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FACULDADES EST PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO VITOR EDEZIO TITTONI BORGES RELEVÂNCIA ÉTICA DA CEIA DO SENHOR: UM ESTUDO ÉTICO-EXEGÉTICO DE 1Co 11, 17 – 34. São Leopoldo 2008

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FACULDADES EST

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

VITOR EDEZIO TITTONI BORGES

RELEVÂNCIA ÉTICA DA CEIA DO SENHOR:

UM ESTUDO ÉTICO-EXEGÉTICO DE 1Co 11, 17 – 34.

São Leopoldo

2008

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VITOR EDEZIO TITTONI BORGES

RELEVÂNCIA ÉTICA DA CEIA DO SENHOR:

UM ESTUDO ÉTICO-EXEGÉTICO DE 1Co 11, 17 – 34.

Dissertação de Mestrado Para a obtenção do grau de Mestre em Teologia Faculdades EST Programa de Pós-Graduação Teologia Bíblica

Orientador: Uwe Wegner

São Leopoldo

2008

VITOR EDEZIO TITTONI BORGES

RELEVÂNCIA ÉTICA DA CEIA DO SENHOR:

UM ESTUDO ÉTICO-EXEGÉTICO DE 1Co 11, 17 – 34.

Dissertação de Mestrado Para a obtenção do grau de Mestre em Teologia Faculdades EST Programa de Pós-Graduação Teologia Bíblica

Data: Uwe Wegner – Doutor em Teologia – Faculdades EST Marga Janete Ströher –Doutora em Teologia – Faculdades EST Ramiro Mincato – Doutor em Teologia - PUCRS

RESUMO

Um estudo do texto de 1Co 11, 17 – 34, que trata dos conflitos, em Corinto, na celebração da Ceia do Senhor. Dividido em quatro partes, este estudo tem um enfoque ético-exgético, dando ênfase para as contribuições teológicas do texto paulino que fundamentam atitudes e modos de agir dos cristãos. Em síntese, o texto responde à pergunta: qual a contribuição ética do sacramento da eucaristia, ou da Ceia do Senhor? Na primeira parte, apresenta informações sobre Corinto, sua história, sua geografia física e econômica, composição de sua população e cultura, em especial a religiosidade. Traz também informações sobre a relação do apóstolo Paulo com a comunidade de Corinto. Na segunda parte, estuda princípios teológicos dos quais Paulo se serve para analisar e solucionar os conflitos na Ceia do Senhor. Não se trata de um estudo exaustivo, mas limitado, em parte, aos temas dos quais derivam-se orientações práticas para o agir dos cristãos de Corinto. Nesta parte são esclarecidos alguns termos significativos da teologia paulina relativos à Ceia do Senhor, como koinonía, ekklesía, a tradição da Ceia e a perspectiva escatológica de Paulo. A terceira parte enumera e comenta os principais elementos do texto que dão abertura para o campo da ética e da orientação da vida cristã para os coríntios. Segue-se a quarta parte com uma tentativa de atualizar esses ensinamentos éticos para o tempo atual.

ABSTRACT

A study of the text of 1 Cor 11, 17-34, that deals about the conflicts in

Corinth, at the celebration of Lord’s Supper. Divided in four parts, this study has an ethical-exegetic approach, emphasizing the theological contributions of the Pauline text present at the basis of attitudes and ways of action of the Christians. In synthesis, the text answers the question: which is the ethical contribution of the sacrament of Eucharist, or of the Lord’s Supper? In the first part, it presents information about Corinth, its history, its physical and economic geography, the composition of its population and culture, specially its religiosity. It brings also information about the relation of the Apostle Paul with the community of Corinth. The second part discusses theological principles that Paul employs to analyze and give solution to the conflicts in the Lord’s Supper. It is not an exhaustive study, but it limits itself, in part, to the themes from which practical orientations to the action of Christians in Corinth are derived. In this part some significant concepts of the Pauline theology about the Lord’s Supper are clarified, such as koinonía, ekklesía, the tradition of the Supper and the Paul’s eschatological perspective. The third part counts and comments the main elements of the text that point to the field of ethics and to the orientation of Christian life for the Corinthians. From these discussions follows the forth part with a tentative of materialize these ethical teachings at the present time.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8 1 CORINTO...................................................................................................... 11

1.1 Introdução....................................................................................................... 11

1.2 História ............................................................................................................ 12

1.3 Geografia ........................................................................................................ 13 1.4 População....................................................................................................... 14

1.5 Estratificação social ....................................................................................... 16

1.6 Associações ................................................................................................... 19 1.7 Economia e negócios .................................................................................... 21

1.8 Religião ........................................................................................................... 22

1.9 Judaísmo ........................................................................................................ 24

1.10 Moralidade.................................................................................................... 25 1.11 Paulo e os coríntios ..................................................................................... 27

2 REVISANDO A PRÁTICA DA CEIA DO SENHOR........................................ 33 2.1 Introdução: indicativo e imperativo............................................................... 33

2.2 A Ceia do Senhor - 1Co 11, 17-34 ............................................................... 34

2.3 Divisão e cismas ............................................................................................36

2.4 Quando vos reunis em Assembléia .............................................................37 2.5 Ceia particular X Ceia do Senhor ................................................................. 39

2.6 Honra e vergonha ..........................................................................................44

2.7 Visão Social de Paulo.................................................................................... 46 2.8 “Paradosis” – A tradição da Ceia ................................................................. 47

2.9 O pão e o cálice .............................................................................................51

2.10 Recomendações práticas............................................................................ 54

2.10.1 Cada um examine-se a si mesmo .................................................. 55 2.10.2 Discernir o corpo ............................................................................ 56 2.10.3 Esperai uns pelos outros ................................................................ 58 2.10.4 Quem tem fome coma em casa ..................................................... 59

7

3 RELEVÂNCIA ÉTICA .................................................................................... 62 3.1 Introdução....................................................................................................... 62

3.2 A centralidade de Cristo ................................................................................ 64

3.3 Os Sacramentos como fonte ........................................................................ 67 3.3.1 Batismo ............................................................................................ 67 3.3.2 Eucaristia ......................................................................................... 68

3.4 Edificar a Igreja ..............................................................................................71

3.5 O peso da antropologia ................................................................................. 74

3.6 Até que ele venha ..........................................................................................78

4 ATUALIZAÇÕES ........................................................................................... 82 4.1 Introdução....................................................................................................... 82

4.2 Edificar a Igreja ..............................................................................................82 4.3 Cristo, a pedra fundamental.......................................................................... 84

4.4 Solidariedade na eucaristia........................................................................... 85

4.5 Comensalidade e fome.................................................................................. 86 4.6 Conflito na Ceia..............................................................................................88

4.7 Paz na Ceia .................................................................................................... 90

4.8 Relações humanas na Ceia.......................................................................... 91

4.9 Formação da consciência ............................................................................. 93 4.10 Em vista da salvação eterna....................................................................... 94

CONCLUSÃO................................................................................................... 96 REFERÊNCIAS.............................................................................................. 100

INTRODUÇÃO

A aproximação de dois campos da teologia bíblica, a exegese e a ética

bíblica, configuram a base para o estudo que aqui se propõe. Tal propósito vem

expresso já no título do trabalho: “Relevância ética da ceia do Senhor. Um estudo

ético-exegético de 1Co 11, 17 – 34”. O campo da exegese bíblica abre um grande

leque de alternativas para a análise de um determinado texto. Sua riqueza vai se

revelando à medida que este leque vai se abrindo e se processa cada uma das

alternativas de análise. Simultaneamente vão se manifestando linhas de

interpretação e de aplicação do sentido da palavra revelada. Porém, não é intenção

deste trabalho apresentar um estudo exegético completo do texto mencionado

acima, mas usar, de forma limitada, alguns instrumentos da exegese, como a análise

literária, de conteúdo e a análise teológica. Isso se justifica pelo fato de que, no

centro da pesquisa está o interesse pela relevância ética do texto e da prática da

Ceia do Senhor na comunidade de Corinto.

O campo da ética bíblica se revela, igualmente, muito amplo e diversificado,

porque também são diferentes os livros que compõem a Bíblia, tanto no seu estilo,

quanto na sua forma literária, como também em relação à autoria, aos destinatários,

às circunstâncias históricas e ao conteúdo. Por isso, os autores se perguntam se

pode haver uma ética bíblica, ou uma ética do Novo Testamento, face a este

universo diversificado e complexo que se encerra na Sagrada Escritura. Contudo, a

9

Bíblia sempre foi e continua sendo fonte de orientação moral e ética para pessoas

cristãs que buscam viver e anunciar aos outros uma vida moralmente sadia e

alimentada na fé em Deus que se dá a conhecer nas páginas da Escritura. Assim, os

textos bíblicos são usados sem cessar para pregar, ensinar, transmitir a catequese,

alimentar a vida cristã das comunidades.

Nesta perspectiva de que os textos bíblicos iluminam a fé e também

orientam a prática da vida cristã, fizemos a opção pelo estudo de um texto

determinado, 1Co 11, 17 – 34 e por uma determinada prática da comunidade de

Corinto, que é a Ceia do Senhor. A este texto perguntamos: que experiência de vida

os coríntios trazem para a celebração da Ceia do Senhor? Qual a raiz de seus

conflitos? Como Paulo fundamenta sua compreensão da Ceia do Senhor? Que

propostas apresenta para a solução dos conflitos? A participação na Ceia do Senhor

tem implicações para a vida cotidiana dos coríntios? Como esta experiência dos

coríntios e as decorrências do texto de Paulo podem iluminar nossa prática atual de

eucaristia e vida cristã? Mesmo com tal limitação, sentimos que o tema ainda é

amplo, como se pode ver pela quantidade de perguntas iniciais e abre espaço para

um longo trabalho.

Porém, a tentativa será de limitar a explicitação do conteúdo dentro de

quatro partes assim compreendidas: Na primeira, um estudo sobre Corinto, sua

história, sua geografia física e econômica, a composição de sua população e cultura,

em especial a religiosidade. Considera-se também aqui a relação do apóstolo Paulo

com esta comunidade. Na segunda parte será feita uma análise não exaustiva mas,

de certo modo orientada para as questões teológicas e práticas do conflito na Ceia

do Senhor, apresentado no texto de 1Co 11, 17 – 34. Nesta parte serão esclarecidos

alguns temos significativos da teologia paulina a partir da sua ocorrência no texto da

10

Ceia do Senhor, como koinonía, ekklesía, a tradição da Ceia e a perspectiva

escatológica do autor que inclui a alternativa de um iminente julgamento. A terceira

parte enumera e comenta os principais elementos do texto que dão abertura para o

campo da ética e da orientação da vida cristã para os coríntios. Segue-se a quarta

parte com uma tentativa de atualizar esses ensinamentos éticos.

Várias expectativas estão contidas neste estudo, entre elas, uma relação da

exegese com a ética, algum conhecimento da ética paulina, melhor compreensão do

sentido da Ceia do Senhor nas comunidades paulinas, a relação da participação na

Ceia do Senhor, (para nós hoje, denominada eucaristia, missa ou culto dominical)

com a vida diária, de modo especial, com a comunhão de vida com Cristo e com os

irmãos e irmãs. Por certo este assunto tem sido bastante estudado em todas as

épocas, quando as pessoas buscaram compreender e aplicar para si o sentido da

Ceia do Senhor. Por isso, no tempo atual também se renova esta reflexão para

tornar mais viva a participação no sacramento da eucaristia, que acompanha e

sustenta a Igreja desde seus primórdios.

1 CORINTO

1.1 Introdução

O estudo do texto de 1Co 11, 17-34 aponta para a necessidade preliminar

de trazer dados sobre a cidade e a população de Corinto. Com efeito, a pesquisa

histórica e arqueológica tem revelado muitas e importantes informações de cunho

geográfico, econômico, religioso, social e cultural desta cidade a que Paulo, o

apóstolo das nações, dispensou tanta atenção e com a qual tanto se preocupou.

Ciente da importância de conhecer a Corinto do primeiro século, Giuseppe Barbaglio

afirma que é necessário

determinar com precisão a fisi onomia da Igreja destinatária do intercâmbio epistolar do apóstolo, reconstruir o mais fielmente possível o quadro dos interlocutores, indicar, ao menos de modo aproximado, as modalidades segundo as quais a fé cristã era vivida no ambiente religioso e social de Corinto,1

para se chegar a uma proveitosa leitura e interpretação da Primeira Carta aos

Coríntios, dado que, nela, o apóstolo aborda problemas e situações concretas da

comunidade cristã. Neste capitulo, por isso, serão destacados alguns elementos do

contexto histórico e social de Corinto que possam esclarecer as circunstâncias da

celebração da Ceia do Senhor, os conflitos aí surgidos e o caminho de solução

proposto por Paulo.

1 BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo. São Paulo: Loyola, 1989-1991, v. 1. p. 135.

12

1.2 História

A história de Corinto, segundo David Noel2, é longa e complexa, porém, para

o estudo bíblico, importa distinguir entre a cidade grega de Corinto, destruída em

146 a.C e a Colônia Romana fundada em 44 a.C.

A cidade grega de Corinto, no período helenístico, já gozava de grande

prestígio econômico e militar. A partir de 280 a.C, passou a fazer parte da Liga

Aquéia, uma poderosa confederação militar organizada para dar proteção à região

Norte do Peloponeso. Em 149 a.C, a Liga Aquéia intentou resistir à ocupação

romana, como último baluarte de resistência no Mediterrâneo. Porém, a resistência

não durou mais que três anos e, em 146 a.C, o general Lúcio Múmio Acaio impôs

derrota definitiva ao exército da Liga, arrasando a cidade de Corinto e

estabelecendo, para toda a região, a Província Romana da Macedônia.

Pelo período de cem anos, Corinto permaneceu como cidade arrasada,

habitada apenas por pequeno número de remanescentes gregos, agricultores

pobres e dispersos. Assim atesta Cícero, que visitou o lugar das ruínas da clássica

Corinto em 77 e 79 a.C3. Porém, a condição estratégica do istmo de Corinto levou o

imperador Júlio César a determinar a reconstrução da cidade em 44. a.C, como

colônia romana, com o título de Colônia Laus Iulia Corinthiensis4.

2 NOEL, David. The Anchor Bible Diccionary. New York: Doubleday, 1992, v. 1. p. 1135. 3 WITHERINGTON, Ben. Conflict and Community in Corinth: a socio-rhetorical commentary on 1

and 2 Corinthians. Michigan: Eerdmans, 1994. p. 6. 4 FABRIS, Rinaldo. Prima Lettera ai Corinzi : nuova versione, introduzione e commento. Milano:

Paoline, 1999. p. 23.

13

1.3 Geografia

A cidade de Corinto estava situada no istmo de nome igual, uma importante

ponta de terra que separa o mar Egeu, a leste, do mar Jônico, a oeste. Por um lado,

a navegação se tornava imensamente perigosa ao redor da península grega, a tal

ponto que deu origem ao provérbio “quem se aventura a navegar ao redor de Maléia

faça antes o seu testamento”5. Por outro lado, o istmo de Corinto, de apenas seis

quilômetros em sua parte mais estreita, oferecia uma passagem segura e mais

econômica para os navegadores. Os pequenos navios que chegavam ao golfo

Sarônico vindos do Mar Egeu atracavam no porto de Cencrea, cinco quilômetros da

cidade de Corinto. Ali descarregavam a mercadoria e atravessavam por terra, sobre

uma plataforma móvel, chamada de holkos, através de uma estrada pavimentada,

chamada de diolkos, até o porto de Lequeo, no golfo de Corinto. Novamente

carregados com a mercadoria que seguia também por via terrestre, os navios

continuavam a viagem pelo golfo de Corinto em direção ao mar Jônico e daí para

Roma. O mesmo procedimento se dava com as embarcações provindas do centro

do império, pelo mar Jônio em direção ao Egeu. Em outras palavras, a cidade de

Corinto controlava todo o tráfego comercial através do Istmo, tendo-se tornado rota

comercial obrigatória entre a Itália e todo o Oriente.

Com razão, por isso, à cidade de Corinto se dava o apelativo de aphneios,

opulenta, e igualmente vem mencionada como cidade dos dois mares6. Em poucos

anos após sua fundação, conheceu grande progresso econômico liderado pelo

comércio que estimulou o crescimento da indústria e também da agricultura. Desta

5 BAIRD, William. The Corinthian Church: a biblical approach to urban culture. New

York/Nashville: Abingdom, 1964. p. 19. “Let him who sails around Malea first make his will”. 6 HARRISVILLE, Roy. I Corinthians: Augsburg Commentary on the New Testament. Mineapolis:

Augsburg, 1987. p. 13.

14

forma, em 27 a.C, tornou-se a capital da Província Romana da Acaia. Contudo, à

época do apóstolo Paulo, Corinto ainda não havia chegado ao apogeu de seu

desenvolvimento.

1.4 População

A maioria dos habitantes da cidade em reconstrução não era de etnia grega,

mas italiana, veteranos dos exércitos de César e homens livres. Witherington7

observa que, em parte, César ofereceu o comando da reconstrução de Corinto a

seus veteranos para recompensá-los pelos serviços prestados, mas também para

afastar elementos descontentes e potencialmente agressivos contra Roma. Os

remanescentes gregos que habitavam as ruínas e os arredores de Corinto,

restabelecida a colônia, permaneceram na cidade, porém, como estrangeiros, uma

vez que somente os colonizadores italianos e seus descendentes eram contados

como cidadãos. Os estrangeiros estavam impedidos de ocuparem cargos públicos,

embora eventualmente pudessem votar. Citando os historiadores antigos Strabo e

Apio, Noel8 apresenta uma noção diferenciada segundo a qual os novos assentados

em Corinto eram, na maior parte, escravos libertos que foram beneficiados com a

nova realidade da cidade em reconstrução, chegando a atingir elevado nível sócio-

econômico e político. Por isso, afirma que eles eram não romanos, mas originários

da Grécia, da Síria, da Judéia e do Egito.

Os autores, neste particular, discutem se Corinto permaneceu como cidade

de características romanas ou se, com o passar do tempo, tornou-se helenista, como

7 WITHERINGTON, 1994, p. 6. 8 NOEL, 1992, p. 1136.

15

boa parte das cidades do império grego. Assim, Robertson e Plummer9 afirmam que,

embora César tenha colonizado Corinto com italianos, não demorou muito para que

a cidade estivesse habitada por homens de todo o Meditarrâneo - basicamente

judeus expulsos de Roma pelo edito de Cláudio, orientais do Egito e da Ásia Menor.

Logo, o latim, a língua oficial, foi silenciada, e passou vigorar, no barulhento

mercado corintiano, o mais universal grego popular. Com razão se afirmava que

Corinto era o império em miniatura. Tal observação pode ser confirmada, como foi

visto acima, pelo fato de Corinto ter se tornado passagem obrigatória para

navegadores e comerciantes que circulavam pelo Mediterrâneo tanto em direção ao

Oriente quanto de lá para o Ocidente. O comércio e a riqueza que ele gerava

atraíam pessoas de todas as partes que chegavam com seus costumes, sua língua,

sua cultura, buscando meios de sobrevivência e de enriquecimento.

Witherrington, entretanto, partindo do fato de que Corinto foi refundada como

colônia romana, nota que a cidade era governada por oficiais e pela lei romana, foi

colonizada por cidadãos romanos e recebeu forte influência da arquitetura romana.

“Há evidências para sugerirem que as construções da cidade reconstruída seguiram

o padrão de cidades do sul da Itália (p. ex. Pompéia), que eram provavelmente as

terras de origem de muitos veteranos, homens e mulheres livres que foram

assentados em Corinto”10. Contudo, o autor prefere classificar Corinto como uma

cidade greco-romana.

No tempo em que Paulo visitou a cidade, havia muitos gregos entre os

habitantes e a língua popular corrente era o grego e, com certeza, os descendentes

9 ROBERTSON, Archibold; PLUMMER, Alfred. A critical and exegetical commentary on the First

Epistle of Saint Paul to Corinthians. 2 ed. Edinburg: T&T Clark, 1997. p. XIII. 10 WITHERINGTON, 1994, p. 7. “There is evidence to suggest that the buildings of the rebuilt city

were patterned on buildings in southern Italian cities (e.g.Pompeii), which were perhaps the homes of some of the veterans or freedmen or freedwomen who settled in Corinth”.

16

dos primeiros colonizadores italianos tinham sido profundamente influenciados pela

cultura helênica. Porém, “em 1Co e Atos 18 nós lemos sobre pessoas a quem Paulo

se refere, cujos nomes são romanos: Titus Justus (At 18,7), Crispus (At 18,8 e 1Co

1,14), Fortunatus (1Co 16,17). O magistrado Galius (At 18,12) também era

romano”11. Contudo, Paulo escreveu sua carta em grego, não em grego erudito, mas

popular, certamente com a intenção de atingir os cristãos de todas as classes, a

partir dos mais humildes.

A pesquisa atual não dispõe de dados para estabelecer com exatidão o

número de habitantes de Corinto, no primeiro século; para alguns autores, poderia

ter chegado a 500 mil; outros estimam em 100 mil, tomando como indicador o teatro

municipal. Construído originalmente no século V a.C, foi restaurado e ampliado pelos

romanos no primeiro século, ficando com capacidade para 14.000 pessoas12.

Considerando-se este um espaço adequado para 1% da população, teríamos um

total de 140 mil pessoas na cidade. Inegavelmente tratava-se de uma grande cidade,

contada entre as maiores do império romano.

1.5 Estratificação social

O caráter cosmopolita de Corinto já foi suficientemente acentuado, mas

convém registrar a rígida distinção das categorias sociais em que a população se

organizava. Como império em miniatura, a cidade refletia a estratificação social do

império romano presente na maioria das grandes cidades greco-romanas, onde

mulheres e homens e eram classificados como livres, escravos ou libertos.

11 HARGREAVES, John. A guide to 1 Corinthians: TEF Study Guide 17. London: SPCK, 1978. p.

21. 12 FOULKES, Irene. Problemas pastorales en Corinto: comentario exegético-pastoral a 1 Corintios.

San José: DEI, 1996. p. 40.

