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FACULDADE MERIDIONAL - IMED ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO Henrique Bertosso Quem Guarda os Guardas?Um estudo sobre o poder dos gerentes de agências bancárias frente ao controle eletrônico organizacional Passo Fundo 2015

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FACULDADE MERIDIONAL - IMED

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO

Henrique Bertosso

“Quem Guarda os Guardas?” Um estudo sobre o poder dos

gerentes de agências bancárias frente ao controle eletrônico

organizacional

Passo Fundo

2015

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Henrique Bertosso

“Quem Guarda os Guardas?” Um estudo sobre o poder dos

gerentes de agências bancárias frente ao controle eletrônico

organizacional

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Administração da Escola de

Administração da Faculdade Meridional –

IMED, como requisito parcial para a obtenção

do grau de Mestre em Administração sob a

orientação do Prof. Dr. Jandir Pauli.

Passo Fundo

2015

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B547q Bertosso, Henrique

“Quem guarda os guardas?” um estudo sobre o poder dos

gerentes de agências bancárias frente ao controle eletrônico

organizacional. / Henrique Bertosso. – Passo Fundo: IMED,

2015.

108 f.; il.; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Jandir Pauli

Dissertação (Mestrado) – Faculdade Meridional – IMED

Escola de Administração – Programa de Pós-Graduação em

Administração. Passo Fundo, RS, 2015.

Bibliografia: f. 95 – 99.

1. Panóptico digital. 2.Poder. 3.Gerentes de Bancos.

I.Pauli, Jandir. II.Faculdade Meridional - IMED. Programa

de Pós-Graduação em Administração. III.Título

CDD 22 ed. 658.4

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Alvarito Baratieri – CRB-14º/273

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Dedico esta pesquisa a todos que acreditam

que a educação é o único caminho para o

desenvolvimento pessoal e da sociedade.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, esta força superior que nos presenteou com o livre arbítrio e com a

inteligência, que é fonte de todos os avanços da humanidade.

À minha família, pela paciência e pela compreensão quanto as minhas ausências, e me

que me estimulou a estudar e me tornar uma pessoa melhor.

Ao Prof. Dr. Jandir Pauli, meu orientador, que teve papel fundamental na organização,

escrita e execução deste estudo. Levo sua postura profissional e sua busca pelo conhecimento

como exemplo para toda minha vida.

À CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pelo

suporte financeiro.

Aos Professores e funcionários do Programa de Pós-graduação em Administração da

IMED. Suas aulas, ensinamentos, ajudas e conselhos foram fundamentais para superação de

momentos de dificuldade.

Aos colegas Mestres e futuros Mestres da primeira turma do Mestrado em

Administração da IMED. As conversas, os desabafos, as ajudas, as dicas se tornaram o apoio

que precisava em momentos de angústia e dúvidas.

Aos meus queridos amigos, cuja presença eu precisei abrir mão em função dos

estudos. Sua compreensão me deu segurança de que ao fim desta jornada vocês estariam me

aguardando.

À Prof. Dra. Christine da Silva Schroeder, Profa. Dra. Rosana da Rosa Portella

Tondolo, Prof. Dra. Janaina Macke, Prof. Dr. João Alberto Rubim Sarate pela valorosa

contribuição na Banca de Defesa desta Dissertação.

Aos gerentes de agências bancárias que aceitaram participar das entrevistas. Sua

disponibilidade e interesse em participar da pesquisa garantiram a consecução dos objetivos e

colaboraram de forma significativa para o futuro da função do gerente.

À Professora Vânia Gisele Bessi, pelas aulas que serviram de inspiração para esta

pesquisa.

À Direção, Professores, funcionários e acadêmicos da FABE, pelo apoio nos

momentos difíceis, pelo incentivo à realização do Mestrado, e pela vibração em momentos de

alegria.

Enfim, agradeço a todos que de alguma forma colaboraram para esta conquista.

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O povo foge da ignorância

Apesar de viver tão perto dela

E sonham com melhores tempos idos

Contemplam esta vida numa cela.

Zé Ramalho

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RESUMO

Os estudos sobre poder ocupam lugar de destaque nas pesquisas organizacionais. Na Teoria

Clássica da Administração a separação entre os que pensam e os que executam tornam o

gerente o foco de exercício do poder. Em abordagens mais recentes, se entende o poder como

diluído na estrutura organizacional. Uma destas perspectivas propõe uma releitura do

panóptico de Bentham (2008), a partir do contexto organizacional. Com a inserção da

tecnologia da informação, cria-se o panóptico digital, no qual o sistema realiza o controle,

inclusive sobre os próprios vigilantes. Portanto, a grande inovação do panóptico digital é a

possibilidade de o gerente vigiar os funcionários, e ao mesmo tempo, a organização vigiar os

gerentes. Assim, este estudo, inserido na linha de pesquisa “Estudos Organizacionais

Contemporâneos”, aborda a hierarquia, o poder e a inserção da tecnologia da informação nas

organizações com o objetivo de compreender a percepção dos gerentes de agências bancárias

quanto ao seu poder frente à equipe, em face ao funcionamento do panóptico digital. Para

tanto, esta pesquisa de caráter qualitativo exploratório utilizou a entrevista e a observação

como técnicas de coleta de dados, buscando a triangulação das informações. Foram realizadas

quatorze entrevistas com gerentes de agências bancárias públicas e privadas, acompanhadas

de observações do pesquisador, e o tratamento das informações foi realizado a partir da

análise do discurso. A busca pela compreensão das relações de poder seguiu o proposto por

Foucault (2012; 2014) e abordou a materialização do poder do panóptico digital; os

dispositivos do poder do panóptico digital; e os dispositivos disciplinares, representados pelo

olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o exame. A análise dos dados coletados revelou

que o gerente não é mais responsável pela concepção do trabalho, pois o gerente passou a ser

um executor de tarefas ou ainda um vendedor. Quanto a sua equipe, o gerente necessita buscar

amparo nela para realização de suas atividades, até mesmo porque o sistema reforça a

separação hierárquica. Além disso, o gerente não detém a informação, pois ela está

disseminada e disponível ao público interno. Há, também, a completa sujeição ao sistema de

estabelecimento e controle de metas por parte dos gerentes de agência, afinal o poder está no

sistema. Nesta perspectiva, o gerente passa a ser visto, vigiado e monitorado por todos: seus

subordinados (bancários), seus pares (outros gerentes) e superiores (a superintendência).

Palavras-chave: Panóptico digital. Poder. Vigilância. Gerentes. Bancos.

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ABSTRACT

The studies about power occupy a prominent place in organizational research. In the Classical

Management Theory the separation between those who think and those who execute makes

the manager the focus of the exercise of power. In more recent approaches, power is

understood as diluted in the organizational structure. One of these perspectives proposes a

rereading the panopticon of Bentham (2008), from the organizational context. With the

inclusion of information technology, it creates the digital panopticon in which the system

performs control, including the control on the vigilantes. Therefore, the great innovation of

digital panopticon is the possibility of the manager oversee the employees, and at the same

time, the organization monitor managers. Thus, this study inserted in the research line

“Contemporary Organizational Studies” addresses the hierarchy, the power and the insertion

of information technology in organizations aiming to understand the perception of bank

branch managers about their power the team, due to the operation of digital panopticon.

Therefore, this exploratory qualitative research used the interview and observation as data

collection techniques, seeking the triangulation of information. Fourteen interviews with

public and private bank branch managers were held, accompanied by observations of the

researcher, and the processing of information was carried out from the discourse analysis. The

quest for understanding the power relations followed the proposed by Foucault (2012; 2014)

and addressed the materialization of the power of digital panopticon; the power of devices of

digital panopticon; and disciplinary measures, represented by hierarchical look, normalizing

sanction and examination. Analysis of the data collected revealed that the manager is no

longer responsible for the conception of work, because the manager has become a task

executor or a salesperson. Considering his team, the manager needs to seek refuge in it to

carry out its activities, even because the system reinforces the hierarchical separation. In

addition, the manager does not hold the information, because it is disseminated and available

to the workforce. There is also a complete subjection to the establishment system and control

targets by the agency managers after all power is in the system. In this perspective, the

manager is seen, watched and monitored by everyone: his subordinates (bank official), peers

(other managers) and upper (Superintendence).

Keywords: Digital panopticon. Power. Surveillance. Managers. Banks.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - O panóptico de Bentham.......................................................................................... 25

Figura 2 - Transações Bancárias por Origem, de 2009 a 2013 (em bilhões) ........................... 41

Figura 3 - Comportamento dos Usuários (% da Soma do Volume de Transações) ................. 41

Figura 4 - Desenho da pesquisa ................................................................................................ 45

Figura 5 - Informação para o cliente procurar o gerente .......................................................... 58

Figura 6 - Localização da mesa do gerente .............................................................................. 68

Figura 7 - Fachada de vidro da agência .................................................................................... 69

Figura 8 - O semáforo do controle de metas da agência do Banco X ...................................... 74

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Operacionalização dos elementos conceituais da pesquisa .................................... 49

Quadro 2 - Estudos correlatos ................................................................................................ 101

Quadro 3 - Roteiro da entrevista............................................................................................. 107

Quadro 4 - Caracterização dos entrevistados ......................................................................... 108

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA DE PESQUISA ................................. 16

1.2 JUSTIFICATIVA DO ESTUDO ...................................................................................... 18

2 REFERENCIAL TEÓRICO .......................................................................................... 20

2.1. O PODER DISCIPLINAR ................................................................................................ 20

2.2. O PANÓPTICO ................................................................................................................. 24

2.3. O PODER HIERÁRQUICO E A HIERARQUIA NAS ORGANIZAÇÕES ................... 29

2.4. O CONTROLE ATRAVÉS DAS NOVAS TECNOLOGIAS .......................................... 34

2.5. O TRABALHO BANCÁRIO ............................................................................................ 39

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS ................................................................................... 44

3.1. DELINEAMENTO DA PESQUISA ................................................................................. 45

3.2. PARTICIPANTES ............................................................................................................ 46

3.3. TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS ........................................................................... 48

3.4. ANÁLISE DE DADOS ..................................................................................................... 50

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS COLETADOS .................................................. 53

4.1. A MATERIALIZAÇÃO DO PODER ............................................................................... 53

4.1.1. Privilégios e funções do gerente ................................................................................... 53

4.1.2. A diferenciação interna dos bancários ....................................................................... 56

4.1.3. Os meios de exercício do poder ................................................................................... 61

4.2. OS DISPOSITIVOS DO PODER ..................................................................................... 66

4.2.1. A organização dos indivíduos no espaço .................................................................... 67

4.2.2. O controle sobre o tempo ............................................................................................. 70

4.2.3. A vigilância .................................................................................................................... 73

4.2.4. O registro contínuo do conhecimento ......................................................................... 77

4.3. OS DISPOSITIVOS DISCIPLINARES ............................................................................ 78

4.3.1. O olhar hierárquico ...................................................................................................... 78

4.3.2. A sanção normalizadora .............................................................................................. 82

4.3.3. O exame ......................................................................................................................... 84

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 89

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 95

APÊNDICES ......................................................................................................................... 100

APÊNDICE 1 – ESTUDOS CORRELATOS ........................................................................ 101

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APÊNDICE 2 – ROTEIRO DA ENTREVISTA .................................................................... 107

APÊNDICE 3 – CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS ...................................... 108

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1 INTRODUÇÃO

“Nunca foi tão fácil engajar pessoas” (SIGOLLO, 2014, s/p.). Esta afirmação,

realizada por Jacob Morgan em entrevista recente, reflete um pensamento atual, pelo qual os

colaboradores das empresas são “facilmente” engajados, principalmente pela quebra da

barreira entre chefes e subordinados. A tecnologia e os meios de comunicação são fatores que

reforçam essa percepção. Entretanto, a simples ausência do gerente não significa que os

colaboradores estejam livres, pois o controle pode permanecer, mas de outras formas.

Ao longo do tempo, a sociedade buscou maneiras diversas de controle social, político

ou econômico, com destaque o controle do processo produtivo, ou, especialmente sobre os

trabalhadores. Para isso, o controle do tempo do indivíduo se tornou uma das alternativas

mais eficazes. A própria noção de tempo sofreu significativas alterações, especialmente a

partir da Revolução Industrial, quando a tarefa ditava o horário, perpassando pela inserção do

relógio nas rotinas e culminando com o controle rígido de horários dos trabalhadores. Este

resgate histórico do controle do tempo citado por Thompson em sua obra Costumes em

Comum (1998) atravessa a Revolução Industrial e mantem-se na sociedade contemporânea,

representada pela concepção de que todo o tempo deve ser consumido, negociado, utilizado.

Assim, o comportamento dos funcionários na organização traz a tônica do poder, pois

sua rotina de trabalho possui elementos de vigilância e controle amplamente abordados na

Teoria Clássica da Administração, sutilmente presentes na Teoria da Gestão de Pessoas, e

bastante abordados na Teoria Estruturalista. Nesta linha, em Vigiar e Punir (2014), Michel

Foucault efetua uma revisão histórica do nascimento do controle sobre os indivíduos como

evento característico da modernidade. Sua obra faz uma arqueologia das formas de reclusão e

disciplinamento desde o suplício dos prisioneiros da idade média, até a ideia moderna de

cárcere. Com o decorrer dos anos, a punição física, utilizada como exemplo aos demais, deu

lugar ao cerceamento da liberdade, nas prisões. Já na visão moderna, o sujeito que comete um

delito deve ser objeto de tentativas de “recuperação”, seguida de sua socialização e reinserção

na sociedade. Mesmo com práticas tidas como “civilizadas”, percebe-se que o poder

disciplinar e o controle do indivíduo considerado culpado ainda existem. Importa salientar que

esta arqueologia do poder nas prisões desenvolve-se para uma arqueologia do poder social.

Durante o desenvolvimento da sociedade moderna percebe-se que o exercício do poder foi

absorvido, através de inúmeras instituições, inclusive as organizações.

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Diante deste cenário de preocupação com controle disciplinar e do tempo, e pelas

alterações nas formas de controle, Foucault (2014) efetua uma revisão do conceito de

panóptico. O panóptico se trata de um conceito arquitetônico de prisão, em formato circular,

em que os detentos são permanentemente vigiados, enquanto os vigias veem sem serem

vistos. O panóptico demonstra o percurso disciplinar para uma sujeição voluntária,

eliminando a necessidade de violência para o controle dos indivíduos. O dispositivo físico do

panóptico não é necessariamente uma representação do poder, mas um instrumento que

coloca o poder em atividade (FOUCAULT, 2014).

Na contemporaneidade, todavia, uma análise das manifestações de controle precisa

considerar a revolução tecnológica. A era digital, que concentra grande parte dos avanços

tecnológicos, propiciou a criação de mecanismos de controle cada vez mais sofisticados.

Percebe-se o surgimento e ampliação dos mecanismos de vigilância na vida cotidiana, muitas

vezes com nossa anuência. Com normalidade observa-se a instalação de câmeras de vigilância

nos locais públicos, a utilização de equipamentos dotados de GPS e com acesso à internet, que

possibilitam a localização de qualquer pessoa em qualquer lugar. Em função da sensação de

segurança que estes equipamentos transmitem, as pessoas aceitam e se sujeitam à vigilância

constante. As imagens por satélite, os supercomputadores, os rastreadores de veículos,

notebooks e celulares, ou a robotização são outros exemplos da inserção de aparatos

tecnológicos na vigilância e controle dos indivíduos. Ocorre, ainda, a invasão dos dispositivos

de controle na vida privada. Aparelhos televisores com acesso à internet, sites de

relacionamento, sites de compras on-line que gravam e arquivam preferências formam um

banco de dados consistente sobre a vida e as compras dos indivíduos.

Nas empresas, os sistemas de vigilância e controle se mostram cada vez mais

refinados, abrangentes e presentes em todos os processos organizacionais. As tecnologias da

informação e comunicação (TICs) e as tecnologias da informação (TI) avançam,

impulsionadas pela quase onipresença da internet. Softwares, hardwares e sistemas de

comunicação tem ocupado cada vez mais espaço no cotidiano das empresas, inclusive no

controle do trabalho e das rotinas de todos os colaboradores.

Esta evolução constante da tecnologia possibilitou o surgimento do conceito de

panóptico virtual, panóptico digital, ou ainda vigilância eletrônica. As diferentes

nomenclaturas utilizadas pela literatura disponível podem ser consideradas similares, e neste

estudo passarão a ser representadas por panóptico digital. Pereira, Segre e Nascimento (2013),

Correio (2010), Bauman (1999), Clarke (1988), Chevitarese e Pedro (2005) e Elmer (2003)

podem ser citados como base para o conceito de panóptico digital, sendo que este “pode ser

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considerado como uma analogia dos mecanismos de vigilância mediada por dispositivos

tecnológicos.” (CORREIO, 2010, p. 187). Muito mais do que a substituição do inspetor

(indivíduo) pela máquina (sistema informatizado), a ideia da vigilância eletrônica ultrapassa o

controle visual e atinge a rotina do trabalho, através do sistema que registra todas as ações do

funcionário; que emite relatórios de atividades e ações desenvolvidas; que dita o fluxo de

trabalho; e que direciona os esforços através do estabelecimento e controle das metas.

Ocorre, portanto, uma vigilância presente em todo lugar, através de equipamentos

tecnológicos como câmeras e monitores; e através de programas de controle do tempo e do

trabalho, como softwares e sistemas pertencentes à empresa. Neste contexto, não há mais a

necessidade da presença física do inspetor, pois a tecnologia exerce esta função de forma

contínua, porém invisível. Nas organizações, o panóptico digital influencia e afeta as relações

e a própria estrutura da empresa, com impacto na concepção de hierarquia, pois a ausência

física do inspetor pode estimular os funcionários a um sentimento de “empoderamento”, em

que as pessoas se sentem como sendo os próprios chefes (PEREIRA; SEGRE;

NASCIMENTO, 2013). Todavia, a vigilância permanece constante, não mais pelo olhar do

gerente, mas pelos equipamentos tecnológicos.

Por um lado, o funcionário da organização vislumbra um novo modelo organizacional,

no qual a aparente diminuição do poder dos gerentes sinaliza um aumento da autonomia e

liberdade para os funcionários. Por outro lado, a lógica bastante eficaz de poder, representada

pelo panóptico digital, torna a vigilância cada vez mais abrangente, pois observa toda a

organização, e mais efetiva, pois é capaz de observar cada funcionário, individualmente e a

todo o momento. Diante do sistema de controle de metas, controle do tempo, controle de

produtividade, sistema de câmeras, e outros, cada funcionário se torna um caso específico,

pois a tecnologia possibilita a individualização do controle.

Este sistema de vigilância mostra-se tão eficiente que o indivíduo aceita sua submissão

ao sistema, ao mesmo tempo em que corrobora e o fortalece, diminuindo as suas resistências.

O funcionário, subordinado ou gerente, se torna tanto objeto do poder e da vigilância, como

também sujeito, pois legitima, aceita e confirma os instrumentos de poder (FOUCAULT,

2014). Neste sentido, ocorre a completa sujeição do indivíduo, que se submente

voluntariamente à vigilância. Portanto, o poder apresenta suas duas dimensões: positiva e

negativa. Por um lado, a face destrutiva do poder, exemplificada pela punição ou castigo; por

outro lado, positiva, o poder torna os indivíduos produtivos, ao passo que os organiza e é

capaz de fazer com que os próprios dominados assimilem o discurso do poder.

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1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E DO PROBLEMA DE PESQUISA

Observou-se, no último século, um avanço da ciência da administração. A Teoria

Clássica da Administração, promovida por Taylor e Fayol previa a separação entre aqueles

que pensavam e aqueles que faziam. Essa separação estimulou e fomentou o poder dos

gerentes, pois eram eles que garantiam que “os que fazem” estariam realmente fazendo. A

partir desta teoria, diversas outras surgiram, e o poder foi sendo deslocado conforme a

concepção de empresa. Ainda no século passado, a teoria estruturalista atribui o poder à

estrutura (física e hierárquica), e mais uma vez, o gerente ganha destaque. Entretanto,

Foucault (2012) apresenta sua teoria sobre o poder, afirmando que o poder está nas relações.

Nesta visão, o poder segue uma lógica de microfísica, na qual ele se encontra diluído na

hierarquia da empresa.

Diante da evolução da tecnologia e da revolução digital, percebe-se impactos na

configuração organizacional, sendo que os gerentes também são afetados por esta

transformação. A função gerencial sempre foi provida de uma aura (status) de poder,

motivada pela autonomia que estes funcionários sempre detiveram, e pela possibilidade de

tomada de decisões que poderiam afetar seus subordinados. Porém, com o surgimento,

desenvolvimento e proliferação das TIs, é possível questionar se há uma perda de autonomia

destes gerentes. Inicialmente, pode-se citar que eles próprios são objeto deste controle

constante, tendo sua vida profissional controlada sistematicamente. Se por um lado um

sistema de controle libera os gerentes para realização de outras atividades, por outro lado,

minimiza o controle que ele possuía.

Cabe destacar que não se espera esgotar a discussão acerca do poder, pois se trata de

um tema amplo e com diferentes interpretações. Esta pesquisa não se caracteriza como uma

coletânea de teorias sobre o poder, muito menos de um guia definitivo deste campo, mas sim

o que se pretende é analisar como ele se manifesta (FOUCAULT, 2014), por meio dos efeitos

do panóptico digital no poder dos gerentes. Da mesma forma, esta pesquisa não objetivou

estudar a relação entre poder, mas sim estudar o indivíduo, e como o poder é exercido. Neste

contexto, a posição hierárquica pode ser menos importante do que o domínio dos

instrumentos de controle, sendo que os processos de “achatamento” dos níveis hierárquicos, e

o surgimento de equipes sem chefe, ou autogerenciadas confirmam esta visão (HAMEL,

2011). As empresas desprovidas de níveis hierárquicos já são realidade, e em um contexto em

que todos os funcionários também são gerentes uns dos outros o autor afirma “primeiro

vamos demitir todos os gerentes” (HAMEL, 2011, s/p).

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Nesta pesquisa, optou-se por estudar o setor bancário. Ao longo do século XX, este

setor vivenciou profundas transformações, principalmente relacionadas à inserção de

tecnologia no trabalho e metodologias de controle. O Brasil é reconhecido mundialmente pelo

avanço de seu sistema bancário, agilidade e rapidez no processamento de documentos e

solicitações. Ainda, na sociedade brasileira, o setor bancário tem-se mostrado como

vanguarda nos processos, sinalizando as mudanças que serão percebidas nas demais

organizações ao longo do tempo.

Assim, o objeto analítico deste estudo é a relação de poder dos gerentes de agências

bancárias; já o objeto empírico são os gerentes de agências bancárias. Nesta perspectiva, cabe

o seguinte problema de pesquisa: Qual a percepção dos gerentes de agências bancárias

quanto ao seu poder frente à equipe em face ao funcionamento do panóptico digital?

Portanto, as variáveis deste estudo concentram-se na tecnologia da informação (TI)

associada ao trabalho bancário, a hierarquia e o poder disciplinar. Assim, esta pesquisa estuda

a combinação destes elementos e o impacto no poder dos gerentes bancários. Buscando

responder o problema de pesquisa proposto, se estabelece o objetivo geral desta pesquisa:

Compreender qual a percepção dos gerentes de agências bancárias quanto ao seu poder

frente à equipe em face ao funcionamento do panóptico digital. Para chegar ao objetivo geral,

têm-se os seguintes objetivos específicos:

a) Desenvolver um estudo teórico relacionando o panóptico digital e as alterações no

poder dos gerentes frente à equipe;

b) Realizar um estudo empírico com gerentes de agências bancárias sobre o panóptico

digital e as alterações em seu poder frente à equipe;

c) Contribuir para a compreensão do fenômeno, relacionado ao panóptico digital e as

alterações no poder dos gerentes frente à equipe.

Para tanto, este estudo se utilizou de uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo

com os gerentes de agências bancárias. Foram entrevistados quatorze gerentes de agência

bancária, além da observação do pesquisador, que buscou a triangulação dos dados coletados.

O corpus da pesquisa, organizado pelo pesquisador e composto pelas entrevistas e

observações possibilitou a análise por meio da técnica de análise de discurso, que, mais do

que o conteúdo da fala, busca entender os sentidos do discurso.

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1.2 JUSTIFICATIVA DO ESTUDO

O estudo das organizações e de como elas controlam eletronicamente o trabalho e a

produtividade dos funcionários justifica-se pela relevância tanto teórica como prática, além da

importância social do tema. Os estudos relacionados à vigilância e controle do trabalho

mostram-se como um tema estudado e discutido ao longo do tempo. Entretanto, a inserção da

tecnologia nestes mecanismos de controle ainda é pouco estudada, e pela sua natureza

dinâmica, necessita de estudos constantes que possam colaborar com a teoria relacionada ao

assunto. Quanto às produções relacionadas ao controle digital nos bancos, destaca-se Grisci et

al. (2011), Weber e Grisci (2011), Cardoso (2010), Bessi (2009), Zimmer (2009), Bessi et al.

(2007), além dos estudos relacionados ao controle em outros setores, como Call Centers, onde

cita-se Castanheira e Chambel (2010) e Castanheira e Chambel (2012).

Em pesquisa realizada nas bases de dados internacionais Sage Journals, Emerald

Insight e EBSCO Host foi possível localizar diversos estudos relacionados ao tema desta

pesquisa, conforme Apêndice 1. A pesquisa nas bases de dados foi realizada em junho de

2015 com as palavras-chave “panopticon”; “dataveillance”, “manager” e “power”. Destacam-

se os estudos de Holland, Cooper e Hecker (2015), Kietzmann e Angell (2010), Dixon (2007)

e Barratt (2002), que tratam do panóptico de Bentham e de Foucault e o contexto de inserção

da tecnologia.

No caráter prático, o estudo se justifica pela relevância da gestão no contexto

contemporâneo. A complexidade das organizações tem exigido dos profissionais uma grande

capacidade de gestão de pessoas, gestão de equipes, além da busca por melhor utilização dos

recursos tecnológicos disponíveis. Verifica-se uma crescente utilização da informática, dos

sistemas de gestão, e da inserção da tecnologia da informação do dia a dia das empresas.

Portanto, um estudo que estabeleça uma relação entre a utilização de novas tecnologias no

controle pode auxiliar as estratégias competitivas das empresas, além de colaborar para a

melhora das relações dos gerentes com suas equipes.

Além da contribuição teórica e prática, o estudo possui relevância social significativa.

O trabalho se mostra como uma das características da sociedade capitalista, tendo passado por

diversas e profundas alterações nos últimos séculos. Portanto, o estudo do contexto do

trabalho é sempre relevante do ponto de vista social, pois alterações no trabalho influenciam

toda a sociedade. Nesta perspectiva, a inserção da tecnologia no contexto organizacional

merece estudos, buscando contribuir para o desenvolvimento das organizações, bem como

com a gestão das pessoas e o bem-estar no trabalho.

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Ainda, o contexto bancário ganha destaque, tanto pela importância das instituições

financeiras na sociedade, como pelo número de empregados. O setor bancário brasileiro,

surgido em 1808 com a criação do Banco do Brasil (ASSAF NETO, 2011), possui

significativa influência em todos os setores da economia. Direta ou indiretamente, os Bancos

são responsáveis pelo financiamento de investimentos, ou ainda pelo repasse de recursos

governamentais às empresas.

Portanto, estudar o setor bancário já se justifica pela importância na sociedade

brasileira, reforçada pelo número de agências espalhadas pelo Brasil: mais de 20 mil agências

(BACEN, 2015; DIEESE, 2015). Quanto a seus funcionários, o setor bancário emprega mais

de 468 mil funcionários

(DIEESE, 2015), demonstrando a relevância econômica e social.

Somada a capilaridade de sua rede de atendimento e o número de funcionários, percebe-se a

vanguarda que o setor bancário possui. As inovações tanto em tecnologia aplicada às

empresas, como em modelos de gestão, são estudadas e aplicadas pelos bancos, geralmente

antes de sua utilização em outros ramos. Portanto, estudar o setor bancário e sua relação com

os funcionários pode se mostrar como indicativo do futuro de empresas de outros setores, e

também dos rumos que a sociedade manifestará.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

Este estudo busca analisar a questão do poder em um ambiente de controle e vigilância

eletrônica organizacional, sendo que os conceitos abordados no referencial teórico iniciam

com o poder disciplinar, especialmente na visão de Foucault (2012; 2014). A partir disto, são

analisados os conceitos de panóptico, com os textos de Bentham (2008), Bentham e Bowring

(1843) e Foucault (2014) em sua obra Vigiar e Punir. Ainda, atendendo a contextualização do

problema, o item seguinte trata do poder hierárquico e a hierarquia, com base em Foucault

(2014) e autores da área da administração, seguido do item sobre o controle através das novas

tecnologias, com influência nas obras de Gandy (1989) e Elmer (2003). Ao final do

referencial teórico, tem-se a discussão sobre o trabalho bancário que estuda o objeto empírico

desta pesquisa, e cita os estudos de Camargo (2009), Pereira, Segre e Nascimento (2013),

além dos dados da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN, 2014).

