de abrasileiramento da cultura erudita

produzida no Brasil, especialmente a música. Assim, é crucial observar que o

sentido da diluição da oposição língua escrita (culta) e língua falada (popular),

e sua ressignificação mútua, embora tenha especificidades linguísticas próprias,

implica a diluição mais ampla entre cultura erudita e cultura popular. E é essa a

particularidade do Brasil e sua contribuição cultural mais importante, explorada

em todas as frentes de atuação de Mário de Andrade que estamos

acompanhando. Assim, sua trajetória e sua obra parecem encontrar um

denominador comum no empenho de abrasileirar a cultura e a produção

cultural do Brasil, tornando o Brasil familiar aos brasileiros.

E é justo em Paulicéia Desvairada, com seu Prefácio Interessantíssimo, que

Mário começa a pensar sobre as bases estéticas do Modernismo brasileiro.

Editado em 1922, Paulicéia Desvairada, o primeiro livro modernista da poesia

brasileira, foi escrito em apenas um mês: dezembro de 1920. Nitidamente, vemos na

obra um duplo Mário (velho e moço), dividido entre o passado e a consciência do

presente. Tal como ele alerta no prefácio: “Sou passadista, confesso. Ninguém pode se

libertar duma só vez das teorias-avós que bebeu; e o autor deste livro seria hipócrita se

pretendesse representar orientação moderna que ainda não compreende bem”

(ANDRADE, 1922, p. 9).

Mas também o moderno figura como elemento natural do presente: “Escrever

arte moderna não significa jamais para mim representar a vida atual no que tem de

exterior: automóveis, cinema, asfalto. Se essas palavras frequentam-me o livro é porquê

com elas escrever moderno, mas porquê sendo meu livro moderno, elas têm nele razão

de ser” (ANDRADE, 192, p. 34). Escrito em forma de poema, o Prefácio

Interessantíssimo vale como um primeiro manifesto do Modernismo brasileiro, ao

afirmar princípios que lidam com a relação conflituosa entre o peso da tradição e a

novidade da modernidade. Esse ideário será retomado e aprofundado pelo próprio Mário

de Andrade em textos posteriores, tais como A escrava que Não é Isaura (1924), onde

ele expõe princípios de uma poética moderna.

Ainda no mesmo ano de 1922, a artista plástica Tarsila do Amaral, retorna de

Paris, onde permaneceu por dois anos estudando arte com o pintor Émile Renard (1850-

1930). Sua volta, porém, se deu após a Semana de Arte Moderna. Mas, logo, ela

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conhece o grupo modernista através de sua amiga Anita Malfatti e começa a namorar

Oswald de Andrade. Rapidamente, formou-se o “Grupo dos Cinco” (as duas pintoras,

Mario, Oswald e Menotti), que perdurou por seis meses. Num depoimento em 1950,

Tarsila afirma: “Parecíamos uns doidos em disparada por toda parte no Cadillac de

Oswald, numa alegria delirante, à conquista do mundo para renová-lo” (TARSILA apud

GONÇALVES, 2012, p. 330).

Em dezembro de 22, a pintora retorna a Paris junto com Oswald. Em 1923, o

casal “Tarsiwald” conhece o poeta franco-suíço Blaise Cendrars (1887-1961), que

apresenta a cena intelectual parisiense. É interessante notar que essa vivência na França

representou uma iniciação efetivamente moderna para Tarsila. Nesse período, a artista

estudou com os mestres cubistas André Lhote (1885-1962), Albert Gleizes (1881-1953)

e Fernand Léger (1881-1955). Sobre essa passagem parisiense, a critica de arte,

Annateresa Fabris, no artigo Figuras do Moderno possível (2002, p. 45), diz:

Tarsila do Amaral pode ser considerada a figura mais emblemática da relação

dos artistas brasileiros com a problemática da modernidade. Uma

problemática aprendida no estrangeiro para depois ser implantada no Brasil

(...). Não se pode esquecer que, em Paris, a artista não realiza apenas um

processo de iniciação moderna. A atmosfera nacionalista que impregnava a

Escola de Paris é também determinante nesse processo de formação, gerando

na pintora a vontade de conciliar o aprendizado moderno (sobretudo as lições

de seu terceiro mestre francês, Léger) com um conjunto de signos formais

provenientes da cultura popular brasileira. Disso deriva um aspecto peculiar

de sua pintura que Icleia Cattani denomina de “lugares incertos”, isto é, de

espaços de representação situados entre dois sistemas formais e duas culturas,

nos quais o que se evidencia é a permanência de diferenças e de

multiplicidades espaciais e temporais. A síntese elaborada por Tarsila,

sobretudo no momento Pau-Brasil, não exclui os aspectos antagônicos dos

diversos sistemas simbólicos mobilizados: ao contrário, acolhe-os

harmoniosamente, realizando uma utopia visual (...).

Em Paris de 1923, “Tarsiwald” conhecem artistas modernos como Pablo

Picasso, Brancusi, Stravinsky, Eric Satie e Jean Cocteau. Para além da convivência com

seus conterrâneos como Villa-Lobos, Di Cavalcanti, Paulo Prado e Olívia Guedes

Penteado. De volta ao Brasil, em 1924, Tarsila, Oswald, Mário de Andrade, Blaise

Cendrars e outros modernistas realizam a célebre viagem rumo a Minas Gerais, que

passou para a crônica do movimento como uma viagem de descoberta do Brasil. Tanto é

que Tarsila teria dito que a viagem havia despertado nela o “sentimento de brasilidade”,

conceito cunhado por Mário de Andrade.

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Plasticamente, Tarsila é quem dá a cara ao movimento modernista. Sua utopia

visual brasileira, repleta de “lugares incertos”, soube associar o aprendizado com os

mestres franceses (Lhote, Gleizes e Léger) aos temas nacionais. Como disse Oswald,

Tarsila é essa “caipirinha vestida por Poiret” (famoso estilista francês da época). Assim,

vemos surgir a primeira fase “pau-brasil”, caracterizada pelas paisagens nativas e

figurações líricas, onde talvez a obra E.F.C.B (1924) seja um ícone: com a explosão do

Brasil moderno, sua vontade antropofágica latente e sua capacidade para apropriar-se do

melhor da escola francesa. Nesta, como em outras obras, da primeira fase do pau-brasil

– A caipirinha (1923), Carnaval em Madureira (1924), Morro da favela (1924) La gare

(1925) –, Tarsila recria essa estética nos trópicos, com liberdade e energia, em um

processo de enraizamento, ou, melhor dizendo, em um processo de abrasileiramento.

2.5.2. Manifesto da poesia Pau-Brasil (1924)

Em 18 de março de 1924, Oswald de Andrade publica no jornal Correio da

Manhã o seu Manifesto da Poesia Pau-Brasil. A poesia Pau-Brasil, escreve Oswald, “é

uma sala de jantar domingueira, com passarinhos cantando na mata resumida das

gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para flauta” (Mário apud Telles,

2012:465 a 471). E, ainda, ele diz: “A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e

neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos”.

Com essa concisão lapidar, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil antecipa vários princípios

que alcançam sua forma antropofágica plena no Manifesto de 1928. Como diz Jorge

Schwartz:

Aquilo que Rego Monteiro e Mario de Andrade (Macunaíma) intuem e

antecipam, Oswald de Andrade dá sustentação teórica, Tarsila do Amaral,

extraordinária forma plástica e, desta feliz combinação, resulta uma aguerrida

retórica de política cultural celebrada até os dias de hoje. A poesia e a pintura

Pau Brasil de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral de 1924 prefiguram,

quatro anos antes, a Antropofagia, que tem lugar em 1928. (...) O uso

metafórico do pau-brasil, a madeira que foi o primeiro produto de exportação

brasileiro, já contém o germe do movimento, ao subverter a tradicional

relação entre metrópole e colônia: “Dividamos: poesia de importação. E a

poesia pau-brasil, de exportação”, afirma Oswald no referido manifesto.

2.6. Manifesto antropófago (1928)

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O Manifesto Antropófago (SCHWARTZ, 2002, p. 473,474) talvez tenha sido o

ápice da subversão e, sobretudo, da concepção de uma identidade e de uma cultura

genuína brasileira dentro do Modernismo. É como se o movimento modernista, até este

exato momento, estivesse germinando, aqui e ali, sementes. E que, por fim, floresceria

e encontraria sua forma plena neste manifesto.

Para compreender melhor a importância do Manifesto Antropófago para a

cultura brasileira é importante recordar a definição de identidade cunhada pelo

sociólogo Renato Ortiz: “Toda identidade se define em relação a algo que lhe é exterior;

ela é uma diferença” (1986:20). E é isso que o manifesto conquistou: criou uma

identidade nacional única, que é uma diferença em relação à da cultura europeia.

Em 1928, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, junto a um grupo de

escritores, artistas e filósofos, fundaram uma corrente artística e intelectual à qual

chamaram Movimento Antropofágico. Surge, então, a agressiva Revista de

Antropofagia (1928), na qual Oswald publica seu manifesto e ataca com força o estatuto

artístico cultural nacional da época, enquanto Tarsila produz a etapa mais radical de sua

pintura.

O Movimento Antropofágico criou um novo significado, principalmente,

revolucionário do conceito de antropofagia e, consequentemente, desenvolveu também

um novo olhar sobre as civilizações pré-coloniais da América do Sul. Para os

modernistas brasileiros, o canibalismo era algo bem diverso daquele inventado e

difundido pela cultura europeia. Os primeiros conquistadores e missionários do “Novo

Mundo” deslocavam os relatos de suas próprias atrocidades contra os povos da América

com histórias sobre o horror canibal de seus selvagens. Como, por exemplo, os relatos

de Hans Staden (1525-1579). Em seu livro Hans Staden: suas viagens e captiveiro entre

os selvagens do Brasil (1525), o viajante alemão contribuiu para a constituição desse

imaginário europeu quinhentista de que a terra brasílica era o país tenebroso e

sanguinolento dos canibais.

Em contrapartida, os relatos de Jean de Léry (1536-1613) e de Michel de

Montaigne (1533-1592) apontam para uma compreensão distinta sobre a antropofagia

brasileira. O relativismo cultural presente no ensaio Sobre os Canibais, de Montaigne,

publicado no livro Os ensaios: uma seleção (1580/2010), chega a ser emocionante:

“Acho que não há nada de bárbaro e de selvagem nessa nação, a não ser que cada um

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chama de barbárie o que não é seu de costume”. E, ainda, sobre o ritual de antropofagia

dos tupinambás, Montaigne afirma (2010, p. 140-157):

Não fico triste por observarmos o horror barbaresco que há em tal ato, mas

sim por, ao julgarmos corretamente os erros deles, sermos tão cegos para os

nossos. Penso que há mais barbárie em comer um homem vivo do que comê-

lo morto, em dilacerar por tormentos e suplícios um corpo ainda cheio de

sensações, fazê-lo assar pouco a pouco, fazê-lo ser mordido e esmagado

pelos cães e pelos porcos (como não apenas lemos mas vimos de fresca

memória), não entre inimigos antigos, mas entre vizinhos e compatriotas, e, o

que é pior, a pretexto de piedade e religião) do que assá-lo e comê-lo depois

que está morto. (...) Portanto, podemos muito bem chamá-los de bárbaros em

relação às regras da razão, mas não a nós, que os ultrapassamos em toda a

espécie de barbárie. A guerra deles é toda nobre e generosa e tem tanta

desculpa e beleza quanto se pode permitir essa doença humana; não tem

outro fundamento entre eles além da busca da virtude.

É evidente que Oswald de Andrade leu o relato de Montaigne. Em seu Manifesto

Antropófago, ele diz: “Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Oú Villegaignon print

terre. Montaigne”.

Pode se dizer, inclusive, que a subversão do olhar modernista brasileiro sobre a

antropofagia já está, de certa forma, implícito no ensaio de 1580. Afinal, Montaigne

enfatiza que o canibalismo dos tupinambás constituía um ato de virtude:

Depois de tratar bem por muito tempo seus prisioneiros, e com todas as

comodidades que pode imaginar, quem for o dono deles faz uma grande

assembleia com seus conhecidos. (...) os dois, em presença de toda a

assembleia o matam a golpes de espada. Feito isso, assam-no e o devoram

juntos, e mandam pedaços aos amigos ausentes. Não é como se pensa, para se

alimentarem, assim como faziam antigamente os citas, mas para simbolizar

uma vingança extrema (MONTAIGNE, 2010, p. 140,157).

E esse é um dos sentidos pelos quais Oswald se inspira na tribo tupi. Ele resgata

a prática desse canibalismo – comer a carne dos inimigos para adquirir suas virtudes e

forças – como um ato simbólico. E, assim, cria o seu próprio canibal; um canibal

genitor da cultura brasileira. Um ser antropófago, que devora o outro, no sentido

dialético, incorporando as qualidades do inimigo para vencer a barreira da alteridade.

“Só me interessa o que não é meu”, diz Oswald em seu manifesto.

A razão antropofágica é também um gesto ideológico que Oswald encontra para

resolver o dilema da dependência cultural das vanguardas europeias, sem cair na mera

imitação. E para, assim, conseguir transformar o que vem de fora em algo novo –

genuinamente brasileiro. O gesto simbólico de comer o colonizador fala sobre a fusão

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da razão moderna e do mágico espírito da selva. Mas também é um gesto ideológico ao

abrir um diálogo entre cultura erudita e cultura popular, entre modernidade e

regionalismo, entre projetos do futuro e a memória oral do passado, entre tecnologia e

natureza.

A metáfora da antropofagia pode ser entendida como um processo de

hibridização cultural; mas, sobretudo, como um caminho para a construção de uma

cultura nacional, livre e sem limites.

A importância do movimento antropofágico para a cultura brasileira, a meu ver,

transcende o momento histórico no qual foi concebido. Seu alcance não apenas nutriu as

vanguardas históricas, como também o Concretismo, o Tropicalismo, o Cinema Novo

etc. Mas não parou por aí. Assim como enfatiza Adriano Pedro, no artigo “Mestiçagem

de histórias” que está no livro Histórias mestiças (2014, p. 24,25):

Para o intelectual moderno, a antropofagia tornou-se uma ferramenta

epistemológica libertadora, fiel a nossas origens mestiças. (...) Aprender com

o ameríndio e o africano implica desaprender histórias europeias. Pode-se

pensar na antropofagia como uma epistemologia do Sul, no termos de

Boaventura de Sousa Santos, ou num processo de desocidentalização, nos

termos de Walter Mignolo.

Pedrosa ainda fala na possibilidade da criação de uma caixa de ferramentas

mestiça e antropofágica capaz de canibalizar a história e a cronologia. Uma caixa

aberta, representando a cultura brasileira – plural, diversa, heterogênea, polifônica etc.

Nesse sentido é preciso prosseguir buscando outros modelos e teorias além das

eurocêntricas, não descartando-os completamente, mas mesclando-os com

outros – rumo a uma caixa de ferramentas mestiça, antropofágica. (...) O

desafio é complexificar a caixa de ferramentas mestiça, antropofágica, não

apenas em relação a temas e imagens, mas também em termos de conceitos e

linguagens (PEDROSA, 2014, p. 25).

Esse desafio de complexificar essa “caixa de ferramentas”, proposto por Adriano

Pedrosa, atualiza a antropofagia e a traz para dentro da contemporaneidade. Na

realidade, a antropofagia pode ser compreendida como um movimento em aberto, como

um conceito que ainda serve como modelo nos dias de hoje. Pois, na perspectiva de uma

construção da identidade cultural, a antropofagia não representa apenas uma ruptura,

mas, principalmente, uma emancipação cultural.

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Se olharmos de lá para cá (dos anos 1930 até a primeira década do século XXI),

é absolutamente evidente que muitas águas rolaram, porém nenhum movimento cultural

obteve esse nível de descolamento dos modelos e teorias eurocêntricos como o

movimento antropofágico. Para esse capítulo, esse era o ponto que almejava alcançar;

ou seja, mostrar que a construção de uma identidade e de uma cultura genuinamente

brasileira acontece efetivamente dentro do modernismo com o movimento

antropofágico. E, talvez, por ser um conceito aberto, a antropofagia perdure, como uma

possível ideia de cultura, sem limites e livre, na contemporaneidade. Mesmo que hoje

esteja esquecida e um tanto soterrada debaixo dos bens de consumo de nossa Indústria

Cultural / Sociedade de Espetáculo.

No artigo “A cor do modernismo brasileiro: a navegação com muitas bússolas”,

inserido no livro XXIV Bienal de São Paulo: Núcleo Histórico: Antropofagia e histórias

de canibalismos (1998), Paulo Herkenhoff afirma (337):

Analisando a crise da ideia de história, afirma Gianni Vattimo que “filósofos

do Iluminismo, Hegel, Marx, positivistas, historicistas de todo tipo

pensavam, mais ou menos todos eles do mesmo modo, que o sentido da

história era a realização da civilização, quer dizer, da forma do homem

europeu moderno”. Insistimos em que, se para Hegel a selva era espaço fora

da história, para os artistas brasileiros seria a única possibilidade para afirmar

uma historia autóctone, anterior à colonização, no projeto político moderno

de emancipação cultural.

Afinal, como bem diz Oswald em seu manifesto antropófago: “Antes dos

portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”.