17

Os italianos que chegaram para colonizar e reconstruir Corinto eram, em

geral, homens e mulheres livres e toda a sua descendência seguia sendo de

pessoas livres. Igualmente os descendentes dos libertos nascidos depois da sua

libertação adquiriam o status de livres. Eram, por isso, considerados cidadãos, aptos

para os cargos públicos, para postos de comando e para se tornarem proprietários

de terras e gerentes de instituições comerciais ou industriais. Porém, apenas uma

pequena elite de fato ascendia a postos importantes e alcançava êxito nos negócios.

Entregues à própria sorte, como observa Irene Foulkes13, a vasta maioria das

pessoas livres situava-se nos degraus mais baixos da escala social e econômica.

No Império romano, a prática da escravidão era exercida amplamente e sob

diferentes formas de acordo com as circunstâncias de lugar, época ou

necessidade14. A produção, especialmente aquela feita em larga escala, tanto no

setor agrícola como na indústria se baseava não em mão-de-obra assalariada ou

voluntária, mas escrava. Foulkes15, citando A.C Wire, afirma que, nas cidades da

Grécia e de Roma, é possível que os escravos constituíssem a metade da

população, enquanto que, em Corinto, essa porcentagem poderia ser maior. Baird16

destaca, por exemplo, o uso extensivo de escravos nos principais projetos de

construção da nova Corinto, como também no serviço dos banhos, quer fazendo

fogo para aquecer a água das piscinas ou fazendo massagens na clientela mais

afortunada. A condição mais brutal e opressora da escravidão, contudo, dava-se nos

trabalhos de mineração e nos grandes latifúndios de produção agrícola.

De diversos modos, na antiguidade, homens, mulheres e crianças podiam se

tornar escravos: como prisioneiros de guerra, seqüestrados a mando do imperador

13 FOULKES, 1996, p. 48. 14 FINLEY, Moses. Escravidão antiga – Ideologia moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1991. p. 69, 97. 15 FOULKES, 1996, p. 46. 16 BAIRD, 1964, p. 21.

18

para trabalhos forçados, endividados sem condições de saldar a dívida, filhos e

filhas de escravos. Finley enfatiza a escravidão como instituição básica do império

romano, sem a qual, com certeza, não teria atingido o alto grau de desenvolvimento

a que chegou. “Diria que não houve atitude ou crença ou instituição, na antiguidade

greco-romana que não fosse afetada de um modo ou de outro pelo fato de alguém

envolvido ser um escravo”. E Conclui: “uma síntese genuína da história da

escravidão antiga só pode ser, no fim das contas, uma história da sociedade greco-

romana”17.

Entretanto, importa considerar que escravos, homens e mulheres, eram

destinados, além dos trabalhos pesados e extensos, aos serviços domésticos, como

cozinheiros, mordomos, tecelões, costureiros, “pedagogos”, como também à

administração e manutenção das casas e instituições. Quase sempre os escravos

domésticos faziam parte da casa e da família e, não raro, partilhavam da mesa com

seus senhores. Muitos podiam habitar em modestas casas de onde se dirigiam

diariamente para o trabalho. Muitos recebiam a alforria de seus donos e, como

libertos, permaneciam a seu serviço mediante prestação de algum serviço ou

pagamento de alguma taxa ou imposto, chegando alguns a melhorarem

consideravelmente seu nível de vida. “A situação estável destes escravos, segundo

Irene Foulkes, contrastava favoravelmente com a situação miserável de muitas

pessoas livres que viviam de forma precária e marginal, encontrando emprego

somente de forma casual”18.

A categoria dos libertos era constituída por homens e mulheres que tinham

sido libertados, cujo grande contingente indica que era muito comum a prática de

17 FINLEY, 1991, p. 68. 18 FOULKES, 1996, p. 47. “La situación estable de estos esclavos contrastaba favorablemente con la

situación miserable de muchas personas libres que vivían en forma precaria y marginal, encontrando empleo solo en forma casual”.

19

libertar escravos. Escravas eram libertadas para se casarem com seus amos;

escravos bem sucedidos em suas atividades administrativas e econômicas podiam

comprar sua liberdade. Na condição de libertas, as pessoas sofriam discriminação

social e institucional, não podendo, por exemplo, qualificar-se para determinados

postos do exército e do governo civil. Em geral, a segurança do liberto consistia em

manter-se fiel ao seu antigo amo, prestando-lhe serviços e produzindo para vender-

lhe bens artesanais e produtos agrícolas. Do contrário, poderia encontrar-se, como

liberto, em condições mais precárias do que as que tivera como escravo.

Frente a este quadro, deve-se considerar, como observa Irene Foulkes19, as

observações do NT no que se refere a escravos, especialmente 1Co 7,20-24. Como

um movimento totalmente urbano, o cristianismo do primeiro século não condena de

forma absoluta a escravidão talvez pelas condições relativamente humanizadas de

vida que tinham, em geral, os escravos na cidade.

1.6 Associações

Numa sociedade altamente estratificada como a de Corinto, com uma

população heterogênea e desenraizada, basicamente imigrada de diferentes

regiões, as formas de associação exerciam papel importante na vida das pessoas. O

povo, especialmente de classes menos favorecidas, reunia-se voluntariamente em

clubes, confrarias e associações, buscando afirmar o reconstruir sua identidade,

criar relações de ajuda e mesmo de defesa dos próprios direitos. Estabeleciam-se,

assim, associações com fins religiosos, para promover o culto de determinada

divindade, clubes esportivos e recreativos, sociedades de artesãos, produtores ou

comerciantes que se uniam em vista dos interesses de um ofício comum.

19 FOULKES, 1996, p. 47.

20

Irene Foulkes acentua que “um aspecto chave destas confrarias se encontra

nas atividades desenvolvidas dentro do grupo que conferiam honra e status aos

membros que, em sua grande maioria eram gente humilde”20. A defesa da honra, da

dignidade e do bom nome das pessoas e das famílias se tornava uma tarefa

relevante para quem vivia no limite da escravidão, da pobreza e da exclusão social,

pois somente a pequena elite dos cidadãos romanos gozava de plenos direitos.

Umas destas formas de associação recebia o nome de Collegium e, segundo

Witherington21, reunia também escravos e dava-lhes oportunidade de exercerem

autoridade e terem voz ativa até mesmo na luta por seus direitos. Tais grupos,

tolerados pelas autoridades, com muitas restrições, suavizavam, de alguma forma,

as conseqüências da opressão causadas pela exclusão social.

Com um número que podia variar de 15 a 100 pessoas, algumas só com

sócios masculinos e outras incluindo mulheres e crianças, as associações

geralmente realizavam suas reuniões e atividades nas casas, ou seja, não tinham

sede própria. Witherington22, comentando sobre as assembléias nas casas, observa

que pessoas mais abastadas, em Corinto, podiam acolher em suas residências até

50 pessoas. Muitos chefes de família empenhavam-se em promover reuniões de

associações em suas casas, tornando-se, assim, uma espécie de benfeitores dos

pobres, o que lhes conferia, também, honra e reconhecimento por parte dos

beneficiados e da sociedade. Por sua parte, a autoridade romana e das províncias,

tolerava as associações populares enquanto não promovessem a subversão política

e social e não representassem ameaça ao poder estabelecido.

20 FOULKES, 1996, p. 50. “Un aspecto clave de la popularidad de estas confradías se encurentra en

las actividades desarrolladas dentro del grupo que conferían honor y status a los miembros, que en su gran mayoría eran gente humilde”.

21 WITHERINGTON, 1994, p. 32. 22 WITHERINGTON, 1994, p. 30, 31.

21

Esta breve caracterização das formas de associação do primeiro século têm

relação imediata com a comunidade cristã de Corinto, uma forma de associação em

parte adequada aos padrões culturais da época e em parte inovadora. Tratava-se de

um grupo religioso que se reunia nas casas, como tantos outros, na cidade, prestava

culto a Deus, valorizava seus membros, promovia a integração e as relações

humanas. Como tal, não chamava atenção nem despertava suspeita. Por outro lado,

cabe destacar, como faz Irene Foulkes,

uma diferença fundamental entre Igreja e associações: no ambiente não cristão, as pessoas podiam tornar-se membros de várias associações, mas a comunidade cristã (assim como a judaica, antes dela) insistia na filiação exclusiva.23

Ao mesmo tempo, estava aberta à entrada de pessoas de qualquer etnia ou

classe social, a quem atribuía igual dignidade diante de Deus: homem e mulher,

judeu e grego, escravo e livre.

1.7 Economia e negócios

A força comercial de Corinto deu origem a uma florescente indústria e a

conseqüente concentração de riqueza. A antiga cidade grega tinha sido famosa pela

sua produção e manufatura em bronze e, segundo Baird24, há adequadas evidências

de que a antiga arte do bronze foi revivida no período romano. A principal evidência

vem de vestígios de pelo menos duas fábricas de artefatos de bronze descobertas

pela arqueologia. Igualmente em outras cidades do império, a arqueologia tem

descoberto produtos de bronze feitos em Corinto, o que atesta que o artesanato

coríntio, na época, era bastante conhecido e apreciado.

23 FOULKES, 1996, p. 51. “[…] una distinction fundamental entre iglesia y asociaciones: en el

ambiente no cristiano las personas podían hacerse miembros de varias asociaciones, pero la comunidad cristiana (así como la judia antes que ella) insistia en la membresía exclusiva”.

24 BAIRD, 1964, p. 20.

22

Além do famoso “bronze coríntio”, tem-se conhecimento de prósperas olarias

e de escolas de escultura em mármore25. Com certeza, a construção de navios e

barcos também era parte do parque manufatureiro da cidade. Durante sua

permanência em Corinto, Paulo deve ter mantido contato com muitos artesãos da

cidade e também com comerciantes para adquirir matéria-prima para sua confecção

de tendas e, depois, para vendê-las.

Witherington aponta ainda outra importante fonte de riqueza da cidade: o

turismo. Mobilizado, em primeiro lugar, pelos Jogos do Istmo, famosa olimpíada

bianual, atraía grande número de pessoas. Além da competição em várias

modalidades de jogos, dos quais as mulheres também participavam, desenvolviam-

se competições artísticas, especialmente na área da música, da dança e do teatro.

Associado aos Jogos e também por força própria, o movimento religioso atraía

romeiros e turistas em grande quantidade, o que terminava também por promover o

comércio e gerar importantes divisas para a cidade26.

Nas proximidades da cidade, o terreno rochoso era propício para o cultivo

limitado de parreiras e oliveiras, enquanto mais à distância, às costas do Adriático,

as terras férteis propiciavam abundantes plantações e tornavam fonte de

enriquecimento para seus proprietários. Deve-se ter em conta a mão-de-obra

escrava como principal força produtiva em todas as frentes de trabalho.

1.8 Religião

Os coríntios, muito afeitos ao trabalho, às diversões e jogos, também

dispunham de tempo suficiente para ampla prática da religião. A pesquisa

25 WITHERINGTON, 1994, p. 10. 26 WITHERINGTON, 1994, p. 11.

23

arqueológica põe a descoberto grande quantidade de templos, mas pouco revela de

outros aspectos da religiosidade popular, pois nada ficou escrito a este respeito.

Alguns autores se referem a Corinto como um mercado livre religioso27. Ao

relacionar templos, altares e monumentos aos deuses, Harresville afirma que “todos

os cultos do Mediterrâneo estavam representados em Corinto”28. Assim, na entrada

da cidade elevava-se a estátua de Poseidon, um templo a Afrodite, além dos

santuários de Asclépio e Isis – deusa egípcia assumida pela cultura helenista e

romana. Na cidade, erguia-se um templo a Ártemis, de Éfeso, e uma estátua de

bronze de Atenea, um templo para Otávia, irmã de César Augusto e um santuário de

Júpiter Capitolino. Impressionante devia ser o majestoso templo de Apolo, com

aproximadamente 85m x 30m e 10m de altura, sustentado por 38 colunas, algumas

existentes ainda hoje.

No caminho para o Acrocorinto, cadeia de montes rochosos, erguiam-se os

santuários de Isis e Serápis, o altar de Hélios e templos ao Destino e à Necessidade

e, no alto, um templo para a mãe dos deuses. Sobre a rocha, no alto do Acrocorinto,

estava o famoso templo de Afrodite. Este templo abrigava 1.000 hieródulas, segundo

Strabo, historiador do tempo de Cristo29.

Como se vê por esta breve descrição de alguns espaços sagrados em

Corinto, a cidade oferecia variadas opções de serviço religioso, incluindo

hospedagem, banhos e consultas divinatórias junto aos santuários. Irene Foulkes30

destaca o caráter multiétnico da sociedade tradicional grega que foi cimentado com

o estabelecimento do Império Romano. Assim, a população de Corinto, como de

outras grandes cidades greco-romanas, abrigava pessoas vindas de todas as

27 FOULKES, 1996, p. 54. 28 HARRESVILLE, 1987, p. 12, 13. “All the cults of Mediterranean were represented at Corinth.” 29 WITHERINGTON, 1994, p. 12. 30 FOULKES, 1996, p. 54.

24

regiões do império, através do exercito, do trafico de escravos, da migração em

busca de sobrevivência. Na insegurança e na miséria buscavam respostas a suas

prementes necessidades na religião e na proteção dos deuses, na esperança de

encontrarem divindades mais poderosas que os ajudassem a vencer todos os males.

1.9 Judaísmo

Corinto abrigava também uma comunidade de judeus que, possivelmente,

como em outras cidades do Império Romano, “gozava do status de collegium,

exercia livremente seu culto, construía seus próprios lugares de reunião e

estabelecia normas de relação interna como grupo”31. Esta comunidade pode ter

aumentado a partir de 49 ou 50 d.C, com o edito do imperador Cláudio que expulsou

os judeus de Roma. Nesta época, Paulo deve ter chegado a Corinto.

Embora expressão de uma etnia bem definida, continua Foulkes, “o

judaísmo exercia apelo a muitas pessoas não judias que viam nele um deus

universal e uma fraternidade universal”32. Além disso, muitos gentios se convertiam

em tementes a Deus ou crentes de Javé, atraídos pelo alto nível de moralidade da

religião judaica. Desta forma, compreende-se que a comunidade judaica de Corinto

deveria incluir alguns cidadãos romanos, donos de navios e marinheiros,

comerciantes e artesãos, além de certo número de escravos, em suma, gente de

todas as classes sociais.

O serviço da sinagoga se compunha de orações, leituras, traduções e

explicações das Escrituras e era presidido pelo arquisinagogo. Paulo, ao chegar a

31 FOULKES, 1996, p. 56. “La comunidad judía gozaba de status legal como collegium, ejercía

libremente su culto, construía sus proprios lugares de reunión y estructuraba sus relaciones internas como grupo”.

32 FOULKES, 1996, p. 57. “[...] el judaísmo apeló a muchas personas no judias, que veían en él a um Diós universal y uma fraternidad universal [...]”

25

Corinto, dirigiu-se à sinagoga, onde iniciou seu trabalho de evangelização, chegando

a converter o arquisinagogo Crispo (At 18,8) - certamente uma raiz da ira que lhe foi

dirigida pelos judeus de Corinto. “Entretanto, afirma Witherington, é plausível que

um número significante de judeus e de gentios freqüentadores da sinagoga

converteram-se à fé cristã seguindo a liderança de Crispo”33. Pode-se mesmo

concluir, com Irene Foulkes34, que a primeira comunidade cristã de Corinto nasceu e

se alimentou inicialmente do judaísmo, tendo inclusive incorporado algumas de suas

práticas cultuais. Porém, logo se processou um distanciamento entre as

comunidades judaica e cristã. Esta se afirmou como nova e distinta, sobretudo

aberta a pessoas de qualquer etnia.

1.10 Moralidade

A informação sobre a prostituição sagrada levanta ampla discussão sobre a

moralidade dos coríntios. Afrodite, deusa do amor, da beleza e da fertilidade,

considerada padroeira das prostitutas35 atraia muitos peregrinos a Corinto. A cidade

contava com pelo menos três templos dedicados ao seu culto. Mas, outras

divindades, também estavam ligadas ao casamento, à sexualidade e à fertilidade,

sendo seus santuários amplamente freqüentados pelos cidadãos de Corinto e pelos

peregrinos e turistas.

Corinto, por isso, gozava da fama de ser uma cidade imoral. A expressão

“viver à corintia”, cunhada por Aristófanes36, indicava um modo de vida sexualmente

liberal. Sobre a cidade, o poeta Horácio escreveu: “a viagem a Corinto não se 33 WITHERINGTON, 1994, p. 25. “Therefore, it is plausible that a significant number of Jews and

synagogue-attending Gentiles converted to Christian faith in Corinth following the lead of Crispus [...]”

34 FOULKES, 1996, p. 57. 35 WITHERINGTON, 1994, p. 12. 36 NOEL, 1992, p. 1135.

26

recomenda a todos os homens”37. Hoje, porém, pesquisadores sobre Corinto e

autores de comentários sobre as Epístolas de Paulo aos Coríntios discutem se

houve realmente a prostituição sagrada no período clássico, como atestam Strabo,

Horácio, Aristófanes e outros autores antigos, e se ela continuou no período do

império romano.

Alguns afirmam, como Konzelmann38, que a prostituição em Corinto não foi

nem maior nem muito diferente das outras grandes cidades do Império Romano ou,

mesmo, que não passa de uma fábula. Por outro lado, autores como Witherington39

e Baird40 afirmam que não se deve subestimar a prática da sexualidade numa cidade

rica e agitada como Corinto, com grandes olimpíadas e festivais religiosos nos

templos pagãos, com rotineiros jantares festivos no interior dos templos, abrindo

caminho para os subseqüentes encontros de caráter sexual. Lembram, ainda, que

Paulo escreveu a carta aos Romanos quando estava em Corinto, com a contundente

descrição da imoralidade em Rm 1,28-30. Igualmente em 1Co 10,7-8, Paulo indica

que a idolatria e a imoralidade sexual podem ser encontradas em algum ponto da

cidade.

Uma cidade refundada, com uma população tão misturada de italianos,

gregos e orientais e imigrantes de toda parte, e sem uma aristocracia ou antigas

famílias, era apropriada para ser, por um lado, democrática e, por outro, fora de

controle. Dos males que são comuns numa comunidade cuja principal aspiração é o

sucesso comercial e cujo prestígio social cabe principalmente aos ricos e bem-

sucedidos, pode-se encontrar vestígios nas páginas da história de Corinto. Destaca-

37 HARRISVILLE, 1987, p. 13. 38 CONZELMANN, Hans. 1 Corinthians: a commentary on the first epistle to the Corinthians.

Philadelphia: Fortress, 1975. p. 12. 39 WITHERINGTON, 1996, p. 13. 40 BAIRD, 1964, p. 23.

27

se, porém, a chaga social, registrada por Robertson e Plummer, que citam o escritor

antigo Alcifron: “jamais vivi em Corinto, porque conheço muito bem a abominável

forma de vida que os ricos apreciam lá e a miséria do pobre”41. Na mesma linha de

análise, Margarete Trahl faz o seu comentário, afirmando que

as condições sociais em Corinto eram notáveis em dois aspectos: Primeiro, embora a cidade fosse rica, sua riqueza era distribuída desigualmente e a distância entre ricos e pobres tornava-se cada vez mais larga. Segundo, os coríntios eram notórios pela sua imoralidade sexual.42

E a conversão para o cristianismo, na visão de Paulo, certamente devia levar

em conta a situação real da pessoa e a situação social, para a qual a fé cristã

apontava outro caminho.

1.11 Paulo e os coríntios

Atos dos Apóstolos, especialmente o capítulo 18 e as próprias cartas de

Paulo fornecem as principais informações sobre a relação de Paulo com a

comunidade de Corinto. Paulo chegou a Corinto vindo de Atenas (At 18,1) onde sua

missão não havia sido muito frutuosa (At 17,22-34). Porém, não parecia

desanimado. Procurando lugar para acomodar-se, encontrou Áquila e Priscila,

fabricantes de tendas, como ele, com quem se associou para o trabalho de auto-

sustento e para a missão. (At 18,2-4). Irene Foulkes dá importância para a estratégia

missionária de Paulo que buscava manter-se com seu próprio trabalho, recusando-

se a ser sustentado pela comunidade. Tal decisão

41 ROBERTSON; PLUMMER, 1997, p. 21. “Alciphron remarked: Never yet I have been to Corinth, for

I know pretty well the beastly kind of life the rich enjoy there and the wretchedness of the poor”. 42 THRALL, Margaret E. I and II Corinthians – The Cambridge Bible Commentary on the new

English Bible. Cambridge: University Press, 1965. p. 2. “Social conditions in Corinth were notable on two counts. First, although the city was wealthy its wealth was distributed unevenly, and the gap between the rich and poor grew steadly wider. Secondly, the Corinthians were notorious for their sexual immorality”.

28

o colocava junto à grande massa do povo, em forma conseqüente com sua mensagem sobre Jesus Cristo que encarnou o projeto de Deus no mundo, identificando-se de tal forma com os humildes que foi levado à crucificação pelos poderes deste mundo.43

Áquila e Priscila tinham chegado recentemente de Roma, de onde foram

expulsos, como todos os judeus, por um decreto do imperador Cláudio, baixado,

possivelmente no ano 49. É possível que já em Roma tivessem conhecimento sobre

Jesus Cristo e tivessem sido batizados. Por isso, em Corinto, imediatamente

associaram-se à missão de Paulo.

Paulo esteve um ano e meio em Corinto, como atesta Atos 18,11, em data

que os autores geralmente estabelecem no final do ano de 50 até meados de 52.

Esta data pode ser fixada com bastante probabilidade de acerto a partir da citação

do nome do procônsul Galião (At 18,12), cujo mandato se deu entre os anos 51 e 52

(segundo inscrição localizada em Delfos, em 1905)44. Em Corinto, cidade grande e

próspera, encruzilhada de caminhos marítimos e terrestres, Paulo fundou uma

comunidade cristã, despertada inicialmente entre os judeus, na sinagoga e, depois,

aberta aos pagãos, possivelmente mais acolhedores da pregação do apóstolo (At

18,6). A Igreja de Corinto era vista por Paulo como um centro de irradiação e

penetração do Evangelho por toda a Acaia (2Co 1,1;9,2). Esta Província romana

congregava cidades e povos irrequietos, ativos e em processo de expansão,

gerando grandes desafios para o Evangelho que, paralelamente, também buscava

expandir-se.