2.1. O PODER DISCIPLINAR

Vivemos em uma sociedade aparentemente livre, em que nossa possibilidade de

escolhas é ilimitada. Entretanto, o conjunto irritantemente opressivo de restrições,

constrangimentos e pressões fazem de nossa escolha pouco mais que ilusão, tornando ínfimo

o poder do indivíduo (ABRAMOVAY, 2004). “O poder moderno não é mais, essencialmente,

uma instância repressiva e transcendente (o rei acima dos seus súditos, o Estado superior ao

indivíduo), mas uma instância de controle, que envolve o indivíduo mais do que o domina

abertamente” (LEBRUN, 1984, p. 85, grifo do autor). Neste contexto, Lebrun (1984) cita que

as proibições diminuíram, a pena de morte foi abolida, os regimes das prisões foram

abrandados, porém, o sistema de controle disciplinar, ou o poder disciplinar permanece,

ganhando força inclusive em nossa vida privada.

O poder é largamente discutido nas teorias organizacionais, em que se situa o clássico

Weber (1864-1920) e os autores contemporâneos Bourdieu (1930-2002) e Foucault (1926-

1984). Motta e Alcadipani (2004) afirmam que o poder, para Foucault não se trata de um

ponto apenas teórico, mas sim como parte de nossa experiência. Para Foucault (1983; 2012)

não é possível identificar um ponto central de poder, ou um único foco, pois o poder está em

toda parte. Conforme o autor, o poder vem de todos os lugares, porém não é abrangente, pois

age em cada indivíduo. “O poder não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só

existe em ação, como também da afirmação que o poder não é principalmente manutenção e

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reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de força” (FOUCAULT,

2012, p. 274).

Ainda, o autor estabelece algumas precauções metodológicas quanto ao estudo do

poder. Em primeiro lugar, ele não deve ser analisado pelo centro, mas nas suas extremidades,

que é onde se localizam suas ramificações, corporificando-se em técnicas e instrumentos. Em

segundo lugar, o poder deve ser estudado em seu alvo (objeto) ou campo de concentração,

pois é de onde ele produz seus efeitos reais. Desta maneira, deve-se evitar a “pergunta sem

resposta: quem tem o poder e o que pretende, ou o que procura aquele que tem o poder?”

(FOUCAULT, 2012, p. 283). Em terceiro lugar, torna-se difícil dividir o poder entre aqueles

que o possuem e aqueles que lhe são submetidos. “O poder deve ser analisado como algo que

circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali,

nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem” (p. 284).

Assim como os indivíduos se movimentam na organização, o poder circula entre os

indivíduos, tornando-os centros de transmissão. Em quarto lugar, o poder não deve ser

analisado de cima para baixo, mas sim se deve analisar o poder de forma ascendente,

iniciando com os “mecanismos infinitesimais que tem uma história, um caminho, técnicas e

táticas e depois examinar como esses mecanismos de poder foram e ainda são investidos,

colonizados, utilizados, subjugados, transformados, deslocados, desdobrados, etc., por

mecanismos cada vez mais gerais e por formas de dominação global” (p. 285). Em quinto

lugar, o poder é acompanhado de uma base ideológica, entretanto, esta ideologia não se forma

na base:

Houve provavelmente, por exemplo, uma ideologia da educação; uma ideologia do

poder monárquico, uma ideologia da democracia parlamentar etc.; mas não creio que

aquilo que se forma na base sejam ideologias: é muito menos e muito mais do que

isso. São instrumentos reais de formação e de acumulação do saber: métodos de

observação, técnicas de registro, procedimentos de inquérito e de pesquisa,

aparelhos de verificação. Tudo isso significa que o poder, para exercer-se nesses

mecanismos sutis, é obrigado a formar, organizar e pôr em circulação um saber, ou

melhor, aparelhos de saber que não são construções ideológicas (FOUCAULT,

2012, p. 288-289).

Conforme a sistematização de Motta e Alcadipani (2004), a analítica do poder de

Foucault analisa três mecanismos de poder: os suplícios, as disciplinas e a biopolítica. Os

suplícios remetem à época das monarquias pré-capitalistas, e que se baseavam em rituais

sanguinários de tortura, humilhação e massacre público. No final do séc. XVIII, a nova ordem

capitalista buscou evitar que os crimes fossem cometidos, ao invés de somente punir os

criminosos. Da mesma forma, os suplícios passaram a ser considerados desumanos e imorais.

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O espetáculo de tortura pública cedeu lugar às disciplinas, sendo que a disciplina se restringe

ao corpo individual, enquanto a biopolítica age sobre o corpo coletivo, ou seja, a população.

Assim, a disciplina ganha destaque nas obras de Foucault, especialmente em Vigiar e

Punir (2014). Para o autor, a disciplina é a busca constante pela obediência, no objetivo de

distribuir de forma produtiva os indivíduos no espaço. Para esta distribuição, o sistema

disciplinar utiliza diversas técnicas, como a cerca, o quadriculamento e as localizações

funcionais.

Tratando-se da cerca, Foucault (2014) cita que, por vezes, existe a necessidade de um

local fechado em si mesmo, que separe o indivíduo dos outros. Assim como nos colégios e

nos quartéis, o autor cita as fábricas como locais que necessariamente devem ser “cercados”,

isolados do mundo exterior:

A fábrica parece claramente um convento, uma fortaleza, uma cidade fechada; o

guardião „só abrirá as portas à entrada dos operários, e depois que houver soado o

sino que anuncia o reinício do trabalho‟; quinze minutos depois, ninguém mais terá

o direito de entrar; no fim do dia, os chefes de oficina devem entregar as chaves ao

guarda suíço da fábrica que então abre as portas. É porque, à medida que se

concentram as forças de produção, o importante é tirar delas o máximo de vantagens

e neutralizar seus inconvenientes (roubos, interrupção do trabalho, agitações e

„cabalas‟); de proteger os materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho

(FOUCAULT, 2014, p. 140).

Quanto ao quadriculamento, observa-se a necessidade de que cada indivíduo esteja no

seu posto, e cada lugar seja ocupado por um indivíduo. Desta maneira, “importa estabelecer as

presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as

comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de

cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos” (FOUCAULT, 2014, p.

140).

Já as localizações funcionais determinam que todo espaço livre deva estar pronto para

vários usos. Os lugares determinados auxiliam a vigilância, além de evitar comunicações

indesejadas. Fica claro que, em um sistema disciplinar, a pessoa não é foco como indivíduo,

mas sim como posição ocupada. Cada um se torna parte do sistema pelo lugar que ocupa na

série, e pela distância que separa um indivíduo do outro.

Conforme Ferreirinha e Raitz (2010), diversos mecanismos fazem parte do sistema

disciplinar: seja pela distribuição dos corpos no espaço; pelo controle das atividades, na

rigidez do cumprimento de horário; pela penetração do tempo nos corpos; pela eficiência,

rapidez e utilidade dadas pelos corpos disciplinados; na percepção de corpo-objeto; seja pela

utilização exaustiva, extraindo cada vez mais tempos disponíveis. Diante disto, a posição de

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cada indivíduo determina sua própria existência. O lugar na fila, ou seja, o ponto em que se

cruzam uma linha e uma coluna torna-se o foco e o objeto de vigilância. “A unidade não é,

portanto, nem o território (unidade de dominação), nem o local (unidade de resistência), mas a

posição na fila” (FOUCAULT, 2014, p. 143, grifo do autor). Portanto, a disciplina

individualiza os corpos, pois os distribui e os faz parte de uma rede de relações.

O corpo singular torna-se um elemento, que se pode colocar, mover, articular com

outros. Sua coragem ou força não são mais as variáveis principais que o definem;

mas o lugar que ele ocupa, o intervalo que cobre, a regularidade, a boa ordem

segundo as quais opera seus deslocamentos (FOUCAULT, 2014, p. 161).

O indivíduo, assim, torna-se apenas “um corpo disciplinado” (dócil) e pronto para

satisfazer os desejos de seu dominador. Estando ele dominado, o passo seguinte é a sua

utilização exaustiva. O controle do horário torna-se a garantia da não-ociosidade, pois não se

pode perder sequer um instante produtivo. Para Foucault (2014) a disciplina busca uma

utilização crescente do tempo, extraindo instantes disponíveis, até a exaustão, como se o

tempo fosse inesgotável.

Partindo-se da disciplina, e da “fabricação” de indivíduos, se alcança o poder

disciplinar. Nesta máquina de poder, os indivíduos são ao mesmo tempo objetos e

instrumentos de seu exercício, na qual o poder disciplinar busca “adestrá-los”. Para Foucault

(2014), o poder disciplinar se utiliza de três instrumentos simples: o olhar hierárquico, a

sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame.

O olhar hierárquico se refere à capacidade do poder disciplinar de tudo ver

permanentemente. A este olho perfeito nada escapa, estando no centro da vigilância. Já a

sanção normalizadora diz respeito à penalidade que “compara, diferencia, hierarquiza,

homogeniza, exclui” (FOUCAULT, 2014, p. 180). As punições vão do castigo “leve” às

humilhações. Em todos os casos, como afirma Châtelet e Pisier-Kouchner (1983 apud Pereira,

2003) vigilância e penalidade objetivam impor, moral e materialmente, o poder da norma.

Já o exame é o instrumento que combina a hierarquia da vigilância e a sanção que

normaliza. Este instrumento tem por função qualificar, classificar e punir. Pela importância do

exame, no poder disciplinar, ele é altamente ritualizado, pois “manifesta a sujeição dos que

são percebidos como objetos e a objetivação dos que se sujeitam” (FOUCAULT, 2014, p.

181). O exame, para Ferreirinha e Raitz (2010), se mostra como um instrumento de

objetivação do exercício do poder e do poder disciplinar. Ainda, os indivíduos permanecem

vigiados, pois os documentos captam, classificam, qualificam, quantificam e fixam os

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resultados. Por isso, o exame é envolvo de todas as técnicas documentárias, personificando o

indivíduo, e transformando-o em um caso.

Na análise de Pereira (2003) o “adestramento” dos corpos foi incorporado à cultura

ocidental. As técnicas se sofisticaram, acompanhadas dos discursos voltados ao

“adestramento das inteligências”, direcionando o pensar e interferindo nas ações dos

indivíduos. Assim, é inevitável a relação entre a disciplina e o adestramento. Sobre o

adestramento, destaca-se a descoberta do corpo como objeto e alvo do poder, sendo este corpo

que “se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças

se multiplicam” (FOUCAULT, 2014, p. 134). É considerado dócil um corpo que pode ser

“submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (FOUCAULT,

2014, p. 135).

Para tanto, o poder disciplinar implica uma coerção ininterrupta, constante, durante o

máximo de tempo, por todos os espaços e todos os movimentos. “Esses métodos que

permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de

suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as

disciplinas” (FOUCAULT, 2014, p. 135, grifo do autor).

Confirmando esta visão, Fischer (1996) afirma que o poder não se trata de uma

unidade global, que pode ser observada e analisada, mas sim uma prática social. O poder é

construído historicamente e ordena as multiplicidades humanas. Portanto, tanto Foucault

como Fischer concordam que o poder não pode ser atribuído a determinada pessoa ou grupo,

tampouco possui um ponto central. “Por não constituir uma entidade que possa ser possuída, o

poder difunde-se através do corpo da organização, manifestando-se por meio de práticas e

relações cuja eficácia baseia-se na capacidade de ocultar as contradições existentes”

(FISCHER, 1996, p. 72).

2.2. O PANÓPTICO

No ano de 1787, cartas escritas em Crecheff, na Rússia, pelo filósofo inglês Jeremy

Bentham (1748-1832), e encaminhadas a um endereço específico na Inglaterra, continham o

projeto arquitetônico de uma prisão. O plano ficou conhecido como panóptico. Bentham,

autor dos projetos, estabeleceu que o edifício fosse circular e que a circunferência fosse

ocupada pelos prisioneiros (celas). As celas devem se voltar ao centro do edifício, onde se

localiza a torre central (chamada por Bentham de apartamento ou alojamento do inspetor).

Nesta construção, há uma janela voltada ao exterior, que garante iluminação, e uma grande

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abertura, com grades, voltada ao interior. Esta abertura voltada ao interior garantiria uma

perfeita visão da cela pelo inspetor, na torre central (BENTHAM, 2008; BENTHAM;

BOWRING, 1843). Pode-se visualizar este projeto arquitetônico na Figura 1.

Figura 1 - O panóptico de Bentham

Fonte: Bentham e Bowring (1843, p. 173).

Em uma das cartas, o autor cita pontos essenciais de seu plano, a saber: “ver sem ser

visto” (proporcionado pela centralidade da situação do inspetor e a forma circular do edifício);

as pessoas a serem inspecionadas devem “sempre sentir-se como se estivessem sob inspeção

ou, pelo menos, como tendo uma grande possibilidade de estarem sob inspeção, pois para a

máxima proporção de tempo possível, cada homem deve realmente estar sob inspeção”

(BENTHAM, 2008, p. 28-29). Da mesma forma, como vantagens de seu projeto, o autor cita

a aparente onipresença do inspetor, combinada com a extrema facilidade de sua real presença.

Uma vantagem colateral é o número de inspetores exigidos, que pode ser reduzido, pois os

presidiários não sabem quando e por quem estão sendo vigiados. Outra vantagem é a

vigilância sobre os próprios guardas, ou como o próprio autor cita: “quem guarda os próprios

guardas?” (BENTHAM, 2008, p. 30-31).

Assim, o projeto se baseia em três elementos arquitetônicos: o espaço fechado, a

divisão em celas, e a torre central. Em virtude de suas características, o autor prevê que este

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modelo pode ser utilizado em casas penitenciárias, casas de correção, prisões, manufaturas,

hospícios, hospitais, escolas (BENTHAM, 2008).

Quase dois séculos depois, Michel Foucault em sua obra Vigiar e Punir (2014) resgata

o conceito pensado por Bentham e realiza uma análise, não arquitetônica do projeto, mas sim

de sua capacidade de instrumento de demonstração do poder. Inicialmente, Foucault (2014)

afirma que o princípio da masmorra fora invertido, pois de suas três funções básicas – trancar,

privar de luz e esconder – no panóptico resta apenas a função trancar. A escuridão da

masmorra favorecia o esconder-se, enquanto a plena luz é possível captar qualquer alteração

da normalidade.

Em Vigiar e Punir o que eu quis mostrar foi como, a partir dos séculos XVII e

XVIII, houve verdadeiramente um desbloqueio tecnológico da produtividade do

poder. As monarquias da Época Clássica não só desenvolveram grandes aparelhos

de Estado – Exército, polícia, administração local –, mas instauraram o que se

poderia chamar uma nova “economia” do poder, isto é, procedimentos que

permitissem fazer circular os efeitos de poder de forma ao mesmo tempo contínua,

ininterrupta, adaptada e “individualizada” em todo o corpo social. Essas novas

técnicas são, ao mesmo tempo, muito eficazes e muito menos dispendiosas (menos

caras economicamente, menos aleatórias em seu resultado, menos suscetíveis de

escapatórias ou de resistências) do que as técnicas até então usadas e que

repousavam sobre uma mistura de tolerâncias mais ou menos forçadas (desde o

privilégio reconhecido até a criminalidade endêmica) e de cara ostentação

(intervenções espetaculares e descontínuas do poder cuja forma mais violenta era o

castigo “exemplar”, pelo fato de ser excepcional). (FOUCAULT 2012, p. 45, grifo

do autor).

Para o autor, a comunicação entre os indivíduos reféns do panóptico se restringia ao

seu contato com o vigia, pois as paredes impedem comunicação com seus pares. Esta falta de

comunicação com os companheiros é o que garante a ordem, pois para quem controla é

possível verificar uma pluralidade, enquanto para os detentos, verifica-se apenas solidão:

Se os detentos são condenados não há perigo de complô, de tentativa de evasão

coletiva, projeto de novos crimes para o futuro, más influências recíprocas; se são

doentes, não há perigo de contágio; loucos, não há risco de violências recíprocas;

crianças, não há “cola”, nem barulho, nem conversa, nem dissipação. Se são

operários, não há roubos, nem conluios, nada dessas distrações que atrasam o

trabalho, tornam-no menos perfeito ou provocam acidentes (FOUCAULT, 2014,

p.194-195).

Nesta engrenagem, o detento aceita que está em um processo contínuo de visibilidade,

que torna o poder, instrumentalizado pelo panóptico, permanente. Assim, os detentos,

considerados objetos do poder, se tornam, eles mesmos, portadores deste poder. É a aceitação

da visibilidade, sua sujeição à vigilância, que garantem o perfeito funcionamento do

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panóptico. Para isso, “é ao mesmo tempo excessivo e muito pouco que o prisioneiro seja

observado sem cessar por um vigia: muito pouco, pois o essencial é que ele se saiba vigiado;

excessivo, porque ele não tem necessidade de sê-lo efetivamente” (FOUCAULT, 2014, p.

195).

Para que o sistema panóptico desempenhe suas funções, é necessário que o poder seja

visível e inverificável. Enquanto visível, o poder é demonstrado pela torre central, que se

ergue frente à abertura das celas, e por onde os detentos são vigiados, e também sua única

fonte de informação e comunicação. Enquanto inverificável, o detento nunca deve saber se

está sendo vigiado, mas deve ter a certeza que sempre pode ser observado. E, justamente por

esta dúvida de estar sendo ou não observado, que se torna imprescindível que o vigia

permaneça oculto, sem que os detentos percebam qualquer sombra que possam denunciar a

posição ou a ação do vigia. No “anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre

central, vê-se tudo, sem nunca ser visto” (FOUCAULT, 2014, p. 195). Sabendo-se que o vigia

deve permanecer em constante anonimato, pouco importa quem seja o observador. Foucault

(2014) cita que na falta do diretor, qualquer pessoa pode fazer funcionar a máquina do

panóptico, inclusive seus criados.

Neste ponto, o autor realiza uma análise sobre a sujeição que o detento é induzido.

Não é mais necessária a utilização da força para “obrigar o condenado ao bom

comportamento, o louco a calma, o operário ao trabalho, o escolar à aplicação, o doente à

observância das receitas” (FOUCAULT, 2014, p. 196). Assim, tanto para Bentham como para

Foucault, o dispositivo panóptico significaria o fim das grades, das correntes e das fechaduras.

Entretanto, mesmo sem a coerção física, o objeto do panóptico se vê submetido, por sua

conta, às limitações do poder e faz com que esse poder se manifeste sobre si mesmo,

espontaneamente, desempenhando o papel de objeto e de executor de sua vigilância.

Assim como Bentham, Foucault (2012) cita que o poder gera custo econômico (vigias

e a própria estrutura). Mas há, também, um custo político do poder exercido. “Se a violência

for grande, há o risco de provocar revoltas; ou, se a intervenção for muito descontínua, há o

risco de permitir o desenvolvimento, nos intervalos, dos fenômenos de resistência, de

desobediência, de custo político elevado” (FOUCAULT, 2012, p. 330). Portanto, a violência

através de “espetáculos de tortura” tornou-se excessivamente onerosa e com resultados pouco

importantes.

Outro ponto a se destacar é a vantagem citada por Bentham em vigiar os vigias.

Foucault (2014) retoma este ponto e cita que o panóptico pode ser utilizado como aparelho de

controle sobre os próprios vigias. O diretor pode facilmente observar seus empregados a seu

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serviço: “enfermeiros, médicos, contramestres, professores, guardas; poderá julgá-los

continuamente, modificar seu comportamento, impor-lhes métodos que consideram melhores;

e ele mesmo, por sua vez, poderá ser facilmente observado” (FOUCAULT, 2014, p. 198). Da

mesma forma, o superior do Diretor pode verificar, com facilidade, como o estabelecimento

sob seu controle se apresenta. Nesta visão, Zimmer e Hoppen (2009) afirmam que todos estão

sob o campo de visão do panóptico, inclusive os próprios guardas. Sob um olhar amplo, o

efeito do sistema panóptico pode elevar-se em diversos níveis, desde o detento até os

funcionários que lá operam.

Neste mesmo sentido, Segnini (1996), ao analisar a questão do poder afirma que “o

poder na vigilância hierarquizada funciona como uma máquina na qual a chefia é apenas uma

das peças de engrenagem” (SEGNINI, 1996, p. 106). Assim, a vigilância não permite que

nada permaneça às escuras, porque tudo é controlado por meio do olhar.

Voltado ao ambiente organizacional, Oliveira, Zambalde e Tonelli (2009), afirmam

que despersonalização do poder pode afetar aqueles que antes tinham a função de vigiar, e

agora também são vigiados.

Por sua vez, a produção do conhecimento acerca das atividades e comportamento

dos funcionários é altamente desejada pelos dirigentes organizacionais, assim, ao

utilizarem as ferramentas tecnológicas, os gerentes promovem a transparência dos

indivíduos, em benefício dos propósitos empresariais. Portanto, as práticas de gestão

de pessoas produzem efeitos sobre a subjetividade dos indivíduos, com a finalidade

de transformá-los em recursos previsíveis e gerenciáveis (OLIVEIRA;

ZAMBALDE; TONELLI; 2009, p.11).

Portanto, a máquina do panóptico se constitui em uma maneira de exercer poder, pois

aperfeiçoa seu exercício. Através da redução dos vigias, com multiplicação do número de

vigiados, ele assegura uma economia em material, em pessoal e em tempo.

Assim, fica claro que através da sujeição voluntária e espontânea do indivíduo objeto

do panóptico, objetiva-se a criação de uma sociedade disciplinar. A disciplina busca aumentar

as aptidões, as velocidades, os rendimentos, e consequentemente os lucros, fabricando

indivíduos úteis (FOUCAULT, 2014). Nesta sociedade disciplinar, a ordem social é alterada,

e o indivíduo cuidadosamente fabricado, com treinamento minucioso e concreto das forças

úteis.

A ordem é garantida, segundo Pereira, Segre e Nascimento (2013) pelo mecanismo de

ordem psicológica embutida, e que introduz a ideia de que mais importante do que vigiar o

tempo inteiro, é ter consciência de estar sendo vigiado. Desta forma, “a finalidade do pan-

óptico não era punir, mas que as pessoas vigiadas tivessem a oportunidade de não cometer

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nenhuma infração, já que tinham a consciência de que estavam sendo vigiadas” (PEREIRA;

SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p.73).

Corroborando, em uma pesquisa com uma instituição bancária, realizada por Segnini

(1996) no período de 1965 a 1985, verifica-se que a própria arquitetura possibilita o controle.

Ao eliminar as paredes divisórias, o banco estudado por Segnini trouxe os trabalhadores “às

claras”, pois todos podem ser observados. Mais do que isso, pode-se determinar onde estão, o

que estão fazendo, bem como avaliar a qualidade e a quantidade do serviço realizado. Ainda,

este controle se estende a todos os setores, pois “a própria diretoria [...] trabalha

conjuntamente em torno de uma única mesa. São 21 diretores, sem salas privativas, em

permanente processo de troca de informações e, sobretudo, de controle único” (SEGNINI,

1996, p. 107).

O autor conclui, então com uma questão instigante: “Devemos ainda nos admirar que a

prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se

pareçam com as prisões?” (FOUCAULT, 2014, p. 219). Para Zimmer e Hoppen (2009), ao

resgatar o panóptico de Bentham, Foucault descobriu a alegoria adequada ao instrumento de

vigilância e exercício de poder numa sociedade disciplinar. O panóptico praticamente

estabelece uma capacidade divina de saber tudo, ao mesmo tempo em que automatiza o poder

e tira sua individualização, pois a vigilância é exercida por qualquer pessoa.

Os autores concluem que, mesmo vivendo em uma nova era, não significa que as

ideias de Foucault sobre o panóptico estejam ultrapassadas. Para Zimmer e Hoppen (2009)

elas continuam tão fortes e representativas, mesmo em um contexto tão complexo em que

vivemos. No período contemporâneo, as organizações vivem uma constante revolução

tecnológica, que coloca em xeque as formas tradicionais de gestão a todo o momento. Assim,

a questão de hierarquia nas organizações necessita de uma reflexão contínua, pois as práticas

que deram origem a administração, como o exército, não possuem a mesma aplicação, visto

que necessitam se adequar a inserção da tecnologia nas organizações. Entretanto, mesmo com

os avanços na gestão, a vigilância e o controle baseados na hierarquia continuam sendo um

ponto a ser estudado.

2.3. O PODER HIERÁRQUICO E A HIERARQUIA NAS ORGANIZAÇÕES

O trabalho, como esforço produtivo, mostra-se parte da natureza, seja em qualquer

espécie, em que instinto e execução não podem ser separados. “A aranha tece sua rede de

acordo com uma incitação biológica e não pode delegar esta função a outra aranha; ela

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desempenha essa atividade porque é de sua própria natureza” (BRAVERMAN, 2014, p. 53).

Já os seres humanos, diferentemente dos animais, possuem uma motivação ao trabalho, em

que “a unidade de concepção e execução pode ser dissolvida. A concepção pode ainda

continuar e governar a execução, mas a ideia concebida por uma pessoa pode ser executada

por outra” (BRAVERMAN, 2014, p. 53, grifo do autor).

A ciência da administração, desenvolvida no último século, possui diversas ideias

precursoras, e que possibilitaram a sistematização e organização de seus conceitos.

Maximiano (2011) cita que as principais influências da administração são oriundas da Grécia

antiga, Roma antiga e Igreja Católica, e das organizações militares. Motta e Vasconcelos

(2006) afirmam que já existiam estruturas burocráticas no antigo Egito, na China e no Império

Romano.

A Grécia contribuiu significativamente com a democracia (2.500 anos), a ética e a

qualidade. Já os romanos possuíam grandes habilidades administrativas, pois foram capazes

de manter o domínio sobre o território que hoje corresponde à Europa, desenvolvendo

diferentes tipos de executivos. A hierarquia romana era composta por reis, imperadores,

césares, cônsules, magistrados e outros. Com a decadência do Império Romano, a Igreja

Católica iniciou sua construção histórica como instituição independente, herdando diversas

tradições administrativas, especialmente a administração do território. “Com suas dioceses,

províncias e vigários, a Igreja copiou não apenas o tipo de organização geográfica, mas

também a linguagem que os romanos usavam para designar os administradores locais”

(MAXIMIANO, 2011, p. 28).

Quanto às organizações militares, há mais 3.000 anos os exércitos buscam soluções

administrativas para gerenciamento de grandes contingentes de pessoas, em operações que,

além de complexas, são arriscadas. “Conceitos sobre estratégia, planejamento, logística e

hierarquia, que são usados hoje não apenas nas Forças Armadas, mas também em todos os

tipos de empreendimentos, nasceram com os militares do passado distante” (MAXIMIANO,

2011, p. 29). Já Morgan (2010) cita Frederico, “o Grande”, da Prússia, governante que tentou

instituir a organização mecanicista no militarismo. Em seu reinado (de 1740 a 1786),

Frederico esteve determinado a transformar o exército que herdou, composto de criminosos,

mendigos, mercenário estrangeiro e recrutas mal intencionados, em um grupo organizado.

Frederico utilizou muitas práticas do exército romano e das armadas europeias do

século XVI, introduzindo inovações próprias. Entre essas reformas estava a introdução de

soldados rasos e uniformes, a extensão e padronização de regulamentos, especialização

crescente de tarefas, o uso de equipamento padronizado, a criação de linguagem de comando

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e o treinamento sistemático que envolvia exercícios de guerra e disciplina (MORGAN, 2010,

p. 25-26). Para manter o controle sobre seus comandados, Frederico defendia o princípio de

que seus soldados deveriam temer os seus oficiais mais do que o inimigo. Neste sentido,

desenvolveu distinção entre funções de orientação e comando, além de controles

descentralizados.

Quanto ao controle de grande número de pessoas, a antiguidade e os tempos medievais

estão repletos de exemplos de povos que buscaram a instauração de uma forma primitiva de

gerência. “A prova disto são as pirâmides, a Muralha da China, as extensas redes de estradas,

aquedutos e canais de irrigação, os grandes edifícios, arenas, monumentos, catedrais etc.”

(BRAVERMAN, 2014, p. 65). O trabalho, nestas sociedades antigas já previa uma divisão

entre a mão de obra bruta (muitas vezes, escrava) e o planejamento e engenharia. Porém, o

objeto do trabalho, naquele contexto, não era a acumulação de capital ou riquezas, mas a

glória dos governantes, a expansão dos territórios, ou a utilização da mão de obra excedente.

Apenas com o desenvolvimento de tecnologias, e o surgimento do capitalismo industrial, é

que o trabalho passa a ser realizado com a intenção de melhoria na produtividade e na

acumulação de riquezas por parte do capitalista. A partir do trabalho em grupo, ou no mesmo

ambiente, sentiu-se a necessidade de uma coordenação, para “ordenar as operações,

centralização do suprimento de materiais, um escalonamento mesmo rústico das prioridades,

atribuições de funções, manutenção dos registros de custos, folhas de pagamento, matérias-

primas, produtos acabados, vendas, cadastro de crédito e os cálculos de lucros e perdas”

(BRAVERMAN, 2014, p. 61).