2.7. Segunda fase do Modernismo no Brasil (1930-1945)

A Segunda Geração Modernista, também chamada de Geração de 1930, se

consolidou em um período de tensões ideológicas e políticas. Acontecia a Segunda

Guerra Mundial, e o Estado novo no Brasil – ditadura de Getúlio Vargas (1937-45). As

transformações na política impactaram completamente o movimento modernista, como

recorda Schwarz (2002, p.14):

Passagem da etapa eufórica (dos anos vinte) com Tarsila e Oswald, Pau-

Brasil, para a década disfórica dos anos 30, em que esta mesma Tarsila

produz a esplendida tela Operários, ou quando o próprio Oswald faz a “mea

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culpa” em que se considera um palhação de classe, filia-se ao PC durante

quinze anos e passa a produzir textos de tese. Uma espécie de dobradiça da

história representada por uma visão utópica e otimista dos anos vinte,

corroída pela revelação da complexa realidade representada nos anos trinta e

que cristalizou a transição do estético para o ideológico.

Tal como afirma David Harvey no capítulo 1, a Modernidade experimentou, ao

longe do século XX, as mais diversas, ambíguas e contraditórias mitologias. O mesmo

processo se deu no Brasil, mas é claro, com suas características específicas. A primeira

etapa do Modernismo no Brasil deu curso a uma cultura revolucionária, transgressiva,

subversiva, contrária às formas tradicionais e clássicas de expressão, em todos os

domínios: pintura, escultura, arquitetura, dança, música e literatura. Porém, na virada

para os anos 1930, com a propagação das utopias e ideologias políticas – socialismo,

comunismo, anarquismo, fascismo, etc. – a cultura experimentou sua face engajada e

panfletária. A arte com viés político também tomou conta de uma ala do movimento

modernista. Nas artes plásticas, surge, com força, no Brasil, o realismo socialista que

procurava mitologizar o proletariado. A consolidação dessa arte engajada pode ser bem

ilustrada com a obra Operários (1933), de Tarsila do Amaral. Nessa altura, Oswald de

Andrade também radicaliza; renegando seu passado vanguardista e se autodenomina

como “o palhaço da burguesia”. Ao lado de sua nova companheira, Patrícia Galvão

(1910-1962), mais conhecida como Pagu, Oswald funda o jornal O Homem do Povo,

em março de 1931.

De fato, a década de 1930 encerra o experimentalismo estético das vanguardas;

abrindo passagem para uma pesquisa do social, privilegiando o engajamento político e

estabelecendo uma nova sintonia com o que estava acontecendo na Europa do entre

guerras:

Na passagem dos anos 20 aos 30, em detrimento do experimentalismo,

comprova-se a politização da arte e da literatura. As capas das obras literárias

são reveladoras desse movimento: passa-se de um verdadeiro festim de

formas e cores – do design criativo e desafiador – para o enfoque sério e

engajado às das causas sociais, captadas com grande sensibilidade, por

exemplo, pela pintura de Cândido Portinari ou pela gravura de Lívio Abramo

(Schwarz, 2002, p.14).

Com a revolução de 1930, as mudanças que ocorrem são orientadas

politicamente e o Estado procura consolidar o próprio desenvolvimento social. Dentro

desse quadro, as teorias sobre a raça tornaram-se obsoletas, sendo necessário a criação

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de uma outra interpretação do Brasil. Surge os estudos de Gilberto Freyre que irão tratar

da questão, revolucionando os estudos afro-brasileiros, passando do conceito de raça ao

conceito de cultura. Os anos 1930 foram decisivos na reorientação da historiografia

brasileira. Três obras mestras aparecem nesse período: Evolução Política do Brasil, de

Caio Prado Jr. (1933), Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre (1933) e Raízes do

Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda (1936). A tríade “Prado, Freyre e Buarque”

promove, a partir de variadas perspectivas, uma mudança radical na reflexão sobre a

especificidade do brasileiro. Vale também recordar que a Universidade de São Paulo é

fundada também neste período, em 1934.

Renato Ortiz (1985) afirma que a obra Casa-Grande e Senzala, de Gilberto

Freyre possibilitou a criação de uma “carteira de identidade” do brasileiro, ao

retrabalhar a problemática da cultura brasileira:

A passagem do conceito de raça para o conceito de cultura elimina uma série

de dificuldades colocadas anteriormente a respeito da herança atávica do

mestiço. Gilberto Freyre, em Casa-Grande e Senzala, transforma a

negatividade do mestiço em positividade, o que permite completar

definitivamente os contornos de uma identidade que há muito vinha sendo

desenhada. As condições sociais desse momento eram diferentes, a sociedade

brasileira já não mais se encontrava em transição, os rumos do

desenvolvimento eram claros e até um novo estado procurava orientar essas

mudanças. O mito das três raças torna-se então plausível e pode-se atualizar

como ritual. A ideologia da mestiçagem, que estava aprisionada nas

ambiguidades das teorias racistas, ao serem reelaboradas pode difundir-se

socialmente e se tornar senso comum, ritualmente celebrado nas relações do

cotidiano, ou nos grandes eventos como o carnaval e o futebol. O que era

mestiço torna-se nacional (Ortiz, 1985, p.41).

2.8. Os anos dourados (1950)

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início do período democrático no

Brasil (queda de Getúlio Vargas), o país entra em um novo momento da Modernidade:

na era da racionalização. A década é marcada pelo desenvolvimento: a planificação, a

eficácia, a formação tecnológica, a maximização do ritmo de crescimento. Mais uma

vez é interessante recordar David Harvey (2013), naquilo que ele se refere ao mito da

racionalidade. Guardada a devida proporção, pode-se sinalizar mais um paralelo com a

Modernidade europeia e a Modernidade brasileira, no que diz respeito, por exemplo, a

arquitetura. Se o mito da racionalidade europeia encontra sua perfeita forma na

arquitetura moderna de Mies van der Rohe (1886-1969) e Le Corbusier (1887-1965), no

Brasil, esse mito encontra sua forma na arquitetura de Oscar Niemeyer (1907-2012).

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Como diz Harvey (2913,p.39), “Foi esse o período em que as casas e as cidades

puderam ser livremente concebidas como máquinas nas quais viver”. Poder-se-ia dizer,

então, que o Modernismo ganha, nesse período, seus contornos arquitetônicos pelas

mãos de Niemeyer e Lúcio Costa (1902-1998), tendo sua consagração com a construção

de Brasília (1957).

Mas, voltando ao início dos “anos dourados”, a abertura democrática

representou um período marcado por uma grande efervescência política e cultural. O

processo de industrialização do país trouxe uma diversificação de produtos industriais e,

também, representou uma alteração no consumo e no comportamento de boa parte da

população urbana. Como já vimos, a paisagem urbana também se modernizava, com a

construção de edifícios e casas mais funcionais e menos adornadas.

Vale ressaltar que em 1947 é criado o Museu de Arte de São Paulo, o MASP. E,

em 1948, mais dois museus de Arte Moderna são inaugurados: o MAM/SP e o

MAM/RJ. A Companhia Vera Cruz de cinema surge no final de 1949. E a primeira

emissora brasileira de televisão, a TV Tupi, nasce em 1950.

Aos poucos, foi-se consolidando uma sociedade urbano-industrial, sustentada

por essa política desenvolvimentista. Com esse modelo de sociedade, um novo estilo de

vida surge, difundido pelas revistas, pelo cinema e pela televisão. Pode-se dizer que é o

começo da Indústria Cultural e da cultura de massas no Brasil.

Se, por um lado, havia um otimismo latente representado pelo desenvolvimento

do país, consagrando o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), por outro lado,

existia uma vontade, em várias áreas da cultura, de transformar a realidade social e

cultural do país.

É por isso que Renato Ortiz (1985) enfatiza a importância da criação do Instituto

Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB, que surge na década de 1950. Para o

sociólogo, os intelectuais “isebianos” remodelam novamente a temática da cultura

brasileira, acrescentando novos rumos na discussão:

Os intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, ISEB, analisam a

questão cultural dentro de um quadro filosófico e sociológico. Eles dirão que

a cultura significa as objetivações do espírito humano. Mas eles insistirão no

fato de que a cultura significa um vir a ser. (...) Cultura alienada,

colonialismo e autenticidade cultural são termos forjados pelo ISEB. Penso

que não seria exagero considerar o ISEB como matriz de um tipo de

pensamento que baliza a discussão da questão cultural no Brasil dos anos

1960 até hoje (Ortiz, 1985, p.45 e 46).

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Para Ortiz, a atualidade do pensamento do ISEB recai no fato de não ser uma fábrica de

ideologia do governo de Juscelino Kubitscheck:

O período Kubitscheck se caracteriza por uma internacionalização da

economia brasileira justamente no momento em que se procura fabricar um

ideário nacionalista para se diagnosticar e agira sobre os problemas

nacionais. Por outro lado, o golpe de 1964 encerrou, definitiva e

autoritariamente, as atividades deste grupo de intelectuais. O que se

propunha, portanto, como ideologia reformista da classe dirigente que

procurava modernizar o país é estancado e, paradoxalmente, no momento em

que o capitalismo brasileiro irá tomar uma força até então nunca vista em

nossa história (Ortiz, 1985, p.47).

2.9. A ditadura e a Indústria Cultural (1964-1985)

Acredito que 1964 pode ser considerado um marco na história brasileira. Na

verdade, o golpe possui um duplo significado: por um lado ele se define por

sua dimensão essencialmente política, por outro, aponta para transformações

mais profundas que se realizam no nível da economia. Os economistas

mostram que a partir do governo de Juscelino se instaura uma segunda

revolução industrial no Brasil, na medida em que o capitalismo atinge formas

mais avançadas de produção. O ano de 1964 é visto, tanto pelos economistas

quanto pelos cientistas políticos, como um momento de reorganização da

própria economia brasileira que cada vez mais se insere no processo de

internacionalização do capital. O golpe militar tem evidentemente um sentido

político, mas ele encobre também mudanças econômicas substanciais que

orientam a sociedade brasileira na direção de um modelo de desenvolvimento

capitalista bastante específico (Ortiz, 1985, p.80)..

Quando pensamos sobre a cultura produzida no período da Ditadura Militar no

Brasil (1964-1985), é comum recordar da cultura de resistência, de esquerda, que lutou

bravamente na clandestinidade contra o regime. Porém, pouco correlaciona-se o

desenvolvimento da Indústria Cultural com o governo militar. Em Cultura brasileira e

identidade nacional, Renato Ortiz demonstra de que forma isso ocorreu.

Para o regime militar, incentivar o desenvolvimento da Indústria Cultural e da

cultura de massas era uma estratégia política importante e foi utilizada como

propaganda de governo, principalmente, com o crescente desgaste político, à medida

que a censura tornava-se mais rígida e truculenta. Ao adotar tal estratégia política

cultural, o regime pretendia se aproximar da classe média, consolidando uma nova base

de apoio. Sob o efeito das transformações econômicas do país, especialmente do

chamado “milagre econômico” (1969-1973), a Ditadura Militar além de estimular e

organizar o mercado de bens culturais, criou instituições que se ocuparam das diversas

esferas da cultura como: Embrafilme (cinema), o Instituto Nacional de Teatro, o

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Instituto Nacional do livro e a Funarte (artes e folclore). Assim como recorda Renato

Ortiz (1986, p. 83):

O crescimento da classe média, a concentração da população em grandes

centros urbanos vão permitir ainda a criação de um espaço cultural onde os

bens simbólicos passam a ser consumidos por um público cada vez maior. O

ano de 1964 inaugura um período de enorme repressão politica e ideológica,

mas significa também a emergência de um mercado que incorpora em seu

seio tanto as empresas privadas como as instituições governamentais.

Durante o período 1964-1980 ocorre uma formidável expansão, no nível da

produção, da distribuição e do consumo de bens culturais. É nesta fase que se

da a consolidação dos grandes conglomerados que controlam os meios de

comunicação de massa (TV Globo, Ed. Abril, etc). Um rápido apanhado das

diferentes áreas culturais mostra a evidência do processo de expansão – boom

da literatura em 1975, o advento do crescimento da indústria do disco e do

movimento editorial. Os dados relativos à imprensa exprimem claramente a

expansão do volume do mercado consumidor.

Mais uma vez é interessante retomar a teoria de David Harvey (2013) sobre os

mitos da Modernidade. Se na década de 1930, o Modernismo encontrou sua forma

política na figura do proletariado. Agora, o Modernismo encontra a sua versão

reacionária, assim como se deu na Itália com o regime político fascista de Mussolini que

se apropria das experiências estéticas dos futuristas italianos. E da mesma forma em que

ocorreu na Alemanha Nazista na qual o regime acabou por se utilizar dos projetos da

Bauhaus para a construção dos campos de concentração. A Ditadura Militar Brasileira

se utiliza do desenvolvimento da Indústria Cultural no Brasil como propaganda de

governo.

Ao afirmar, por exemplo, que o homem brasileiro precisa se habituar a

consumir cultura em sua vida diária, o Estado se propõe, por um lado,

realizar uma potencialidade cultural do mercado consumidor, por outro

assegurar uma ideologia de democratização que concebe a distribuição

cultural como núcleo de uma política governamental (Ortiz, 1985, p.117).

Para Ortiz, a experiência do desenvolvimento da Indústria Cultural em plena

Ditatura representou uma crise institucional da cultura, consolidando um processo de

hegemonização da cultura brasileira, algo que mesmo com a abertura econômica em

1985, continuou a ocorrer:

No entanto o conceito de democracia, ligado a uma perspectiva de difusão

mercadológica, é mais amplo. Nós o encontramos, por exemplo, como

ideologia trabalhada pelas Indústrias Culturais. Como observam Adorno e

Horkheimer, quando forjam o conceito de Indústria Cultural, a noção de

cultura de massa pressupõe a ideia de democracia, pois as agências, na

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medida em que desempenhariam meramente uma função de distribuição,

seriam neutras. O Estado e as Indústrias Culturais despolitizam a questão da

cultura, uma vez que as relações sociais são apreendidas como expressão

popular. O discurso de instituições como TV Globo, Abril, empresas de

discos se assemelham à sua ideologia. A direção para a qual aponta o

desenvolvimento do capitalismo brasileiro nos leva a pensar que a ação

estatal e privada caminhariam no sentido da instauração de uma hegemonia

cultural (Ortiz, 1985, p.126).

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CAPÍTULO 3

JORNALISMO CULTURAL HOJE

3.1. Um breve olhar sobre o Caderno 2

O terceiro capítulo pretende destacar a produção específica do Caderno 2 do

jornal O Estado de S. Paulo durante o mês de agosto de 2014. A escolha pelo período

específico foi randômica. Neste capítulo, investigaremos de que forma o Caderno 2

concebe e realiza suas escolhas editorais. Foram examinadas todas as reportagens,

matérias, notícias, notas, entrevistas publicadas aos domingos neste mês. Para uma

investigação mais complexa, foram selecionados quatro textos que estão indexados no

anexo desta dissertação.

A escolha de analisar o Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo, não foi

aleatória. O Estado é um dos jornais com maior circulação em São Paulo. Segundo o

Instituto Verificador de Circulação (IVC), em 2014, o jornal saiu com uma média de

169 mil exemplares diários em abril, se consolidando como o líder em circulação no

Estado de São Paulo. A Folha de S. Paulo, principal concorrente, teve no mesmo

período, a circulação média diária de 133 mil exemplares13

. Na comparação nacional, O

Estado de S. Paulo, circulou com uma média diária de 237.901 exemplares e ficou atrás

da Folha que saiu com 351.745 exemplares na média diária14

. Diante da projeção do

jornal O Estado de S. Paulo, tanto em São Paulo, como no Brasil, fica evidente a

importância do diário como exemplo de jornalismo praticado.

3.2. Caderno 2: a história que conta a evolução do Jornalismo Cultural no Brasil

13

Disponível em <http://goo.gl/OCWkVY>. Acessado em 20/06/2015. 14

Disponível em <http://goo.gl/OWwepr>. Acessado em 20/06/2015.

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Antes de adentrarmos no Caderno 2 propriamente dito, é importante resgatar um

pouco a história do jornal O Estado de S.Paulo e também do espaço dedicado à cultura

dentro dele.

Fundado em janeiro de 1875, com o nome de A Província de São Paulo15, o

jornal era formado por um grupo de republicanos com cerca de 20 associados. Em 1890,

já com a maior tiragem da capital paulista – 7 mil exemplares – o jornal é rebatizado de

O Estado de S. Paulo. Após dois anos, Júlio de Mesquita (1862-1927) adquire o jornal –

atualmente é o impresso mais antigo de São Paulo em atividade –, tornando-se o único

proprietário.

Em seu número inaugural, O Estado já tinha um espaço dedicado à literatura. No

rodapé da primeira página, o jornal publicou o primeiro capítulo do folhetim Magdalena

de Julio Sandeau16

. A presença dos romances folhetins nos jornais – prática comum na

aurora da imprensa brasileira, de influência francesa –, estendeu-se até cerca dos anos

1960. No Estado de S. Paulo, os folhetins tiveram seu apogeu nos anos 20, com

publicações diárias de autores nacionais como Afonso Schmidt (1890-1964) e

estrangeiros como Walter Scott (1771-1832). Utilizado como recurso para aumentar as

vendas, os folhetins abriram espaço para a criação dos rodapés de crítica.

Mas essa não era a única forma pela qual a literatura se fazia presente nas

páginas dos jornais. Desde o princípio, a imprensa no Brasil é marcada pela presença do

dos chamados “homens das letras”. Ainda no século XIX, encontramos escritores como

Aluísio de Azevedo (1857-1913), Raimundo Correia (1859-1991), Alberto de Oliveira

(1851-1937), Raul Pompéia (1863 -1895) e Euclides da Cunha (1866-1909), nas

páginas do Estado.

