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FACULDADES INTEGRADAS CURITIBAPROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITOALEXANDRE HELLENDER DE QUADROS
ANÁLISE CRÍTICA DOS FUNDAMENTOS JURÍDICO -CONSTITUCIONAIS EREFLEXOS QUANTO À EFETIVIDADE NORMATIVA E SOCIAL DO
CLUBE-EMPRESA
CURITIBA2006
ALEXANDRE HELLENDER DE QUADROS
ANÁLISE CRÍTICA DOS FUNDAMENTOS JURÍDICO -CONSTITUCIONAIS EREFLEXOS QUANTO À EFETIVIDADE NORMATIVA E SOCIAL DO
CLUBE-EMPRESA
Dissertação apresentada aoPrograma de Mestrado em DireitoEmpresarial e Cidadania dasFaculdades Integradas Curitiba,como requisito parcial para obtençãodo Título de Mestre em Direito.Orientador: Professor Doutor FábioLeandro Tokars
CURITIBA2006
ALEXANDRE HELLENDER DE QUADROS
ANÁLISE CRÍTICA DOS FUNDAMENTOS JURÍDICO -CONSTITUCIONAIS EREFLEXOS QUANTO À EFETIVIDADE NORMATIVA E SOCIAL DO
CLUBE-EMPRESA
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do Título deMestre em Direito pelas Faculdades Integradas Curitiba.Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:
Presidente: _____________________________________ FÁBIO LEANDRO TOKARS
___________________________________ ALCIDES TOMASETTI JUNIOR
___________________________________ GISELA MARIA BESTER
Curitiba, de de 2007.
Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de metornar cooperador com ele. Não sabeis vó s que os quecorrem no estádio, todos, na verdade, correm, mas umsó leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis.Todo atleta em tudo se domina; aqueles, para alcançaruma coroa corruptível; nós, porém, a incorruptível.
I Coríntios, 9: 23-25
SUMÁRIO
RESUMO 06
ABSTRACT 07
1 INTRODUÇÃO 08
1.1 DETERMINAÇÃO DO ASSUNTO 08
1.2 ADERÊNCIA AO TEMA 09
1.3 DELIMITAÇÃO DO TEMA E PROBLEMÁTICA 11
2 CLUBE-EMPRESA E DESPORTO 14
2.1 NOÇÕES DO CLUBE-EMPRESA 14
2.2 DESPORTO COMO FENÔMENO SOCIAL, POLÍTICO E JURÍDICO 16
2.3 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DO DESPORTO 27
2.4 DESPORTO PROFISSIONAL E NÃO PROFISSIONAL 29
2.5 ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS CLUBES 37
3 DESPORTO E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DE AÇÃO ESTATAL 45
3.1 BASES DE ANÁLISE COMPARATIVA E IMPORTÂNCIA INTERNACIONAL DOESPORTE 45
3.2 ANÁLISE COMPARATIVA DO TRATAMENTO CONSTITUCIONAL 48
3.2.1 CUBA 48
3.2.2 FRANÇA 49
3.2.3 ITÁLIA 54
3.2.4 ESPANHA 55
3.2.5 PORTUGAL 57
3.2.6 ALEMANHA 61
3.2.7 ARGENTINA 63
3.3 BASES CONSTITUCIONAIS NO BRASIL 68
3.4 INTERVENÇÃO ESTATAL NO AMBIENTE DESPORTIVO 74
4 DESPORTO E FUNDAMENTOS LEGAIS DO CLUBE -EMPRESA 87
4.1 BASES LEGAIS NO BRASIL – ENTRE A FACULTATIVIDADE E A IMPOSIÇÃO 87
4.2 DESPORTO, MERCADO E CONTRATOS DESPORTIVOS 92
4.3 ASSOCIAÇÃO, SOCIEDADE EMPRESÁRIA E ESTRUTURAÇÃO JURÍDICADOS CLUBES 98
4.4 ASSOCIAÇÃO, SOCIEDADE DESPORTIVA EMPRESÁRIA E EFETIVIDADENORMATIVA 111
4.5 FUNCIONALIDADE DO CLUBE-EMPRESA E EFETIVIDADE SOCIAL 117
CONCLUSÕES 126
REFERÊNCIAS 130
RESUMO
Esta dissertação versa sobre os fundamentos jurídico -constitucionais e os reflexosnormativos e sociais do clube-empresa. O clube-empresa pode ser definido como aentidade de prática desportiva profissional que adota a estrutura jurídica desociedade empresária. A adoção da tipologia de sociedades empresárias no Brasil éfenômeno recente e reflete uma tendência internacional especialmente identificadaem países europeus. No Brasil, a legislação desportiva busca fundamento devalidade no papel constituciona l do Estado para regulação de atividades de interessepúblico. No âmbito infraconstitucional, o marco regulatório relaciona desportoprofissional, atividade econômica e estruturação jurídica das sociedadesempresárias, para estabelecer que os clubes de fut ebol têm a opção de se tornarclubes-empresa, sob pena de receber o tratamento legal atribuído às sociedades emcomum. Com o escopo de analisar – de modo crítico – os fundamentos jurídicos doclube-empresa no País, o presente trabalho enfoca o multifacetár io fenômenodesportivo e suas formas de manifestação e prática, a origem e a evolução dosclubes de futebol e sua atual cadeia de contratos. Deste modo, e também valendo -sede análise comparativa da figura do clube -empresa em outros países, o temaprincipal consiste (i) na aferição de constitucionalidade da legislação que trata doclube-empresa, diante dos princípios de liberdade de associação e autonomiadesportiva; e, (ii) na investigação acerca da compatibilidade entre a atividade deprática desportiva profissional e a legislação que regula a atividade empresária noBrasil.
Palavras-chave: Desporto. Esporte. Clube -empresa. Sociedade desportivaempresária. Atividade empresarial. Desporto profissional. Sociedade em comum.Responsabilidade. Dirigentes. Asso ciação. Estatutos. Associados.
ABSTRACT
This paper is about the legal and constitutional grounds as well as social andnormative repercussions of the football club company. The football cl ub companycan be defined as the professional sports entity that is incorporated as a commercialpartnership. In Brazil, the typology of commercial partnerships is a recentdevelopment that reflects an international trend, specifically in Europe. Braziliansports law is legally grounded on the constitutional role of the Brazilian State as aregulator of public interest activities. The regulatory framework defined ininfraconstitutional legislation relates professional sports, economic activity and theincorporation of commercial partnerships to assert that soccer teams may becomesports-team-companies or be treated as unincorporated partnerships. This paperanalyzes, in a critical manner, the legal grounds for the sports -team-companies inBrazil. It focuses on the multisided phenomenon of sports, with its manymanifestations and practice, as well as on the origin and evolution of soccer teamsand their current contractual network. Thus, the paper’s main theme consists in: (i)the verification of the constitu tionality of the football club company legislationconsidering the freedom of association and sports autonomy principles; and (ii) theinvestigation of the compatibility between professional sports and the Braziliancommercial legislation.
Key words: Sport, Football club company, Sports commercial partnership,Commercial activity, Professional Sport. Unincorporated Partnership, Liability,Managers, Association, Statutes. Members
1
1 INTRODUÇÃO
1.1 Determinação do assunto
A origem da legislação brasileira sobre desporto remonta à década de
1940, inspirada pelo sistema jurídico -desportivo italiano1. Decorridas duas décadas,
em 1963, Serrano Neves acreditava que “o desporto, ho je, no Brasil, e em quase
todos os países do mundo, está, legalmente, organizado”. 2 Quarenta anos se
passaram e a história mostrou que a voracidade legiferante não foi eficiente para
impor a almejada organização ao esporte 3 brasileiro.
Esta constatação está especialmente aparente no inconstante tratamento
legislativo imposto às entidades de prática desportiva. Como se verá ao longo do
trabalho, a legislação brasileira oscilou entre a facultatividade e a obrigatoriedade de
vinculação dos clubes profissionais às sociedades empresárias, sob o estigma de que
“mercantilização”, “mediatização” e “profissionalização” 4 transformam associações
desportivas em sociedades empresárias.
Sujeitos ao humor legislativo encontram -se algumas centenas de clubes,
milhares de atletas e milhões de associados e torcedores. O dispositivo legal que
atualmente encarta o tema do trabalho foi mencionado – pela exposição de motivos
do projeto originário – como “a mudança mais importante do sistema desportivo
brasileiro”.5
Como se vê, a determinação do assunto demonstra, por si, a justificativa
do estudo que adiante de apresenta.
1 AIDAR, Carlos Miguel (Coord.). Direito desportivo. Campinas: Mizuno, 2000. p. 18.2 NEVES, Serrano. Direito penal desportivo . Rio de Janeiro: Minerva, 1963. p. 2.3 Para os fins deste trabalho, os vocábulos desporto, esporte e desporte são utilizados como sinônimos. OVocabulário Ortográfico da L íngua Portuguesa, em conformidade com o Formulário Ortográfico daAcademia Brasileira de Letras, reg istra as três formas de escrita.4 MELO FILHO, Álvaro; KRIEGER, Marcílio César Ramos. Relações atletas/clubes: especificidades jus -desportivas. Anais da XIX Conferência Nacional dos Advogados . Volume 1. Brasília: OAB, ConselhoFederal, 2006. p. 303.5 MELO FILHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto . Brasília: Brasília Jurídica, 2001 . p. 96.
2
1.2 Aderência do tema
O presente trabalho pretende explorar o denominado clube -empresa, suas
funções e seu regime jurídico. O problema centraliza -se, em síntese, na proposta de
localização dos fundamentos para o tratamento aplicado aos clubes de futebol no
Brasil, nos dias atuais.
O espaço de reflexão da área de concentração de Direito Empresarial e
Cidadania, do Programa de Mestrado das Faculdades Integradas Curit iba, a que este
trabalho encontra-se vinculado, busca ir além do estudo do direito empresarial, para
realizar investigação multi e interdisciplinar que permita integração de conteúdo
com a cidadania. Para tanto, busca subsídios de ordem constitucional, esp ecialmente
focados na tutela dos direitos e garantias fundamentais, ética, responsabilidade
social, inclusão e sustentabilidade. Como descreve o referido Programa de
Mestrado, busca-se:
a oportunidade de desenvolver, às últimas conseqüências, umamatriz científico-doutrinária firmemente assentada sobre aquadratura constitucional de 1988, cuja leitura, amadurecida em15 anos de intenso trabalho interpretativo, orienta a pesquisa devanguarda da coletividade acadêmica brasileira, na área doDireito; [e], o ensejo de, multi e interdisciplinarmente e comsuperação das tradicionais dicotomias público/privado, iniciativaprivada/campo estatal etc., explorar uma metodologia inovadorade co-implicação entre, de um lado, as categorias que presidemos regimes legais das atividades produtivas e, de outro, as quepossibilitam a preservação e a tutela dos direitos fundamentais damultifacetada coletividade nacional, sem olvidar o impacto dainserção de tais relações produtivas no concerto internacional .6
A linha de pesquisa Obrigações e Contratos Empresariais –
Responsabilidade Social e Efetividade enfrenta a natureza da obrigação e do
6 Disponível em http://www.faculdadescuritiba.br/webmkt/mestrado /projeto.htm. Acesso em 28 de dezembrode 2006.
3
contrato empresarial, integrada aos novos aportes de índole constitucional;
reconhece a importância da metodologia da interpretação; pre ocupa-se com a
universalização dos benefícios da atividade produtiva e os meios pelos quais o
Direito garante o cumprimento desta função; e, finalmente, busca identificar, como
fator de relevância, a efetividade do conteúdo estudado para a pragmática da vi da
cotidiana.
O subprojeto de pesquisa Obrigações e Contratos Empresariais –
Responsabilidade Social e Efetividade, sob coordenação do Prof. Dr. Fábio Tokars,
como também define o programa de mestrado, “Trata da natureza, estrutura e função
das obrigações e dos contratos societários, com ênfase nos custos econômicos e
sociais da atividade empresarial, na exclusão social e na universalização de
benefícios, mediante ações de responsabilidade social”. 7
A pertinência face com a área de concentração e a linha de pesquisa do
Programa de Mestrado encontra -se (i) na análise do regime jurídico das sociedades
empresárias e adaptabilidade à atividade desportiva profissional e (ii) nos efeitos das
cominações normativas que determinam a vinculação entre a estruturação so cietária
e a atividade desportiva profissional.
A abordagem multidisciplinar dos conceitos se revela pela análise do
desporto como fenômeno social, político e jurídico, além da contextualização
internacional e histórica do fenômeno desportivo. A abordagem interdisciplinar dos
conceitos está focada no desporto como matéria constitucional e no regime jurídico
incidente sobre a sociedade desportiva empresária.
As demais balizas metodológicas relacionam -se com o desporto como
linha de ação positiva para atuação estatal (princípio programático) e o desporto
profissional e sua presumida aproximação com as regras gerais aplicáveis às
sociedades empresárias.
7 Disponível em http://www.faculdadescuritiba.br/webmkt/mestrado/projeto.htm. Acesso em 28 de dezembrode 2006.
4
A eficácia social desdobra-se da abordagem histórica, que pretende
reconstruir como os clubes funcionaram, de sde a origem da modalidade futebol,
como foram implantados no Brasil e como a sociedade recebe e/ou aceita estas
estruturas. Aspectos éticos consistem na investigação sobre a existência ou não de
universalização dos benefícios decorrentes da implementação do sistema legislativo
atribuído ao clube-empresa; ainda, a confrontação entre a finalidade societária e a
suposta cadeia produtiva vinculada à atividade desportiva profissional, para
constatar se esta cadeia de contratos mostra relevância para adoção dest a ou daquela
estruturação jurídica.
1.3 Delimitação do tema e problemática
Como se afirmou, a pertinência do tema proposto com a área de
concentração de Direito Empresarial e Cidadania, especialmente com a linha de
pesquisa de obrigações e contratos empre sariais: responsabilidade social e
efetividade, encontra-se – em linha geral – na investigação sobre a imposição legal
para estruturação dos clubes esportivos em sociedades empresárias.
Para tanto, a proposta consiste em iniciar com a apresentação do insti tuto
que será explorado ao longo do trabalho, permitindo a imediata defrontação com o
tratamento legal e seus efeitos em relação aos destinatários imediatos da norma. O
método tem objetivo de ambientar o leitor ao problema que se pretende enfrentar: o
tratamento legislativo aplicado para estruturação jurídica dos clubes profissionais de
futebol no Brasil encontra fundamento constitucional e efetividade normativa e
social?
Ao contrário do que possa a princípio parecer, não se adota a indução,
mas o método dedutivo que parte de uma abordagem multidisciplinar de
contextualização do desporto como fenômeno social, político e jurídico, de modo a
perseguir a interseção entre esporte e direito. Esta abordagem multidisciplinar segue
5
com a análise do desporto e suas r espectivas formas de manifestação, para propor a
adoção de uma classificação necessária à compreensão deste fenômeno
multifacetado. A ênfase incide sobre duas formas peculiares de organizar e praticar
esporte: de modo profissional e de modo não -profissional. Mais adiante, esta
classificação auxiliará a investigação das distinções daí decorrentes e do regime
jurídico que cada uma delas reclama.
Ainda no primeiro capítulo, à guisa de sedimentação dos elementos
conceituais, ganha significação o escorço históri co sobre a origem dos clubes, aliado
ao reconhecimento da definição de suas realidades distintas, quais sejam o desporto
praticado no ambiente associativo e o desporto realizado como atividade econômica.
Os temas de associativismo e empresariado são tratad os neste ponto ainda de modo
preliminar, para demonstrar como a origem do futebol e sua assimilação em
território brasileiro auxiliaram a organização dos praticantes por intermédio da
estruturação associativa, pois o terceiro capítulo reserva uma abordagem mais
aprofundada sobre os aspectos contemporâneos que envolvem os clubes esportivos.
Os temas de associativismo e empresariado não foram integralmente relegados ao
terceiro capítulo porque são necessários – ainda que provisoriamente – para o
escopo do segundo capítulo.
E o segundo capítulo se propõe à persecução dos fundamentos
constitucionais do clube-empresa, ou melhor, dos fundamentos que autorizariam o
Estado a intervir na estrutura dos clubes esportivos. O enfrentamento desta hipótese
pressupõe a noção de associação e sociedade empresária, porque a investigação está
delimitada pela análise da prevalência da função estatal sobre a regulação da
atividade privada. Como o tema é relativamente insipiente no Brasil, a análise dos
fundamentos constitucionais passa pelo método comparativo de tratamento
constitucional e legal do esporte e da estrutura societária adotada pelos clubes em
alguns sistemas jurídicos estrangeiros. Assenta -se, desde já, que o escopo desta
comparação jurídica não é explorar todas as nua nças dos sistemas alienígenas, seja
6
no aspecto esportivo, seja no aspecto societário. A comparação pretende fazer
aflorar apenas alguns aspectos de cada sistema, para que sejam aplicados com
objetivo de realçar circunstâncias relevantes para o direito bras ileiro.
Como se trata de uma investigação de prevalente natureza constitucional,
imantam-se de significação os métodos de interpretação constitucional,
especialmente quando se enfrentam contradições aparentes entre princípios, tais
como a livre associação, a autonomia desportiva e o condicionamento à livre
iniciativa. Os postulados hermenêuticos indicam, em situações similares, a aplicação
do princípio de cedência recíproca, com objetivo de buscar a solução concreta com a
preservação do máximo possível de c ada valor colocado em conflito aparente. Sob
tais parâmetros, enfrenta-se a questão dos limites de intervenção estatal em matéria
desportiva.
Postos os fundamentos constitucionais, o terceiro capítulo trata do
mercado desportivo e da rede contratual que se agrega à atividade desportiva
profissional. Em seguida, procede -se avaliação de atos constitutivos de clubes de
futebol que exercem esta atividade desportiva profissional. Então, conjugando
elementos expostos anteriormente, enfrentam -se as bases legais do clube-empresa no
Brasil, de modo a concluir se a legislação estabelece uma faculdade ou uma
imposição e, em qualquer dos casos, se o faz de modo lógico e adequado ao sistema
jurídico brasileiro. Finalmente, destacam -se aspectos relacionados à funcionalida de
do clube-empresa e os reflexos sociais projetáveis a esta nova figura do sistema
jurídico-desportivo brasileiro.
7
2 CLUBE-EMPRESA E DESPORTO
2.1 Noções do clube-empresa
O clube-empresa é a figura originada a partir do reconhecimento de que a
exploração e a gestão do desporto profissional constitui exercício de atividade
econômica e, como tal, deve ser realizado por entidades que estejam constituídas de
acordo com um dos tipos de sociedade empresária admitidos pela legislação civil 8.
Sob esta perspectiva, portanto, clube-empresa é a denominação da sociedade
empresária que explora e realiza a gestão do desporto profissional, submetendo -se –
à escolha de seus sócios – a um dos tipos de sociedade empresária admitidos pela
legislação vigente.
Atualmente, a adesão ao sistema de clube -empresa é bastante restrita e
dirige-se exclusivamente às entidades de prática profissional da modalidade de
futebol, em razão de previsão específica da legislação desportiva brasileira 9 e da
vacatio legis prevista pela legislação civil, em relação às entidades que se
8 Conforme a justificativa do Ministério do Esporte, encaminhada ao Presidente da República, em projeto delei de iniciativa do Poder Executivo, que posteriormente converteu -se na Lei n.º 10.672, de 15 de maio de2003: “O projeto ora apresentado a Vossa Excelência contempla, de forma objetiva, a realidade fática doestágio do desporto nacional quanto à necessidade de as entidades se constituírem em sociedade comercial oucontratarem sociedade comercial para administrar suas atividades profissionais, facultando àquelas que não ofizerem serem equiparadas às sociedades de fato ou irregulares na forma da lei comercial, gravando-as commaior vigor nas obrigações daí decorrentes, (...)”. Como se verá mais adiante, desde a promulgação da Lei n.8.672/93, diversas configurações legais foram implementadas e variaram entre a facultatividade e aobrigatoriedade da transformação dos clubes em empresas. Oportunamente, também, a justificativa seráobjeto de apreciação crítica.9 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 94. Os artigos 27, 27 -A, 28, 29, 30, 39, 43, 45 e o § 1 o
do art. 41 desta Lei serão obr igatórios exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional damodalidade de futebol.” (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 2000)
8
encontravam estruturadas na forma de associações, no momento da entrada em vigor
do novo Código Civil10.
No ambiente esportivo é praticamente uníssona a opinião no sentido de
rechaçar esta imposição legislativa. O s clubes esportivos de futebol, em sua maioria,
recorrem a indistintos argumentos para evitar a modificação da estrutura que
historicamente adotaram: a formação associativa. Com isso, a enorme maioria dos
clubes de futebol está instituída, atualmente, na f orma de associação11.
Não obstante, há exemplos de clubes que adotaram a estrutura
empresária, como o Esporte Clube Bahia, que constituiu o Bahia Futebol S.A., em
04 de fevereiro de 1998, a primeira sociedade anônima desportiva brasileira 12.
Dentre aqueles que adotaram a estrutura empresária, a opção majoritária é pela
sociedade anônima. No Paraná, por exemplo, o Malutrom S.A. (atual J. Malucelli
S.A.) realizou sua assembléia de constituição em 30 de julho de 1998. Dentre as
poucas sociedades limitadas, o CFZ do Rio Sociedade Esportiva Ltda., cujo sócio
majoritário é Arthur Antunes Coimbra (Zico) 13. O estatuto social do Malutrom S.A.,
por exemplo, determina que:
a sociedade tem por objeto a prática do desporto de rendimento,[...], a formação de atletas, técni cos e demais profissionaisligados à área esportiva, a comercialização de produtosesportivos, a locação de espaços destinados à prática deatividades esportivas, a negociação e comercialização detransmissões ou retransmissões de espetáculos ou eventosesportivos nos quais a Sociedade venha a participar ou coordenar,
10 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. “Artigo 2.031. As associações efundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar àsdisposições deste Código até 11 de janeiro de 2007.”11 Esta constatação será demonstrada mais adiante e decorre da análise de maioria dos atos constitutivos dosclubes de futebol que disputam as séries A e B do Campeonato Brasileiro.12 BARBOSA, Alberto Puga. Clube -empresa: a transição de um novo modelo de organização desportiva.Revista Brasileira de Direito Desportivo , São Paulo, Editora da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção SãoPaulo, n. 1, Primeiro semestre de 2002, p. 61.13 BARBOSA, Alberto Puga. Clube -empresa: a transição de um novo modelo de organização desportiva. p.60.