Em 1911, o engenheiro Frederick Taylor publicou, nos Estados Unidos, seu livro mais

conhecido: Princípios de Administração Científica; e em 1916, na França, foi publicado o

livro Administração Geral e Industrial, do também engenheiro Henri Fayol (MOTTA e

VASCONCELOS, 2006). Estas obras deram início aos estudos relacionados à eficiência no

trabalho, controle dos tempos e movimentos, e a inserção do planejamento na rotina das

organizações.

Tamanha importância das obras de Taylor e Fayol, que a própria definição da

administração pertence à Fayol: “planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar”

(MOTTA, 2003, p. 76). Neste contexto, a função de controlar torna-se pertinente, pois os

preceitos da Escola Clássica e da Administração Científica são a hierarquia e o controle dos

tempos e movimentos, além da instituição dos métodos científicos na administração. Para

Taylor e Fayol, o operário deveria realizar apenas (e estritamente) as operações planejadas.

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É evidente a importância do gerente para a Teoria Clássica da Administração, pois ela

é baseada na separação entre os que pensam e os que executam. Para os autores da Teoria

Clássica, o poder está com os gerentes, pois apenas deles partirão as decisões de toda a

organização. A divisão do trabalho entre os que pensam e os que executam, instituída pelos

pensadores do início do século XX, resultou em um “trabalho relativamente cego dos

operários e de seus supervisores mais baixos, já que a prática sem ideia é cega por definição.

É como se houvesse criado um grupo e um cérebro que agissem numa harmonia complexa,

baseados num mecanismo de vigilância à distância” (MOTTA, 2003, p. 67-68).

No contexto apresentado, se ampliam os quadros administrativos e a

departamentalização da empresa. “A organização já é vista como um sistema de papéis, na

medida em que as pessoas não importam – o que importa é a sincronia desses papéis”

(MOTTA, 2003, p. 75). Assim, “a autoridade formal organiza-se numa cadeia de comando,

também chamada hierarquia, que define a importância relativa das posições dentro da

estrutura” (MAXIMIANO, 1995, p. 47, grifo do autor).

Pode-se afirmar que a hierarquia se estende da autoridade superior aos agentes

inferiores:

A via hierárquica é o caminho que seguem, passando por todos os graus da

hierarquia, as comunicações que partem da autoridade superior ou que lhe são

dirigidas. Esse caminho é imposto, ao mesmo tempo, pela necessidade de uma

transmissão segura e pela unidade de comando. Mas ele não é sempre o mais

rápido; às vezes, é desastrosamente longo nas empresas muito grandes,

principalmente no Estado (FAYOL, 1990, p. 57, grifo do autor).

Portanto, as pessoas que estão em determinado nível possuem autoridade sobre as que

estão no nível inferior. Da mesma forma, as que estão em nível inferior prestam contas para as

que estão acima. “Essa disposição de autoridade de níveis chama-se hierarquia ou cadeia de

comando. A quantidade de níveis chama-se número de escalões hierárquicos”

(MAXIMIANO, 2011, p. 185, grifo do autor). Para Motta e Vasconcelos (2006) a estrutura

burocrática, onde a hierarquia está estabelecida, é definida por regras explícitas e

prerrogativas de cada cargo, bem como a autoridade e seus limites. Este argumento, inclusive,

serve como base à Teoria Estruturalista, que define que o poder está na estrutura, e, sendo o

gerente parte importante da estrutura, o poder do gerente é reforçado.

Neste contexto de hierarquia, Foucault (2014) cita como hierarquia e poder

hierárquico estão presentes nas atividades rotineiras. “Nas salas de refeições, fora preparado

um estrado um pouco alto para colocar as mesas dos inspetores dos estudos, para que eles

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possam ver todas as mesas dos alunos de suas divisões, durante as refeições” (FOUCAULT,

2014, p. 170). Ainda, “haviam sido instaladas latrinas com meias-portas, para que o vigia para

lá designado pudesse ver a cabeça e as pernas dos alunos, mas com separações laterais

suficientemente elevadas para que os que lá estão não se possam ver” (FOUCAULT, 2014, p.

170).

O mesmo se afirma das grandes oficinas e das fábricas:

À medida que o aparelho de produção se torna mais importante mais complexo, à

medida que aumentam o número de operários e a divisão do trabalho, as tarefas de

controle se fazem mais necessárias e mais difíceis. Vigiar torna-se então uma função

definida, mas deve fazer parte integrante do processo de produção; deve duplicá-lo

em todo o seu comprimento. Um pessoal especializado torna-se indispensável,

constantemente presente, e distinto dos operários: na grande manufatura, tudo é feito

ao toque da campainha, os operários são forçados e reprimidos. Os chefes,

acostumados a ter com eles um ar de superioridade e de comando, que realmente é

necessário com a multidão, tratam-nos duramente ou com despreza; acontece daí

que esses operários ou são mais caros ou apenas passam pela manufatura.

(FOUCAULT, 2014, p. 171-172).

Portanto, o controle não se restringe à produção (matéria-prima, instrumentos,

dimensões e qualidade dos produtos), mas sim as atividades do próprio homem, seu

conhecimento técnico, a maneira de fazê-lo, sua rapidez, seu zelo, seu comportamento

(FOUCAULT, 2014).

Nesta perspectiva, observa-se um impacto quanto à chefia da empresa. Braverman

(2014) cita que a função administrativa de controle, no passado desempenhada pelo

capitalista, depois pelo chefe, dá lugar a uma rede de departamentos. Assim, não há mais um

único gerente, mas um “departamento inteiro que imita em sua organização e em seu

funcionamento a fábrica de onde ele brotou” (BRAVERMAN, 2014, p. 228).

A função especial de administração é exercida não mais por um único gerente, nem

mesmo por uma equipe de gerentes, mas por uma organização de trabalhadores sob

controle de gerentes, assistentes de gerentes, supervisores etc. Assim, as relações de

compra e venda da força de trabalho, e, em consequência, de trabalho alienado,

tornou-se parte do aparelho gerencial em si mesmo (BRAVERMAN, 2014, p. 228,

grifo do autor).

Ainda sobre hierarquia, vê-se surgir um novo formato de equipe, as equipes

autogerenciadas, ou equipes sem gerentes. De acordo com Attaran e Nguyen (1999) estas

equipes são grupos de funcionários que são responsáveis por um conjunto de

responsabilidades, sendo autossuficientes tanto com o produto final como com o processo.

Para Maximiano (1995), a equipe autogerenciada não é um conjunto de pessoas sem líder,

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mas sim “grupo de pessoas com um objetivo, que pode decidir como fazer para alcançá-lo, e

que trabalha dentro de uma área de autonomia definida de comum acordo com a

administração” (MAXIMIANO, 1995, p. 97).

Como características das equipes autogerenciadas, Maximiano (1995) cita as oito

principais:

1) Objetivos claros; 2) Clareza e conhecimento por parte de todos os integrantes das

tarefas necessárias para realizar os objetivos; 3) Intercâmbio de papéis: a maior parte

da equipe pode realizar quase todas as tarefas. Os integrantes são multifuncionais e

polivalentes; 4) Os papéis de liderança podem ser desempenhados por diferentes

pessoas e também são intercambiáveis. Quem é líder num momento pode ser

liderado em outra; 5) As funções de apoio à operação ou objetivo principal estão

embutidas no próprio grupo: controle de qualidade, manutenção, suprimentos. Em

certos casos, o grupo assume funções de apoio administrativo, como seleção

treinamento de pessoal; 6) A equipe dispõe de todas as informações necessárias para

lastrear o processo decisório; 7) A equipe tem autonomia para tomar as decisões que

afetam mais de perto a realização das tarefas: distribuição e intercâmbio de tarefas,

compensação de faltas, planejamento de faltas, planejamento de férias, requisição de

materiais e serviços, seleção, treinamento e transferências de pessoal. Em certos

casos, a compra de suprimentos está incluída dentro do poder de decisão. 8) Clareza

quanto à divisão do poder de decisões entre as equipes e a administração superior.

Há clareza quanto a quais decisões podem ser tomadas sem consulta em qualquer

nível, quais precisam de aprovação e quais devem ser tomadas colaborativamente

(MAXIMIANO, 1995, p. 97).

Cabe destacar, ainda, que a autonomia de uma equipe autogerenciada não é

completa, porque o controle hierárquico ainda existe. Proença (2010) cita a questão de

autonomia, e afirma que o controle existe sobre os resultados da equipe, e não mais sobre os

métodos e procedimentos de trabalho. Diante disto, ocorre uma coesão entre os membros da

equipe, que agem como vigias e vigilantes, através da pressão dos pares.

2.4. O CONTROLE ATRAVÉS DAS NOVAS TECNOLOGIAS

O controle e a vigilância, sistematizados nas organizações, remete ao início do século

XX. Uma bela ilustração deste contexto é o filme Tempos Modernos, do cineasta Charles

Chaplin (1889-1977), lançado em 1936. O filme retrata a tentativa de sobrevivência de um

trabalhador em um mundo moderno e industrializado, no qual a figura do chefe é representada

pelo executivo sentado em sua mesa, e provido de um equipamento tecnológico, semelhante a

um televisor. Através deste equipamento o chefe transmite mensagens aos seus funcionários,

além de controlar o andamento e a velocidade da produção.

O contexto apresentado no filme reflete a Escola Clássica de Administração e o

Movimento da Administração Científica, em que os expoentes são Frederick Taylor (1856-

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1915) e Henri Fayol (1841-1925). Segundo Motta e Vasconcelos (2006) o racionalismo,

encabeçado por René Descartes (1596-1650) no século XVII, não havia afetado o campo do

trabalho, até o século XX. As máquinas tornaram o trabalho mais eficiente, entretanto, antes

da Escola Clássica e da Administração Científica não havia uma racionalização do trabalho

nas organizações e da execução das tarefas.

Outro importante administrador do início do Século XX foi Henri Ford (1863-1947),

que desenvolveu e aperfeiçoou o sistema de produção em massa em sua fábrica de

automóveis, nos Estados Unidos. De acordo com Motta e Vasconcelos (2006), o sistema de

produção fordista praticamente eliminou os movimentos desnecessários, por meio de uma

rígida divisão do trabalho, tanto horizontal como verticalmente. Com a evolução das

máquinas, o fordismo proporcionou o surgimento da linha de montagem, que, em conjunto

com o momento econômico, foram fundamentais “para a consolidação da sociedade

industrial, porém sofreu com os efeitos da rigidez de seu modelo e os problemas ligados ao

controle de pessoal” (MOTTA; VASCONCELOS, 2006, p. 33).

Pode-se citar, também, a obra “1984”, publicada em 1949 pelo jornalista e romancista

britânico George Orwell (1903-1950). O enredo de “1984” (ORWELL, 2009) tem como

cenário a fictícia Oceânia que é controlada por um Partido que monitora rigidamente a

população. Este Partido não se propõe ao benefício próprio, nem ao benefício da sociedade,

mas se interessa apenas pelo poder em si. A sociedade fictícia é completamente dominada

pelo Estado, através da vigilância do Grande Irmão (Big Brother). Ninguém escapa à

vigilância do Grande Irmão, que é o líder máximo. Nesta sociedade tudo é feito

coletivamente, mas cada indivíduo vive sozinho. Cartazes espalhados em locais públicos

mostram a figura do Grande Irmão e o célebre slogan “O Grande Irmão está de olho em

você”, como de fato está, principalmente pelas teletelas. As teletelas, que são uma espécie de

televisor, são capazes de monitorar, gravar e espionar a população, pois estão espalhadas em

locais públicos e privados, escutando vinte e quatro horas por dia. As teletelas, como

dispositivos eletrônicos, são capazes de transmitir mensagens e monitorar ao mesmo tempo, e

nos fazem refletir sobre as formas de poder e os dispositivos utilizados para sua manutenção.

No serviço de escritório, Braverman (2014) cita o surgimento da máquina de cartões

perfurados, em 1885, que foi utilizada nos Estados Unidos para tabular o censo de 1890. Esta

invenção mostrou-se como um avanço técnico, mas principalmente um avanço conceitual,

pois possibilitou a leitura e interpretação de dados sem a participação humana direta. Com

esta invenção, o sistema mecânico passa a ser projetado para “controlar não o movimento,

mas a informação” (BRAVERMAN, 2014, p. 276, grifo do autor).

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Já Castells (2009) cita como marco da revolução da tecnologia da informação a década

de 1940, com a Segunda Guerra Mundial, pelo desenvolvimento do primeiro computador

programável e o transistor. Porém, a difusão ampla das novas tecnologias da informação

ocorreu apenas na década de 1970. Nesta mesma época, pesquisadores americanos realizaram

um avanço significativo: o funcionamento da primeira rede de computadores. Observou-se,

então, grandes avanços tecnológicos nas últimas décadas do séc. XX “no que se refere a

materiais avançados, fontes de energia, aplicações na medicina, técnicas de produção (já

existentes ou potenciais, tais como a nanotecnologia) e tecnologia de transportes, entre outros

(CASTELLS, 2009, p. 67-68).

Entre as tecnologias da informação, incluo, como todos, o conjunto convergente de

tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware),

telecomunicações/radiofusão, e optoeletrônica. Além disso, diferentemente de

alguns analistas, também incluo nos domínios da tecnologia da informação a

engenharia genética e seu crescente conjunto de desenvolvimento e aplicações

(CASTELLS, 2009, p. 67, grifo do autor).

Neste ritmo, a organização tende a eliminar o trabalho mecânico e de rotina, pois serão

realizados pelos avanços tecnológicos. Já no nível mais alto, a tendência é de concentração de

tomada de decisão em profissionais cada vez mais especializados, que utilizam a TI como

base de suas decisões. A autonomia cada vez maior dos níveis mais altos contrasta com a

rotinização e automação dos níveis mais baixos. “Em um estágio mais avançado desse

processo de reintegração de tarefas, também desaparece a supervisão de gerentes de nível

médio, e os controles e procedimentos de segurança são padronizados no computador”

(CASTELLS, 2009, p. 312).

Tanto Castells (2009) como Braverman (2014) concordam que os avanços

tecnológicos, especialmente os ligados aos sistemas de informação vêm desempenhando um

papel importante nas rotinas empresariais. Os sistemas de informação podem ser entendidos

como a representação do poder, pois centralizam a rotina e as estratégias das empresas,

formando uma rede de dados, informações e controles. Assim, chega-se ao ponto defendido

por Castells (2009), de que o poder está na tecnologia, ou melhor, o poder é exercido pela

rede.

Concordando com essa visão, Maximiano (1995) cita que os robôs e processos

automatizados interferiram de forma profunda em todas as ocupações, diminuindo a

necessidade tanto de trabalho operacional como gerencial. Como a tecnologia da informação

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incorporou muitas atividades de planejamento e controle, a consequência foi a eliminação dos

cargos cujos ocupantes as desempenhavam (MAXIMIANO, 1995, p. 28).

Inúmeras tarefas que exigiam intervenção humana para ser executadas e gerenciadas

passaram por esse processo. Planejamento e controle da produção, contabilidade,

fechamento de movimentos em agências bancárias, controle de estoques e até

mesmo a antiga arte de vender sofreram modificações. Aliás, para que vendedor? Os

computadores do fornecedor e do comprador não podem “conversar” entre si e fazer

a atualização automática dos estoques? Por falar nisso, para que supervisores e

administradores de vendas? (MAXIMIANO, 1995, p. 28).

Portanto, percebe-se que o controle esteve presente nas organizações e na sociedade,

deste o surgimento da administração como ciência, cada época com os equipamentos

tecnológicos que possuía. Sobre a organização moderna, percebe-se que a precisão mecânica

estabelece o ritmo de operação das organizações, conforme cita Morgan (2010):

A vida organizacional é frequentemente rotinizada com a precisão de um relógio.

Espera-se que as pessoas cheguem ao trabalho em determinada hora, desempenhem

um conjunto predeterminado de atividades, descansem em horas marcadas e então

retomem as suas atividades até que o trabalho termine. Em muitas organizações, um

turno de trabalho substitui outro de maneira metódica de tal forma que o trabalho

possa continuar ininterruptamente 24 horas por dia, todos os dias do ano.

Frequentemente o trabalho é muito mecânico e repetitivo. Qualquer pessoa que

tenha observado o trabalho de produção em massa na fábrica, ou em algum grande

“escritório fábrica” [...] notará a maneira maquinal pela qual tais organizações

operam. Elas são planejadas à imagem das máquinas, sendo esperado que os seus

empregados se comportem essencialmente como se fossem parte de máquinas (p.

22).

Neste sentido, o próprio Foucault sugeriu que o panóptico se baseia na

descentralização de informação. Sabendo-se que a tecnologia da informação vem ocupando

espaços, surge o termo dataveillance1, que implicou descentralizar o modo de vigilância, e

possibilita (via base de dados em rede) controlar indivíduos geograficamente dispersos

(ELMER, 2003). Assim, somos monitorados, e nossas ações são armazenadas em bancos de

dados, ou verificadas de forma instantânea, em sistemas de controle de produção, controle de

metas, controle de acessos.

Elmer (2003) destaca ainda, que existem três pontos importantes sobre a vigilância

eletrônica: em primeiro lugar, a vigilância em sistemas e ambientes fechados cede espaço para

a sociedade disciplinar, que tem como base os bancos de dados; em segundo lugar, o autor

discute que a ideia de alguém vigiando muitos vem sendo substituída pela ideia de sinóptico,

1 Dataveillance é um termo em língua inglesa originado da junção das palavras data (dados) e surveillance

(vigilância).

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onde muitos vigiam um; e em terceiro lugar, a coerção e utilização da força para controle

estão superados, pois percebe-se uma voluntariedade do “vigiado”, em se submeter e em

fornecer informações. Quanto ao efeito sinóptico, destaca-se que a tecnologia proporciona

essa possibilidade, pois o indivíduo que se sujeita, e fornece informações, pode ser verificado,

monitorado e vigiado por diversos outros, sem necessidade de proximidade física nem

geográfica.

De acordo com a Gandy (1989), os dispositivos tecnológicos possuem diversas

utilizações relacionadas à vigilância, como notar a presença ou ausência de pessoas ou

objetos, determinando sua identidade, e inclusive o seu estado de espírito. Câmeras em

miniatura, dispositivos de escuta, equipamentos médicos que examinam material genético, são

outros exemplos de equipamentos. Mas, principalmente, a tecnologia tem propiciado o

armazenamento, recuperação e processamento destes dados.

Neste sentido, Gandy (1989) já previa que as novas tecnologias seriam mais

automáticas. Quando o indivíduo entra em uma garagem, por exemplo, inicia a criação de um

registro de observação, como data e hora de entrada e saída. O login e logon em um sistema

documenta o trabalho realizado, bem como as mensagens e documentos trocados. Nestes

exemplos, os indivíduos colaboram voluntariamente para a vigilância, mesmo que não tenham

consentido plenamente.

Nas empresas, em busca de maior eficiência na produção e gestão, tanto grandes

como pequenos empregadores usam sistemas computadorizados para registrar e

comparar o trabalho dos empregados em relação a padrões ou metas, e ligar as suas

respostas individuais às mudanças do ambiente de trabalho. É irônico, talvez, que o

setor que é vigiado de forma mais completa e contínua é aquele que contém

trabalhadores da informação, que tem por finalidade a coleta e tratamento de dados

(GANDY, 1989, p. 66, tradução nossa).

Deste modo, “o impacto da obra de Foucault, aliado a uma rápida disseminação da TI

em ambientes organizacionais, serviu como ponto de partida para diversos estudiosos se

apropriarem da figura do panóptico para analisar a questão da vigilância nesses contextos”

(ZIMMER; HOPPEN, 2009, p.5). Desta ideia, surge a vigilância eletrônica, que se utiliza de

dispositivos tecnológicos.

Hoje, essa estrutura pan-óptica de controle e vigilância total se renova e expande por

meio das TICs. Um dos aspectos centrais da estrutura pan-óptica disciplinar, o

confinamento, é substituído pelo controle contínuo por meio do ambiente integrado

em rede por diversos dispositivos, no qual se preserva a característica “vê-se tudo,

sem nunca ser visto”. Na verdade, a essência do confinamento, a nosso ver,

permanece, pois a característica onipresente das TICs integra-se na vida dos

funcionários quase que como uma prótese, de modo a confiná-lo em qualquer

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ambiente (casa, trabalho, lazer, entre outros) por meio da rede. Particularmente a

internet surge e potencializa a estruturação das empresas em rede, que é a grande

estrutura pan-óptica da atualidade (PEREIRA; SEGRE; NASCIMENTO, 2013,

p.73).

Confirmando esta visão, Pereira, Segre e Nascimento (2013) citam que a torre fixa do

panóptico agora é substituída pelas TICs, ampliando sua abrangência. Onde quer que se esteja

e para onde quer que se vá, o “panóptico eletrônico” estará presente (PEREIRA; SEGRE;

NASCIMENTO, 2013, p. 73).

Assim, define-se vigilância eletrônica como “a forma de monitoramento remoto (à

distância) de pessoas dentro de um contexto organizacional por meio de dispositivos

tecnológicos diversos (câmeras de TV, microfones ou computadores, por exemplo)”

(ZIMMER; HOPPEN, 2009, p. 2). Para Gandy (1989), “tecnologia de vigilância moderna é

um sistema integrado de hardware e software que inclui dispositivos para detecção, medição,

armazenamento, processamento e troca de dados e informações sobre o meio ambiente” (p.62,

tradução nossa). Para além disso, tem-se um paradoxo, em que há uma sensação de

empoderamento causado pela contínua conectividade, e ao mesmo tempo a impossibilidade

de se afastar desta mesma conectividade. Portanto, o anseio de estar permanentemente

conectado torna-se uma armadilha, que possibilita o controle externo sobre o indivíduo

(PEREIRA; SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p.72).

2.5. O TRABALHO BANCÁRIO

O Sistema Financeiro Nacional pode ser entendido como um “conjunto de instituições

financeiras e instrumentos financeiros que visam em uma última análise, transferir recursos

dos agentes econômicos (pessoas, empresas, governo) superavitários para os deficitários”

(ASSAF NETO, 2011, p. 38). No Sistema Financeiro Nacional observa-se a existência de

dois tipos de instituições financeiras, as bancárias e as não bancárias. As instituições

financeiras bancárias compreendem os bancos e são responsáveis por captar recursos e

realizar empréstimos e financiamentos para pessoas físicas e jurídicas.

Camargo (2009) realiza um resgate histórico da evolução do sistema bancário no

Brasil, iniciado com a criação do Banco do Brasil, em 1808. A criação deste banco foi

possível graças a vinda de D. João VI e da Família Real ao Brasil. Já em 1863 instalam-se os

primeiros bancos estrangeiros (London & Brazilian Bank e o The Brazilian and Portuguese

Bank). No último século, o setor bancário passou por seu momento de fortalecimento e

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nacionalização, especialmente depois de 1920, até 1964. Este momento de nacionalização

viveu mudanças a partir de 1964, quando a presença de bancos estrangeiros foi ampliada, e o

setor bancário do país passou por um momento de internacionalização. Já no final do séc. XX

viveu-se um período de crise, recessão e instabilidade, que afetam a sociedade, mas não

impactaram o setor bancário, que se utilizou da alta inflação para manter seus ganhos

financeiros.

A partir de 1994, com a estabilização da economia, os bancos precisaram encontrar

novas formas de receita, voltando-se para a ampliação da oferta de crédito, de acordo com

Camargo (2009). Além disso, os bancos redirecionaram seus negócios, e, por outro lado

iniciaram um processo de redução das despesas administrativas e com pessoal, que segundo

Camargo (2009) deveu-se a crescente informatização do setor e início do serviço de

atendimento bancário por internet (e-banking). Com o objetivo de diminuir os custos de

operação, o setor bancário vem diversificando as formas de atendimento, pois “apesar da

importância ainda significativa das agências bancárias, o processo de automação dos serviços

bancários cresce de forma acelerada, com expressiva ampliação da parcela de serviços

efetuados por meio da internet banking e dos canais de autoatendimento” (CAMARGO, 2009,

p. 91).

Uma tendência semelhante foi observada por Hirschhorn, em sua análise dos bancos

americanos, e por Castano em seu estudo do sistema bancário espanhol. Enquanto a

maior parte das operações de rotina continuam sendo automatizadas (caixas

eletrônicos, serviços de informação por telefone, banco eletrônico), os bancários

restantes trabalham cada vez mais como vendedores, para oferecer serviços

financeiros aos clientes, e como controladores do reembolso do dinheiro vendido

(CASTELLS, 2009, p. 313).

Segundo informações da Febraban (2014), a população com acesso à Internet vem

aumentando a taxa de 12% a.a., enquanto as transações via internet banking vem crescendo a

taxa média de 23% a.a. (Figura 2).

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Figura 2 - Transações Bancárias por Origem, de 2009 a 2013 (em bilhões)

Fonte: FEBRABAN (2014).

No geral, os usuários vêm alterando seu perfil de utilização, e verifica-se que o

número de pessoas que realizam transações via internet banking e mobile banking

ultrapassaram os usuários que utilizam outros canais (agências, ATMs e contact center),

conforme Figura 3.

Figura 3 - Comportamento dos Usuários (% da Soma do Volume de Transações) Fonte: FEBRABAN (2014).

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Antes da década de 1990, o principal meio de relacionamento dos bancos com os

clientes eram as agências, telefone, ou os caixas eletrônicos (ATM). De forma rotineira, os

clientes e usuários dos serviços bancários se deslocavam até às agências para realizar

pagamentos e depósitos. Com a automação do atendimento, intensificou-se o uso de ATMs,

especialmente em operações de consultas, saques e emissão de extratos. “Esse primeiro

movimento foi importante para que os clientes se acostumassem com o atendimento sem

interação humana e ganhassem maior confiança nos serviços oferecidos por máquinas,

habilitando-os a realizar transações que envolvessem movimentação financeira”

(FEBRABAN, 2014, p. 18). Desde então, os bancos investiram significativas somas de

recursos para ampliar o número de operações e a experiência dos usuários. Somente em 2013,

o setor bancário brasileiro investiu mais de R$ 20,6 bilhões (FEBRABAN, 2014, p. 38) em

despesas e investimentos em tecnologia.

Ainda sobre a década de 1990, percebeu-se que uma série de serviços prestados pelos

operadores de caixa, nas agências bancárias passou a ser realizado via atendimento eletrônico,

como caixas automáticos, internet, home banking ou office banking (PEREIRA; SEGRE;

NASCIMENTO, 2013, p. 67). Após este processo de automação, e consequentemente “a

redução dos postos de trabalho, as TICs continuaram a gerar mudanças importantes nas

práticas laborais. Na atualidade, os sistemas integrados de gestão, as telecomunicações e seus

diversos dispositivos intensificam e controlam a produtividade nesse setor” (PEREIRA;

SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p. 67). Os autores realizam, ainda, uma ligação entre a

utilização da TICs e, por conseguinte, redução de postos de trabalho, ao novo perfil esperado

de funcionário bancário. A nova configuração do trabalho, com inserção de produtos e a

necessidade de vendas redefine o papel profissional do bancário, “um perfil multifuncional,

com habilidade para a venda de produtos (seguros, aplicações, etc.) e para a identificação do

perfil de cada cliente, a fim de atendê-lo de acordo com suas necessidades e características.

Ou seja, o funcionário do setor bancário se transforma em um agente de resultados”

(PEREIRA; SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p. 69).

A cobrança direta executada pelo “chefe” é substituída, agora, pelas normas

expressas na intranet ou no webmail. A liberdade no tempo de execução das tarefas

é rastreada pelo número de vezes e horas de acesso ao sistema. A noção de local de

trabalho é flexibilizada pelo uso da telefonia móvel e dos computadores conectados

ao sistema da empresa por meio da Internet. Assim, as TICs, junto com as mudanças

organizacionais, aparecem como um meio eficaz e sutil de controle (PEREIRA;

SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p. 67).

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Este novo contexto, de reconfiguração do papel do trabalhador através das TICs

“amplia o controle, em particular sobre os aspectos cognitivos dos funcionários, haja vista que

o processo de informatização exige uma maior compreensão das tarefas e dos procedimentos

executados na empresa” (PEREIRA; SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p. 67). Para estes

autores as TICs ampliam o controle sobre o indivíduo no trabalho, pois elas “ajudam a

organizar o trabalho nas empresas, de modo que se torne mais previsível, rotineiro, rígido e

controlável” (PEREIRA; SEGRE; NASCIMENTO, 2013, p. 67).

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3. ASPECTOS METODOLÓGICOS

O método se trata da ordem dos processos empregados para se chegar a um objetivo

ou resultado desejado, pois a sistematização dos processos dá segurança ao trabalho e

economia na pesquisa, tornando-se fator decisivo para a consecução de certo fim (CERVO et

al., 2007). Veiga-Neto (2009) cita que, para Foucault, o método não é um caminho seguro,

porque nada mais é previsível. “Não há um solo-base externo por onde caminhar, senão que,

mais do que o caminho, é o próprio solo sobre o qual repousa esse é que é construído durante

o ato de caminhar” (VEIGA-NETO, 2009, p. 89). O próprio Foucault desenvolveu suas

pesquisas com métodos inovadores, pois utilizou a genealogia como interesse na gênese do

problema; e arqueologia, como estudo das regras de pensamento de determinada época

(COSTA et al., 2013). Assim, o método deveria se assemelhar a uma perspectiva de trabalho

ou a uma vigilância epistemológica de um raciocínio contínuo (VEIGA-NETO, 2009).