No começo do século XX, acrescentam-se nomes como Olavo Bilac (1865-

1918), Guilherme de Almeida (1890-1969), Ruy Barbosa (1849-1923) e Monteiro

Lobato (1882-1948). Tal como foi apontado no capítulo 2: a atividade jornalística

representava tanto um meio de subsistência para os escritores e intelectuais, como

também uma estratégia de ascensão intelectual, uma vez que os periódicos constituíam a

base de circulação de ideias. Mário de Andrade, assim como Oswald de Andrade e

Menotti del Picchia também escreviam para os jornais de São Paulo.

15 Disponível em <http://goo.gl/FZ9erb>. Acessado em 28/07/2015.

16 Disponível em <http://goo.gl/FZ9erb>. Acessado em 28/07/2015.

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E a modernidade que despontava na capital paulista – com o seu crescimento

urbano (automóveis) e industrial (fábricas, máquinas, locomotivas) na década de 1920 –

também acabou por impactar a imprensa local. Foi um período de efervescência, no

qual muitos jornais surgiram, tais como: Folha da Noite (1921), Folha da Manhã

(1925), Diário da Noite (1925) e Diário de S. Paulo (1929). Juntando-se ao grupo de

jornais fundados no século XIX: Correio Paulistano (1854), O Estado (1875), Diário

Popular (1884), Comércio de São Paulo (1893) e A Gazeta (1906).

Mesmo assim, a imprensa ainda engatinhava. As manchetes não existiam, ainda

não havia editorias (algo que aconteceria de forma mais evidente na década de 1940) e a

diagramação era praticamente inexistente. Nessa altura, os jornais circulavam com um

número de páginas quase irrisório; cerca de oito por edição. O aumento foi gradativo.

No final dos anos 1920, O Estado publicava em torno de 20 páginas.

A crítica ainda era incipiente. Apesar dos modernistas clamarem pela criação de

uma nova estética brasileira, o movimento não contribuiu muito para a inovação dos

textos críticos. Eles seguiam o estilo da crítica impressionista francesa; como podemos

notar na revista Klaxon17

. Marcada pela não-especialização de seus críticos e pelo uso

de critérios pessoais de análise do fenômeno literário e artístico, era basicamente uma

crítica opinativa e de rodapé. No artigo “Rodapés, tratados e ensaios: a formação da

crítica brasileira moderna no livro Papéis Colados, Flora Süssekind faz uma análise

sobre a história da crítica literária brasileira e afirma que a crítica predominantemente

impressionista acontece no Brasil até as décadas de 1940 e 1950:

Os anos 40 e 50 estão marcados no Brasil pelo triunfo da “crítica de rodapé”. O que

significa dizer: por uma crítica ligada fundamentalmente à não-especialização da

maior parte dos que se dedicam a ela, na sua quase totalidade bacharéis; ao meio em

que é exercida, isto é, o jornal – o que lhe traz, quando nada, três características

formais bem nítidas: a oscilação entre a crônica e o noticiário puro e simples, o

cultivo da eloquência, já que se tratava de convencer rápido leitores e antagonistas, e

a adaptação às exigências (entretenimento, redundância e leitura fácil)

(SÜSSEKIND, 1993, p. 14).

A crítica de rodapé foi ganhando espaço gradativamente na imprensa paulista.

Na década de 1930, muitos jornais como Correio Paulistano, O Estado, A Gazeta,

Folha da Noite, Folha da Manhã, Diário de S.Paulo passam a incluir em suas edições

os rodapés. Em 1938, encontramos, por exemplo, textos críticos sobre arte e literatura

de Sérgio Milliet (1898-1966).

17

Ver capítulo 2, página 83.

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Ainda em 1930, o Estadão lançou o suplemento Rotogravura com destaque às

ilustrações e fotos. Era uma espécie de revista semanal com imagens dos principais

eventos, nas mais diversas áreas (política, economia, ciências, etc.) e que também

contemplava a cultura, especialmente artes e espetáculos.

Em 1934, a Universidade de São Paulo é fundada; mas a importância da

formação universitária dos críticos irá reverberar com força na imprensa paulista só na

década seguinte.

No período do Estado Novo, entre 1940 e 1945, O Estado de S. Paulo sofreu um

revés duro com a política de Vargas: foi interditado e passou a ser dirigido pelo

jornalista Abner Mourão. Como lembra o jornalista Oscar Pilagallo no livro História da

imprensa paulista (2011, p. 114):

Em São Paulo o único veículo da grande imprensa que não vergou sob a

pressão do Estado Novo foi o Estado (...). Foi essa atitude que levou Getúlio

Vargas a intervir diretamente no jornal.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início do período democrático no

Brasil (queda de Getúlio Vargas), o jornal volta para as mãos da família Mesquita.

Pilagallo relata também um detalhe interessante (2011, p. 123):

A família Mesquita decidiu não incluir na contagem do tempo da vida do

jornal os cinco anos em que esteve sob intervenção. Em 25 de março de

1940, o jornal levava o número 21.649; em 7 de dezembro de 1945, circulou

com o número 21.650.

Socorrido pelo capital privado de industriais e banqueiros como Gastão Vidigal

(1919-200l), dono do Banco Mercantil de São Paulo, o Estado entrava em 1946, num

ambiente de democracia, como uma empresa mais sólida e profissional.

Nesse sentido, fica evidente que as mudanças que ocorreram na imprensa –

como, por exemplo, a criação das editorias nos jornais, na primeira metade de 1940 – só

foram colocadas em prática no Estado de S. Paulo pós 1945.

Então, em 1940, os críticos acadêmicos, oriundos da USP, começam a se fazer

presentes na mídia, principalmente, aqueles que escreviam na revista Clima (1941-

1944). Aliás, se o período (1940-1950) representou o auge dos rodapés nos impressos,

também foi um momento de grande tensão e de disputa sobre o exercício da crítica.

Como ressalta Flora Süssekind (1993, p.17) “de um lado os antigos homens de letras,

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que creem a consciência de todos, defensores do impressionismo, do autodidatismo, da

review como exibição de estilo. De outro, uma geração de críticos formados pelas

faculdades de filosofia (...) e interessados na especialização, na crítica ao personalismo,

na pesquisa acadêmica”.

Criada por ex-alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, a

revista Clima reuniu intelectuais como Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977), Décio

de Almeida Prado (1917-2000), Antonio Cândido (1918), Lourival Gomes Machado

(1917-1967) que estavam interessados em produzir uma crítica acadêmica. Não

demorou muito para que eles fossem trabalhar na grande imprensa, especificamente no

Estado de S. Paulo. Em 1946, por exemplo, Décio de Almeida Prado já escrevia críticas

de teatro na seção Palcos e Circos. Porém, talvez tenha sido a seção intitulada Letras e

Artes18

, publicada nas edições dominicais, entre 1956-1958, a mais renomada do

Estadão.

A nova crítica praticada pelos acadêmicos também teve Afrânio Coutinho

(1911-2000) como um grande defensor, no Rio de Janeiro. O crítico literário trouxe

para o Brasil as ideias do New Criticism, corrente de pensamento anglo-americana, que

defendia a crítica estética da literatura. A campanha de Coutinho virou livro Da crítica e

da nova crítica (1957) e ganhou diversas vezes as páginas dos jornais19.

3.2.1. Os anos 1950: mudanças na imprensa brasileira

Não é à toa que a década de 1950 é conhecida como “os anos dourados” do

jornalismo impresso no Brasil. Muitos são os fatores que contribuíram para o

florescimento dessa prática jornalística moderna. Com maior liberdade e com

desenvolvimento econômico, os jornais passaram por uma reformulação gráfica e

editorial, aperfeiçoando seus produtos e, consequentemente, aumentando as tiragens. O

processo de industrialização pelo qual o país passava foi decisivo neste processo. Com a

diversificação dos produtos industriais, os investimentos em propaganda tornaram-se

necessários e as grandes agências de publicidade surgiram. Para os jornais, isso

18

ZANIN, Luiz. Marco de época: Suplemento Literário do Estado. Matéria publicada no Blog Luiz Zanin

em 18 de novembro de 2007. Disponível em <http://goo.gl/7Jsdg8>. Acessado em 26/07/2015.

19 Por exemplo, encontramos no Suplemento Literário do Estado, no dia 08/03/1958, pág.51, uma nota

comentando as polêmicas causadas pelas ideias de Afrânio Coutinho. Disponível em

<http://goo.gl/G5GDGC>. Acessado em 28/07/2015.

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representava nova fonte de renda e, em pouco tempo, boa parte de sua receita provinha

dos anúncios.

Como recorda a socióloga Alzira Alves de Abreu, no livro À modernização da

imprensa (1970-2000), jornais como Última Hora e Diário Carioca foram precursores

dessa modernização do jornalismo brasileiro:

A Última Hora, criada em 1951, com financiamento do governo, foi um dos

jornais mais inovadores do período, ao adotar técnicas de comunicação de

massa até então desconhecidas no Brasil, uma diagramação revolucionária e

grande racionalidade na gestão empresarial. O Diário Carioca, jornal mais

antigo, foi igualmente inovador ao introduzir, também em 1951, o uso do

lead (...). Foi ainda o Diário Carioca o primeiro a empregar uma equipe de

copidesque em sua redação, desempenhando um papel de formador de novos

quadros para a imprensa (2002:10).

A introdução do lead representou uma mudança de paradigma – é a

racionalização do jornalismo brasileiro. Com a prioridade da informação e da notícia em

primeiro lugar, instaurou-se definitivamente um modelo jornalístico, pressupostamente,

objetivo. E a crítica e os conteúdos analíticos, tidos como subjetivos e opinativos,

tornaram-se praticamente incompatíveis com a lógica diária dos jornais. É, por assim

dizer, o indício do fim da crítica nos impressos, que ainda irá se refugiar e resistir nos

suplementos literários, antes de se fechar na academia.

Se a crítica não era mais compatível com o novo jornalismo moderno e ligeiro

que se instaurava, por outro lado, este mesmo jornalismo precisava dar conta de noticiar

a cultura de massas e a incipiente Indústria Cultural que começava a surgir no Brasil. É,

supostamente por isso, que alguns jornais criam seus cadernos de cultura na década de

1950. O Última Hora passa a publicar o 3° Caderno em 1956; sendo o primeiro jornal a

inserir em suas edições, de terça a sexta-feira, um caderno de cultura. O Jornal do

Brasil cria o Caderno B, em 1958, voltado para a cobertura de teatro, artes, cinema e

variedades. Assim como a empresa Folha da Manhã S/A lança em dezembro de 1958 o

caderno diário de cultura Folha Ilustrada.

Se há, nessa altura, uma cisão entre jornalismo e reflexão; ainda fora reservado

um espaço para a crítica, o ensaio e o debate, dentro dos suplementos. O próprio nome

“suplemento” já sinaliza o intuito desse tipo de caderno: algo que complementa o todo,

porém que não faz falta ao conteúdo diário do jornal.

Os suplementos não apenas divulgavam as principais linhas da produção

artística e forneciam chaves para a compreensão das obras; mas eram também espaços

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privilegiados de leitura, exigindo do leitor um exercício de interpretação. Os grandes

críticos e escritores passavam, necessariamente, por suas páginas.

É importante ressaltar que até 1950, já existiam suplementos literários, tais

como: Suplemento Literatura e Arte (1949-1953) do Correio da Manhã e o Suplemento

Dominical do Diário de S. Paulo. Mas o marco dentro do Jornalismo Cultural ocorre

em 1956, quando o Jornal do Brasil inicia a reforma editorial e gráfica e cria o

Suplemento Dominical (1956-1960), o SDJB, que tinha à frente o jornalista e poeta

Reynaldo Jardim (1926-2011). O SDJB inova não apenas por sua diagramação

revolucionária, como também pela qualidade de seu conteúdo – para além da crítica,

ensaios e crônicas, o suplemento publicava textos e poemas emblemáticos dos

movimentos concretistas e neoconcretistas. Nesse sentido, o Suplemento não cobria

apenas a cultura, mas era a própria manifestação da cultura.

Mas inicialmente, O SDJB não surgiu com um objetivo determinado; era uma

espécie de segundo caderno de cultura dedicado ao universo feminino, ao invés de um

suplemento literário. Tinha seções fixas dedicadas à literatura, filosofia, história, etc.

Com o tempo, cria sua identidade e passa a promover debates artísticos. O marco

ocorreu em 1959, com a publicação do Manifesto Neoconcreto20

. Assinado pelos

principais artistas plásticos do movimento como Lygia Pape (1927-2004), Franz

Weissmann (1911) e Lygia Clark (1920-1988), o manifesto contou também com os

artistas que lideravam o SDJB, Amílcar de Castro (1920-2002), Reynaldo Jardim e

Ferreira Gullar (1930). A partir daí, os artistas neoconcretos e suas manifestações

artísticas passaram a ter cada vez mais espaço nas páginas do suplemento, denotando o

definitivo rompimento do movimento com os concretistas de São Paulo.

Acompanhando essa tendência, O Estado de S. Paulo cria, em outubro de 1956,

o Suplemento Literário, que perdura até 1974. Idealizado pelo crítico literário Antonio

Candido, realizado pelo jornalista Júlio de Mesquita Filho (1892-1969) e dirigido pelo

crítico teatral Décio de Almeida Prado até 1966, o Suplemento contava com os

intelectuais paulistas da USP e da revista Clima como colaboradores: Paulo Emilio

Salles Gomes (cinema), Lourival Gomes Machado (artes plásticas), etc. Em seu

primeiro número, Décio de Almeida Prado definia o norte do caderno21

:

20 Disponível em <https://goo.gl/kuvfyC>. Acessado em 20/06/2015.

21 Suplemento literário disponível no site do Estadão. Disponível em <http://goo.gl/0wv0ge>. Acessado

em 20/06/2015.

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O Suplemento não será jornalístico, nem no alto nem no baixo sentido do

termo. O jornal, por definição, por decorrência, poder-se-ia dizer, da própria

etimologia da palavra, vive dos assuntos do dia (...). A perspectiva do

Suplemento tinha, pois, de ser outra, mais desapegada da atualidade, mais

próxima da revista que, visando sobretudo a permanência, pode dar-se ao

luxo de considerar mais vital a crônica dos amores de um rapaz de 18 e uma

menina de 15 anos na Verona pré-renascentista, do que qualquer fato de

última hora, pelo motivo de que as crises, as guerras, até os impérios, passam

com bem maior rapidez que os mitos literários, muitos dos quais vêm

acompanhando e nutrindo a civilização ocidental há pelo menos 30 séculos.

O suplemento, dentro dessa perspectiva, era um espaço crítico (alheio às

urgências diárias do jornalismo) dedicado às pessoas ligadas à cultura; – livre para

debater ideias, apresentar novos autores e revisar os grandes clássicos.

Predominantemente crítico, o suplemento era recheado por resenhas, ensaios, seções

dedicadas à literatura, ao teatro, ao cinema e às artes plásticas. Contava também com

notas e colunas sobre lançamentos e eventos literários22

. Havia, sobretudo, uma

disposição pela aposta no novo e o desejo de fomentar no leitor o espírito crítico.

Pelo suplemento circularam textos inéditos de grandes nomes da literatura

nacional. Entre os poetas, figuraram Manuel Bandeira (1886-1968), Carlos Drummond

de Andrade (1902-1987), João Cabral de Mello Neto (1920-1999). Brilharam em suas

páginas escritores como Guimarães Rosa (1908-1967), Cecília Meireles (1901-1964)

Lygia Fagundes Telles (1923) e Dalton Trevisan (1925). E teve até a estreia do conto

“Ulisses” do então candidato a escritor: Francisco Buarque de Hollanda (1944). A lista é

extensa. Os sociólogos Sérgio Buarque de Hollanda (1902-1982) e Florestan Fernandes

(1920-1995) também marcaram presença. Mas a publicação não ficou apenas restrita às

letras, soube abrir espaço para a produção visual da época, lançando novos artistas

como Mira Schendel (1919-1988), Marcelo Grassmann (1925-2013), Renina Katz

(1925), Maria Bonomi (1935), que apresentavam seus trabalhos ao lado de nomes já

consagrados como Di Cavalcanti (1897-1976), Flávio de Carvalho (1899-1973),

Candido Portinari (1903-1962), Lívio Abramo (1903-1992).

É interessante notar que o Suplemento Literário do Estado de S. Paulo perdura

até a década de 1970, em plena Ditadura Militar (1964-1985). Como recorda Oscar

Pilagallo (2011:176), O Estado de S. Paulo assim como a Folha de S. Paulo apoiaram o

Golpe de 1964:

22 Suplemento literário disponível no site do Estadão. Disponível em <http://goo.gl/M4HQJc>. Acessado

em 20/06/2015

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Os dois jornais, Estado e Folha, tinham a mesma opinião favorável sobre o

governo militar. Ambos aprovaram, por exemplo, o Ato Institucional n°2, de

outubro de 1965, que extinguiu os partidos políticos, cassou mandatos e

instituiu a eleição indireta para a Presidência da República. Pouco mais tarde,

os dois matutinos começaram a demonstrar ambiguidade em relação ao

regime.

A revisão da postura política do Estado ocorreu em 1968, com o endurecimento

do regime. Com o decreto do AI-5, o jornal passa a ser submetido à censura prévia, em

1972. E é então que o jornal passa a publicar em seu primeiro caderno, versos de Os

Lusíadas de Camões, no lugar das notícias políticas vetadas, em sinal de protesto.

Pilagallo enfatiza (2012:183) que o jornal fica sob censura até 3 de janeiro de 1975.