9
o licenciamento e a exploração do nome, da marca, da imagem edos símbolos do time de futebol Malutrom e da escola deformação de atletas e a exploração, após prévio credenciamentojunto ao órgão competente, do jogo de bingo, permanente oueventual, com a finalidade de angariar recursos pa ra o fomentodo desporto, [...].
Esta menção permite demonstrar, de modo preliminar, um amplo rol de
atividades de natureza econômica relacionadas ao desport o, especificamente o
futebol.
De outro lado, também a título exemplificativo, o estatuto social do
Esporte Clube Juventude o apresenta como uma “sociedade civil”, que “tem por
finalidade e objetivo desenvolver e estimular a educação física em todas as suas
modalidades, em particular o futebol; promover reuniões de caráter esportivo e
recreativo, social e cultural, sempre sem visar lucros materiais de qualquer
natureza.”14 Interessante constatar que o Juventude encontra -se na elite técnica do
futebol nacional, disputando a Série A do Campeonato Brasileiro, enquanto o J.
Malucelli S.A. contende na Série C do mesmo Campeonato. Contudo, a
compreensão deste fenômeno não se realiza pela identificação de resultados
desportivos pontuais, senão demanda a exploração de aspectos mais amplos, como o
próprio desporto, suas perspectivas e formas de manifestação, como se propõe a
seguir.
2.2 Desporto como fenômeno social, político e jurídico
O desporto é manifestação humana de competição realizada por meio da
atividade física (corporal e mental), praticada socialmente e estruturada sobre um
conjunto de regras.
14 Estatuto social consolidado, arquivado pelo clube em 30 d e setembro de 2005.
10
Segundo HUIZINGA15, o jogo16 é uma dimensão essencial da atividade
humana. Por intermédio do jogo, o homem distrai -se, abstrai-se da realidade
laborativa, relaciona-se com outros indivíduos fora da dimensão social formalizada.
O esporte é uma espécie de jogo, sustentado em duas características fundamentais: a
competição e a observância de regras preestabelecidas. Esta distinção é focalizada
por João Batista FREIRE17: “O esporte é o jogo em sua forma mais socializada. [...]
Fazer esporte implica fazer competição. [...] A diferença básica entre os jogos
conhecidos e o esporte será a maior complexidade deste último, bem como seu
maior grau de socialização”.
Não se pretende aprofundar o relevante debate sobre a formalização dos
conceitos de esporte e recreação, cujo resultado, segundo Lamartine Pereira da
COSTA18, foi a autolimitação de seus escopos. Sem prejuízo do reconhecimento da
necessidade de integração do esporte, da recr eação e da educação física na
perspectiva do acesso dos praticantes, o presente trabalho parte de uma distinção
conceitual necessária para o enfoque jurídico do tema.
A recreação é atividade estritamente lúdica, que não pressupõe a idéia de
competição ou de regras definidas. O enfoque é o mero divertimento. O esporte
também pode ser recreativo, mas sua prática pressupõe o comprometimento com
15 HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução de João Paulo Monteiro. SãoPaulo: Perspectiva, 1980. p. 42.16 O termo “jogo” não tem o mesmo significado de “jogo de azar” ou de aposta atribuído pelos artigos 8 14 eseguintes do Código Civil. O sentido atribuído neste trabalho é de gênero de atividade física e/ou mentalorganizada, do qual o esporte configura espécie.17 FREIRE. João Batista. Pedagogia do esporte. Coletânea do 3o. Congresso Latino-Americano de Esporte,Educação e Saúde no Movimento Humano . Cascavel: Gráfica Universitária Unioeste, 1996. p. 38.18 COSTA. Lamartine Pereira da. Educação física e esporte não formais . Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,1988. p, 46. O Autor considera que a formalização dos conceitos de educação física, esporte e recreaçãoreduziram os seus escopos, pois desconsideraram a interdisciplinariedade. O Autor defende a idéia de Esportepara Todos, “o conjunto de todas as atividades esportivas e recreativas que visam, em diferentes graus, àforma física e à socialização dos praticantes: atividades às quais os grupos espontâneos da sociedade têmacesso sem limitações excessivas de condições econômicas, sexo e idade. Em resumo, ‘Esporte para Todos’ équalquer atividade esportiva que é praticada nas condições do alto nível mas que pode lhe servir de basequando necessário e socialmente, justo.”
11
regras e a existência de alguma forma de competição, de busca de objetivo inerente
àquela prática da atividade física .19
A importância do esporte foi e continua sendo identificada em diferentes
enfoques, seja como elemento fundamental para a formação individual, seja como
instrumento de inclusão social e cidadania.
Heron BERESFORD20, por exemplo, desenvolveu a idéia de “mo ral
social do tipo consensual” por intermédio do esporte, a partir do imperativo
categórico kantiano21. O autor afirma que a “moral social do tipo consensual tem a
sua fundamentação numa ética social e que esta, por sua vez, tem por objetivo fixar
critérios para a incorporação de princípios da moral individual à sociedade”.O
esporte é explorado como meio de educação e, agregado à moral social, é
reconhecido como instrumento de transmissão de uma escala de valores, por
“vivências e situações concretas” capaze s de “colaborar para o exercício da
cidadania dos praticantes das diversas modalidades desportivas”. 22
Neste cenário, o doping é atacado por negativar o esporte, ao violentar o
estado natural das coisas e transformar a pessoa em um meio e não em um fim. De
outro lado, mesmo a aplicação fria das regras é contestada, por representar – por
vezes – uma imoralidade. O autor exemplifica por intermédio da análise da prova
final dos dez mil metros rasos na Olimpíada de Barcelona, oportunidade em que um
marroquino utilizou a tática do coelho, forçando o queniano Richard Chelimo a
alterar seu desenvolvimento normal durante a prova, como um meio de beneficiar
19 Como se verá mais adiante, o esporte admite diversas formas de manifestação. Para este momento dotrabalho, antes de distinguir estas manifes tações, importa compreender o esporte em sua perspectivafuncional.20 BERESFORD, Heron. A ética e a moral social através do esporte . Rio de Janeiro: Sprint, 1994.21 O Autor desenvolve o imperativo categórico de Kant, a consciência do dever moral: ‘Kant apr esenta oprincípio ético do dever como uma lei moral que se impõe à consciência humana, através de um únicoimperativo categórico, cuja fórmula fundamental é a seguinte: “Age apenas segundo uma máxima tal quepossas ao mesmo tempo querer que ela se torne l ei universal.”. (p. 45) Em seguida, o Autor propõe asuperação da moral kantiana e identifica o que denomina de moral social através do esporte.22 BERESFORD, Heron. A ética e a moral social através do esporte . p. 90.
12
outro marroquino – Khalid Suah – que foi o vencedor. Os espectadores da prova
notaram a estratégia e, no momento da premiação, o marroquino Khalid Suah foi
duramente vaiado, enquanto Richard Chelimo foi ovacionado ao receber a medalha
de prata23.
Na perspectiva política, o esporte tem exemplos históricos, tais como a
estratégia nazista para comprovar a superioridade da raça ariana pelo desporto ou o
deslocamento do embate da guerra fria para as Olimpíadas. São demonstrações do
desvirtuamento do desporto como fenômeno político, causadoras de tragédias como
o atentado contra os atletas israelenses nas Olimpíadas de Muni que, em 1972.
De outro lado, o arrefecimento de embates políticos e de diferenças
históricas tem o esporte como aliado, como ocorreu na visita da seleção brasileira de
futebol ao Haiti, em 2005.
Enfim, o fenômeno esportivo tem sua importância resumida por João
Batista FREIRE:
Não há como negar a importância do fenômeno esporte. Essefenômeno não representa capricho, mas necessidade. O esporte éreconhecidamente um dos mais ricos patrimônios dahumanidade. Ocupa significativos espaços na mídia. Veiculamensagens, vende produtos, entretém. Constitui uma das maisimportantes opções de lazer das populações em todo o mundo. 24
Contudo, a despeito desta noção abrangente, há uma perspectiva
especialmente relevante, que reconhece a conjugação entre dois institutos
supostamente antagônicos: o direito e o desporto.
23 A síntese desta abordagem é a seguint e: “Isso porque o desenvolvimento da moral social do tipo consensualatravés do esporte de formação básica pode propiciar aos seus praticantes um verdadeiro exercício decidadania, na medida em que estarão sendo preparados para estabelecer, de forma consen sual e consciente, oque será exigido de cada indivíduo e de um determinado grupo social, sem esperar que isso seja ditado deforma absolutista e/ou autoritária pelo Estado, igrejas, escolas ou até mesmo pela convivência social.”(BERESFORD, op. cit., p. 86).24 FREIRE. João Batista. Pedagogia do esporte . p. 38.
13
Como já se afirmou, o esporte constitui -se em atividade humana
assentada basicamente sobre duas características: prática da competitividade e
observância de regras preestabelecidas. No momento em que a brinca deira e o
divertimento transpõem o lúdico, dão lugar ao fenômeno esportivo, este
caracterizado pela competição e impregnado de normas de observância obrigatória
pelo desportista, que se integra aos limites predeterminados e específicos de cada
modalidade.
Pode-se constatar, nesta ordem de idéias, que o fenômeno desportivo está
sedimentado estruturalmente sobre um arcabouço de regras específicas que
permitem a realização de cada modalidade; e, sob uma visão conjuntural, o esporte
verte como uma peculiar forma de manifestação humana no corpo social,
convergindo, como tal, à coercibilidade das normas jurídicas.
De fato, o esporte é manifestação da conduta humana, em que duas ou
mais pessoas se relacionam segundo um liame proporcional que as autoriza a
pretender ou a fazer garantidamente algo 25. Esta característica permite, ao fenômeno
desportivo, ser alçado ao âmbito jurídico. E os conceitos jurídicos, diversamente dos
conceitos naturais e sócio-culturais, têm um alcance particular que lhes empresta
uma significação única: vinculam-se às conseqüências jurídicas, que consistem em
direitos e deveres reconhecidos como jurídicos 26.
Neste contexto e, em conclusão parcial, assumir que da atividade
desportiva podem decorrer direitos e deveres jurídicos, é reconhecer a pos sibilidade
de estes direitos e deveres serem defendidos e efetivados através de meios jurídicos,
25 Trata-se da “teoria da bilateralidade atributiva” proposta por Miguel REALE, in Lições preliminares doDireito. 19. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 50-52: “Bilateralidade atributiva é, pois, u ma proporçãointersubjetiva, em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer,garantidamente, algo.”26 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico . 7 ed. Tradução João Baptista Machado (do originalde 1983). Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian , 1996. p. 102.
14
isto é, por meio de autoridades judiciais, administrativas ou particulares escolhidas
pelos próprios desportistas.
Define-se assim, de forma teórica, (i) a pos sibilidade de aplicação do
direito ao fenômeno desportivo, buscando -se evitar o arbítrio naquelas relações
interpessoais; e (ii) o próprio conteúdo jurídico do desporto, vale dizer, a integração
completa capaz de comprovar que a prática do desporto se perf az como um
fenômeno jurídico.
Apesar de todo o exposto, esta aparente sincronia teórica converge para
uma discrepância prática. O desporto, que constitui uma manifestação social de
soberba e essencial importância, vem seguindo um caminho à margem das norma s
jurídicas27. Esta dissociação prática entre direito e desporto pode ser exemplificada,
sem objetivo de esgotamento, pelas políticas assistemáticas de intervenção estatal
em relação ao esporte; o desconhecimento da própria comunidade desportiva em
relação à legislação aplicável ao desporto; e, a ausência de um estudo sistemático do
direito desportivo como disciplina científica.
Não obstante, ainda que a constatação da realidade se apresente adversa,
não há como se negar a íntima relação existente entre os f enômenos jurídico e
desportivo, como bem sintetiza João LYRA FILHO:
Como todo fenômeno social, o desporto se projeta no domíniojurídico [...]. O fenômeno desportivo, como fato permanente,através de povos e civilizações, com seu caráter de instituiçãoarraigada na sociedade moderna, criou um verdadeiro DireitoDesportivo, com regras e princípios, mais ou menos definidos,cuja existência é reconhecida e que se concretiza com práticas eleis que se aplicam rigorosamente a quantas incidências sesucedem na vida do desporto. Assim como elemento que se
27 Esta não é uma realidade exclusiva do Brasil. Como lembram João Bosco da SILVA e Paulo MarcosSCHMITT in Entenda o Projeto Pelé. Londrina: Lido, 1997, em Os senhores dos anéis - poder, dinheiro edrogas nas olimpíadas modernas , os autores Vyv SIMSON e Andrew JENNINGS afirmaram ter sido maisdifícil investigar os bastidores do esporte que os da máfia.
15
infiltra, paralisando as manifestações humanas, o Direito nãopode permanecer alheio a tais atividades. 28
E não são poucas as incidências que se sucedem na vida do desporto.
Somente a título exemplificativo, podem -se enumerar desdobramentos sobre o trato
jurídico do desporto e das obrigações relacionadas às entidades desportivas.
No âmbito do direito concorrencial, desde 2003 há debates perante o
Ministério da Justiça brasileiro (SDE/CADE) sobre exclusividade na t ransmissão de
eventos esportivos29, cujo resultado recente é um acordo firmado entre Globosat e
Conselho Administrativo de Defesa Econômica, para que as operadoras não filiadas
ao grupo Globo possam adquirir conteúdo dos canais esportivos de modo não
discriminatório. Com efeito, o Termo de Compromisso de Cessação de Prática
firmado em maio de 2006, pela Globosat, junto ao Conselho Administrativo de
Defesa Econômica, acabou com a exclusividade, até 2008, que as operadoras
filiadas ao grupo Globo (Net e Sky) d etinham na oferta de canais esportivos. A
partir de 2009, a Globosat não poderá ter exclusividade na transmissão de mais do
que dois, dos seguintes eventos esportivos: Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil,
Taça Libertadores da América (Copa Toyota de Club es), Campeonato Carioca e
Campeonato Paulista. Dentre estes, agora lhe é autorizado escolher três, desde que
não acumule Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil 30.
Na Europa, o G-14, grupo composto pelas maiores equipes européias,
acusa a FIFA de exercer posição dominante por, de um lado, lucrar cerca de 2,5
bilhões de dólares na Copa do Mundo e, de outro, obrigar os clubes a cederem
28 LYRA FILHO, João. Introdução ao direito desportivo . Rio de Janeiro: Pongetti, 1952. p. 95.29 GLOBO PODE PERDER EXCLUSIVIDADE NO FUTEBOL . Estado de São Paulo . São Paulo, 06 dejaneiro de 2003. p. 16.30 ZIMERMMANN, Patrícia. Globosat perde exclusividade em jogos. Folha de São Paulo , São Paulo, 1º. dejunho de 2006. p. B10.
16
graciosamente seus atletas, sem direito a reclamar compensações financeiras de
qualquer espécie31 32.
No aspecto jurídico-contábil, a Comissão de Valores Mobiliários
ressalvou as formas pelas quais as auditorias vêm corroborando a contabilização de
atletas profissionais como ativos financeiros dos clubes de futebol no Brasil 33, com
objetivo de definir uma padronização em relação ao s direitos decorrentes da rescisão
dos contratos de trabalho. Na mesma linha, o Conselho Federal de Contabilidade
aprovou norma específica que “estabelece critérios e procedimentos específicos de
avaliação, de registros contábeis e de estruturação das demo nstrações das entidades
de futebol profissional e demais práticas desportivas profissionais, e aplica -se
também a confederações, federações, clubes, ligas, sindicatos, associações,
entidades controladas, coligadas e outras que, direta ou indiretamente, est ejam
ligadas à exploração da atividade desportiva profissional”. 34 A preocupação incide
especialmente na padronização dos balanços financeiros, o maior detalhamento entre
receitas e despesas e a contabilização dos custos com a formação de atletas. A
Resolução 1005/2004, do Conselho Federal de Contabilidade, estabeleceu mudanças
na apresentação dos balanços dos clubes de futebol, cuja observância tornou -se
obrigatória a partir de 30 de abril de 2006 (prazo máximo para publicação dos
balanços contábeis). A normativa prevê a necessária categorização das receitas e
31 RITUERTO, Ricardo M. de. Clubes europeus mais poderosos levam Fifa aos tribunais: o G -14 apóia ademanda do Charleroi, que exige compensação para emprestar jogadores internacionais. Agência EFE,Bruxelas, 08 de setembro de 2005 . p. 2.32 RITUERTO, Ricardo M. de. G-14 e Fifa brigam de novo sobre liberação de atletas às seleções. AgênciaEFE, Bruxelas, 15 de setembro de 2005 . p. 3.33 NIERO, Nelson. KPMG deve ser julgada pela CVM em polêmica sobre clubes de futebol. ValorEconômico, São Paulo, 13 de setembro de 2003. Disponível emhttp://www.dpf.gov.br/DCS/clipping/novembro/CS%2013%20de%20Novembro.htm#n29919. Acesso em 14de setembro de 2003.34 CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE (BRASIL). Resolução CFC nº 1.005/04 - Aprova a NBCT 10.13 - Dos Aspectos Contábeis Específicos em Entidades Despo rtivas Profissionais.
17
despesas em clube social, esporte amador e futebol profissional e os custos com
formação de atletas devem ser contabilizados como ativo imobilizado 35.
Sob o enfoque do direito laboral, ressaltam as disc ussões judiciais sobre
contratos de trabalho, distinção em relação aos contratos de imagem, horas extras,
adicionais e indenizações por rescisão antecipada 36. E a discussão não se restringe a
jogadores, mas também a técnicos e demais dirigentes. A Revista C onsultor
Jurídico, por exemplo, constatou que “ dez dos mais importantes clubes de futebol
brasileiros respondem, em conjunto, a 2.821 processos na Justiça do Trabalho” 37. A
negociação de transferência de jogadores, v.g., demonstra sua força. O superávit do
Clube Atlético Paranaense em 2005 foi de R$ 25.562.883,00 (vinte e cinco milhões,
quinhentos e sessenta e dois mil, oitocentos e oitenta e três reais), segundo o balanço
publicado. O crescimento se deve, segundo pode -se constatar pela análise dos
números, à participação na Libertadores da América, ao contrato de naming rights
do estádio com a Kyocera Mita América 38, ao aumento da cota para transmissão de
partidas pela televisão e às transferências internacionais de atletas. 39
No ambiente societário, não são n ovos os embates entre investidores e
dirigentes das entidades desportivas 40. Mas, há também relevantes operações de
mercado de capitais, como o lançamento de ações do Colo -Colo na Bolsa de Valores
35 BALANÇOS FINANCEIROS SOB ANÁLISE DO CFC. O Lance!. N. 3086, ano 9, Rio de Janeiro, 25 deabril de 2006. p. 28.36 SÃO-PAULINO DESEJA MUDANÇA NAS LEIS TRABALHISTAS. Esportebizz. São Paulo, 15 dedezembro de 2003. p. 4.37 ERDELYI, Maria Fernanda. Futebol nos tribunais - Conheça os clubes mais acionados na Justiça doTrabalho. Revista Consultor Jurídico . Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/35061,1. Acessoem 29 de maio de 2005.38 Kyocera Mita América adquiriu o direito de inserir seu nome no estádio do Clube Atlético Paranaense, hojedenominado “Kyocera Arena”.39 ALVES, Hedeson. Vendas puxam lucro atleticano. Gazeta do Povo, Paraná, 28 de abril de 2006, Cadernode Esportes. p. 1.40 OPPORTUNITY DEVE INTERVIR NO BAHIA. Agência Placar. São Paulo, 18 de dezembro de 2003,Disponível em http://placar.abril.uol.com.br/aberto/clubes/meiocampo/122003_215228.shtml. Acesso em 18de dezembro de 2003.
18
chilena, tornando a equipe de futebol a segunda colocada ent re as empresas do
Chile, em número de investidores 41.
No que se refere ao direito do consumidor, há precedentes
jurisprudenciais condenando clube de futebol a indenizar torcedor roubado em
estádio42, com suporte na legislação reguladora do consumo. O Código de Defesa do
Consumidor também sustenta pretensão de indenização deduzida pelo Ministério
Público de São Paulo, em razão da declaração de nulidade e repetição das onze
partidas dirigidas pelo árbitro Edílson Pereira de Carvalho, durante o Campeonato
Brasileiro de 200543. Na direção da responsabilidade civil, a administradora de um
estádio de futebol foi condenada a indenizar um funcionário atingido por uma
bomba44. E, ainda na perspectiva da responsabilidade civil, estudo publicado
demonstra que atletas de competição estão três vezes mais sujeitos a problemas
cardíacos decorrentes de arritmias do que as demais pessoas 45.
Dos exemplos acima mencionados, dois apresentaram repercussão no
ambiente da denominada justiça desportiva, razão pela qual abre -se espaço para
breve delimitação das competências, com objetivo de demonstrar que o tema deste
trabalho não se encontra sob abrangência daquele meio alternativo de solução de
conflitos desportivos.