Barbaglio acentua o histórico encontro que se verificou em Corinto entre a fé

cristã e a cultura helênica. “Pessoas de matriz étnica e cultural própria de um mundo

novo, congregadas em torno do anúncio de Cristo morto e ressuscitado,

43 FOULKES, 1996, p. 58 - 59. 44 CARREZ, Maurice et alii. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. 2. ed. São Paulo: Paulus,

1987. p. 13.

29

empenharam-se em inserir em suas vidas o mesmo evangelho pregado na Palestina

por Jesus e pelos apóstolos”45. Eram inevitáveis, por certo, os perigos de sincretismo

e mesmo de deformação da fé no processo de encarnação do cristianismo numa

cultura tão diferenciada. Por isso, Paulo dedicou o máximo de atenção e cuidados à

comunidade de Corinto. Depois de tê-la fundado, mesmo em meio aos desafios de

outras grandes tarefas missionárias, o apóstolo manteve-se em permanente contato:

recebeu e enviou mensageiros (1,11-16,17-18) trocou correspondência (7,1) e fez

mais uma breve visita (2Co 13,1-2) que ele desejava repetir, mas provavelmente

não teve oportunidade.

Com certeza, Paulo escreveu mais cartas aos coríntios, além das duas

conservadas no Novo Testamento. O estudo atual sobre a correspondência de

Paulo com esta comunidade não apresenta um consenso, porque alguns autres

consideram que alguma carta foi perdida e outros propõem que 1 e 2 Coríntios

correspondem à compilação de diversas cartas ou bilhetes de Paulo aos coríntios.

Por isso preferimos adotar aqui a hipótese de quatro cartas, que parece ser a mais

usual e vem assim apresentada por M Carrez:

[...] a troca de correspondência entre Paulo e os coríntios deveria ser apresentada assim: - primeira carta de Paulo (não canônica), perdida; apenas alusão em 1Co 5,9; - segunda carta de Paulo (canônica): a 1ª aos Coríntios; - terceira carta de Paulo (não canônica), perdida: a 2Co2,3; -quarta carta de Paulo (canônica): a 2ª aos Coríntios.46

As duas cartas canônicas oferecem um conjunto de informações muito rico

para se formar uma idéia ao menos aproximada sobre a Igreja de Corinto e as

características das pessoas que a compunham. Barbaglio47 elaborou estudo de

algumas destas características extraídas principalmente da Primeira Carta aos

45 BARBAGLIO, 1989, p. 136. 46 CARREZ, 1987, p. 60. 47 BARBAGLIO, 1989, p. 138-145.

30

Coríntios, que poderíamos assim elencar: comunidade marcada por um cristianismo

entusiástico e exaltado; profundamente dividida em grupinhos ligados a grandes

personalidades; cristãos em procura apaixonada pela sabedoria, por influência

grega, mormente dos mistérios de Deus, do homem e do mundo; comunidade em

processo de degeneração da vida cristã, pelos casos de liberalismo (“tudo me é

permitido - 6,12”) e imoralidade; por outro lado, a proposta de um ideal de

abstinência absoluta de toda a relação sexual, para se atingir a perfeição do eu

espiritual; processo de emancipação social, religiosa e feminina; divisões na

celebração da Ceia do Senhor; carismatismo marcado por experiências

espetaculares mais do que pela vivência dos dons do Espírito; e, por fim, negação

da ressurreição.

Naturalmente nem tudo é negativo na Igreja de Corinto, mesmo porque

Paulo dá graças a Deus, sabendo que “o testemunho de Cristo se tornou firme em

vós” (1Co 1,4-7) e os louva por conservarem “as tradições tais como vo-las transmiti”

(1Co 11,2). Porém, os conflitos e desvios são reais e Paulo os enfrenta com a

determinação do pastor responsável e profundamente comprometido em sua

missão, com Jesus Cristo e com a edificação da comunidade. Ampliamos, a seguir,

algumas das características apontadas acima, que parecem importantes para a

compreensão dos conflitos na Ceia do Senhor. Como ponto de partida, Barbaglio

classifica Corinto como uma comunidade de intensa vitalidade e criatividade. “Pode-

se falar da entusiástica exaltação dos neófitos apaixonados pelos novos horizontes

da vida abertos pela fé cristã”48. A vivência da fé colocava o cristão em sintonia com

o Cristo ressuscitado, vitorioso, vencedor da morte, exaltado junto de Deus e, por

48 BARBAGLIO, 1989, p. 138.

31

isso, tornava-o capaz de superar os limites pessoais e sociais a que estava

submetido até então.

O autor aponta, ainda, em Corinto, uma apaixonada busca da sabedoria,

nascida da influência grega, porém, voltada pra o “conhecimento profundo e irrestrito

dos mistérios de Deus, do homem e do mundo, constituindo a estrada-mestra para a

salvação da humanidade”49. Salvar-se, nesta dimensão, compreendia desenvolver o

“eu” interior, conhecedor de si mesmo, de Deus e do mundo. Os coríntios

possivelmente interpretavam o evangelho nesta chave sapiencial, porém, uma

sabedoria com inspiração divina, qualificada, então como carismática e esotérica,

acessível somente a algumas pessoas. Estas, orgulhosamente se consideravam

“sábias”, “perfeitas”, “fortes” e “espirituais”, inferiorizando os demais irmãos. Estes,

considerados “fracos”, talvez em sua maioria das classes mais baixas, tinham

acolhido com sinceridade e humildade a mensagem cristã, mas sem buscar

aprofundamento e solidez de princípios para sua prática cristã.

A comunidade estava dividida em grupinhos ou partidos de Apolo, de Pedro,

de Paulo, de Cristo, conforme 1Co 1,12, o que contraria o ideal de comunhão,

koinonía, que Paulo proclama em 1,9. Pode ser que cada um destes grupos

estivesse apelando para o modo como chegou a ser cristão, de quem recebeu seu

primeiro anúncio evangélico. Diferente, porém, era a divisão apontada em 11,18ss,

na qual transparece a discriminação entre ricos e pobres, entre os que têm e os que

nada têm (mé éxontes).

A Primeira Carta aos Coríntios, como as demais cartas de Paulo, constitui-se

num importante documento histórico e eclesial50, que registra, além de dados

49 BARBAGLIO, 1989, p. 139. 50 STRABELLI, Mauro. Primeira Carta aos Coríntios. São Paulo: Paulus, 1998. p. 5.

32

históricos significativos da comunidade de Corinto, informações importantes sobre o

pensamento teológico do autor. Ela surgiu da necessidade de responder a uma série

de questões surgidas na recém fundada comunidade (1Co,1,11 e 7,1) que se

debatia em variadas crises de compreensão e de adaptação da mensagem cristã à

experiência de vida cotidiana no mundo helenista e cosmopolita de Corinto. Trata-se,

portanto, de uma carta de cunho eminentemente pastoral, e não de uma

sistematização teológica, como se caracteriza, em geral, a correspondência de

Paulo, voltada para as situações concretas da comunidade. 1Co é, na opinião de

Wendland, “a grande testemunha do serviço desenvolvido pelo Apóstolo para

construir a comunidade e apresenta uma perfeita unidade da sua autoridade e da

sua atividade de apóstolo, teólogo, pastor, pai espiritual e guia”51. Neste sentido,

pode-se entender que a Primeira Carta ao Coríntios encerre também orientações de

ética geral e especial para os cristãos de Corinto adequarem sua vida às exigências

do evangelho.

51 WENDLAND, Heinz-Dietrich. Le lettere ai Corinti. Brescia: Paideia, 1976. p. 9: “La prima lettera è

la grande testimonianza del servizio svolto dall’Apostolo per edificare la comunità e presenta l’unità perfetta della sua autorità e della sua attività di apostolo, teologo, pastore, padre spirituale e guida”.

2 REVISANDO A PRÁTICA DA CEIA DO SENHOR

2.1 Introdução: indicativo e imperativo

Acompanharemos, neste capítulo, o empenho de Paulo em propor uma

revisão da prática, em Corinto e também dos argumentos centrais que dão sentido à

Ceia do Senhor. Para isso, introduzimos, antes, um aspecto da ética paulina

importante para este momento, sendo que outros aspectos serão abordados

adequadamente mais adiante. Trata-se, aqui, de um modo distintivo de compreender

a ética paulina dentro de dois momentos definidos como indicativo e imperativo,

palavras-chave com as quais usualmente se trata a relação entre os fundamentos

teológicos e a ética. Schrage observa que esta divisão em dois momentos pode ser

constatada em algumas cartas paulinas, como, por exemplo, em Romanos, Gálatas,

Tessalonicenses...

“Tematicamente, a primeira parte dessas cartas – falando de modo bem geral – trata do querigma ou da ‘dogmática’, da cristologia, escatologia, etc., e na segunda parte, da ética. A ética, portanto, vem depois da ‘dogmática’”52.

Desta observação preliminar já se conclui que o agir cristão parte de uma

base imprescindível, ou seja, a iniciativa de Deus que propõe a salvação em Jesus

Cristo.

52 SCHRAGE, Wolfgang. Ética do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1994. p. 170.

34

Mas indicativo e imperativo, no contexto da ética paulina, e da ética de

outros escritos do Novo Testamento, não se excluem reciprocamente. Ao contrário,

podem-se encontrar frases com o mesmo conteúdo, tanto no indicativo como no

imperativo, como em Rm 6,2: “Vocês estão livres do pecado” e, em 6,12: “Que o

pecado não reine em vosso corpo mortal”; ou, ainda, em Gl 3,27: “Vocês se

revestiram de Cristo” e, em Rm 13,14: “Revistam-se de Cristo”. O indicativo fala de

uma realidade já existente na pessoa, enquanto o imperativo supõe que tal realidade

se apresenta como uma tarefa. O indicativo apresenta o dado revelado por Deus,

com o qual o cristão pode contar e fundamenta o imperativo, o qual mostra o

caminho para tornar atual a revelação para si e para a comunidade.

Para Álvares Verdes, “a novidade principal da ética fundada no indicativo,

frente à ética positiva ou meramente imperativa radica em sua ilimitada capacidade

de desenvolvimento”53. Com efeito, o indicativo fundamental é o próprio Jesus Cristo

que revela o infinito dom de amor de Deus dado gratuitamente a todas as pessoas

que estão destinadas a participar da sua plenitude e de sua glória. A prática cristã

jamais esgota as possibilidades de participação no projeto de salvação de Deus que

está exigindo, em cada momento, a conversão, o surgimento do ser humano novo,

aberto para a novidade do amor de Deus.

2.2 A Ceia do Senhor - 1Co 11,17-34

Assim, vamos ler 1Co 11,17-34, que trata sobre a Ceia do Senhor, tendo em

mente esta chave de leitura do indicativo e do imperativo, adequada para

compreensão da ética paulina. O texto em estudo pode ser inicialmente dividido em 53 ALVARES-VERDES, Lorenzo. Caminar en el Espíritu: el pensamiento ético de San Pablo. Roma:

Editiones Academiae Alphonsianae, 2000. p. 155: “La novedad principal de la ética fundada en el indicativo frente a la ética positiva o meramente imperativa radica en su ilimitada capacidad de desarrollo”.

35

três partes. Na primeira, que compreende os versículos 17 a 22, Paulo faz uma séria

admoestação aos coríntios, devido a abusos cometidos nas reuniões da Ceia do

Senhor. As reuniões, ao invés de levarem a comunidade a melhorar, a conduzem

para o pior (11,17). Paulo ouve dizer e, em parte, acredita na informação de que há

divisões e cismas entre os cristãos de Corinto quando se reúnem para a ceia

(11,18). Até entende que as divisões são um mal necessário pra se conhecer os que

são verdadeiros (11,19), mas as divisões que estão acontecendo invalidam a Ceia

do Senhor (11,20) porque alguns comem a própria ceia e embriagam-se enquanto

outros passam fome (11,21). E o apóstolo pergunta enfaticamente se os coríntios se

dão conta do mal que estas atitudes produzem para as pessoas e para a

comunidade (11,22).

Na segunda parte, versículo 13 a 26, o apóstolo relembra aos coríntios a

tradição da Ceia que recebeu do Senhor e que já lhes havia transmitido. O Senhor

Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão (11,23) deu graças, repartiu e

disse: “Isto é meu corpo que é para vós. Fazei isto em minha memória” (11,24). Do

mesmo modo, depois de cear, tomou o cálice e disse: “este cálice é a nova aliança

no meu sangue”. Estareis fazendo memória de mim sempre que dele beberdes

(11,25). E, conclui Paulo, “sempre que comeis deste pão e bebeis deste cálice,

anunciais a morte do Senhor até que ele venha” (11,26).

Na terceira parte, versículos 27 a 34, Paulo mostra aos cristãos de Corinto

as conseqüências de sua participação inconseqüente na Ceia do Senhor. As

conseqüências estão colocadas na linha do julgamento e da condenação. O

apóstolo adverte os coríntios que comer do pão e beber do cálice indignamente,

torna réu do corpo e do sangue do Senhor (11,27). Examinar-se cada um a si

mesmo ajuda para tomar consciência e discernir o corpo, a fim de não comer para a

36

própria condenação (11,28-29) O julgamento, no entanto, já está acontecendo

naqueles que são fracos, doentes, e mesmo nos que já morreram (11,30), mas este

julgamento do Senhor que acontece agora tem a função de prevenir o julgamento

definitivo com o mundo (11,32). Por fim, Paulo orienta seus filhos a que esperem uns

pelos outros para celebrarem todos juntos a Ceia do Senhor e a refeição comum

(11,33) concedendo que comam em casa aqueles que tiverem fome, para não

profanarem a refeição comunitária (11,34).

2.3 Divisão e cismas

Retomando o estudo do texto, vamos nos ater a alguns termos que

apresentam conteúdo denso e dão consistência e sentido para o tema. A partir do

conteúdo das próprias admoestações de Paulo aos coríntios, pode-se detectar o

modelo de comunidade e de Ceia do Senhor que tinha em mente e, por isso, as

admoestações desempenham igualmente a função de indicativo. Assim, na visão do

apóstolo, a Assembléia da comunidade deveria ser um momento de crescimento,

certamente na dimensão de os irmãos estabelecerem relações fraternas,

conhecendo-se mutuamente, partilhando a vida e os bens, oferecendo-se em

propostas de mútua ajuda para que verdadeiramente cada cristão pudesse

experimentar o amor de Deus através do amor dos irmãos. Mas, quando a

comunidade de Corinto se reúne, há mais prejuízo que benefício para os irmãos, o

que indica uma grande frustração de muitos cristãos que não vêem realizadas suas

expectativas de fraternidade no encontro da Ceia do Senhor. Não vos reunis para o

melhor e sim para o pior (11,17).

O que faz a comunidade ficar cada vez pior são as divisões ou cismas que

contradizem frontalmente o próprio motivo de existir da comunidade. Esta

37

subentende a união de todos os seus membros, o acolhimento e o respeito de cada

pessoa e o incentivo para que se sinta em casa, irmão e irmã de todos. A divisão

gera confronto e exclusão e enfraquece o grupo. O desejo, então, do apóstolo é que

a comunidade esteja unida e forte, para que haja incentivo mútuo na vivência cristã

e para que seja também um testemunho de fé e de fraternidade para todo o povo

que não partilha da mesma vivência religiosa.

2.4 Quando vos reunis em Assembléia

Schrage54 afirma que o verbo synérhestai, usado três vezes por Paulo neste

parágrafo, apresenta-se como um termo técnico, para indicar a reunião da

comunidade para o culto divino. Era, pois, usual para os coríntios, reunirem-se para

o culto, apesar das divisões e dos conflitos. Não havia, ainda ao que parece, uma

ruptura definitiva na igreja de Corinto, embora o risco estivesse iminente e o apóstolo

queria preveni-lo.

Irene Foulkes observa que a frase “quando vos reunis como igreja”, (= en

ekklesía) deixa transparecer que nem sempre se reunia toda a igreja de Corinto,

mas que “em outros momentos os cristãos provavelmente se reúnem em pequenos

grupos ou células relacionadas, talvez, com as várias casas que Paulo alude em

1.11,16 e 16.15”55. Por outro lado, não se tem informação sobre o número de

membros que compunha a igreja de Corinto, na época e se havia condições de

congregar a todos num mesmo lugar, por ocasião da celebração da ceia.

54 SCHRAGE, Wolfgang. Evangeliisch – Katolischer Komentar zum Neuen Testament. VII/3- Der

Erste Brief na die Korinter (1Kor11,17 – 14,40). Apostila, tradução ad hoc de Mons. Oscar Koling. Zurich und Dusseldorf: Benziger Verlag, 1999. p. 18.

55 FOULKES, 1996, p. 305: “En otros momentos los cristianos probablemente se reúnen em grupitos o células relacionadas, tal vez, com las varias “casas” a que Pablo alude em 1.11, 16; y 16, 15”.

38

Contudo, a crítica da divisão entre os coríntios feita pelo apóstolo, expõe

também sua expectativa em relação àquela igreja e quanto à celebração da Ceia do

Senhor. Para compreender esta expectativa cabe introduzir aqui o termo koinonía,

usado pelo autor da carta em 10,16-17. Koinonía significa comunhão, relação

íntima, união – e desta forma Paulo entende a Ceia do Senhor: “O cálice da bênção

que abençoamos não é a comunhão (koinonía) com o sangue de Cristo? O pão que

partimos não é a comunhão com o corpo de Cristo. Já que há um só pão, nós,

embora muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão”.

Martini56 apresenta um significativo estudo do termo koinonía e sua relação

com a compreensão da Igreja e da Ceia do Senhor, apoiado em diversos autores,

entre eles Houck, Troeltsch, Schattemann, Lange e outros. Importa, aqui, destacar o

acento que o autor dá ao sentido de koinonía em Paulo. “No Novo Testamento,

preponderantemente nos textos paulinos koinón tem duas dimensões, ligadas entre

si. Expressa a comunhão do fiel com Cristo e a comunhão dos crentes entre si”57.

Com relação à comunhão do fiel com Cristo, o autor exemplifica com os

texto de 2Co 6, 14 – participação naquilo que é santo, 1Co 1,9 – o chamado à

comunhão mística com Jesus Cristo – e a comunhão com seu corpo e sangue, na

Ceia do Senhor. Nesta dimensão, a comunhão dá vida e força ao cristão, pois está

unido à fonte da graça e da vida que é o próprio Cristo. A segunda dimensão,

decorrente da primeira, afirma Martini, a koinonía representa a resposta da pessoa

que foi integrada a Cristo. Ela se abre para acolher e integrar outros “companheiros”

e promover uma participação conjunta. Ambas as dimensões formam uma unidade

cuja fonte e elo é o Cristo.

56 MARTINI, Romeu Ruben. Eucaristia e Conflitos Comunitários. São Leopoldo: EST/Sinodal,

2003. p. 120 – 134. 57 MARTINI, 2003, p. 124 – 125.

39

Ao censurar os coríntios por suas divisões na Assembléia da Ceia, Paulo

tem em mente este ideal de comunhão que os fiéis em torno do corpo e do sangue

do Senhor. E, por se tratar de um ideal que precisa ser atingido pouco a pouco, a

própria realização da assembléia deve levar os coríntios a crescerem em comunhão

com Cristo e entre si. Porém, está acontecendo o contrário: “vossas assembléias vos

conduzem para o pior”.

2.5 Ceia particular X Ceia do Senhor

Em que sentido se manifesta a divisão entre os coríntios? Barret58 afirma

que se pode naturalmente recordar as divisões apontadas em 1Co 1,10ss, mas as

apontadas aqui não serão necessariamente as mesmas. Na refeição a divisão pode

ter sido entre ricos e pobres, ou entre judeus e gentios. Primeiramente, Paulo

menciona que, ao invés de participar da Ceia do Senhor, cada um toma

antecipadamente sua própria ceia (1Co 11,20-21). Estabelece, portanto, uma

contraposição entre Ceia do Senhor e ceia individual. Desta atitude individualista de

cada um tomar sua própria ceia, resulta outra divisão mais grave, ou seja, enquanto

alguns se embriagam, outros passam fome.

Algumas perguntas aqui precisam ser respondidas para a melhor

compreensão da situação que deixa Paulo indignado com os coríntios: como

acontecia a refeição na qual ninguém deveria passar fome e, no mesmo tempo, a

Ceia do Senhor? Quem se embriagava e quem passava fome? Em que sentido a

ceia individual contrastava com a Ceia do Senhor?

58 BARRET, C.K. The First Epistle to the Corinthians. London: Adam & Charles Black, 1968. p.

261.

40

Em relação à primeira pergunta, partimos da afirmação de Lampe de que

“em Corinto, a ligação da Eucaristia com uma refeição completa não deixa dúvida,

embora, à primeira vista, não fique claro como estão ligadas entre si”59. Esta

evidência se verifica na afirmação de que alguns se fartam enquanto outros passam

fome, o que supõe a expectativa de que todos pudessem comer e saciar-se por

ocasião da Ceia. Portanto, devia realizar-se uma ceia completa, com fartura de

comida ou, pelo menos, com quantidade de alimentos distribuída igualmente para

todos.

Quanto ao modo de realizar a Ceia que não vem descrito no texto de Paulo,

este tem sido estudado por diversos autores e foi objeto de um trabalho qualificado

de Gerd Theissen60 que buscou compreender as razões do conflito em Corinto a

partir do contexto social da comunidade. Era uma comunidade marcada por “forte

estratificação social interna”61, como atesta 1Co 1,26: “entre vocês não há muitos

sábios, poderosos e nobres de nascimento”. Pode-se entender que estes poucos

sábios, poderosos e nobres, embora poucos, na verdade dominavam a comunidade

formada em sua maioria por pessoas pobres, ou seja, escravos, libertos e

estrangeiros. Entre esses dois grupos, possivelmente se estabelecia o maior conflito,

na assembléia da comunidade, embora não se deva descartar a possibilidade de

outros conflitos62.

59 LAMPE, Peter. Das korinthische Herrenmahl im Schnittpunkt hellenistisch-römischer Mahlpraxis

und paulinischer Theologia Crucis (1 kor 11.17-34). Zeitscrift für die neutestamentliche Wissenschaft und die Kunde der alteren Kirche, Berlin/New York, S2 (3/4), 1981, p. 183-213. [A Ceia do Senhor em Corinto no ponto de intersecção entre a prática helênico- romana da Ceia e a Teologia Crucis, de São Paulo. (ICo 11, 17-34), Tradução ad hoc de Silvino Arnold]. p. 183: “Die Verbindung von Eucharistie um Sättigungsmahl ist nithin für Korinth gesichert, auch wenn nicht auf Anhieb klar wird, wie beide verknüpft sind”.