Curiosamente o Suplemento Literário do jornal não sofre censura, nem pressões,

durante a ditadura militar. O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, na matéria Para

gostar de ler23

, enfatiza que: “o plano original foi cumprido à risca, independentemente

das tensões ideológicas e econômicas que o país viveu, como relatam seus

sobreviventes”. A não censura editorial do suplemento pode ser explicada por conta da

mudança da direção da publicação em 1966, quando Décio de Almeida Prado é

substituído por Nilo Scalzo (1929-2007). Nessa nova gestão, o suplemento volta-se para

a cultura de massa e a Indústria Cultural, produzindo conteúdos mais jornalísticos e

deixando de lado seu caráter de crítica e reflexão.

A teoria faz sentido, uma vez que, para o regime militar incentivar o

desenvolvimento da Indústria Cultural e da cultura de massas era uma estratégia política

importante e foi utilizada como propaganda de governo, principalmente com o crescente

desgaste político. Ao adotar tal estratégia política cultural, o regime pretendia se

aproximar da classe média, consolidando uma nova base de apoio. Sob o efeito das

transformações econômicas do país, especialmente do chamado “milagre econômico”

(1969-1973), o regime militar além de estimular e organizar o mercado de bens

culturais, criou instituições que se ocuparam das diversas esferas da cultura como

Embrafilme (cinema), o Instituto Nacional de Teatro, o Instituto Nacional do livro e a

Funarte (artes e folclore). Tal como afirma Renato Ortiz (1986, p. 83):

O crescimento da classe média, a concentração da população em grandes centros

urbanos vão permitir ainda a criação de um espaço cultural onde os bens simbólicos

passam a ser consumidos por um público cada vez maior. O ano de 1964 inaugura

23 Publicado no caderno “Mais!”, da Folha de S.Paulo, em 20/01/2008. Disponível em

<http://goo.gl/iJbMW2>. Acessado em 25/06/2015.

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um período de enorme repressão politica e ideológica, mas significa também a

emergência de um mercado que incorpora em seu seio tanto as empresas privadas

como as instituições governamentais. Durante o período 1964-1980 ocorre uma

formidável expansão, no nível da produção, da distribuição e do consumo de bens

culturais. É nesta fase que se da a consolidação dos grandes conglomerados que

controlam os meios de comunicação de massa (TV Globo, Ed. Abril, etc). Um

rápido apanhado das diferentes áreas culturais mostra a evidência do processo de

expansão – boom da literatura em 1975, o advento do crescimento da indústria do

disco e do movimento editorial. Os dados relativos à imprensa exprimem claramente

a expansão do volume do mercado consumidor. Em 1960 a tiragem dos periódicos

diários era de 3.951.584, em 1976 ela passa para 12721.272.901.104 diários.

Se os anos 1940 e 1950 foram fundamentais para o desenvolvimento da crítica

no Brasil – tendo primeiro os rodapés dos jornais como espaço insurgente e depois os

suplementos literários como destino final –; os anos 1960 e 1970 foram decisivos para a

solidificação da academia como o lugar seguro da crítica e, sobretudo, para a criação da

Indústria Cultural. O jornal, no que diz respeito à cultura, deixa de ser o território da

reflexão; e com o estabelecimento dos cadernos culturais, torna-se guia de

entretenimento, consumo e lazer. Não mais a crítica, mas o produto cultural será o norte

do Jornalismo Cultural.

Para dar conta da demanda de bens culturais oferecidas ao público, o jornalismo

configurou-se como um meio de comunicação de massa, objetivo e informativo. A

novidade, a atualidade, a agenda, a relevância, a amplitude, a difusão irão compor o

norte do Jornalismo Cultural.

Com o fim do Suplemento Literário em 1974, o Estado começa a se pautar,

progressivamente, pelos ditames da Indústria Cultural. Em 1975, num período de

reajuste do jornal, logo após o fim da censura prévia da Ditadura Militar, o Estado

publica o Suplemento do Centenário24

, reunindo matérias para celebrar os 100 anos do

jornal. O caderno circulou até abril de 1976.

Em outubro de 1976, O Estado passa a editar o Suplemento Cultural25

,

retomando as características básicas do extinto Suplemento Literário: formato tabloide e

as 16 páginas da edição dominical. O objetivo do caderno figurava no primeiro

editorial: “O Suplemento Cultural não só reata a tradição do Suplemento Literário, mas

amplia o campo de atuação deste, atendendo ao fato de exigirem as características do

mundo atual uma publicação mais abrangente, que não se contenha nos limites da crítica

literária, mas forneça ao leitor informações e comentários sobre artes, ciências humanas,

24

Disponível em <http://goo.gl/vG0YQs>. Acessado em 13/07/2015. 25

Disponível em <http://goo.gl/Bp6Wma>. Acessado em 15/07/2015.

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ciências naturais, ciências exatas e tecnologia”. Com vida curta, deixa de circular em 1º

de junho de 1980.

No mesmo ano, o Estadão lança o caderno Cultura, um tabloide editado por

Fernão Lara Mesquita (1952), filho do jornalista Ruy Mesquita (1925-2013). Assim

como Suplemento Cultural, o Cultura também informava seus objetivos no editorial

inaugural: “(...) não pretende mais do que isso: despertar curiosidades, ser uma ponte

entre o nosso leitor e as últimas perguntas que o homem tem feito sobre si mesmo e

sobre o mundo que construiu e tem de enfrentar; estabelecer um elo de ligação entre o

que se pensa no Brasil e lá fora e o leitor de jornal, ‘esta praça pública do pensamento’.”

Tal como o Suplemento Cultural não trazia apenas cultura, mas também informava

sobre política, filosofia e ciências. A publicação encerrou suas atividades em 31 de

agosto de 1991.

3.3. Caderno 2 surge em 1986

Logo na capa do jornal O Estado de S. Paulo, do dia 6 de abril de 1986, era

possível ler a seguinte manchete: “Começa hoje a boa novidade: o Caderno 2”. E o texto

seguia: “Hoje, uma das surpresas de O Estado para 1986: o Caderno 2, que substitui,

com vantagem na informação, comentário e humor, a tradicional seção de artes.

Grandes entrevistas, reportagens com personagens do momento; os sussurros e as

últimas de uma coluna social sem chatice; artigos polêmicos; o panorama de Nova

York, Londres, Paris, Boston, Los Angeles, Barcelona, Washington e Buenos Aires. E

ainda os melhores programas de lazer, artes e espetáculos, com as dicas de nossos

críticos, os melhores cartunistas de Luis Gê a Henfil, quadrinhos clássicos e nacionais”.

Ao chegar no Caderno 2, na capa, estampados, estavam Chico Buarque e

Caetano Veloso, com a notícia de que os músicos iriam estrear um programa na TV

Globo. Dinâmico, leve, recheado de notas e matérias curtas, o Caderno 2 já deixava

claro a que veio: seria um guia de lançamentos, variedades, lazer, cultura e

comportamento, dedicado a produtos da Indústria Cultural. Além de cinema, shows,

espetáculos e exposições, o Caderno 2 trazia também quadrinhos, horóscopo e um seção

de bares e restaurantes. A primeira edição teve 16 páginas e circulou com cerca de 576

mil exemplares, um recorde para o período. O Caderno 2, apelidado de C2, quase

chegou a ser chamado de ETC, mas felizmente o nome não pegou; virando apenas o

nome de uma coluna interna.

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Com cara de revista e um projeto gráfico ousado e diferente, contava com um

time bom de jornalistas em sua estreia, entre eles Caio Fernando de Abreu (1948-1996),

Nirlando Beirão, Antonio Bivar. O primeiro editor-chefe foi Luiz Fernando Emediato

que tinha como desafio conquistar o público jovem mostrando o lado leve da notícia26:

"Era um projeto arrojado tanto de marketing como cultural, pois pretendíamos derrubar

a Ilustrada (da Folha de S.Paulo), que reinava sozinha". Pelo Caderno 2 ainda passaram

os editores-chefes: Dib Carneiro Neto e Evaldo Mocarzel, Antonio Gonçalves Filho,

Marta Góes e José Onofre (1943-2009). Luiz Emediato recorda que outra conquista do

foi a promoção da crônica no caderno: "Além de reportagens, promovemos a volta da

crônica às paginas de um jornal brasileiro." Importantes nomes da crônica nacional

passaram pelo Caderno 2, como: Raquel de Queiroz (1910-2003), Paulo Francis (1930-

1997), Mário Prata, Ruy Guerra, João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), Matthew Shirts,

Nelson Motta, Daniel Piza (1970-2011) e Arnaldo Jabor.

Para Ignácio Loyola de Brandão, que há 16 anos escreve no caderno, a prática da

crônica é chamada de “literatura sob pressão”. Na crônica27

“Diversidade, afeto e língua

afiada: somos cronistas do Caderno 2 o jornalista diz: “(...) meus textos têm mais o jeito

e a cara do Caderno 2, onde convivo com alguns dos melhores cronistas deste País.

“Não há dois iguais entre nós, a diversidade nos marca, a variação de assuntos, os

campos vividos e explorados. Neste grupo, encontra-se divertimento e também

informação, esclarecimento, questionamento, opinião, briga, poesia, o que se precisar.

Daí sermos um conjunto compacto”. Atualmente, o caderno conta com os seguintes

cronistas que ocupam diariamente as páginas: Lúcia Guimarães, Vanessa Barbara,

Milton Hatoum, Roberto DaMatta, Luís Fernando Verissimo, Ignácio de Loyola

Brandão, Fábio Porchat, Marcelo Rubens Paiva, Sergio Augusto e Humberto Werneck.

Nesses quase 30 anos de história, o Caderno 2 passou por muitas reformulações

gráficas e editorais e hoje circula com 12 páginas diárias e tem uma tiragem de média de

169 mil exemplares, de acordo com os dados divulgados28 pelo Instituto Verificador de

Circulação (IVC) em 2014. O caderno também tem sua versão online, disponível no

site: www.cultura.estadao.com.br.

26

Disponível em <http://goo.gl/3YTMXy>. Acessado em 13/07/2015. 27

Disponível em <http://goo.gl/UZwm0G>. Acessado em 15/07/2015. 28

Disponível em <http://goo.gl/gq7IqD>. Acessado em 15/07/2015.

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95

Para o atual editor-chefe Ubiratan Brasil, que está no Caderno 2 há 15 anos,

primeiro como repórter, depois como sub-editor e há 4 anos como editor, o Caderno 229

é “referência em termos de cobertura cultural. (...) Creio que o Caderno 2, de fato,

estabeleceu uma forma de cobertura que traz consistência e informação. Creio que essa

deve ser ainda a missão do Caderno 2. Informar e formar. Saber distinguir o que

realmente deve ser divulgado, sem preconceitos ou distinções”.

3.3.1. Caderno 2: uma visão panorâmica das publicações dominicais (agosto/2014)

O quadro 1 - Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo – edição de domingo –

agosto de 2014, (PRADO, 2015) disponível nos anexos30

, reúne todas as publicações

no período, divididas nas seguintes categorias: teatro, cinema, moda, crônica, música,

televisão, fotografia, dança, literatura e artes plásticas. Para a presente análise optou-se

por excluir da amostragem três seções do Caderno 2. São elas: astrologia, quadrinhos e

coluna social. Tal metodologia se justifica pelo fato de que tais conteúdos constituem

seções fixas, sendo publicados diariamente em formatos pré-determinados; dessa

maneira, não disputam o espaço do conteúdo destinado a matérias, reportagens,

entrevistas, análises, resenhas, notas e perfis que, por sua vez, alternam-se como

formatos do conteúdo publicados pelo Caderno.

Consolidando um total de 85 conteúdos publicados, a seguir uma breve análise

comparativa numérica e percentual. É válido ressaltar que a amostragem considerou o

Guia Cinema, publicado semanalmente, como conteúdo único. O mesmo critério foi

utilizado para o Guia TV.

Quadro 2 – análise comparativa numérica e percentual do Caderno 2 – edição de

domingo - Agosto de 2014 (PRADO, 2015)

TEATRO CINEMA MODA CRÔNIC

A MÚSICA TV FOTO DANÇA

LITERAT

URA

ARTES

PLÁSTICAS

6 21 1 16 15 17 3 1 3 2

7% 25% 1% 19% 18% 20% 3.5% Menos

de 1%

3.5% 2%

29

Disponível em <http://goo.gl/yy90hd>. Acessado em 15/07/2015. 30

Disponível em anexo, página 156.

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96

Quadro 3 – gráfico comparativo dos temas abordados no Caderno 2 – edição de

domingo – Agosto de 2014 (PRADO, 2015)

Ainda numa análise descritiva, podemos observar que, dentre os temas

abordados no Caderno 2 ligados à cultura, o cinema é o que obtêm maior espaço, com

25% dos textos publicados (entre matérias, reportagens, notas, resenhas, guia, etc).

Logo em seguida, a televisão é o assunto que tem maior espaço no caderno, com 20%.

Depois as crônicas aparecem com 19% (apesar de ser um gênero literário, na pesquisa,

acabou sendo computado como tema). A música ainda tem um espaço expressivo,

ocupando 18% das páginas do Caderno 2. O teatro aparece com 7%. E a literatura

(3,5%), a fotografia (3,5%), as artes plásticas (2%) e a dança (menos de 1%) possuem

um espaço reduzido nas publicações. É importante enfatizar que o Caderno 2 segue uma

lógica diária de temas abordados. Por exemplo, a terça-feira é o dia dedicado às artes

plásticas, sábado à literatura e domingo à televisão.

Sem levar em conta as crônicas e os guias de TV e Cinema, é possível observar,

também, que há a predominância de matérias no caderno, chegando a 22 textos – por

matéria entende-se uma notícia ou reportagem que diz respeito ao jornalismo

informativo. As reportagens que na tabela correspondem a 12 aparições, na realidade,

são seis grandes reportagens (formadas por 2 textos distintos). A prática da entrevista

aparece 7 vezes no escopo da pesquisa. As resenhas e notas vêm em seguida, com 5

TEATRO

CINEMA

MODA

CRÔNICA

MÚSICA

TV

FOTOGRAFIA

DANÇA

LITERATURA

ARTES PLÁSTICAS

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presenças. A crítica apareceu 4 vezes nos cadernos de domingo. E o perfil figurou 2

vezes.

3.3.2. Caderno 2: estudo descritivo sobre textos específicos

Para um estudo descritivo sobre textos específicos foram selecionadas as

seguintes matérias publicadas no Caderno 2 do Estado de S. Paulo, no mês de agosto de

2014:

1 - “Uma criadora em constante movimento” (3/08).

2 - “À mesa com James Franco e seus muitos projetos” (10/08).

3 - “O público do cinema não quer desafio”(17/08).

4 - “Vida de violinista” (17/08).

A escolha não foi aleatória. Os textos escolhidos foram selecionados seguindo a

lógica dos formatos mais representativos que figuraram no Caderno 2, nas edições

dominicais do mês de agosto de 2014, com exceção do último texto que é o que tem

menor incidência. A entrevista é o formato utilizado para o primeiro e terceiro texto

selecionado. Já o segundo é uma matéria e o quarto texto é um perfil.

O texto Uma criadora em constante movimento traz uma entrevista com a

estilista belga Diane Von Furstenberg. Na introdução, a jornalista especial do Caderno

2, Michaela Schmaedel, apresenta a estilista como a mulher mais poderosa da moda

(segundo a revista Forbes) e a criadora do vestido wrap (envelope). Não há

contextualização da importância de seu trabalho no mundo da moda. A entrevista fala

apenas dos planos de Furstenberg: uma série de documentários sobre sua marca, o

lançamento da coleção outono/inverno, além do lançamento de dois livros, e tudo

previsto para acontecer fora do Brasil. A estilista diz que adora o Brasil e que, no futuro,

gostaria de expandir a presença da marca, com uma loja, no país. Mas fica a pergunta:

qual o sentido da entrevista se tampouco há uma contextualização da importância da

estilista no mundo da moda e se a marca dela não possui representação no Brasil?

Na matéria À mesa com James Franco e seus muitos projetos, do jornalista

americano Jacob Bernstein para o The New York Times que o Estadão reproduz no

Caderno 2, o que encontramos é uma mistura de propaganda dos projetos em

andamento do ator e diretor James Franco com revista de fofoca. O jornalista conta que

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o artista – conhecido no Brasil como Harry Osborn da trilogia do blockbuster Homem-

Aranha – entrou num restaurante “por volta das 22h30” e pediu para comer “um bife”,

acompanhado por Scott Haze, que comeu “ovos mexidos com salmão defumado”. O

texto, pontuado pelo que o artista comeu, bebeu e usou como roupa de grife, fala de

projetos como filmes em cartaz Child of God e de outros que estariam por vir: Of Mice

and Men e um filme de Wim Wenders. Sem aprofundar em nada sobre sua carreira

como ator e diretor, o texto ainda insinua, em suas linhas finais, que James Franco é

gay, como se isso fosse algo relevante para a carreira de ator e cineasta. “Um assistente

o acompanha junto com Haze para duas limusines, e Franco se mostra surpreso. ‘Só

precisamos de uma. Vivemos no mesmo lugar’, acrescentou.”