41 NA BOLSA, COLO-COLO ATRAI EMPRESAS. MBPress. São Paulo. Disponível emhttp://listas.cev.org.be/pipermail/cevgestao/2005 -july/000137.html. Acesso em 20 de julho de 2005.42 CARTÃO VERMELHO - GRÊMIO É CONDENADO A INDENIZAR TORCEDOR AGREDIDO EROUBADO. Revista Consultor Jurídico . Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/1007 ,1.Acesso em 30 de janeiro de 2004.43 MÁFIA DO APITO - 34 MI DE REAIS DE INDENIZAÇÃO. Veja on line. Disponível emhttp://vejaonline.abril.com.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=1&textCode=117152&date= 1147438320000. Acesso em 11 de maio de 2006.44 JOGO NO MINEIRÃO - ADMINISTRADORA DEVE INDENIZAR FERIDO POR BOMBA. RevistaConsultor Jurídico . Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/38015,1. Acesso em 20 desetembro de 2005.45 ARRITMIA EM ATLETAS. Agência FAPESP. Disponível emhttp://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?data[id_materia_boletim]=4303 . Acesso em 08 desetembro de 2005.
19
A justiça desportiva brasileira encontra -se prevista no artigo 217, §§ 1o e
2o da Constituição Federal de 1988 46, incumbindo-lhe a solução de conflitos
relacionados à disciplina e às competições desportivas.
A Constituição Federal estipula o esgotamento das instâncias da justiça
desportiva como pressuposto processual, para que a pretensão originada de questões
disciplinares e de competição desportiva seja admitida pelo Poder Judiciário. Em
síntese:
Cabe à justiça desportiva, assim, aplicar as sanções disciplinaresprevistas no artigo 50, §1 º, incisos I a XI da Lei n.º9.615/98,autorizar a aplicação das sanções previstas no artigo 48, IV e Vdo mesmo diploma legal, assim como decidir sobre ainterpretação de normas fundamentadoras da organização dascompetições desportivas, tais como impugnações de partidas eprovas, mandados de garantia e interpretação de regulamentos.Nesses casos, a regra geral é a necessidade de esgotamento dainstância desportiva antes da busca da tutela jurisdicional doEstado. Diante de um conflito de interesses relacionado àdisciplina e/ou competições des portivas, a Constituição e alegislação de regência previram uma estrutura externa ao PoderJudiciário, composta democraticamente e sujeita aos princípiosdo devido processo legal, para permitir ao desportista a soluçãocélere, economicamente acessível e s ubstancialmente técnica. 47
Como se vê, nem toda matéria desportiva foi excepcionada pela
Constituição como viável para discussão em sede de justiça desportiva, como
aquelas inerentes ao direito civil, criminal ou do trabalho, ainda que o direito
desportivo busque elementos subsidiários nessas disciplinas. Do mesmo modo, a
46 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. “Art. 217. É dever do Estado fomentarpráticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:omissis§1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem -seas instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei.§2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, paraproferir decisão final.”47 QUADROS, Alexandre Hellender de; SCHMITT, Paulo Marcos. Justiça Desportiva vs. Poder Judiciário:um conflito constitucional aparente. Revista Brasileira de Direito Desportivo , São Paulo: Instituto Brasileirode Direito Desportivo, n. 4, Segundo semestre de 2003 . p. 175.
20
literalidade do dispositivo constitucional, ao mencionar “disciplina e competições
desportivas”, impede que se a doutrina apresente dissonância em relação à conclusão
de que a forma de estruturação societária das entidades desportivas não se comunica
com o objeto constitucionalmente atribuído à justiça desportiva 48.
Superada a questão da justiça desportiva, constata -se que toda a plêiade
de antecedentes até aqui referidos demonstra que a din âmica do fenômeno
desportivo cria um cenário multifacetado de problemas e desafios, cujas soluções
têm sido buscadas de forma pontual e específica. Na realidade, os novos conflitos
criados a partir do desenvolvimento do fenômeno esportivo não dependem
exclusivamente da adoção de soluções isoladas originadas a partir de experiências
aproximadas, adotadas por analogia.
O tratamento jurídico do desporto reclama uma reconstrução 49, baseada
em investigação histórica e atenta à perspectiva funcional e aos valores que imantam
o esporte. Esta é a estratégia pretendida para o presente trabalho, que não objetiva
enfrentar todos os antecedentes acima mencionados, senão ocupar -se dos
fundamentos jurídicos do clube -empresa no Brasil.
2.3 Formas de manifestação do desport o
48 Na vigência do sistema anterior à Constituição de 1988, em razão da ausência de previsão constitucionalsobre a justiça desportiva e a estipulação do artigo 29 da Lei n. 6.354/76, o Supremo Tribunal Federalmanteve decisão do Plenário do TST, no sentido de que a instância desportiva deveria ser esgotada mesmo emmatéria de conflitos trabalhistas entre clubes e atle tas (in AI-AgR 123747/SP. Rel.: Min. Djaci Falcão. j.u.04.03.1988. 2ª. T. p. 25.03.1988. Ementa: Trabalhista. Lei 6.354/76. Justiça desportiva. Esgotamento dainstância. Inocorrência da ofensa ao art. 153, parágrafo 1, 2 e 3 da C.F. Matéria decidida à luz da lei ordinária.Agravo regimental improvido). Com o novo sistema constitucional, a previsão do artigo 114 CF/88 levou asolução de conflitos de natureza trabalhista exclusivamente à Justiça do Trabalho. De outro lado, o artigo 217transportou ao patamar constitucional o pressuposto de esgotamento da instância desportiva, mas delimitou oescopo da justiça desportiva, cujo plexo de competência – como se viu – não abrange o objeto do presenteestudo.49 Na perspectiva acadêmica, encontram -se avanços na conjugação entre direito e desporto. Em dezembro de2005, a Universidade de Sorbonne inaugurou o primeiro curso superior em direito do esporte, patrocinadopelo ministério do esporte francês. No Brasil, iniciaram -se cursos de pós-graduação em direito desportivo ,assim como diversas faculdades de direito implementaram a disciplina de direito desportivo em seuscurrículos acadêmicos. A Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, em 2005, teve um painel
21
O fenômeno desportivo pode ser classificado de diversas formas. Pode -se
optar, por exemplo, pela classificação por modalidades, de acordo com as
respectivas divisões estabelecidas por cada uma de suas entidades organizadoras
(futebol, basquete, vôlei, at letismo, natação).
Para tal critério de classificação, importaria discorrer que, historicamente,
formaram-se grupamentos para prática desportiva, criando -se os clubes.
Posteriormente, a padronização das regras de prática, necessária para que os clubes
promovessem disputas entre si, exigiu a criação de entidades dirigentes. Em seguida,
a internacionalização das disputas impôs o estabelecimento de entidades
internacionais de administração do desporto, tais como a Union Cycliste
Internacionale (1885), a Fédération Internationale de Football Association (1904),
a Fédération Internationale de Natation Amateur (1908) a International Amateur
Athletic Federation (1913) e a Fédération Internationale de Basketball Amateur
(1933).50
Entretanto, a classificação acima des crita – ainda que relevante para a
compreensão do sistema desportivo – encontra-se voltada para as regras de prática,
cuja importância revela-se diminuta para o presente estudo. O foco de atenção ora
exigido não se encontra sob que regra cada modalidade de sportiva é praticada, mas
como o desporto, de forma geral, é organizado para esta prática.
Tentando impor este enfoque, a revogada Lei n.º 6.251/75 reconhecia as
seguintes formas de organização desportiva: comunitária, estudantil, militar e
classista. Esta definição legislativa recebeu as mais duras críticas, foi considerada
proveniente de uma “visão míope” e entendida como uma “classificação desfocada
da realidade.”51. Com efeito, tratava-se de uma classificação focada exclusivamente
sobre direito desportivo e o Conselho Federal da Or dem dos Advogados do Brasil conta, também a partir de2005, com uma Comissão de Direito e Legislação Desportiva, presidida por Rubens Approbato Machado.50PERRY, Valed. O Direito Desportivo. Revista Brasileira de Direito Desportivo , São Paulo: Editora daOrdem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo, n 1, Primeiro semestre de 2002 . p. 19.51 MELO FILHO, Álvaro. Direito Desportivo Atual . Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 42.
22
no aspecto competitivo do desporto, olvidando outros prismas sobre os quais o
esporte se manifesta.
Antes de ser estritamente competitivo, como já se afirmou, o esporte é
manifestação de entretenimento lúdico, de ocupação do tempo livre, de lazer e
participação. “O desporto – prática para todos – se abre como uma nova
possibilidade do homem do nosso tempo e, consideradas as direções que tomam os
hábitos da sociedade tecnológica, como uma verdadeira necessidade higiênica do
homem do nosso tempo.” 52
De outro lado, o esporte é elemen to de formação humana, diretamente
relacionado à educação:
O desporto-educação enseja modelar nas pessoas valores cujatranscendência não é meramente individual, mas também social.Sem dúvida, na formação das crianças, adolescentes e jovens,para serem cidadãos livres, responsáveis e solidários, o desportotem um papel preponderante, favorecendo o desenvolvimentocorporal e mental harmônico, aprimorando a implantação dehábitos sadios, estimulando o fortalecimento da vontade e dastendências de liderança. O desporto concorre, ainda, para oaprendizado das regras de convivência social, seja auxiliando oindivíduo a descobrir-se para melhor enfrentar as situações davida, seja despertando e/ou consolidando o sentimentocomunitário.53
Como se vê, as manifestaçõe s do fenômeno desportivo acima
mencionadas não encontram seu foco principal no aspecto competitivo. Ao
contrário, aqui este elemento cede em prol da participação, do aspecto lúdico e da
formação educacional.
52 CAGIGAL, J. M. El Deporte en la Sociedad Moderna . Madrid: Prensa Espanhola. 1975. p. 83. Traduçãolivre. No original: “El deporte – práctica para todos – se abre como una nueva posibilidad del hombre denuestro tiempo y, vistas las direcciones que toman los hábitos de la sociedad tecnificada, como una verdaderanecesidad higiénica del hombre de nuestro tiempo.”53 MELO FILHO, Álvaro. Direito Desportivo Atual . p. 45.
23
Outra faceta do esporte é aquela que prima pelo aspecto de competição,
na qual a ênfase incide sobre a superação de resultados e sobre a vitória como
escopo primordial. Neste caso, invade -se a seara do desporto-competição, do
desporto de rendimento, cujo ambiente permite constatar, ainda, duas formas
distintas de manifestação esportiva, de acordo com o nível de vinculação dos
praticantes.
De um lado, aqueles que praticam a atividade desportiva respeitando
rigorosamente as regras estabelecidas, com intuito competitivo; contudo, sem
finalidade ou interesse econômico. De outro, aqueles que elegem a prática do
desporto como meio de subsistência e/ou meio de exploração com finalidade
lucrativa.
Esta é a estrutura de classificação que influenciou a legislação vigente e
será admitida no presente trabalho, pois abrange de modo conciso e adequado as
manifestações do desporto (educação, participação e rendimento). Ao mesmo tempo,
autoriza o enfoque efetivo no desporto de competição (de rendimento), que é – como
se verá adiante – a manifestação desportiva relevante para o problema enfrentado.
2.4 Desporto profissional e não profissional
A Comissão de Reformulação do Desporto Brasileiro, instalada por
intermédio do Decreto nº. 91452, de 19 de julho de 1985, presidida por Manoel José
Gomes TUBINO, identificou três for mas de manifestação do esporte: o esporte -
educação, compreendido como manifestação esportiva que objetiva desenvolver o
indivíduo integralmente, como contributo para formação da cidadania; o esporte -
participação, colocado à disposição da população brasilei ra como meio de prática do
desporto formal e não-formal, promovendo a integração social e ocupação sadia do
tempo livre; e, o esporte-performance, que engloba atividades físicas de natureza
24
competitiva cuja prática exige observância rigorosa das regras imp ostas pelos
organismos internacionais de cada modalidade 54.
Estas formas de manifestação foram incorporadas pela legislação
brasileira, inicialmente pela Lei nº. 8.672/93 e, a posteriori, pela Lei nº. 9.615/98,
sob as rubricas do desporto educacional, de pa rticipação e de rendimento. A
legislação vigente reconhece que o desporto de rendimento pode ser praticado de
modo profissional ou não profissional 55.
A Lei nº. 8.672/93 estabelecia de forma textual que o desporto
profissional caracterizava-se por remuneração pactuada em contrato formal de
trabalho ou ‘demais formas contratuais pertinentes’ (art. 3º) 56. Portanto, conforme
reconhecia o legislador, a atividade profissional caracterizava -se precipuamente pela
remuneração. O atleta remunerado, portanto profission al, poderia ser ou não ser
parte de um contrato de trabalho.
Entretanto, apesar de representar um avanço, ao possibilitar a estipulação
de vínculo trabalhista independentemente da modalidade desportiva, a norma
54 TUBINO, Manoel Gomes. Teoria geral do esporte . São Paulo: Ibrasa, 1987. p. 45.55 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 3 o O desporto pode ser reconhecido em qu alquer dasseguintes manifestações: (omissis)
III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva,nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País eestas com as de outras nações.
Parágrafo único. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:
I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre oatleta e a entidade de prática desportiva;
II - de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato detrabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. (Redação dada pela Lei nº9.981, de 2000).”56 BRASIL. Lei n. 8.672, de 06 de julho de 1993. “Art. 3 o O desporto como atividade predominantementefísica e intelectual pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações: ( omissis)
III - desporto de rendimento, praticado segundo normas e regras nacionais e internacion ais, com a finalidadede obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.
Parágrafo único. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:
I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuad a em contrato formal de trabalho ou demaisformas contratuais pertinentes;”.
25
pretérita estabeleceu um conceito de atleta p rofissional pouco preciso, que
dificultava sobremaneira a delimitação de sua abrangência. Com efeito, à medida
que o legislador objetivou estabelecer um conceito, deveria tê -lo feito a partir da
atividade do atleta (premissa maior) e não dos elementos do c ontrato.
A questão é relevante, ao se constatar que a Lei nº. 9.615/98 aprofunda o
equívoco legislativo, determinando expressamente que o desporto de rendimento
pode ser organizado e praticado de modo profissional, caracterizado pela
remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de
prática desportiva (art. 3º, §único, inciso I). Segundo a definição legal, profissional é
apenas o atleta detentor de contrato formal de trabalho firmado com uma entidade de
prática desportiva (isto é, um clube).
A despeito da previsão legal, é certo que o profissionalismo não se insere
nos elementos do contrato de trabalho. Trata -se de qualificação diversa, que não se
confunde com os requisitos da relação empregatícia. A profissão, considerada em si
mesma, como afirma Orlando GOMES, pode estar vinculada ou não ao contrato de
trabalho subordinado, “[...] é a particular forma de atividade que o indivíduo
escolhe como seu trabalho ordinário e contínuo, com fim de sustento quase sempre,
mas sobretudo a serviço das necessidades gerais.” 57
Nesta ordem de idéias, o atleta profissional é aquele que elege a atividade
desportiva de rendimento como modo de vida, como ocupação vinculada às suas
necessidades gerais, despendendo sua força corporal e intelectual com escopo de
auferir remuneração. Sob este conceito, seriam hipóteses de atividade profissional
vivenciadas na prática pelo desportista: (i) o atleta que efetiva seu registro
diretamente perante a entidade de administração do desporto (federação ou
confederação) e participa de eventos auferindo remuneração decorrente dos prêmios,
situação em que o atleta estabelece vínculo de natureza civil com a entidade
57 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho . 11. ed. Rio de Janeiro: Forense,1990. p. 87.
26
organizadora do evento, não se constatando qualquer relaçã o trabalhista; (ii) o atleta
que estabelece vínculo com a entidade de prática do desporto (clube), para atuar em
campeonato ou evento com período de duração inferior ao mín imo legal
estabelecido para o contrato de trabalho ou de modo eventual, auferindo
remuneração por intermédio de um vínculo de natureza civil denominado locação de
serviços, absorvido pelo contrato de trabalho autônomo; e, (iii) o atleta que
estabelece vínculo empregatício com a entidade de prática do desporto, atendendo os
requisitos dos artigos 2o. e 3o. da Consolidação das Leis do Trabalho, hipótese de
contrato de trabalho em sentido estrito, na qual o atleta disponibiliza sua força de
trabalho e sua habilidade física e intelectual, subordinando -se de forma pessoal e
não-eventual às determinações do clube empregador, em troca de remuneração.
Entretanto, o legislador contemporâneo optou – na caracterização do
desporto de rendimento profissional – por reconhecer como válida apenas a última
hipótese acima elencada. Com efeito, os artigos 3 o, 26 e seguintes da Lei n.º
9.615/98 reconhecem como profissionais apenas as atividades dos atletas vinculados
a entidades de prática do desporto que tenham como precedente fundamental o
contrato formal de trabalho. Assim, a norma vigente manteve o equívoco da
conceituação imposta pela Lei n.º 8.672/93, ao inserir o profissionalismo como
elemento do contrato de trabalho. E mais, no intuito de estabelecer maior segurança
jurídica ao atleta empregado, a Lei n.º 9.615/98 engessou as demais atividades
“profissionais” reconhecidas pela norma anterior como “demais formas contratuais
pertinentes”, pois considera profissional apenas o atleta que firma contrato formal de
trabalho com determinado clube.
A par do contorno legal deixar descoberta significativa facção da
comunidade desportiva, o próprio conceito legislativo deixa transparecer o interesse
primordial de regular as atividades relacionadas ao futebol, tanto que o artigo 94 da
Lei n.º 9.615/98 ressalva diversos dispositivos que desdobram os efeitos da
27
conceituação do desporto praticado de modo profissional, tornando -os de aplicação
obrigatória apenas para a modalidade de futebol 58.
Apontada a inadequação legislativa – tanto em relação ao conceito de
atleta profissional, quanto ao interesse primordial em regular as atividades da
modalidade de futebol – é indene de dúvidas que o profissionalismo está relacionado
ao atleta. Como se afirmou, o desporto profissional é uma espécie da man ifestação
do desporto de rendimento, legalmente caracterizado pela remuneração pactuada em
contrato formal de trabalho entre atleta e entidade de prática desportiva (art. 3 o, §
único, inciso I).
Mais adiante, a lei dá um tratamento diferenciado para as lig as formadas
por entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas
profissionais, equiparando-as às entidades de administração do desporto, vale dizer,
federações e confederações (art. 20, § 6º) 59. Ainda à frente, no capítulo que trata da
prática desportiva profissional, a lei estabelece que atletas e entidades de prática
desportiva são livres para organizar a atividade profissional, qualquer que seja a
modalidade, respeitados os termos desta lei (art. 26, caput)60; mais do que isso,
conceitua competição profissional como aquela promovida para obter renda e
disputada por atletas profissionais (art. 26, § único) 61.
58 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 94 – Os artigos 27, 27-A, 28, 29, 30, 39, 43, 45 e o§1º do art. 41 desta lei serão obrigatórios exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional damodalidade de futebol” (redação dada pela Lei n.º 9.981, de 14 de julho de 2000).59 BRASIL. Lei n. 9.615 , de 24 de março de 1998. “Art. 20. As entidades de prática desportiva participantesde competições do Sistema Nacional do Desporto poderão organizar ligas regionais ou nacionais. ( omissis)
§ 6o As ligas formadas por entidades de prática desportiva envolvi das em competições de atletas profissionaisequiparam-se, para fins do cumprimento do disposto nesta Lei, às entidades de administração do desporto.”(Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)60 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 26. Atletas e entidades de prática desportiva sãolivres para organizar a atividade profissional, qualquer que seja sua modalidade, respeitados os termos destaLei.”61 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 26. Atletas e entidades de prática desportiva sãolivres para organizar a atividade profissional, qualquer que seja sua modalidade, respeitados os termos destaLei. Parágrafo único. Considera-se competição profissional para os efeitos desta Lei aquela promovida paraobter renda e disputada por atletas pr ofissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalhodesportivo.” (Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)
28
Até este ponto, não há ressalvas em relação a modalidades, o que leva a
concluir que a gênese da identificação da atividade pratica da de modo profissional
encontra-se no atleta. Em outras palavras, o atleta profissional, ao participar de
competição, qualifica-a como profissional; as entidades de prática que contratam
atletas profissionais e formam uma liga, dão a esta liga uma qualifi cação
diferenciada, equiparando-a a uma federação ou confederação.
Portanto, o pressuposto para o tratamento legal que culmina na definição
do clube-empresa supõe a prática desportiva profissional e é precedido da
identificação e presença do atleta profiss ional, razão pela qual considera -se relevante
proceder breve digressão acerca do contrato de trabalho do atleta.
O atleta profissional já foi considerado congênere do artista 62 e os atletas
praticantes de esportes individuais, em regra, considerados autônom os63.
Atualmente, a análise do arcabouço legal demonstra que a atividade desportiva
profissional é sui generis; quando presentes os elementos do contrato de trabalho,
corresponde sempre à relação de emprego e não se diferencia – para conceituação do
atleta profissional – entre praticantes de desportos individuais ou coletivos.
O empregador é a entidade de prática do desporto profissional,
identificada como “pessoa jurídica de direito privado” (art. 28) 64. O empregado é o
desportista que opta pelo profissional ismo e realiza o contrato de trabalho,
dedicando-se, na maioria das vezes em tempo integral, aos treinamentos e em
disponibilidade para participar de eventos e competições. O atleta empregado presta
serviços remunerados, de maneira não eventual e por tempo determinado, pois que,
mesmo na hipótese de participar de partidas ou provas esporádicas, deve cumprir o
62 STF, DJU 28.7.52, in BARRETO PRADO, Tratado de direito do trabalho, v. 2, p. 622, apud CARRION,Valentin. Comentários à CLT. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 406.63 CARRION, Valentin. Comentários à CLT. p. 406-407.64 BRASIL. Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas asmodalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em con trato formal de trabalho firmadocom entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente,cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.”
29
período de treinamento. Vale dizer, não se trata de trabalho eventual porque não
depende de acontecimento incerto, casual ou fortuito, e, ainda, a tar efa do atleta
profissional empregado decorre da atividade ordinária da entidade de prática
desportiva. De outro lado, a relação entre o atleta empregado e a entidade
empregadora é rigorosamente subordinada, não se tratando de mera sujeição
econômica ou hierárquica, mas de uma subordinação jurídica 65.