60 THEISSEN. Gerd. Sociologia da cristandade primitiva. São Leopoldo: Sinodal, 1987. p. 148. 61 THEISSEN, 1987, p. 149. 62 THEISSEN, 1987, p. 149.

41

Além dos diferentes grupos que encontravam para a Ceia, Theissen levanta

também a hipótese de que havia diferentes inícios da refeição63. A ceia particular

não tinha início estabelecido, começando a ser distribuído algo para comer às

pessoas assim que chegassem. A Ceia do Senhor, entendida como o momento

sacramental, era iniciada com “a palavra do pão” que tornava, segundo Theissen,

não só o pão, mas toda a comida propriedade do Senhor e disponível para todos. O

autor propõe, ainda, a hipótese de que havia diferentes quantidades64 e qualidades65

de comida e de bebida consumidos de forma desigual pelos diferentes grupos. E

assim o autor resume seu modo de ver a Ceia do Senhor em Corinto:

alguns cristãos ricos viabilizavam, através de suas doações, a ceia comunitária a qual previa pão e vinho para todos. Através das palavras do Senhor, essas doações eram declaradas como propriedade do Senhor e, então, colocadas à disposição da comunidade. Por isso, ao lado dessas refeições comunitárias, poderia realizar-se uma “ceia particular”, pois o início da Ceia do Senhor não estava regulamentado e, até esse início (i.é, até as palavras da instituição), as doações t razidas eram propriedade privada. A “ceia particular” acontecia sobretudo porque os cristãos mais ricos comiam, além de pão e de vinho, algo extra, cuja distribuição não estava prevista nas palavras da distribuição.66

Desse modo, a atitude dos mais ricos significava humilhação para os mais

pobres que, além de não terem o que trazer para a refeição comum, eram impedidos

de matar a fome e tinham de assentar-se com irmãos plenamente satisfeitos e até

embriagados.

Lampe, por outro lado, não partilha exatamente da mesma visão de

Theissen sobre o modo de realização da ceia e apresenta outra hipótese, a seu ver,

mais adequada ao sentido comunitário da ceia do senhor. Inicialmente identifica, em

acordo com Theissen,

63 THEISSEN, 1987, p. 153. 64 THEISSEN, 1987, p. 155. 65 THEISSEN, 1987, p. 157. 66 THEISSEN, 1987, p. 160.

42

os que chegaram primeiro como pessoas bem sucedidas socialmente, que dispõem de bastante tempo na parte da tarde, presumivelmente possuem casa própria e sobressaem aos que nada têm, ao passo que os que chegam mais tarde são pessoas humildes, que se atrasam por causa do trabalho, do mercadinho, ou ainda por causa do serviço de escravos.67

Segundo Lampe, porém, o mais provável é que a refeição entre os coríntios

acontecia na forma de “éranos”, ou seja, uma refeição frugal, para a qual cada um

levava sua quota parte. O costume do “éranos”, na afirmação do autor, “remonta aos

tempos homéricos e se acha documentado ainda no século II d.C”68, através de

diversos autores pesquisados por Lampe, como Athenaios, Aelios, Aristides,

Luciano... Por isso, não deveria ser estranho aos coríntios fazerem uma refeição

dessa forma, por sua vez mais adequada ao sentido comunitário e participativo da

comunhão na Ceia do Senhor.

Portanto, não era o dono da casa, segundo Lampe, que forçosamente

colocava sua casa à disposição da comunidade, como também não oferecia a

comida. “É mais provável que cada participante contribuía com sua parte de acordo

com seus recursos. Assim se explica que, no fim, alguns estão com fome: não

tiveram recursos ou tempo para prepararem antes um prato e trazê-lo”69. Por outro

lado, aquilo que foi trazido pelos outros não foi suficiente para todos e até foi

consumido antes da chegada dos mais humildes.

Além de ficarem sem comer, os mais pobres poderiam também estar

insatisfeitos com o lugar que lhes restava na casa ao chegarem. É o que indica Irene

67 LAMPE, 1981, p. 192. (Mit Theiβen und Klauck) “sind die früh Kommenden als sozial Arriviertere

zu identifizieren, die über genügen Zeit am Nachmittag verfügen, vermutlich eigene Häuser besitzen (11, 22a) und sich von den mé exontes abheben (11, 22c), Während die spatter Kommenden kleinere Leute sind, die noch von ihrer Arbeit, ihrem Laden, ihrem Sklavendinst aufgehalten warden.”

68 LAMPE, 1981. p. 194. “[…] der bis in homerische Zeit zurückzuverfolgen ist, aber auch noch für das 2. Jh. N. Chr.”

69 LAMPE, 1981, p. 194. “[…] sondern daβ jeder Teilnehmer nach Vermögen selber Speisen mitbringt. So erklärt sich, daβ am Ende einige hungrig bleiben: Sie haben keine Mittel oder keine Zeit gehabt sich vorher selber eine Speise zur Mitnahme worzubereiten”.

43

Foulkes70 em sua ilustração sobre o modelo de casa que provavelmente acolhia a

comunidade para a ceia. O refeitório, ou “triclinium”, era ocupado pelos mais ricos,

que chegavam primeiro. Aí podiam reclinar-se ou postar-se confortavelmente cerca

de 12 pessoas. Quem chegasse depois, teria de contentar-se com o “atrium”, onde

provavelmente ficaria em pé, ou mal acomodado. Dessa forma, o “éranos” cristão

dos coríntios parecia estar prolongando seus costumes sociais pagãos, pré-

batismais, nos quais as refeições aconteciam entre pessoas da mesma condição

social e os pobres eram atendidos e despachados fora da casa. Pode ser, na

opinião de Lampe71, que os coríntios mais ricos não estivessem se dando conta de

sua falta de acolhimento aos mais pobres e não julgassem isto uma falta grave. Ao

contrário, já havia concedido espaço aos mais pobres para se juntarem a eles na

celebração da Ceia do Senhor, diferentemente do costume social da época em que

pessoas de classes sociais diferentes não se sentavam à mesma mesa.

Para Paulo, entretanto, essa atitude dos mais ricos era absolutamente

condenável e incompatível com a celebração da Ceia do Senhor. Foulkes analisa

com propriedade a manifestação indignada de Paulo contra a injustiça social

praticada pelos membros da Congregação que oprimem os pobres na ceia (1Co

11,21-22). Estes são desaprovados pelo julgamento do Senhor, na opinião da

autora, enquanto que “aprovados como cristão genuínos são os que se põem ao

lado dos fracos e dos pobres”72. Fazer-se omisso, na Ceia, frente às necessidades

dos irmãos mais humildes invalida a própria ceia que não pode mais ser chamada de

Ceia do Senhor. Com efeito, argumenta a autora, se a ceia é do Senhor, ele é o

anfitrião que convida e seu convite inclui a todos. Assim pensa também Schrage que

70 FOULKES, 1996, p. 305–306. 71 LAMPE, 1981, p. 201. 72 FOULKES, 1996, p. 308: “Aprobados como cristianos genuínos son los que se ponen del lado de

los debiles y los pobres”.

44

afirma: “quando a gente se reúne à mesa do Senhor (10,21) a gente é do Senhor e

não se serve a si mesmo. Aí celebra-se a Sua ceia, em conjunto com outros”73.

Devendo ser Ceia do Senhor, na qual Ele faz o dom de si mesmo, foi

transformada em ceia particular, exclusiva de um grupo e excludente. Como observa

Schneider74, a Ceia, em Corinto, foi “desvirtuada de tal modo por algumas pessoas

que ela perdeu seu caráter comunitário”. Por isso, Paulo negou a essa prática o

status de Ceia do Senhor. E, continua Schneider, as divisões em grupos, na igreja

de Corinto, davam-se porque a reunião em torno da mesa comum, que deveria ser o

centro da vivência comunitária, havia sido desfigurada.

Por certo, Paulo entende que a Igreja de Corinto, assim como todas as

igrejas que fundou, deve dar um testemunho de comunhão, de relações igualitárias,

de solidariedade e de fraternidade entre todos os seus membros. Do contrário, os

cristãos de Corinto continuariam repetindo seus costumes sociais pagãos, marcados

pela distância e isolamento na convivência entre os diversos grupos e classes

sociais que formavam a sociedade da época.

2.6 Honra e vergonha

Ao questionar os abusos na Ceia, Paulo está tomando a defesa dos mais

carentes, segundo Irene Foulkes75, e cobrando uma atitude dos outros que são a

causa do problema. Estes, “ao entregarem-se a sua própria comida, excluindo

publicamente os irmãos mais humildes, cometem um grosseiro agravo contra a

73 SCHRAGE, 1999: “Wo man am Tisch des Herrn zusammenkommt (20,21), ist man dem Hern zu

eigen und bewirtet sich nicht selbst. Da feiert man sein Mahl zusammen mit anderen”. 74 SCHNEIDER, Nélio. “Por isso há entre vós muitos fracos e doentes e vários já dormiram”

(1Co11.30) - Pecado e Sacrifício na Ceia do Senhor. Estudos Teológicos, ano 36, n. 2, São Leopoldo, 1996, p. 121.

75 FOULKES, 1996, p. 311.

45

natureza da Igreja”76. E, continua a autora, 1Co 11,22 “faz uma equiparação:

envergonhar e marginalizar os pobres é igual a desprezar a Igreja de Deus”77.

A propósito da expressão de Paulo “envergonhar os pobres”, Irene Foulkes

apresenta um estudo que destaca a honra pessoal como um valor tido em grande

estima pela sociedade greco-romana. Citando B. Malina, a autora define honra como

“autovalorização de cada pessoa e o reconhecimento social concedido a esta

valorização”78. Para conseguir maior grau de honra e reconhecimento social, os

indivíduos competiam entre si, usando, muitos expedientes, como, por exemplo,

fazendo doação de bens ou de dinheiro a pessoas ou grupos carentes, para obter o

reconhecimento como benfeitor. Por outro lado, evitavam-se agressões, desprezo e

acusações que viessem a diminuir ou destruir a honra e a dignidade de qualquer

pessoa.

Aqui se coloca, segundo Foulkes, o nó da questão em Corinto: “pior do que

a fome que passavam, era a desonra que sofriam os irmãos que ficavam sem nada

para comer em meio ao ágape comunitário” e isto se resumia numa conclusão:

“Vocês não contam”79. Pobres, escravos, libertos, mulheres em geral, convertidos ao

cristianismo integravam-se à comunidade em pé de igualdade com os demais,

sentindo-se honrados e acreditando que o Evangelho lhes conferia dignidade.

Porém, o menosprezo dos irmãos mais ricos, em Corinto, lhes arrebatava a honra

recém adquirida. Para Paulo, tal atitude entrava em choque com a fé cristã e o

76 FOULKES, 1996, p. 311. “Al entregar-se a su comida propria, excluyendo públicamente a los

hermanos humildes, cometen um grosero agravio contra la naturaleza misma de la iglesia.” 77 FOULKES, 1996, p. 311.”[Pablo] hace uma equiparación: avergonzar y marginar a los pobres es

igual a despreciar a la iglesia de Diós”. 78 FOULKES, 1996, p. 312: “[...] la autovaloración de cada persona y el reconocimiento social

otorgado a esa valoración”. A honra, portanto, depende das dimensões pessoal e social para de fato conferir dignidade à pessoa.

79 FOULKES, 1996, p. 312: “Con eso tocamos la medula del mal em la cena de Corinto: peor que el hambre que pasaban era la deshonra que sufrían los hermanos que quedaban sin nada de comer een médio del ágape comunitário. El mensaje que tal circunstancia les comunicaba era este: ustedes no cuentan”.

46

testemunho de Jesus que estabeleceu comunhão de mesa com pecadores,

publicanos, pobres e aleijados, sem distinção ou distanciamento.

2.7 Visão Social de Paulo

Pergunta-se, nesta altura das considerações, sobre as reais intenções de

Paulo. Teria o apóstolo visão transformadora e revolucionária do cristianismo a qual

deveria expressar-se na Ceia do Senhor, levando os coríntios a superarem a

estratificação social do seu contexto, ao menos no interior da comunidade cristã? Na

visão de Theissen, “Paulo quer solucionar o problema das ceias particulares”80 e, por

isso, sua palavra de crítica e, posteriormente, de orientação se dirige aos ricos,

recomendando, por exemplo, uma solução parcial: “se alguém tem fome, que coma

em casa” (1Co 11,34). Para todos os efeitos, continua o autor, não se pronuncia

contra toda a comunidade, mas apenas contra uma parte dela, sem condenar

absolutamente a estratificação social. Por outro lado, Irene Foulkes observa que, em

relação a este conflito de tipo sócio-econômico, Paulo “faz sua a queixa dos que

nada têm. Assume a ótica dos pobres sobre o problema e fica indignado com a

vergonha que sentem ao serem marginalizados pelos que têm mais poder [...]”81.

Denuncia com firmeza este mal, esperando que os ricos reconheçam a injustiça que

estão praticando e se convertam, para que a Ceia do Senhor adquira o seu

verdadeiro sentido. Sua intenção, deste modo, tem mais caráter pastoral do que de

transformação social.

Por seu lado, Crossan e Reed, em seu livro Em busca de Paulo, aprofundam

o estudo do confronto entre o cristianismo paulino e o imperialismo romano e, 80 THEISSEN, 1987, p. 163. 81 FOULKES, 1996, p. 315: “[Pablo] hace suyo el reclamo de “los que no tienen nada”. Asume la

óptica de los pobres sobre el problema y se indigna por la verguenza que sienten al ser marginados por los más pudientes [...]”.

47

embora concordem que Paulo não tinha uma intenção primeira de transformação

social, mas

opunha-se a Roma ao lado de Cristo e contra César, não porque o império fosse particularmente injusto ou opressor, mas porque o após tolo questionava a própria normalidade da civilização, uma vez que esta sempre fora imperial, isto é, injusta e opressora.82

O embate mais significativo de Paulo com o Império Romano acontecia em

relação à projeção do imperador Augusto que se chamava Filho de Deus, Deus de

Deus e mandava apregoar por todo o império suas atribuições de Senhor, redentor e

salvador do mundo. A partir da figura central do imperador, formavam-se a estrutura

piramidal da sociedade, dividida em classes sociais fortemente estratificadas e

excludentes. Mas, continuam os autores, Paulo

não pensava em termos de democracia política nem de direitos humanos universais. Apenas proclamava o que o cristianismo nunca teve capacidade de seguir; que nele todos são iguais e que esse fato deveria ser testemunho e desafio para o mundo lá fora.83

Talvez sua proposta para a solução do conflito em Corinto não tivesse sido

ainda de busca de uma igualdade radical, mas deixou claro para sua inconformidade

com a distância e a exclusão que estava se verificando na relação entre ricos e

pobres na comunidade celebrativa.

2.8 “Paradosis”: a tradição da Ceia

A gravidade das divisões entre os coríntios se torna mais evidente se

confrontadas com as palavras e gestos de Jesus na vigília de sua morte. Por isso,

Paulo retoma a tradição da Ceia do Senhor, apresentando-a como parâmetro para a

82 CROSSAN, John Dominic; REED, Jonathan. Em busca de Paulo. como o apóstolo de Jesus opôs

o Reino de Deus ao Império Romano. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 8. 83 CROSSAN; REED, 2007, p. 10-11.

48

ceia da comunidade de Corinto. E, segundo Barbaglio84, o próprio Paulo se coloca

como elo de ligação entre a tradição e o momento atual da Igreja de Corinto quando

afirma que recebeu do Senhor aquilo que está transmitindo (11,23). Não vem ao

caso, neste trabalho, perguntar sobre o modo como Paulo recebeu do Senhor esta

tradição e, sim, perceber que ele quer destacar a centralidade de Jesus na Ceia,

bem expressa nas palavras, nos gestos e nos elementos celebrativos. A tradição da

Ceia que Paulo recebeu do Senhor e transmitiu aos coríntios (11, 23-25), em última

análise, procura manter com fidelidade as palavras e os gestos de Jesus na sua ceia

de despedida com os discípulos.

Na opinião de Irene Foulkes, este parágrafo está estreitamente ligado com o

anterior e, portanto, não deve ser lido e interpretado separadamente, como tem sido

feito muitas vezes, como se Paulo, no parágrafo anterior, tivesse tratado de uma

questão de disciplina pastoral e, agora, de uma instrução litúrgica. “O ponto de união

entre os dois parágrafos, escreve Foulkes, se encontra na pessoa do Senhor Jesus

e sua disposição de dar-se por inteiro até a morte pelos que nada são”85. Assim

colocada, a tradição da ceia com certeza indica a presença real do Senhor na

celebração eucarística. À medida que os coríntios se derem conta deste

fundamento, perceberão também o quão distantes estão de celebrar

verdadeiramente a Ceia do Senhor.

Com este pensamento concordam outros autores, entre eles Schrage que

afirma:

em que consiste precisamente o sentido da citação (da parádosis) não é tão fácil definir e é discutido. Em primeiro lugar, quer esta retomada da tradição, como em 10,16ss, servir para lembrar aos co ríntios os conteúdos

84 BARBAGLIO, 1989, p. 312. 85 FOULKES, 1996, p. 315: “El punto de unión entre los dos párrafos se encuentra em la persona del

Señor Jesús y su disposición de darse por entero hasta la muerte por los que no son nada”.

49

soteriológicos e as conseqüências que enriquecem o aspecto comunitário e devem resultar numa correta celebração da Ceia.86

Entende-se, portanto, que Paulo fundamenta em Jesus Cristo mesmo, em

suas palavras e gestos e no seu testemunho as críticas que fez aos coríntios e as

orientações que vai lhes apresentar para que mudem seu modo de agir e se tornem

dignos de celebrar a Ceia do Senhor.

Deve-se observar inicialmente, no texto paulino da “paradosis”, conforme

Barbaglio, a anotação cronológica: “na noite em que foi entregue” (11,23). “É uma

anotação importante, porque sublinha o caráter histórico da celebração eucarística

da Igreja. Esta se refere não a um evento mítico, situado fora dos limites do tempo,

mas a um fato datável”87. Foulkes partilha desta consideração e completa:

com os versículos 23-26 Paulo demarca o ensinamento sobre a Santa Ceia entre dois horizontes: a) o passado histórico e concreto – “a noite em que foi entregue”, e b) o futuro escatológico – “até que ele venha” (11,26). A fé cristã fica enraizada na história humana, ambiente em que Deus atua.88

Por isso, o tempo e o espaço dado a cada cristão para viver sua vida terrena

se tornam importantes dons do Senhor para que cada um possa cumprir sua missão

e participar da construção do reino de Deus que começa a acontecer já agora, na

vida presente.

Paulo destaca, em especial, o caráter histórico do acontecimento salvífico e

procura mostrar aos coríntios que eles ainda fazem parte da história de salvação que

está acontecendo e de modo nenhum podem ignorar coisas e pessoas deste

86 SCHRAGE, 1999, p. 29: “Worin der Sinn der Zitierung genauer besteht, ist nicht ganz leicht

herauszufinden und umstritten. Am ehesten soll der Rückgriff auf die Tradition wie in 10,16f dazu dienen, die Korinten an die so teriologischen inhalte und die siech daraus ergebenden gemeinschaftfördernden Konsequenzen (vgl. Zu V 26) fur eine rechte Mahlfeier zu erinnern.”

87 BARBAGLIO, 1989, p. 313. 88 FOULKES, 1996, p. 316: “Con los versos 23 y 26, Pablo enmarca la enseñanza sobre la Sancta

Cena entre dos horizontes: a) el pasado histórico y concreto – “la noche que fue entregado” – y b) el futuro escatológico – “hasta que él venga”. La fé cristiana queda arraigada en la historia humana, ambiente en que Diós actúa”.

50

mundo, considerando-se seres espirituais ou já participantes da vida gloriosa de

Cristo. Este intervalo de tempo que, na opinião de Paulo deveria ser de curta

duração, até a segunda vinda do Senhor, estava dado aos seus seguidores para

que, em regime de urgência, colocassem-se plenamente em sintonia com o projeto

de salvação de Jesus, cuja plenitude se dará na sua nova vinda. Neste sentido, se

coloca a ética escatológica de Paulo, que se serve do argumento da segunda vinda

do Senhor para urgir com os cristãos no sentido de viverem uma vida de plena

fidelidade a Cristo e de amor aos irmãos, a fim de não serem condenados com o

mundo.

O apóstolo também acentua, na tradição da Ceia que recorda aos cristãos

de Corinto, a morte de Jesus, pelo fato de situar, inicialmente, “na noite em que foi

entregue” – entende-se: para morrer – e, no final, sua conclusão: “Pois todas as

vezes que comeis deste pão e bebeis deste cálice, anunciais a morte do Senhor até

que ele venha” (11,26). Barbaglio89 afirma que Paulo lembra com insistência aos

coríntios o anúncio da cruz de Cristo, fazendo valer para eles a morte de Jesus

como artigo característico da fé cristã, porque, provavelmente os coríntios estavam

embevecidos com uma cristologia da glória e, conseqüentemente, com uma

antropologia da glória, ou seja, viviam um cristianismo entusiasta e eufórico.

Acreditavam que participando do “sacramento do batismo e da eucaristia, os fiéis

unem-se a Cristo ressuscitado, participando do seu ser celeste. Assim, são

invadidos e penetrados por sua glória, tornando-se habitantes do seu mundo

divino”90.

Os cristãos entusiastas de Corinto consideravam-se, pois, divinizados,

“fortes”, livres dos condicionamentos deste mundo e das realidades materiais. Paulo 89 BARBAGLIO, 1989, p. 146-147. 90 BARBAGLIO, 1989, p. 146.

51

situa-os novamente na história e lhes traz a realidade da cruz de Cristo, que para

eles era um acontecimento do passado. Mostra que é preciso, agora, passar pela

cruz para, depois, quando Ele vier, entrar com Ele na glória. A fé cristã e a

participação na Ceia do Senhor comprometem, pois, o fiel com as realidades deste

mundo, especialmente com aquelas que clamam por justiça, pelas quais Jesus deu

a sua vida.