Portanto, nesta parte do estudo, se busca sistematizar e organizar os processos aplicados.

Ainda, nesta etapa do estudo, cabe citar que Foucault (2012) orienta que o estudo do

poder deve ser guiado para “a dominação, os operadores materiais, as formas de sujeição, os

usos e as conexões da sujeição pelos sistemas locais e os dispositivos estratégicos”

(FOUCAULT, 2012, p. 289). Portanto, o poder não deve ser analisado pela intenção:

Não analisar o poder no plano da intenção ou da decisão, não tentar abordá-lo pelo

lado interno, não formular a pergunta sem resposta: “quem tem o poder e o que

pretende, ou o que procura aquele que tem o poder?”; mas estudar o poder onde sua

intenção – se é que há uma intenção – está completamente investida em práticas

reais e efetivas; estudar o poder em sua face externa, onde ele se relaciona direta e

imediatamente com aquilo que podemos chamar provisoriamente de seu objeto, seu

alvo ou campo de aplicação, quer dizer, onde ele se implanta e produz efeitos reais.

Portanto, não perguntar por que alguns querem dominar, o que procuram e qual é

sua estratégia global, mas como funcionam as coisas no nível do processo de

sujeição ou dos processos contínuos e ininterruptos que sujeitam os corpos, dirigem

os gestos, regem os comportamentos, etc. Em outras palavras, em vez de perguntar

como o soberano aparece no topo, tentar saber como foram constituídos, pouco a

pouco, progressiva, real e materialmente os súditos, a partir da multiplicidade dos

corpos, das forças, das energias, das matérias, dos desejos, dos pensamentos etc.

(FOUCAULT, 2012, p. 283).

Sendo assim, este estudo, que tem como objetivo compreender qual a percepção dos

gerentes de agências bancárias quanto ao seu poder frente à equipe em face ao funcionamento

do panóptico digital, considera o poder disciplinar, o poder hierárquico, a tecnologia da

informação e suas relações com o poder dos gerentes de agências bancárias (Figura 4).

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Figura 4 - Desenho da pesquisa Fonte: Elaborado pelo autor (2015).

O desenho da pesquisa, elaborado a partir dos autores constantes no Referencial

Teórico, busca demonstrar a estrutura de poder e seus pontos de integração, como forma de

entendimento do funcionamento do panóptico digital, e culminando com a intenção deste

estudo: o estudo do poder dos gerentes frente a inserção da tecnologia na vigilância e controle

nas organizações. Ainda, o desenho da pesquisa (Figura 4) busca agrupar os itens que

compõem a estrutura teórica em três dimensões distintas, porém, interligadas: a dimensão

organizacional (representada pelo poder hierárquico e pela hierarquia); a social (representada

pela tecnologia da informação e pelo panóptico digital); e a dimensão teórica (que abrange o

poder disciplinas, vigilância e o panóptico).

Além do texto que introduz os aspectos metodológicos, esta etapa do trabalho está

assim estruturada: Delineamento da pesquisa, onde consta a natureza e nível da pesquisa; os

participantes da pesquisa; a forma de coleta de dados e construção do roteiro de entrevista; e,

finalmente, a análise dos dados.

3.1. DELINEAMENTO DA PESQUISA

Esta pesquisa, de natureza qualitativa, apresenta-se como escopo exploratório. A

pesquisa qualitativa é a “metodologia de pesquisa não estruturada e exploratória baseada em

pequenas amostras que proporciona percepções e compreensão do contexto do problema”

(MALHOTRA, 2012, p. 111). Este método difere da pesquisa quantitativa pela forma de

coleta e tratamento de dados, e principalmente por não utilizar instrumentos estatísticos. Desta

forma, a pesquisa qualitativa proporciona uma compreensão do contexto do problema,

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interpretando aspectos mais profundos e complexos do comportamento das pessoas

(MARCONI; LAKATOS, 2011; MALHOTRA, 2012). Ela fornece uma “análise mais

detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc.”

(MARCONI; LAKATOS, 2011, p. 269).

Já a pesquisa exploratória mostra-se como “o passo inicial no processo de pesquisa

pela experiência e um auxílio que traz a formulação de hipóteses significativas para

posteriores pesquisas” (CERVO et al., 2007, p. 63). Este tipo de pesquisa possui objetivos

definidos, ainda que não elabore hipóteses, muito menos as teste no trabalho. Os estudos

exploratórios “têm objetivo familiarizar-se com o fenômeno ou obter uma nova percepção

dele e descobrir novas ideias” (CERVO et al., 2007, p. 63).

Diante disto, justifica-se a caracterização deste estudo como qualitativo exploratório

pela forma como o estudo será desenvolvido. Esta pesquisa se preocupa em uma aproximação

com o campo de estudo: a inserção da tecnologia no controle organizacional, e sua influência

no poder dos gerentes. Assim, os dados coletados não representam números, nem foram

objeto de análises estatísticas; mas sim a triangulação de dados como fala, discurso,

documentos e observação fornecerão dados qualitativos.

3.2. PARTICIPANTES

Uma das vantagens do método qualitativo é o contato prolongado do investigador com

o indivíduo, grupos, ambiente, ou situação investigada (MARCONI; LAKATOS, 2011).

Assim, escolher os casos, grupos ou materiais “certos” tornam-se relevante, diante de um

universo infinito de escolhas, de acordo com Flick (2009a).

E, com o que escolhemos, queremos fazer afirmações que se possam generalizar de

uma ou de outra forma – na maioria dos casos, pelo menos para além das situações

de pesquisa e das quatro ou quarenta pessoas que entrevistamos, por exemplo. Dado

que esse problema é semelhante na pesquisa qualitativa e em outras formas de

pesquisa social de uma forma muito geral, continuaremos a usar o termo

“amostragem” aqui (FLICK, 2009a, p. 43-44).

Neste estudo, optou-se por investigar os gerentes de agências bancárias, constituindo-

se nos participantes da pesquisa. Com a finalidade de delimitação, elegeu-se os gerentes de

agências pertencentes aos bancos registrados no BACEN (155 instituições, entre Bancos

Comerciais, Múltiplos e Caixa Econômica). A escolha dos respondentes se deu por

possibilidade de acesso, caracterizando-se como amostragem por conveniência. Esta

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modalidade é uma “técnica de amostragem não probabilística que procura obter uma amostra

de elementos convenientes. A seleção das unidades amostrais é deixada a cargo do

entrevistador” (MALHOTRA, 2012, p. 275). Ainda sobre a seleção intencional, Creswell

(2010) cita que o pesquisador seleciona intencionalmente os participantes e os locais que

melhor o ajudarão a entender o problema e a questão de pesquisa, sendo que esta

característica é típica da pesquisa qualitativa. “Isso não sugere, necessariamente, uma

amostragem ou seleção aleatória de um grande número de participantes e locais, como é

tipicamente observado na pesquisa quantitativa.” (CRESWELL, 2010, p. 212, grifo do autor).

Cabe citar, ainda, que no ramo bancário é comum a utilização da terminologia

“gerente” para diversas funções. Entretanto, neste estudo se optou por delimitar aos

indivíduos que exercem o poder hierárquico (FOUCAULT, 2014) na agência. Portanto, a

coleta dos dados se restringiu ao primeiro gestor da agência bancária, mencionado como

gerente, gerente geral, administrador, gestor; e neste estudo citado apenas como gerente.

Ainda, delimitou-se a coleta de dados a agências com mais de 12 funcionários, pois há maior

possibilidade de observação de pontos importantes deste estudo, como a resolução de

controvérsias, o controle de equipes, e a gestão do tempo da equipe.

A partir dos indivíduos selecionados, não há como prever o número de respondentes,

portanto, o tamanho da amostra não é definido previamente (FLICK, 2009b). Neste ponto,

chega-se a questão de quando interromper a adição de novos respondentes. Para Flick (2009b)

e Bauer e Aarts (2002), o momento correto de interromper a integração de novos casos é o

momento em que não estão sendo encontrados dados adicionais: a saturação teórica. Assim, a

coleta de dados deste estudo foi interrompida no momento em que as respostas começarem a

se repetir, ou seja, quando a fala dos entrevistados não mais acrescentou informações

relevantes para a resposta do problema de pesquisa (quatorze entrevistas). Para se identificar

este momento em que as respostas passaram a se repetir, utilizou-se a sugestão de Fontanella

et al. (2011), onde a análise é realizada por categoria (ou subtema). Na décima quarta

entrevista o gerente não mais acrescentou pontos importantes novos, sendo apenas uma

“repetição” das falas anteriormente citadas por outros gerentes. Em termos gerais, o discurso

dos gerentes se mostrou homogêneo, não apresentando diferenças significativas entre a fala,

mesmo de bancos diferentes.

Para a efetivação desta pesquisa, realizou-se contato via e-mail com os gerentes de

agência bancária. O endereço de e-mail dos gerentes foi levantado pelo site dos bancos,

informações dos sindicatos, e rede de contatos do pesquisador. A partir do contato inicial,

alguns gerentes responderam o e-mail, demonstrando interesse em participar da pesquisa.

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Então, foi realizado o agendamento da visita e coleta de dados com quatorze gerentes de

agência bancária, que atuam nos municípios de Passo Fundo (RS), Marau (RS), Carazinho

(RS) e Casca (RS).

3.3. TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS

Referente à coleta de dados tem-se “o estabelecimento dos limites para o estudo, a

coleta de informações por meio de observações e entrevistas não estruturadas ou

semiestruturadas, de documentos e materiais visuais, assim como do estabelecimento do

protocolo para o registro das informações” (CRESWELL, 2010, p. 212). Neste estudo, a

técnica de coleta de dados utilizada foi a entrevista e a observação. Muito além de uma

simples conversa, a entrevista é uma conversa orientada para um objetivo proposto, ou seja,

direcionada para a obtenção de informações importantes, além de compreender as

experiências do entrevistado (CERVO et al., 2007; MARCONI; LAKATOS, 2011).

As entrevistas qualitativas são muito pouco estruturadas. O principal interesse do

pesquisador é conhecer o significado que o entrevistado dá aos fenômenos e eventos

de sua vida cotidiana, utilizando seus próprios termos. A entrevista permite o

tratamento de assunto de caráter pessoal. Todavia, seria aconselhável o uso de um

roteiro simples, que guie o entrevistador pelos principais tópicos, caso ele seja

iniciante (MARCONI; LAKATOS, 2011, p. 280).

Neste sentido, Marconi e Lakatos (2011) citam que o pesquisador tem liberdade para

direcionar a entrevista na direção que achar adequada, visando explorar da melhor forma

possível uma questão pré-determinada. Este tipo de pesquisa caracteriza-se como

despadronizada, semi-estruturada, assistemática, antropológica, ou livre. Quanto aos cuidados

no momento da entrevista, Godoi e Mattos (2010) citam que o entrevistador deve atuar de

maneira sutil, provocando o entrevistado a falar, sem conduzir sua fala. “A habilidade do

entrevistador reside em conduzir a fala, omitindo-se ao máximo em conduzir o sujeito, em

emitir opiniões, independente do uso auxiliar de roteiros e guias” (GODOI; MATTOS, 2010,

p. 313). Diante destas citações, torna-se evidente a necessidade de elaboração de uma

estrutura básica a ser seguida pelo pesquisador: o roteiro de entrevista (Apêndice 2). De

nenhuma forma espera-se tornar a entrevista pouco flexível ou excessivamente formal, mas

um trajeto, ou caminho a seguir garantirá confiabilidade e seriedade da pesquisa. Para este

estudo optou-se por elaborar questões amplas, com o intuito de estimular a fala dos

entrevistados, conforme Quadro 1. As questões seguiram o proposto por Foucault (2014) e

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abordam a materialização do poder do panóptico digital, os dispositivos do poder do

panóptico digital, e os dispositivos disciplinares.

Quadro 1 - Operacionalização dos elementos conceituais da pesquisa

Categoria Componente da categoria Corpus

A materialização

do poder do

panóptico digital

A diferenciação interna dos bancários Entrevista

Observação do site dos bancos

Privilégios e funções do gerente

Entrevista

Observação do sistema de normas e

procedimentos

Os meios de exercício do poder Entrevista

Os dispositivos

do poder do

panóptico digital

A organização dos indivíduos no espaço

Entrevista

Observação da disposição dos móveis das

agências bancárias

Observação da fachada das agências

O controle sobre o tempo Entrevista

A vigilância Entrevista

Observação do sistema de controle de metas

O registro contínuo do conhecimento Entrevista

Observação do sistema de informática

Os dispositivos

disciplinares

O olhar hierárquico Entrevista

Observação do sistema de controle de metas

A sanção normalizadora Entrevista

O exame Entrevista

Observação do sistema de controle de metas

Fonte: Elaborado pelo autor (2015).

Além da entrevista, se buscou a construção de um corpus de materiais para análise e

entendimento dos discursos. De acordo com Bauer e Aarts (2002), a noção de corpus pode ser

definida como uma coleção finita de materiais, determinada pelo pesquisador, sendo possível

a utilização de qualquer material que possua função simbólica. Em se tratando de escolha pelo

pesquisador, observa-se uma inevitável arbitrariedade, conforme citado pelos autores.

Entretanto, mesmo com possibilidade de se utilizar diversos e diferentes materiais, o corpus

deve possuir “relevância, homogeneidade e sincronicidade” (BAUER; AARTS, 2002, p. 55).

Para este estudo, optou-se por utilizar a política de metas da instituição, e informações

coletadas via observação da rotina dos gerentes e da disposição dos móveis e equipamentos

no ambiente; constituindo-se o corpus da pesquisa.

No mesmo pensamento, Creswell (2010) e Flick (2009b) sinalizam a utilização de

outros dados além da entrevista, nomeando esta técnica de triangulação de dados. Esta

palavra-chave é utilizada para indicar a combinação de diferentes métodos, grupos de estudo,

ambientes locais e temporais e perspectivas teóricas distintas no tratamento de um fenômeno

(FLICK, 2009b). Da mesma forma, “os pesquisadores qualitativos geralmente coletam

múltiplas formas de dados, tais como entrevistas, observações e documentos, em vez de

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confiarem em uma única fonte de dados” (CRESWELL, 2010, p. 208). Pode-se citar o estudo

de Azevedo et al. (2013) que buscou organizar e sistematizar as principais questões e aspectos

inerentes a triangulação. A triangulação pode combinar métodos e fontes de coleta e análise

de dados. Assim, entrevistas, questionários, observação e notas de campo, documentos podem

contribuir para o exame do fenômeno sob múltiplas perspectivas e dimensões mais profundas

(AZEVEDO et al., 2013). A operacionalização dos elementos extraídos da teoria encontram-

se sistematizados no Quadro 1. Tanto a operacionalização dos elementos conceituais quanto a

elaboração do roteiro de entrevistas seguiu a sistemática indicada por Foucault para análise

das relações de poder: a materialização do poder; os dispositivos do poder; e, os dispositivos

disciplinares.

Sobre as observações qualitativas, Creswell (2010) cita que são as observações

realizadas pelo pesquisador, onde ele realiza anotações de campo sobre o comportamento e as

atividades que os indivíduos realizam no local em que a pesquisa está sendo realizada. Ainda,

o autor cita a necessidade de utilização de um protocolo para registrar os dados observados na

pesquisa. Diante disso, este estudo se utilizou da entrevista e da criação de um corpus de

pesquisa, buscando a triangulação dos dados. Os encontros formais de entrevista se

mostraram oportunidades de observação, e que permitiram a triangulação dos dados. As

observações se direcionaram a localização das mesas da agência, o layout (padrão visual) da

agência, as atividades realizadas pelo gerente, os contatos feitos entre o gerente e clientes ou

entre gerentes e funcionários, e, ainda, a observação do sistema de informática, nas agências

onde houve autorização.

3.4. ANÁLISE DE DADOS

Os dados e informações, por si só, não representam uma análise realizada. A análise

dos dados busca, então, extrair sentido dos dados coletados. Envolve preparar os dados para

análise, conduzir análises, aprofundar sistematicamente o processo de compreensão dos

dados, representar os dados e realizar uma interpretação do significado mais amplo dos dados

(CRESWELL, 2010).

Inicialmente, cabe citar que as pesquisas qualitativas possuem passos sistemáticos, que

envolvem “gerar categorias de informações (codificação aberta), selecionar uma das

categorias e posicioná-la dentro de um modelo teórico (codificação axial), e então explicar

uma história a partir da interconexão dessas categorias (codificação seletiva).” (CRESWELL,

2010, p. 217). Para o autor, é possível destacar seis passos para organizar a análise dos dados

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qualitativos, iniciando pela organização e preparação dos dados, envolvendo a transcrição das

entrevistas e digitação das anotações de campo. Este passo é seguido pela leitura dos dados,

buscando um percepção geral das informações e reflexão do significado global, seguida da

codificação, que se descreve como a organização em blocos ou segmentos de texto.

Em sequência, cita-se a descrição como próximo passo no processo de análise de

dados. Neste passo, busca-se descrever o local ou as pessoas; as categorias ou temas para

análise. Assim, é possível informar como os temas serão representados na narrativa

qualitativa, inclusive com cronologia de eventos ou por temas. Só então os dados estarão

prontos para o sexto passo, a interpretação, e extração de um significado dos dados. Neste

ponto é possível a “comparação dos resultados com informações coletadas da literatura ou de

teorias. Dessa maneira, os autores sugerem que os resultados confirmam informações

passadas ou delas divergem.” (CRESWELL, 2010, p.224).

Neste estudo, optou-se por utilizar a análise do discurso. Esta técnica combina

procedimentos analíticos linguísticos com análises de processos de conhecimento e

construções. Estas análises não se restringem aos “aspectos formais” das apresentações e dos

processos linguísticos (FLICK, 2009b). Para Maingueneau (1997; 1999) a linguística é capaz

de balancear a “rigidez” de seu núcleo com uma “periferia cujos contornos instáveis estão em

contato com as disciplinas vizinhas (sociologia, psicologia, história, filosofia, etc.).”

(MAINGUENEAU, 1997, p. 11). Ainda, pode-se citar que a análise do discurso é tanto “uma

reorientação teórica da relação entre o linguístico e o extralinguístico, como também por uma

mudança da postura do observador em face do objeto de pesquisa” (ROCHA; DEUSDARÁ,

2005, p. 319).

Devido a complexidade e amplitude da análise do discurso, pode-se dizer que não

existe apenas uma linha de análise, mas “ao menos 57 variedades de análise de discurso”

(GILL, 2002, p. 246). O que esses diferentes estilos parecem ter em comum, ao tomar como

objeto o discurso, é que partilham de “uma rejeição da noção realista de que a linguagem é

simplesmente um meio neutro de refletir, ou descrever o mundo, e uma convicção da

importância central do discurso na construção da vida social” (GILL, 2002, p. 244).

Neste sentido, para Caregnato e Mutti (2006) o dizer é marcado por uma ideologia.

Assim, “o sujeito não é individual, é assujeitado ao coletivo, ou seja, esse assujeitamento

ocorre no nível inconsciente, quando o sujeito se filia ou interioriza o conhecimento da

construção coletiva, sendo porta-voz daquele discurso e representante daquele sentido”

(CAREGNATO; MUTTI, 2006, p. 681). Para a análise de discurso, esse assujeitamento é “o

movimento de interpelação dos indivíduos por uma ideologia, condição necessária para que o

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indivíduo torne-se sujeito do seu discurso ao, livremente, submeter-se às condições de

produção impostas pela ordem superior estabelecida, embora tenha ilusão de autonomia”

(FERREIRA, 2001, p. 12).

É possível citar, também, a aproximação da análise de discurso com a ciência da

administração. De acordo com Rodrigues e Dellagnelo (2013, p. 632) a utilização da análise

de discurso pode “estabelecer um novo senso comum emancipatório” para a administração,

pois uma nova forma de entender os discursos pode alterar os entendimentos encobertos pela

definição política e ideológica que os encobrem. Assim, para os autores (2013), a construção e

consolidação da empresa se baseia em importantes instituições que “também constroem e

disseminam discursos que a sustentam e são sustentados por aquela primeira” (RODRIGUES;

DELLAGNELO, 2013, p. 632). Portanto, a utilização da análise de discurso neste estudo se

justifica pela relevância do estudo de diferentes pontos de observação de um mesmo tema,

pois a própria ciência da administração se originou e se baseia em outras ciências e outros

conhecimentos originados de contextos diferentes.

Em se tratando de pesquisa qualitativa, os autores citam a relevância da validade e da

confiabilidade do estudo. Para Creswell (2010) a validade tem relação com a precisão dos

resultados, empregando procedimentos. Já quanto à confiabilidade, existe a necessidade de os

pesquisadores documentarem todos os procedimentos de seus estudos. Neste sentido, os

registros e os procedimentos ajudarão o pesquisador a definir se o autor vê o que ele acha que

vê (FLICK, 2009b; CRESWELL, 2010). A partir disto, esta pesquisa buscou a triangulação

de dados, com entrevistas, observações do sistema, observações da mobília, observação da

fachada. Os dados coletados foram registrados através da transcrição dos arquivos de áudio

(para as entrevistas) e a elaboração de um diário de campo (para as observações). Os dados

foram agrupados em cada uma das categorias elencadas e auxiliaram o pesquisador na

compreensão do fenômeno, bem como na validade e confiabilidade desta pesquisa.

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4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS COLETADOS

A partir do levantamento teórico, apresentado no Capítulo 2, os meses de agosto,

setembro e outubro de 2015 foram destinados à coleta dos dados para a pesquisa. As

entrevistas ocorreram no período indicado, com duração média de 35 minutos, sendo a

entrevista mais curta 22 minutos e a mais longa 42 minutos. As entrevistas foram transcritas e

codificadas pelo autor em agosto, setembro e outubro de 2015. As observações realizadas pelo

pesquisador foram organizadas em um diário de campo. Os entrevistados se caracterizam

como gerente de agência bancária, sendo que optou-se por padronizar a nomenclatura, tendo

em vista os diferentes nomes em cada banco (gerente geral, gerente, administrador). Pode-se

observar as principais características dos entrevistados no Apêndice 3. Optou-se por analisar

os dados coletados conforme a sistemática indicada por Foucault (2012; 2014) para análise

das relações de poder: a materialização do poder; os dispositivos do poder; e, os dispositivos

disciplinares.

4.1. A MATERIALIZAÇÃO DO PODER

Foucault apresenta a materialização do poder através de diversos mecanismos, pois o

poder não é algo que se possua, mas sim que se exerça, que circula (FOUCAULT, 2014)

Neste estudo, a materialização do poder pode ser analisada a partir de três elementos: os

privilégios e funções do gerente; a diferenciação interna dos bancários; e, os meios de

exercício do poder.

4.1.1. Privilégios e funções do gerente

Pondera-se ser importante, ao iniciar o estudo sobre o poder dos gerentes, entender a

visão que os gerentes de agência bancária têm sobre sua própria função. Os entrevistados

elencam entre as principais funções do gerente a representação do banco em eventos e

atividades, além da gestão de pessoas e equipes e a participação efetiva em negociações com

clientes.

Inicialmente, pode-se citar que os gerentes concordam que a função de representação

do banco é uma das atribuições do gerente, tanto em atividades externas como internas.

Quanto às atividades externas, destacou-se participação em eventos da comunidade, além de

visitação de clientes e empresas. Quanto à representação interna, o gerente é percebido pelos

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funcionários como “o banco”, portanto ele precisa estar ciente da estratégia e do

direcionamento do banco para repassar aos funcionários: “[...] o gerente tem que ter a

percepção do DNA do banco e passar para o funcionário, que ele sinta isso, né, [...]

disseminar a forma de trabalho do banco, aonde o banco quer chegar” (GERENTE 5).

Nesta direção, todos os gerentes citaram que o estímulo ao trabalho em equipe e a

gestão das pessoas da agência destacam-se como atividades do gerente. Para o Gerente 1, “é a

equipe agência”, na qual o papel do gerente é garantir que todos os setores trabalhem de

forma colaborativa, porque “[...] tem que fazer que esse convívio dê resultado, a interação

entre gerações... praticamente três gerações dentro do banco”. Nesta lógica, o gerente

encontra-se na liderança de uma equipe de trabalho com diferentes habilidades, e que

realizam diferentes atividades, portanto, sua capacidade de gerenciamento e estímulo ao

trabalho em equipe é importante.

Quanto à gestão das pessoas nas agências, os gerentes são unânimes na importância da

figura do gerente como motivador e líder. Cita-se o Gerente 6 que afirma que “é uma função

nossa, do gestor, que demanda muito: pensar sobre as pessoas”. Para o Gerente 10, entre as

funções do gerente, “primeiramente cuidar da parte pessoal, funcionários, eu acho que isso é

bem importante porque a gente trabalha com pessoas, e cada vez mais qualificadas e tu tem

que efetivamente administrar”.

Pode-se perceber que a política geral de gestão de pessoas é institucionalizada, através

de um plano de funções. Porém, a forma como o gerente conduz a gestão das pessoas dentro

de cada agência varia conforme o estilo de gestão. Neste ponto, o gerente se apega ao poder

que lhe resta, ou seja, fragmentos que o poder central do banco ainda não padronizou como se

pode observar no discurso:

A gestão de pessoas é calcada em cima da nossa gestão. Existe uma diretriz geral,

mas a gente tem mais autonomia para administrar um pouco, com exceção de que

por ser banco público não tem demissões, mas a gente tem autonomia de

movimentar... tem bastante autonomia pra fazer isso aí. A agência tem os segmentos

e a gente pode circular as pessoas nesses segmentos, a gente como readequar a

necessidade da nossa agência, e do colega. Colega quer crescer, trocar de segmento,

a gente tem que ter essa sensibilidade de tentar, de ver que ele quer um crescimento

e ajudar ele no crescimento, porque o banco precisa que eles cresçam, porque temos

que formar os nossos sucessores (GERENTE 7).

É possível perceber, na fala citada, alguns pontos que evidenciam a perda de poder,

como no trecho “[...] a gente tem mais autonomia para administrar um pouco[...]”,

contrastando com a aparente preocupação do gerente com a intenção de troca de setor do

funcionário. Todavia, não fica claro no discurso dos gerentes a real preocupação com as

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pessoas, mas uma possível necessidade de trabalho em equipe para atingimento das metas

organizacionais: “Se não trabalhar em equipe, hoje, tu não desenvolve, porque o banco

instituiu o sistema de metas, e está tudo vinculado, o meu sucesso depende do sucesso dos

outros” (GERENTE 7).

Neste sentido, as metas são citadas em diversos momentos quando os gerentes falam

sobre as equipes:

Com base no cadastro do perfil dos clientes da agência é definida a meta da agência

para o semestre. Então vem pra agência, a nossa função é de liderança e treinamento.

Tem que treinar toda a equipe para que trabalhem em conjunto pra desenvolver e

atingir a meta que a empresa deseja [... ] nós passamos treinando e cobrando metas,

né. Cobrando metas e organizando a equipe para atingir as metas, que vem tudo

pronto. A gente nem escolhe, já vem pronto pra nós. A gente não discute, a gente só

recebe e divide aqui, tanto pra cada um e vamos ver (GERENTE 1).

Somos os executivos, somos os executores. Tem uma direção pensante que faz as

estratégias, como a gente vai atuar, e repassa. Ainda tem uma intermediária, que é a

superintendência nossa. Vem essa estratégia, e nós aqui como gestores locais temos

que colocar em prática, executar essa estratégia. Nós somos gestores mas não somos

muito pensantes, nós somos mais executores (GERENTE 6).

Outro ponto importante da função do gerente, citado pelos respondentes é o

direcionamento aos negócios. “O foco de atuação do gerente geral é na parte mercadológica,

nas operações de crédito, nos negócios banco-cliente, do cumprimento das metas, é onde o

gerente geral vai atuar com mais força, vai ser a área de atuação dele” (GERENTE 9). A

destinação do tempo do gerente para a realização de negócios pode ser entendida como um

privilégio da função, tendo em vista que a operacionalização, geralmente, é repassada para

outro funcionário, subordinado na agência:

O gerente é o responsável, é a pessoa que tem que dar o direcionamento [...] claro

que, operacionalmente, não é o gerente geral que vai ficar colocando a proposta de

crédito no sistema, ou vai ficar preenchendo proposta de seguro, não é ele que vai

fazer, mas ele tem que (silêncio) o funcionamento do negócio, ele tem que conhecer,

saber um pouco de tudo (GERENTE 4).

Neste ponto, inclusive, pode-se citar trechos de entrevistas em que o gerente menciona

a grande quantidade de atividades que o gerente necessita desenvolver:

Tudo o que é bronca, é coisa, eu tô envolvido. Eu... desde o menor trabalho do

funcionário, nas férias o funcionário: “eu queria tirar no mês tal e ele não consegue,

ele vem aqui”. De maneira geral tudo o que é bronca é comigo. Passa por setores,

mas ninguém vem no banco e diz: “eu quero falar com o supervisor de atendimento,

naquela área, eu quero falar com o subgerente, eu quero falar com o gerente, eu

quero tirar um extrato, eu vou falar com o gerente” (GERENTE 1).