O texto O público do cinema não quer desafio traz uma entrevista com o

cineasta Steven Soderbergh. O subtítulo diz: “Steven Soderbergh, diretor da série The

Knick, exibida no canal Max, analisa as mudanças no cinema e na TV”. Depois de ler o

subtítulo, o leitor espera uma análise sobre as mudanças no cinema e na TV. Não é bem

isso que ele encontra. Na introdução, a jornalista especial para o Caderno 2, Mariane

Morisawa, apresenta o cineasta de Sexo, Mentiras e Videotape (1989) e Traffic (2000),

mas não cita outros filmes importantes do diretor, que tem mais de 25 longas em sua

trajetória, como Solaris (2002), Che (2009), Onze homens e um segredo (2001), Magic

Mike (2012). Na abertura da entrevista, a jornalista fala do novo projeto do cineasta, The

Knick (2014). A série se passa num hospital de Nova York, em 1900, e conta a história

de um cirurgião drogado (interpretado por Clive Owen) que busca realizar avanços na

medicina. O texto enfatiza que o diretor não está mais interessado em cinema, só em

séries de TV. Mas o teor das perguntas já deixa evidente que a discussão sobre a

mudança do paradigma do cinema por conta das séries de TV será pequena31

; o foco

reside basicamente na nova série de TV – The Knick. Apenas duas perguntas estão

relacionadas às mudanças no cinema e na TV. Na última delas, Steven Soderbergh dá

uma resposta curta, sinalizando que “o público do cinema não quer desafio”, mas não

aprofunda o tema. A entrevista deixa no ar o que poderia ser essa mudança de

paradigma.

Por fim, o texto Vida de violinista traz um perfil sobre o músico Lucas Silva. O

jornalista, crítico de música erudita e subeditor do Caderno 2, João Luiz Sampaio, faz

31

Ver anexos, página 166.

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um belo perfil deste violinista, spalla da Orquestra Jovem do Estado de São Paulo

(considerada uma das mais importantes do país), regida por Claudio Cruz.

Se, por um lado, o jornalista se utiliza de um gancho no factual – no dia em que

a matéria saiu, a Orquestra iria se apresentar na Sala São Paulo – por outro lado, em

nada se atém a esse fato. Apenas coloca essa informação como serviço no rodapé da

página.

Sampaio compôs um perfil de um jovem músico, morador de Cangaíba, Zona

Leste de São Paulo, que, através da música, teve sua trajetória transformada. Na altura

em que o texto foi escrito, Lucas Silva, com 19 anos de idade, era spalla da Orquestra e

se preparava para uma apresentação em um festival na Holanda e estudar durante quatro

anos no Conservatório de Amsterdã.

O enfoque do perfil é calcado na trajetória de transformação do músico.

Delicado, o texto se utiliza da timidez de Luiz, uma nuança de sua personalidade, como

fio condutor e, sobretudo, como uma característica positiva do artista. O jornalista

começa o texto dizendo32

:

No intervalo do ensaio, Lucas desaparece. Alguém diz que foi comer alguma coisa.

Mas ele não está na padaria. Quando reaparece, diz que precisa só passar no

banheiro. Cadê? A próxima vez que ele é visto, já está sobre o palco, com o violino

na mão. Dar entrevista? Só quando o maestro Claudio Cruz, antes do reinício do

ensaio, o libera – ou convoca. Lucas vai ter que dar um jeito nessa timidez.

João Luiz Sampaio segue o texto costurando as conquistas na carreira do artista

com sua personalidade. E no final do perfil, o jornalista diz: “É, Lucas vai ter que dar

um jeito nessa timidez. Ou não, afinal, mesmo com ela, já percorreu um longo e

promissor caminho”.

Ainda, João Luiz Sampaio traz uma matéria complementar com Cláudio Cruz,

regente da Orquestra Jovem do Estado, na qual o diretor musical enfatiza a importância

da educação e do trabalho desempenhado pela orquestra: “formar músicos”. Toda a

ênfase do texto se encontra na chave: educação + cultura = transformação.

3.3.3. Caderno 2: um olhar interpretativo

O jornalista Marques de Melo, no livro O Jornalismo opinativo: gêneros

opinativos no jornalismo brasileiro distingue os gêneros informativo, interpretativo e

32

Disponível nos anexos, pág. 164.

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opinativo (2003, p.28): “Ao lado do jornalismo informativo que assegura a informação

ao povo e do jornalismo opinativo que tem procurado influenciar o homem, temos, (...)

o jornalismo interpretativo que faz a explanação das notícias”.

Os textos analisados nessa dissertação, segundo o enfoque de Marques de Melo

(2003), correspondem ao jornalismo informativo (formato: nota, notícia, reportagem e

entrevista), com exceção do último texto que diz respeito ao gênero do jornalismo

interpretativo (formato: dossiê, perfil, enquete e cronologia). A escolha por textos que

seguem o gênero informativo não foi aleatória, a pesquisa buscou analisar o formato que

mais aparece no Caderno 2 nas edições de domingo. E como pode-se observar no

Quadro 1 (disponível nos anexos), as matérias predominam no caderno com 22 textos e

a entrevista aparece 7 vezes, seguida da reportagem com 6 grandes textos. Todos dentro

do enfoque do jornalismo informativo. O único que foge a essa lógica é o perfil, que

aparece com a menor incidência, figurando apenas 2 vezes nas edições de domingo

analisadas. É interessante notar que o perfil descrito acima é o único texto que foge a

lógica da Indústria Cultural e do entretenimento, que se aproxima daquilo que veremos

a seguir como jornalismo compreensivo e complexo.

O perfil se aproxima do ensaio e da crônica, naquilo que diz respeito à

possibilidade de apresentar histórias de vida. Porém, se a crônica e o ensaio carregam

em sua essência um teor autoral ou seja, opinativo, o perfil segue o tom jornalístico

interpretativo, deixando de lado o autor e colocando o foco sobre a história de vida.

Mas a interpretação crítica recai sobre o fato de como a cultura hoje ficou

aprisionada dentro da “Roda da Fortuna” da Indústria Cultural, logo dependente da

dinâmica do mercado.

Como vimos até aqui, historicamente e epistemologicamente, a cultura na

contemporaneidade é pautada pela Indústria Cultural. Adorno e Horkheimer (2006, p.

111) disseram, lá atrás: “O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da Indústria

Cultural”. E isso ocorre numa velocidade progressiva que não deixa nada para fora,

principalmente, o Jornalismo Cultural; inclusive o praticado no Caderno 2 do jornal O

Estado de S. Paulo. Como vimos no capítulo 1, Mario Vargas Llosa, em A Civilização

do Espetáculo (2012), também sugere o que seria a cultura contemporânea:

Na pós-modernidade, cultura passa a ser entendida, apenas, como uma maneira

agradável de passar o tempo. É óbvio que a cultura pode ser isso também mas, se

acabar sendo só isso, se desnaturará e depreciará: tudo o que faz parte dela se

equipara e uniformiza ao extremo, de tal modo que uma ópera de Verdi, a filosofia

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de Kant, um show de Rolling Stones e uma apresentação do Cirque du Soleil se

equivalem (LLOSA, 2012, p. 31).

É um pouco disso que encontramos, ao abrir o jornal impresso, no caderno de

cultura. Geralmente, são matérias, notas e entrevistas, marcadas pela superficialidade

das abordagens, calcadas em agendas ou ligadas à simples divulgação de um produto

cultural.

Vemos no Jornalismo Cultural praticado hoje a proliferação de agendas e

mercadorias culturais, quase sempre vinculadas, a essa cultura de entretenimento e

divertimento. No Caderno 2 não é diferente. Até mesmo porque desde sua origem, na

década de 1980, o caderno já sinalizava que se guiaria pelos ditames da Indústria

Cultural e do entretenimento. Mesmo assim, é interessante notar que após 30 anos, nada

mudou.

Os textos analisados abordam, diretamente ou indiretamente, lançamentos,

estreias, aberturas, shows, etc. Nas páginas do Caderno 2 circulam milhares de livros,

filmes e músicas que surgem mensalmente num mercado globalizado, muitos dos quais

são obras padronizadas, alienantes, efêmeras, feitas para serem consumidas e

descartadas, movidas pelo “eterno retorno” da novidade. Como o blockbuster

Guardiões da Galáxia que aparece em nota do dia 3/8: “Guardiões arrecada U$ 11 mi

na estreia”.

Outro blockbuster como Os mercenários virou matéria do jornalista Pedro

Caiado no dia 24/08: “Vovôs da ação voltam a atacar no episódio 3”. O mais

surpreendente é que o filme dirigido por Sylvester Stallone, também ganhou uma

crítica, no mesmo dia, assinada por Luiz Carlos Merten, intitulada: “Velhos e jovens

batendo juntos não serão vencidos”. O fato do “enlatado” ter até uma crítica se torna

ainda mais estarrecedor quando recordamos que a crítica pulverizada, como é possível

notar no Quadro 1 (disponível nos Anexos), apareceu nas edições dominicais de agosto

apenas 4 vezes (2 sobre cinema, 1 sobre dança e 1 sobre música), endossando a

perpetuação dessa lógica rasa da diversão, consumo e alienação.

Nas páginas figuram bens culturais programados para ser consumidos: a cultura

como mercadoria ou agenda. E os subtítulos revelam esse tipo de tratamento no

Caderno 2: “Na nova temporada do reality, o zootecnista Alexandre Rossi encara

animais mais agressivos e com crise existencial”, “Compositor lança CD Itinerário e

fala sobre o alcance da nova MPB”, ou ainda “Cassandra Clare fala hoje na mostra

sobre ficção de fantasia, gênero que a fez vender mais de 25 milhões de exemplares”. A

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lista é extensa: “Caixa de obras primas do terror reúne 6 clássicos do gênero; A noite do

demônio é uma delas”, “O renomado fotógrafo Mario Testino ganha mostra em São

Paulo”. Poderíamos ficar horas elencando os produtos culturais que circulam no

Caderno 2, mas talvez seja melhor recordar o que Zygmunt Bauman diz sobre a cultura

na chamada modernidade líquida:

A cultura hoje se assemelha a uma das seções de um mundo moldado como

uma gigantesca loja de departamentos em que vivem, acima de tudo, pessoas

transformadas em consumidores. Tal como nas outras seções dessa

megastore, as prateleiras estão lotadas de atrações trocadas todos os dias, e os

balcões são enfeitados com as últimas promoções, as quais irão desaparecer

tão instantaneamente quanto as novidades em processo de envelhecimento

que eles anunciam (BAUMAN, 2013, p. 21).

Nas prateleiras que viraram os cadernos de cultura, é possível notar a presença,

cada vez maior, dos produtos importados. Principalmente no que diz respeito ao cinema

e à televisão. No Caderno 2, por exemplo, nas edições dominicais analisadas, dos 16

conteúdos sobre cinema que figuraram nas páginas – sem contar o Guia de Cinema – 14

delas (entre matérias, notas, reportagens, resenhas, etc.) eram sobre filmes estrangeiros.

Mas é importante ressaltar, que os 14 conteúdos que contemplam a produção

estrangeira, 6 eram dedicados ao cinema europeu. E os 8 restantes diziam respeito aos

filmes da indústria norte-americana, dos quais “À mesa com James Franco e seus

muitos projetos” foi descrito acima. Não foram encontrados textos que contemplem a

produção cinematográfica do oriente, mais conhecida como “bollywood”, ou de filmes

cults da Ásia e dos países árabes.

Dois textos falavam sobre a produção nacional. A matéria “Irmãos atores

seguem a mesma trilha”, de Luiz Carlos Merten, publicada no dia 17/08, traz o perfil de

dois irmão que são atores da Globo. O subtítulo já diz tudo: “Júlio e Ravel Andrade,

estrelas do filme Não pare na Pista, se dividem entre o prestígio do cinema e a

popularidade da TV”. O perfil “O brasileiro entre as Tartarugas Ninjas”, da jornalista

Flávia Guerra, do dia 24/08, também já deixa evidente a que veio. O brasileiro Lula

Carvalho fez sucesso em Hollywood com a fotografia do novo filme da franquia As

tartarugas ninjas.

Diante da abordagem que prioriza a lógica do mercado cultural no Caderno 2 é

interessante recordar, mais uma vez, Adorno e Horkheimer, que já sinalizavam, ainda

nos anos 1940, a introdução da estrutura mercantil na própria forma e conteúdo da obra

de arte, citando especialmente o cinema:

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O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade é

que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia

destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. (...) O fato de que

milhões de pessoas participam dessa indústria imporia métodos de

reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a disseminação de bens

padronizados para a satisfação de necessidades iguais. (...) Os padrões teriam

resultado da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade

alienada de si mesma. Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou

apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a

diferença entre a lógica da obra e a do sistema social (ADORNO e

HORKHEIMER, 2006, p. 100).

Como é de conhecimento comum, o rádio era a televisão da época. E já naquela

altura, Adorno e Horkheimer reconheciam a falência do cinema como arte. Mas

voltando à atualidade, no Caderno 2, também, para além do cinema, observa-se uma

quantidade relevante de publicações dedicadas ao mundo da televisão. Nas publicações

analisadas, o número chegou a 20% de seu conteúdo. Dos 12 conteúdos publicados, 10

eram sobre séries. O que era um espaço dedicado às novelas, agora é destinado às séries

de TV. Tanto no Brasil como no resto do mundo, as séries, cada vez mais elaboradas,

com bons atores e diretores, sinalizam que já estão formando uma nova cultura: a

cultura da série.

A série é o modelo do audiovisual, no mundo de hoje, em ampla expansão. Por

um lado, está de acordo com a revolução tecnológica que se consolidou no princípio do

século XXI. A rede, cheia de possibilidades, deixou todos navegando “nas nuvens

virtuais”. O site Netflix é exemplo dessa transformação, com 65 milhões de clientes no

mundo, sendo mais de 2,5 milhões no Brasil33

. Nesse contexto, a televisão pode

começar a perder espaço com seus longos comerciais e com sua seleção pré-

determinada da programação. Mas por enquanto a televisão continua sendo

predominante. Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia, 95% dos brasileiros assistem

TV regularmente e 74% assistem todos os dias34

.

Outro motivo para o sucesso das séries talvez seja a consonância com as

características balizares da pós-modernidade: a fragmentação, a descontinuidade, a

instantaneidade, o divertimento permanente e estável. Como sugere Vargas Llosa:

Hoje vivemos a primazia das imagens sobre as ideias. Por isso, os meios

audiovisuais, cinema, televisão e agora a internet, foram deixando os livros

para trás. Nossa cultura privilegia o engenho em vez da inteligência, as

33

Disponível em <http://goo.gl/86SvGF>. Acessado em 09/08/2015. 34

Disponível em <http://goo.gl/JFpMNv>. Acessado em 26/09/2015.

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imagens em vez das ideias, o humor em vez da sisudez, o banal em vez do

profundo e o frívolo em vez do sério (LLOSA, 2012, p. 41).

Num mundo tomado pelas imagens, é natural que o espaço dedicado a elas seja

relevante num caderno de cultura. Porém, essa mudança de paradigma não é

acompanhada por uma reflexão maior no Jornalismo Cultural. As matérias acabam por

replicar as notícias do vazio estrelado, sem ponderar um olhar crítico; tal como vimos

na entrevista com o cineasta Steven Soderbergh: “O público do cinema não quer

desafio” (C2, 17/08).

O mercado da indústria cultural dita as normas do jogo. Tanto no jornalismo

praticado, como no formato escolhido para as séries de televisão. As séries nacionais –

setor em franco desenvolvimento no Brasil com a presença do Fundo Setorial do

Audiovisual – seguem claramente o padrão americano, até porque gostariam de adentrar

esse mercado.

Daí, mais uma vez, a importância de termos claro que a pós-modernidade levou

a cultura para uma padronização em escala global, denotando aquilo que Lipovetsky e

Serroy compreendem como uma “cultura-mundo”. Regulamentada por um

hipercapitalismo, um mercado de consumo sem fronteiras, operado por uma revolução

tecnológica e midiática, que cria, pela primeira vez na história, denominadores culturais

mundiais. Uma cultura de massas que quase extingue por completo a cultura erudita e a

cultura popular. Como diz Lipovetsky e Serroy: “Cultura-mundo significa o fim da

heterogeneidade tradicional da esfera da cultura e a universalização da cultura

mercantil, apoderando-se das esferas da vida social, dos modos de existência, da quase

totalidade das atividades humanas” (2013, p. 32).

Estamos na cultura do meio. Nem alta, nem baixa. Mas que agora diz respeito ao

globo como um todo, e não mais a uma sociedade específica ou uma região única.

Quando a cultura passa a ser retratada nos meios de comunicação do nosso país como

mundial, é sinal que a cultura brasileira está perdendo no jogo. E que começamos a

esquecer a nossa identidade. O fato torna-se mais relevante quando se percebe que o

Jornalismo Cultural praticado por aqui quase não dá espaço para os diversos sotaques

do Brasil.

No Caderno 2 é flagrante. Se cerca de 45% dos textos são dedicados ao exterior,

os 55% que dizem respeito ao Brasil, focam praticamente o eixo Rio de Janeiro – São

Paulo. Apenas 3 textos falavam de outras regiões. O Brasil, em sua enormidade

territorial, é rico em cores, tradições, costumes, culinária, arte, dança, mitos; mas

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infelizmente essa diversidade não faz parte da pauta do dia, nos cadernos culturais. Essa

constatação, na visão desta pesquisadora, é flagrante e triste. Porém, diz respeito à

lógica do mercado que, no caso da realidade brasileira, está centrada no eixo RJ-SP.

Em linhas gerais, como vimos no capítulo 2, o Brasil lutou muito para conceber

uma cultura e identidade própria, mesmo que os esforços mais conhecidos estejam

concentrados no século XX. Muito do que entendemos como cultura hoje foi concebido

até os anos 1960. A virada com a ditadura, por um lado, criou uma cultura de

resistência, mas, por outro, desenvolveu a Indústria Cultural. Grosso modo, da abertura

em 1985 até os dias de hoje, vimos essa Indústria avançar a passos largos, deixando a

nossa identidade cada vez mais de lado.