2.9 O pão e o cálice

Os gestos da ceia do Senhor de tomar o pão, dar graças (eucharistéo), partir

e distribuir91, correspondem, ao ritual judaico de qualquer refeição solene,

principalmente àquela da ceia pascal, na qual a palavra do chefe de família que

abençoava o pão recordava o grande acontecimento da libertação do Egito. Para

Barbaglio92 e Irene Foulkes93, Jesus, no entanto, não se fixa apenas na recordação

do acontecimento passado da páscoa judaica, mas aponta para si mesmo como a

nova páscoa na entrega do seu corpo: “Isto é meu corpo que é para vós” (11,23).

A palavra dá o sentido do gesto de Jesus. O partir do pão transcende o

simples gesto físico e o elemento material, para sinalizar e significar uma nova

realidade, ou seja, a presença real do Cristo que se entrega para o resgate das

pessoas em vista da salvação eterna. Significa também o projeto de Deus que quer

reunir todos os crentes em torno do pão abençoado para formarem um só corpo em

Cristo. Participar deste pão e desta Ceia implica, portanto, um compromisso de fazer

parte deste corpo e zelar pela sua integridade e pelo seu desenvolvimento. Partilhar

91 O verbo grego eucharistéo que significa “dar graças, agradecer por algo recebido” deu origem,

mais tarde, no final do século I, à Eucaristia, nome com o qual passou a ser designada, também, a Ceia do Senhor.

92 BARBAGLIO, 1989, p. 313. 93 FOULKES, 1996, p. 318.

52

o pão na ceia corresponde ao novo modo de viver e conviver proposto por Jesus no

qual as pessoas e suas necessidades são objeto de permanente atenção dos

irmãos. Neste sentido, o corpo do Senhor, presente no pão abençoado e distribuído

a todos na ceia, torna-se um elo de união dos cristãos entre si, para constituí-los

Igreja, corpo vivo de Cristo. Nasce, assim, da participação na ceia do Senhor um

compromisso ético de vida cristã integrada no corpo eclesial de Cristo, no qual os

mais pobres merecem a preferência.

A palavra sobre o pão especifica que “é para vós”. Cristo indica o sentido de

sua entrega: sua morte tem valor salvífico, expiatório, de redenção dos pecados de

todos os que participam da Ceia Eucarística. Na entrega de seu corpo, Jesus

expressa uma solidariedade extrema aos seus, com os pobres e pecadores, com

aqueles pelos quais mostrou profundo amor durante sua vida. É por eles que dá seu

corpo e sua vida, apontando para a misericórdia do Pai para vitória sobre a morte e

para glória futura à qual todos os seus seguidores são convidados. Os coríntios,

entusiastas e espiritualistas, ignoravam o testemunho de entrega de Jesus, sua cruz

e sua morte reconciliadora, para presumidamente se alçarem à comunhão com o

Cristo ressuscitado e vitorioso sobre os poderes deste mundo.

“Este cálice é a nova aliança no meu sangue” (11,25). Na palavra do cálice,

Jesus evoca de forma clara a promessa de uma nova aliança presente na profecia

de Jeremias (Jr 31, 31-34). A aliança antiga havia sido ratificada pelo sangue de

animais. A nova aliança tem o sangue de Jesus Cristo como um selo, definindo para

sempre o compromisso misericordioso do Senhor de perdoar os pecados e acolher

junto de si a todos que seguirem seu Filho e lhe forem fiéis. Foulkes observa que “se

53

estabeleceu uma reação em cadeia: sangue-morte-aliança-perdão dos pecados”94.

Paulo assume esta tradição na interpretação da morte de Cristo, embora não esteja

explicitada tão claramente aqui na palavra do cálice, como o está em 1Co 15,3.

O cálice da nova aliança, como pão repartido, reúne em torno de Cristo, o

anfitrião da Ceia, a Igreja, sua nova comunidade, para viver desde já plenamente a

alegria da vida nova. Este sentido da nova aliança que Jesus quis celebrar com seus

discípulos e pediu que continuassem fazendo em sua memória, os cristãos ricos de

Corinto não estão entendendo, nem vivenciando, à medida que desprezam os

irmãos pobres e não são capazes de repartir sua refeição entre todos. A memória de

Cristo que se dá na Ceia do Senhor será de toda a sua vida, de sua palavra e do

testemunho de amor e compromisso com os mais pobres, manifestado de forma

radical em sua paixão e morte. Embora a iniciativa da nova aliança seja toda do

Senhor e oferecida como um dom para salvação de seu povo, Ele espera e deseja

que se estabeleça também uma aliança de fraternidade, solidariedade e cuidados

entre os irmãos que participam da mesma fé. Paulo igualmente quer que a Igreja de

Corinto seja uma comunidade da nova aliança e procura, por todos os meios,

mostrar-lhe essa direção.

Por isso, conclui Paulo, “quem come deste pão e bebe deste cálice, anuncia

a morte do Senhor, até que ele venha” (11,26). Mais uma vez se pode destacar aqui

a ligação que o apóstolo faz entre Ceia do Senhor e sua morte. Porém, O apóstolo

acrescenta um tema novo: o anúncio. De que maneira se dá o anúncio da morte do

Senhor na Ceia? Através da palavra ou através do rito? Barbaglio afirma que “tudo

leva a crer que Paulo queria referir-se à palavra que acompanha o rito e não ao rito

94 FOULKES, 1996, p. 324: “Se ha estabelecido una relación en cadena: sangre-muerte-pacto-

perdón de los pecados [...]”.

54

em si mesmo”95. E justifica pelo fato de que o verbo katangélete (= anunciais) está

no presente e indica algo que se diz e todas as reuniões comunitárias tinham caráter

ritual e de proclamação. Por seu lado, Schrage entende que “o fazer a memória

(11,25b) e/ou toda a celebração da ceia fazem parte do anúncio da morte salvífica

de Jesus [...]”96. Segundo esta interpretação, pode-se concluir mais acertadamente,

que tanto as palavras como os gestos e ritos da Ceia do Senhor, sempre que é

celebrada, se constituem num claro anúncio da morte de Cristo.

Os coríntios se vêem assim confrontados com o desafio de um anúncio que

exige deles fé e coerência com a morte de Cristo. Até a sua nova vinda, a presença

de Jesus permanece sob o sinal da cruz, embora se anuncie a morte daquele

venceu a morte e está na glória do Pai, de onde há de vir. As divisões e cismas que

ocorrem entre eles e que chegam certamente ao conhecimento de não cristãos,

estão levando-lhes um anúncio contraditório, enquanto alguns permanecem em

comunhão com o Cristo sofredor e outros pensam comungar somente o Cristo

glorioso. Isto exige urgente tomada de consciência e mudança de vida, segundo

Paulo, em vista do julgamento que está próximo de acontecer, pois “todo aquele que

comer do pão e beber do cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e do

sangue do Senhor” (11,27).

2.10 Recomendações práticas

Tendo abordado com clarividência o problema dos coríntios na Ceia do

Senhor e, em seguida, recolocado a proposta original da Ceia conforme a tradição

que tinha recebido, Paulo, a partir do versículo 28, passa a orientar os irmãos de

95 BARBAGLIO, 1989, p. 315. 96 SCHRAGE, 1999, p. 26: “Das Tum zuseinem Gedächtnis (V 25b) oder/unddie gesamte Mahlfeier

gehören also mit der Verkündigung des Heilstodes Jesu zusammen und werden so expliziert.”

55

Corinto para a solução que julga oportuna, necessária e urgente. Pode-se distinguir

quatro propostas nos encaminhamentos conclusivos de Paulo: a) “cada um examine-

se a si mesmo” (11,28); b) “discernir o corpo” (11,28); c) “esperai uns pelos outros”

(11,33); d) “quem tem fome, coma em casa” (11,34).

2.10.1 Cada um examine-se a si mesmo

Paulo está tratando de um problema comunitário cuja causa se manifesta na

atitude de alguns membros da comunidade a qual termina afetando todo o conjunto,

pois o grupo dos mais ricos discrimina os pobres, os que nada têm. Sua primeira

orientação é que cada um examine-se a si mesmo para tomar consciência pessoal

do problema e para dar-se conta de quanto está contribuindo para agravar a crise

comunitária. O tom de censura do texto, desde seu início, vem dirigido mais

precisamente para os que desprezam os pobres, deixando-os com fome na Ceia,

portanto, os ricos, e, aqui, a orientação está voltada também para eles. Porém, o

“examine-se a si mesmo” pode ser tomado como uma palavra dirigida a toda a

comunidade, no sentido de que a correta celebração da Ceia do Senhor exige um

empenho comum para o crescimento de todos, união que se alcança na

reconciliação e superação comunitária dos conflitos e divisões.

Nélio Schneider observa que, em geral, esta expressão de Paulo foi

interpretada como a necessidade de a pessoa conscientizar-se e arrepender-se de

todos os seus pecados para ter condições de uma digna participação na Ceia

Eucarística, o que se tornou um critério contraditório e excludente, ou seja, é a

pessoa, por si mesma que se torna digna desta participação e quem não está

devidamente consciente e arrependido se torna indigno da Ceia. Ao contrário, afirma

Schneider,

56

Paulo não pensa em consciência do pecado em sentido geral. Tanto é que o termo “pecado” nem aparece neste contexto. O que ele está exigindo de cada uma das pessoas da comunidade Corinto, em vista dos problemas que ali foram constatados em relação à celebração da ceia, é uma postura autocrítica, no sentido de que cada uma determine sua responsabilidade no desvirtuamento do sentido da ceia do Senhor.97

O critério para o auto-exame Paulo o deu no parágrafo anterior, ao recordar

a Parádosis da ceia que traz Cristo e sua Cruz para o centro da comunidade. Esta

terá de confrontar sua vida e seus procedimentos com os do Senhor Jesus que

entregou seu corpo e derramou seu sangue em favor de todos. Cada pessoa da

comunidade, ao participar da Ceia, deverá estar em sintonia com os propósitos de

Jesus ao morrer na cruz em favor dos pecadores e dos pobres. E, com certeza, o

auto-exame deverá levar à mudança de vida, conversão de costumes daqueles que

se descobrirem em falta, traindo o projeto da nova aliança que a comunidade deve

testemunhar e anunciar.

2.10.2 Discernir o corpo

O auto-exame proposto por Paulo aos Coríntios está orientado para uma

finalidade definida, ou seja, “discernir o corpo”. Porém, a expressão é passível de

interpretações diversas. Trata-se do corpo de Cristo presente na Ceia ou do corpo

Eclesial, ou seja, o corpo-comunidade reunido em torno do Senhor? No primeiro

caso, os Coríntios deveriam, então, se questionar sobre sua falta de fé no

sacramento, na presença real de Cristo nos sinais do pão e do cálice. Sabe-se que

este não era o caso, pois não consta no texto nenhuma menção à falta de fé dos

Coríntios. Por isso, os autores que abordam o tema, de modo geral concluem pela

segunda interpretação, considerando-a mais coerente com o contexto em que Paulo

questiona a realização da Ceia do Senhor. Assim, Barbaglio, retomando a

97 SCHNEIDER, 1996, p. 122.

57

constatação da falta de solidariedade entre os coríntios demonstrada por ocasião da

Ceia conclui que “não distinguir o corpo quer dizer não reconhecer como tal o corpo

eclesial que se constrói na Ceia do Senhor”98. Para ORR e WALTER, trata-se do

Corpo de Cristo, mas, “o corpo no qual Ele agora está presente é o corpo dos

fiéis”99.

Schrage, entretanto, entende que “soma” (= corpo) aqui não se refere só ao

corpo de Cristo sacrificado na cruz, nem somente à comunidade.

Muito mais parece estar presente o duplo sentido, isto é, a homogeneidade entre o corpo sacramental e o corpo eclesiológico (sentido já observado em 10,16ss) com o que a orientação da eucaristia para a comunidade vem a ser o ponto central, como sendo corpo de Cristo constituído através da ceia, o que é menosprezado em Corinto.100

Com efeito, neste versículo Paulo se refere somente ao corpo, sem associar

nem o cálice, nem o sangue, pelo que se pode concluir que sua intenção estava

voltada para o discernimento do corpo-comunidade, do qual cada participante da

ceia se torna membro. Porém, acrescente-se que o corpo-comunidade, ou corpo

eclesial se congrega em torno do corpo eucarístico de Cristo, distribuído na ceia,

para fazer memória de sua paixão e morte de cruz. Portanto, fica mais completo o

discernimento do corpo, quando este inclui a compreensão do corpo sacramental e

do corpo eclesial.

98 BARBAGLIO, 1989, p. 316. 99 ORR, William F.; WALTHER, James Arthur. I Corinthians: introduction with a study of the life of

Paul, notes, and commentary. New York: Doubleday & Company, 1976. p. 273 “The body in which he is now present is the body of believers”.

100 SCHRAGE, 1999, p. 51: “Vielmeh r scheint mit “soma” die schon in 10,16f zu beobachtendeDoppeldeutigkeit bzw.Zusammengehörigkeit von sakramentalem und ekklesiologichem “Lieb Christi” vorzuliegen, wobei die Ausrichtung der Eucharitie auf die Gemeinde als den church das Mahl konstituierten Leib Christi hier das Zentrale ist, was in Korinth verkannt vierd”.

58

2.10.3 Esperai uns pelos outros

Com esta orientação, Paulo retoma o versículo 21, no qual havia condenado

os coríntios que se apressavam a tomar a própria ceia, ficando fartos e embriagados

enquanto os que chegavam depois passavam fome. A orientação é simples e direta:

“quando vos reunirdes para a ceia, esperai uns pelos outros”. Na simplicidade desta

orientação está inserida a concepção paulina de Igreja como assembléia da

comunidade reunida para celebrar a Ceia do Senhor. Esperar até que estejam todos

presentes, pois, do contrário, não está constituída a comunidade. É necessária a

presença e a participação de todos, não somente na partilha do pão e do cálice, mas

também na ágape, a refeição completa e provavelmente festiva que acompanhava o

sacramento do corpo e sangue do Senhor.

Esperar por alguém implica em valorizar este alguém como pessoa,

reconhecer a importância de sua presença, reservar espaço para sua inclusão.

Quem espera sai de si mesmo e coloca o outro em primeiro lugar, respeitando suas

condições e suas necessidades pessoais. Abre-se para a possibilidade de relações

fraternas, igualitárias e justas. Enfim, manifesta disposição de viver o mandamento

do amor ao próximo, despojando-se de si mesmo em favor do outro. Na perspectiva

de Paulo, esperar pelos mais pobres que só podiam chegar mais tarde para a Ceia

implicava reconhecer que eram igualmente irmãos, amados por Jesus Cristo que por

eles derramou seu sangue e os convocou para viverem a mesma fé e buscarem o

mesmo caminho de salvação. Por outro lado, como afirma Schrage, “onde a espera

ou a acolhida mútua não acontece, a gente se reúne para o juízo”101.

101 SCHRAGE, 1999, p. 57: “Wo das Warten (oder: einander Aufnehmen) aber nicht geschint, kommt

man zum Gericht zusammen”.

59

Por sua morte e ressurreição, Cristo eliminou as barreiras e distâncias entre

ricos e pobres, como também entre homem e mulher, escravo e livre, judeu e grego.

Nestas condições de total abertura para as relações fraternas e para o amor de

Deus manifestado nas pessoas de todas as condições, que integravam a

comunidade cristã, os coríntios deveriam celebrar a Ceia do Senhor. E somente

nestas condições a ceia poderia ser considerada Ceia do Senhor, um acontecimento

marcado pela presença de Cristo, com sua graça abundante, para o bem e o

crescimento de todos.

2.10.4 Quem tem fome coma em casa

Na mesma linha da anterior, vai esta recomendação de Paulo aos coríntios.

Naturalmente o apóstolo a dá visando aqueles que têm casa e têm alguma coisa

para comer e não aos que nada têm. As razões de ter orientado assim a

comunidade parecem claras, embora não explícitas: o respeito pela Ceia do Senhor

e pelas pessoas que dela participam. O motivo de participar da Ceia é a integração

comunitária, a comunhão entre os irmãos e da comunidade com Cristo. Aí não

cabem, portanto, interesses e atitudes egoístas, como as ceias particulares que os

mais ricos faziam. Estas podem ser realizadas em casa, da forma que cada família

pode e costuma fazer.

Theissen102 entende que Paulo busca solução do conflito no patriarcalismo

do amor, ou seja, o amor acima de tudo, o amor tal como testemunhado por Jesus

Cristo, manifestado a todos, indistintamente, impõe-se às questões pessoais e de

grupinhos. O apóstolo não quer eliminar as diferenças de classes existentes na

comunidade cristã e na sociedade de Corinto, mas criar condições para uma

102 THEISSEN, 1987, p. 163.

60

coexistência pacífica entre os irmãos. Assim, remete os ricos para suas casas, onde

podem manter, digamos, discretamente seus costumes e seu status social e manter

as relações entre pessoas da mesma classe. Na Ceia do Senhor, porém,

prevalecem as normas das relações comunitárias e estas devem ser de paz, de

harmonia, de respeito mútuo.

Aliás, segundo Theissen, Paulo transporta os conflitos sociológicos da Ceia

do Senhor para um nível teológico, que transcende as diferenças de classe e as

crises sociais, passando a assumir um caráter simbólico. “Para ele (Paulo), os

conflitos de Corinto fazem parte da prova escatológica da comunidade (11.19)”103.

Haverá em breve, na segunda vinda do Senhor, um julgamento que vai separar

justos e injustos e um dos critérios para a separação será a participação na Ceia do

Senhor. Por isso, comer e beber indignamente transforma o cristão em réu e seu juiz

é o próprio Cristo sacrificado pelos pecados de todos. Aliás, o julgamento já está

acontecendo naqueles que estão fracos, doentes e mesmo morrendo por falta de

solidariedade da comunidade. Fabris entende que “esta leitura paulina da situação

coríntia corresponde ao estilo dos profetas bíblicos que interpretam os eventos

cotidianos em chave religiosa (Am 4,6-12)”104. É necessário que os coríntios

apliquem critérios evangélicos para a interpretação do cotidiano de sua vida e vejam

nele os sinais de Deus que os interpela.

Irene Foulkes aprofunda a compreensão desta passagem afirmando que

“Paulo interpreta a presença de enfermidades e morte (“muitos dormem = estão

mortos”) na comunidade como sintoma de um mal coletivo, no sentido de que a

‘comunidade inteira tem sido afetada pelas ações de alguns, os quais estão criando

103 THEISSEN, 1987, p. 164. 104 FABRIS, 1999, p. 153: “Questa lettura paolina della situazione corinzia corrisponde allo stile dei

profeti biblici che interpretano gli eventi quotidiani in chiave religiosa (Am 4, 6 – 12)”.

61

divisões dentro do único corpo de Cristo’”105. Não são aqueles que se fartam e se

embriagam que sofrem, mas aqueles que nada têm e nem mesmo na ceia

comunitária conseguem saciar sua fome. Estes estão sofrendo doenças e mesmo a

morte e se tornam juízes em nome do Senhor sobre a comunidade. Com efeito,

Paulo espera que os coríntios tomem consciência dos problemas tanto específicos

da realização da ceia, quanto do cotidiano da comunidade, porque a vida cristã tem

que ser vivida dia por dia, no mundo, para nele testemunhar o amor de Deus e a

salvação trazida por Cristo.

Por isso, a advertência de Paulo coloca os coríntios em confronto com o

julgamento do Senhor. Pode-se constatar pelo menos três instâncias que julgam as

atitudes egoístas da comunidade: o próprio Senhor Jesus presente na Ceia, com

seu testemunho de entega até à morte pela salvação de todos; as pessoas que

estão sofrendo na comunidade, fracos, doentes e mesmo os que morreram; e,

também, a consciência pessoal, se confrontada com o testemunho do Senhor e com

a realidade de sofrimento e morte dos pobres. Se, pois, cada um prestar atenção a

estes sinais, fizer um sincero exame de si mesmo e converter-se, poderá livrar-se da

condenação, no julgamento definitivo.

105 FOULKES, 1996, p. 334-335: “Pablo interpreta la presencia de enfermedades y defunciones

(“muchos duermen”) en la congregación como sintoma de un mal clectivo, en el sentido de que ‘la comunidad entera há sido afectada por las acciones de alguns, los cuales están creando divisiones dentro del único cuerpo de Cristo”.

3 RELEVÂNCIA ÉTICA

3.1 Introdução

O estudo desenvolvido até este momento mostra que Paulo, ao tratar da

Ceia do Senhor, está atento e respondendo a um problema particular dos coríntios e

não tem, de fato, nenhuma intenção de lhes oferecer uma teologia da Eucaristia e,

menos ainda, princípios sistematizados de ética. Por isso, se torna necessária muita

cautela para abordar a questão da relevância ética da Ceia do Senhor, em 1Co

11,17–34, uma vez que a tarefa implica em deduzir corretamente do texto e do

posicionamento do apóstolo os princípios e orientações que desejamos explicitar. Ao

final das considerações sobre a Ceia do Senhor, o apóstolo oferece algumas

proposições de ordem parenética, que serão melhor explicitadas a seguir,

acrescidas de outras conclusões que se podem deduzir tanto das críticas por ele

apresentadas como dos argumentos usados para fundamentar a ordem da

celebração e suas implicações na vida prática dos cristãos de Corinto.

Os princípios e orientações de vida cristã oferecidos por Paulo são

encontrados no conjunto das suas cartas e têm sido amplamente discutidos pelos

autores que se dedicam ao estudo da ética paulina. Schrage buscou sistematizar de

alguma forma a ética paulina, a partir de temas fundamentais e presentes em seus

diversos escritos. Ele entende que “Paulo integrou sua ética de tal forma em sua

teologia que uma exposição do enfoque da ética paulina necessariamente terá que

63

esboçar linhas básicas da teologia paulina”106. Teologia e ética caminham juntas na

reflexão de Paulo, como já se constatou acima, dentro do princípio do indicativo e do

imperativo. Contudo pode-se dizer também que este princípio, embora abrangente,

não esgota nem a teologia nem a parênese do apóstolo dos gentios, cuja grande

missão foi transmitir o evangelho como a grande novidade capaz de converter e

fazer mudar de vida muitos povos de tradições e cultura profundamente diversas da

proposta cristã. Isto justifica, de alguma forma, o empenho de Paulo em anunciar

uma teologia sólida e coerente e orientar com clareza o modo de ser e de agir das

comunidades que fundou.