Em síntese, pelo conceito legal, ora admitido, o atleta profissional é
aquele detentor de contrato formal de trabalho com um clube. Como se verá, este é o
ponto de propulsão para delimitação do tratamento legal dirigido ao desporto
praticado e organizado de modo profissional, diferenciando -o do desporto praticado
e organizado de modo não profissional.
Quando a Lei nº 9.615/98 trata da prática desportiva profissional 66, inicia
determinando que “atletas e entidades de prática desportiva são livres para organizar
a atividade profissional, qualquer que seja a modalidade, respeitados os termos desta
lei.”67 De plano, o dispositivo ratifica a constatação de que a classificação não pode
ser entre “modalidade profissional” e “modalidade não profissional” (ou, ainda, a
superada terminologia “modalidade amadora” 68). Isto é, está plenamente superada e
equivocada a afirmação de que apenas o futebol seria profissional, enquanto, por
exemplo, o vôlei ou o basquete seriam “esportes amadores” [sic].
Em consonância com o artigo 3º e com a afirmação acima exposta, o
artigo 28 estipula que: “a atividade do atleta profissional, de todas as modalidades
65 A natureza da subordinação foi objeto de análise de diversas escolas, que buscaram explicar a dependênciado empregado em face de critérios econômicos, técnicos, hierárquicos, pessoais e sociais. Acerca do tema,RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT. Vol. 1, 17. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1997. p. 21/22.66 Este é o título do Capítulo V da Lei 9.615/98.67 Artigo 26, caput, da Lei 9.615/98.68 O artigo 3o da Lei n. 8.672/93 e, posteriormente, a redação original do artigo 3 o, inciso II, alíneas ‘a’ e ‘b’da Lei n. 9.615/98, previam uma subdivisão no desporto de rendimento organizado e praticado de modo nãoprofissional, compreendendo o que se denominava “semiprofissional” (atleta estagiário entre 14 e 18 anos) e“amador” (atleta de qualquer idade sem remuneração ou incentivo ma terial). Esta subdivisão foi suprimidapela nova redação estabelecida pela Lei n. 9.981/2000, que manteve apenas a terminologia “não profissional”.
30
desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de
trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito
privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de
descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.”
Logo adiante, constata-se que o conceito de atleta pro fissional vincula o
de competição profissional, pois “considera -se competição profissional para os
efeitos desta Lei aquela promovida para obter renda e disputada por atletas
profissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalho desportivo.” 69
Por sua vez, o conceito de competição profissional é pressuposto para a
identificação da denominada entidade desportiva profissional, pois “considera -se
entidade desportiva profissional, para fins desta Lei, as entidades de prática
desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais, as ligas em que se
organizarem e as entidades de administração de desporto profissional.” 70. Aqui a
legislação de regência menciona desporto profissional, como uma conclusão de que
se trata do desporto praticado por atleta s e clubes em competições profissionais e
organizado por ligas, federações e confederações, também consideradas
profissionais quando organizam e/ou administram as atividades profissionais. 71
Confederações, federações, ligas ou clubes podem realizar atividad es
profissionais ou não profissionais. Contudo, “para os fins de fiscalização e controle
do disposto nesta Lei, as atividades profissionais das entidades de prática desportiva,
das entidades de administração do desporto e das ligas desportivas,
independentemente da forma jurídica como estas estejam constituídas, equiparam -se
às das sociedades empresárias, notadamente para efeitos tributários, fiscais,
69 Artigo 26, § único, da Lei 9.615/98. (Incluído pela Lei 10.672/2003)70 Artigo 27, § 10, da Lei 9.615/98. ( Incluído pela Lei 10.672/2003)71 Cabe neste ponto uma ressalva, decorrente da previsão assistemática do artigo 94 da Lei 9.615/98, aoestabelecer que os artigos 27, 27 -A, 28, 29, 30, 39, 43, 45 e o artigo 41, §1º são obrigatórios exclusivamentepara atletas e entidades de prática da modalidade de futebol.
31
previdenciários, financeiros, contábeis e administrativos” 72. Ou seja, o conceito legal
de profissionalismo está atrelado ao de atividade empresarial, razão pela qual a
legislação estabelece que “é facultado às entidades desportivas profissionais
constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos
regulados nos arts. 1.039 a 1092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 –
Código Civil”73 e, mais adiante, impõe que “apenas as entidades desportivas
profissionais que se constituírem regularmente em sociedade empresária na forma
do § 9º não ficam sujeitas ao regime da sociedade em comum e, em especial, ao
disposto no art. 990 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”74
Como se vê, a legislação de regência identifica o esporte de rendimento
profissional como fator de produção, explorado economicamente pela entidade de
prática empregadora. A investigação sobre a origem dos clubes permitirá, de outro
lado, constatar como se deu a evolução dos clubes esportivos e as diferenças entre as
entidades de prática no passado e nos dias atuais, para que se possa dissecar o
tratamento legal imposto ao desporto profissional.
2.5 Origem e evolução dos clubes
A criação de clubes esportivos deveu -se, originariamente, da reunião de
pessoas interessadas na prática diletante. “No Brasil, segundo Nicolau e Calil
(1996), as primeiras sociedades de na tureza desportiva surgem no Estado do Rio
Grande do Sul, registrando-se a Sociedade Germânia (1850) e a Sociedade Orpheu
de São Leopoldo (1858), que destacam o desporto sob o enfoque de sua organização
social.”75
72 Artigo 27, §13, da Lei 9.615/98. (Incluído pela Lei 10.672/2003)73 Artigo 27, § 9º, da Lei 9.615/98. (Incluído pela Lei nº 10.672/2003)74 Artigo 27, § 11, da Lei 9.615/98. (Incluído pela Lei nº 10.672/20 03)75 BARBOSA, Alberto Puga. Clube-empresa: a transição de um novo modelo de organização desportiva. p.58.
32
Isso ocorreu independentemente da modalidade praticada, notadamente
porque os clubes originaram-se ou rapidamente tornaram-se poliesportivos, não
apenas no Brasil, mas em diversas partes do mundo. Por esta razão, o exemplo do
futebol poderia ser estendido a todas as demais modalidades; contudo, como o foco
primordial do estudo dirige-se ao direito nacional e o artigo 94 da Lei n. 9.615/98
determina que os dispositivos legais inerentes ao clube -empresa são obrigatórios
exclusivamente para a modalidade de futebol, limita -se o escopo – a partir deste
ponto – ao esporte da “bola de chutar” 76.
Antes, entretanto, uma breve digressão sobre a origem e a
institucionalização do futebol no ambiente internacional e, depois, no Brasil. Este
retrocesso histórico permitirá a inclusão de três elementos importantes par a a este
estudo: a origem coletiva do futebol e sua necessária organização supranacional; a
forma traumática de como a profissionalização foi inserida; e, os efeitos da
organização internacional e do repúdio inicial à profissionalização sobre a
estruturação jurídica dos clubes no Brasil.
Segundo PRONI77, a origem mais aceita do futebol remonta ao século
XII na Inglaterra, quando se desenvolveu o hábito de chutar uma bola de couro
simbolizando a cabeça de um comandante invasor, como comemoração anual pela
expulsão dos dinamarqueses. Após a proibição da prática – em razão da violência
extrema, causadora de mortes e ferimentos – o futebol foi novamente autorizado,
sob regras menos bárbaras, em 1681.
Não se pode afirmar, com segurança, se o jogo de bola era prati cado com
o uso exclusivo dos pés; em verdade, PRONI destaca a grande variação de versões,
de acordo com a região em que era praticado. Menciona um jogo de bola
76 PRONI, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol . Campinas: Unicamp, 2000. p. 21. PRONI destaca,com suporte em Norbert ELIAS e Eric DUNNING. El fútbol em Grã Bretaña durante la Edad Media ycomienzos de la Edad Moderna. In Deporte y ócio em el proceso de la civilización, cap. V, que a palavra foot-ball já era empregada durante a Idade Média na Inglaterra, não designando o esporte, mas descrevendo oobjeto utilizado, isto é, a “bola de chutar”.77 PRONI, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol . p. 21 e ss.
33
denominado hurling, disputado na modalidade “com porteiras” (de 15 a 30
jogadores) e “campo aber to” (com dezenas ou centenas de jogadores), sem regras
escritas e com dose de violência tão alta que impedem sua qualificação como
esporte, na dimensão moderna.
O futebol, como esporte na acepção moderna do termo, advém do final
do século XVIII e início do século XIX, quando passou – com outros jogos
populares – a ser assimilado de modo espontâneo pelas escolas públicas secundárias,
arrefecendo-se sua agressividade e definindo -se regras (ainda variáveis de acordo
com o colégio e a região). Segundo PRONI, o colégio Harrow definiu, em 1830, as
primeiras regras escritas do futebol ( The Football Rules), dentre as quais destaca-se
a presença de onze jogadores por equipe e duas traves verticais como meta. Em
1846, o colégio Rugby publicou suas regras ( The Laws of Football Played at Rugby
School).
As dificuldades enfrentadas para organizar jogos entre colégios e mesmo
para realizar partidas quando alunos provenientes de diversas localidades se
encontravam nas universidades geraram a necessidade de uniformização das regras,
o que ocorreu em Cambridge, 1848. Em paralelo, o futebol passou a arrebatar
adeptos fora dos círculos escolares, nos clubes esportivos ou por intermédio de
torneios. A situação levou à criação da Football Association , primeira liga de
futebol, que logo enfrentou a primeira dissensão, relacionada ao nível de violência
admitido para a prática esportiva.
Como destaca PRONI, a partir de 1863, em Londres, definiram -se duas
modalidades de praticar o football: o soccer ou Association Football e o rugger ou
Rugby Football. A primeira, capitaneada por Cambridge, Eton e outras dez escolas,
optou por reduzir o nível de violência, proibir o pontapé nas canelas ( hacking) e o
recurso de carregar a bola com as mãos; a segunda, encabeçada por Rugby, primou
pela maior virilidade, por considerar que o soccer desnaturaria as origens do jogo.
PRONI sintetiza:
34
Em suma, foi assim que começou. O que estamos denominando de
‘invenção’ do futebol moderno correspondeu a uma construção social,
que implicou um processo gradual d e regulamentação para obter –
usando a terminologia de Elias – um equilíbrio entre o desejo de praticar
uma atividade física que produzisse uma tensão emocional ‘excitante’ e a
necessidade de restringir a violência desenvolvendo mecanismos de
autocontrole.78
Quando o futebol foi introduzido no Brasil, por volta de 1890, constituía
não mais do que um interessante passatempo durante os recreios infantis dos
colégios elegantes ou uma forma de exibição de marinheiros estrangeiros no cais do
porto do Rio de Janeiro. Segundo Leonardo Affonso de Miranda PEREIRA 79, podia
ser comparado a outras brincadeiras de garotos, como o “gude” e o “quatro cantos”.
Mas esta prática era distinta daquela realizada nos clubes ingleses. Em
verdade, pioneiros como Charles Muller e Osca r Cox têm seu mérito não apenas por
trazer bolas de futebol para o Brasil, mas também por trazer os manuais de regras e
pelo engajamento na prática e na organização do esporte.
Até 1901, o futebol era praticado como “diversão interna” em clubes
fundados por membros da colônia bretã no Rio de Janeiro, tais como o Payssandu
Cricket Club e o Rio Cricket and Athletic Association. Neste mesmo ano, iniciam -se
partidas entre times de brasileiros e equipes formadas por sócios dos clubes
“ingleses”. Seguem-se também “matches” realizados entre equipes cariocas e
paulistas.
Segundo PEREIRA, em 1902 é formado o primeiro clube de futebol no
Rio de Janeiro, o Rio Foot-ball Club, com sócios ingleses e brasileiros. Dias depois
78 PRONI, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol . p. 71.79 PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania – uma história social do futebol no Rio deJaneiro – 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 274.
35
é fundado o Fluminense Foot -ball Club. Contudo, a prática organizada era ainda
elitista e exclusivista, restrita aos “rapazes da nossa melhor sociedade”.
A partir de 1904, o futebol se expande com a criação de outros clubes,
como o Bangu Foot-ball Club, o Botafogo Foot -ball Club e o América Foot-ball
Club; em paralelo, ocorre a diversificação de associações originariamente criadas
para prática de outros esportes, como o Club de Regatas do Flamengo, todas
contando com a participação maciça de jovens brasileiros. Como descreve
PEREIRA:
Juntos, os elementos tirados dessa obsessão dos defensores do novo
esporte pela Inglaterra compunham um quadro que ia dando ao futebol
um perfil ainda mais claro. Se os primeiros sócios do Fluminense já
tinham definido para ele a marca do refinamento, os entusiastas do jogo
iam, com o tempo, sofisticando sua imagem: criando uma terminologia
própria, definindo códigos de conduta compartilhados e concretizando
através de seus uniformes importados a aparência refinada que
pretendiam assumir, reforçavam a imagem restritiva e excl udente do jogo
– que garantiria aos seus poucos praticantes o papel de vanguarda da
civilização. 80
Contudo, a despeito do que ocorria dentro dos clubes mais elitistas, a
expansão alcança o subúrbio e, em 1906, o Rio de Janeiro conhece mais de trinta
clubes, dos quais pode-se destacar Pedregulhense F.C., Sport Club Mangueira,
Cascadura F.C., São Cristóvão F.C., Alumínio F.C., Club Atlético do Leme. O
esporte torna-se cada vez mais popular e passa a arregimentar cada vez mais
espectadores. Mesmo com a tentati va de monopólio pretendida com a criação da
denominada Liga Metropolitana, a prática do futebol alastrou -se rapidamente.
80 PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania – uma história social do futebol no Rio deJaneiro – 1902-1938. p. 40.
36
Esta fase de formação dos clubes, concomitante com o próprio
desenvolvimento precípuo do futebol no Brasil, é sintetizada por Antonio C arlos
Kfouri AIDAR:
A história do futebol no Brasil e a formação de seus clubesguardam grande semelhança com a história do desenvolvimentodeste esporte na Europa ocidental. Referimo -nos aqui à Europa eà América Latina por serem os dois continentes onde o futebol sedesenvolveu de forma institucional antes de outras regiões.Na sua gênese, os clubes de futebol nasceram quase todos damesma forma. Grupos de pessoas se uniram e criaramassociações para a prática do esporte sem que houvessepreocupação outra que não fosse a disputa de partidas ecampeonatos.81
Constata-se, a partir deste breve retrospecto, que a criação de clubes
esportivos adaptava-se perfeitamente à hipótese de reunião de pessoas sem interesse
lucrativo, cuja finalidade era, exclusivamente, a prática do desporto. Mas o
afastamento do profissionalismo e conseqüente aproximação do “amadorismo” têm
sua origem relacionada à organização do futebol na Europa, como se pode constatar:
Ao longo da década de 1870, o futebol regulamentado começou aser praticado por membros das classes trabalhadoras, no centro eno norte do país, com o estímulo de diretores de fábricas, dedonos de minas de carvão ou mesmo de clérigos. [...]O futebol pode ser visto, nesse período em que o sport deixava deser um privilégio da aristocracia e da classe média endinheirada,como uma forma de recreação própria dos novos centros urbanos,que pouco a pouco ia se difundindo entre os distintos segmentosda sociedade britânica.82
A proletarização trouxe consigo a luta pela profissi onalização, pois as
equipes passaram a estabelecer meios de pagamento que permitissem aos seus
atletas dedicar mais tempo para os treinamentos. Entretanto, como a Football
81 AIDAR, Antônio Carlos Kfouri et alli. A Nova Gestão do Futebol . São Paulo: FGV Editora, 2001. p. 100.82 PRONI, Marcelo Weishaupt. Op. cit. p. 26.
37
Association era contra qualquer forma de remuneração, por considerar que apenas o
esporte “amador” era capaz de manter os princípios éticos e de fair play, criou-se
um impasse que poderia culminar com a cisão da liga. A solução de consenso foi a
permissão para que jogadores fossem remunerados aliada às proibições de que os
dirigentes recebessem por seus serviços e de que os lucros fossem apropriados por
acionistas.83
O profissionalismo permaneceu circunscrito ao território inglês, apesar da
difusão do futebol por toda Europa, com a criação de times amadores: “Porto
(1893), Juventus (1897), Milan (1899), Barcelona (1899), Bayern Münich (1900),
Ajax (1900), Lazio (1900), Real Madrid (1902) e Benfica (1904).” 84
O movimento de internacionalização levou à constituição da Fédération
Internacionale de Football Association (FIFA), pela França, Bélgica, Dinamarca,
Holanda, Espanha, Suécia e Suíça. A Inglaterra, obviamente, não pretendia abrir
mão de sua hegemonia sobre as regras do esporte. O embate gerado a partir deste
ponto, ou melhor, sua conseqüente superação influenciou na ratificação e
disseminação da regra de que os clubes não deveriam ser usados como fonte de
meios lucrativos dirigidos aos seus dirigentes e acionistas.
Para que a Inglaterra ingressasse na FIFA, definiu -se que, além da
proibição ao profissionalismo, a autoridade sobre as regras do jogo permaneceria
exclusivamente atribuída ao Comitê Internacional de Football Association . 85
83 PRONI. Idem. p. 28. Maiores considerações sobre o tema, LEVER, Janet. A loucura do futebol . p. 61.84 PRONI. Ibidem. p. 31.85 LEVER, J. A loucura do futebol. apud PRONI, p. 32. O contraponto a esta determinação formal é oseguinte: “Alguns clubes vinham oferecendo ‘benefícios’ para assegurar a presença de jogadores oriundos dascamadas proletárias, o que era classificado como prática ilícita, contrária aos nobre s princípios que regiam (oudeviam reger) o esporte amador. Como para um atleta se credenciar a disputar os Jogos Olímpicos erafundamental que não recebesse qualquer gratificação monetária decorrente da prática esportiva, criava -se umasituação constrangedora. De qualquer forma, ficava cada vez mais difícil sustentar o ‘amadorismo defachada’, tendo em vista o crescimento do público, a cobrança do ingresso nas partidas e a condiçãosocioeconômica de muitos atletas.” (p. 33).
38
Com isso, garantiu-se formalmente o afastamento do profissionalismo,
reforçado pelo elitismo do caráter “amador” dos Jogos Olímpicos. Entretanto, por
volta de 1925, as equipes que representavam os respectivos países nas Olimpíadas já
não contavam com seus melhores atletas, que estavam de alguma forma se
profissionalizando. Desta forma, a FIFA preparou um torneio mundial independente,
que se tornou realidade com a primeira Copa do Mundo de futebol, no Uruguai, em
1930. Este foi um divisor de águas para a profissionalização dos atletas, mas ainda
“havia uma clara preocupação em evitar que as forças do mercado dominassem a
administração dos clubes e federações e que o esporte servisse a interesses
privados.”86
Este cenário permite identificar as razões pelas quais os clubes criados no
Brasil nas primeiras décadas do século XX buscaram uma estruturação jurídica que
contemplasse o “amadorismo”, vale dizer, o desinteress e pela divisão de lucro e a
ausência de remuneração para atletas e dirigentes. Como resume Eduardo
CARLEZZO:
Na esfera desportiva essa modalidade teve ampla aceitação, e agrande maioria dos clubes adotou a tipologia de associação. Oque, aliás, não é exclusividade brasileira, uma vez que a quasetotalidade dos países latino -americanos e alguns europeusutilizavam essa forma associativa. [...]Grande parte dos clubes brasileiros foram criados há váriasdécadas, havendo aqueles que inclusive já atingiram o c entenário.Outros estão próximos a tanto. Saliente -se ainda que aestruturação dos clubes, como associação, em vários casos, deu -se antes mesmo da entrada em vigência do Código Civil de 1916,que passou a vigorar a partir de 1 º de janeiro de 1917. Por isso ,àquela época, a modalidade associativista satisfazia plenamenteos fins buscados pelas pessoas que se associavam a uma entidadevisando à prática desportiva. 87
86 PRONI, p. 35.87 CARLEZZO, Eduardo. Direito Societário Desportivo. Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo:Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 3, Primeiro semestre de 2003 . p. 64.
39
A origem dos clubes de futebol, como se vê, encontrava -se diretamente
imbricada à opção pelo associativismo. Ao que se pode constatar, não em razão de
qualquer benefício fiscal ou similar, mas exatamente porque a opção pela reunião de
pessoas interessadas na prática desportiva competitiva, mas não de cunho
profissional ou com finalidades lucrativas, enquadrava-se perfeitamente na estrutura
associativa, inicialmente fomentada pelos próprios organismos internacionais
responsáveis pela organização da modalidade.
Ocorre que a situação se alterou ao longo dos anos e, como adiante se
verá, os clubes passaram a gerir grandes somas monetárias e a firmar uma plêiade de
contratos atrelados à prática esportiva. Em paralelo, o Estado fez incidir normas para
regulação desta atividade, inclusive para definir a estrutura das entidades de prática.
Este o cenário do desporto e de suas formas de manifestação, cuja
abordagem é pressuposto para compreensão do clube -empresa. A partir deste ponto,
o estudo cinge-se em duas dimensões de abordagem: a primeira busca aferir a
adequação da pretensão interventiva estatal em matér ia esportiva,
independentemente da estrutura jurídica adotada pelos clubes; a segunda, que
depende do resultado positivo da filtragem constitucional, procura acomodar o
tratamento legislativo do clube -empresa ao sistema infraconstitucional desportivo,
de modo a aferir a eficácia normativa e social daquela legislação.
3 DESPORTO E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DE AÇÃO
ESTATAL
3.1 Bases da análise comparativa e importância internacional do esporte
A inclusão de novos direitos, nas constituições , é movimento de inegável
amplitude. Desta forma, reputa -se relevante, para fundamentar a análise do
40
tratamento legislativo atribuído ao clube -empresa no Brasil, proceder breve
comparação jurídica do tratamento internacional dado ao tema.