3.3.4. O que faz falta no Caderno 2...

Por detrás do desafio do global e do complexo, esconde-se um outro desafio: o da

expansão descontrolada do saber. O crescimento ininterrupto dos conhecimentos

constrói uma gigantesca torre de babel, que murmura linguagens discordantes. A

torre nos ensina porque não podemos dominar nossos conhecimentos. T.S. Eliot

dizia: “onde está o conhecimento que perdemos na informação?” O conhecimento só

é conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido

no contexto destas. As informações constituem parcelas dispersas de saber. Em toda

parte, nas ciências e nas mídias, estamos afogados em informações. (...) a gigantesca

proliferação de conhecimentos escapa o controle humano. Não conseguimos integrar

nossos conhecimentos para a condução de nossas vidas. Dai o sentido da segunda

parte da frase de Eliot: “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?

(MORIN,19).

O leitor encontra-se perdido no meio de tantas informações e publicidades que

clamam por sua porção de cultura. Possivelmente, ele nem se dê conta de que fica a

pergunta no ar: como compreender a cultura hoje? É o filme norte-americano em cartaz

em 200 salas do Cinemark? Ou ainda o best-seller 50 tons de cinza? Fato é que o

enfoque no mercado cultural empobrece a percepção do público sobre a cultura.

Talvez essa seja a questão do Jornalismo Cultural hoje. Há uma infinidade de

informações nos cadernos de cultura. Mas poucos são os conteúdos que geram reflexão,

conhecimento e sabedoria. Como vimos no estudo descritivo dos textos publicados nas

edições dominicais do Caderno 2, pouco são os formatos que exploram um jornalismo

complexo e compreensivo. A maioria dos textos segue o jornalismo informativo, justo

em um caderno de cultura, que permite e abre espaço para outras formas de narrativas.

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É importante ressaltar que não há ingenuidade aqui. Sabe-se que o jornalismo

diário não permite o tempo necessário para crítica e reflexão aprofundadas. Ainda mais

na atual conjuntura do mercado midiático no Brasil – com as demissões em massa, os

esvaziamentos das redações – o ofício anda cada vez mais difícil. Porém, quando

pensamos nas edições dominicais, estas deveriam ter um espaço maior dedicado à

reflexão e à crítica. O Caderno 2 é herdeiro do Suplemento Literário, que mesmo não

tendo o formato e o intuito semelhante, ainda preserva na memória um jeito possível de

fazer crítica, análises e de contar histórias. Sabe-se que o jornal O Estado de S. Paulo

conta com o caderno Aliás, aos domingos. A pesquisa não levou em conta o caderno,

uma vez que, apesar de apresentar análises aprofundadas e ser o espaço de reflexão do

jornal, o Aliás não é um caderno sobre cultura. É um caderno sobre os principais

assuntos da semana. Com textos mais extensos, o Aliás conta com jornalistas, cientistas

políticos, sociólogos e economistas que apresentam visões dos fatos com argumentos

capazes de esquentar os debates e de ampliar o repertório do leitor35

.

Há pouca ousadia na produção de conteúdos. Como vimos no capítulo 1, o

conceito de cultura é demasiado complexo, um mosaico, em constante evolução

histórica, aberto, ilimitado e poroso. É, por exemplo, um eterno espaço de negociação

simbólica, de conflito, mas também de compartilhamento e afeto. Como diz Terry

Eagleton (2003:184), ao brincar com a proposição de Eliot: “A cultura não é unicamente

aquilo de que vivemos. Ela também é, em grande medida, aquilo para o que vivemos.

Afeto, relacionamento, memória, parentesco, lugar, comunidade, satisfação emocional,

prazer intelectual, um sentido de significado último”. O fato da cultura possuir em sua

essência, um leque infinito de proposições e conceitos, permite uma abertura para outros

tipos de histórias que não estejam calcadas na lógica da agenda e da Indústria Cultural.

É possível fazer uma reportagem sobre uma trajetória de vida transformada pela

experiência cultural, sobre o processo criativo de um determinado artista ou mesmo

sobre uma determinada obra. Nas edições dominicais analisadas do Caderno 2, o único

conteúdo que se aproximou disso foi o perfil “vida de violinista”. A narrativa de João

Luiz Sampaio conta a história do spalla Lucas Silva que passou por uma transformação

social e cultural estimulada pela música. O texto provoca uma reflexão no leitor. Ou

como diz Walter Benjamim, no ensaio “O narrador: considerações sobre a obra de

Nikolai Leskov”:

35

Disponível em <http://goo.gl/XQi83k>. Acessado em 26/09/2015.

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A informação só tem valor no momento em que é nova. Ela só vive nesse momento,

precisa entregar-se inteiramente a ele e sem perda de tempo tem que se explicar nele.

Muito diferente é a narrativa. Ela não se entrega. Ela conserva suas forças e depois

de muito tempo ainda é capaz de se desenvolver (BENJAMIN, 1994, p. 204).

O que faz falta no Caderno 2, assim como os demais cadernos de cultura, é a

presença de outros conceitos que a cultura carrega em sua essência, como: a

transformação, a cidadania, a liberdade, a criatividade, e mesmo sentimentos como

esperança e solidariedade. Há ainda resistência. Talvez seja pela escolha editorial, ou

seja, pela escolha comercial, para outras histórias, com narrativas sensíveis, que falem

sobre o humano.

O desafio da globalidade é também o desafio de complexidade. Existe

complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um todo

(como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o

mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e

inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes (MORIN,1999).

3.4. Um outro caminho possível: jornalismo compreensivo

A pós-modernidade é composta por elementos heterogêneos; nesse sentido, é

necessário encontrar um modo de expressão capaz de dar boa conta da polissemia de

sons, situações e gestos que constituem a trama social. O que se propõe em

contrapartida ao Hard News é um jornalismo compreensivo.

Espelhado naquilo que o sociólogo Michel Maffesoli chama no livro O

conhecimento comum (1985) de “sociologia compreensiva”, que permite apreender

melhor a riqueza da experiência social através de uma investigação; longe das certezas

científicas e positivistas arraigadas pelo platonismo e o pensamento moderno. E

também um jornalismo compreensivo que apresente aquilo que o intelectual Edgar

Morin chama de conhecimento pertinente no livro A cabeça bem-feita: repensar a

reforma, reformar o pensamento (1999): “O conhecimento pertinente é o que é capaz de

situar qualquer informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está

inscrita. O conhecimento progride principalmente pela capacidade de contextualizar e

englobar”.

Um espaço para criar novas formas de conhecimento e informação, um

“centauro informacional”. Jorge Luiz Borges, em O livro dos seres imaginários, define

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esse ser como: “a criatura mais harmoniosa da zoologia fantástica”. Biforme, chamam-

no as Metamorfoses de Ovídio (BORGES, 1981, p.31). Um centauro que respeite seu

arquétipo de meio homem e meio animal e que fale, simultaneamente, de razão e

emoção. É a mistura proposta por Maffesoli: “Talvez fosse preciso considerar que nosso

conhecimento do mundo é uma mistura de rigor e poesia, de razão e paixão, de lógica e

mitologia” (MAFFESOLI, 1985, p. 90).

O Jornalismo Cultural não precisa ficar preso à estrutura de uma visão única, da

fria razão que explica o mundo. O discurso múltiplo, diverso, heterogêneo, fragmentado

e plural se faz necessário, à medida que “o fato de todas as situações se enraízam no

concreto, isto é, na diferença” (MAFFESOLI, 1985, p.77). A razão e a emoção não

precisam viver em guerra, afinal, fazem parte da mesma moeda. Faz falta na mídia a

articulação de verdades locais e coragem para quebrar o hábito da produção de verdades

únicas e irrefutáveis, típicas da indústria cultural midiática.

Na modernidade, os mitos e as lendas foram escamoteados num quarto escuro da

memória; as grandes narrativas, o senso comum e a opinião perderam sentido e

relevância. E outros elementos tornaram-se fundamentais: o conhecimento virou

homogêneo, globalizado e único; a produtividade e a razão disciplinar, essenciais. Um

mundo desencantado se desenhou no horizonte. “Ao mesmo tempo, o retalhamento das

disciplinas torna impossível apreender “o que é tecido junto”, isto é, o complexo,

segundo o sentido original do termo” (MORIN, 1999, p.13). Nesse mundo

desencantado, Michel Foucault, em Microfísica do Poder, lembra que o homem “não é

mais o cantor da eternidade, mas o estrategista da vida e da morte” (FOUCAULT, 1979,

p. 10). É como se o sonho tivesse morrido com a consolidação do pensamento moderno,

dentro daquilo que é o fascínio positivista:

Na real marcha do progresso, que assinala o final do século XIX, o racional, o

quantitativo é o que, em nível profundo, faz funcionar, “deve” fazer funcionar

a vida em sociedade. O que está em jogo é uma sociedade perfeita, que não

mais repousa um fantasma religioso ou imaginário, mas que encontra na razão

os seus fundamentos (MAFFESOLI,1985, p. 54).

A pós-modernidade pede a abertura de espaço para todas as histórias,

justificações, legitimações que de forma complexa e plural constituem o discurso social

e o mundo. A vida social é “uma mistura inextricável de inteligível e de sensível, de

sapiens e de demens”, lembra Maffesoli (1985, p. 54). Nesse contexto, é possível pensar

num Jornalismo Cultural que reintroduza dimensões míticas e imaginárias na

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composição do cotidiano e da realidade social; desfazendo aquilo que o racionalismo

ocidental acredita ter apagado há muito tempo.

Por isso, Edgar Morin e Michel Maffesoli questionam a viabilidade sustentável

desse discurso quase universal, homogêneo e totalitário da razão científica, num mundo

em plena transformação e aceleração. A pós-modernidade começa, consciente ou

inconscientemente, a apresentar brechas para novas formas de conhecimento,

pensamento e informação. Aqui e ali, pipocam notas destoantes que buscam espaço, no

meio desse mundo globalizado e homogêneo, que falam sobre a diversidade, a

pluralidade, a heterogeneidade e a complexidade humana.

O desenvolvimento da aptidão para contextualizar tende a produzir a emergência de

um pensamento ecologizante, no sentido em que situa todo acontecimento,

informação ou conhecimento em relação de inseparabilidade com seu meio ambiente

– cultural, social, econômico, politico e natural. (...) um tal pensamento torna-se,

inevitavelmente, um pensamento complexo (MORIN, 1999).

3.4.1. O afeto como elemento da prática jornalística

O discurso racional e objetivo condiz com o jornalismo diário; especialmente,

aquele praticado nas editorias de política, economia, cotidiano, ciências etc. Mas não

cabe totalmente quando o assunto é cultura. A cultura pede um novo modelo de

linguagem. Um discurso que contemple o afeto, a razão sensível e a solidariedade. Não

excludente e, sim, agregador. Não autoritário e, sim, democrático. Não homogêneo e,

sim, heterogêneo. Não único e, sim, duplo.

A racionalidade positivista colocou de lado a ternura, o afeto, a solidariedade e a

esperança. Quando o mundo tornou-se uno, globalizado, o discurso também adquiriu as

mesmas feições totalitárias. Sem espaço para sentimentos que pudessem desvirtuar o

foco da conquista e da guerra. Luis Carlos Restrepo, em O direito à ternura (1998,

p.14), diz: “Por vários séculos, a ternura e a afetividade foram desterradas do palácio do

conhecimento”.

Mas como alerta o filósofo Gianni Vatimo, o pensamento duro tem tido suas

baixas: “Modelo de conhecimento total e axiomático, outrora poderoso no Ocidente,

hoje, porém assaltado e confrontado por propostas que insistem em gerar um saber

integrado ao afetivo, aberto à singularidade e aparentado com o cotidiano” (VATTIMO

apud RESTREPO, 1998, p. 35).

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Há verdades de guerra e há verdades de ternura. Pois o conhecimento – como já

disse Jurgen Habermas – é um corpo de práticas e enunciados por uma diversidade de

interesses que vão desde o afã do domínio instrumental até o fomento da emancipação e

da liberdade. O discurso pode agradar e comover pelo afeto. A ternura e o afeto, se

presentes na produção jornalística, podem levar à construção de outros tipos de

narrativas, aquelas que tangem a complexidade humana.

3.4.2. A importância do “senso comum” – vozes necessárias no jornalismo

Se, para Restrepo, o afeto é fundamental para ser incluído na construção de

novas formas jornalísticas, Maffesoli aponta para a importância do “senso comum” e da

“douta ignorância”. Maffesoli diz (1985:41): “Num tempo em que, pela mudança de

valores que se opera, é preciso saber ouvir o mato crescer, isto é, estar atento a coisas

simples e pequenas”. Para falar da complexidade humana, equilibrando os aspectos

racionais e afetivos, é necessário passar pelo cotidiano e não pelo release da assessoria

de imprensa. É nas pequenas coisas que a vida acontece e encanta.

Para Michel Maffesoli, a douta ignorância contribui para um verdadeiro

procedimento iniciático, que ajuda a compreender o cotidiano e as tramas da sociedade.

Por isso, a importância de voltar nossa atenção a essas minúsculas histórias.

Fazendo referência à douta ignorância de Nicolau de Cusa, pode-se dar

ênfase à necessidade ou à realidade de uma verdade localizada. O universal é

contraditado pela existência de uma multiplicidade de singularidades; da

mesma forma, no plano dos fatos, uma pluralidade de representações provoca

um curto circuito num saber avassalador e generalizante. Mas a literatura dita

menor, o corpus dos provérbios e ditados característicos de um povo, as

discussões anódinas da vida de todos os dias, tudo isso lembra a inanidade de

uma Realidade Universal. O sociólogo que negligencie o jogo da diferença e

da alteridade operantes na existência será talvez diretamente utilizável na

prática da gestão social – mas perderá, por isto, toda capacidade de

compreender a organização complexa das pessoas e das coisas

(MAFFESOLI, 1985, p. 84).

Nicolau de Cusa e Diógenes são dois exemplos da “douta ignorância”.

Diógenes, o cínico, foi conterrâneo de Alexandre da Macedônia, o grande. Famosa a

passagem em que os dois se encontraram numa ágora em Corinto, como recorda

Gombrich (2010, p. 93):

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Quando Alexandre chegou a Corinto, todos os líderes gregos lhe fizeram

saudações calorosas e o cobriram de generosos elogios; todos os lideres,

exceto um. Um tipo curioso, um filósofo chamado Diógenes. As ideias dele

não eram muito diferentes das de Buda. Na opinião dele, os bens materiais e

todas as coisas de que pensamos precisar só servem para nos distrair e

impedir de apreciar a vida de forma simples. Por isso, Diógenes tinha dado

tudo o que possuía e passava o dia, seminu, dentro de um barril na praça de

Corinto, onde vivia livre e independente como um cão vadio. Alexandre tinha

curiosidade em conhecer aquele estranho homem e foi ter com ele. De

armadura reluzente e a pluma do elmo a ondular na brisa, dirigiu-se para o

barril e disse a Diógenes: “Gosto de ti. Faz o pedido que quiseres que eu

satisfaço-o”. Diógenes, que até então tinha estado satisfeito a apanhar sol,

respondeu: “De fato, meu senhor, tenho um pedido a fazer. Está a fazer-me

sombra: não se coloque tanto entre mim e o Sol”.

Diz-se que Alexandre ficou tão impressionado com a resposta que comentou:

“Se eu não fosse Alexandre, gostava de ser Diógenes”. Essa passagem lendária fala de

um tipo de discurso livre, que provêm da palavra grega: parhesia, liberdade da palavra.

Na retórica, parhesia é descrita como franqueza, confiança ou ousadia para falar em

público.

A imagem de Diógenes vivendo num barril, maltrapilho, cercado por cachorros,

nos remete aos mendigos que circulam nas ruas das grandes capitais brasileiras. A

associação é quase imediata, se não fosse pela diferença da condição humana. Diógenes

era um filósofo que escolheu viver como mendigo. “Os Diógenes atuais” não

escolheram necessariamente a rua.

Em 2012, fiz uma reportagem36

para o Programa Paratodos, da Tv Brasil, sobre

moradores de rua, logo após as ações policiais na “Cracolândia”, amplamente

divulgadas pela mídia. E pude desmistificar a imagem do mendigo propagada pelos

meios de comunicação: o crack, a sujeira, a loucura e a violência. Mas antes de

adentrarmos na reportagem em si, é importante contar o que é o programa Paratodos, da

TV Brasil.

3.5. Relatos sobre minha experiência jornalística na TV Brasil

Em 2009, a TV Brasil criou o programa Paratodos, voltado para as

manifestações culturais não consagradas, direcionado para o público jovem, em

especial, a classe C e os jovens das periferias. O Paratodos é uma revista semanal que

não se pauta totalmente pela agenda cultural. Algo que contribui muito para o espaço

36

Disponível nos anexos.

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das narrativas, dentro do programa, como era visível, pelo menos enquanto trabalhei no

programa, de 2009 a 2012. O esforço contínuo da equipe em buscar histórias de vida

quase marginais para contar era o grande mérito do programa. O Paratodos se

debruçava sobre essas narrativas e procurava contar quem eram essas pessoas, o que

elas faziam, de uma forma profunda.