Por isso, Barbaglio afirma que Paulo está sempre atento ao problema ético

dos fiéis107, orientando-os sobre o modo de agir como novos seguidores de Cristo.

“O agir é conseqüência do ser”, um princípio filosófico que pode ser aplicado a

Paulo, embora ele entenda que o ser cristão é uma tarefa nunca acabada, o que vai

exigir da pessoa um processo de conversão permanente que a leve a buscar sempre

ser melhor, para, em conseqüência, também agir melhor. Assim, Paulo nunca deixa

sem resposta as perguntas de seus interlocutores sobre “que fazer?” e responde

tanto com imperativos que apontam opções fundamentais de todo o agir cristão,

como com imperativos dirigidos a comportamentos éticos particulares e específicos.

Para avaliar a relevância ética da Ceia do Senhor, seguiremos, ao menos

em parte, a fundamentação proposta por Schrage108, sem deixar de levar em conta

as observações de Frank Matera109 com relação aos métodos diacrônico e

106 SCHRAGE, 1994, p. 169. 107 BARBAGLIO, Giuseppe. São Paulo : o homem do evangelho. Petrópolis: Vozes, 1993. p. 258. 108 SCHRAGE, 1994, p. 175-190. 109 MATERA, Frank J. Ética do Novo Testamento: os legados de Jesus e de Paulo. São Paulo:

Paulus, 1999. p. 8-18. O método diacrônico considera os escritos do NT, feitos por autores diversos, para comunidades diversas, em situações históricas diversas, como composto em camadas a serem escavadas. Primeiro, a ética de Jesus e dos Evangelhos, depois a ética de Paulo, ou das comunidades primitivas, para concluir com a ética dos demais escritos. Uma

64

sincrônico usados pelos teólogos em seu empenho de sistematizar a ética paulina e

a ética do Novo Testamento. Schrage apresenta, inicialmente, a fundamentação

para a o estudo da ética, em Paulo, a partir de quatro temas abrangentes, quais

sejam: fundamentação cristológica, sacramental, pneumático-carismática e

escatológica. Com exceção desta última, de mais difícil percepção, as demais

fundamentações podem facilmente ser identificadas pela sua incidência de modo

particular na Ceia do Senhor. Complementando os fundamentos éticos propostos

por Schrage, acrescentamos outras duas dimensões auferidas do texto em estudo,

nas quais pode-se encontrar igualmente base para tirar conclusões éticas. Trata-se

das dimensões eclesiológica e antropológica.

3.2 A centralidade de Cristo

Jesus Cristo como acontecimento salvífico, em quem o Pai se fez presente

no mundo para salvação de todos, centraliza o pensamento teológico de Paulo e se

constitui também na sua base ética. Schrage afirma que é impossível reduzir a ética

paulina a um único conceito, mas “se se tentar fazer um resumo do conteúdo, dever-

se-ia dizer que o agir salvífico e escatológico de Deus, em Jesus Cristo, constitui o

ponto de partida e também a raiz da ética paulina”110. O núcleo central da pregação

de Paulo foi o acontecimento redentor da morte e ressurreição de Cristo, que se

tornou fato decisivo para a salvação de toda a humanidade. Assim, em 2Co 5,14–15,

o apóstolo afirma que o amor de Jesus Cristo nos compele a agir, pois ele morreu

por todos a fim de que aqueles que vivem não vivam para si, mas para aquele que

vantagem deste método é perceber a evolução dos escritos do NT. Uma desvantagem é fragmentar o testemunho do NT. O método sincrônico considera o NT como obra unificada, com um testemunho qualificado de vida moral. Os autores buscam a síntese em torno de variados temas significativos. Vantagem de tratar o NT como um todo, mas faz calar a voz individual de seus escritos.

110 SCHRAGE, 1994, p. 174.

65

por eles morreu e ressuscitou. A morte e ressurreição de Cristo, portanto, estabelece

uma nova vida e define a obediência do cristão como um compromisso ético de sua

vida cotidiana.

Na perspectiva do apóstolo, Jesus Cristo morto e ressuscitado conquistou o

status de Senhor, ou seja, se tornou Senhor dos vivos e dos mortos. (Rm 14,9). Seu

poder de Senhor se exerce de modo especial pela justiça salvadora de Deus que

julga com misericórdia o pecador, abrindo-lhe as portas da salvação. Kyrios, o

Senhor, torna-se então um conceito e um fato de fundamental importância para a

exortação ética de Paulo. Constata-se que ele usa, com freqüência as expressões

“em Cristo” e “no Senhor” (1Co, 7,39; 11,11; Fp 1,1; 4,1–4), “em Cristo Jesus” e por

elas expressa a intimidade e a pertença dos cristãos ao Senhor. É “em Cristo” ou “no

Senhor”, por exemplo, que os filipenses devem permanecer firmes (Fp 4,1), acolher

os irmãos (2,29), viver em harmonia (4,2), alegrar-se (3,1), anunciar o Evangelho

(1,14) e receber a paz e os outros dons de Deus (4,19).

Rinaldo Fabris111 destaca a centralidade do fundamento cristológico de

Paulo enumerando a freqüência em que ocorrem determinadas denominações

empregadas pelo apóstolo. Assim, o nome “Cristo” ocorre 379 vezes no epistolário

paulino, sendo 62 vezes na Primeira Carta aos Coríntios, das quais 46 somente

“Cristo” e nas demais 16, “Jesus Cristo” ou “Cristo Jesus”. Somente uma vez

aparece o nome “Jesus”, (1Co 12,3) para indicar a figura histórica do Filho de Deus.

É notável, porém, a solene expressão “Senhor Nosso Jesus Cristo”, de matriz

litúrgica, que ocorre 10 vezes em 1Co, variando a disposição dos três nomes

principais.

111 FABRIS, 1999, p. 229-230.

66

Toda a primeira carta aos coríntios está escrita na perspectiva da fé

cristológica, afirma Fabris. Na abertura, Paulo introduz a exortação em nome do

Senhor Nosso Jesus Cristo (1Co 1,10). Na metade (8,6) contrapõe aos muitos

deuses e senhores de Corinto a fé em um só Deus e Pai e num só Senhor Jesus

Cristo, por quem tudo existe e por quem nós somos. Ao final, conclui a carta

associando o destino salvífico dos fiéis à ressurreição de Cristo, rendendo graças a

Deus que dá a vitória por meio do Senhor Nosso Jesus Cristo (15,57). Ao final, o

Senhor aparecerá como juiz de todos (4,5), não, porém, para a condenação, mas

para dar a cada um o louvor que lhe é devido. “Em síntese, o horizonte do processo

salvífico é dominado pela figura de Jesus Cristo, o Senhor ressuscitado e

glorioso”112.

Da mesma forma, no texto referente à Ceia, podem-se distinguir ao menos

três ênfases dadas por Paulo sobre a centralidade de Cristo. Logo de início,

confronta a ceia particular com a Ceia do Senhor. Cristo é o Senhor da Ceia, ele a

convoca e a confirma quando a comunidade se reúne de fato por sua causa. Ele é o

centro e o motivo principal de os coríntios estarem juntos naquele momento

celebrativo e, por isso, não se poderiam justificar atitudes individualistas e

discriminatórias. Em seguida, o apóstolo afirma que o Senhor que reúne os coríntios

para a Ceia é o mesmo que transmitiu a Paulo a tradição da Ceia, a Parádosis, pela

qual se atualiza o mistério da entrega do corpo e do sangue do Cristo, feito na ceia

com os discípulos, para memória de sua paixão e morte de cruz em favor dos fiéis. E

por fim, ele é o Senhor que julga os fiéis de Corinto que comem do pão e bebem do

cálice indignamente e sem distinguir o corpo.

112 FABRIS, 1999, p. 230: “In breve l’orizzonte del processo salvifico è dominato dalla figura di Gesù

Cristo, il Signore risorto e glorioso”.

67

3.3 Os Sacramentos como fonte

O sacramento também se constitui num fundamento teológico para o agir

cristão, pois os sacramentos indicam a presença real de Cristo na pessoa e na

comunidade e sua proposta de vida regenerada a caminho da salvação definitiva.

Segundo Schrage113, o sacramento como fundamentação teológica da ética paulina

seria como um sub-capítulo da fundamentação cristológica, visto que o específico da

sacramentalidade está na presentificação do evento Cristo.

3.3.1 Batismo

Esta acentuação própria de Paulo coloca o evento Batismo em paralelo com

o evento morte e ressurreição de Cristo, como em Rm 6,3 -4:

não sabeis que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus é na sua morte que fomos batizados? Pois pelo batismo fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova.

Viver a vida nova de batizados significa, para cristão, primeiro morrer para a

vida primeira, de pecado e distante do amor de Deus, para assumir agora uma

busca de identidade com Cristo.

Com efeito, acentua Schrage, o batismo “é um acontecimento ‘com Cristo’,

um morrer-com, um ser crucificado-com, um ser sepultado-com Cristo ou também

um ‘revestir-se de Cristo’, que fundamenta a pertença a ele (Gl 3,27–29)”114.

Incorporado em Cristo e na sua morte, o cristão terá que viver agora distante do

pecado, como reconhecimento da vitória da graça e do senhorio de Cristo. Que o

pecado não domine sobre vós. Embora não viva ainda a experiência da plena

113 SCHRAGE, 1994, p. 177. 114 SCHRAGE, 1994, p. 177.

68

ressurreição como Cristo, o cristão vive a existência de batizado marcada por esta

novidade radical que define suas opções e sua conduta. Em parte a novidade se

realiza na liberdade que qualifica a vida dos seguidores de Cristo, libertos do pecado

para o servirem livremente. Tendo sido libertado por Cristo o cristão como que

abdica de sua liberdade para ser servo, servir a Cristo, seu novo Senhor e, por

causa dele, servir os irmãos, como Paulo que, “livre em relação a todos, se fez servo

de todos, a fim de ganhar o maior número possível” (1Co 9,19).

O cristão recebe a vida nova no batismo e, contudo, deve apropriar-se desta

vida nova, vivendo como batizado. Nisto se fundamenta sacramentalmente a ética

paulina: tornar-se o que se é. Porém, em 1Co 6,11, Paulo diz aos coríntios que eles

foram lavados, purificados e justificados no Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito, ou

seja, a santificação é dom e graça de Deus e não fruto do esforço pessoal. É

vontade de Deus a santificação dos fiéis e temos aí um indicativo paulino, do qual

nasce o compromisso com a santificação como um imperativo.

3.3.2 Eucaristia

Da mesma forma que o sacramento do Batismo, também o sacramento da

Ceia do Senhor fundamenta uma ética cristã, na visão de Paulo, como atitudes de

compromisso com o Senhor e com os irmãos que devem ser continuamente

renovados e atualizados pelos cristãos. Aliás, este é o destaque que se quer dar,

neste trabalho, que procura ampliar, enquanto possível, o estudo da relevância ética

da Ceia do Senhor, nos escritos paulinos, ou melhor, no capítulo 11 da Primeira

Carta aos Coríntios. Com razão, já se observou que lamentavelmente Paulo não

oferece uma reflexão mais ampla e sistematizada sobre o tema “Eucaristia” e as

69

orientações de que se dispõe estão basicamente em 1Co 10 e 11, quando aborda as

questões relativas à assembléia da comunidade reunida para a Ceia do Senhor.

Pode-se ampliar o estudo para os capítulos 12 a 14 da mesma carta aos

coríntios que, de alguma forma, têm relação de continuidade com os conflitos

apontados na realização da Ceia. Nestes capítulos, o apóstolo trata do bom uso dos

carismas que os cristãos recebem como dons do Espírito para a utilidade de todos e

a edificação da comunidade, que é o corpo de Cristo. De modo geral, os carismas

são dons para serem exercidos como serviço nos encontros celebrativos da Igreja.

Os coríntios eram inclinados a apreciar os mais vistosos e a utilizá-los de forma

confusa e competitiva. Paulo mostra que a caridade está acima de todos os

carismas e a apresenta como dom que jamais passará, portanto, um compromisso

permanente dos cristãos. Por fim, no capítulo 14, oferece uma hierarquia dos

carismas de acordo com o bem que cada um pode trazer para o crescimento da

comunidade.

Como em relação ao Batismo também se pode dizer em relação à Eucaristia

– à Ceia do Senhor – que se trata de um sub-capítulo da fundamentação

cristológica. O Senhor Jesus, morto e ressuscitado se torna o centro da comunidade

celebrativa, realidade que Paulo acentua decisivamente, como já foi visto acima.

Nesta linha, Schrage afirma que “o fato de a Ceia do Senhor ser a autocomunicação

do Senhor, na qual ele próprio está presente, em todo o caso tem conseqüências

éticas consideráveis”115. Primeiramente, porque Paulo apresenta a Ceia como

memória da morte de Cristo. Não como uma simples recordação de um fato histórico

e recordação de um ente querido ou famoso, mas como atualização dos motivos de

sua morte, ou seja, o perdão dos pecados e o início da nova era de salvação aberta

115 SCHRAGE, 1994, p. 180.

70

para todas as pessoas. Por isso e ao mesmo tempo, a Ceia é anúncio da morte do

Senhor, tanto para os participantes quanto para os de fora que são também

destinatários da proposta evangélica e devem ser cativados para o caminho da vida

nova.

Lampe associa a memória da morte de Cristo na Ceia com o cuidado dos

pobres afirmando que “a atualização da morte de Cristo, para Paulo, a quintessência

do rito eucarístico (11,26), leva a uma conduta que não deixa o faminto de lado”116.

Como Paulo constrói esta ponte entre sacramento e ética? Lampe destaca três

pontes que se pode deduzir das palavras do apóstolo: a) Cristo morreu também e

principalmente pelos fracos e pobres, assim como para eles viveu e a Ceia atualiza

essa dimensão inclusiva da morte do Senhor; b) na morte, aconteceu o

despojamento total de Cristo por amor aos pobres e pecadores, o que compromete

os participantes da Ceia, especialmente os mais ricos, a se despojarem também de

si mesmos em favor dos que nada têm; c) a Ceia atualiza a morte de Cristo, o que

implica que os participantes dela morrem também com Cristo como no Batismo,

deixando seus instintos egoístas e engajando-se em favor dos outros.

Assim, conclui Lampe,

o anúncio desta morte acontece na Ceia do Senhor, não só pelos atos litúrgicos da fração do pão e do beber o vinho, que atualizam essa morte e não só pelas palavras de ação de graças da bênção que acompanham o rito. O anúncio acontece durante a Ceia do Senhor (e em outros momentos no cotidiano), sobretudo pelo comportamento inter-humano dos cristãos, o qual deve corresponder à atitude de Cristo que, na morte se entregou pelos outros.117

116 LAMPE, 1981, p. 209: “Die Vergegenwärtigung des Todes Christi, für Paulus die Quintessenz des

eucaristischen Ritus (11,26) führt zu einen Verhalten, das den Hungernden an der Seite nicht vernachlässigt (11,22)”.

117 “Die Verkündigung dieses Todes geschieht im Herrenmahl nicht nur durch die diesen Tod darstellenden liturgischen Akte des Brotbrechens und Weintrinkens, und nicht nur durch die den Ritus begleitenden Dankes und Segensworte. Sie geschieht während des Herrenmahles (und sonst im Alltag) vor allem auch durch das zwieschenmenschliche Verhalten der Christen das den Sich-für-andere-Hingeben des Christustodes entsprechen soll. Erst in diesem Sich-Hingeben

71

A disposição de entregar-se sem reservas pelo bem dos outros torna

autêntico o anúncio da morte de Cristo, na Ceia e lhe dá consistência como memória

e atualização. Nesta dimensão, a Ceia do Senhor, como sacramento da sua entrega,

compromete significativamente os participantes em relação aos irmãos mais

carentes e a sua efetiva inclusão na comunidade.

3.4 Edificar a Igreja

Paulo usa duas vezes, no texto em estudo, a palavra ekklesía, que

traduzimos por “igreja”: “quando vos reunis como igreja”(en ekklesía) (1Co 11,18) e,

mais adiante, pergunta aos coríntios: “desprezais a igreja de Deus?”(ekklesía tou

Theou) (1Co 11,22). Fabris118 registra que, na Primeira Carta aos Coríntios se

encontra cinco vezes a expressão “igreja de Deus” e 22 vezes a palavra “igreja”.

Esse número é significativo se comparado à ocorrência mais restrita do termo nas

outras cartas, já que em Romanos ocorre cinco vezes, em 2Coríntios, nove vezes e

três em Gálatas.

Evidentemente o apóstolo não tinha a compreensão ampla do sentido de

Igreja como se dá hoje, considerando que a atual compreensão começou a se

elaborar exatamente com as experiências das primeiras comunidades cristãs e

evoluiu consideravelmente com o correr do tempo. Contudo, Paulo, a seu modo,

considerava as comunidades cristãs como igreja de Deus e a via com muita

propriedade na Ceia do Senhor. De modo geral, observa Fabris, quando Paulo se

refere à Igreja, tem em mente a comunidade localizada numa determinada cidade ou

região e mesmo circunscrita a um grupo de cristãos que se reuniam em determinada

verkünden die Christen den Heilstod Christi recht: Erst so stellen sie den Tod Christi anderen Menschen konkret erlebbar dar, ihn repräsentierend und vergegenwärtigend”.

118 FABRIS, 1999, p. 237.

72

casa. Para o autor, “somente no caso de 1Co 15,9, onde Paulo diz que havia

perseguido a ‘igreja de Deus’, se pode pensar que ele se referisse não a uma igreja

local, mas às diversas comunidades cristãs que são a “igreja de Deus”119. Mas, em

1Co 12,28, quando o apóstolo diz que “Deus estabeleceu na Igreja, em primeiro

lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar homens

encarregados do ensinamento [...]” pode estar também considerando a igreja no

conjunto de todos os batizados. Igualmente o empenho de Paulo em promover uma

coleta em favor da igreja de Jerusalém talvez não tenha ainda a perspectiva de

universalidade da Igreja, mas já deixa claro o grau de comprometimento que deve

existir entre as diversas igrejas locais motivadas pela mesma fé e pelo seguimento

de Jesus Cristo.

A eclesiologia das cartas paulinas, por certo, oferece elementos para um

estudo amplamente rico em expressões, imagens simbólicas e conceitos, o que não

é proposta deste trabalho. Cabe aqui destacar a visão de Paulo de que a

comunidade reunida em assembléia litúrgica constitui a igreja de Corinto. Estando

reunida para celebrar a Ceia do Senhor, a igreja deve caminhar para o melhor (1Co

11,17) porque é objeto de crescimento da parte de Deus (1Co 3,6) e de edificação

(1Co 3,9-11;14,5.12.26). Participando, então, da celebração da ceia, os coríntios são

convocados a fazer crescer a comunidade-igreja, pois estão comprometidos com

ela, e à medida que servem estão servindo o próprio Cristo.

Paulo explora com mais propriedade o conceito de igreja a partir da relação

com a imagem do corpo. Em 1Co 10,16–17, dá sua interpretação do pão partido na

Ceia – é a comunhão com o corpo do Senhor – e todos os que participam do mesmo

pão, embora sendo muitos, formam um só corpo. Proclama, assim, a unidade da

119 FABRIS, 1999, p. 237.

73

Igreja em torno do corpo de Cristo para que ela mesma seja um corpo unificado,

santificado e testemunhe o amor de Cristo ao mundo. A conseqüência desta visão

eclesiológica se faz notória, logo a seguir, quando trata das divisões e do

individualismo dos coríntios na Ceia do Senhor. Paulo condena veementemente tais

atitudes que não condizem com o sentido da Ceia e destroem a comunhão e a

unidade da igreja. Implicitamente, nesta condenação, está indicando também a

orientação ética para os coríntios a quem cabe continuar a tarefa de edificar a igreja-

comunidade, promovendo a união e as relações fraternas entre os irmãos a partir da

experiência de comunhão com o corpo e o sangue do Senhor. Para isso ele recorda

a tradição da Ceia, na qual Cristo entregou seu corpo para que, imolado por vós, se

tornasse o elo de união e fortalecimento do novo corpo-comunidade-igreja em

formação, como espaço para santificação. E ainda conclama os coríntios tomarem

consciência do corpo – mais precisamente do corpo eclesial – ao comerem e

beberem na Ceia, pois, do contrário, estariam comendo e bebendo a própria

condenação.

Paulo continua extraindo riquezas desta imagem do corpo no capítulo

seguinte da Carta aos Coríntios, tendo como figura central, não a simples lembrança

de um corpo físico, mas Jesus Cristo morto e ressuscitado, aurora de uma nova

humanidade. A ele, os cristão se unem pelo batismo e se mantêm vinculados pela

eucaristia, sendo fortalecidos pelo Espírito Santo. Desta forma se tornam membros

do corpo de Cristo e membros uns dos outros, constituindo a Igreja da qual cada um

participa exercendo seus dons e carismas em vista do crescimento e da salvação de

todos. Outros textos de Paulo ainda podem se somar aos de 1Coríntios para

completar a compreensão da imagem do corpo e sua referência à Igreja. Porém, em

síntese, pode-se dizer que Paulo tem um abrangente discurso sobre Igreja e, nela,

74

vê os cristãos comprometidos uns com os outros em busca da construção do corpo

de Cristo no qual todos possam chegar à salvação. Nesta imagem do corpo, inclui-

se também o conceito de comunhão (koinonía) muito claro para o apóstolo para

exprimir o sentido da participação dos fiéis na ceia do senhor e também na

construção de seu corpo eclesial.

3.5 O peso da antropologia

Em pelo menos duas passagens do texto de 1Co 11,17-34, Paulo aponta o

valor da pessoa como critério para tomar atitudes coerentes e responsáveis: quando

questiona os coríntios, em 11,22, perguntando – “quereis envergonhar aqueles que

nada têm?” e, em seguida, nos versículos 28 e 31, propondo que cada um examine-

se a si mesmo antes de comer do pão e beber do cálice. Ao questionar o desprezo

pelas pessoas mais pobres, fato que acontecia na Ceia, onde eles passavam fome

enquanto outros se fartavam e se embriagavam, Paulo está colocando, ao lado de

argumentos cristológicos e sacramentais, também o argumento antropológico como

fonte de imperativos éticos. E mais ainda, apelando para o exame pessoal de cada

um, ele demonstra acreditar no valor da consciência pessoal e na capacidade

individual de perceber o mal e fazer opção pelo bem.