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Fora a quantidade de acompanhamento que se tem, de sistema de metas, de

despesas. Hoje muito voltado ao resultado, porque tem um sistema que te dá o teu

resultado, quanto que tu ganha de tarifa, quanto que tu ganha no crédito, quanto que

tu ganha na captação, né (GERENTE 4).

[...[o próprio nome já diz, é geral, é tudo (GERENTE 10).

Mas tem que estar sabendo de tudo porque tu é o responsável pela dependência

(GERENTE 11).

Eu tenho que fazer dentro das metas que são estabelecidas, eu tenho que fazer a

gestão da minha equipe e dos negócios da minha agência para atingir todas essas

metas, então eu tenho que conseguir gerenciar minha equipe pra que, por exemplo,

se eu começar a fazer muita hora extra pra atender as metas quantitativas e de

volume eu bato na meta de despesas, né. Se eu começar a dar muito crédito, abrir a

torneira como a gente costuma dizer, eu vou ter problema de inadimplência na outra

ponta. Então, na verdade, é amarrado. E o meu sistema é gerenciar a equipe pra isso.

Alguns clientes maiores, prospecção de clientes, visitar clientes, né, clientes

maiores, e treinamento de equipe e suporte. Quanto tu chegou aqui, por exemplo, a

colega estava com uma dificuldade e a gente tem que tentar auxiliar. De maneira

genérica, sem discriminar atividades, é isso que a gente faz (GERENTE 3).

Então, quanto à função do gerente, destaca-se a sua função representativa. Para a

sociedade, o gerente é o banco. Para os funcionários, o gerente representa o banco. Talvez

esta diferenciação possa estar relacionada à quantidade de normas, especialmente relacionadas

à gestão de pessoas, que estão disponíveis aos funcionários, e ao gerente, cabe cumprir, e

realizar pequenas adaptações. Neste sentido, sua figura quanto às metas também se torna de

representação e de execução, pois ele mesmo é objeto da determinação superior, e não mais o

determinador dos rumos de sua unidade. Pode-se, inclusive, associar esse esvaziamento a uma

sujeição, onde os próprios gerentes aceitam que sua influência e sua autonomia cedam lugar à

execução de estratégias estabelecidas sem sua participação. Esta perda deve ser percebida pela

sua equipe, tendo em vista que o poder “não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce,

só existe em ação” (FOUCAULT, 2012, p. 274).

4.1.2. A diferenciação interna dos bancários

Uma das bases da Teoria Clássica da Administração é a separação do trabalho entre os

que pensam e planejam, e aqueles que executam. Esta diferenciação foi notada como grande

avanço, pois pela primeira vez o poder pôde ser analisado sob a perspectiva dos que pensam a

organização, em detrimento aos sujeitados ao poder, ou seja, os operários e executores. Eis

que nesta configuração, a figura do gerente foi elevada ao pedestal máximo, pois era o grande

representante da empresa, e, portanto, detentor de todo o poder.

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Entretanto, com os estudos de Foucault, o poder deixa de ser analisado sob a lógica de

sujeito e objeto, mas sim sob a perspectiva de que o poder está localizado nas relações, em um

mecanismo que o autor denomina “a microfísica do poder”. Para Foucault (1983; 2012) o

poder não possui um ponto central, pois está localizado em toda parte, em todo lugar. Assim,

a forma mais adequada de definição é que o poder não possa ser possuído, mas sim exercido

(FOUCAULT, 2012).

Diante disso, não cabe uma avaliação das diferenças entre os níveis hierárquicos da

organização, mas sim o entendimento de onde o poder está. Neste sentido, fica claro na fala

do Gerente 6 que o poder de determinação de normas não é exercido pelo gerente: “a diretriz,

a estratégia e a norma vem da matriz, a gente só pode ver a melhor maneira de que isso seja

aplicado, mas a gente não pode criar normas, eu tenho que seguir a norma institucional”.

Portanto, não se evidencia a diferenciação entre o gerente e seus subordinados, pois

ele mesmo é sujeito da norma institucional. Ainda, o sistema também é mencionado de forma

positiva, pois o próprio sistema controla o acesso de informações de acordo a função do

funcionário, conforme Gerente 1 “[...] pelo fechamento do sistema hoje em dia e pelo

bloqueio que você pode acessar umas áreas e outras não, a própria tecnologia resguarda muita

coisa, porque conforme a hierarquia, o nível dentro do banco, você consegue acessar”. Ainda

com relação ao sistema, o Gerente 10 relata que “[...] dentro do que o sistema libera, o próprio

funcionário pode atender”. Mais uma vez, o sistema é o responsável pelo controle de acesso

aos dados, diminuindo a diferenciação entre o trabalho do bancário e do gerente de agência

bancária.

Um ponto que merece destaque é o retorno do tema representatividade fora da agência.

Tanto o Gerente 2, como o Gerente 8 e o Gerente 11 citam que o gerente realiza visitas a

clientes de maior importância econômica, e representatividade social. Talvez, este seja ainda o

maior diferencial entre o trabalho do bancário e do gerente. Esta tentativa de manutenção do

poder é reforçada pela hierarquia e pela separação em setores, que direciona os clientes que

não são tão representativos aos bancários, e encaminha apenas casos de maior importância ao

gerente.

Mas tu tem que ficar em permanente contato com os maiores, fazendo uma rede de

relacionamento com pessoas que tem mais, como posso te dizer, assim, influência:

presidente de sindicato, entidades, associações, prefeitos, políticos. Então tu tem que

ter esse relacionamento com essas pessoas [...] porque tu representa o banco

(GERENTE 2).

Muitas vezes a decisão é tomada gerencial [...] operações de empresa, muitas vezes

está formando parecer de informação, tem toda uma atenção maior, muitas vezes

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você vai atender um empresário que precisa de um sigilo maior... uma conversa em

separado (GERENTE 8).

Tem que ter um fluxo no banco [...] é que você tem outras funções, outras

responsabilidades que são, pro negócio, prioritárias, né [...] claro que o cliente é

prioridade, mas o andamento da coisa tem que seguir (GERENTE 11).

Porém, percebe-se um esforço dos bancos em diminuir essa diferenciação. Em uma

busca pela página dos cinco maiores bancos do país, em diversos anúncios existe a

informação “procure seu gerente”, conforme ilustrado na Figura 5. Assim, o cliente

experimenta uma aproximação com o gerente, que antes parecia impossível. Ao gerente cabe

aceitar a publicidade apresentada pelo banco e adequar sua rotina de trabalho.

Figura 5 - Informação para o cliente procurar o gerente Fonte: Dados da pesquisa (2015).

Ainda dentro deste tópico sobre a diferenciação do trabalho, buscou-se entender como

funciona o acesso às informações no banco. De acordo com Foucault (2014), um dos

objetivos do poder é estabelecer comunicações úteis, ou seja, ao mesmo tempo em que se

evitam comunicações desnecessárias, se padronizam as comunicações úteis. Esta citação,

parte do quadriculamento, é um dos componentes do sistema disciplinar, sendo que a

necessidade de controle da comunicação é essencial para o disciplinamento, e para o exercício

do poder.

Quando questionados sobre o acesso às informações, os gerentes concordaram que

todos os funcionários tem acesso. Os gerentes relatam que existe um sistema (banco de dados)

com as normas e procedimentos a serem seguidos, e que este sistema está aberto e disponível

para todos. Nas palavras dos gerentes:

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Acesso a todo mundo. O banco hoje prioriza a informação, que se tenha informação,

tem todas as normas do banco, administrativas, instruções comerciais, o que tu

quiser tem ali (GERENTE 4).

Então, nada do que a gente faz, faz porque eu quero fazer, e nem sempre o cliente

tem a percepção que tudo é regulamentado, tem norma pra tudo. E essa informação

está disseminada (GERENTE 5).

[...] isso, até questões pessoais, regulamento de funcionários, por exemplo, dizendo

o que tem direito, isso é público, claro dentro do banco, só nos computadores do

banco, não pode acessar de casa (GERENTE 9).

O funcionamento está claro para todos os funcionários, igual, e em todas as

agências. É um padrão (GERENTE 11).

Está normatizado. Nós temos uma estrutura de normas e procedimentos muito

burocrática, ela não te dá muita possibilidade de mudança ou de adequação. Existe

uma norma, um check-list, um passo a passo, e a gente tem que se guiar por ali

(GERENTE 12).

Todos os processos do banco, hoje em dia, são normatizados, né, então você sabe o

que pode e o que não pode fazer (GERENTE 13).

Isso aí é uma coisa que está institucionalizada, as normas, está tudo normatizado e

todos tem acesso (GERENTE 14).

Os gerentes informaram que o banco possui um sistema de banco de dados que

compila todas as normas e procedimentos necessários, sendo o acesso liberado a todos os

funcionários. Dois gerentes autorizaram a observação do sistema de normas e procedimentos.

O acesso é realizado através de senha, e se mostra como uma página da internet (no caso rede

fechada, uma intranet) que apresenta um sumário com as normas, separadas por assunto. A

navegação é amigável e possibilita busca direta, através de uma tecla de atalho.

Destaca-se, também, o resgate histórico realizado por dois gerentes quanto ao acesso

às informações. O controle das normas e procedimentos fazia parte da função do gerente,

sendo mais uma demonstração de seu poder. Naquele período, as normas e procedimentos se

resumiam a livros impressos, e estavam localizados atrás da mesa do gerente. Sendo assim, o

gerente tinha a autonomia para liberar ou não o acesso às normas:

Isso mudou muito nos últimos anos, por que no passado essas instruções normativas

eram todas impressas e ficavam atrás da mesa do gerente, e aí sim só o gerente tinha

acesso a ela. Então por exemplo, se eu queria saber como fazer alguma coisa eu

dependia do gerente me autorizar a pegar aquela instrução. Então o gerente tinha

assim, hum [...] (silêncio) um poder, um domínio sobre a equipe. Porque eles

podiam gestionar, eu te dou essa informação ou não te dou [...] e não faz muito

tempo (GERENTE 3).

[...] muitas vezes, quando aquela pessoa mais sedenta chegava no gerente: “deixa eu

dar uma olhada, eu quero ver como que faz” [...] “Porque, tu quer tomar o meu

lugar?”. Ele tinha o controle das normas do banco. Se tu era um escriturário

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responsável pelo desconto de cheque, tu sabia como fazer aquilo ali e pronto

(GERENTE 4).

Ainda com relação às informações, a maioria dos gerentes citou a importância da

disseminação das informações aos funcionários, especialmente em relação à criação de

pessoas preparadas para assumir outras funções. Por um lado, este argumento simboliza a

sujeição do gerente ao sistema, tornando-o um corpo dócil (FOUCAULT, 2014), pois ele

aceita que o controle de acesso seja realizado pelo sistema, e não mais pelo gerente. Isto fica

claro na citação do Gerente 13 “[...] é muito bom porque cria uma horizontalidade no

conhecimento. O meu funcionário pode saber mais do que eu”; e na citação do Gerente 10

“[...] hoje em dia quanto mais o funcionário souber melhor, e isso é bom até mesmo para

oxigenar as lideranças dentro do banco, tem que existir”. Por outro lado, ao liberar o acesso à

informação, o banco (o sistema através da TI) fomenta a criação de um grupo de funcionários

polivalentes, ou seja, com múltiplos conhecimentos. Pode-se analisar este ponto através das

localizações funcionais, que compõem o sistema disciplinar. Para Foucault (2014), os lugares

determinados auxiliam a vigilância, além de evitar comunicações indesejadas. Assim, a

pessoa não é foco como indivíduo, mas sim como posição ocupada. Cada um se torna parte do

sistema pelo lugar que ocupa na série, e pela distância que separa um indivíduo do outro.

Outro ponto destacado pelos gerentes é o conhecimento das regras na questão de

pessoal. Da mesma forma que os procedimentos de trabalho, as normas quanto ao

regulamento de funcionários também estão acessíveis a todos. Já nos primeiros dias de

empresa, o bancário passa por treinamento, onde conhece todas as normas relacionadas a

questões pessoais. “Quando já entra na empresa, faz treinamento na central em Porto Alegre,

recebe todas as informações, os manuais, a visão, onde tudo está regrado, o que pode e o que

não pode e as penalidades em caso de descumprimento” (GERENTE 1). Tanto o Gerente 1,

Gerente 2 e Gerente 14 realizaram essa ligação entre a disseminação das informações com

possíveis sanções ou penalidades em caso de descumprimento. Destaca-se, então, que também

nas normas relacionadas aos funcionários o gerente possui autonomia ou privilégios.

Cabe citar uma diferenciação encontrada entre o bancário e o gerente de agência,

quanto ao acesso às informações. Os gerentes relataram que o sistema de controle das metas

tem acesso restrito ao gerente, “o que tem grau de sigilo para acessar é a nossa estratégia, que

algumas têm grau gerencial, ou grau empregados. Cabe ao gerente disseminar e dar o

andamento” (GERENTE 6). Neste ponto, os gerentes concordam que, mesmo sendo um

privilégio, as informações sobre metas devem ser repassadas aos funcionários: “esse tipo de

informação, por exemplo, resultados, o gerente é o porta-voz” (GERENTE 7); ou ainda “a

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única questão são os relatórios da agência, que eu faço questão de passar, mas que são mais

restritos [...] como eu te digo, o gerente é o banco, então ele tem que estar dispondo isso, essa

informação” (GERENTE 5).

Referente à questão do controle de metas, vista como um privilégio do gerente, pode-

se associar a teoria do panóptico, pois o gerente observa o andamento da consecução dos

resultados, ao mesmo tempo em que é “observado pelo sistema”. De acordo com Foucault

(2014), a comunicação entre os indivíduos reféns do panóptico (bancários ou gerentes) se

restringe ao seu contato com o vigia (gerentes ou o sistema), pois as paredes impedem

comunicação com seus pares. Esta falta de comunicação com os companheiros é o que

garante a ordem, pois para quem controla é possível verificar uma pluralidade, enquanto para

os detentos, verifica-se apenas solidão.

4.1.3. Os meios de exercício do poder

Após o estudo da função e da diferenciação interna do gerente, a materialização do

poder merece análise sob o ponto de vista dos meios de exercício do poder. Com a evolução

da complexidade das organizações, as tarefas de controle se tornaram cada vez mais

necessárias e difíceis (FOUCAULT, 2014). No passado, “os chefes, acostumados a ter com

eles um ar de superioridade e de comando, que realmente é necessário com a multidão,

tratam-nos duramente ou com despreza; acontece daí que esses operários ou são mais caros ou

apenas passam pela manufatura” (FOUCAULT, 2014, p.172). Entende-se que a capacidade de

argumentação, o domínio das normas e procedimentos, o controle dos recursos econômicos, e

o controle dos processos burocráticos são pontos importantes dos meios de exercício do

poder, nas organizações contemporâneas.

Inicialmente, buscou-se entender como a argumentação do gerente influencia o

trabalho dos bancários da agência. Como citado na primeira parte da análise dos dados, o

gerente absorveu diversas atividades, se tornando o grande “resolvedor” de problemas da

agência. De acordo com o Gerente 2 “na maior parte dos casos que cai pro gerente são

problemas [...] quando tá tudo bem, dificilmente vai vir pro gerente, agora quando chega é um

abacaxi, que tu vai ter que resolver”. Ainda o Gerente 2 cita que no passado o gerente se

mantinha em uma sala separada, sem atendimento a clientes, e por vezes, sem conversar com

os funcionários. Esta realidade não pode ser imaginada no contexto atual dos bancos. O

sistema facilita a distribuição das atividades aos bancários, o que torna o gerente parte do

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processo. Isto fica claro na fala do gerente: “hoje em dia não, o gerente é mais um

funcionário, porque é ele que está na frente de tudo, ele passou da parte de trás, pra frente, pra

linha de frente „eu tô aqui‟ e aí tem que ter esse jogo de cintura, tem que conversar bastante,

tem que ter uma sensibilidade na hora de contatar pessoas” (GERENTE 8).

Foi citada, também a necessidade de dar informações corretas aos clientes, buscando

auxiliá-lo na escolha do melhor produto financeiro. Mais uma vez, a disseminação das

informações estimula esse comportamento: “o gerente ainda tem uma imagem bastante

prostituída [...] empurrar as coisas, empurrar produtos que o cliente não escolheu [...] e hoje a

informação está disseminada, então você tem que ser claro, sim e não (GERENTE 5)”.

Ainda em relação à argumentação, os gerentes dão destaque à importância da maneira

como conversam com os funcionários. Tendo em mente que a informação já não é um

privilégio do gerente, este profissional precisa utilizar se sua capacidade de envolvimento,

diálogo, convencimento para que os funcionários trabalhem de acordo com a estratégia da

empresa. Esta tarefa se mostra como um desafio, pois “tem que saber a hora de cobrar um

pouquinho a mais, de que jeito [...], porque é complicado, tu tem que administrar”

(GERENTE 9).

Ainda, foi citado pelos gerentes de bancos públicos ou de economia mista a

dificuldade de gerenciar uma equipe de funcionários concursados:

No banco privado, se não servir, ele troca, ele demite, pega outro, e o banco público,

a empresa pública não, ele tem que se submeter [...]como que tu vai fazer com que a

empresa ande como tem que andar se tu não tem condições de você direcionar os

recursos humanos. Você não contrata os melhores e nem demite os piores, nós não

temos alçada pra isso. É só a nível de diretoria, e é muito difícil, é só em casos

graves, problemas de roubo, processo administrativo, com provas concretas, senão

você não troca, não faz nada. (GERENTE 1).

Nestes casos, o poder de contratação e demissão também deixou de ser exercido pelo

gerente, tornando a sua rotina diária uma busca por motivar os funcionários. Diante disso, o

poder de argumentação frente aos clientes e funcionários ganhou importância, tanto no

relacionamento com o cliente como com os funcionários.

Pode-se citar, como outros meio de exercício do poder, o domínio das normas e

procedimentos pelo gerente, bem como o controle dos processos burocráticos. Como ficou

claro no item em que se abordou a disseminação das informações, os bancários possuem

informações liberadas das normas, procedimentos e formas de realizar todas as atividades.

Portanto, não se trata mais de um privilégio do gerente, mas sim um poder que não é mais

exercido por ele, e sim pelo sistema. Os gerentes citam que o sistema de gestão do

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conhecimento centraliza as informações. “As unidades criam manuais [...] unidade de crédito,

unidade de cartões, unidade de recuperação de crédito [...] cria manuais com fotos de telas pra

que facilite o nosso processo. Então, existe um setor de gestão do conhecimento, para que o

conhecimento seja acessível a todos” (GERENTE 3).

Cabe citar, neste ponto, a referência que o conceito de panóptico traz sobre as

comunicações: “se são operários, não há roubos, nem conluios, nada dessas distrações que

atrasam o trabalho, tornam-no menos perfeito ou provocam acidentes” (FOUCAULT, 2014,

p.195). Neste sentido, a comunicação do funcionário sobre as normas e procedimentos se

restringe ao sistema, não sendo afetado por intermediários. Os intermediários podem ser

entendidos como os gerentes (que poderiam filtrar as informações bem como boicotar o

acesso) ou os outros bancários (que poderiam repassar informações erradas ou boicotar o

acesso). Assim, a comunicação do detento com a torre central e a ausência de comunicação

entre os detentos (no panóptico original) pode ser entendida como a comunicação do

funcionário com o sistema, bem como a ausência de comunicação entre o funcionário e o

gerente ou o funcionário e os outros funcionários.

Conforme citado por Foucault (2014), o poder não está concentrado em uma única

pessoa, mas está nas relações. Da mesma forma, Foucault (2012) cita a microfísica do poder,

e de como os mecanismos de poder se apresentam nas mínimas partes. Sendo assim, o poder é

percebido em todas as relações na empresa, não apenas na figura do cargo, mas nas relações

diárias. Eis que o controle dos processos burocráticos e dos procedimentos escapa das mãos

do gerente, sendo absorvido integralmente pelo sistema. Partindo-se da ideia de sujeição

voluntária (FOUCAULT, 2014), tanto bancários como gerente de agência percebem os pontos

positivos desta mudança. Aos funcionários, cabe a aceitação como forma de libertação em

relação ao gerente, pois todos tem acesso às instruções normativas. Aos gerentes, cabe a

aceitação como pretexto a formação de uma equipe multifuncional e preparada para assumir

outros cargos. Ocorre, porém, que os gerentes cederam esse poder ao sistema, e em diversos

momentos se deparam com uma situação onde os funcionários têm mais informações sobre

determinado assunto do que o próprio gerente.

E, finalmente, como meio de exercício do poder pode-se citar o controle dos recursos

econômicos administrados. Em diversos momentos Foucault (2014) cita o poder econômico

do capitalista como meio de exercer o poder, pois era o detentor do capital, da estrutura, e do

modo de fazer. Portanto, um dos pontos investigados junto aos gerentes é a forma como os

recursos financeiros são administrados, no sentido de empréstimos concedidos.

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Inicialmente, os gerentes abordaram a importância de gerenciar os conhecimentos e

informações dos bancários em um banco de dados confiável: o cadastro. Todos citaram que a

elaboração de um cadastro bem feito é imprescindível para o negócio, e o primeiro passo para

estabelecimento de limites de crédito. “A função do cadastro [...] é colocar todos os dados

com comprovantes: identidade, CPF, comprovante de residência e comprovante de renda, o

contracheque oficial da empresa, a carteira de trabalho, o imposto de renda” (GERENTE 10).

Além das informações básicas, são incluídos dados referentes à vida financeira do cliente

como “situação patrimonial, bens, renda, se tu tem folha no banco ou não tem, o histórico, se

é uma pessoa que teve títulos protestados, paga em atraso, paga em dia” (GERENTE 4).

A partir das informações cadastrais inseridas no sistema de cadastro, a análise do

cadastro e cálculo do limite de crédito para cada cliente é estabelecido pelo sistema do banco.

“Não é mais o gerente do banco que estabelece quanto o cliente A, B ou C pode tomar de

crédito” (GERENTE 11). O sistema do banco estabelece o limite total para cada cliente,

conforme os gerentes:

Aí existe um programa de credit score que diz quanto o sistema libera com base na

tua pessoa e ali tu vai dividindo entre cartão de crédito, cheque especial, no crédito

parcelado (GERENTE 4).

Hoje tu tem sistemas que conseguem trabalhar com muitas variáveis. Tu pode pegar

dois clientes que tem a mesma renda [...] um mora de aluguel e tem filhos e o outro

mora com os pais e é solteiro. [...] o credit score dele vai puxar isso, essas

informações, e vai ser atribuídos valores aos filhos, em termo de gastos e vai ser

atribuídos valores como aluguel, e ele vai ter um custo maior (GERENTE 5).

O sistema faz uma escoragem pra esse cliente, baseado nisso ele define um limite

para esse cliente (GERENTE 7).

Aquela autonomia, de que você é meu amigo, meu conhecido, de dar mais ou menos

não existe mais. Então, já vem pronto do sistema. (GERENTE 12).

Os gerentes informaram que não possuem liberdade para modificar o limite

estabelecido, pois o sistema utiliza parâmetros “fechados” de cálculo. Conforme o Gerente 8

“a única coisa que a gente pode fazer é [...] direcionar pra um produto um valor maior. [...] a

autonomia está no direcionamento”. Assim, cabe ao gerente o direcionamento entre as

diferentes linhas de crédito do banco do limite calculado pelo sistema. Neste ponto, os

gerentes concordam que sua função é de dar o toque humano no cálculo realizado pelo

sistema, sendo que a “a função do gerente tá justamente em enxergar se esse limite que o

sistema definiu estatisticamente é o limite que está de acordo com o cliente, ou não

(GERENTE 13). Em diversos momentos da entrevista, os gerentes relataram que as visitas

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realizadas aos clientes servem de subsídio a esta “reconsideração” do limite calculado,

inclusive culminando com a afirmação “o gerente são os olhos do banco pra corrigir os erros

do sistema” (GERENTE 13).

Além das visitas demonstrarem a situação real do cliente, a presença do gerente na

comunidade garante uma visão social do cliente. Muito além da questão econômica, o gerente

levanta informações sobre a vida particular, que podem influenciar o pagamento de seus

compromissos:

O sistema não consegue ver o que o ser humano vê. Tu tá inserido na comunidade e

tu vê uma pessoa que tá com a renda elevada, mas e o aspecto comportamental dela?

Ela costuma beber muito, isso ou aquilo, ou ela gasta muito, de forma desmedida.

Ainda mais em cidade pequena se fica sabendo disso com certeza. Então, essas

informações tu tem que levar em consideração, porque em um momento qualquer

pode haver um comprometimento. Por mais que o sistema tenha calculado, ele não

vai ver isso. É fundamental um cadastro bem feito, mas também aquela percepção

no entrevistar. Isso se consegue uma expertise com o tempo. [...] Às vezes o cliente

trás a renda, e tu vê que é um pouco além, às vezes comparando a renda com o valor

da conta de luz, tem um valor irrisório, alguma coisa não bate porque quem tem uma

renda maior tem um consumo de energia maior. O sistema não vai ver isso.

(GERENTE 5).

Portanto, o gerente não realiza o cálculo do limite de crédito do cliente, mas o distribui

entre os produtos disponíveis. Entretanto, ao observar situações onde o limite tenha sido

superestimado, ou apresente fatos que desabonem o cliente, o gerente pode diminuir o limite

estabelecido. Porém, o gerente não possui o poder de elevar o limite calculado pelo sistema,

conforme citado pelo Gerente 13 “a gente nota com frequência: „tu é o gerente, dá um

canetaço‟ [...] isso no banco não existe mais porque tudo é o sistema que diz” e pelo Gerente 6

“eu nunca vou poder extrapolar parâmetros que o sistema me der [...] se o sistema não der,

não aprovar o crédito, eu não tenho autonomia para fazer isso, eu não tenho caneta”.

Quando questionados sobre a possibilidade de estabelecer limites de crédito superiores

aos calculados pelo sistema, os gerentes informaram que é possível, entretanto, a decisão não

é mais do gerente, mas de um comitê formado em uma instância superior. “Existe

flexibilização, mediante uma ponderação que justifique uma majoração de limite”

(GERENTE 4), pois “o gerente pode encaminhar pareceres [...] esses comitês fazem uma

análise muito crítica” (GERENTE 7).

Fica claro, neste sentido, que o gerente age como um suporte (ou agente corretivo) ao

cálculo realizado pelo sistema. A definição dos recursos econômicos é baseada na análise

realizada pelo sistema, e eventuais elevações são autorizadas por um comitê de crédito

superior ao gerente. Chama atenção a sujeição (FOUCAULT, 2014) que os gerentes

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apresentam em relação a esta estrutura, pois em diversos momentos das entrevistas foi

mencionado o lado positivo de retirar das funções do gerente esta “responsabilidade”: “Me dá

uma insegurança por eu não poder garantir pro meu cliente que eu tenho como atender ele [...]

porque eu vou depender de uma segunda análise [...] porém me dá uma segurança que se eu

atender ele, eu não errei sozinho. Eu errei mas com base em [...] um segundo olhar”

(GERENTE 13).

Retomando o conceito de panóptico, Foucault (2014) cita que o controle exercido por

meio do panóptico é o oposto do princípio da masmorra. Antes, o prisioneiro era trancado em

local escuro e de difícil visualização, mas no panóptico, os detentos foram trazidos à luz.

Neste princípio, tudo deve ser passível de visualização, ou como cita Segnini (1996, p. 106),

“nada permaneça às escuras, porque tudo é controlado por meio do olhar”.

Diante da teoria do panóptico, e dos relatos efetuados pelos gerentes, pode-se iniciar a

ligação entre a vigilância e a ascensão dos mecanismos eletrônicos de controle. O panóptico

digital, simbolizado nas agências bancárias pelo sistema, vem tomando espaço do gerente e

exercendo o poder que antes era do gerente da agência. Os meios de exercício do poder,

demonstrados pelo controle dos processos burocráticos e das normas e procedimentos, além

do controle dos recursos econômicos foram absorvidos pelo sistema. Neste contexto o gerente

não mais exerce o poder sobre sua equipe através destes meios. Resta ao gerente, ainda, a

capacidade de argumentação como um dos meios que o sistema não absorveu. Nesta nova

estrutura cabe ao gerente a argumentação junto à equipe, buscando o processo de sujeição dos

bancários ao estabelecido pelo sistema.

Neste ponto, encerra-se a discussão sobre a materialização do poder. Até aqui, pode-se

citar como achado desta pesquisa a busca de amparo na equipe por parte do gerente, já que

este não concebe mais o trabalho. Outro ponto importante é a sujeição do gerente ao sistema

de metas, o que transforma o gerente em um executor de tarefas e em um vendedor, de acordo

com o estabelecido pelo sistema. É possível destacar ainda, que o gerente não detém a

informação, pois os bancos liberaram o acesso às normas e procedimentos a todos os

funcionários, o que afetou o poder exercido pelo gerente, pois informação é poder.