Para esta tarefa, adiante apresentada, não se propõe uma avaliação
extenuante do tratamento legislativo que o direito alienígena impõe para a
estruturação societária. O objetivo é comparar se e como alguns países tratam o
esporte em suas constituições e, se as respectivas constituições dão fundamento para
o tratamento normativo dirigido aos clubes desportivos.
Esta investigação é previamente colocada no compartimento dedicado ao
esporte organizado em cada país. Por isso, o enfoque não é propriamente incidente
sobre a estrutura das pessoas jurídicas em cada sistema jurídico pesquisado. Como já
se demonstrou e se repisará sucintamente adiante, o esporte é um fenômeno
mundial, ao qual atribuem-se peculiaridades, refletidas na forma como cada Estado
trata o fenômeno esportivo.
A Organização das Nações Unidas, em resolução aprovada pela 58 ª
Assembléia Geral, estabeleceu para 2005 o Ano Internacional da Educação Física e
do Esporte. A iniciativa remete ao artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que determina: “Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à
segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e
de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos,
sociais e culturais indispensáveis à sua d ignidade e ao livre desenvolvimento da sua
personalidade.”
O esporte, como já se constatou, é categoria dos direitos culturais e,
portanto, está inserido dentre “os direitos que exigem atuação positiva, concreta e
promotora do Estado (direito ao trabalho, acesso às atividades culturais, direito à
saúde etc.).”88. Na síntese de Alberto Puga BARBOSA:
88 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Direitos humanos nocotidiano. 2 ed. Brasília. 2001. p. 246.
41
O desporto é hoje um acontecimento social universal (CazorlaPrieto, 1979, p. 52; Cazorla Prieto, 1992, p. 27), e segundo osaudoso mestre espanhol José Maria Cac igal, vivemos a ‘era dodesporto’, categoricamente numa ‘sociedade desportivizada’ emque a ciência e as diferentes manifestações culturais encontramsede comum na urbi et orbi desportiva.89
Mas não se pretende, para a análise comparativa, partir de uma si mples
generalização ou prescindir da apreciação contextual de cada sistema jurídico. Ainda
assim, não se está propondo reavivar o direito comparado 90, mas realizar um cotejo
analítico com prevalência do aspecto constitucional, por intermédio da eleição de
países de tradição jurídica romana (à exceção de Cuba).
Este movimento de reconhecimento de importância jurídica ao desporto
não é exclusivamente brasileiro e se refletiu com alguma antecedência nos países
identificados na análise comparativa. MELO FILHO de staca este movimento:
Impende salientar que o espaço aberto ao desporto, por cartasconstitucionais alienígenas configura -se como indisfarçável reafirmaçãode fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do serhumano, além de eficiente e eficaz mecanismo para desenvolver relaçõesamistosas entre as nações que conduzem ao fortalecimento da pazuniversal.Na análise do conjunto de dispositivos constitucionais sobre desportoinclusos nas diversas constituições estrangeiras, afastadas aspeculiaridades de cada país, exsurge como ponto comum a múltiplafunção do desporto como elemento de integração social, como agente doprocesso educacional, como instrumento auxiliar à política de saúde e/oucomo veículo de promoção do lazer, sem prejuízo de s ua dimensão
89 BARBOSA, Alberto Puga. Legislação Desportiva: Desafios para o Século XXI. In _____. Desafios para oséculo XXI – Coletânea de textos da 1 a Conferência Nacional de Educação, Cultura e Desporto. Brasíl ia:Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, 2001. p. 675.90 Não há espaço para, como descreve COELHO, Luiz Fernando. O renascimento do direito comparado.Revista de Informação Legislativa , Brasília, Senado Federal, a. 41, n. 162, abr./ jun. 2004, p. 249, “relacionaras correntes do pensamento com as práticas judiciais e extrajudiciais, reconstituir as relações dos diversosinstitutos entre si, no que elas possuem de perene, bem como as relações desses institutos com a política geraldos povos e com os grandes agrupamentos humanos.” O objetivo é bem mais modesto e cinge -se a focar oselementos positivados de nível constitucional e – eventualmente – infraconstitucional, para analisá -loscomparativamente com o que se adota e o que se pretend e adotar no Brasil.
42
estritamente competitiva, mas tudo isso consorciando -se para fazer dodesporto um componente essencial dos direitos da pessoa humana. 91
A análise comparativa é estritamente dogmática e aproveita a
característica escrita de fonte legislativa dos países do sistema romanista, para
proceder análise comparativa entre os meios pelos quais o Estado interfere na
organização das entidades desportivas.
A investigação inicia por Cuba, país do sistema socialista, em razão da
forma peculiar como trata o espor te e da renúncia ao fundamento econômico que
subsidia a atividade desportiva em outros países. Em seguida, parte -se para França,
Portugal, Espanha e Itália, todos influenciados pela iminência de uniformização do
direito nos países europeus e pelo reconheci mento do desporto como um serviço
público, nos quais há estreita vinculação entre Estado e federações esportivas,
constatada a partir da necessidade de outorga estatal para as atividades desportivas
oficiais da entidades de administração desportiva; como e xceção na Europa, o
sistema alemão merece consideração por sua atribuição de maior autonomia às
federações e, de conseqüência, aos clubes, quando comparado com os demais
modelos europeus92.
3.2 Análise comparativa do tratamento constitucional
3.2.1 Cuba
91 PARENTE FILHO, Marcos Santos (org.); MELO FILHO, Álvaro; TUBINO, Manoel José Gomes. Esporte,educação física e constituição . Ibrasa: São Paulo, 1988. p. 31.92 Não se pode negar, mesmo porque reconhecido pela própria Constituição Europ éia, que se constata umapretendida identidade cultural de seus diversos estados -membros, no âmbito educacional, científico, artístico edesportivo. De outro lado, não se desenvolvem maiores considerações acerca do dirigismo constitucional,porque o embate sobre a questão das soberanias nacionais foge do escopo deste trabalho. Merece apenas odestaque de que – por vezes – as instituições européias preocupam -se com a tentativa de uniformização dequestões relacionadas ao desporto, como se constata pelo caso Bosmann (regulamentação de transferênciasinternacionais de atletas profissionais) ou a questão da isenção fiscal para entidades desportivas, concedida
43
A dicotomia entre as naturezas econômica e social do esporte foi
superada em Cuba, por intermédio da negação da natureza econômica do esporte,
como se constata pela determinação constitucional cubana:
Art. 52 Todos tem direito à educação física, ao esporte e à recreação. Odesfrute deste direito está garantido pela inclusão do ensino e da práticada educação física e do esporte nos planos de estudo do sistema nacionalde educação; e, pela amplitude da instrução e pelos meios postos àdisposição do povo, que f acilitam a prática massiva do esporte e darecreação.93
Em Cuba, o aspecto social abrange todo o escopo do fenômeno esportivo,
como explica Karel L. Pachot ZAMBRANA 94, ao elencar os princípios que regem o
desporto naquele país: “O esporte é um direito de tod os os cidadãos. A prática do
esporte e da educação física é totalmente gratuita para todos os cidadãos sem
nenhuma distinção. O esporte e a educação física formam parte do Sistema Nacional
de Educação, com caráter obrigatório. O esporte e a atividade físic a constituem
componentes fundamentais do Programa Nacional de Promoção de Saúde. O esporte
é um meio, não um fim. Seu objetivo é formar cidadãos física e profissionalmente
preparados para enfrentar suas completas responsabilidades sociais.” 95
Tanto é assim que, como destaca ZAMBRANA, “a Resolução n.º 83 -A,
de 19 de março de 1962, que dispõe sobre a suspensão definitiva de toda atividade
pelo Reino da Espanha e vetada a pedido da Comissão das Comunidades Européias (com base no artigo 169do Tratado da Comunidade Européia).93 Tradução livre: “Todos tienen derecho a la educación física, al deporte y a la recreación. El disfrute de estederecho está garantizado por la inclusión de la enseñanza y práctica de la educación física y el deporte en losplanes de estudio del sistema nacional de educación; y por la amplitud de la instrución y los medios puestos adisposición del puebol, que facilitan la práctica masiva del deporte y la recreación. ”94 ZAMBRANA, Karel L. Pachot. El derecho al deporte en la Constitución Cub ana. Revista Brasileira deDireito Desportivo, São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Desportivo , n. 3, Primeiro Semestre de 2003. p.24.95 Tradução livre: “El deporte es un derecho de todos los ciudadanos. La práctica del deporte y la educaciónfísica es totalmente gratuita para todos los ciudadanos sin ninguna distinción. El deporte y la educación físicaforman parte del Sistema Nacional de Educación, com carácter obligatorio. El deporte y la actividad físicaconstituyen componentes fundamentales del Programa Nacional de Promoción de Salud. El deporte es unmedio, no un fin. Su objetivo es formar ciudadanos física y profesionalmente preparados para enfrentar suscomplejas responsabilidades sociales. ”
44
desportiva de caráter profissional, demonstrando com feitos fundamentados e
referendados legalmente, o quão longe o Estado cubano se propunha a levar o
esporte. Este corpo legal como alternativa foi um golpe demolidor às teorias de que
só o esporte remunerado teria futuro no mundo.” 96
Esta abordagem deixa claro que o desporto pode ser considerado como
um meio ou como um fim. Em Cuba, é sempre um meio para formação individual e
social, razão pela qual o desporto profissional é desconsiderado, pois representaria –
segundo o sistema jurídico cubano – a exploração econômica como um fim em si
mesmo.
3.2.2 FrançaNa França, a Constituição de 1958, revista em 1962, “é essencialmente
lei, lei escrita ao serviço dos direitos e liberdades e da separação dos poderes
(conforme o art. 16o da Declaração de 1789), acreditando -se que, sendo lei escrita,
mais patente se tornarão as suas violaçõe s e, assim, se dissuadirão os governantes de
as cometer.”.97
Não obstante, a Constituição francesa não desce a minúcias das funções
estatais ou a programas de ação para o Estado e para a sociedade. Seu foco está
direcionado à soberania e à organização do E stado. Por isso, a França conta com
cerca de treze Códigos legislativos que tratam de urbanismo, educação, propriedade
intelectual, saúde etc. A matéria sob análise neste trabalho é tratada pelo Code du
Sport, instrumentalizado pela Lei 84 -610, de 16 de julho de 1984 (e alterações
posteriores).
96 ZAMBRANA, Karel L. Pachot. El derecho al deporte en la Constitución cubana. p. 25. Tradução livre : “aResolución n.º 83-A del 19 de marzo de 1962, que dispone la suspensión definitiva de toda actividaddeportiva de carácter profesional, demonstrando com hechos fundamentados y refrendados legalmente, cuanlejos se proponía el Estado cubano llevar lejos el deporte. Este cuerpo legal como alternativa fue un golpedemoledor a las teorías de que sólo el deporte re ntado tenía futuro en el mundo.”97 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição . Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 101.
45
O art. 1º do Code du Sport, com redação dada pela Lei n. 2000 -627, de 06
de julho de 2000 e pela Lei n. 2003 -708, de 01 de agosto de 2003, define – em
síntese98 – que as atividades físicas e esportivas constituem um e lemento importante
da educação, da cultura, da integração e da vida social, contribuem para a saúde e
são de interesse geral. O Estado é responsável pelo ensino da educação física e
esportiva99 e, em conjunto com as federações desportivas deve assegurar o
desenvolvimento do esporte de alto rendimento 100.
A legislação infraconstitucional francesa determina que as federações
esportivas atuem sob delegação do Poder Executivo, especificamente do Ministério
do Esporte101. Basicamente, estes dispositivos determinam qu e as federações
constituem-se sob a forma de associações 102, têm por objeto a organização da prática
de uma ou várias modalidades desportivas 103 e encontram-se sob a tutela do Ministro
do Esporte, à exceção das federações esportivas escolares e universitárias, cuja
tutela compete também ao Ministro da Educação.
Os artigos 7º (com redação dada pela Lei 87 -979, de 7 de dezembro de
1987) e 8º (com redação dada pela Lei nº 2000/627 de 6/7/2000) determinam que os
agrupamentos esportivos são constituídos sob a forma de associações e só poderão
se beneficiar da ajuda do Estado se forem previamente autorizados: “A aprovação é
notadamente fundada sobre a existência de disposições estatutárias que garantam o
funcionamento democrático da associação, a transparência de sua gestão e o acesso
98 BREILLAT, Jean-Cristophe; LAGARDE, Franck; KARAQUILLO, Jean -Pierre. Code du Sport. 10. ed.Paris: Dalloz, 2001. p. 03.99 A educação física, na França, é denominada éducation physique et sportive .100 Haut niveau.101 Arts. 16 e 17 da Lei 84-610 de 16/07/1984, ambos com a redação dada pela Lei 2000 -627 de 6/7/2000.102 Em consonância com a Lei de 1º. de julho de 1901, que regula o agrupamento contratual de associaçõesesportivas ou licenciados a título individual. A norma sofreu diversas al terações, notadamente DL 23 deoutubro de 1935, L. 48-1001 de 23 de junho de 1948, Decreto 66 -388 de 13 de junho de 1966, L 71 -604 de 20de julho de 1971, L.81-909 de 9 de outubro de 1981, L. 87 -571 de 23 de julho de 1987.103 “Unisports ou multisports”, o q ue significa abranger uma ou mais de uma disciplina ou modalidadedesportiva.
46
eqüitativo de homens e mulheres às suas instâncias dirigentes” 104. Na síntese de
Marta Lora-Tamayo VALLVÉ:
Mas uma coisa se faz clara, o desporto de alto nível entendido comopolítica de promoção do desportista e de controle do mesmo é umacompetência que emana e é atribuída diretamente ao Estado e em que oremanescente das coletividades territoriais pouco tem a dizer.O Estado, portanto, põe um prática uma política pública de desporto dealto nível em que determinará os objetivos precisos e disporá dos meiosnecessários para mantê-la.105
Pelo que se pode constatar, o esporte é alçado à categoria de serviço
público e, por isso, a federação depende de um ato de delegação estatal, que deve ser
precedido da adoção de estatutos -tipo e regulamentos-tipo definidos pelo Conselho
de Estado106, após parecer do Comitê Nacional Olímpico e Esportivo Francês
(CNOSF) 107.
Estes estatutos-tipo devem prever, minimamente, a formação e o
aperfeiçoamento dos dirigentes, formadores, animadores e treinadores; organizaç ão
e adesão108 à prática de atividades arbitrais no seio da disciplina/modalidade,
especialmente entre os jovens 109; a representação de desportistas em suas instâncias
104 BREILLAT, Jean-Cristophe; LAGARDE, Franck; KARAQUILLO, Jean -Pierre. Code du Sport. p. 08.105 VALLVÉ, Marta Lora-Tamayo. El regimen del deportista en Francia. In PALOMAR, Alberto (Coord.). Eldeportista en el mundo . Madrid: Dykinson. 2006. p. 132. Tradução livre: “Pero una cosa se queda clara, eldeporte de alto nivel entendido como política de promoción del deportista y de control del mismo es unacompetência que emana y es atrib uída directamente al Estado y en que el resto de colectividades territorialespoco tienen que decir. El Estado por tanto pone em práctica una política pública del deporte de alto nível en laque determinará los objetivos precisos y dispondrá de los médios necesarios para mantenerla.”106 O Decreto 85-238, de 13 de fevereiro de 1985, estabelece que compete ao Conselho de Estado determinaras condições de atribuição e retirada da delegação, assim como a iniciativa para tais providências, apósparecer do Comitê Nacional Olímpico e Esportivo Francês (CNOSF).107 O próprio estatuto do Comitê Olímpico Francês ( Comité National Olympique et Sportif Français –CNOSF) é aprovado pelo Conselho de Estado.108 Originalmente, o termo é “accession”, que em francês possui também a conotação de “adesão posterior auma convenção de Estados não participantes de sua elaboração” (Direito Internacional). Não obstante, nocontexto, o sentido é de “adesão”.109 BREILLAT; LAGARDE; KARAQUILLO. op. cit., p. 15, destacam: “Competência do Tribun alAdministrativo: A contestação de decisões disciplinares tomadas pelas federações esportivas titulares dadelegação ministerial prevista no artigo 17 ao encontro de seus licenciados ou clubes afiliados estão sujeitas,
47
dirigentes; e, eleição de conselho diretor e instâncias deliberativas por voto unitário
das federações filiadas.
Segundo afirmam, sustentados em farta jurisprudência, BREILLAT,
LAGARDE e KARAQUILLO 110, além de missão de serviço público, a delegação
estatal é atribuída por tempo determinado e corresponde a uma atribuição de
exclusividade no território nacional para a federação, por tempo determinado. Por
força desta exclusividade, o artigo 17, III, da Lei 84 -610 concede para as federações
delegadas a prerrogativa única de utilizar a denominação “Fédération Française de”
e “Fédération Nationale de”, bem como conferir a denominação “Équipe de France
de” e “Champion de France” seguidas do nome de uma ou mais
disciplinas/modalidades esportivas e de fazê -las constar em seus estatutos, contratos,
documentos ou artigos de publicidade. Somente estas entidade s serão encarregadas
da organização de competições destinadas a conferir títulos internacionais,
nacionais, regionais ou departamentais.
A legislação chega a ser minuciosa, a ponto de impor às federações a
obrigação de publicar anualmente calendário oficia l de competições que permita ao
desportista dispor de tempo de recuperação hábil para a proteção de sua saúde. 111 De
outro lado, interessante constatar que a jurisprudência francesa solidificou
entendimento de que, mesmo em se tratando de atividade delegada, não há
responsabilidade do Estado pelos atos praticados pelas federações:
nos moldes do artigo 19, à competên cia do tribunal administrativo do domicílio ou sede destas pessoas à datadas decisões, à condição que elas se constituam atos administrativos individuais revelando a aplicação deprerrogativas de poder público (CE, 3/2/95)”. Na mesma obra, p. 20: “Poderes do Ministro: Nenhumadisposição legislativa dá ao ministro o poder de anular uma decisão de uma federação esportiva”.110 BREILLAT; LAGARDE; KARAQUILLO. p. 22: “I. DELEGAÇÃO. A – CONSEQÜÊNCIAS DADELEGAÇÃO 1. Missão de serviço público. Em confiando às feder ações esportivas a missão de organizar ascompetições nacionais ou regionais, o legislador as encarregou, ainda que elas sejam associações regidas pelalei de 1 de julho de 1901, da execução de um serviço público administrativo (farta jurisprudência). 2.Monopólio: em aplicação do artigo 17, a federação que recebeu a delegação ministerial tem, no territórionacional, o monopólio da organização das competições enumeradas naquele texto, e opera as seleçõescorrespondentes.”111 Artigo 1º da Lei 99-223 de 23 de março de 1999.
48
PODERES DAS FEDERAÇÕES ESPORTIVAS DELEGADAS.ORGANIZAÇÃO DAS COMPETIÇÕES [...] 6. Ausência deresponsabilidade do Estado: Não obstante a missão de serviço público quelhes foi confiada pela lei em matéria de organização das competiçõesesportivas, as federações esportivas não podem ser consideradas como seagissem por conta do Estado, e a este título, implicassem suaresponsabilidade em razão de prejuízos sofridos em decorrência de suasatividades exercidas para a execução do serviço público que elasasseguram.112
Com relação aos clubes, o art. 11 do Code du Sport (na redação dada pela
Lei 99-1124, de 28 de dezembro de 1999) define que toda associação esportiva
afiliada a uma federação esportiva, que participe habitualmente da organização de
manifestações esportivas pagas 113 (geradoras de receitas superiores a um piso fixado
pelo Conselho de Estado) ou que empregue desportistas (e remunere em quantias
que superem determinada cifra fixada pelo Conselho de Estado) deve constituir, para
a gestão destas atividades, uma sociedade comercial regida pela Lei 66 -537 de 24 de
julho de 1966114.
Além de estarem em conformidade com estatutos -tipo115 definidos por
decreto do Conselho de Estado, estas socied ades só poderão ser organizadas
respeitando uma das seguintes hipóteses 116: (i) sociedade de responsabilidade
limitada compreendendo somente um associado, denominada empresa unipessoal
esportiva de responsabilidade limitada 117; (ii) sociedade anônima de objeto
esportivo118; ou, (iii) sociedade anônima esportiva profissional 119.
112 BREILLAT; LAGARDE; KARAQUILLO. op. cit., p. 23.113 A título oneroso (payantes).114 Que trata das sociedades comerciais.115 Statuts types.116 BREILLAT; LAGARDE; KARAQUILLO. op. cit., p. 08.117 Tradução livre: “Entreprise unipersonnelle sportive à responsabilité limitée.”118 Tradução livre: “Societé anonyme à objet sportif .”
49
Como se vê, trata-se de um sistema estritamente publicista, no qual os
estatutos das sociedades constituídas pelas associações esportivas deverão se
conformar aos estatutos-tipo120 definidos por decreto do Conselho de Estado,
situação que suplanta em muito – na perspectiva da intervenção do Estado na
atividade privada – a opção legislativa brasileira.
3.2.3 ItáliaNa Itália, a Constituição apresenta “um nítido carácter compromissório,
também manifestado durante os mais de quarenta anos que já leva de vida.” 121
O núcleo da disciplina e da organização desportiva italiana encontra -se
em um ente público denominado Comitato Olimpico Nazionale Italiano – CONI,
criado por intermédio da Lei 426, de 16 d e dezembro de 1942. Os atos expedidos
pelo CONI são considerados atos administrativos estatais e toda atividade desportiva
italiana gira em torno deste ente.
As federações são consideradas órgãos do CONI e recebem delegação
para organizar cada modalidade e sportiva, incumbindo-lhes também fornecer o
reconhecimento dos clubes esportivos, denominados “sociedades esportivas” 122.