Na verdade, aqui se levanta o amplo tema da antropologia paulina que,

certamente, não está explicitada nestes dois versículos citados acima e deveria ser

pesquisada no conjunto de suas cartas. Perguntam-se os estudiosos da ética

paulina se, numa teologia tão fortemente cristocêntrica como a sua, o homem,

entendido como cada pessoa humana, é capaz por si mesmo, de ter consciência, e

de fazer escolhas eticamente coerentes. Em síntese, “quem é o homem (ou a

humanidade) para Paulo” é uma das questões atuais para a teologia do Novo

75

Testamento, na qual se espelha e se alimenta tanto a antropologia como a ética e

que nem sempre apresenta respostas convergentes.

Murphy O’Connor entende que o cristocentrismo de Paulo ilumina a

realidade inteira e afirma:

Cristo é o centro da fé cristã. Paulo aceitava plenamente isso, de forma que, para ele Cristo era o começo e o fim, não só da salvação, mas também de tudo. Sua perspectiva inteira sobre a realidade estava condicionada por sua visão de Cristo. Especificamente, sua compreensão do que a humanidade podia e devia ser estava enraizada em sua compreensão da humanidade de Cristo.120

Para Paulo, Cristo é o novo homem, modelo para a nova humanidade. É a

imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criatura (Cl 1,15). Paulo entende

a pessoa humana não a partir da observação de seus contemporâneos e de si

mesmo, mas a partir de Cristo, o homem perfeito, porque livre do pecado e

inteiramente voltado para o cumprimento da vontade do Pai. Entende-se, pois, que

ele tenha colocado a humanidade de Cristo como critério para julgar a humanidade

de outras criaturas.

Por outro lado, afirma Paulo em Rm 3,9 que todos, tanto os judeus como os

gregos estão sob o poder do pecado. O pecado entrou no mundo por meio de Adão

(Rm 5,12–14) e reina com poder tal que escraviza a humanidade (6,6.17). O homem

carrega em si a marca indelével do pecado e somente pode libertar-se em Cristo,

que venceu o pecado e a morte, pela cruz e ressurreição, trazendo a profusão da

graça. Pode-se deduzir daí uma visão pessimista da condição humana e totalmente

dependente da ação regeneradora da graça de Deus.

Contudo, afirma que foi para vocês serem livres que Cristo os libertou, e

Kaesemann conclui então que “a fé no Deus que justifica, anunciada com todo o

120 MURPHY-O’CONNOR, Jerome. Antropologia Pastoral de Paulo: tornar-se humanos juntos. São

Paulo: Paulus, 1994. p. 33.

76

ardor por Paulo, põe fim ao domínio da lei e também às estruturas religiosas e às

convenções ou discriminações sociais que vigoravam antes”121. Assim, a liberdade

de agir de acordo com o bem e na direção da salvação está com aqueles que

aceitaram, pela fé, pertencer a Cristo, a ele submeter-se e com ele estabelecer

comunhão. Nestes o Espírito Santo age, dando-lhes a capacidade de auto-crítica

para seguir vivendo a fidelidade à nova vida em busca da identidade com Cristo que

morreu e ressuscitou para a salvação de todos. A identificação com Cristo é um

apelo persistente na vida humana e, segundo Kaesemann122, para Paulo o homem é

um ser provocável e constantemente provocado. Os apelos que o apóstolo dirige

aos seus filhos têm, em primeira mão, esta função de provocá-los para que estejam

atentos a si mesmos e aos perigos que ainda correm de caírem novamente na

escravidão anterior à fé, marcada, entre outros pecados, pelo egoísmo, o

individualismo, o desprezo e indiferença aos outros e às suas necessidades.

Murphy O’Connor, ampliando esta compreensão antropológica, afirma que

para Paulo o ser humano é criatura e necessariamente existe em relação de

dependência ao Criador, mas uma relação progressiva e aberta. Assim,

o ser das criaturas humanas é tal que elas podem se dar a si mesmas diversos modos de existência. Tornam-se o que escolherem tornar-se e essa escolha situa-se sob duas opções fundamentais: ‘vida’, que é humanidade autêntica, e ‘morte’ que é humanidade espúria.123

A humanidade autêntica entrou no mundo através de Cristo, cujo distintivo

foi sua capacidade criativa e total de amar a ponto de dar a vida pela salvação de

todos. Se ele viveu esta doação plena foi para mostrar que os seres humanos

121 KAESEMANN, Ernst. Perspectivas Paulinas. São Paulo: Paulinas, 1980. p. 10. 122 KAESEMANN, 1980, p. 13. 123 MURPHY O’KONNOR, 1994, p. 87.

77

também podem chegar a vivê-la, na medida em que se abrirem para o amor de

Cristo e para os outros.

Outra dimensão do humanismo paulino vem desenvolvida por Álvares

Verdes e diz respeito à consciência (syneidesis) que é uma instância comum a todas

as pessoas (Rm 2,15). O autor entende que “a consciência aparece como uma

instância autônoma, objetiva e insubornável, e subjetivamente decisiva do agir

moral”124. Paulo a se situa no âmbito da razão, mas seus juízos não coincidem

necessariamente com os da razão, como atesta 1Co 8,10. Diante da consciência a

pessoa deve responder, exercendo sua responsabilidade tanto em relação ao agir

pessoal como alheio. Por seu caráter reflexivo e examinador, a consciência supõe

uma atitude prévia de examinar-se (dokimatzein) com a qual a razão realiza o

discernimento do bem e do mal em relação às situações concretas (Rm 12,2 e 1Co

11,28–29). A consciência não cria normas e leis, como também não se limita a

repeti-las, mas busca critérios sempre novos que brotam de situações emergentes

da existência. Paulo identifica, segundo Álvares Verdes, a consciência como

instância eticamente neutra, ou seja, não é boa nem má, mas pode ser fraca ou

errônea, na medida em que não está suficientemente preparada para emitir um juízo

de acordo com a realidade e, neste sentido, não se pode dizer que o apóstolo

identifica consciência com a voz de Deus.

Para solucionar os conflitos da Ceia do Senhor, em Corinto, Paulo conclama

os cristãos daquela comunidade, em primeiro lugar a respeitarem-se mutuamente,

não envergonhando nem excluindo os pobres do banquete, mas, ao contrário,

esperando uns pelos outros para que a ceia seja sinal de solidariedade e de

124 ALVARES-VERDES, Lorenzo. Caminar en el Espíritu: el pensamiento ético de San Pablo.

Roma: Editiones Academiae Alphonsianae, 2000. p. 145: “La conscienza aparece como uma instancia autónoma, objetiva e insobornable, y subjetivamente decisiva del obrar moral”.

78

fraternidade. Ao mesmo tempo, embora sem usar a palavra syneidesis, mas

“examinar-se”, apela para a consciência e o discernimento dos coríntios a fim de que

entendam o sentido eclesial do banquete e do sacramento que estão celebrando.

3.6 Até que ele venha

O argumento escatológico encontra-se presente em diversas circunstâncias

da passagem de 1Co 11,17–34 sobre a Ceia do Senhor, e não poderia ser diferente,

uma vez que o evento Ceia evoca a presença de Cristo ressuscitado e glorioso que

chama a comunidade a caminhar com ele rumo à salvação eterna. Portanto, a

argumentação escatológica que aponta para o destino último dos cristãos, o

julgamento final, a vida após a morte e a ressurreição faz parte integrante não só da

insistente pregação evangélica de Paulo, como também é fonte de critérios éticos

para o agir dos seguidores de Cristo. Na verdade, para o apóstolo aquilo que

aparentemente se situa no futuro, que se poderia chamar de “as últimas coisas”,

como sublinha Bornkamm125 deveriam ser assumidas como as primeiras coisas.

Com efeito, a tradição da Ceia relembrada por Paulo (1Co 11,23-25) traz o

Senhor morto e ressuscitado para o centro da celebração e ao partir o pão e

distribuir o cálice ele repete a solicitação de fazer isto em sua memória. Segue-se,

ainda, que na conclusão da "parádosis”, o apóstolo dá sua interpretação deste

momento sacramental dizendo que sempre que a comunidade se reúne para partir o

pão e distribuir o cálice, anuncia a morte do Senhor, até que ele venha (11,26).

Igualmente os argumentos sobre julgamento e condenação usados nos versículos

seguintes, apontam para a dimensão escatológica, mostrando que as atitudes

tomadas naquele momento da celebração terão conseqüências para esta vida e

125 BORNKAMM, Günther. Paulo: vida e obra. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 222.

79

também para a vida futura. É importante para o apóstolo que os coríntios se dêem

conta de que eles são uma comunidade eleita, um sinal escatológico, um caminho

de salvação eterna, não só para aqueles que já participam da mesma fé, mas

também para todo o povo.

Pode-se dizer, como Schrage, que “também a escatologia paulina, porém,

se situa essencialmente no marco da cristologia e nela tem sua base e seu

centro”126. Tal centralidade se verifica em relação ao presente, onde a morte e a

ressurreição de Jesus fazem acontecer a mudança radical de vida e introduzem a

realidade da presença salvífica, como também na relação com o futuro, no qual a

esperança da parusia com Cristo é expressa nas fórmulas de estar-com-o-Senhor ou

estar-com-Cristo. A fé faz nascer essa firme esperança no destino último da pessoa

que já em vida busca comunhão com o Senhor. O senhorio de Cristo, continua

Schrage, tanto no presente quanto no futuro, torna-se motivo escatológico da ética

paulina. Aqueles que já são do Senhor, mas ainda não são perfeitos projetam-se

para a frente, como o próprio Paulo testemunha de si mesmo em Filipenses 3,12.

O já e o ainda-não de Paulo se refletem amplamente em seus textos, como

em Fp 4,4ss, convidando-os à alegria pela iminente vinda de Cristo; em 1Co 7,29

lembra que este mundo é passageiro; em 1Co 15,50-51 anuncia a ressurreição e a

transformação dos sobreviventes; e, paralelamente, prega que o tempo já se

completou (Gl 4,5), que a nova criação em Cristo já está presente (2Co 5,17) e que

os últimos tempos já atingiram os fiéis (1Co 10,11). Não que Paulo tenha uma visão

pessimista ou assustadora deste ínterim da vida que corresponde ao tempo entre a

primeira e a segunda vinda de Cristo. Mas, como afirma Bornkamm, este tempo

intermediário, mais do que “um resíduo terreno a ser suportado com paciência, é a

126 SCHRAGE, 1994, p. 184.

80

condição de salvos, à qual Cristo morto e ressuscitado dá significado e conteúdo. A

temporalidade e a historicidade são o terreno sobre o qual se move e se verifica a

fé”127.

Na Primeira Carta aos Coríntios, Paulo dedica o amplo capítulo 15 ao tema

da ressurreição dos mortos. Pode-se dizer que a fé na ressurreição de Jesus foi o

centro do evangelho de Paulo e deu sustentação ao seu conturbado itinerário de

vida missionária e de corrida em busca desta meta pessoal – estar com Cristo

ressuscitado. Contudo, além de propagar este dado fundamental da fé, Paulo tem

que debater-se com aqueles, em Corinto, que negam o valor da ressurreição. Na

expressão de Fabris, há uma

tendência antiescatológica presente na comunidade de Corinto. Alguns privilegiam o aspecto espiritual da vitória sobre a morte e colocam entre parênteses a história com seus limites e a precariedade da existência. Em outras palavras, consideram que já chegaram à fase final da salvação, que coincide com o reino de Deus (1Co 4,8).128

Provavelmente se trata do grupo dos espiritualistas entusiastas que

consideram irrelevante a futura ressurreição do corpo porque já tem a ressurreição

antecipada na sua experiência espiritual. A estes, Paulo relembra com insistência o

valor atual da morte Cristo, anunciada em cada celebração da Ceia como

testemunho de solidariedade com os mais necessitados.

Porém, sua ênfase se coloca no julgamento do Senhor que morreu em favor

dos pobres e pecadores, e está presente na comunidade como juiz. O julgamento já

acontece nos fatos cotidianos da comunidade, especialmente na pessoa dos fracos,

doentes e dos que já morreram por falta de solidariedade comunitária e serve de

127 BORNAKAMM, 1992, p. 225. 128 FABRIS, 1999, p. 245: “[...] una tendenza antiescatologica nella comunità di Corinto. Alcuni

privilegiano l’aspetto spirituale della vittoria sulla morte e mettono fra parentesi la storia con i suoi limiti e la precarietà dell’esistenza. In altre parole, essi si considerano già arrivati allá fase finale della salvezza che coincide con il regno di Dio (1Co 4,8)”.

81

alerta para a correção dos faltosos. Mas, será definitivo quando o Senhor vier

novamente. O vocabulário forense intensamente usado pelo apóstolo nos versículos

29, 31, 32 e 34, em palavras como “juízo”, “julgamento”, “réu” e “condenação”, tem a

intenção de criar impacto nos cristãos de Corinto. Mostra que estão na iminência de

um sério juízo, no qual serão tidos como réus e condenados se persistirem comendo

do pão e bebendo do cálice indignamente, ou seja, indiferentes às necessidades

básicas dos irmãos mais pobres. É importante que façam um auto-exame sincero e

mudem de comportamento na comunidade para não correrem o risco da

condenação com o mundo, que será definitiva. Assim, o argumento escatológico

com a perspectiva de tudo o que está por acontecer, irrompe no presente da vida

cristã, cobrando dos seguidores de Cristo atitudes e ações coerentes com o bem de

todos, em vista do bem maior, a glória eterna, prometida para todos os que forem

fiéis até o fim.

4 ATUALIZAÇÕES

4.1 Introdução

O estudo desenvolvido até o momento abre muitas perspectivas de

atualização, ou seja, pistas para enriquecer a reflexão sobre o nosso momento atual.

Este, evidentemente, é o sentido último do estudo da palavra de Deus: compreendê-

la no seu contexto original e traduzi-la para os desafios de cada etapa da história

porque, se a palavra é de Deus, vale para todos os tempos. É hora de nos

perguntarmos: que luzes este estudo pode lançar para o nosso tempo? Que

imagens se pode recolher do “espelho corintiano” para confrontar com as da vida

contemporânea em busca do melhor modo de ser e agir humano e cristão? A nosso

ver, o texto estudado, enriquecido pela relação com outros textos paulinos, abre

inúmeras janelas para a reflexão de hoje das quais elencamos algumas, a seguir,

com um comentário sucinto, mais especificamente relacionadas à vivência do ideal

cristão e ao campo da ética.

4.2 Edificar a Igreja

Em 1Co 3,9-10, Paulo usa a alegoria do edifício e da edificação da

comunidade-igreja de Cristo. Ele, Paulo, lançou o fundamento, ou seja, fundou a

Igreja de Corinto e zela pelo seu crescimento. Esse compromisso de Paulo com as

comunidades nas quais lançou o fundamento da fé e em especial com a

83

comunidade de Corinto, está claramente expresso no estudo aqui apresentado. Ele

busca recuperar o sentido original e fundante da Ceia do Senhor, sobre a qual a

comunidade deve assentar seu projeto de crescimento e de testemunho do amor e

da igualdade fraterna para mundo que a rodeia. A reunião para a Ceia deve

contribuir para o melhor, para o crescimento, para a edificação das pessoas e da

própria comunidade. Construir a comunidade é também construir o corpo de Cristo.

Porém, o apóstolo deixa claro que sua função foi de lançar o fundamento e

outros irão construir sobre ele, dando a entender que cada pessoa, na comunidade,

fazendo uso dos dons que o senhor lhe concedeu deve colocar-se a serviço para o

bem de todos. Edificar a comunidade é tarefa e desafio de quem se propõe a seguir

Jesus Cristo, vivendo com responsabilidade todas as dimensões do seu batismo e

da eucaristia com a qual se alimenta permanentemente. Mas, o que dizer dos

tempos atuais? Depois de dois mil anos, a comunidade-igreja de Cristo ainda não

está edificada? Com efeito, pode-se dizer que grande parte do desafio foi vencido e

a fé em Jesus Cristo espalhou-se profusamente pelo mundo. Contudo, a família

humana continua clamando por evangelização. Da parte daqueles que já são

cristãos, batizados, transparece, muitas vezes a evangelização deficiente, que não

leva a um compromisso de vida, à busca de superação do egoísmo e do

comodismo, para uma prática efetiva de vivência eclesial. E, mais ainda, da parte de

dois terços da humanidade, a espera de um anúncio iluminado e libertador da

mensagem de Cristo, que abre para todos o caminho da vida fraterna neste mundo e

da esperança para a vida eterna.

84

4.3 Cristo, a pedra fundamental

Foi suficientemente destacada, nas páginas anteriores, a centralidade de

Cristo, morto e ressuscitado, na pregação paulina. “[...] Nós anunciamos Cristo

crucificado que, para os judeus é escândalo, para os gentios é loucura, mas para

aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, é Cristo, poder de Deus,

sabedoria de Deus” (1Co 1,23). No texto sobre a Ceia do Senhor, o apóstolo insiste

na presença real de Cristo e na importância de fazer a sua memória, quer dizer, a

memória da ceia com os apóstolos, na noite de sua de sua entrega, de sua morte

em favor de todos e para a construção do seu corpo-comunidade. O testemunho de

entrega e de solidariedade de Cristo, manifesto na celebração da Ceia, torna-se

apelo para os coríntios centralizarem sua vida no seguimento de Cristo e atualização

de seu testemunho de vida.

Sem dúvida, a insistência sobre a centralidade de Cristo e do seu evangelho

levou os coríntios à mudança de vida e à busca de um testemunho mais coerente

com a fé que professavam. Com o passar do tempo, a partir da pregação de Paulo,

a figura do Senhor Jesus Cristo foi se implantando pelo império romano e impondo-

se sobre a figura deificada do imperador, revolucionando a vida e as crenças dos

povos. Centrar a vida em Cristo significa libertar-se, além do pecado, também do

apego ou submissão a ídolos e forças mágicas ou mesmo estruturais que dominam

e escravizam as pessoas, pois Cristo veio para criar condições de liberdade plena

para as pessoas. Em que sentido pode-se falar da centralidade de Cristo nos dias

atuais? Sem dúvida, a mensagem cristã do evangelho, nestes dois mil anos de

história do cristianismo, impregnou a cultura ocidental, de tal forma que se pode ver

o Cristo presente, de alguma forma, em todas as nações. Contudo, o tempo é de

mudanças profundas, a tal ponto que a figura e a mensagem de Jesus Cristo

85

também passam por séria crise de identidade. É tarefa dos seus seguidores hoje

especializarem-se no discipulado autêntico para testemunharem com força

realmente profética e convincente o senhorio de Jesus Cristo, para ser luz e

esperança de salvação neste mundo em transformação.

O impressionante crescimento das ciências, da técnica, aliado ao poderio

econômico dão a entender que o mundo não precisa mais de Deus, que a pessoa

humana é ou será capaz, em breve, de resolver todos os problemas. Alia-se a isso,

o imenso bem estar que a civilização e o progresso econômico trazem às pessoas

de determinadas classes sociais, levando-as a prescindirem de Deus, a sentirem-se,

quem sabe, satisfeitas e confiantes em si mesmas a ponto de dispensarem a fé num

Ser Superior, mais ainda, num Deus que promete a salvação mediante a cruz e o

sofrimento. Por outro lado, uma grande massa de pobres e excluídos deste sistema

de bem estar clama por justiça, por igualdade de direitos, por participação, por

dignidade. Qual o rosto de Cristo a ser mostrado, capaz de atrair uns e outros,

integrando-os no único corpo do qual ele seja a cabeça e o princípio de unidade?

Certamente na resposta a esta questão hoje se debatem muitos cristãos que

assumem conscientemente sua responsabilidade de participar na edificação desta

Igreja da qual Cristo é a pedra fundamental.

4.4 Solidariedade na eucaristia

Estudando a evolução da forma litúrgica da eucaristia Zilles129 destaca os

dois elementos que permanecem em busca de certo equilíbrio de acentuação: a ceia

e a eucaristia. A ceia orienta a celebração para o outro enquanto a eucaristia a

129 ZILLES, Urbano. Os sacramentos da Igreja Católica. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. p.

233.

86

orienta para a glorificação e ação de graças a Deus. Na carta de Paulo aos coríntios

vêem-se, de alguma forma presentes os dois elementos. Cristo presente no pão,

através do qual dá graças ao Pai e os irmãos reunidos numa refeição fraterna e

festiva, onde ricos e pobres, fortes e fracos, judeus e gregos devem sentir-se iguais

e irmãos. Por certo estas duas dimensões, embora possam receber acentuações

diferentes, em diferentes momentos históricos, são inseparáveis e juntas integram o

todo da celebração eucarística.

Hoje, a Igreja e os cristãos em geral fazem explicitamente sua opção pelos

pobres expressa em estudos e documentos eclesiais, em planejamentos e projetos

sociais e de evangelização, tendo em vista a escandalosa distância que os separa

dos ricos na sociedade de consumo pós-moderna. De alguma forma esta opção se

expressa também na liturgia eucarística que conclama continuamente os fiéis a

terem suas atenções voltadas para os pobres, e terem o coração aberto e generoso

para demonstrar-lhes a solidariedade. Por outro lado, coloca-se um questionamento

sério sobre a validade da participação na eucaristia daqueles cristãos levados

somente pelo motivo espiritual de louvar a Deus e, pior ainda, daqueles que apenas

cumprem obrigação legal, permanecendo indiferentes ao sofrimento da grande

população excluída da participação nos bens econômicos e sociais. Eucaristia é

partilha de fé, de vida e de bens. Implica uma solidariedade permanente que

transcende, inclusive, o tempo e o espaço celebrativo, para envolver a vida toda dos

cristãos no seu cotidiano.