4.2. OS DISPOSITIVOS DO PODER

Bentham (2008) e Foucault (2014) escrevem sobre o panóptico e como este

instrumento de materialização do poder traz “à luz” os prisioneiros. Neste estudo, observa-se

a função do gerente de agência bancária sob a óptica da teoria do panóptico. Para tanto, cita-

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se como dispositivos do poder a organização dos indivíduos no espaço, o controle sobre o

tempo, a vigilância e o registro contínuo do conhecimento.

4.2.1. A organização dos indivíduos no espaço

O espaço físico ganha destaque na obra de Foucault (2012; 2014), pois permite trazer

“à luz” os indivíduos, além de possibilitar o controle de forma mais efetiva e barata. Em

diversos pontos, Foucault (2014) cita a cerca, como maneira de controlar os indivíduos; o

quadriculamento como forma de ordenar; e as localizações funcionais como garantia de que

cada posto está pronto para receber um indivíduo. O próprio panóptico se trata de uma

estrutura física que serve como inspiração para uma teoria de demonstração do poder. O

projeto se baseia em três elementos arquitetônicos: o espaço fechado, a divisão em celas, e a

torre central (BENTHAM, 2008).

Especificamente no setor bancário, a arquitetura e a disposição dos funcionários e das

mesas tem significativa importância. Conforme demonstra Segnini (1996), ao eliminar as

paredes divisórias, o banco trouxe os trabalhadores “às claras”, pois todos podem ser

observados. Mais do que isso, pode-se determinar onde estão, o que estão fazendo, bem como

avaliar a qualidade e a quantidade do serviço realizado. Ainda, este controle se estende a

todos os setores, pois “a própria diretoria [...] trabalha conjuntamente em torno de uma única

mesa” (SEGNINI, 1996, p. 107). Para esta pesquisa, investigou-se a disposição das mesas dos

funcionários (organização física) e a organização em setores (organização do trabalho).

Quando questionados sobre a disposição das mesas de trabalho no espaço da agência,

os gerentes, na maioria, demonstraram dúvida, ou desconhecimento:

Eu não saberia te dizer se tem algum critério, isso é feito pela engenharia do banco,

até por questões de segurança, eu acredito, é layout de agência [...], e isso já vem

pronto pra nós. A gente pode alterar depois, se quiser, por exemplo trocar a minha

mesa de lugar, eu poderia, mas no geral a estrutura vem definida pela engenharia, até

porque eles definem também aonde vão instalar as câmeras de vigilância e coisas do

tipo (GERENTE 3).

Fica claro que a organização das mesas não segue um padrão definido pelo gerente,

mas sim pelo setor de engenharia. De forma institucional, é pensado um padrão visual e uma

estratégia de disposição das mesas. Como observador, em todas as agências as mesas estavam

dispostas lado a lado, criando uma espécie de barreira que separa o espaço do público com o

espaço dos funcionários. As mesas estão agrupadas por setor, e os clientes são encaminhados

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pelo sistema “dispensador” de senhas à mesa correta. Conforme cita o Gerente 12 “tentou-se

deixar próxima as de perfil parecido [...] por exemplo pessoa jurídica, uma do lado da outra,

porque tem que ter uma sinergia, um contato entre as carteiras, até pra trocar experiência,

auxiliar uma na outra”.

Há, de certa forma, uma hierarquia na posição das mesas, onde as que estão

localizadas na entrada da agência são responsáveis pelo primeiro atendimento (básico). Na

sequência estão as mesas dos gerentes de carteira, e depois do gerente da agência. Esta

disposição busca reforçar o status do gerente como último recurso na resolução de problemas,

pois existem “níveis” hierárquicos que o cliente precisa passar para ter acesso ao gerente da

agência. Nas palavras do gerente “eu acredito que tenha que ter um fluxo dentro do banco, tu

vai passar pelo atendente” (GERENTE 4).

Da mesma forma, observou-se que a mesa do gerente de agência é localizada de modo

que possa ter o controle visual da maior quantidade possível de funcionários, geralmente no

canto do espaço da agência. Ilustra o comentário do Gerente 5 “eu fico com a visão geral da

agência, e consigo ver todo o contexto”, e a Figura 6, na qual exemplifica-se a localização da

mesa do gerente em duas agências.

Figura 6 - Localização da mesa do gerente Fonte: Observação da pesquisa (2015).

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Entretanto, mesmo com esta aparente separação do gerente (por localizar-se ao fundo e

por ter visão de toda a agência), a mesa do gerente não fica mais localizada em uma sala

fechada, mas sim junto com os outros bancários. “Hoje em dia não, o gerente é mais um

funcionário, porque é ele que está na frente de tudo, ele passou da parte de trás, pra frente

[...]” (GERENTE 8). Neste ponto, a lógica do panóptico também faz sentido, porque segundo

Foucault (2014) é possível vigiar os próprios vigilantes, e estando os gerentes no mesmo

patamar dos bancários, pode haver uma vigilância ascendente, ou seja, os próprios bancários

controlam as atividades realizadas pelo gerente. Sendo assim, a torre do panóptico não pode

ser representada pelo gerente, pois uma das premissas da teoria do panóptico, defendida por

Bentham (2008) e Foucault (2014) é que o poder deve ser visível, mas inverificável. Isto

reforça a ideia central deste estudo que traz o sistema de informação como a representação da

torre do panóptico. Neste sentido, a Figura 7 ilustra a fachada de uma agência que,

envidraçada, simboliza a constante visibilidade que o gerente e os bancários estão expostos.

Figura 7 - Fachada de vidro da agência

Fonte: Pesquisador (2015).

Foi possível entender, também, a separação dos indivíduos em setores. Mesmo

observando que todas as agências estão dispostas como grandes espaços abertos, os

funcionários estão divididos em setores. Assim, a cerca, citada por Foucault (2014), não é

uma separação física, mas sim uma separação intangível. Os gerentes mencionaram que os

setores são definidos conforme o perfil do cliente, sendo que “a gente tem um setor de pessoa

física, pessoa jurídica, um setor de caixas [...] como não dá misturar tudo isso, deixar tudo

junto, porque muitos vão só ao caixa, outros só na pessoa física, outros só na jurídica”

(GERENTE 14). Cabe destacar uma fala, em que fica evidente a necessidade de utilização de

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todo o tempo do funcionário (FOUCAULT, 2014): “Às vezes a gente vai ter pessoas com

duplicidade de funções [...] vou ter um caixa que quando tem pouco movimento atende na

área comercial, quando tem mais movimento ele vai ter que ir pro caixa, tesouraria

(GERENTE 13)”.

4.2.2. O controle sobre o tempo

O controle sobre o tempo é um tema amplamente estudado em diferentes contextos.

Thompson (1998) aborda o controle do tempo na era pré-industrial, utilizando registros

históricos para demonstrar a incessante necessidade de medir e utilizar o tempo. Nas

manufaturas surgidas na Revolução Industrial o controle do tempo ganha destaque,

especialmente com a figura do gerente, que é o detentor do “relógio-ponto”, e dita o ritmo de

trabalho dos funcionários. Posteriormente, com a Teoria Clássica da Administração, os

estudos dos tempos e movimentos foram a base para o olhar mecanicista da organização. Em

todos estes momentos históricos, houve a concepção de que todo o tempo deve ser

consumido, negociado, utilizado. Para Foucault (2014, p. 140) “a fábrica parece claramente

um convento, uma fortaleza, uma cidade fechada; o guardião só abrirá as portas [da fábrica] à

entrada dos operários, e [...] quinze minutos depois, ninguém mais terá o direito de entrar

[...]”. Neste sentido, para Foucault (2014), a disciplina busca uma utilização crescente do

tempo, extraindo instantes disponíveis, até a exaustão, como se o tempo fosse inesgotável.

No contexto deste estudo, buscou-se entender como se estabelece a distribuição das

atividades entre os bancários, na agência. Neste item, a hierarquia foi citada como responsável

pela distribuição das atividades. Cada agência possui gerentes de contas, que gerenciam

carteiras de clientes, que recebem autonomia para gerenciar as atividades dos funcionários sob

sua observação. Ao gerente geral cabe direcionar o funcionário a determinado setor, conforme

suas aptidões, “porque eu não vou conseguir atingir todas as metas sozinho [...] eu tenho que

pegar um funcionário, identificar o perfil dele e colocar em uma função, para atingir

determinadas metas, outro funcionário eu coloco na outra” (GERENTE 3). Depois de

direcionados aos setores, cabe ao gerente de contas observar as atividades realizadas pelo

funcionário, conforme informa o Gerente 12: “tu vai distribuir isso por carteira, e cada gerente

de carteira vai redistribuir, vai assumir uma parte, vai distribuir outra pros seus funcionários

[...], e fazer o acompanhamento se ele está ou não executando as atividades”.

Neste sentido, foi questionado, também, como o gerente da agência controla as

atividades quando ele não está presente na agência. Neste ponto, o sistema foi novamente

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mencionado, por diversos gerentes, pois ele compila as informações e disponibiliza aos

interessados.

Se o gerente da agência não estiver, quando ele voltar vai ter os números de tudo o

que aconteceu? (PESQUISADOR)

Resultados sim. Atividade é um pouco mais particular, vai depender do dia a dia,

então, da quantidade de serviço [...] então cada carteira administra o seu, né [...]

porque são processos, coisas operacionais, que durante o dia tu consegue ou não

fazer, mas daí esse acompanhamento da parte operacional depende de carteira fazer

a sua (GERENTE 2).

Portanto, mesmo na ausência do gerente de agência, os funcionários continuam

vigiados. Porém, esta vigilância é exercida pelo sistema de informações (em relação a

resultados) e pelo gerente de carteira (em relação ao tempo e às atividades).

Entendida a distribuição das atividades, buscou-se compreender como é realizado o

controle do tempo das atividades desenvolvidas pelos bancários. Neste ponto, cabe destacar a

autonomia do gerente em estabelecer os horários dos funcionários, a preocupação com a

legislação trabalhista, o controle realizado pelo sistema, e o atendimento do que a instituição

estabelece aos gerentes de agência. Em diversos pontos, fica claro como a autonomia do

gerente é limitada, tanto pela legislação como pelas normas da instituição.

Os gerentes destacaram que cabe a eles o estabelecimento do horário de entrada e

saída do funcionário: “a gente define, por exemplo, se um funcionário chega as nove, um às

oito e meia, o outro as nove e trinta [...] somos nós que definimos o horário que ele chega e

que ele sai [...] nós definimos se ele faz hora extra ou não, e o tamanho de intervalo deles

(GERENTE 3). Entretanto, essa autonomia é limitada à legislação trabalhista, conforme

citado por diversos gerentes. Assim, a legislação funciona, também, como um “controlador”

das atividades do gerente, delimitando o campo de atuação e decisão quanto ao horário de

trabalho dos funcionários.

O ponto mais evidente, e mais citado pelos gerentes, é a inserção da tecnologia no

controle do horário dos funcionários. Cada banco possui seus próprios meios eletrônicos, seja

controle por senha, por cartão de acesso, ou os dois conjugados, porém, em todos os bancos o

controle de horário é realizado pelo sistema, por meio tecnológico:

Agora é tudo automatizado. O funcionário só trabalha com cartão digital, identidade

digital, com senha e tudo e no tempo pré-determinado pra ele. Existe tolerância de

cinco a dez minutos pra mais ou pra menos e ele não consegue trabalhar antes

porque o computador não liga antes, e nem ficar mais. O sistema diz quando está se

aproximando o fim da jornada e diz quando é o início, e ele não consegue trabalhar

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antes e nem ficar mais, senão no outro dia vai dar uma ocorrência [...] Ele digita o

ponto eletrônico e quando ele sai também, e se ele não digitar a saída do ponto o

sistema desliga automático e ele não consegue trabalhar. Mesmo que ele troque de

computador, o sistema pega pela matrícula dele e ele não consegue trabalhar de

graça. Está tudo vinculado ao teu cartão, a tua senha [...] A empresa sabe dia, hora,

minuto, segundo e o que você acessou, inclusive o que você fez na máquina, sabe

tudo [...] tal hora o que você acessou, se tu imprimiu um relatório, qual é a

impressora que tu mandou imprimir, eles controlam tudo (GERENTE 1).

O controle de entrada e saída, a gente tem o ponto eletrônico [...] O sistema só libera

pra ele acessar no momento que registrar o ponto. É tudo controlado: algumas

funções de seis horas, outras funções de oito horas, as horas extras (GERENTE 6).

O controle sobre as atividades sempre foi realizado pelo gerente, representante do

capitalista. Na Revolução Industrial o controle era feito por meio do controle físico, onde o

portão era chaveado e ninguém mais entrava ou saía. A dinâmica da cerca, citada por Foucault

(2014) como um local fechado em si mesmo, ganha um novo papel no panóptico, onde não há

locais escondidos ou escuros, e sim visibilidade. Porém, no panóptico, a “cerca” física ainda é

o grande instrumento para o exercício do poder, pois através das paredes das celas é possível

realizar o controle dos detentos. Ocorre, entretanto, que no panóptico digital as paredes são

quebradas e o controle não é mais físico. Os funcionários não estão mais reclusos em espaços

fechados por paredes, mas sim fechados em um espaço de tempo, vigiados e controlados pelo

sistema, que controla as entradas, as saídas e as atividades desempenhadas pelo bancário (no

caso deste estudo).

Em que posição fica o gerente de agência, neste contexto? O gerente necessita

conciliar a realização das atividades, pelos funcionários, e o estabelecido como meta pelo

banco. Os gerentes citam que o banco estabelece metas relacionadas à hora extra e

prorrogação de horários, então eles necessitam administrar o orçamento estabelecido pelo

banco. O Gerente 6 afirma que “para hora extra a gente tem que autorizar antes no sistema,

tem que ter a dotação orçamentária [...] a gente já sabe o valor que tem para o mês, e,

administrativamente, adequa como vamos gastar esse dinheiro, qual o segmento e quais dias”.

Também se pode citar o Gerente 1 “em caso de dias atípicos, que há prorrogação é autorizado

pelo superior. No caso de prorrogação de jornada de trabalho vai ter um supervisor que vai

fazer essa autorização. Se não, é o horário normal dele, de entrada e saída, tudo

automatizado”. Então, observando a necessidade, e possuindo orçamento, o gerente insere a

autorização de prorrogação de horário, ou de horas extras no sistema, e o sistema controla o

curso destas horas adicionais. Novamente, mesmo com a interferência do gerente, o controle

do horário é realizado pelo elemento tecnológico.

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4.2.3. A vigilância

Após entendida a distribuição dos indivíduos no espaço e o controle do tempo, a

vigilância se destaca como um dos dispositivos do poder. Assim, nas entrevistas, se buscou

entender como é a vigilância sobre os bancários, e como se estabelece a vigilância por parte

da superintendência sobre os gerentes. Bentham (2008) e Foucault (2014) citam que um dos

pontos essenciais do panóptico é a permanente sensação de vigilância. De fato, a vigilância

ganha importância nos estudos de Foucault, pois se destaca como dispositivo do poder, e

fundamental para a sujeição do indivíduo e exercício pleno do poder.

É importante analisar, inicialmente, o discurso dos gerentes quanto à vigilância. Os

gerentes demonstraram que exercem controle e vigilância sobre os funcionários, como “a

gente exerce um controle, e se não tiver um cuidado muito grande a gente acaba sendo

controlador demais [...]” (GERENTE 7). Em diversos momentos os gerentes demonstraram

que precisam vigiar os funcionários, tanto para os funcionários não se distraiam, como para o

atingimento de metas:

E esse controle [de entrada e saída] a gente faz direto no sistema [...] mas a gente

costuma controlar isso, porque às vezes eles batem o ponto e não começam a

trabalhar, né, bate o ponto e quando tu vê tá lá nos fundos ou tomando um cafezinho,

bate o ponto e vai numa loja do outro lado da rua, então essas coisas acontecem [...]

não é comum, mas às vezes acontecem. Então tem o registro do tempo, mas também

da utilização do tempo, porque em uma jornada de seis horas, se você perder quinze

minutos é cinco por cento, mais até (GERENTE 3).

A gente observa também as metas, e quando olhamos que uma pendência está um

pouquinho elevada, nós vamos direcionar um pessoal para trabalhar pendência

(GERENTE 4).

Porém, observando um contexto mais amplo, a vigilância não é exercida pelo gerente,

mas sim pelo sistema. Os gerentes são unânimes em citar que a maior parte dos controles e da

vigilância é realizado pelo sistema, que “observa” ininterruptamente todos os funcionários.

[...] na verdade hoje em dia é tudo eletrônico, assinatura digital, o que você faz não

precisa rubricar que você fez, no papel, porque fica registrado quem fez, a hora que

eu cheguei e a hora que eu sai, a hora que eu acessei sistema [...] se eu estou

acessando aqui, eu não estou lá fora. Se eu estava lá como que eu estava aqui ao

mesmo tempo, então alguém trabalhou com a minha senha [...] O banco que fica

como vigilante. [...] hoje o caixa, a autenticação que ele fez fica registrado, então

sabe quem trabalhou naquele dia, o IP da máquina, quem fez o depósito [...] mas

pela própria automação bancária, as centrais identificam pelo perfil do cadastro

(GERENTE 1).

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Portanto, a posição de vigilância do gerente se refere ao “abastecimento” de

informações ao sistema, e o controle físico de que o informado ao sistema realmente acontece.

Assim, o controle visual é importante, mas a maior vigilância ocorre por meio do sistema, que

converte o trabalho dos bancários e do próprio gerente em números: “mas o maior

acompanhamento é lá na rubrica, se cresceu ou se não cresceu [...] o número acaba traduzindo

a realidade, né” (GERENTE 4).

Assim, os bancos desenvolveram um sistema de controle de metas complexo e

avançado. De acordo com a observação realizada em dois bancos diferentes, pode-se verificar

a complexidade do sistema, e por outro lado, a tentativa de simplificação da demonstração dos

dados, visando facilitar o entendimento por todos. Um dos bancos apresenta uma grande

planilha online, com indicadores “realizado anterior”, “realizado”, “orçado”, “% orçado” e ao

compilar todas as informações o sistema atribui à agência uma classificação. As agências com

maior atingimento de metas aparecem com uma medalha de ouro, e a nomenclatura “ouro”;

um degrau abaixo se tem as agências “prata”; abaixo “bronze”; e, finalmente as agências sem

classificação, onde as metas apresentam pequeno percentual de atingimento. No segundo

banco observado, o sistema é muito parecido, entretanto, a classificação das agências é

visualizada através de um “semáforo” eletrônico, onde o sinal “verde” simboliza o topo;

“amarelo” as agências do segundo grupo de atingimento; “vermelho” as agências com pior

classificação (Figura 8). Destaca-se que a classificação das agências é uma informação livre

dentro do banco, expondo à agência (principalmente o gerente) a avaliação de seus pares.

Figura 8 - O semáforo do controle de metas da agência do Banco X Fonte: Elaborado pelo autor a partir da observação (2015).

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Sobre isso, o Gerente 8 cita que “cada carteira tem o seu [sistema de controle de

metas], cada um tem o seu acompanhamento, e cada gerente vai cuidar da sua carteira, mas o

administrador da agência cuida de todas as equipes”. Nesta linha, o Gerente 2 afirma que não

é necessário fazer controles manuais, ou extras, porque “pelo olhar do banco a gente tem tudo

no sistema, é simplesmente nós acompanhar por aí. E, obviamente acompanhar todas as

carteiras, acompanhar [...] porque o resultado das carteiras é o resultado do gerente”

Os gerentes foram questionados, ainda, sobre como a vigilância é exercida quando o

gerente geral não está na agência. Os gerentes informaram que os resultados do trabalho dos

funcionários são compilados pelo sistema de tal forma que não é necessária a presença física

do gerente. “Não precisa ter, hum, [...] estar constantemente o gerente na agência para poder

ela [a agência] andar, né. Então ele tem que distribuir as tarefas, tem que acompanhar os

resultados, né, mas não é necessária a presença dele” (GERENTE 8). Ainda, o Gerente 10 cita

que “se eu estiver em um treinamento ou tiro férias, eu volto e o sistema me dá tudo pronto,

inclusive a parte de gestão do conhecimento, diz tudo o que mudou nas normas”.

Neste sentido, remete-se ao conceito de panóptico, onde a certeza de poder ser vigiado

é garantida pela torre central (sistema), mesmo que não haja um vigilante (gerente de agência)

na torre. Foucault (2014) cita como essencial que o poder seja visível e inverificável,

corroborando a afirmação de que mesmo sem a presença na agência do gerente, a vigilância é

realizada. Com essa visão, a própria presença do gerente, ou então a necessidade de um

gerente para cada agência fica em xeque. Podendo um mesmo vigia vigiar diversos grupos,

não há necessidade de um número tão grande de vigilantes. Castells (2009, p. 312) concorda,

citando que “em um estágio mais avançado desse processo de reintegração de tarefas, também

desaparece a supervisão de gerentes de nível médio, e os controles e procedimentos de

segurança são padronizados no computador”.

A partir desta visão de vigilância eletrônica, se chega ao elemento central deste estudo:

a inserção do gerente como parte desta “engrenagem” do poder, e não mais como

“controlador” dos mecanismo do poder. O poder de observar, de serem os “olhos do banco”

se torna insignificante se comparado com o aparato de controle que o sistema informatizado

possui. Então, analisado até aqui, o gerente não estabelece os objetivos da agência, não

estipula a quantidade de funcionários, não estabelece normas e procedimentos, e, não domina

a vigilância sobre os funcionários. Para reforçar esse cenário, ainda há a questão hierárquica

do relacionamento do gerente com o superintendente. O Gerente 5 cita “[...] consolido essas

informações, e repasso, até determinado horário, à minha gerência regional, que consolida as

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agências e repassa à diretoria [...]”, e o Gerente 12, ao comentar sobre a vigilância sobre o

atingimento de metas questiona “que é o que vai responder para o superintendente?”.

Quanto à Superintendência, os gerentes informaram que existe uma hierarquia, na qual

o gerente de agência “olha” para os gerentes de contas; por outro lado, o superintendente

“olha” para os gerentes de agência:

As metas eles acompanham diariamente [...] só pra você ter uma ideia eu tenho tele

reuniões, que é por telefone, que a gente entra numa central e o superintendente nos

passa orientações semanalmente, e uma vez por mês eu tenho reuniões presenciais

na superintendência, reuniões do tipo um dia inteiro. Eles acompanham todos os

nossos números, qualquer número que comece a cair, por exemplo, um desempenho

que é médio, começa a reduzir essa média, volume de negócios, por exemplo, eles já

nos questionam. Então, existe uma equipe na superintendência que está lá para

munir o superintendente de informações, pra que ele venha, através disso, nos cobrar

e acompanhar o nosso trabalho (GERENTE 3).

Ele [o superintendente] tem uma rede de agências [...] ele tem que acompanhar de

todas [as agências] [...] cada um vai acompanhando o seu, vai acompanhar o gerente

das suas agências e ele vai ter que responder perante o superintendente estadual

(GERENTE 9).

Temos reuniões periódicas, teleconferências, onde além das instruções normativas

que vem diariamente direto pra nós da diretoria, também nós temos assim encontros

para direcionamento. Então a diretoria elabora as metas, os projetos da empresa,

repassa ao superintendente, ele passa pra nós e nós repassamos para os demais

colegas. Tem hierarquia nisso também (GERENTE 11).

Ainda, o Gerente 3 informa que ocorre um controle sobre o tempo de trabalho do

gerente: “se eu quiser ir visitar um cliente eu posso pegar e ir visitar o cliente. Por outro lado

eu corro risco de ser interpelado: „Onde você está que não está na agência?‟”. Mesmo não

sendo costumeiro, o gerente relatou que “ele não é um controle constante, mas é um controle

que acontece”.

Diante disso, remete-se ao projeto do panóptico, que segundo Bentham (2008), possui

a vantagem de possibilitar a vigilância sobre os próprios guardas. Foucault (2014) também

cita essa grande vantagem, informando que o diretor pode observar os empregados a seu

serviço, inclusive seus gerentes: “enfermeiros, médicos, contramestres, professores, guardas;

poderá julgá-los continuamente, modificar seu comportamento, impor-lhes métodos que

consideram melhores; e ele mesmo, por sua vez, poderá ser facilmente observado”

(FOUCAULT, 2014, p. 198). Neste mesmo sentido, Segnini (1996), ao analisar a questão do

poder afirma que “o poder na vigilância hierarquizada funciona como uma máquina na qual a

chefia é apenas uma das peças de engrenagem” (SEGNINI, 1996, p. 106). Assim, a vigilância

não permite que nada permaneça às escuras, porque tudo é controlado por meio do olhar.

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4.2.4. O registro contínuo do conhecimento

Finalmente, entre os dispositivos do poder, pode-se citar o registro contínuo do

conhecimento. Esta necessidade de extrair o conhecimento da mente dos funcionários é um

dos grandes desafios que os administradores enfrentam. A gestão do conhecimento se torna

papel fundamental, especialmente em empresas que operam com bens intangíveis, como os

bancos. No setor bancário, os conhecimentos são registrados de duas maneiras distintas, mas

sempre por intermédio do sistema computadorizado.

Em primeiro lugar, o “como fazer” já foi perfeitamente sistematizado por meio das

normas e procedimentos, conforme discutido no item que versa sobre a diferenciação interna

dos bancários (item 4.1.2 deste estudo). Nas palavras dos gerentes “nós temos uma estrutura

de normas e procedimentos muito burocrática, ela não te dá muita possibilidade de mudança

ou de adequação [...] existe uma norma, um check-list, um passo a passo, e a gente tem que se

guiar por ali” (GERENTE 12); “o funcionamento está claro para todos os funcionários, igual,

e em todas as agências [...] é um padrão” (GERENTE 11); “acesso a todo mundo [...] o banco

hoje prioriza a informação, que se tenha informação, tem todas as normas do banco,

administrativas, instruções comerciais, o que tu quiser tem ali” (GERENTE 4).

Em segundo lugar, o conhecimento dos bancários sobre os clientes e sobre o mercado

possui um sistema de registro complexo. O sistema possui um campo onde o bancário registra

suas informações sobre o cliente, como produto ofertado, compra realizada ou não, e porque;

enfim, todas as informações coletadas e que podem ser úteis para uma utilização futura (pelo

mesmo bancário ou por outro qualquer): “nós temos um gerenciador que o cara registra as

atividades que está fazendo” (GERENTE 4).

Um dos bancos permitiu ao pesquisador acesso a este sistema de registro dos

conhecimentos. O sistema apresenta os dados do cliente que está sendo atendido e diversos

campos nos quais o bancário pode incluir informações sobre o produto ofertado e sobre o

andamento da negociação. Informações pessoais do cliente também são incluídas neste ponto,

pois podem subsidiar futuros atendimentos. Desta forma quando o cliente for abordado por

telefone, ou presencialmente na agência, não apenas os dados básicos de cadastro, mas as

informações mais detalhadas são expostas ao atendente.

Assim, a discussão sobre os dispositivos do poder possibilita enumerar achados

pertinentes ao trabalho do gerente de agência bancária. Fica evidente que há uma vigilância

constante por parte do sistema sobre o gerente, fomentada pelo controle do superintendente, e

que age da maneira como previsto no panóptico: vigiando os vigias. Neste contexto, o gerente

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passa a ser visto, tanto pelos funcionários, como pelos outros gerentes, transformando o

ambiente de trabalho do gerente em uma “casa de vidro”, onde o gerente está totalmente

exposto. Também foi possível compreender que o sistema colabora tanto na separação

hierárquica (entre setores e entre funções), como no controle do tempo dos funcionários

(controle de entradas e saídas, e determinação do trabalho a ser executado). Conclui-se que o

tema central desta discussão sobre os dispositivos do poder envolve o sistema, que impacta de

forma significativa na autonomia e no poder do gerente de agência bancária.

4.3. OS DISPOSITIVOS DISCIPLINARES

Na discussão abordando o poder disciplinar, é inevitável citar o adestramento dos

corpos, teorizado por Foucault (2014), e ampliado para o “adestramento das inteligências”,

que direciona o pensar e interfere nas ações dos indivíduos. É considerado dócil um corpo que

pode ser “submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”

(FOUCAULT, 2014, p. 135).

Para tanto, o poder disciplinar implica uma coerção ininterrupta, constante, durante o

máximo de tempo, por todos os espaços e todos os movimentos. Para Foucault (2014), o

poder disciplinar se utiliza de três instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção

normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame. Com base

nos textos de Foucault (2014), o roteiro de entrevista utilizou esta subdivisão, que se

apresenta analisada nesta etapa do estudo.

4.3.1. O olhar hierárquico

O olhar hierárquico se refere à capacidade do poder disciplinar de tudo ver

permanentemente. Para isso, o panóptico (FOUCAULT, 2014) se mostra como um grande

instrumento, pois possibilita que o prisioneiro seja vigiado ininterruptamente, ou ao menos

tenha a impressão de sê-lo. Mas, além da ideia inicial do panóptico, a inserção da tecnologia

neste instrumento (o panóptico digital) potencializou o alcance e tornou a vigilância ainda

mais presente. Neste estudo, nos bancos, buscou-se entender a hierarquia da agência, e como

a tecnologia (representada pelo sistema) influencia a hierarquia.