Segundo Carmen Pérez GONZÁLEZ:
São ‘sociedades desportivas’ na Itália aqueles entes de base associativaatravés dos quais se desenvolve a atividade desportiva. As mesmasdevem constituir-se em forma de sociedade por ações ou de sociedade deresponsabilidade limitada. Através de sua filiação às federaçõesreconhecidas pelo CONI, estas associações se convertem em sujeitos doordenamento desportivo.123
119 Tradução livre: “Societé anonyme sportive professionnelle .”120 Tradução livre: “Statuts types.”121 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição . p. 110.122 A legislação de regência é composta pela Lei n. 91, de 23 de março de 1981 e a Lei n. 586, de 18 denovembro de 1996, convertida com modificação do Decreto -lei 485, de 20 de setembro de 1996.123 GONZÁLEZ, Carmen Pérez. Los deportistas en Itália. In: PALOMAR, Alberto (Coord.). El deportista enel mundo. Madrid: Dykinson, 2006. p. 174. Tradução livre: “Son ‘sociedades deportivas’ en Italia aquellos
50
Na prática, o CONI reconhece modalidades e estabelece as diretivas
aplicáveis. Pode classificá-las como profissionais ou diletantes 124, mas estas
diretivas condicionam a atuação da respectiva federação da modalidade. Por
exemplo, para que um desport ista possa ser considerado profissional, a modalidade
que pratica deve ser classificada como profissional pelo CONI e o clube ao qual
esteja vinculado deve ser filiado à federação reconhecida pelo CONI.
Interessante constatar que as legislações francesa e italiana baseiam-se
nas regras constitucionais de ambos países, que atribuem, ao Estado, funções
programáticas. Ambas identificam o esporte como serviço público, criam órgãos
delegatórios e apresentam uma atuação bastante interventiva em matéria esportiva .
Contudo, a norma francesa preserva o aspecto associativo, a não ser que a entidade
cobre ingressos e remunere atletas; enquanto a norma italiana impõe a conversão das
entidades profissionais, de acordo com a modalidade praticada, em dois tipos
societários específicos: sociedades por ações ou limitadas 125.
3.2.4 EspanhaNa Espanha, a Constituição de 1978, à “semelhança da Constituição
italiana de 1947 e da portuguesa de 1976, introduzem -se ‘princípios directivos de
política social e econômica’ e constitucio nalizam-se direitos dos partidos, dos
sindicatos e das associações empresariais.” 126 Em paralelo, o artigo 43.3 da
entes de base asociativa a través de las cuales se desarolla la actividad deportiva. Las mismas debenconsiturse en forma de sociedad por acciones o de sociedad de responsabilidad limitada. A través de suafiliación a las federationes reconocidas por el CONI estas asociaciones se convierten en sujetos delordenamiento deportivo.”124 Tradução livre: “Dilettantistica”.125 O movimento de formação dos primeiros clubes -empresa na Itália iniciou-se em 1981, mas a iniciativa foiacompanhada da aquisição de patrocínios fortes, como ocorreu com a Juventus (Ariston) e com o Milan (PoohJones). Sobre o tema, COSTA, Roberto. A metamorfose do futebol – Brasil mantém o brilho dentro dogramado, mas fora dele tropeça nas próprias pern as. Jornal da Unicamp . Disponível emhttp://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/jan2001/pagina16 -Ju158.html. Acesso em janeiro de 2001.126 MIRANDA, Jorge. op. cit. p. 110.
51
Constituição espanhola eleva ao patamar constitucional o fomento ao esporte, à
educação física e ao lazer.
O preâmbulo da Lei n. 10/1990, de 15 de outubro, destaca que “uma das
formas mais nobres de fomentar uma atividade é preocupar -se com ela e com seus
efeitos, ordenar seu desenvolvimento em termos razoáveis, participar na organização
da mesma quando seja necessário e contribuir com seu financ iamento.”127
A legislação reconhece que as federações – dependentes de habilitação
estatal concedida por meio de declaração de utilidade pública – têm natureza jurídica
privada, mas exercem funções públicas de caráter administrativo. O Estado impõe a
constituição de ligas profissionais, inseridas no âmbito das federações, compostas
por clubes que participem de competições profissionais.
A legislação propõe um novo modelo a estes clubes, inspirado no regime
geral das sociedades anônimas, “mediante conversão do s clubes profissionais em
Sociedades Anônimas Desportivas, ou a criação de tais sociedades para as equipes
profissionais da modalidade desportiva correspondente” 128. Assim, o artigo 19.1 da
Lei n. 10/1990 estabelece que os clubes ou suas equipes profissionai s que participem
de competições esportivas oficiais de natureza profissional adotem a forma de
sociedade anônima desportiva (SAD), sujeitos ao regime geral das sociedades
anônimas e às especificações daquela lei.
A regulamentação está inserida no Real Decr eto 1251/1999, de 16 de
julho, que substituiu o RD 1084/1991, de 5 de julho, como destaca Alberto Palomar
OLMEDA129. Há uma preocupação normativa clara relacionada ao capital social
mínimo destas entidades, às participações societárias e limitações à aquisiç ão de
127 Tradução livre: “una de las formas más nobles de fomentar uma actividad es pr eocuparse por ella y susefectos, ordenar su desarollo en términos razonables, participar en la organización de la misma cuando seanecesario y contribuir a su financiación.”128 Tradução livre: “mediante la conversión de los clubes profesionales en Sociedad es Anónimas Deportivas,o la creación de tales sociedades para los equipos profesionales de la modalidad deportiva que corresponda”.129 PALOMAR, Alberto. El deportista en el mundo . Madrid: Dykinson, 2006. p. 390.
52
ações, assim como às normas contábeis e meios de informação periódica ao
Conselho Superior de Desportos.
Enfim, há um detalhamento bastante rigoroso que permite identificar um
regime jurídico próprio para as sociedades anônimas desportivas da Espanha ,
vinculado especialmente à saúde financeira destas entidades.
3.2.5 PortugalEm Portugal, a Constituição de 1976 é resultado de que, na lição de
MIRANDA, “os constituintes pretenderam construir uma organização económica
singular, conjugando o princípio d a apropriação colectiva dos principais meios de
produção, um socialismo autogestionário e a iniciativa privada.” 130
Esta Carta, fundamentada na democracia representativa e na liberdade
política, previu direitos econômicos, sociais e culturais (arts. 58 o a 79o),
considerados, por CANOTILHO 131, sujeitos ao regime dos direitos fundamentais,
mas que regra geral não se beneficiam do “regime especial dos direitos, liberdades e
garantias”.
Segundo VIEIRA DE ANDRADE, são denominados direitos
fundamentais sociais, cuja força normativa é assim sintetizada: como “imposição
legislativa concreta das medidas necessárias para tornar exequíveis os preceitos
constitucionais”; “padrão jurídico de controlo judicial de normas, com conteúdo
mínimo imperativo, suscetível de fundar u ma inconstitucionalidade por acção, e
factor de interpretação normativa”; “fundamento constitucional de restrição ou de
limitação de outros direitos fundamentais, em regra, de direitos, liberdades e
garantias, designadamente quando a Constituição estabeleç a deveres especiais de
130 MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 141.131 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição . 6. ed. Coimbra:Almedina, 2002. p. 402.
53
protecção”; e, “força irradiante, conferindo uma certa capacidade de resistência,
variável em intensidade”. 132
Na presente perspectiva, importa a força jurídica atribuída aos direitos
sociais constitucionalmente previstos, especificam ente “na capacidade de fundar
restrições legítimas ou limitações aos direitos, liberdades e garantias.”. Em síntese,
como descreve VIEIRA DE ANDRADE:
Na realidade, para assegurar a realização ou a protecção dos direitoseconómicos, sociais e culturais, o l egislador tem frequentemente derestringir direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, ao abrigo do artigo18o, com respeito pelo princípio da proporcionalidade – além daslimitações à liberdade em geral, lembrem -se, a título de exemplo, aslimitações à publicidade de certos produtos, as advertências ao público eas alterações à legislação civil e comercial em matéria de cláusulascontratuais gerais e de contratos de adesão para protecção dosconsumidores, que restringem ou limitam a liberdade de express ão, aliberdade de iniciativa económica e a liberdade contratual.Os preceitos constitucionais relativos aos direitos económicos, sociais eculturais funcionam aqui – como, de resto, nas outras situações deconflito entre direitos – enquanto valores consti tucionais susceptíveis dejustificarem as limitações legislativas da liberdade e de outros direitosfundamentais.133
Como destaca Maria Josefa Garcia CIRAC, a Constituição portuguesa de
1976 “é a primeira Constituição democrática que configura o direito à cu ltura física
e ao desporto como um direito fundamental e universal, no âmbito dos direitos
econômicos, sociais e culturais.” 134
Neste cenário, o sistema português admite mecanismos restritivos no
ambiente do desporto profissional:
132 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976 . 2ed. Coimbra: Almedina, 2001. p. 389.133 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976 . p.389.134 CIRAC, Maria Josefa Garcia. Régimen jurídico del deportista en Portugal. In: PALOMAR, Alberto(coord.). El deportista en el mundo . Madrid: Dykinson. 2006. p. 184. Tradução livre: “es la primera
54
A justificação clássica para a existência de mecanismos restritivos dalivre concorrência no mercado de trabalho desportivo (pense -se, a estepropósito, no player draft system vigente nas ligas dos EUA) assenta nasingular lógica empresarial apresentada pelo desporto profissional: n averdade, e por um lado, as empresas que aqui operam (designadamente osclubes) mantém uma relação ao dúplice entre si, de concorrência e deinterdependência, de competição no plano desportivo e de cooperação noplano econômico, pois o espetáculo desporti vo resulta, necessariamente,de uma produção conjunta entre diversos clubes/empresas, cuja relaçãopode, por isso, a justo título, ser caracterizada como de ‘concorrênciaassociativa’ (Klaus Heinemann) ou de ‘oposição cooperativa’ (GeraldSimon); acresce, por outro lado, que é necessário garantir a existência deuma razoável taxa de equilíbrio competitivo ( competitive balance),evitando o açambarcamento dos melhores praticantes por parte dasequipes financeiramente mais poderosas, isso em ordem a reforçar ofactor incerteza do resultado (uncertant of outcome), o qual constitui umingrediente indispensável para o sucesso desta indústria – na incerteza doresultado reside, com efeito, o ‘núcleo fascinante’ (Ellis Cashmore) doespetáculo desportivo.135
Sendo assim, a estrutura vigente a partir da Lei n. 30, de 21 de julho de
2004 (Lei de Bases do Desporto) prevê a organização pública do esporte, realizada
basicamente pelo Ministério da Educação e do Desporto, por intermédio do Instituto
do Desporto (ao qual incumb e coordenação, intervenção e fiscalização) e do
Conselho Superior do Desporto (ao qual se atribui consultoria e orientação). 136
As federações dependem de um reconhecimento de “utilidade pública
desportiva”, precedido da inserção dos requisitos mínimos legais em seus estatutos.
Para a disputa de competições desportivas profissionais, a federação deve ter
Constitución democrática que configura el derecho a la cultura física e al deporte como um derechofundamental y universal, em el ámbito de los derechos económicos, sociales y culturales.”135 AMADO, João Leal. O contrato de trabalho desportivo no ordenamento jurídico português. RevistaBrasileira de Direito Desportivo , São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 3, Primeirosemestre de 2003. p. 35.136 PALOMAR, Alberto (coord.). op. cit. p. 190.
55
constituída uma liga profissional “dotada de personalidade jurídica e autonomia
administrativa, técnica e financeira” 137.
A LBD diferencia o clube (associação sem intuitos lucrativos) e a
sociedade desportiva (sociedade anônima). Os clubes ou sociedades desportivas
profissionais, assim reconhecidos aqueles que participam de competições
profissionais, devem preencher requisitos, dentre os quais: (i) manter estrut ura
administrativa profissionalizada adequada à gestão de sua atividade e (ii) apresentar
situação econômico-financeira estabilizada e contabilidade organizada 138.
Desde a Lei n. 1/90, de 13 de janeiro, com redação dada pela Lei n.
19/96, criou-se em Portugal a figura das sociedades anônimas desportivas. A
regulamentação desta legislação define que a SAD pode surgir da transformação de
um clube, da atribuição de personalidade jurídica às equipes ou da criação originária
de uma nova entidade.
Como exemplo desbravador, Alberto dos Santos PUGA BARBOSA
destaca que o Sporting Clube de Portugal providenciou alteração de seu estatuto
social, admitindo a transformação de suas equipes que participavam de competições
profissionais em sociedades anônimas, das quais o clu be veio a participar como
acionista, criando-se um grupo empresarial do qual faz parte o Sporting – Sociedade
Desportiva de Futebol, SD. 139
Interessante constatar que a legislação desportiva portuguesa, cujo escopo
era “introduzir critérios de rigor de gestã o, mas também criar condições para que as
sociedades desportivas ganhem dinheiro” 140, gerou uma possível alteração da
137 Art. 24, n. 1, LDB.138 Art. 61, n. 1, LDB.139 BARBOSA, Alberto Puga. O modelo societário como resposta organizativa do futebol profissional emPortugal e no Brasil – uma análise hermenêutico-dialética na perspectiva das ciências do desporto. Porto,2001. Tese (doutorado) Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto –Portugal. 2001. p. 81.140 ROQUETTE, José. Gestão profissional para salvar a alta competição. Apud PUGA BARBOSA, Albertodos Santos. O modelo societário como resposta organiza tiva do futebol profissional em Portugal e no Brasil –uma análise hermenêutico-dialética na perspectiva das ciências do desporto. p. 82.
56
natureza não lucrativa da associação, permitindo -a participar de sociedades por
ações. Esta alteração é explicada e admitida por José Manuel MEIRIM141 como um
meio para que as associações obtenham recursos para alcançar os seus fins.
Contudo, se o objetivo é impor critérios de gestão e permitir que a
associação encontre recursos para consecução de seus fins, bastaria que se
impusessem normas de controle de gestão das associações participantes de
competições profissionais e, em paralelo, se permitisse que as mesmas realizassem
contratos onerosos dirigidos à obtenção de recursos destinados à própria
associação.142 Esta é uma questão também enfrentada no Brasil e que será explorada
mais adiante.
3.2.6 AlemanhaNa Alemanha, a Constituição, “como era de se esperar depois do
nacional-socialismo e da guerra, faz uma clara profissão de fé na dignidade da
pessoa humana e admite, implícita ou explicitamente, que o Direito natural limita o
poder do Estado”. Com isso, há especial reforço aos direitos fundamentais, como
ensina MIRANDA, ao enumerar princípios constitucionais da Constituição alemã,
dentre os quais: “os direitos do homem, invioláveis e inalienáveis , como fundamento
da ordem social (art. 1 o, n.º 2); a vinculação dos Poderes Legislativo, Executivo e
Judicial pelos direitos fundamentais enunciados na Constituição (art. 1 o, n.º 3); a
necessidade de qualquer restrição de direito fundamental se efectuar p or lei geral
que não afecte o seu conteúdo essencial (art. 19 o, n.ºs 1 e 2)”143.
141 MEIRIM, José Manuel. Clubes e sociedades desportivas – uma nova realidade jurídica. Apud BARBOSA,Alberto Puga. op. cit., p. 83.142 A questão será novamente explorada na análise específica do sistema do clube -empresa no Brasil.143 MIRANDA, Jorge. op. cit. p. 128.
57
Segundo HESSE, “característica decisiva da ordem estatal -jurídica da Lei
Fundamental e, finalmente, que ela é a de um estado de direito ‘social’.” 144 E
complementa: “A Lei Fundame ntal restringe suas garantias jurídico -fundamentais
no essencial aos direitos do homem clássicos, ao lado dos quais se colocam algumas
garantias e regulações de princípios especiais (por exemplo, artigo 5 o, alínea 3,
artigo 6o, 7). Em comparação com isso, ela renuncia aos ‘direitos fundamentais
sociais’, como eles estão contidos em várias constituições estaduais.” A cultura e o
esporte são mencionados pelo autor, como exemplo de matérias acolhidas a título de
objetivos sociais pelos estados federados da ent ão Alemanha Oriental (Sachsen,
artigo 13; Thüringen, artigo 43).
A despeito desta renúncia, HESSE reconhece que “a Lei Fundamental
restringe-se a uma determinação de objetivo estatal geral: à fórmula do estado de
direito social.”145. À busca deste conteúdo, HESSE complementa:
O Estado da Lei Fundamental é Estado que planifica, guia, presta,distribui, possibilita primeiro vida individual como social e isso é portopara ele, pela fórmula do estado de direito social, por causa daConstituição, como tarefa.Essa tarefa fundamenta não só uma ‘obrigação social’ da coletividadediante de seus membros, portanto, a obrigação para assistência social,assistência vital e satisfação social, mas também obrigações sociais dosmembros da coletividade entre si, assim como di ante da coletividade:deveres de proteção, ajuda, assistência e deveres de auto -auxílio coletivo,vinculações da propriedade, obrigações tributárias e deveres de prestação,que põem o Estado primeiro em condições de cumprir suas tarefassociais.146
Em matéria esportiva, a Constituição alemã atribui competência
legislativa aos Länder147. A legislação federal relacionada às matérias desportivas é
144 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha . Tradução da 20ed. alemã por Luis Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1998. p. 169.145 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. p. 173.146 HESSE. op. cit., p. 175.147 Denominação de unidades federadas.
58
escassa e normalmente diz respeito a aspectos indiretos, v.g. a legislação que trata da
obrigação do Estado em promover indenizações aos atletas submetidos à dopagem
na antiga República Democrática Alemã.
No exercício do poder constituinte decorrente, especialmente nas
constituições mais novas, alguns Länder reconhecem como tarefa estatal o fomento
e a proteção da atividade desportiva.148 Como menciona Manuel GAMÉZ 149: “Esta
inovadora, em seu momento, inclusão constitucional é conseqüência da crescente
importância social da própria atividade desportiva que já um dos fins fundamentais
da ação pública do Estado em sua vertente tanto de fomento, como de proteção.”
Além das previsões constitucionais, a legislação estadual tem focado o fomento e a
proteção em subvencionar, com verbas públicas, os clubes, as federações e os
municípios.
Em princípio, o regime alemão é de autonomia à s entidades desportivas,
constituídas na forma de associações. Contudo, doutrina e jurisprudência ressentem -
se – em matéria de desporto profissional – de uma maior intervenção estatal, por
exemplo, nas providências contra o doping, proteção aos menores e regras de
transferência.150
Constata-se, assim, que a estrutura do sistema desportivo na Alemanha se
aproxima mais do Brasil, pois – lá, como cá – as federações não se encontram
submetidas à autorização estatal. Contudo, a intervenção estatal na atividade
desportiva profissional, apesar de recomendada por diversos setores, sofre maiores
limitações jurídicas, porque o esporte não é considerado direito fundamental. A Lei
148 GÁMEZ, Manuel. El deportista en Alemania. In: PALOMAR, Alberto (coord.). El deportista en el mundo .Madrid: Dykinson, 2006. p. 79.149 PALOMAR, Alberto (coord.). op. cit. p. 79. Tradução livre: “Esta novedosa, en su momento, inclusiónconstitucional es consecuencia de la creciente importancia social de la propria actividad deportiva que ya esuno de los fines fundamentales de la acción pública del Estado em su vertiente tanto de fomento como deproteción.”150 Idem. p. 82.
59
Fundamental (art. 2.1) privilegia o livre desenvolvimento da personalidade e o
esporte é um desdobramento deste princípio. 151
Por isso, a figura do clube-empresa não é regulada pela legislação na
Alemanha, assim como é opcional, ao clube, separar as atividades profissionais e
não-profissionais. A conversão das associações em sociedades vêm ocorrend o, em
verdade, por uma questão de auto -regulação definida pelas próprias ligas desportivas
(não apenas no futebol, mas também no basquete e no hóquei sobre o gelo). 152
3.2.7 ArgentinaNa Argentina, o modelo associativo é considerado insuficiente e sujeito a
ser substituído pela adoção da obrigatoriedade de instituição de sociedades anônimas
desportivas. Entretanto, a Associacion del Futebol Argentino (AFA) impõe aos
clubes a adoção da forma jurídica de associação ou sociedade civil (sem fins
lucrativos), modo como estão constituídas todas as entidades que disputam futebol
profissional na Argentina. 153
Como destaca BARBIERI, a AFA exerce peculiar controle orçamentário
dos clubes, por intermédio de um Tribunal de Contas; entretanto, esta forma de
regulação já era considerada insuficiente em face da multiplicidade de matérias que
englobam a administração de um clube que pratica o futebol profissional,
culminando com a conclusão de “desde 1999, vem sendo travado um debate na
comunidade desportiva nacional a respeit o da necessidade de modificação desse
151 Ibidem. p. 84.152 Ibidem. p. 99.153 BARBIERI, Pablo C. A necessidade de reformular a organização jurídica dos clubes de futebol argentinos.Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 2, Segundosemestre de 2002, p. 19. O autor complementa: Enquadradas no artigo 33 do Código Civil, as associaçõescivis são definidas como ‘aquelas entidades sem fins lucrativos que surgem da mancomunação de idéias eesforços de um grupo de pessoas tendentes a cumprir uma finalidade comum e que se encontram na órbita decontrole da Inspeção Geral de Justiça’ (espécie de Junta Comercial).
60
marco jurídico e sua substituição pelas chamadas ‘sociedades anônimas desportivas’
(S.A.D.s), entidades de caráter comercial com fins de lucro.” 154
Atualmente, a Argentina adota – por força da Lei 25.284/2000 155, à qual
se aplicam subsidiariamente o Código Civil, as Leis 22.315, 24.441 e 24.522 e
respectivos códigos de rito de cada jurisdição 156 – “um regime especial de
administração das entidades desportivas com dificuldades econômicas, mediante
constituição de um denominado fideicomisso de administração com controle
judicial”157.