4.5 Comensalidade e fome

A questão da fome de alguns conflitando com a embriaguez e a saciedade

de outros, foi um dos eixos resultantes do estudo sobre a Ceia do Senhor, em

87

Corinto. Uma situação inadmissível, na visão de Paulo, tão contrária ao ideal cristão

que, por si só, tornava inválida a Ceia do Senhor. A tradição da Ceia perpassa toda

a experiência do povo judeu, tem seu ponto alto na Ceia Pascal e foi assumida por

Jesus Cristo como símbolo do Reino que veio anunciar, prefigurado no grande

banquete preparado pelo Pai para o qual todos são convidados, em especial os

pobres, os coxos e aleijados. Muito se tem estudado sobre o tema da

comensalidade, tão significativo, ainda hoje, porque se enquadra no modo de vida

de todos os povos ao proverem, na refeição, a sua sobrevivência e de

simbolicamente manifestarem a hospitalidade, o acolhimento, a fraternidade.

Leonardo Boff, tratando das virtudes para um outro mundo possível, destaca

a comensalidade, comer e beber juntos, como “a culminância do processo da

hospitalidade, do respeito, da tolerância”. E diz que sempre foi um sonho da

humanidade todos poderem sentar-se à mesa, “como comensais, poderem comer,

beber, comungar e celebrar o estar juntos na mesma Mesa Comum, qual grande

família humana que se reencontra, todos irmãos e irmãs uns dos outros junto com os

demais seres da criação”130. Os alimentos, além de coisas materiais, tornam-se

símbolos do encontro, da comunhão e da solidariedade. A mesa da refeição se torna

mesa de comunhão, de partilha, de diálogo. Sentar-se à mesa significa também dar

tempo para si e para os outros, gratuitamente, sem objetivo maior do que desfrutar a

companhia, o bem estar e alegria da vida familiar e comunitária. Resumindo sua

proposta de virtudes para um novo mundo possível, Boff compõe algumas bem-

aventuranças, ao estilo evangélico, dentre as quais, a seguinte:

bem-aventurados os que sentarem à mesa como irmãos e irmãs para juntos comerem, beberem e celebrarem a generosidade da Terra com seu s

130 BOFF, Leonardo. Virtudes para um outro mundo possível. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 9. v. 3.

88

alimentos variados, legumes frescos e frutos coloridos. Estes serão considerados os verdadeiros filhos e filhas da Mãe Terra.131

O momento atual é de crise de alimentos, elevação de preços, e realidade

de morte por desnutrição e fome endêmica de cerca de um terço da humanidade.

Muito se debate o assunto, tanto em nível de governos e instituições internacionais,

quanto em nível local, de comunidades e pequenas instituições que se voltam para o

problema da fome nas vilas e em meio à população pobre. Efetivamente, esta

situação que se constitui numa chaga da humanidade, fruto de um sistema

econômico concentrador da renda e dos bens nas mãos de uns poucos, não pode

deixar indiferentes os cristãos que participam da Eucaristia e celebram

periodicamente a Ceia do Senhor. Impossível desfrutar de um clima de plena alegria

na celebração da Ceia do Senhor enquanto se sabe que muitos irmãos e irmãs não

dispõem sequer do necessário para seu sustento básico e para uma vida

dignamente humana.

4.6 Conflito na Ceia

Paulo foi informado do conflito que se verificava em Corinto, quando a

comunidade se reunia para a Ceia e não o ignorou. Ao contrário, dedicou-se a

considerá-lo nas suas circunstâncias próprias e a buscar caminhos de solução. Deu

a entender, também, que os conflitos podem ser até mesmo úteis para a

comunidade amadurecer, distinguindo os irmãos que são comprovados daqueles

que têm segundas intenções ou que ficam “em cima do muro”, hesitando em

integrar-se plenamente no corpo do Senhor. As relações humanas são,

efetivamente, marcadas por conflitos e, muitas vezes, somente através deles a

131 BOFF, 2006, p. 134.

89

comunidade consegue se libertar de condicionamentos e estruturas paralizantes e

mesmo opressoras.

Romeu Martini estudou com muita propriedade este tema em seu livro

Eucaristia e Conflitos Comunitários e trouxe à tona os conflitos já do Antigo

Testamento denunciados pelos profetas, como Amós 5,21: “aborreço, desprezo as

vossas festas e com as vossas assembléias solenes não tenho nenhum prazer”, pois

o culto a Deus deve estar associado à prática do bem e da justiça; de Jesus com

escribas e fariseus quando esteve à mesa com publicanos e pecadores (Mc 2,15-

17); e nas primeiras comunidades, das quais a de Corinto é o testemunho mais

marcante132. Em síntese, pode-se dizer que Deus sempre propõe a mesa aberta

para a participação de todos na ceia, especialmente para o acolhimento do pobre

que precisa do alimento básico para a sobrevivência. As pessoas, no entanto,

insistem em discriminar, segregar-se, excluir aqueles que não integram seu mesmo

nível social e econômico. Assim, instala-se o conflito e este deveria encontrar

espaço para ser assumido, discutido e, enquanto possível resolvido, na assembléia

eucarística da comunidade.

Boff igualmente considera que

sem excessivo romantismo devemos reconhecer que a mesa é também lugar de tensões e de conflitos familiares, onde as coisas são discutidas abertamente, diferenças são explicitadas e acertos devem ser estabelecidos. Onde há também silêncios perturbadores que revelam todo um mal estar coletivo. A mesa é mesa humana, com todas as contradições que a humanidade comporta.133

Que se pode dizer das celebrações eucarísticas de hoje? Sendo a eucaristia

fonte e ápice de toda a vida cristã, encontram as comunidades, nas celebrações,

espaço para conhecerem, assumirem e resolverem seus conflitos? E ainda mais, os

132 MARTINI, 2003, p. 159ss. 133 BOFF, 2006, p. 10.

90

conflitos sociais mais amplos são considerados temas de reflexão e oração na

liturgia eucarística? O que se tem celebrado, mais comumente, é uma eucaristia

voltada para culto espiritual a Deus, muitas vezes individual e intimista. Cada pessoa

busca para si uma relação com Deus protetor e providente, que venha ajudar a

resolver seus problemas. Comer do pão e, eventualmente, beber do cálice, não tem

trazido verdadeiro compromisso com o anunciar a morte do Senhor que aconteceu,

de fato, em meio a um radical conflito contra Jesus e o projeto do Reino de Deus,

que promove justiça, fraternidade e igualdade de todos.

4.7 Paz na Ceia

O sonho da paz universal e também da paz de espírito de cada pessoa

acompanha o ser humano em todos os tempos, embora, o conflito pareça, de certo

modo, inevitável, e seja, por vezes, imprescindível para a paz. Vimos que Paulo,

orientando os coríntios em seus conflitos relativos à ceia, apresentou propostas que,

além de atenderem ao motivo central da Ceia, que é a presença de Jesus Cristo

morto e ressuscitado, promovesse a paz e a harmonia da comunidade. Embora,

como vimos acima, a Eucaristia deva estar aberta para acolher e encaminhar

soluções dos conflitos, ela não deixa de ter a dimensão do banquete, da alegria e da

festa, que só tem sentido de ser celebrada se existe paz entre as pessoas, ou, pelo

menos, abertura para o diálogo e compromisso com verdade e a justiça.

Portanto, a Ceia do Senhor celebra também o compromisso com a paz que

o mundo de hoje tanto reclama. A humanidade, ao mesmo tempo que caminha

rápido no processo de globalização em todos os sentidos, assiste, paradoxalmente,

o surgimento e a manutenção de inúmeros conflitos e guerras que dizimam,

diariamente centenas de vidas e mantém os povos em estado de permanente

91

tensão e agressividade. Motivos econômicos, raciais e religiosos geralmente estão

na base destes conflitos que, embora quase sempre limitados a determinadas

regiões, terminam por comprometer a segurança e a paz do mundo. Hans Küng,

assim como outros pensadores contemporâneos, propõe um Projeto de Ética

Mundial, uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana e, no livro que

leva este título, afirma que “não haverá sobrevivência sem uma ética mundial. Não

haverá paz no mundo sem a paz entre as religiões. E sem paz entre as religiões não

haverá diálogo entre as religiões”134. A paz tanto em nível mundial, como em nível

local, das comunidades e mesmo das famílias, supõe diálogo, autenticidade,

aceitação e capacidade de convivência com o diferente, respeito pelo outro, pela sua

cultura. Neste sentido, a Eucaristia pode, com certeza, promovendo o encontro com

Cristo e com o irmão, ser também uma escola de paz, ensinado às pessoas o

caminho da solidariedade, da convivência harmônica com o diferente, do perdão e

da comunhão.

4.8 Relações humanas na Ceia

Dentre as diversas dimensões que se destacam no texto de 1Co 11,17-34,

como temos visto até aqui, pode-se observar também a das relações interpessoais

que os coríntios estabeleciam entre si, que pareciam mais discriminadoras do que

humanizadoras. Paulo se empenha para que se estabeleçam relações de respeito,

de acolhida e de igualdade entre todos os membros da comunidade, uma vez que o

batismo torna todos iguais perante Deus e na comunhão todos participam do mesmo

pão e, embora sendo muitos e diferentes, todos somam para construir o mesmo

corpo de Cristo. 134 KÜNG, Hans. Projeto de Ética Mundial. uma moral ecumênica em vista da sobrevivência

humana. São Paulo: Paulinas, 1993. p. 7.

92

A dimensão das relações interpessoais tem papel importante na construção

da comunidade ou grupo social. Para Pedrinho Guareschi, afirma que o que constitui

um grupo não é exatamente o número de pessoas, nem o tipo das pessoas, como

sua cor, etnia, sexo, religião, nem a proximidade em que se encontram, mas “o que

constitui um grupo é a existência, ou não, de relações entre as pessoas, os

membros, os possíveis componentes de um grupo”135. A relação entre os membros

do grupo quebra o gelo do individualismo e faz surgir o “comum”, aquele substrato

no qual cada membro coloca um pouco de si, sua concordância e seu compromisso,

para criar o “nós”, ou o “nosso”. Na análise de um grupo, pode-se observar se as

relações ali estabelecidas são mais ou menos intensas e que grau de consistência

elas possuem para manter a unidade e a eficiência do grupo em relação a seus

objetivos.

A comunidade cristã tem como missão, testemunhar ao mundo relações

fraternas e de comunhão para, assim, proclamar Jesus Cristo, sua morte redentora,

e a esperança da salvação para todos. Momento privilegiado para isso é a

celebração da Ceia do Senhor, na qual a palavra e o gesto de Cristo apontam para a

solidariedade, o dar a vida pelo outro. O individualismo e a frieza nas relações

testemunham contra Jesus Cristo e seu amor incondicional pelos seus. Os encontros

eucarísticos que acontecem periodicamente, a cada semana, por exemplo, em

muitas comunidades, têm por função também fortalecer as relações fraternas entre

os irmãos e irmãs, comprometendo uns com os outros para progredirem na vivência

de fé e dos valores comuns. As relações quando sinceras e fraternas, por certo, se

tornam fonte de transformação, de humanização e de mais vida para a comunidade

inteira.

135 GUARESCHI, Pedrinho. Psicologia social crítica: como prática de libertação. P. Alegre: EDIPUCRS. p. 134.

93

4.9 Formação da consciência

Na solução do conflito comunitário em Corinto, Paulo apelou a cada pessoa

para que examinasse cuidadosamente a si mesmo, tomando consciência do seu

agir, confrontando-o com a tradição da ceia que ele havia recordado, para não

comer do pão e beber do cálice indignamente. A correta participação na Ceia do

Senhor, para o apóstolo, dependia também de uma reta consciência e de uma

decisão pessoal coerente com a comunhão que cada pessoa estabelece com o

Senhor. Este “encontro” da consciência pessoal com o conhecimento de Cristo e,

por meio dele, da vontade do Pai, fornece ao cristão os critérios e princípios para

adequar sua vida às exigências da fé. Abre-se aqui mais uma janela para vislumbrar

um apelo ético importante para os nossos dias, qual seja, o da consciência pessoal.

Juntamente com o tema da subjetividade, dado imprescindível da cultura

moderna, o tema da consciência tem papel fundamental no estudo atual da ética. A

reflexão nesta área dá especial atenção ao agir humano na sua dimensão subjetiva

considerando fundamental o critério do projeto de auto-realização pessoal para

compreender o agir moral. Marciano Vidal considera que

a consciência, enquanto centro profundo do eu pessoal, do qual procedem as atitudes fundamentais que dão sua conotação à experiência cotidiana, é então considerada como a fonte última das escolhas humanas, a partir da qual adquire sentido e consistência a atividade do homem.136

Enquanto livre de coação externa, a consciência garante à pessoa a

liberdade para procurar a verdade a que tem direito e para aderir a ela quando

adequadamente conhecida.

136 VIDAL, Marciano. A consciência: uma visão cristã. Aparecida: Santuário, 2000. p. 8.

94

A consciência, porém, não goza do status de infalibilidade e para agir

corretamente precisa estar corretamente formada, o que se torna tarefa bastante

complexa no contexto pluralista atual. Compreende-se, a partir da complexidade

constatada, que a tarefa da formação da consciência se constitui num compromisso

de todos, não individualmente, mas numa articulação mutuamente responsável e

humanamente construtiva. Novamente a vida comunitária, no encontro fraterno da

Eucaristia aparece como instância privilegiada para a formação da consciência,

tendo a palavra de Deus como espelho e o testemunho do Senhor Jesus como

modelo para os critérios cristãos da consciência bem orientada.

4.10 Em vista da salvação eterna

O argumento escatológico aponta para os acontecimentos finais, dando a

entender que tudo o que vem antes tem um sentido, um direcionamento, uma

espera ansiosa por parte de quem acredita na promessa da nova aliança: o Senhor

Jesus abre as portas de eternidade feliz aos que a buscam com sinceridade e

deixam-se conduzir pelo amor misericordioso do Pai. A esperança escatológica

centrada na vinda gloriosa e soberana do Cristo relativiza as coisas do mundo

presente, sem deixá-lo completamente de lado. Paulo exorta os coríntios com o

argumento escatológico da presença do Cristo morto e glorificado, na Ceia e

também com o julgamento para o qual eles devem estar preparados.

A esperança de vida eterna se constitui numa importante mensagem para

homens e mulheres de hoje que, em meio ao tumulto da vida em acelerado processo

de mudança, correm o risco de perder o sentido da existência, passando a viver em

função das solicitações do momento. Sem a fé em Jesus Cristo e sem esperança de

vida futura, as pessoas tendem a se apegarem às coisas deste mundo, sem

95

considerar sua transitoriedade e seu valor relativo. Cresce, também, o fechamento

da pessoa em si mesma, tornando-se auto-suficiente e indiferente em relação aos

outros. Por outro lado, confiando como que cegamente na ciência e na técnica, o

homem de hoje sonha em eternizar-se, vencendo os limites que a vida lhe impõe e

mantendo em si mesmo o sentido e o fim da existência.

A Eucaristia torna presente, juntamente com tantos outros dons de Deus, a

celebração do grande banquete preparado pelo Senhor para todos os que o amam.

Nela, a vida cristã adquire sentido e se orienta para um fim promissor que é a vida

plena em Cristo Glorioso. O sofrimento e a morte podem ser acolhidos, pela pessoa

de fé, na dimensão da comunhão com o Cristo sofredor e morto pela salvação de

todos e, desta maneira, deixam de ser experiências frustrantes e assustadoras da

vida. Em qualquer circunstância da vida da pessoa que espera a salvação eterna

estará presente a confiança, o desejo de cumprir a vontade salvífica do Pai e de ser

um testemunho de esperança para os irmãos. E o Senhor que é sempre fiel não

deixará no abandono quem a ele se confia e nele põe a esperança e o sentido de

sua vida.

CONCLUSÃO

O projeto inicial desta pesquisa partia de algumas questões que se tornaram

fios condutores de todo o trabalho: a) o contexto de Corinto e da comunidade cristã

que estava em conflito; b) a análise que Paulo faz do conflito relacionado à Ceia do

Senhor e como ele fundamenta suas propostas de solução; c) as exigências éticas

que se depreendem da posição de Paulo; d) e as luzes que lançam para o nosso

tempo. Dois campos do conhecimento deveriam fornecer conceitos para a análise

das questões levantadas: a ética e a exegese. Concluída a exposição da pesquisa

que teve caráter eminentemente bibliográfico e foi redigida sob estreita limitação de

tempo, cabe aqui olhar para os resultados finais. Pode-se dizer, seguramente, que

estes resultados mostram, em primeiro lugar, a amplitude e a riqueza de conteúdos

relativos ao objeto do estudo, qual seja, o texto de 1Co 11,17-34. Por outro lado,

verificam-se lacunas no conteúdo exposto, como também dimensões tanto éticas

quanto exegéticas não suficientemente explicitadas.

O estudo sobre Corinto, orientado, até certo ponto, para as dimensões que

poderiam abrir horizontes para questões éticas, trouxe uma riqueza de

conhecimento histórico, geográfico e, acima de tudo cultural e humano. Chamou a

atenção para a diversidade cultural da população, judeus, helênicos, egípcios, etc., a

diversidade de nível econômico e também de culto às divindades. Toda esta gama

97

de fatores com certeza influiu na comunidade cristã de Corinto, formada por alguns

ricos e influentes na sociedade e uma maioria de pobres, trabalhadores, artesãos,

escravos ou libertos. Os coríntios abraçaram alegremente a fé, aparentemente com

muito entusiasmo e boa vontade, porém, não abandonaram de imediato seus

costumes, tradições e rotinas próprias de seu ambiente de convivência diária.

Torna-se quase inevitável que se estabeleçam conflitos numa comunidade

em formação, cheia de dinamismo e constituída por pessoas procedentes de

variadas experiências anteriores como a de Corinto. O período de um ano e meio

que o apóstolo ficou na cidade mostrou-se insuficiente para solidificar a fé dos novos

cristãos, e levá-los a assimilarem comprometidamente novos princípios orientadores

da conduta pessoal, familiar e comunitária. Talvez Paulo tenha deixado a cidade

prematuramente quando os coríntios ainda não estavam preparados para se

conduzirem com autonomia na comunidade de fé. Contudo, o apóstolo tinha outras

metas a atingir e empenhou-se em recompor o ambiente cristão da comunidade

coríntia na sua ausência, através de cartas, visita e do envio de outros missionários.

Corinto e as cartas aos coríntios se tornam, assim, uma referência fundamental para

o conhecimento das comunidades paulinas, de modo especial para se ter uma idéia

dos percalços da primeira evangelização e do confronto do evangelho com o

ambiente helenista.

O conflito referente à Ceia do Senhor, lamentável por se tratar de um conflito

comunitário ligado ao momento central da vida da comunidade, terminou por

converter-se num episódio rico de conteúdos e revelações que ainda hoje são

explorados. Nele, Paulo, além de expressar sua indignação em relação à natureza

do conflito, o individualismo e a exclusão dos pobres da ceia-refeição, revela para

nós ao menos alguns princípios de sua teologia da Ceia Eucarísitica. Possivelmente,

98

numa exposição sistemática deste tema, ele teria mais conteúdos a explicitar.

Contudo, é de grande valor o acento que o texto dá à centralidade de Jesus Cristo,

personagem principal da Ceia e elo de união de todos os que dela participam. Cabe

destacar outros conceitos presentes no texto, de grande importância para a teologia

paulina, como ekklesía (= igreja), soma (= corpo), koinonía (= comunhão) e também

a parádosis, isto é, a tradição da Ceia relatada por Paulo, na qual ele acentuou a

circunstância da morte de Cristo, para levar os coríntios a entenderem melhor o

sentido da celebração.

Caberia aprofundar estes conceitos como também outros, entre eles diatéke

(= aliança) e anámnesis (= memória) os quais podem esclarecer melhor o sentido

tanto da Ceia Eucarística, como suas conseqüências para a vida concreta dos

cristãos. Contudo, o estudo feito revela a multiplicidade de temas, quais janelas que

se abrem, a partir de cada frase ou palavra, para estender o conhecimento da

revelação cristã a partir dos textos paulinos e, mais especificamente, da Primeira

Carta aos Coríntios. Com razão, também se conclui que a riqueza de cada texto só

pode ser devidamente conhecida a partir da sua relação com outros textos do autor,

com outros livros do Novo Testamento e da Escritura em geral e, não raro, com

autores profanos da época.

Com relação à relevância ética do texto e da Ceia do Senhor, ficou

manifesta também a sua riqueza. Tratava-se de um conflito com incidência nas

questões religiosas, como a compreensão do sentido da eucaristia e sua dinâmica

de celebração e também, com incidência nas relações comunitárias e fraternas.

Paulo mostrou que a participação na Ceia do Senhor envolve não só uma comunhão

com o Cristo glorioso, da nova aliança, como entendiam os coríntios, mas

igualmente, na mesma intensidade, com os irmãos e irmãs de fé, em especial

99

aqueles mais carentes e sofredores. E mostrou também a importância da unidade da

comunidade em torno de Jesus Cristo, para testemunhar coerentemente o amor de

Deus para aqueles que os observavam a partir de fora.

O estudo destacou alguns elementos relativos à ética paulina, que ficaram

explícitos a partir das considerações de Paulo sobre a Ceia do Senhor, entre eles, a

conformação da vida a Jesus Cristo, ideal de todo o cristão e o compromisso com a

edificação de sua Igreja, a solidariedade com os irmãos mais pobres, o crescimento

nas relações fraternas, em busca da paz e a formação da consciência pessoal.

Todas estas dimensões urgem na vida do cristão, não somente em função da

solução dos conflitos na Ceia do Senhor, mas em vista da vida eterna, do julgamento

do Senhor, para o qual o apóstolo chama especialmente a atenção dos coríntios,

com o uso de linguagem forense, especialmente de termos ligados à raiz kríma que

tem o sentido de julgar, discernir, distinguir o que é bom do que é mau.

Neste aspecto de fazer emergir a relevância ética de Ceia do Senhor, no

texto estudado, residia a expectativa principal deste estudo, o que foi alcançado com

relativa clareza e amplitude. Fica a convicção de que o tema é estimulante, pois a

própria ética se apresenta como assunto de consideração diária na sociedade atual,

ansiosa por princípios de vida mais coerentes com a dignidade de todas as pessoas.

E a Palavra de Deus continua sendo fonte para aprofundar estes princípios, em

particular, como vimos aqui, o legado de Paulo em seu anúncio escrito e

testemunhado do evangelho de Jesus Cristo.

REFERÊNCIAS

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