Para o primeiro entendimento sobre o funcionamento da hierarquia, foi questionado

como ela age na rotina de trabalho. Os gerentes informaram que possuem um grupo de

gerentes de contas que os auxiliam no dia a dia da agência: “nós temos aqui na agência alguns

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gerentes com apoios vinculados a ele [...] depois se pensa no todo, que chega na minha

gestão” (GERENTE 12). Em diversos momentos, os gerentes citaram a importância destes

gerentes de contas para o sucesso da agência, como o Gerente 1 afirma “tem metas individual,

que é um percentual, vamos dizer 50% é individual, 25% é o segmento, pessoa física ou

jurídica, e 25% é a agência [...] então, se a pessoa não colaborar em todos os setores [...] por

mais sucesso que ela tenha, ela não atinge se os outros não atingirem também”.

Foi citado, também, o auxílio que estes níveis hierárquicos têm na gestão das pessoas

na agência.

Cada gerente de carteira ou de setor cuida de seus funcionários [...] acompanha o

horário de entrada e saída, hum, as atividades, a questão de folgas também [...]

primeiro é definido a nível de setor pra depois a gente definir a nível de agência, né

[...] o gerente tem que saber de tudo, ao menos estar acompanhando (GERENTE 9).

Nós temos aqui na agência alguns gerentes com apoios vinculados a ele e ele faz a

administração de pessoas também, ponto eletrônico, horas, atividades (GERENTE

12).

Outro ponto destacado é a baixa autonomia do gerente quanto ao estabelecimento de

níveis hierárquicos e contratação e demissão de funcionários. Nos bancos privados, não há

concurso público, nem estabilidade, entretanto, o tema demissão não foi citado. Já nos

gerentes de bancos públicos, foi citada a impossibilidade de demissão de funcionários, como

na fala do Gerente 2 “o poder de demissão é bem restrito, tu vai demitir se a pessoa fizer

alguma bobagem, então tu tem que tentar convencer cada vez mais as pessoas a fazer o que

precisa”; do Gerente 6 “estão todos com concurso público, então não temos, hum, demissão

[...] a gente não demite ninguém que não seja por justa causa”; do Gerente 3 “em alguns casos

o gerente pode encaminhar até mesmo a demissão do funcionário [...] porque mesmo sendo

concursado, se não condiz com o regulamento interno, existe a previsão [...] isso é

normatizado, o que o gerente pode fazer e como ele deve fazer”. É importante salientar, na

fala do Gerente 3, que até a possibilidade de demissão está normatizada, então, mesmo o

poder de iniciar um processo de demissão está sob controle do banco. A normatização fica

clara na citação:

Os dias de pico [...] tinha filas nas ruas [...] se fosse tudo dentro do banco, o banco

não ia dar conta [...] daí o pessoal fala “coloca mais”, mas essa quantidade de

funcionário é medida pelo patrão, pela diretoria [...] nós não temos autonomia pra

colocar um caixa a mais, um atendente a mais, nós temos um número reduzido

(GERENTE 13).

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Na sequência, se abordou a inserção do sistema na vigilância hierárquica, ou seja, no

olhar hierárquico. Em todos os discursos, citaram-se as metas e o controle delas, inclusive

afirmando que a avaliação do funcionário depende do atingimento das metas. O Gerente 1

afirma que “essas metas vão desde a economia de uma folha de papel, água, luz, telefone,

tudo. [...] cada semestre a meta pode aumentar ou diminuir, depende da receita e da despesa,

tudo é medido, tudo é controlado”.

Então, a entrevista com os gerentes abordou o controle que o sistema exerce sobre o

trabalho. Neste ponto os gerentes de agência foram unânimes quanto à onipresença do sistema

em todas as atividades da agência, tanto relacionadas a despesas, metas, materiais, acessos, e,

inclusive, a gestão de pessoas.

Tudo integrado [...] tem um só sistema, sistema integrado de despesa [...] é

controlado diariamente, mensalmente, e a meta fecha sempre no semestre. [...] o

banco controla muito isso, controla até a quantidade de impressões [...] certos

relatórios não há mais necessidade de serem impressos, pois fica armazenado por

tempo suficiente pra uma pesquisa. Então sempre é pra ser mais produtivo, e

consequentemente mais receita, mais resultado [...] o controle de metas é tudo

automatizado pelo sistema. Pra saber quem fez vai a matrícula do funcionário [...]

então o sistema de avaliação busca isso, o resultado individual, do setor e mais o

resultado da agência, [...] a formação individual da pessoa [...] e mais a carteira que

ele pontua, e dentro da carteira se ele é gerente de conta ou só atendente, conforme o

nível que ele está tem uma avaliação, um peso. Então o caixa tem um peso com o

que ele desenvolve no caixa, autenticações [...] ele [o sistema] conta quanto mais ele

autenticar. Já o operador de negócios pessoa física é pelo volume de negócios que

ele realiza [...] a empresa sabe dia, hora, minuto, segundo e o que você acessou,

inclusive o que você fez na máquina, sabe tudo, a tal hora o que você acessou, se tu

imprimiu um relatório, qual é a impressora que tu mandou imprimir, eles controlam

tudo (GERENTE 1).

Hoje em dia se não tivesse a parte informatizada, do sistema do banco, seria quase

que impossível tu fazer tudo o que nos é pedido, né. Obviamente quanto mais

ferramenta tu tem, mais cobrado tu é [...] e aí, ele [o banco] te dá a ferramenta, ou

melhor, essa ferramenta te dá os públicos que tu tem que fazer o contato “olha, esse

cliente tem mais propensão a isso...” então ele te dá o público e vai te cobrar para

que você faça o contato. Da mesma forma o acompanhamento das metas, então ele

[o banco] te dá um sistema que te dá um acompanhamento diário, e em muitos

casos, on line, pra poder te cobrar e dizer “oh, tu tá fazendo ou não tá fazendo” [...]

por um lado facilita, por outro lado aumenta a cobrança [...] isso aí é diário e às

vezes on line (GERENTE 2).

O sistema já te dá esse suporte, e tu consegue fazer um acompanhamento mais

detalhado. Tem um sistema bem interessante dentro do banco que te dá praticamente

um balancete mensal “olha, a tua receita foi tanto, a despesa foi tanto, daí tu vai ver

quanto que transitou de cartão de crédito na rede de adquirentes de cartão, quanto

que tu recebeu de tarifa, quanto que foi o teu resultado menos o que foi provisionado

pra crédito em liquidação” (GERENTE 13).

É tudo sistema, é tudo on line. A gente não tem mais processos manuais, então a

gente tem essa hierarquia que passa da agência para a superintendência, pra

superintendência nacional, para as diretorias [...] estamos on line, e temos vigilância

on line. Então, se eu fiz uma operação aqui diferente do normal, diferente da rotina,

no mesmo momento vai startar [enviar] uma mensagem pra mim e pro

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superintendente, que a agência operou com isso aqui. “Tá certo?” É só pra ter um

acompanhamento on line. Então no mesmo momento que fizer uma operação

diferente do que é normal, ela já cai no sistema de monitoramento e já vai uma

informação pra que a gente verifique se está tudo certo. Acaba sendo vigiado e

controlado. Então, o sistema de controle todo on line [...] ela [a vigilância] é diária e

on line, a toda hora nossos processos estão sendo verificados e auditados na central

(GERENTE 14).

Fica evidente na fala dos gerentes a abrangência do sistema de controle. A vigilância

realizada por meios eletrônicos toma uma proporção difícil de ser imaginada, pois é realizada

a todo o momento, e em todos os campos de atuação do bancário e do gerente. Neste ponto é

possível realizar uma analogia ao panóptico (FOUCAULT, 2014), atribuindo a função da

torre central ao sistema eletrônico. O sistema, assim como a torre, observa de forma

ininterrupta os indivíduos sob sua guarda. Neste mecanismo, não há espaço para fuga ou

omissão, pois todos estão expostos e submetidos à vigilância.

Ainda relacionado ao panóptico (FOUCAULT, 2014), observa-se o surgimento dos

corpos dóceis, através da sujeição voluntária dos bancários e dos gerentes:

Ele [o sistema] dá uma segurança muito boa, até porque (silêncio) neste momento o

gerente não está se comprometendo [...] eu acredito e quero acreditar que o sistema

ajuda [...] principalmente na parte de crédito eu acredito que ele ajuda porque evita

erros grotescos. [...] a questão de gestão de equipes ele também me ajuda, né, ele me

dá os números tudo calculado, o que os meus funcionários produzem ele me mostra,

mostra os horários que os funcionários chegaram e saíram, o quanto eu preciso para

atingir a minha meta, quando que são as férias, o sistema já me dá pronto: “você tem

„xis‟ funcionários com férias vencendo”; se tem funcionários com direito a folgas,

até tal data você tem [...] essas coisas assim o sistema me dá tudo pronto, então essa

parte de gestão de equipe é fácil, o difícil é você conseguir, por exemplo, motivar

pessoas, que isso o sistema não faz. Ele não faz todo o trabalho (GERENTE 3).

O positivo é que, antigamente era o gerente que decidia o crédito, e aí ia o feeling

nosso, mas a gente, às vezes errava, porque não tinha um sistema que desse

credibilidade aquela minha percepção. Hoje a gente tem tudo on line, interligado

com os demais bancos, com o sistema financeiro, então eu tenho como verificar que

aquele cliente que eu estou trabalhando está realmente compatível com o que ele

quer (GERENTE 6).

Com toda essa quantidade de informação, de regra, de tecnologia, de dinâmica, não

tem mais como não ter sistema [...] nos ajuda em tudo (GERENTE 10).

Isso dá segurança operacional [...] e o sigilo bancário [...] na quebra de um sigilo tu

facilmente descobre quem foi o responsável [...] dá segurança pra todos, pra

empresa, principalmente pra empresa (GERENTE 14).

Assim, o controle hierárquico se manifesta por meio do olhar, do controle, da

vigilância. A fala dos gerentes confirma a teoria do panóptico, pois os sujeitos se submetem

ao poder exercido, vislumbrando, inclusive, os benefícios deste controle. Não se pode negar

que as instituições percebem grandes benefícios com a centralização de informações em um

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único sistema, principalmente a redução dos níveis hierárquicos e do número necessário de

funcionários. Não cabe a crítica ao poder exercido pelo sistema, mas sim o entendimento das

funções hierárquicas neste novo contexto. A conclusão deste ponto do estudo é a correta

localização do gerente na estrutura do panóptico: de torre central para vigia da torre central.

Mesmo parecendo um pequeno ajuste nos termos utilizados, há grande diferença, pois, no

“anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem nunca

ser visto” (FOUCAULT, 2014, p. 195). Sabendo-se que o vigia deve permanecer em

constante anonimato, pouco importa quem seja o observador. Foucault (2014) cita que na falta

do diretor, qualquer pessoa pode fazer funcionar a máquina do panóptico, inclusive seus

criados.

4.3.2. A sanção normalizadora

A sanção normalizadora diz respeito à penalidade que “compara, diferencia,

hierarquiza, homogeniza, exclui” (FOUCAULT, 2014, p. 180). Nas entrevistas, os gerentes de

agência foram questionados sobre o papel do gerente nos processos disciplinares, e se há

alguma sanção aos bancários e aos gerentes quando do não atingimento de metas.

Quanto aos processos disciplinares, os gerentes informaram que o próprio sistema

regula os acessos e evita que muitos erros e infrações ocorram: “pelo fechamento do sistema

hoje em dia e pelo bloqueio que você pode acessar umas áreas e outras não, a própria

tecnologia resguarda muita coisa, porque conforme a hierarquia, o nível dentro do banco você

consegue acessar [...] abre pouco espaço para isso ocorrer” (GERENTE 1). Entretanto,

quando um funcionário infringe alguma norma ou procedimento, o gerente se utiliza de

procedimentos pré-estabelecidos para conduzir o processo disciplinar:

Roubo, furto, e outras coisas que não devem ser feitas e estão previstas no

regulamento (GERENTE 7).

Controles e procedimentos, padrão pra tudo, caso ocorra algum, hum, procedimento,

processo fora da norma prevista, primeiro a gente abre um processo de verificação

pra ver se há necessidade de abrir um processo [...] então a gente abre esse processo,

analisa, e nós como gestor podemos chegar a conclusão e opinar que aquilo não tá

atingindo ou não ofendeu a norma [...] caso tenho ofendido a norma a gente deve

abrir um processo para que seja amplamente verificado e, ao final do processo, o

colega que praticou seja advertido, punido, enfim, ou ao final seja isentado, mas há

uma investigação [...] ele começa na agência e pode chegar até o comitê da matriz

em Brasília (GERENTE 9).

Primeiro é o diálogo, uma observação verbal, se for mais relevante a gente faz por

escrito, e comunica aos superiores imediatos pra auxiliar, no sentido de corrigir e

não de punir. Só se for causo de roubo, daí fica tudo interno, por causa do sigilo

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bancário, e o funcionário é responsabilizado dentro do regulamento de pessoal, tudo

com regramento, conforme a penalidade e da auditoria interna do banco e auditoria

externa do banco (GERENTE 14).

Ocorre, então, que o gerente cumpre os procedimentos determinados na norma da

instituição. Quanto a estas normas, o Gerente 14 afirma que o gerente obedece a alçadas para

determinação do fluxo do processo administrativo: “o banco trabalha muito com alçadas, né

[...] então dependendo do tipo de processo envolvido, vai ser ou não responsabilidade da

gerência [...] então tem casos que não é da alçada do gerente”.

Questionou-se, também, se há alguma sanção quando do não atingimento de metas por

parte dos bancários. Os gerentes não citaram nenhuma punição direcionada ao bancário, como

cita o Gerente 2 “até hoje eu não vi nenhuma penalidade, né, óbvio que tu sempre vai ter uma

preferência de nomeação, na carreira profissional, se tu conseguir atingir melhores resultados

[...] mas até o momento eu nunca vi nenhuma punição, eu não acompanhei, né”. Assim, fica

claro que mesmo não havendo uma penalidade “institucionalizada”, as nomeações e

promoções são baseadas no desempenho em relação às metas. Da mesma forma, o gerente de

agência também é avaliado e sofre penalidades.

A primeira reação quando questionados sobre uma possível penalidade para os

gerentes em caso de não atingimento de metas, foi dúvida, ou silêncio prolongado: “eu

também não vi [...] é, (silêncio) o que aconteceu é de, hum, isso que já tem visto (silêncio),

mas não foi dito, né” (GERENTE 2). Entretanto, diversos gerentes citaram que o gerente que

não atinge a meta estabelecida pelo banco (e controlada pelo sistema) tem penalidades

referentes à ascensão profissional:

A meta do gerente geral não é uma meta individual, mas a meta da agência é a meta

dele. Então, todos aqueles que gerenciam uma carteira são avaliados por um índice

de desempenho [...] e esse índice de desempenho forma um ranking, né [...] ocorre

que se ele [...] em três semestres ele não atingir novecentos pontos, ele perde a

carteira dele, e se ele for gestor de agência ele perde um nível. As agências vão do

nível “F” até o “A”, e sendo gestor de agência ele perde um nível, o que acarreta

perda salarial. Então, por exemplo, um gestor pessoa física, em quatro semestres ele

não atingiu a meta em três, e não precisam ser sequenciais, ele perde a carteira dele,

assim como na pessoa jurídica. Já os gestores de agência, como tem nível, se ele for

do último nível, ele perde a gerência, e se for de nível acima, ele vai pra uma

agência menor. Então se ele continuar não atingindo metas, ele vai perdendo nível

(GERENTE 3).

É um banco com ingresso por concurso público, se não houver um sistema que tu

beneficie quem produz e deixe de beneficiar quem não produz, fica muito fácil de se

ter uma estagnação (GERENTE 4).

Se atingir o objetivo vai refletir na parte financeira. Se não atingir o objetivo,

certamente vai ter um lucro menor, e aí impacta também o crescimento da unidade, a

manutenção da classe da agência. E dentro da agência a gente tem o objetivo medido

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no segmento, onde cada gerente tem o seu objetivo. Se não atingir o outro segmento

vai ter que cobrir aquilo ali. E a meta do gerente geral é a meta da agência

(GERENTE 6).

O sistema faz todos os cálculos, tipo assim, a pessoa que vai tomar a decisão ela só

vai assinar a carta, porque se você não atingiu a meta, você já sabe, o sistema vai me

dar isso pronto (GERENTE 8).

Nunca vi nenhum gerente perder comissão por causa disso: “Ah, não deu resultado,

algum semestre, numa agência” [...] já aconteceu de, de certa forma, ele ser preterido

e ter ido para uma agência de nível menor. Então a penalidade é a dificuldade de

ascensão, e às vezes dependendo se o resultado for ruim, de tu ir pra uma agência

um pouco menor, né [...] aí sim eu entendo que de certa forma é uma penalidade,

mas foram poucos casos. O banco, por enquanto, nunca vi ninguém perder emprego,

perder comissão, perder a função por causa disso, né. Mas efetivamente (silêncio), o

que acontece mais... o que eu vi acontecer por não atingimento de metas foi isso [...]

tu tá numa agência dum nível intermediário e vai pra uma menor. Mas é usado, mais

pra premiar, e óbvio, se tu não faz o resultado (silêncio) eles analisam a praça, vê

qual que foi a situação, mas na grande maioria os promovidos é que apresentam

melhores resultados, né (GERENTE 11).

Fica evidente que as penalizações direcionadas ao gerente são muito mais fortes do

que as direcionadas aos bancários. De certa forma, a teoria do panóptico (FOUCAULT, 2014)

auxilia na compreensão, pois os bancários (os prisioneiros do panóptico) estão em constante

vigilância, em que não há espaço para erro ou não cumprimento do estabelecido. Porém, o

gerente (vigilante da torre) precisa de mais ameaças e normas para que se efetive a sujeição de

seus corpos, e principalmente, que realizem o estabelecido pelo banco.

Foi citado, também, que existe a sanção normalizadora realizada a condutas

consideradas pouco éticas. O Gerente 5 afirma que “o banco tem até penalizado gerentes que

estão em destaque, por um desvio de conduta, em termos de cobrança”, sendo que a função do

gerente ganha novos contornos, inclusive com o avanço e disseminação do debate sobre o

assédio moral: “Havendo a detecção disso, essa questão de assediar os funcionários, a questão

de expor um funcionário por uma meta” (GERENTE 5).

4.3.3. O exame

O exame é o instrumento que combina a hierarquia da vigilância e a sanção que

normaliza. Este instrumento tem por função qualificar, classificar e punir (FOUCAULT,

2014). O exame se mostra como um instrumento de objetivação do exercício do poder e do

poder disciplinar. Ainda, os indivíduos permanecem vigiados, pois os documentos captam,

classificam, qualificam, quantificam e fixam os resultados. Assim, neste estudo, foi

questionado sobre o controle de metas da agência e o domínio quanto aos controles internos.

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Entende-se que as metas representam a materialização o poder, pois operam no mesmo

sentido do exame, citado por Foucault (2014), especialmente como forma de operar a

vigilância e no procedimento de sanção, quando não há o seu cumprimento. No tocante ao

controle das metas, os gerentes citaram como é o estabelecimento destas metas, destacando

que este procedimento não tem interferência do gerente:

As metas eles medem pelo volume de negócios. A tua agência comporta tanto. Vem

um modelo pronto, e tu, na função de gerente tem que só adequar a aquilo [...] vem

determinado [...] a meta é feita assim. Então praticamente tu só... a tua autonomia

cada dia tu perde mais [...] ela vem pré-definida [...] é tudo cumpra-se. E nós

passamos treinando e cobrando metas, né. Cobrando metas e organizando a equipe

para atingir as metas, que vem tudo pronto. A gente nem escolhe, já vem pronto pra

nós. A gente não discute a gente só recebe e divide aqui, tanto pra cada um e vamos

ver (GERENTE 1).

O banco vai distribuindo por camadas: tem a diretoria, a nível nacional, que distribui

para as superintendências estaduais, e vem distribuindo para as regionais, para as

agências e carteiras, né. É um processo [...] mais massificado e centralizado. Nós

simplesmente acompanhamos essa... a execução das (silêncio) metas, no caso [...] a

distribuição não é feita pelo gerente. O gerente vai simplesmente tentar atingi-las,

né, daquilo que nos enviaram (GERENTE 2).

Eu tenho que fazer dentro das metas que são estabelecidas, eu tenho que fazer a

gestão da minha equipe e dos negócios da minha agência para atingir todas essas

metas, então eu tenho que conseguir gerenciar minha equipe (GERENTE 3).

O banco estabelece. Semestralmente o banco estabelece [...] ele faz a média de

quanto tu tiveste no semestre, adiciona um percentual que ele queira crescer naquele

produto e te projeta uma meta, então ali que tu tem que atingir. Então fica livre para

a diretoria do banco estabelecer o norte do negócio, e as agências vão executar, né,

se faz um plano de ação dentro das agências, e aí entra o gerente: “como vamos

fazer?” (GERENTE 4).

A gente tem a nossa alta direção em Brasília que pensa e faz as estratégias. Nas

estratégias estão definidos nosso objetivos, nossas metas, o que que nós temos que

atingir. Então vem uma meta para a superintendência e ela vai distribuir para as

agências conforme o mercado (GERENTE 6).

Fica claro que a participação do gerente no estabelecimento das metas não existe. Este

procedimento pode ser entendido como uma demonstração do poder, exercido pelo banco

sobre o gerente. Mais uma vez, observa-se a aceitação do estabelecido, inclusive nas falas

relacionadas à reconsideração de metas estabelecidas. O Gerente 9 afirma que “às vezes

alguns ajustes podem ter a intervenção do gerente, mas daí temos que mandar para a

superintendência dizendo: „olha, tem alguma distorção‟ [...] mas não é o gerente que faz”. A

partir da meta estabelecida e disponibilizada no sistema de informações, a agência, e o gerente

da agência passam a ser acompanhados e vigiados pelo próprio sistema, que, parafraseando

Foucault (2014), qualifica, classifica e pune. O sistema tem acompanhamento diário, e em

muitos aspectos, acompanhamento on line, conforme afirma o Gerente 6 “nós temos um

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sistema diário, que é medido diário aonde a gente está sendo medido pra ver quanto a gente

está conseguindo atingir daquele objetivo”.

Também foi questionado sobre outro tipo de exame, o controle dos procedimentos

internos, ou controles internos. Os gerentes citaram que no passado ocorriam auditorias

internas, nas quais um funcionário do banco permanecia vários dias observando os contratos e

documentos. Esta modalidade de controle presencial não está sendo utilizada atualmente,

pois, conforme informa o Gerente 4 “hoje tem tanta situação sistêmica que o próprio sistema

não permite algumas falhas”. Assim, dispensa-se a necessidade de auditor no local.

Entretanto, como bem explicado pelo Gerente 3, o banco possui um sistema de “sorteio”,

onde um setor específico envia, via sistema, solicitação de contratos para verificação. Então,

por amostragem todos os contratos são verificados, mesmo que não sejam efetivamente. O

importante é a certeza de que podem ser auditados. Esta afirmação se aproxima muito do

panóptico, onde Foucault (2014, p. 195) afirma que “é ao mesmo tempo excessivo e muito

pouco que o prisioneiro seja observado sem cessar por um vigia: muito pouco, pois o

essencial é que ele se saiba vigiado; excessivo, porque ele não tem necessidade de sê-lo

efetivamente”:

Existe uma coisa que se chama controles internos [...] ele sorteia agências e de cada

agência ele faz um sorteio e determina: “eu quero um contrato de tal tipo, eu quero

um cadastro de cliente, faturamento do cliente, proposta de seguro de vida, eu quero

tudo isso”, e a gente manda pra eles. Então esse sistema de controles internos existe

e eles punem todos os funcionários de administração da agência, todo mundo

(GERENTE 3).

Neste modelo de “exame”, a função do gerente é acompanhar o recebimento da

solicitação, pelo setor responsável, e acompanhar o envio da documentação solicitada. O

Gerente 2 cita que “os processos que são pedidos pra nós, a gente tem que acompanhar, pra

mandar para o núcleo de controle. Então a gente acompanha isso aí, até porque a gente tem

prazo, e se envolve nesse sentido, centraliza o acompanhamento”. Ainda, o Gerente 14 afirma

que existe também um processo de controle interno on line, principalmente nas tarefas

automatizadas: “uma operação [...] diferente da rotina, no mesmo momento vai „startar‟

[enviar] uma mensagem pra mim e pro superintendente [...] „Tá certo?‟ [...] ela já cai no

sistema de monitoramento e já vai uma informação pra que a gente verifique se está tudo

certo. Acaba sendo vigiado e controlado”.

Fica claro que o controle das metas e o controle interno são exemplos do exame,

citado por Foucault (2014). No exame, se combina a vigilância constante do sistema e a

sanção aplicada aos funcionários que não atingem o esperado. Neste ponto, o gerente é o

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funcionário que mais é influenciado, pois o sistema vigia os números da agência

constantemente, e expõem os dados de cada agência a outros gerentes. Nesta lógica, a

exposição (por vezes negativa) do gerente significa o motivo para a sanção, que diversas

vezes se apresenta de forma indireta, como a estagnação na carreira, ou de forma direta, como

o retrocesso em “níveis” de agência.

Em atividade de observação, foi possível compreender a dificuldade de atingimento

das metas estabelecidas, e a falta de ingerência no estabelecimento destas metas. Sob a ótica

da análise do discurso, fica evidente que há um constrangimento até mesmo em falar sobre o

assunto, pois ao assumir este discurso, o gerente está aceitando a perda de espaço para o

sistema, significando perda de seu status. Há, então, um discurso de impossibilidade de

enfrentamento da situação, pois eles não vislumbrar um caminho diferente do apresentado,

mas uma luta pessoal para manutenção dos pontos em que o sistema ainda não exerce o poder.

Outro ponto a se destacar é a presença do “eles” no discurso dos gerentes. Em diversos

pontos, os gerentes citaram uma força extra-agência, que domina as normas, domina os

recursos financeiros, estabelece as metas, vigia, controla e expõe para punição:

E isso são políticas da empresa que conforme concorrência, mercado, crise

econômica, enfim, eles direcionam [...] está dando muito problema da economia,

eles restringem valores para aquele setor [...] a empresa sabe dia, hora, minuto,

segundo e o que você acessou, inclusive o que você fez na máquina, sabe tudo, a tal

hora o que você acessou, se tu imprimiu um relatório, qual é a impressora que tu

mandou imprimir, eles controlam tudo [...] conforme o assunto você encaminha para

a alçada superior, e eles decidem (GERENTE 9).

O sistema do banco ele vai tá, os cálculos, eles reduzem pra que, digamos, um

faturamento de vinte mil ele liberava cem, agora com faturamento de vinte mil libera

vinte [...] e aí a gente faz essa questão de... (silêncio) encaminhar pra comitê

superior para que eles reavaliem o limite do cliente [...] a gente pode alterar depois,

se quiser, por exemplo trocar a minha mesa de lugar, eu poderia, mas no geral a

estrutura vem definida pela engenharia, até porque eles definem também aonde vão

instalar as câmeras de vigilância e coisas do tipo, né [...] então, sim, existe esse

controle... não é costumeiro, porque justamente eles colocam nessas funções quem

eles confiam, né, mas sim, acontece [...] as metas eles acompanham pontualmente,

diariamente, essas sim eles fazem [...] eles acompanham todos os nossos números,

qualquer número que comece a cair, por exemplo, um desempenho que é médio,

começa a reduzir essa média, volume de negócios, por exemplo, eles já nos

questionam [...] ele sorteia agências e de cada agência ele faz um sorteio e

determina: eu quero um contrato de tal tipo, eu quero um cadastro de cliente,

faturamento do cliente, proposta de seguro de vida, eu quero tudo isso e a gente

manda pra eles (GERENTE 3).

Eles analisam a praça, vê qual que foi a situação, mas na grande maioria os

promovidos é que apresentam melhores resultados, né (GERENTE 11).

Assim, os dados coletados e analisados permitem compreender a submissão que os

gerentes de agência são acometidos, muitas vezes sem entender quem (ou o quê) está

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exercendo o poder. Após análise do discurso dos gerentes, fica claro que o poder está no

sistema, especialmente quando se observa as falas relacionadas ao controle de metas e quando

a presença de uma força poderosa, chamada de “eles”. Na maior parte das entrevistas os

gerentes concordaram que há o estabelecimento de metas e de tarefas, e o controle e

vigilância, exercidos por uma instância superior, mas que nem os gerentes conseguiram

definir com clareza (talvez não o saibam). De qualquer forma, demonstra-se uma sujeição

completa ao poder exercido pelo sistema e ao controle de metas, sendo inclusive visto como

algo positivo (sujeição voluntária). O discurso do banco é tão penetrante na visão de trabalho

do gerente, que ele reproduz o discurso do banco, legitimando-o e dando força a esse sistema.

Essas conclusões podem ser facilmente comparadas aos textos de Foucault (2012; 2014), em

que há uma sujeição voluntária ao poder; há uma distribuição do poder, estando ele em todas

as relações, nos níveis infinitesimais; há um aparente desejo de reforçar esse poder por parte

dos sujeitados ao poder; e, há uma constante vigilância por parte de todos, em relação ao

gerente, sistematizado no panóptico digital.