Segundo JUNYENT BAS e SANDOVAL, “a prática do direito
desportivo demonstra que as entidades desportivas (fundamentalmente os clubes de
futebol) constituem verdadeiras empresas (unidades empresariais) e sua estrutura
jurídica (associações civis sem fins lucrativos) não se amoldam adequadamente a
esta pretensão social.” 158 Para sustentar o argumento, mencionam a transmissão de
televisão, patrocínio dos uniformes esportivos, publicidade em estádios,
comercialização de produtos com logotipo do clube, exploração da marca,
transferência de jogadores.
Em síntese, o diagnóstico é de que a configuração dos clubes de futebol
como associações civis oculta o verdadeiro intermediário (agente) e obstaculiza a
solução da crise econômica e financeira que atinge os clubes argentinos.
154 BARBIERI, Pablo C. A necessidade de reformular a organização jurídica dos clubes de futebol argentinos.p. 19.155 A lei intitula-se, em tradução livre, “Regime Especial de Administração da s Entidades Desportivas comDificuldades Econômicas – Fideicomisso de Administração com Controle Judicial. ”156 JUNYENT BAS, Francisco; MOLINA SANDOVAL, Carlos A. Salvataje de entidades deportivas . SantaFé: Rubinzal-Culzoni, 2000. p. 87.157 “Un régimen especial de administración de las entidades deportivas con dificuldades econômicas,mediante la constitución de un denominado fideicomiso de administración com control judicial”. Ao que sepode concluir, considera-se fideicomisso por força da transferência restr ita e resolúvel.158 MIROLO, René R. (org.). Régimen jurídico del futbolista y de las entidades deportivas . Córdoba:Advocatus, 2004. p. 292.
61
A legislação argentina admitiu a implementação de um novo
procedimento, chamado “salvataje de entidades deportivas”, por intermédio de um
sistema especial de administração “fiduciária” a que a entidade em dificuldades
financeiras poderá filiar-se. A administração do clube e a propriedade dos bens é
confiada a um órgão fiduciário composto por três membros (um advogado, um
contador e um especialista em administração esportiva), a quem incumbe – sob
controle judicial – sanar as dívidas em favor dos credores e da própria comunidade.
Na hipótese de quebra, a livre opção do clube torna -se obrigatória, posto
que a legislação retira, de modo cogente, a entidade da administração dos seus
bens.159 JUNYENT BAS e SANDOVAL consideram que a previsão legislativa é
adequada à Constituição argentina, excepcionando apenas a previsão de afastamento
dos membros dos órgãos diretivos (art. 7º) 160 sem lhes permitir participar – ao
menos – dos incidentes concursais e demai s medidas correlatas.161 A opinião de
inconstitucionalidade deste dispositivo é compartilhada por Norberto Osvaldo
OUTERELO162, que afirma:
Não se pode consentir que a lei viole princípios consagrados em nossaCarta Magna. O direito de defesa em juízo sem enco ntra consagrado egarantido no artigo 18 da CONSTITUIÇÃO DA NAÇÃO ARGENTINA,e o colocamos em maiúscula para que alguns recordem e outros não se
159 MIROLO, René R. (org.). Régimen jurídico del futbolista y de las entidades deportivas. p. 297.160 ARGENTINA. L. 25284 (fecha de publicación en el B.O: 02/08/2000). DESPLAZAMIENTO DEFUNCIONARIOS Y ORGANOS PUBLICACION DE EDICTOS Artículo 7º: La designación del órganofiduciario desplaza a todos los funcionarios mencionados en el Título IV, Capítulo II, Sección I de la l ey24.522 y a los órganos institucionales y estatutarios que estuvieren actuando. Asimismo, dichodesplazamiento se hace extensivo a todos aquellos que no tengan designación expresa por parte de dichoórgano. Dentro de las veinticuatro horas de dictado el auto, por Secretaría se procederá a publicar edictosdurante cinco días, sin necesidad de previo pago, en el diario de publicaciones legales de la jurisdicción de laentidad y en otro diario de amplia circulación, dentro del radio del domicilio de la entid ad involucrada. Losmismos deberán contener todos los datos del deudor y del órgano fiduciario, conforme las pautas establecidasen los artículos 27 y 28 de la Ley 24.522.161 MIROLO, René R. (org.). op. cit. p. 299.162 OUTERELO, Norberto Osvaldo. Ley Nº 2528 4. Régimen Especial de administración de las entidadesdeportivas con dificultades económicas. Fideicomiso de administración con control judicial. "Algo huele malen Dinamarca". elDial - DC94B. elDial.com - editorial albrematica. Pesquisa realizada na Bibl ioteca deDireito da Universidade de Buenos Aires.
62
esqueçam, SEM FAZER DIFERENÇAS, sem importar que se trate depessoas físicas ou jurídicas. O órgão fiduciário é um administradordependente do juiz, tem seu controle, não pode advogar pelo falido, nemsequer substituí-lo em suas funções, como por exemplo tomar assento noComitê Executivo da AFA. 163
Entretanto, o denominado “fideicomisso por determinação legal” 164, com
objetivo precípuo de evitar a liquidação e permitir a continuidade da exploração da
entidade e seu reordenamento, parece ganhar uma peculiaridade que o aproxima da
falência e impõe a presença de um ente que exerça também as funções de síndico,
afastando os demais dirigentes. A análise da norma permite constatar, ainda, que, de
modo geral, a dissolução é suspensa e realizam -se os atos de constituição do
fideicomisso de administração.
Na Argentina, as associações dependem de autorização estatal para seu
registro e funcionamento. Os clubes esportivos estão constituídos como associações,
ainda que – na prática – sejam reconhecidos como “formidáveis empresas de
indubitável atividade econômica” 165. Entretanto, o concurso de credores é unificado,
tanto para associações, quanto para sociedades insolventes.
O regime especial é aplicável apenas a clubes e não às federações,
confederações e ligas166. Não é preciso que se encontre sob falência decretada, mas
163 “No se puede consentir que la ley viole los principios consagrados en nuestra Carta Magna. El derecho dedefensa en juicio, se encuentra consagrado y garantizado en el artículo 18 de la CONSTITUCIÓN DE L ANACIÓN ARGENTINA, y lo ponemos en mayúscula para que algunos la recuerden y a otros no se les olvide,SIN HACER DIFERENCIAS, sin importar, que se trate de personas físicas o jurídicas. El órgano fiduciario,es un administrador dependiente del juez, tiene su control, no puede abogar por el fallido, ni siquierareemplazarlo en sus funciones, como por ejemplo, sentarse en el Comité Ejecutivo de la A.F.A.”164 MIROLO. op. cit. p. 302.165 Idem. p. 310.166 Esta opinião, externada por MIROLO (ob. cit., p. 302), não é compactuada por Norberto OsvaldoOUTERELO (Ley Nº 25284. Régimen Especial de administración de las entidades deportivas con dificultadeseconómicas. Fideicomiso de administración con control judicial. "Algo huele mal en Dinamarca" . elDial -DC94B. elDial.com - editorial albrematica. Pesquisa realizada na Biblioteca de Direito da Universidade deBuenos Aires.). Apesar de reconhecer que a legislação é restritiva neste aspecto, OUTERELO advoga areforma para inclusão de ligas, federações e confederações, inc lusive das demais modalidades desportivas. Hájurisprudência, entretanto, no sentido de diferenciar o tratamento legal atribuído aos clubes e às ligas, apesardestas serem formadas por aqueles: ASOCIACIONES DEPORTIVAS ENTIDADES DEPORTIVAS DESEGUNDO GRADO - CLUBES DE FUTBOL – INEMBARGABILIDAD.
63
em estado de insolvência, desde que a autoridade judicial considere existente
patrimônio suficiente para a continuidade da atividade. O prazo de fideicomisso é de
três anos, renovável até o máximo de nove anos; mas, incumbe ao Poder Judiciário
definir a continuidade ou a liquidação, caso não atinja a finalidade. Em caso d e
constatação da ausência de geração de recursos suficientes, proceder -se-á o
procedimento falencial; em caso de sucesso da administração fiduciária, procede -se
a eleição de novos dirigentes pelos associados, concluindo -se o procedimento
especial com a transferência dos bens e da administração do clube desportivo.
Por se tratar de um procedimento opcional, salvo as opiniões anteriores,
não se constata desconformidade em relação à Constituição Nacional argentina. A
imposição do procedimento ocorre apenas nas hipóteses de declaração de quebra,
sendo certo que se trata de um procedimento mais benéfico do que a falência, tanto
que o processo de quebra sucederá o fideicomisso judicial que não alcance êxito.
Nota-se que a legislação argentina é bem mais específica e avança com
mais afinco do que a legislação brasileira sobre os efeitos sociais das crises
financeiras dos clubes desportivos. Como se verá, parte da mesma premissa de
El deudor responde con todo su patrimonio frente a sus acreedores; la inembargabilidad es una excepción, yno puede ser aplicada haciendo interpretaciones extensivas. Una liga de fútbol es una persona jurídicaorganizada bajo la forma de asociación, autorizada para funcionar por poseer un patrimonio propio. Esepatrimonio, no pertenece a los asociados - art. 39 C.C.-. La diversa personalidad de la entidad y de susmiembros es esencial para comprender el concepto de per sona jurídica: cada entidad es un sujeto de derechoindependiente, y es titular exclusivo de las relaciones jurídicas en que interviene. De la distinción entrepersonalidad del ente y de sus miembros surgen importantes consecuencias, la existencia de disti ntospatrimonios: el de la entidad y el de los sujetos. Esta distinción se acentúa en las asociaciones pues losasociados carecen del derecho a la cuota liquidatoria, desde que no han realizado aportes de capital sobre losque puedan pretender derecho algu no.- Las ligas o federaciones son asociaciones de segundo grado.Consecuentemente, no está en juego la actividad deportiva en sí misma sino la situación de los bienes dequien organiza esa actividad. La cuestión a resolver es, exclusivamente, si la liga qu e une a los clubes defútbol puede oponer a un acreedor reconocido por sentencia judicial firme, una norma de carácterexcepcional, como es la que rige la inembargabilidad, establecida por el legislador a favor de los clubes que laliga asocia. No se desconoce que modernas leyes del deporte establecen medidas de protección del patrimoniode estas asociaciones de segundo grado, pero carecen de una norma general de inembargabilidad como lapretendida. En consecuencia, el carácter de organizador, calidad que n o implica confusión de personalidadjurídica ni, de patrimonios, no implica contradicción con la negativa del beneficio de la inembargabilidad,sino que respeta la separación patrimonial. (LIGA SANRAFAELINA DE FúTBOL EN J° 92.206/ 6886CRUZATE, MARCOS C LIGA SANRAFAELINA DE FúTBOL Y OTS. s/ P/ ORD. S/ CAS." - Fallo:5199149 - Suprema Corte de Justicia - Circunscripción: 1 - Sala: 1 - Mendoza - 2005/03/23 Tipo de Fallo:Sentencia Magistrados: KEMELMAJER - ROMANO - PEREZ HUALDE Expedientes: 79981 - Ubicación:S348-238 Referencias Normativas: CCI - Art.: 39 (elDial - MZ3FF1. elDial.com - editorial albrematica)
64
vinculação entre desporto profissional e atividade econômica, mas não obriga a
transformação de clubes em sociedades empresárias, pois prefere criar meios e
sistemas de preservação das entidades desportivas e recuperação na presença das
dificuldades financeiras, sem prejuízo da fiscalização impingida aos dirigentes
desportivos.
3.3 Bases constitucionais no Brasil
A Constituição Brasileira, ao estabelecer vetores positivos de atuação do
Estado e da sociedade, permite -se classificar como dirigente 167 e revela a
necessidade de comprometimento do aparato estatal e social com o conteúdo
constitucional, a partir da “vinculação do legislador aos ditames da materialidade da
Constituição, pela exata razão de que, nesse contexto, o Direito continua a ser um
(poderoso) instrumento de implementação de políticas públicas.” 168
Os primeiros artigos da Carta Ma gna identificam o comprometimento do
poder constituinte originário com o princípio republicano e com a cidadania 169,
inserindo-a como um dos pilares fundamentais do País, seguindo a tendência de
“ampliar a concepção de cidadania para o campo de outros direit os que não apenas
os políticos, enfatizando inclusive que os direitos sociais [...] seriam imprescindíveis
para que os direitos civis e políticos pudessem ter condições de ser exercidos.” 170
167 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição . p. 69.168 STRECK, Lenio Luiz. A jurisdição constitucional e as possibilid ades hermenêuticas de efetivação daconstituição: breve balanço crítico nos quinze anos da constituição brasileira. In: RÚBIO, David Sanchez;FLORES, Joaquín Herrera; CARVALHO, Salo (org.). Direitos humanos e globalização : fundamentos epossibilidades desde a teoria crítica. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004. p. 369.169 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. “Art. 1 º A República Federativa do Brasil,formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui -se em EstadoDemocrático de Direito e tem como fundamentos: [...]
II – a cidadania.”170 BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional – Fundamentos Teóricos . Vol. 1. São Paulo: Manole ,2005. p. 288. A autora faz referência ao estudo de Thomas Marshall, publica do em 1950 e denominadoCitizenship and Social Class . Trata, também da noção de cidadania como “direito a ter direitos”, desenvolvidapor Hannah Arendt em 1951.
65
Estes direitos sociais, espécies do gênero direitos fundamentais,
encontram-se elencados pela Carta de 1988, dentre os quais destacam -se os direitos
ligados à cultura. O acesso a estes direitos sociais é condição de cidadania, pois “só
é cidadão quem ganha o justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e
remédio, lazer quando descansa.” 171
O desporto foi inserido na Constituição de 1988 nesta perspectiva, isto é,
como dever do Estado e direito de cada um. 172 Trata-se de uma previsão inédita no
Brasil, pois “as constituições brasileiras anteriores foram omissas em relação à
Educação Física e ao Desporto em seus textos. As Constituições de 1934, 1937 e a
de 1947 em nenhum momento dedicaram espaços à Educação Física e ao
Desporto”173 e a Constituição Brasileira de 1967 estabeleceu competência da União
para legislar normas gerais sobre desportos (art. 8º, XVII, alínea ‘q’).
No âmbito da assembléia constituinte que antecedeu a Carta de 1988,
iniciou-se debate sobre a necessidade de previsão constitucional acerca do tema,
sobressaindo-se a opinião de MELO FILHO:
O aparecimento do desporto no horizonte constitucional é fruto daimportância e transcendência dos acontecimentos desportivos, como asOlimpíadas e o Campeonato Mundial de Futebol, que, induvidosamente,têm muito mais repercussões do que relevantes questões polí ticas,sensacionais revelações científicas ou significativas manifestaçõesartísticas.A consagração constitucional do desporto não é privilégio nem medidainusitada da nova Carta Magna brasileira, conquanto, no plano do DireitoConstitucional Desportivo Comparado, há, pelo menos, 17 países queacolheram, concretamente, o desporto na sua órbita jurídico -constitucional.174
171 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil . 5 ed. Brasília: Editora daOAB, 2004. p. 497.172 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. “Art. 217. É dever do Estado fomentar práticasdesportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: [...]”173 PARENTE FILHO; MELO FILHO; TUBINO. op. cit. p. 17.174 Idem. p. 29.
66
MELO FILHO vai adiante e elenca motivos pelos quais alguns países não
trataram do desporto como matéria constitucional:
a) os que estão jungidos ao sistema da Common Law porque sãorefratários ao disciplinamento constitucional e legal das atividadesprivadas, preferindo confiar no poder de iniciativa e capacidade criadorado povo, ficando o Estado em posição de eqüidistância;b) outros em face de um alarmante imediatismo e falso pragmatismo nafeitura de suas normas constitucionais;c) outros porque se iludiram com efêmeros sucessos e êxitos de curtohorizonte obtidos no campo desportivo;d) e outros, porque contaminados pela ‘patologia consti tucional modernaem que grande número de Constituições visa a impedir, e não a promoverou facilitar, a evolução normal das sociedades, opondo -se a realidadesnacionais e não se ajustam a elas’, no dizer de Afonso Arinos. 175
De outro lado, MELO FILHO sustent a-se em LÓPEZ GARRIDO para
elencar as conseqüências favoráveis da inclusão constitucional do desporto:
1) No aspecto jurídico, é irrecusável a necessidade de que a estruturanormativa do desporto seja reformada dentro da perspectiva do desportocomo direito e não como hobby coletivo ou espetáculo;2) No aspecto político, o direito ao desporto obriga a criar uma novapolítica desportiva, uma política democrática do desporto, em cujaelaboração participem todos os indivíduos e instâncias interessadas;3) No aspecto econômico, implica um novo planejamento da infra -estrutura dos serviços desportivos, e na multiplicação dos fundos eorçamentos a eles destinados, único meio de fazer com que o direito aodesporto seja uma autêntica realidade;4) Por último, no aspecto cultural, o direito ao desporto exige uma novaforma de transmissão da educação e do talento desportivo, um novomodo de entender o desporto como fator insubstituível e necessário parao desenvolvimento completo da personalidade humana e para o progres sodos povos.176
Prevaleceu a opinião favorável à constitucionalização do esporte, mas os
debates no período constituinte foram vigorosos. A Comissão da Família, da
175 Ibidem. p. 30.176 Ibidem. p. 30.
67
Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação não
alcançou consenso e, por força do regimento interno da Assembléia, atribuía -se ao
relator da Comissão de Sistematização a elaboração do substitutivo. Bastante
alterado em relação à proposta anterior, o substitutivo apresentado pelo Deputado
Bernardo Cabral ensejou insatisfa ção da comunidade esportiva e culminou com o
retorno a uma proposta, levada ao plenário da Constituinte, que contemplava
proteção de direitos autorais nas atividades esportivas; competência legislativa
concorrente entre União e estados em matéria esportiva ; incentivos para o lazer;
desporto como dever do Estado e direito de cada um; autonomia das entidades
desportivas, quanto à sua organização e funcionamento internos; destinação de
recursos públicos para desporto educacional, não profissional e, em casos
específicos, de rendimento; tratamento diferenciado entre esporte profissional e não -
profissional; incentivo às manifestações esportivas de criação nacional; e,
pressuposto processual de esgotamento da instância desportiva para acesso ao Poder
Judiciário.
O texto aprovado e encaminhado à Comissão de Redação Final, dentre
outras alterações, suprimiu o termo “internos”, que qualificava a autonomia de
organização e funcionamento das entidades desportivas. Aprovado, o texto
constitucional mereceu comentário de M ELO FILHO: “ela servirá de bússola, de
diretriz e de parâmetro para a edição de rumos normativos, respeitando a autonomia
das entidades, quanto à sua organização e funcionamento. É preciso assinalar que
quando se fala na Constituição em autonomia, face int erna da entidade, não se fala
em independência, face externa da entidade.” 177
MELO FILHO destaca178, logo após a entrada em vigor do novo texto
constitucional, que o legislador constituinte não copiou figurinos alienígenas em
matéria esportiva. Tratou o despor to como dever do Estado e direito de cada
177 Ibidem. p. 152.178 Ibidem. p. 155-193.
68
cidadão, atribuindo ao poder público a obrigação de fomentar, estimular, promover e
proteger as práticas desportivas de caráter competitivo, participativo e educacional.
Elencou princípios jurídico desportivos, den tre os quais a autonomia das entidades
desportivas, a destinação prioritária de recursos públicos para o desporto
educacional, o tratamento diferenciado para desporto profissional e não profissional,
a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. Em
seguida, tratou da justiça desportiva como meio ideal de solução de conflitos de
natureza esportiva e, ainda, do lazer como forma de promoção social.
O texto constitucional ficou assim colmatado:
“Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não -formais, como direito de cada um, observados:I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações,quanto a sua organização e funcionamento;II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritári a dodesporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de altorendimento;III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não -profissional;IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criaçãonacional.§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e àscompetições desportivas após esgotarem -se as instâncias da justiçadesportiva, regulada em lei.§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de 60 (sessenta) dias,contados da instauração do processo, para proferir decisão final.§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer como forma de promoçãosocial.”
Após historiar a tramitação que culminou com a redação normativa
constitucional, é impossível deixar de constatar a distância entre a p revisão
constitucional e a realidade, vale dizer, a dificuldade de implementação eficaz do
programa de ação, o que conduz à necessidade de aproximação dos operadores do
Direito: “O mesmo deve ser reconhecido em matéria de direitos econômicos, sociais
e culturais. A ausência ou insuficiência de garantias jurídicas para a sua realização
69
não significa que se está diante de meras exortações à ação estatal. Aliás, a grande
tarefa atual dos profissionais do direito, nesta matéria, consiste em construir
garantias públicas, adequadas à realização desses direitos.” 179
O esporte alcançou o patamar constitucional, como direito do cidadão e
elemento agregador da sociedade, seguindo a tendência de reconhecimento do
fenômeno desportivo como acontecimento social universal 180. Mas, como já se
afirmou anteriormente, esta não é a única perspectiva sobre a qual o desporto se
revela. De outro lado, é preciso considerar a perspectiva de expansão da atividade
esportiva, que coloca o Brasil como o quinto maior mercado mundial e um dos
maiores em potencial para realização e consumo de eventos esportivos 181.
Novamente, portanto, o raciocínio defronta -se com as duas faces do
mesmo fenômeno desportivo: uma de caráter social, outra de natureza econômica,
cujo aprofundamento se propõe a seguir.
3.4 Intervenção estatal no ambiente desportivo (autonomia desportiva e
liberdade de associação)
No Brasil, o artigo 217 da Constituição Federal atribuiu “autonomia de
organização e funcionamento” às entidades desportivas. Tal disposição
constitucional leva alguns doutrinadores, abaixo mencionados, a propor o
afastamento entre a estrutura empresarial e a atividade desportiva. Mais do que isso,
há autores que identificam vício de inconstitucionalidade na legislação que
determina tratamento diferenciado às entidades desportivas profissionais que não se
convertam em sociedades empresárias.