Para falar da minha experiência jornalística no programa Paratodos, da TV

Brasil – exemplificada aqui em duas reportagens “Extra Muros” e “Projeto Azu” – me

utilizarei do ensaio como relato pessoal e forma de compreensão daquilo que acredito

ser importante constar em uma narrativa, para tentar realizar essa outra forma possível

de jornalismo: o jornalismo compreensivo. As impressões aqui focam nessas narrativas

da vida comum e anônimas (trechos dos depoimentos transcritos aqui estão disponíveis

nas duas reportagens presentes nos anexos) que tive a oportunidade de ouvir,

compreender e recontar. Um ensaio híbrido entre experiências pessoais e reflexões.

Conheci o projeto Extra Muros, criado pela Pinacoteca do Estado de São Paulo,

que propõe um diálogo com os moradores de rua que ficam no entorno do museu,

andando pelo jardim da Luz. Na fachada da Pinacoteca estavam expostas xilogravuras

singelas; algo que chamou atenção, por fazer um contraste com as obras de arte

consagradas que ficam dentro do museu. Intrigada, entrei no site da Pinacoteca e

encontrei o projeto Extra Muros37

.

O projeto nada mais é que uma conversa entre a instituição e seus vizinhos, que

acontece através da arte. Desde 2008, essas oficinas ocorrem na Casa de Oração do

Povo da Rua, no centro de São Paulo. A casa, por si só, tem uma história interessante.

Fundada pelo ex-arcebispo de São Paulo, o cardeal Paulo Evaristo Arns, com dinheiro

de um prêmio budista, é um espaço político, social e cultural dos moradores de rua. No

último sábado do mês, acontece o encontro “fala rua”, que é o espaço político deles.

Mas isso é outra história.

As oficinas de arte do projeto Extra Muros, que acontecem semanalmente,

mobilizam um grupo flutuante de 20 moradores de rua. E o resultado é incrível. Tive a

oportunidade de gravar com eles na oficina, e a experiência foi mágica. Confesso que

fui ao encontro com certo receio, cheia de expectativas, questões e preconceitos.

Cheguei até a pensar: será que vou encontrar pessoas enroladas em cobertores?

37 Disponível em <http://goo.gl/XFZM4q>. Acessado em 25/06/2015.

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Preocupada se haveria um diálogo entre nós, pensei também numa estratégia.

Como a oficina era de xilogravura – escolhida pelos educadores da Pinacoteca porque

muitos moradores são originários do Nordeste e, mesmo que não tivessem feito alguma

xilogravura, ao menos, teriam visto, uma vez que a arte é tradicional na região –, levei

alguns cordéis para presentear o grupo.

Quando cheguei à oficina, me deparei com um grupo de quase 15 alunos –

predominantemente homens. A princípio, estavam todos tímidos, mas, pouco a pouco,

foram se soltando. Encontrei pessoas com dificuldade de relacionamento, trabalho,

inclusão, mas ansiosos para serem reconhecidos, fazerem algo de valor, se relacionarem

e, principalmente, participarem do grupo e da sociedade.

E os depoimentos foram surpreendentes: uns mais simples, sonhadores e outros

contundentes como aquele proferido por Diógenes, o cínico, na Grécia Antiga.

Diógenes parecia estar ali na presença de Di Moraes, morador de rua há mais de 40

anos, entre idas e vindas, como ele próprio define.

O discurso e o trabalho artístico do Di Moraes é algo impressionante. Em cerca

de meia hora, ele esculpiu uma xilogravura de um rosto, um homem maltratado com um

ar de expressionismo alemão. “Era isso que eu esperava. A xilogravura está retratando a

violência sofrida na rua. Não podemos mais ficar nas praças, não podemos ficar mais

nas ruas, porque roubam nossas roupas, nossos documentos. Somos violentados

diariamente. Às vezes, a tortura é psicológica, mas é tortura”, enfatiza Di Moraes.

Di Moraes, de uma eloquência surpreendente, é um retrato de que a “douta

ignorância”, “o senso comum” presente na vida cotidiana precisam ser escutados, com

mais espaço, na mídia.

3.5.1. “Projeto Azu”, outra experiência de jornalismo na TV Brasil

Como vimos no Capítulo 1, a cultura tem, em sua essência, a potência necessária

para transformar as pessoas. O filósofo Renato Janine Ribeiro lembra a importância da

cultura como construção de cidadania e justiça social:

Acredito que a cultura pode ajudar muito o Brasil a construir uma sociedade

melhor. (...) Cada um de nós vai compor isso (a vida) mais ou menos a seu

gosto e dentro de suas possibilidades. Nossa época exige muito mais

criatividade do que as anteriores. Tudo o que consiga ligar criatividade, que é

a praia da cultura, com justiça social e, portanto, redução da desigualdade,

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redução do sofrimento humano, é algo que tem e precisa ter futuro

(RIBEIRO, 2011, p. 484).

Há muitas ações importantes, nesse sentido, que são realizadas na periferia da

capital paulista, desconhecidas do grande público e que, naturalmente, passam

despercebidas na grande imprensa.

Em 2011, fiz uma reportagem para o programa Paratodos, da TV Brasil, sobre o

projeto Azu38

. O projeto ensina mosaicos de azulejos, com o intuito de serem colocados

no espaço público. Levando cor, arte, cultura e cidadania para a comunidade Vila Nossa

Aparecida, no bairro de Ermelino Matarazzo, na Zona Leste de São Paulo.

Desde 2008, o coletivo tem contribuído para o desenvolvimento socio-cultural

do local. A arte é usada como meio de reflexão sobre o espaço público; sobretudo, como

uma forma de criar novas formas de inclusão social para os jovens, através do

aprendizado de um novo ofício. Fazer, pintar, queimar e colocar azulejos nas ruas é um

processo de construção de cidadania.

O projeto Azu é uma história que fala de transformação de vidas e de espaços.

Num exercício de transposição de trechos da reportagem feita em TV para o relato desse

ensaio, recordo, mais uma vez, Walter Benjamin (1994:201):

O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a

relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência ou a

relatada pelos outros. Os narradores gostam de começar sua história com uma

descrição das circunstâncias em que foram informados dos fatos que vão

contar a seguir.

Na rua, aquilo que tem a ver com profundidade, imersão, dificilmente, acontece

em três horas. Tempo, geralmente, usado para concretizar uma matéria diária de TV. A

reportagem sobre o projeto Azu foi realizada em dois dias. Entre uma visita e outra,

quase um mês se passou. Cremilda Medina, uma das precursoras da discussão das

narrativas no jornalismo brasileiro, com várias incursões práticas e acadêmicas sobre a

produção de novas narrativas, define, em A arte de tecer o presente: narrativa e

cotidiano:

A narrativa é uma das respostas humanas diante do caos. Dotado da capacidade de

produzir sentidos, ao narrar o mundo, a inteligência humana organiza o caos em um

cosmos. O que se diz da realidade constitui outra realidade: a simbólica. Essa é a

marca da autoria que se aspira: contar sua história ou a história coletiva de forma

38

Disponível nos anexos.

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sutil e complexa, afetuosamente comunicativa e iluminando no caos alguma

esperança do ato emancipatório (MEDINA, 2003, p. 49).

Algo que busquei contemplar na reportagem sobre o projeto Azu. A quase uma

hora de carro do centro de São Paulo, seguindo a linha do trem, aos poucos, o bairro de

Ermelino Matarazzo mostra seu traçado. A Rua Cinturão Verde, onde fica a sede do

projeto Azu, não existe no mapa e tampouco no GPS. No posto policial, pegamos

informações. Entre vielas, ruas estreitas, um sobe e desce e números que aparecem e

desaparecem, o norte se perde num caos espacial. E ali, onde o caminhão de lixo não

entra, do lado esquerdo, entre os números 16, 76, 35, 206, está o número 204, sede do

projeto Azu.

Uma casa branca, pé direito alto, toda de vidro, cria um contraste arquitetônico

no meio das "quase casas" sem cor, entre o ocre e cinza. Na frente dela, Élcio Torres, 42

anos, vestindo jeans, tênis e uma camiseta que traz escrito “porca miséria”, atento ao

movimento da rua, espera. Ele é o idealizador do projeto e prontamente diz: “Para

entender o Azu é preciso ganhar a rua”.

Na Vila Nossa Senhora Aparecida moram mais de 23 mil pessoas; não há

espaços de lazer ou cultura, só tem uma biblioteca. "O projeto Azu é essencialmente um

projeto de urbanização de favela, essa cor marrom, cinza incomoda demais, e o projeto

existe para mudar a cara desse lugar", acredita Élcio.

Sol quente do meio-dia. No entorno do ateliê, pequenas intervenções gastas pelo

tempo emergem aqui e ali; resultado de um trabalho ao longo de cinco anos. As

aplicações são miúdas: cinco azulejos numa esquina, dois na porta de uma casa, um

mini mural em outra. Uma parede inteira repleta de azulejos é um dos símbolos do

projeto. Élcio lembra que essa foi a primeira intervenção feita com as crianças da

comunidade. O começo de tudo: quando a técnica ainda estava sendo construída e o

esmalte vermelho não era tão fácil de fazer.

Subindo a rua Cinturão verde, Élcio, entre gestos expansivos e conversas com as

pessoas da comunidade, fala da dificuldade de tocar o projeto sem ajuda de custo

nenhum do Estado e da Prefeitura. As parcerias são parcas e tudo que eles fazem vem

da garra, ou, como ele diz, "na unha mesmo". O coletivo é formado basicamente por

Élcio, André (arte-educador) e Leandro (morador da comunidade e aprendiz).

A escadaria que fica na rua Mocidade Alegre é outro marco do projeto. No lugar

de uma escadaria suja, cinza e triste, eles criaram, com a aplicação dos azulejos, um

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espaço com cor, arte e alegria. Ali é possível entender por que o projeto Azu transforma:

"A rua ficou alegre, puseram até número na minha casa que não tinha", timidamente

comemora o operador de máquinas, Oswaldo Henrique da Silva, que mora há mais de

33 anos naquele pedaço.

E a compreensão do alcance do projeto vai vindo aos poucos. Para a técnica de

nutrição Silvia Motta, que mora do lado direito, no meio da escada, a intervenção não

trouxe apenas beleza: "Já surgiram pessoa aqui dentro da vila procurando casa para

comprar, valorizou".

Nessa altura, a narrativa para a matéria sobre o projeto “Azu” ganha corpo. O

próximo passo? Mostrar o coletivo em ação. Foi então que descobri que o grupo

planejava criar uma praça que não existia. Dentro de um mês, eles iriam colocar um

painel enorme de azulejos num espaço sujo e abandonado, usado como ponto de tráfico.

Logo pensei em uma passagem: "Era uma praça muito triste, não tinha nome, não tinha

cara. E agora?".

3.5.2. Da “porca miséria” à transformação de vida através da arte

"Senhor mire e veja. O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as

pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas

vão sempre mudando" (ROSA, 2006, p. 19).

Élcio Torres é assim: da “porca miséria” à transformação de vida. Élcio, jovem

da classe média, se envolveu com o tráfico, foi preso com 20 quilos de cocaína em 1994

e ficou na extinta Casa da Detenção, no Carandiru, por 4 anos. Nesse tempo, no

Pavilhão sete, ele estudou artes plásticas e se transformou. A ironia faz parte da fala

dele:

Descobri que eu podia usar do tempo que o estado tinha me dado graciosamente em

meu benefício. E nos quatro anos, eu estudei. E no meio disso tudo, entre eu sair da

cadeia e chegar aqui, teve transformação de corpo, eu tinha 164Kg e fiquei com 80Kg e

venho transformando as coisas na minha vida. Se eu consigo transformar a minha vida,

sei que é possível transformar a vida dos outros também. E o grande desafio que eu

tenho hoje é viver disso que eu aprendi lá, que é viver de arte (TORRES apud PRADO,

2011).

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Tudo é uma questão de olhar. Élcio poderia ser visto sob o rótulo do ex-

presidiário, para mim, a história dele é um exemplo de transformação física e mental.

Nessa altura, eu cursava, como aluna especial, a disciplina Mídia, Narrativas

Contemporâneas e Conhecimento, do Prof. Dr. Dimas A. Künsch, no Programa de Pós-

Graduação em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero. Estudamos em aula, o “mito

do herói”, apresentado por autores como Joseph Campbell (1990), Mônica Martinez

(2008) e Christopher Vogler (2006). E foi uma sincronicidade. O “mito do herói”

acabou por dar o norte para a construção do roteiro da reportagem sobre o projeto Azu.

Utilizei a estrutura narrativa proposta por Vogler em A jornada do escritor: estruturas

míticas para escritores (2006). A narrativa transformadora de Élcio, além de ser a base

para a transformação do projeto Azu, é por excelência o mito do herói, na realidade, o

mito do anti-herói. Os “offs” foram montados seguindo a trajetória do “mito do herói”,

dando uma estrutura específica para a ação:

Off 01 - mundo comum: favela

Off 02 - chamado a aventura: mudar a cara da favela + o que é o

projeto Azu

Off 03 - recusa ao chamado: exemplos do começo do projeto + falta de

grana para viver de arte

Off 04 - encontro com o mentor: no caso é ele mesmo, a arte (na

cadeia)

Off 05 - travessia do primeiro limiar: compromisso - 1 grande

intervenção escada Mocidade Alegre

Off 06 - testes: o que é a arte do azulejo

Off 07 - sonho e aproximação da caverna oculta: arte ilha grega

Off 08 - aliados, inimigos: Leandro aprendiz

Off 09 - provação: intervenção na praça / criar a praça

Off 10 - recompensa: praça pronta

Off 11 - caminho de volta, ressureição, retorno com o exilir: praça

pronta, auto estima, cidadania (PRADO, 2011).

E o “mito do herói” ressaltou dentro da reportagem do Azu a força da história de

Élcio e de suas intervenções. A cadência do mito que é algo tão natural para o humano,

passível de compreensão, fortaleceu essa narrativa. E ainda facilitou a inclusão da arte e

do afeto no texto.

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Podemos acreditar num jornalismo mais humano, que possa aproveitar uma outra

forma de compreender o mundo, tão antiga como os primeiros homens da terra já

faziam. Os mitos, as lendas, os contos de fadas, as fábulas, as histórias orais, do

conhecimento comum – essas narrativas que fazem parte da cultura – tentam criar uma

ordem diante do caos. E, as “narrativas contemporâneas”, forma possível de um

jornalismo compreensivo, também têm esse poder de transformação e organização.

Uma boa história pode trazer esperança, força, encantamento, criatividade, em

suma, criar novos sentidos. A explicação não basta para entendermos o mundo. O

sentimento é fundamental. Precisamos de histórias que nos impactem positivamente e

mexam com os nossos sentidos. Tal como define Medina “A vertente mais desafiadora,

porém, se pauta pela atitude pragmática de ir ao encontro de vivências cotidianas e

colhê-las não com a metodologia explicativa, mas sim com afetos e as simpatias da

compreensão" (MEDINA, 2003, p. 57).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas gerais, a presente pesquisa conseguiu abordar de maneira profunda o

tema proposto: Cultura e Jornalismo. Com o auxílio de intelectuais como David Harvey,

Gilles Lipovetsky, Raymond Williams, Sigmund Freud, Alfredo Bosi, Renato Ortiz,

Jorge Schwarz, E. H. Gombrich, além de outros, foi possível criar uma noção ampla de

cultura, proposta no Capítulo 1.

A dissertação também apresentou, de maneira complexa, uma acepção, evolução

histórica e de características gerais da cultura dentro do que se convencionou chamar de

Modernidade e de Pós-modernidade, no mundo e no Brasil. O sociólogo Renato Ortiz

foi peça fundamental para a concepção do capitulo 2 e, sobretudo, para a percepção de

que a cultura é algo em constante movimento e evolução. No caso brasileiro, isso é bem

fácil de observar. Nossa história é recente, se pensarmos em termos de liberdade e de

cultura. Como bem lembra Oswald de Andrade, “Antes dos portugueses descobrirem o

Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”. Essa história original, pouco consta nos

autos, nosso conhecimento parte de uma história marcada pelo colonialismo e pela

escravidão. A busca por uma construção de uma identidade nacional acaba por

demonstrar como a cultura brasileira evoluiu ao longo dos séculos XIX, XX e XXI.

No que diz respeito ao Jornalismo Cultural, numa busca para a compreensão de

como a mídia concebe e realiza suas escolhas editoriais no campo da cultura, levando

em conta seu contexto histórico (da contemporaneidade) e cultural, a presente pesquisa

também conseguiu levantar questões interessantes.

No breve panorama histórico do Jornalismo Cultural no Brasil, tendo como foco o

jornal O Estado de S. Paulo, foi possível observar de que forma a cultura ocupava os

espaços nos jornais, numa perspectiva evolutiva: primeiro os folhetins, depois os

rodapés críticos, em terceiro as seções ou colunas, logo depois os suplementos e, por

fim, os cadernos de cultura. Ao recontar a história do jornal, desde 1875 até os dias de

hoje, também foi possível fazer uma comparação com outros impressos, apresentando

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nesse sentido uma amostragem relevante no que diz respeito à história do Jornalismo

Cultural no Brasil.

Talvez a principal questão que moveu esta pesquisa foi a indignação ao observar o

quão ligeira se tornou a abordagem da cultura no jornalismo. A pesquisa partiu do

pressuposto de que, na contemporaneidade, o jornalismo continua preso ao modelo

positivista, seja na forma como transmite a informação, seja na produção do seu

conteúdo. E que, no caso específico do Jornalismo Cultural, nota-se que também

continua a seguir a mesma lógica da ordem científica de matriz positivista, mas com um

ingrediente específico: mantém-se preso aos ditames da Indústria Cultural e do

entretenimento.