Diante destas reflexões, pode-se afirmar que é possível compreender a lógica do poder

na relação do gerente de agência bancária através da teoria do panóptico digital. Estes

conceitos auxiliam a organização e o entendimento do contexto analisado, pois estudar o

poder não é uma tarefa fácil, especialmente nas relações de agência bancária nas quais não há

um poder visível, pois a face do poder facilmente identificável é a tela do computador.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão central deste estudo é compreender qual a percepção dos gerentes de

agências bancárias quanto ao seu poder frente à equipe, em face ao funcionamento do

panóptico digital. Para isso, realizou-se um estudo teórico relacionando o panóptico digital e

as alterações no poder dos gerentes frente à equipe, além da realização de um estudo empírico

com gerentes de agências bancárias sobre o panóptico digital e as alterações em seu poder

frente à equipe. No estudo empírico realizou-se observações e quatorze entrevistas por meio

de um roteiro pré-estabelecido com gerentes de agências bancárias. As variáveis elencadas,

citadas por Foucault (2014), foram a materialização do poder do panóptico digital; os

dispositivos do poder do panóptico digital; e, os dispositivos disciplinares.

A partir do estudo teórico e empírico, pode-se citar os principais achados da pesquisa

em relação ao poder dos gerentes de agência bancária. O primeiro achado é que o gerente não

é mais responsável pela concepção do trabalho, pois em diversos momentos os gerentes

informaram que não detêm o controle do número de funcionários, não estabelecem as

estratégias (metas) e não tem autonomia para realização de diversos procedimentos. Esta

constatação vai de encontro à Teoria Clássica da Administração, que prediz que há uma

separação entre os que executam e os que planejam. De fato, este achado vai contra, inclusive,

à própria definição de administração, que é “planejar, organizar, coordenar, comandar e

controlar” (MOTTA, 2003, p. 76). Sendo assim, é possível até mesmo questionar se o gerente

de agência bancária pode ser considerado um administrador.

Esse entendimento abre caminho para o segundo achado da pesquisa: o gerente é um

executor de tarefas. Em diversas falas, os gerentes afirmaram que perderam a autonomia de

decisão e de ação, como quando citam o poder do carimbo (no caso, a perda de poder do

carimbo). Com a perda do status de indivíduo que concebe o trabalho, o gerente se iguala aos

funcionários na condição de executor de tarefas determinadas por alguém (em diversos pontos

citado como “eles”). Talvez, esta situação seja fruto de uma ação orquestrada pelos próprios

bancos, no sentido da centralização das decisões estratégicas, e unificação do discurso

institucional. Assim, pode-se retomar a Teoria Clássica da Administração, afirmando que este

achado reforça a separação do planejamento e da execução. Ora, uma aparente contradição

pode ser notada entre os dois primeiros achados, entretanto, perfeitamente ligados, pois a

separação entre execução e planejamento está cada vez mais clara, porém, a função de

planejamento não está mais sob a alçada do gerente.

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Outro achado deste estudo é que o gerente tornou-se um vendedor de produtos do

banco e responsável pela imagem externa da agência (junto à comunidade). A partir da

meta estabelecida, o gerente passa para a função de executor das vendas, ou melhor, como

representante dos vendedores, que são os bancários. Assim, o gerente necessita buscar

amparo na equipe para realização de suas atividades, que se define como outro achado da

pesquisa. Neste ponto se inverte a lógica de que o gerente é o comandante da equipe,

exercendo o poder sobre ela. Como prevê Foucault (2012), o poder está nas relações, e na

lógica atual das agências bancárias, são os bancários que definem se o gerente terá sucesso ou

não em suas metas. Assim, cabe ao gerente o papel de motivador e treinador dos funcionários,

pois eles é que exercem o poder da realização das atividades sobre o gerente. Há de se

destacar, ainda, que o sistema reforça a separação hierárquica, pois as metas estabelecidas

para a agência são redistribuídas para os setores, garantindo que todos estarão vinculados (e

engajados) com o cumprimento das metas. Assim, reforça-se a citação inicial de que “nunca

foi tão fácil engajar pessoas” (SIGOLLO, 2014, s/p.), pois o indivíduo na agência se sente

“livre” do gerente, porém totalmente submetido ao sistema.

Outro ponto que merece destaque é que o gerente não detém a informação. Sob o

argumento de transparência e disseminação das informações, os bancos tornaram acessível ao

público interno todas as normas, procedimentos, direitos, padrões de atendimento e de

conduta, o que tornou os gerentes reféns de toda essa informação. Então, sendo que a

informação também é poder, o gerente perde sua importância no mesmo ritmo em que os

funcionários ampliam seu acesso à informação.

Há, também, a completa sujeição ao sistema de estabelecimento e controle de

metas por parte dos gerentes de agência, que, retira do gerente a função de planejador, e o

coloca na posição de executor vigiado e controlado. Diante disso, pode-se concluir que o

poder está no sistema, que estabelece, informa, gerencia, mostra, vigia, controla, solicita. Em

todos os discursos, o sistema aparece de forma direta e indireta, penetrando nas atividades e

na organização do trabalho. Talvez, este achado responda à inquietação levantada pelo

pesquisador da citação do “eles”. Quem são “eles”? Uma possível resposta é que o “eles” são

todos os controles do sistema, que não possuem um ponto único de partida, mas sim que

condensam todas as estratégias da empresa, e que tornam o trabalho bancário uma atividade

monótona, desprovida de concepção e sem um ponto central de poder que não seja o próprio

sistema.

Nesta perspectiva, o gerente passa a ser visto, vigiado e monitorado por todos, pois

como executor, ele se encontra na linha de frente do atendimento, perdendo seus privilégios,

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como uma sala separada ou um ambiente diferenciado. Estando a mesa do gerente lado a lado

às mesas dos bancários, o gerente se iguala, e perde parte de seu status. Da mesma forma, o

sistema (“eles”) expõe o gerente aos seus subordinados (bancários), seus pares (outros

gerentes) e superiores (a superintendência), pois mostra o atingimento, e principalmente o não

atingimento, das metas estabelecidas. Sendo assim, o gerente se encontra em uma situação

delicada, pois é refém do sistema, vigiado e controlado pelo sistema, e só pode contar com a

sujeição de forma voluntária de sua equipe. Cada vez mais, o gerente precisa rever sua forma

de gestão de equipes, pois se mostra uma de suas únicas alternativas ao contexto apresentado.

Diante de tudo isso se pode afirmar que é possível analisar o contexto da inserção

da tecnologia na função do gerente de agência bancária pela teoria do panóptico digital.

Os detentos do panóptico podem ser associados aos bancários; os vigias da torre podem ser

representados pelos gerentes de agência bancária; e a torre central pode ser representada pelo

sistema. De acordo com essa associação, a citação de Bentham (2008) e de Foucault (2014)

ganha força, pois é possível vigiar os que vigiam, ou ainda guardar os próprios guardas. O

gerente de agência bancária, conforme citado neste estudo, deixa a posição de controlador

para se submeter ao controle do sistema, se tornado uma peça da engrenagem do panóptico

digital nos bancos. Este achado corrobora o trabalho realizado por Pereira, Segre e

Nascimento (2013) que citam que a torre fixa do panóptico agora é substituída pelas TICs,

ampliando sua abrangência. Esta ideia pode ser considerada uma implicação teórica da

pesquisa, pois reforça a teoria dos autores do panóptico, bem como confirma a teoria do

panóptico digital. Pode-se ir além quando se realiza a vinculação com a Teoria Clássica da

Administração, pois ela previa a separação entre os executores e os que planejam, reforçando

a presença e a importância do gerente. Este estudo demonstrou que a Teoria Clássica da

Administração não pode ser aplicada neste contexto, pois a importância maior está no sistema

e não no gerente.

No campo gerencial, este estudo apresenta relevantes implicações. O ponto de partida

deste estudo foi a inserção da tecnologia nas empresas, o que foi confirmado pela pesquisa

empírica. Entretanto, o resultado surpreende pela amplitude de alcance da tecnologia, pois

muito mais do que controles técnicos, a tecnologia está presente em praticamente todas as

rotinas de trabalho do gerente de agência bancária. Esta aparente onipresença do sistema é

destacada, inclusive, na concepção do trabalho, afetando o modo de fazer, o sentido do fazer,

e o sentido do trabalho. Como citado no início deste estudo, entende-se que o setor bancário é

um dos setores que mais investe em tecnologia, e um dos setores que desenvolve estratégias

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de gestão de forma pioneira. Portanto, estudar o setor bancário pode indicar o rumo dos

demais setores, no médio e longo prazo.

Reforça-se esse argumento quando se observa a pró-atividade que o sistema exige dos

bancários. O sistema desenvolvido ao longo dos últimos anos analisa o banco de dados, cruza

informações, relacionando aos produtos que o banco oferece, e fornece ao bancário uma lista

de clientes potenciais para determinado produto. Esta prática, já tradicional nos bancos, tem

aparecido (em menor proporção) em algumas empresas de outros ramos. Portanto, existe a

possibilidade que seja o padrão de trabalho em diversos setores, crescendo na medida em que

estes setores possam investir em tecnologia de coleta e armazenamento de dados, e

cruzamento de informações.

Outra implicação gerencial é a indicação de que os dados coletados e armazenados

pelas empresas devem apresentar absoluta fidedignidade e correção. Ao longo dos próximos

anos, diversos setores investirão em tecnologia da informação e necessitarão de dados

confiáveis para suas análises. Nos bancos, a confiabilidade dos dados já é prática comum,

tanto pela exigência da legislação, como para adequação a normas internacionais (como os

Acordos de Basiléia), e pela necessidade de prospecção de novos clientes. Neste ponto, pode-

se afirmar que a confiabilidade do sistema aumenta sua assertividade.

Relacionado ao poder do gerente, esta pesquisa indica que os gerentes de agências

bancárias têm observado uma relativa diminuição de sua importância, na unidade em que

atuam, na mesma medida em que cresce a importância do sistema. Sendo assim, é possível

vislumbrar um gerente sendo responsável por mais de uma unidade, ou até mesmo uma

unidade sem gerente. Nos dois casos, o sistema de informática pode garantir que o trabalho

seja executado da maneira como planejado. Ainda, outra tendência observada é o surgimento

das equipes autogerenciadas, nas quais os próprios funcionários gerenciam suas atividades,

sem a necessidade de um gerente responsável. Neste ponto, a questão mais importante é se as

equipes autogerenciadas significam que não há gerente, ou então que todos são os gerentes. O

poder não está na hierarquia como previa a Teoria Clássica da Administração, mas o poder

está na estrutura (digital e das relações), como previa a Teoria Estruturalista. Diante desta

inquietação surge uma sugestão de pesquisas futuras quanto às equipes autogerenciadas, e

como se estabelecem as relações de poder em uma estrutura flexível e livre de hierarquia.

Alguns estudos relatam experiências de equipes autogerenciadas, como Alievi e Antinarelli

(2015) e Hamel (2011).

Por certo esta pesquisa não objetivou encerrar as discussões e os estudos sobre a

inserção da tecnologia nas organizações. Como incitação ao tema, e a novas pesquisas, este

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estudo atingiu seus objetivos. Entretanto cabe citar uma limitação deste estudo: a teoria

escolhida. Optou-se por observar o fenômeno da inserção da tecnologia no trabalho do

gerente de agência bancária pela “lente” do panóptico de Bentham e Foucault, o que se

mostrou perfeitamente coerente. Porém, este fenômeno poderia ser analisado por outras

abordagens que, provavelmente, também conseguiriam achados significativos.

É preciso citar, também, o tipo de pesquisa utilizado. Optou-se pelo método

qualitativo, com triangulação de dados, a partir da realização de entrevistas e observações. A

triangulação dos dados reforça o caráter científico desta modalidade de pesquisa, pelo seu

caráter profundo de análise e entendimento. A pesquisa utilizou a análise de discurso, de

maneira que todas as intenções dos respondentes foram analisadas, e não apenas a fala.

Assim, entende-se que o método utilizado possibilitou importantes achados, sendo um ponto

forte deste estudo.

Finalmente, pode-se observar no discurso dos gerentes uma busca pela manutenção de

seu status do gerente, o que dificultou o entendimento do fenômeno da inserção da tecnologia

no trabalho do gerente. Portanto, pode haver coisas que não foram citadas pelos gerentes de

agência bancária. Fica, então, a sugestão para que em uma pesquisa futura se busque

informações junto aos funcionários quanto ao poder dos gerentes. Talvez, o funcionário que

observa o trabalho do gerente no dia a dia auxilie no entendimento do panóptico digital no

trabalho dos gerentes de agência bancária. Neste sentido, a pesquisa não buscaria entender a

percepção dos gerentes quanto ao seu próprio poder, mas sim a percepção dos funcionários

quanto ao poder dos gerentes. Ainda, sugere-se a aplicação de estudos similares a este, em

outras organizações que apresentem grandes investimentos em tecnologia na gestão, como as

empresas de softwares, equipamentos eletrônicos e inclusive de vendas diretas, como é o caso

de cosméticos.

Outra sugestão de pesquisa futura é o entendimento de como as estratégias são

calculadas pelo sistema informatizado. A ciência da computação é uma área que vem

experimentando significativos avanços, mas deve haver um centro onde as estratégias são

traçadas e pensadas. Um estudo nos bancos, em seus patamares mais elevados, como

diretorias, poderia auxiliar no entendimento deste fenômeno, pois se não houver um gestor

que elabore estas estratégias, se vislumbra um futuro no qual o poder não será exercido pelo

gestor, mas sim pelo programador do sistema. Ora, não há inocência em todas essas alterações

citadas, pois a economia de mercado em que vivemos pressiona as organizações a se tornarem

mais eficazes e produzirem mais com menos recursos. Portanto, a inserção da tecnologia no

ambiente organizacional é um caminho sem volta e que se ampliará nos próximos períodos. O

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desafio, então, é a reflexão de como essas alterações podem ser gerenciadas com o objetivo de

diminuir os impactos negativos e ampliar os impactos positivos sobre os funcionários e sobre

os gerentes.

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APÊNDICES

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101

APÊNDICE 1 – ESTUDOS CORRELATOS

Quadro 2 - Estudos correlatos

NR. ANO TÍTULO DO ESTUDO AUTOR PERIÓDICO MÉTODO

UTILIZADO CONTRIBUIÇÕES

01 2015

Electronic Monitoring

and Surveillance in the

Workplace: The effects

on trust in management,

and the moderating role

of occupationl type

HOLLAND, P.

J.; COOPER, B;

HECKER, R.

Personnel

Review

(Impact

Factor 0.921)

Estudo quantitativo

com dados de 500

trabalhadores,

retirados da

pesquisa Australian

Electronic

Workplace, de 2012

As análises de regressão identificou que o

monitoramento e a vigilância eletrônica tem, em

média, uma relação negativa com a confiança na

gestão. O estudo constatou a relação entre

monitoramento eletrônico e vigilância e confiança na

gestão só foi evidente para os trabalhadores manuais.

02 2012

Capitalism or

Information Society?

The fundamental

question of the present

structure of society

FUCHS, C.

European

Journal of

Social Theory

(Impact

Factor 0.679)

Ensaio teórico com

dados secundários

acerca da tecnologia

da informação e

comunicação

internacional

Não se pode centrar na noção de que forças

informacionais governam a sociedade, pois vivemos

no capitalismo. Porém, as forças produtivas

informacionais entram em conflito com as relações de

produção capitalista, como em compartilhamento de

arquivos na internet, propriedade intelectual, softwares

livres.

03 2012

Deconstructing the

Manager: Discourses of

power and resistance in

popular cinema

PANAYIOTOU

, A.

Equality,

Diversity and

Inclusion: An

International

Journal

(Impact

Factor 0,383)

Analisa a formação

discursiva de

administradores e

empregados em

filmes populares

A análise revela dois discursos aparentemente

concorrentes que cercam as representações de gestores

que englobam tanto uma descrição do poder e a

resistência a este poder. Neste sentido, tanto para

gestores quanto geridos, a construção do poder é

altamente contextual e aberto a mudanças.

04 2012 Social Implications of

Technology: The past,

STEPHAN, K.

D.; MICHAEL,

Proceedings

of the IEEE

Revisão

bibliográfica crítica O texto examina algumas tecnologias e seu impacto na

sociedade. Preveem-se implicações sociais, inclusive

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102

the present, and the

future

K.; MICHAEL,

M. G.; JACOB,

L.; ANESTA, E.

P.

(Impact

Factor 1,908)

com a relação entre tecnologia e a mente humana, o

que pode levar a uma humanidade redesenhada: a

tecnologia se tornaria sociedade.

05 2011

The Counter-Control

Revolution: “Silent

control” of individuals

through dataveillance

systems

ORITO, Y.

Journal of

Information,

Communicatio

n & Ethics

Society

(Impact

Factor 0,155)

Análise de business

cases

Intencionalmente ou não, a arquitetura de sistemas de

vigilância determina que tipos de informação que um

indivíduo pode acessar ou receber. Isto significa que a

classificação social ocorre com base no processamento

de informações pessoais pelos sistemas; e, como

resultado, a liberdade intelectual dos indivíduos

poderia ser restringida sem ele perceber que isso está

acontecendo. O mesmo ocorre em organizações

empresariais, em que não são os indivíduos que

controlam os tipos de informação que irão adquirir e

transmitir, mas sim a organização.

06 2010

„Invisible Walls‟ and

„Silent Hierarchies‟: A

case study of power

relations in an

architecture firm

BROWN, A. D.;

KORNBERGE

R, M.; CLEGG,

S. R.; CARTER,

C.

Human

Relations

(Impact

Factor 2,398)

Estudo de caso em

uma empresa de

arquitetura

O estudo revela que criatividade e identidade criativa

dos arquitetos pode ser compreendida como efeitos do

poder. Os autores sugerem ampliar o debate com

outros profissionais de serviços da “imaginação”.

07 2010

Living in the Control

Society: Surveillance,

users and digital screen

technologies

BEST, K.

International

Journal of

Cultural

Studies

(Impact

Factor 0,459)

Pesquisa qualitativa

por meio de

entrevistas

A vigilância eletrônica ainda é percebida como um

local específico; Vigilância eletrônica é percebida

pelos entrevistados como algo inevitável, e que não

necessita consentimento.

08 2010 Panopticon Revisited KIETZMANN, Communicatio

ns of the ACM Revisão

O texto aproxima o conceito de panóptico de Bentham

e Foucault à inserção de câmeras de vigilância e outros

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103

J.; ANGELL, I. (Impact

Factor 2,763)

bibliográfica equipamentos tecnológicos.

09 2010

Self-managed Work

Teams: An enabling or

coercive nature

PROENÇA, T.

The

International

Journal of

Human

Resource

Management

Estudo de caso em

duas empresas

industriais

portuguesas

O artigo examina a natureza das equipes

autogerenciadas, discernindo uma dupla face

habilitação e coercitiva.

10 2010

The Post-panoptic

society? Reassessing

Foucault in surveillance

studies

CALUYA, G.

Social

Identities

(Impact

Factor 0,718)

Revisão

bibliográfica crítica

O texto sugere que a teoria de Foucault pode auxiliar

no entendimento do contexto atual de vigilância

eletrônica.

11 2007

From Taylorism to the

Omnipticon: Expanding

employee surveillance

beyond the workplace

SPRAGUE, R.

D.

Journal of

Computer &

Information

Law

Revisão

bibliográfica

O texto trata da privacidade e tecnologia no local de

trabalho. Determinar se um empregador tenha

invadido a privacidade do funcionário envolve um

equilíbrio entre a expectativa razoável do empregado

de privacidade e necessidade comercial legítima do

empregador para a intrusão (mais a exigência

secundária pelo delito de ingerência na vida privada

que a intrusão deve ser altamente ofensivo para um

razoável pessoa).

12 2007

Transforming Power:

Expanding the

inheritance of Michel

Foucault in

Organizational Studies

DIXON, M. A.

Management

Communicatio

n Quarterly

(Impact

Factor 2.085)

Ensaio teórico

A teoria de Foucault é pertinente aos estudos

organizacionais. As relações voluntárias, muitas vezes

não relacionadas à tarefa são poderosas na vida

organizacional.

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104

13 2006

Changes in Managerial

Work: Tech Managers

at Dotcom

AKELLA, D.

Global

Business

Review

(Impact

Factor 0.211)

Estudo de caso em

uma empresa de

software (Dotcom),

na Índia

Existem alterações no trabalho dos gerentes. O Papel

do gerente é de guia, líder ou treinador, que manipula

sutilmente os funcionários dando-lhes a ilusão de

“auto” motivação e “auto” controle. Computadores e

tecnologia se tornaram essenciais para o desempenho

de suas funções, que se restringem a comunicação com

os funcionários.

14 2006 Michel Foucault in the

Social Study of ICTs

WILLCOCKS,

L. P.

Social Science

Computer

Review

(Impact

Factor 1,364)

Revisão crítica

bibliográfica

Potencial de utilização de Foucault na reconstrução do

crescente interesse na gestão do conhecimento apoiada

nas TICs e sistemas relacionados, auxiliando na

compreensão do controle na modernidade líquida.

15 2006

Technologies of The

Self: Virtual work and

the inner panopticon

JACKSON, P.;

GHARAVI, H.;

KLOBAS, J.

Information

Technology &

People

(Impact

Factor 0,530)

Estudo de caso em

uma empresa de

engenharia

Escandinávia

Verificou-se que a totalidade dos modos de relações de

poder que operam sobre os trabalhadores virtuais de

conhecimento neste estudo de caso compreende um

conjunto complexo e sofisticado de controle e

restrição. Embora observações iniciais indiquem que o

controle é restrito a um pequeno conjunto de controles

diretos, a pesquisa leva a observação de uma teia

complexa, penetrante de restrições integradas e

sobrepostas que emanam do panóptico externo e

interno.

16 2004

„My Own Utopia‟. The

economics of Bentham‟s

Panopticon

GUIDI, M. E. L.

The European

Journal of the

History of

Economic

Thought

(Impact

Revisão

bibliográfica

O texto discute a teoria do panóptico de Bentham e

seus aspectos mais controversos. O receio desta utopia

totalitária da sociedade de controle é explicitada.

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105

Factor 0;237)

17 2004

Surveillance

Technology, Privacy

and Social Control

KIM, M.

International

Sociology

(Impact

Factor 0,812)

Estudo de caso

sobre o Cartão

Nacional de

Identificação

Eletrônica, na

Coréia do Sul

Ocorre a dependência de tecnologias de vigilância

sofisticadas, discretas, e “menos” ilegal. O indivíduo

escolhe “dar” poder às tecnologias de controle.

18 2003 A Diagram of Panoptic

Surveillance ELMER, G.

New Media &

Society

(Impact

Factor 2,007)

Ensaio teórico

Este artigo critica uma série de recentes tentativas de

delinear uma teoria contemporânea de vigilância

panóptica. Inspirando-se na obra de Foucault, Varela,

Deleuze e Guattari, uma teoria esquemática de

vigilância é desenvolvido, uma que questiona a

interligação entre consumo, vendas, distribuição e

dados de produção.

19 2003

Foucault‟s Theory of

Governance and the

Deterrence of Internet

Fraud

BERESFORD,

A. D.

Administratio

n & Society

(Impact

Factor 0,687)

Ensaio teórico e

observação de

grupos e sites da

internet

A teoria de governança de Foucault pode definir o

individualismo e o ambiente social relacionado a

fraudes realizadas pela internet

20 2003

The End of

Management?

Managerial pasts,

presents and futures

MORRIS, J.;

REED, M.

Management

Research

News (Impact

Factor 0,385)

Revisão

bibliográfica

Os estudos sugerem alterações na função do gerente,

com implicações em sua identidade profissional.

21 2003

Trust me, I‟m Your

Boss: Trust and power

in supervisor-supervisee

communication

WILLEMYNS,

M.; GALLOIS,

C.; CALLAN,

V. J.

The

International

Journal of

Human

Resource

Pesquisa

quantitativa com

157 indivíduos que

trabalhavam, e que

são estudantes de

Embora possa ser ilusório acreditar que qualquer

organização pode desfrutar de total confiança entre

gestores e colaboradores, está claro que certas

características de comunicação podem resultar em

maior confiança, até mesmo, em algum grau, dentro

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106

Management

(Impact

Factor 0,916)

psicologia das limitações de fatores organizacionais.

22 2002

Foucault,

Foucauldianism and

Human Resource

Management

BARRATT, E.

Personnel

Review

(Impact

Factor 0,744)

Ensaio teórico

O texto analisa a capacidade da teoria de Foucault em

analisar a administração de recursos humanos. O autor

sugere que a gestão pode utilizar a teoria de disciplina

e engajamento.

23 1997

The Future Role of Bank

Branches and Their

Managers: Comparing

managerial perceptions

in Canada and Spain

MOUTINHO,

L.; DAVIES, F.;

DENG, S.;

PERIS, S. M.;

ALCANIZ, J. E.

B.

International

Journal of

Bank

Marketing

(Impact

Factor 0,523)

Pesquisa

quantitativa com

gerentes de

agências bancárias

no Canada e

Espanha

As agências bancárias não desapareceram, mas

evoluíram para atender o novo contexto. O papel do

gerente também foi modificado. Os resultados indicam

claramente que os gerentes de agências bancárias estão

colocando ênfase na gestão de recursos humanos e

comportamento organizacional em termos de

motivação contínua dos funcionários, bem como sobre

os programas de formação eficazes para a equipe e a

gerência.

Fonte: Dados da pesquisa (2015).

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107

APÊNDICE 2 – ROTEIRO DA ENTREVISTA

Qual a sua idade?

Qual o seu tempo de banco?

Qual o seu tempo como gerente de agência?

Quadro 3 - Roteiro da entrevista

Categoria Componente da

categoria Pergunta

A

materialização

do poder do

panóptico

digital

A diferenciação

interna dos

bancários

1. Qual a diferença entre o trabalho do bancário e do gerente de

agência?

2. Os bancários possuem o mesmo acesso à informação que o

gerente?

Privilégios e

funções do

gerente

3. Como é o trabalho do gerente de agência bancária,

atualmente?

4. Quais os privilégios do gerente de agência bancária, em

relação aos bancários?

Os meios de

exercício do poder

5. Como a argumentação do gerente influencia o trabalho dos

bancários da agência?

6. Como é o domínio das normas e procedimentos pelo

gerente?

7. Como é o controle dos recursos econômicos administrados

pela agência?

8. Como é o controle dos processos burocráticos na agência?

Os dispositivos

do poder do

panóptico

digital

A organização dos

indivíduos no

espaço

9. Como funciona a distribuição das mesas de trabalho no

espaço da agência?

10. Como funciona a separação dos setores na agência?

11. A localização da mesa do gerente atende a algum critério?

O controle sobre o

tempo

12. Como funciona a distribuição das atividades na agência?

13. Há controle do tempo das atividades desenvolvidas pelos

bancários? Quem controla?

A vigilância

14. Há vigilância sobre os bancários? Quem vigia?

15. A quem os bancários prestam conta de seu trabalho? E na

ausência do gerente?

16. Como se dá a vigilância por parte do Superintendente?

O registro

contínuo do

conhecimento

17. Como se dá o registro dos conhecimentos dos bancários?

18. A quem os bancários informam sobre dados e informações

dos clientes?

Os dispositivos

disciplinares

O olhar

hierárquico

19. Como é o funcionamento da hierarquia? Como ele age?

20. Como o sistema de informação auxilia na vigilância

hierárquica?

A sanção

normalizadora

21. Qual o papel do gerente nos processos disciplinares?

22. Há alguma sanção quando do não atingimento de metas por

parte dos bancários? E dos gerentes?

O exame 23. Como é realizado o controle de metas da agência?

24. Como é realizado o controle quanto aos procedimentos

internos (controles internos – raiting)?

Fonte: Elaborado pelo autor (2015).

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108

APÊNDICE 3 – CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS

Quadro 4 - Caracterização dos entrevistados

Idade

(anos)

Tempo de

banco

(anos)

Tempo de

gerente geral

(anos)

Sexo Município de

localização da agência

Instituição

Gerente 1 53 26 14 Masc. Marau RS Pública

Gerente 2 35 15 5 Masc. Marau RS Economia mista

Gerente 3 28 9 4 Masc. Passo Fundo RS Pública

Gerente 4 34 9 4 Masc. Passo Fundo RS Pública

Gerente 5 45 24 12 Masc. Carazinho RS Privada

Gerente 6 54 26 18 Masc. Marau RS Pública

Gerente 7 36 12 4 Fem. Passo Fundo RS Pública

Gerente 8 51 22 8 Masc. Passo Fundo RS Privada

Gerente 9 55 32 13 Masc Passo Fundo RS Economia mista

Gerente 10 47 21 8 Masc. Casca RS Pública

Gerente 11 58 28 7 Fem. Passo Fundo RS Pública

Gerente 12 32 13 2 Masc. Marau RS Privada

Gerente 13 35 10 3 Masc. Passo Fundo RS Privada

Gerente 14 52 30 14 Masc. Passo Fundo RS Economia mista

Fonte: Dados da pesquisa (2015).