O que se pôde observar ao analisar as publicações dominicais do Caderno 2, no

mês de agosto de 2014, é que muitas das reportagens, entrevistas, análises e notas estão

calcadas em agendas ou ligadas à divulgação de um produto cultural, sem levar muito

em conta a amplitude, diversidade e complexidade de sentidos que a cultura oferece.

Nos textos analisados, apenas um, o perfil “Vida de Violinista”, fugiu da lógica da

Indústria e apresentou outros sentidos diversos que a cultura comporta. O que não foi

feito nesta pesquisa, foi um levantamento mais aprofundado dos conteúdos publicados

diariamente no Caderno 2. Talvez esse seja um tema interessante para ser explorado em

uma próxima pesquisa. Outro ponto que seria relevante para outros pesquisadores é a

realização de uma pesquisa comparativa, entre, por exemplo, o Caderno 2 do Estado de

S. Paulo e a Ilustrada, da Folha de S. Paulo, concorrentes diretos e considerados os

jornais de maior expressão no Estado de São Paulo. Poder-se-ia ainda dizer que também

seria interessante para uma próxima pesquisa buscar realizar entrevistas, não só com os

profissionais dos cadernos culturais analisados, como também com intelectuais, artistas,

filósofos, alcançando-se assim, uma visão mais fresca da qualidade dos cadernos de

cultura.

Esta pesquisa também quis investigar a possibilidade de um Jornalismo Cultural

compreensivo e complexo, atento às mudanças contemporâneas de seu objeto: a cultura.

Nesse sentido, o trabalho conseguiu apontar outros caminhos possíveis para o

Jornalismo Cultural, que fogem à lógica da agenda, da Indústria Cultural e do

entretenimento; utilizando como exemplo o programa semanal Paratodos, da TV Brasil.

A escolha por analisar duas reportagens do programa Paratodos, foi tomada por um

motivo: o conhecimento de perto por parte dessa pesquisadora que essas reportagens

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foram concebidas longe da lógica do mercado da Indústria Cultural. Logo, formas

pensadas dentro de outra chave: a do jornalismo compreensivo e complexo. Nesse

sentido, para essa pesquisadora, o fato de comparar reportagens feitas para uma

televisão pública com reportagens para uma mídia impressa comercial, não era tão

significativo e equivocado. Pois o que se pretendia demostrar, através dessa

comparação, era apenas a existência de outras formas de conceber o Jornalismo

Cultural. Autores como Cremilda Medina, Edgar Morin, Michel Maffesoli, entre outros,

dialogaram sobre o tema. Foi possível pontuar, através dos ensaios sobre as reportagens

do Paratodos, que é no rico contexto da cultura que conseguimos falar de complexidade

humana, afeto, solidariedade, cidadania e propor novas formas de construção de

narrativas para o jornalismo. Ou seja, que essa possível e necessária mudança

epistemológica dentro do jornalismo deve acontecer, justamente, no âmbito da cultura e

do Jornalismo Cultural.

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126

ANEXOS

ANEXO A – QUADRO 1 – CADERNO 2 DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO

– EDIÇÃO DE DOMINGO – AGOSTO DE 2014

Dat

a

p. Título Lead Autor Tipo Assunto *

3/8 C1 Importância de ser fiel Marco Nanini estreia no Rio

“beije minha lápide” em que

evoca Oscar Wilde.

Ubiratan

Brasil reportagem estreia

espetáculo

Teatro 1

3/8 C4 Espectador de tragédias Marco Nanini interpreta um

prisioneiro que se confunde com

Oscar Wilde.

Ubiratan

Brasil reportagem estreia

espetáculo

Teatro 1

17/8 C3 Grupo de teatro pode

perder sede Imóvel ocupado pelo Núcleo

Bartolomeu de depoimentos, na

Pompéia luta contra especulação

imobiliária.

Murilo

Bonfim Matéria Teatro

17/8 C3 Broadway apaga luzes

em tributo à Robin

Williams

O ator, que morreu na segunda,

foi reverenciado pela classe

teatral; Lauren Bacall também

foi homenageada.

Sem

crédito Nota

NYT Teatro

24/8 C1 Quixote musical Miguel Falabella se inspira na

obra de Bispo do Rosário para

dirigir “O homem de La

Mancha”.

Ubiratan

Brasil reportagem

estreia

espetáculo

Teatro 1

24/8 C4 Sonho impossível “O homem de La Mancha” une a

sofisticação musical com trama

popular.

Ubiratan

Brasil Reportag

em estreia

espetáculo

Teatro

3/8 C3 Giusi, a suor Maria de

“A Grande Beleza” Um encontro com a atriz que faz

a santa no filme de Paolo

Sorentino, vencedor do Oscar de

produção estrangeira.

Luiz

Carlos

Merten

matéria lançamento

DVD

Cinema 1

3/8 C3 O filme de Michael

Powell que é o farol para

Martin Scorsese

Luiz

Carlos

Merten

nota lançamento

DVD

Cinema

3/8 C6 A essência da arte Com acréscimo de 9 artigos em

português, clássico do crítico

francês André Bazin ganha

reedição.

Luiz Zanin

Oricchio resenha lançamento

livro

Cinema 1

3/8 C7 Guardiões arrecada U$

11 mi na estreia reuters nota Cinema

3/8 C7 Jamie Foxx vai viver

Mike Tyson na tela Sem

crédito nota Cinema

3/8 C13 Guia Cinemas Cinema

10/8 C3 Mistério, tensão e cenas

assustadores Caixa “obras primas do terror”

reúne 6 clássicos do gênero; “A

noite do demônio” é uma delas.

Luis

Carlos

Merten

Resenha lançamento

DVD

Cinema

10/8 C13 Guia Cinema Cinema

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127

10/8 C14 Liberdade de escolha Melannie Griffith fala sobre

jovens diretores e a opção de

fazer um curta.

Flávia

Guerra

repórter

especial

Matéria Cinema

10/8] C14 À mesa com James

Franco e seus muitos

projetos

Fascinado por temas sombrios, o

ator e diretor expande suas

muitas facetas pelas telas, palcos

e polêmicas.

Jacob

Bernstein Matéria

NYT –

New York

Times

Cinema

17/8 C10 Cinema, a verdadeira

praia de Agnès Varda Diretora que ajudou a nouvelle

vague recebe prêmio em

Locarno.

Flavia

Guerra Matéria

festival Cinema

17/8 C10 Ela se ocupa de pessoas

comuns e as torna

grandes

Luiz Zanin

Oricchio Análise /

crítica Cinema

17/8 C11 Irmãos atores seguem a

mesma trilha Júlio e Ravel Andrade, estrelas

do filme “Não pare na Pista”, se

dividem entre o prestígio do

cinema e a popularidade da TV.

Luiz

Carlos

Merten

Matéria Cinema personalidade

1

17/8 C13 Guia Cinema Cinema

24/8 C8 O brasileiro entre as

Tartarugas Ninjas Lula Carvalho conta como foi

assinar a fotografia do novo

filme da franquia

Flavia

Guerra Perfil Cinema

24/8 C9 Vovôs da ação voltam a

atacar no episódio 3 “Os mercenários” pegam mais

humor, menos violência e

incluem gays.

Pedro

Caiado

Repórter

especial

Matéria Cinema 1

24/8 C9 Velhos e jovens batendo

juntos não serão

vencidos

Luiz

Carlos

Merten

Crítica Cinema

24/8 C11 Guia Cinema Cinema

31/8 C3 Titanus, ou uma breve

história do cinema

italiano

A trajetória da lendária

produtora fundada por Gustavo

Lombardo, responsável por

obras-primas da sétima arte.

Flavia

Guerra reportagem Cinema 1

31/8 C3 O segredo do sucesso era

investir em bons roteiros Companhia também fez filmes

em parceria com estúdios

internacionais e alternava

projetos autorais e populares.

Flavia

Guerra reportagem Cinema

31/8 C11 Guia Cinema Cinema

3/8 C5 Uma criadora em

constante movimento Diane Von Furstenberg fala

sobre os 40 anos de sua marca e

dos planos de investimento no

mercado brasileiro.

Michaela

Schmaedel –

repórter especial

entrevista Moda 1

3/8 C7 Meus dois dígitos Humberto

Werneck Crônica 1

3/8 C8 O passado imperfeito Mario

Vargas

Lhosa

Crônica 1

3/8 C12 Esteira Fábio

Porchat Crônica

3/8 C14 Blanquette de veau Luis

Fernando

Verissimo

Crônica

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128

10/8 C10 Figuraças Humberto

Werneck Crônica 1

10/8 C12 Melhor Comédia Fábio

Porchat Crônica

10/8 C14 Lloyd George Luis

Fernando

Verissimo

Crônica

17/8 C10 O pesado mundo dos

gordos Humberto

Werneck Crônica

17/8 C12 Atraso Fábio

Porchat Crônica

17/8 C14 Coincidências Luis

Fernando

Verissimo

Crônica

24/8 C8 Realidades cabeludas Humberto

Werneck Crônica 1

24/8 C10 Exames Fábio

Porchat Crônica

24/8 C12 Esteira Luis

Fernando

Verissimo

Crônica

31/8 C8 Quando felicidade não

traz felicidade Humberto

Werneck Crônica

31/8 C10 Uma da manhã Fábio

Porchat Crônica

31/8 C12 Álgebra e fogo Luis

Fernando

Verissimo

Crônica

3/8 C7 Rancho de Jackson pode

ser vendido reuters nota Música

3/8 C9 Solos e um punhado de

canções pode pagar uma

dívida

Clapton faz maior homenagem a

JJ Cale, autor de “cocaine” e

criador de um estilo que o

guitarrista usaria para sempre.

Julio Maria Resenha lançamento

disco

Música 1

10/8 C5 Sanfona Universal de

Mestrinho estreia com

brilho

Seguidor de Dominguinhos,

admirado pelo próprio, músico

sergipano, soa uma promessa ao

lançar seu primeiro disco.

Julio Maria Matéria lançamento CD

Música 1

17/8 C1 Barato total Show inédito de Gil e Gal em

Londres é lançado em álbum Renato

Vieira reportagem

lançamento álbum

Música 1

17/8 C4 Como dois são muitos Informalidade e improvisos de

Gilberto Gil e Gal Costa se

sobressaem no álbum “Live in

London 71”.

Renato

Vieira Reportag

em lançamento

Álbum

Música

17/8 C4 Fita foi encontrada em

1998 durante pesquisa Produtor foi a Londres para

localizar disco inacabado de Gil

e adquiriu trilha e show com

Gal.

Renato

Vieira Reportag

em lançamento

Álbum

Música

17/8 C4 Gil em Londres:

esotérico e contracultural Carlos

Rennó Análise /

crítica Música

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17/8 C5 O belo quintal de

Rodrigo Maranhão Compositor lança CD

“Itinerário” e fala sobre o

alcance da nova MPB.

Roberta

Pennafort Matéria lançamento

CD

Música 1

17/8 C14 Vida de violinista Membro da Orquestra Jovem do

Estado, que toca hoje na Sala

São Paulo, Lucas Silva se

prepara para estudar na Holanda.

João Luiz

Sampaio

Repórter

especial

Perfil Música

17/8 C14 Sinfônica tem como foco

a formação de músicos João Luiz

Sampaio

Repórter

especial

Perfil Música

24/8 C3 Uma cápsula dos

Mutantes Box inclui álbuns no período em

que Arnaldo Baptista, Rita Lee e

Sérgio Duarte Dias formavam o

grupo.

Renato

Vieira Resenha

lançamento

Box CD

Música 1

24/8 C3 Coletânea traz faixas

registradas fora da

discografia

Clássicos interpretados em

festivais são resgatados, além de

gravações com Gilberto Gil e

Caetano Veloso.

Renato

Vieira Resenha

lançamento Box CD

Música

31/8 C5 Salif Keita, uma lenda

do Mali, será atração do

Mimo

Festival que começou neste final

de semana em Ouro Preto vai

contar com o albino na

passagem do evento por Paraty.

Julio Maria Máteria abertura

festival

Música 1

31/8 C8 Stones não pensam em

parar, diz seu biógrafo Grupo, que volta ao País em

março, é movido por ambição,

genes e despesas.

Jotabê

Medeiros Entrevista Música /

literatura

31/8 C12 Mistérios da montanha Ao voltar da Bósnia, onde diz ter

visto sinais enviados de Nossa

Senhora, Elba Ramalho reafirma

a fé e grava dois discos.

Julio Maria Entrevista Música

3/8 C10 Theo fica na berlinda em

“Sessão de terapia” Na nova temporada, protagonista

passará por problemas na

família.

João

Fernando Matéria lançamento

série

TV

3/8 C10 Guia TV program

ação

TV

3/8 C14 O mundo vai acabar Produzida por Michael Bay,

“The last ship” mostra planeta

devastado por vírus misterioso.

João

Fernando Matéria lançamento

série

TV

10/8 C6 Missão Pet volta com

risco e emoção Na nova temporada do reality, o

zootecnista Alexandre Rossi

encara animais mais agressivos e

com crise existencial.

Julio

Fernando Matéria lançamento série

TV 1

10/8 C6 Guia TV TV

10/8 C7 Marcos Palmeira se

multiplica em 2 canais Ator estrela nova série do

multishow, “a segunda vez”. Cristina

Padiglione Matéria lançamento

série

TV 1

17/8 C6 Pirataria e dramas

pessoais marcam volta

de “O Negócio”

Em nova fase, garotas de

programa que usam técnicas de

marketing vão atrás de

impostora e lidam com

namorados.

João

Fernando Matéria lançamento série

TV

17/8 C6 Guia TV TV

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17/8 C7 O público do cinema não

quer desafio Steven Soderbergh, diretor da

série “The Knick”, exibida no

canal Max, analisa as mudanças

no cinema e na TV.

Mariane

Morisawa

repórter

especial

Entrevista TV

17/8 C8 Bicha má, com louvor Ator conta como nasceu Téo

Pereira, blogueiro do mal na

novela das 9 e primeiro gay de

sua galeria.

Cristina

Padiglione Entrevista TV 1

17/8 C9 O sertão com um perfil

mais moderno Nordeste contemporâneo é

cenário da trama de “amores

roubados”.

Ubiratan

Brasil reportagem

lançamento DVD

TV 1

24/8 C5 Mentes criminosas Fã de suspense psicológico,

Glória Perez cria serial killer

para série da Globo.

Cristina

Padiglione Matéria TV 1

24/8 C6 Vilã na ficção, Famke

Janssen banca a boa

moça

Estrela da série “Hemlock

Grove”, atriz reclama da falta de

mulheres por trás das câmeras

no mercado dos EUA.

João

Fernando Matéria TV

24/8 C6 Guia TV TV

31/8 C6 “Vai que cola” volta,

com edição ao vivo Programa mais visto da TV paga

no ano passado, sitcom chega à

2° temporada, com novos

personagens

Cristina

Padiglione Matéria lançamento série

TV

31/8 C6 Guia TV TV

31/8 C7 Truques de filmes de

Hollywood em versão

econômica

Em “Cinelab”, cineastas

brasileiros mostram como fazer

efeitos especiais em produções

de baixo orçamento.

João

Fernando Matéria TV 1

10/8 C1 De caso com a moda O renomado fotógrafo Mario

Testino ganha mostra em São

Paulo.

chamada Fotogra

fia

1

10/8 C4 Um olhar curioso Amante do Brasil, Mario Testino

fala de manipulação digital,

redes sociais e moda.

Rita

Alonso e

Helena

Tarozzo

repórter

especial

Entrevista

estreia

exposição

Fotogra

fia

24/8 C12 Notas sobre o olhar raro Livro do fotógrafo Stephen

Shore será lançado hoje na SP-

Arte Foto

Antonio

Gonçalves

Filho

Matéria

lançamento

livro

fotografia

17/8 C3 “Biomashup” não dá

sossego para a percepção Com rara combinação de

densidade e delicadeza, 6

intérpretes constroem emoções.

Helena

Katz

repórter

especial

Crítica Dança 1

24/8 C7 A vez dos caçadores de

sombras em SP Cassandra Clare fala hoje na

mostra sobre ficção de fantasia,

gênero que a fez vender mais de

25 milhões de exemplares.

Guilherme

Sobota Matéria Literatura 1

31/8 C8 Stones não pensam em

parar, diz seu biógrafo Grupo, que volta ao País em

março, é movido por ambição,

genes e despesas.

Jotabê

Medeiros Entrevista Música /

literatura

31/8 C9 Bienal do Livro tem

história para contar Último dia no Anhembi traz

Laurentino Gomes e João

Carrascoza.

Guilherme

Sobota Matéria agenda Bienal

Literatura 1

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31/8 C1 Bienal do invisível Mostra tem como foco a arte

social e elege conflito como

tema.

Antonio

Gonçalves

Filho

Reportag

em

abertura

exposiçã

o

Artes

plásticas 1

31/8 C4 Arena dos politizados A ação social é dominante nas

obras da 31° edição da Bienal de

São Paulo.

Antonio

Gonçalves

Filho

Reportag

em

abertura

exposiçã

o

Artes

plásticas

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ANEXO B – “Uma criadora em constante movimento”, Caderno 2, do Estado de S.

Paulo, do dia 3 de Agosto de 2014.

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ANEXO C – “À mesa com James Franco e seus muitos projetos”, do

Caderno 2, do Estado de S. Paulo, do dia 10 de Agosto de 2014.

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ANEXO D – “O público do cinema não quer desafio”, Caderno 2, do Estado de S.

Paulo, do dia 17 de Agosto de 2014.

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ANEXO E - “Vida de violinista”, Caderno 2, do Estado de S. Paulo, do dia 17 de

Agosto de 2014.