179 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos . 2 ed. São Paulo: Saraiva,2001. p. 338.180 BARBOSA, Alberto Puga. Legislação desportiva: des afios para o Século XXI. p. 675.181 KRIEGER, Marcílio. Clube -empresa: uma análise dos resultados da legislação na área do desporto epropostas de alterações, que atendam às necessidades nacionais. In _____. Desafios para o Século XXI –
70
Álvaro MELO FILHO, partícipe da proposta original de redação do
dispositivo constitucional, considera que qualquer ingerência normativa sobre a
organização e o funcionamento das entidades desportivas revela -se inconstitucional,
aduzindo que “A transformação obrigatória de entidades desportivas em sociedades
comerciais, além de constituir -se uma violência jurídica, é igualmente perigosa,
porque estranha à realidade desportiva nacional, agravada ainda pelo fato de que a
maioria esmagadora dos clubes está quebrada.” 182
Valter PICCINO, por seu turno, considera indevida a intervenção estatal
em matéria societária destinada aos clubes de futebol:
Os empresários e as sociedades, então normatizadas e reguladas peloCódigo Comercial de 1850, tiveram suas regras trazidas para o NovoCódigo, regendo sua forma de constituição e funcionamento, assim comoas associações que mereceram do legislador constituinte atenção especialno art. 217 da Carta Social que lhes outorgou liberdade de organização efuncionamento segundo a manifestação da vontade de seus integrantes.Essa liberdade de organização e funcionamento começou a ruir com aintervenção do Estado quando veio a lume a Lei n.º 9.615/98, o brigando atransformação das associações de prática desportiva profissional damodalidade futebol de campo em sociedades empresárias ou assim seconstituírem ou, ainda, contratarem sociedades para gestão dos negóciosdo futebol.183
Coletânea de textos da 1ª Conferência Nacional de Educação, Cultura e Desporto. Brasília: Centro deDocumentação e Informação da Câmara dos Deputados , 2001. p. 686.182 MELO FILHO. Álvaro. O novo direito desportivo . São Paulo: Cultural Paulista. 2002 , p. 38. A conclusãoalcançada pelo autor pode ser complementada pelo seguinte excerto da mesma obra (p. 39): “E a maior provadessa assertiva é que os doze maiores clubes brasileiros têm um endividamento total de 591 milhões de reais,fato que contribuiu para o desfazimento das parce rias Palmeiras/Parmalat, Vasco/Nations, Cruzeiro/Hicks etc.Curioso notar que, na Espanha, os dezoito maiores clubes de futebol, segundo levantamento fiscal feito emfevereiro de 2002, acumulam um total de dívidas tributárias superiores a 240 milhões de eu ros, ou seja, valorequivalente àquele devido pelos principais clubes do futebol brasileiro. Lembra -se, por oportuno, que agrande maioria dos clubes espanhóis, após plano de saneamento e obtenção de subvenções públicas, foramcompelidos a se converter em Sociedade Anônima Desportiva (SAD), donde se infere que a ‘imposición de laformula societaria obedece más a una sanción’.”183 PICCINO, Valter. Novo conceito de empresa à luz do Código Civil – aplicação às entidades de práticadesportiva – perfis do clube empresa – visão institucionalista – função social do clube empresa. RevistaBrasileira de Direito Desportivo , São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n. 4, Segundosemestre de 2003, p. 63.
71
Eduardo CARLEZZO reconhece as vantagens da instituição do clube -
empresa, mas também advoga a inviabilidade de imposição da forma societária aos
clubes esportivos184.
De outro lado, Gilmar Ferreira MENDES sintetiza as opiniões que
reconhecem a constitucionalidade da imposição do clube -empresa:
No que diz respeito à autonomia organizacional, a rigor, se pudéssemoschegar à conclusão a que alguns colegas chegaram, nós certamentediríamos que as normas que regulamentam o Código Civil e quedisciplinam as sociedades, os tipos de sociedades e os perfis dassociedades, também seriam inconstitucionais. As pessoas, na verdade,partem de uma idéia de liberdade absoluta que não existe em lugarnenhum.A própria idéia de liberdade de organização e de associação pressupõedeterminados marcos jurídicos, estabelecidos pela própria legislaçãocivil.Aqui não me parece que o argumento possa vicejar e é comum que sediga na legislação que determinado tipo de atividade só poderá serexercido com um dado perfil. Se se quer conhecer quem são os sócios,prescreve-se um determinado tipo de perfil. Se se quer conhecer oscontroladores, estabelece-se que a sociedade será deste ou daquele tipo. Ea legislação faz isto muito comumente, sem que ninguém diga que se estáa interferir no espaço de liberdade de associa ção. Já se está a ver que nãose cuida de um espaço absoluto, até porque quem trabalha com aperspectiva constitucional sabe que o que a Constituição assegura éaquilo que a gente chama de um princípio ou uma garantia institucional.Uma garantia básica, assente na própria experiência histórica, quepermite atualização e alteração mediante simples decisão legislativa. Égarantida a liberdade de associação, na forma da lei.Quais são os marcos desta ‘forma de lei’? A lei pode definir, claro! A leinão pode, aproveitando deste espaço aparentemente vazio, inviabilizar oexercício desse direito. Claro que isso não seria razoável. Mas, não
184 CARLEZZO, Eduardo. Direito Societário Desportivo . p. 66. Nas palavras do autor: “A formataçãoempresarial, embora não seja a panacéia para todos os males, poderá ser o caminho. Porém, esta mudança nãodeve ser feita de surpresa e mediante obrigatoriedade de transformação, com sanções fiscais e societárias ,como foi o caso da Medida Provisória n.º 39. Cremos que a alteração da figura associativa para umaempresária deve ser uma exclusiva deliberação da entidade de prática desportiva, em atenção ao princípio daautonomia desportiva consagrado pela Constituiç ão Federal, e pelas necessidades desportivas e de mercadoverificar-se-á a oportunidade ou não de adotar uma formação empresarial, o que inclusive poderia serestimulado pelo Governo Federal com determinados benefícios.”
72
parece absurdo que a legislação diga que este tipo de atividade éatividade de caráter comercial e, por conseguinte, assume um perfil deentidade de fins econômicos. Portanto, hão de ser adotadas as formas quea legislação civil e comercial coloca à disposição de todos aqueles quepretendem exercer este tipo de atividade. 185
A transcrição da opinião de Gilmar Ferreira MENDES é impo rtante para
revelar que a aferição de constitucionalidade da regulação da atividade desportiva
prescinde da análise estrutural dos clubes e não invade a discussão acerca da
adaptabilidade dos dispositivos legais que tratam do clube -empresa ao sistema
jurídico infraconstitucional que regulamenta as pessoas jurídicas.
O que se quer afirmar é que a aferição de constitucionalidade do clube -
empresa não está propriamente vinculada ao fundamento de que esta ou aquela
estrutura jurídica é inoponível aos clubes. Qua ndo se trata da constitucionalidade do
dispositivo, como bem colocou Gilmar Ferreira MENDES, interessa averiguar se o
Estado detém ou não a prerrogativa de impor um perfil às entidades que exercem
determinada atividade.
São como que duas camadas a serem s uperadas. A primeira é
constitucional, para a qual se deve levar em conta precipuamente o papel do Estado
no exercício da atividade legislativa para regulação social e econômica versus os
princípios consagrados pela Constituição, notadamente autonomia desp ortiva e livre
associação. Com suporte na transcrição de Gilmar MENDES, está se afirmando que
não há liberdade absoluta no ambiente das sociedades empresárias, das associações
ou das fundações, pois todas merecem e recebem regulação estatal. Se o tratament o
legislativo é adequado ou não do ponto de vista da estrutura das entidades ou do
sistema legal das pessoas jurídicas, esta é uma discussão infraconstitucional, que
sucede logicamente a aferição de constitucionalidade.
185 MENDES. Gilmar Ferreira. Tendências e expectativas do Direito Desportivo . In: AIDAR, Carlos Miguel(coord.). Direito Desportivo. São Paulo: Mizuno, 2000. p. 265.
73
Do ponto de vista estritamente const itucional, portanto, o primeiro
argumento em desfavor do clube -empresa é o denominado princípio de autonomia
das entidades esportivas. A questão pode ser enfrentada a partir da análise de um
precedente de discussão em que alguns doutrinadores, também se al icerçando na
autonomia constitucional atribuída às entidades esportivas, defendem a
inaplicabilidade da redação original dos artigos 59, 2.031 e 2.033 do Código Civil às
entidades exploradoras do desporto 186. Ives Grandra da Silva MARTINS afirma:
Minha posição, como explicada no preâmbulo deste parecer, é que o art.59 do C.C. não conflita com o art. 217, inciso I, da Constituição Federal,por tratar de ‘organização’ e ‘funcionamento’ de associações civis não -esportivas. Para as associações esportivas, preval ece a autonomia dalegislação infraconstitucional que foi recepcionada pela Constituição de1988, não havendo, pois, confronto, pois cuidando -se de área de atuaçãodiversa da contemplada na norma geral. É de lembrar que a legislaçãoinfraconstitucional recepcionada em 1988 e pela qual as associaçõesdesportivas estão regidas passou a ter caráter de legislação especial,embora, à época, em parte tivesse sido conformada como legislação geral.Em outras palavras, a norma geral do Novo Código Civil não atinge –para não poder ferir a Constituição – as regras preexistentes destinadas àsassociações esportivas, que ganharam, em face da nova conformação danorma geral de direito civil, status de normas especiais e, como tal, porforça do art. 2o da Lei de Introdução do Código Civil, não podem serrevogadas, sem expressa menção pela norma geral, que no caso não há.Admitindo-se, todavia, que se possa contestar tal interpretação, econsiderar que o novo Código está alcançando todas as associações,entendo que acerca da matéria poderá ser suscitado controle concentradode constitucionalidade, por Confederação Esportiva nacional, quecongregue apenas Federações Estaduais, pela via da ação direta deinconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, pleiteando, eminterpretação conforme a Constituição e sem redução de texto, adeclaração da inconstitucionalidade do art. 59, inciso I, do C.C. pararegular a organização e o funcionamento das entidades desportivas. 187
186 Dentre os referidos doutrinadores, pode -se citar AIDAR, Carlos Miguel. Os clubes desportivos e o novoCódigo Civil. Migalhas. Disponível emhttp://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=3399. Acesso em 14 de janeiro de 2004. eMARTINS, Ives Gandra da Silva. Instituições Desportivas. Jornal do Brasil, Brasília, 08 de janeiro de 2004,p. 12.187 MARTINS, Ives Gandra Silva. Inteligência do art. 59 do Código Civil e do art. 217, inciso I, daConstituição Federal para as associação desportivas – aspectos espaciais e temporais dos regimes jurídicos
74
O Partido Democrático Trabalhista (PDT), seguindo esta orie ntação,
ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (n.º3045 -1/DF) pleiteando a declaração
de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 59, ‘caput’ e seu
parágrafo único188, do novo Código Civil, em relação às entidades desportivas. A
Rede Brasileira de Entidades Assistenciais Filantrópicas – REBRAF foi admitida na
qualidade de amicus curiae, para postular a integral declaração de
inconstitucionalidade do art. 59 do novo Código Civil brasileiro, sustentando que
esse preceito legal transgride o postulado constitucional que assegura a liberdade de
associação e que a protege de qualquer tipo de interferência estatal.
O voto do relator, Ministro Celso Mello, concluiu :
que se revelam revestidos de legitimidade constitucional os dispositivoslegais impugnados nesta sede de controle normativo abstrato, quer seexamine a questão sob o enfoque da autonomia das entidades desportivas,quer se analise a controvérsia à luz do postulado da liberdade deassociação. [...]. Tendo em consideração as razões expostas, e acolhendo,ainda, as doutas manifestações dos eminentes Advogado -Geral da Uniãoe Procurador-Geral da República, julgo improcedente a presente açãodireta e, em conseqüência, declaro a plena constitucionalidade do art. 59e seu parágrafo único do Código Civil. É o meu voto.
Em razão da alteração superveniente do artigo 59 do Código Civil, após o
voto do relator e o pedido de vistas do Ministro Gilmar Mendes, o STF declarou o
pertinentes. Revista Brasileira de Direito Desportivo, São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, n.4, Segundo semestre de 2003 . p. 200.188 Ainda na vigência da redação original do Código Civil de 2002:
“Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral;I - eleger os administradores;II - destituir os administradores;III - aprovar as contas;IV - alterar o estatuto.Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos II e IV é exigido o voto concorde de doisterços dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, emprimeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocaçõesseguintes.”
75
prejuízo da ação em decisão unânime 189. Ainda assim, alguns trechos da decisão
merecem transcrição parcial, pela excelência, profundidade e amplitude da
abordagem, sem prejuízo da oportuna consulta para análise do voto integral, diante
da impossibilidade de transcrevê -lo integralmente neste trabalho.
Inicialmente, a decisão afasta o argumento de que a autonomia prevista
no artigo 217, I, CF/88 suprimiria o fundamento de validade do artigo 59 e §único
do Código Civil:
Tenho para mim que não se revela legítimo o procedimentohermenêutico, que, elastecendo o sentido conceitual da autonomiainstitucional de tais associações, busca estender, indevidamente, o âmbitode incidência de tal prerrogativa, culminando por fazer instaurar situaçãode que resulte inadmissível interdição ao poder conformador do Estado,em tema de regulação normativa dos requisitos estruturadores pertinentesàs entidades de direito privado.[...]Vê-se, pois, a partir dessa essencial limitação jurídica que incide sobre aautonomia normativa, que as entidades privadas - a quem se outorgou,excepcionalmente, tal prerrogativa extraordinária - estão sujeitas àregulação estatal, que, mediante cláusulas genéricas ou conceitosjurídicos indeterminados, pode impor restrições, definir a extensão eestabelecer parâmetros destinados a condicionar a prática desse poder deauto-organização e de autodeterminação, sem que se possa inferir, dalegítima emanação de normas instituídas pelo Poder Público, qualquertipo de indevida interferência na esfera de liberdade das associações civise das entidades desportivas em geral.
Em seguida, o Ministro relator procede cotejo entre o dispositivo
infraconstitucional atacado e o princípio constitucional de liberdade de associação,
para concluir que não há vício de inconstitucionalidade a ser reconhecido:
O princípio constitucional da liber dade de associação consubstanciado nanorma de parâmetro invocada pela REBRAF como tendo sidoalegadamente vulnerada pelo art. 59, e seu parágrafo único do Código
189 Algumas entidades desportivas apresentaram requerimento para que a ADIn seja processada e julgada, adespeito da decisão que reconheceu a perda de objeto.
76
Civil -, não configura um valor absoluto em si mesmo, nem inibe o poderde conformação legislativa do Estado.Tal postulado, na verdade, não conferiu às associações a prerrogativa deagir à revelia dos princípios jurídicos inscritos nas leis e, especialmente,na própria Constituição da República. O grau de autonomia concedido aoente associativo sequer priva o Estado de exercer as competências que oordenamento constitucional lhe outorgou.
Em síntese, duas linhas básicas de compreensão da matéria: a primeira,
capitaneada pelo jurista responsável pela proposta de redação que culminou com a
inclusão do artigo 217 da Constituição Federal, no sentido de que a autonomia
blindaria as entidades desportivas da ingerência legislativa infraconstitucional e,
portanto, não haveria fundamento de validade para a implementação do clube -
empresa; a segunda, ao que parece admitida – ainda que sem decisão de mérito –
pelo Supremo Tribunal Federal, de que a normatização infraconstitucional pode
identificar a atividade e regulá -la, não se revelando oponível a previsão de
autonomia constitucional ou mesmo os princípios de liberdade associativa.
É preciso considerar, neste contexto, que o intérprete deve buscar a
máxima eficácia do dispositivo constitucional, aproximando -o quanto possível da
realidade para superar a dificuldade de implementação eficaz do programa de ação
constitucionalmente estabelecido.
José Afonso da SILVA destaca que esta ingerência do Estado não
descaracteriza o modo de produção capitalista, nem tampouco gera “um sopro de
socialização”. Diverso do que ocorre com Cuba, a Constituição brasileira se apóia n a
apropriação privada dos meios de produção e na proteção da iniciativa privada. O
esvaziamento do conteúdo econômico do esporte em Cuba decorre, portanto, da
apropriação de toda atividade econômica pelo Estado. Contudo, apesar de diversa de
Cuba, a opção constitucional brasileira não é liberal e, como complementa José
Afonso da SILVA, “a atuação do Estado, assim, não é nada menos do que uma
77
tendência de pôr ordem na vida econômica e social, de arrumar a desordem que
provinha do liberalismo.” 190
De outro lado, também não significa conceituar o esporte como um
serviço público no Brasil, tal qual ocorre – como já se constatou – em diversos
países europeus, como França, Espanha e Portugal. Pode -se dizer, sim, que se trata
de uma atividade de interesse público.
No Brasil, tal qual ocorre na Alemanha, as federações não se desdobram
de um ente estatal, mas são criadas sem a necessidade de autorização estatal. Pode
haver tantas federações ou confederações de uma mesma modalidade no Brasil, pois
o que definirá a prevalência e o interesse do desportista não será a outorga estatal,
mas o reconhecimento da entidade internacional oficial.
Contudo, a dificuldade enfrentada na Alemanha, acerca da legitimidade
constitucional para intervenção estatal, decorre do não reconhecim ento do esporte,
naquele país, como direito fundamental. No Brasil, quando a Constituição de 1988
estabelece que o esporte é dever do Estado, cria uma norma de eficácia limitada de
princípio programático 191 e, como tal, esta norma tem o papel de princípio ge ral
informador do regime político e orientação axiológica da ordem jurídica dotada de
“eficácia interpretativa que ultrapassa, nesse ponto, a outras do sistema
constitucional ou legal, porquanto apontam os fins sociais e as exigências do bem
comum, que constituem vetores da aplicação da lei.” 192
Na década de 1950, Luis Recaséns SICHES já advogava a necessidade de
que a interpretação se colocasse a partir de valores, mas não dos valores individuais
190 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo . 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p.764.191 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais . 6. ed. 2. tiragem. São Paulo:Malheiros, 2003. p. 156. O autor as classifica como “normas que contêm, além de princípios esquemáticospara atuação legislativa futura, também princípios gerais informadores de toda a ordem jurídica.”192 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais . p. 157. Assim, mesmo que seargumentasse que a ação do Estado deve ser meramente orientadora, em matéria desportiva a orientação dosistema – imposta pelo ditame constitucional – é de que o esporte é dever do Estado, direito fundamentalsocial e que exige tratamento diferenciado entre a prática profissional e não -profissional.
78
do intérprete. De valores estabelecidos pela ordem vigente e p or intermédio dos
quais esta ordem jurídica positiva encontra -se inspirada.193 Na mesma década, Vezio
CRISAFULLI reconhecia que toda norma constitucional é jurídica, incumbido -lhe
um mínimo de efetividade, identificada na capacidade de impedir a edição de
legislação infraconstitucional antinômica e de influenciar a interpretação
constitucional194.
A matéria sob exame é rigorosamente coadunada a este entendimento.
Uma norma de eficácia limitada de princípio programático, que estabelece um vetor
de ação estatal capaz não só de direcionar a política pública sobre desporto, mas
orientar a interpretação constitucional acerca do tema. No caso concreto, a
orientação é no sentido de que se trata de um direito social e, como tal, deve ser
preservado e protegido pelo Est ado, a quem incumbe a seguir esta orientação
axiológica195. Por isso, não se segue o raciocínio favorável à atribuição de um
significado sobrepujante do termo autonomia, porque – se a autonomia desportiva
prevista na Constituição brasileira tivesse este sign ificado – seria a própria negação
do esporte como direito de todos e dever do Estado.
Entretanto, o sistema constitucional pressupõe sua composição por
normas que se encontram sob o mesmo patamar hierárquico e cujas antinomias
guardam especial forma de superação. Na realidade, a hermenêutica constitucional
atual impõe a adoção de sentidos de preservação da Constituição aliados às
exigências da realidade social. 196 Desta forma, também não é possível simplesmente
193 SICHES, Luís Recaséns. Nueva filosofia de la interpretación del derecho . México, 1956. p. 227.194 CRISAFULLLI, Vezio. La costituzione e le sue disposizioni di principio . Milão: Giuffrè, 1952. p 30.195 Como afirma WOLKMER, Antonio Carlos. Novos pressupostos para a temática dos direitos humanos. In:RÚBIO, David Sanchez; FLORES, Joaquín Herrera; CARVALHO, Salo (org.). Direitos humanos eglobalização: fundamentos e possibilidades desde a teori a crítica. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 17:“O clássico modelo jurídico liberal -individualista tem sido pouco eficaz para recepcionar e instrumentalizar asnovas demandas sociais, portadoras de direitos humanos referentes a dimensões individuais, coletivas, meta-individuais, bioéticas e virtuais.”196 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional . 11. ed. São Paulo: Malheiros. 2001, p. 418.
79
esvaziar o significado de autonomia desportiva, pois estar-se-ia suprimindo um
elemento constitucional.
Na prática, em se tratando de princípios constitucionais, não se adotam os
meios tradicionais de superação de antinomias, inerentes às normas
infraconstitucionais, tais como lex superior derogat legi inferiori, lex posterior
derogat legi priori ou lex specialis derogat legi generali .
Conflitos entre regras são normalmente solucionados através de uma
cláusula de exceção prevista em uma delas. Caso contrário, se inexistente uma
condição de previsibilidade ou exceção, uma das regras deve ser invalidada e
eliminada do ordenamento jurídico para que a outra possa ser aplicada. Assim, os
critérios adotados de invalidação, podem se dar através da importância das regras
em conflito, anterioridade da regra ou pre ponderância de regras especiais sobre
regras gerais.
No caso dos princípios, a solução não se aplica à base do tudo ou nada.197
No âmbito constitucional, é válido afirmar que a superação de antinomias aparentes
se realiza pela aplicação do princípio estrutur ante da cedência recíproca, isto é, cada
um dos princípios cede, para a prevalência do outro, sem que haja negação de seus
núcleos base.
Não se deixa de aplicar qualquer dos princípios em jogo, senão se
adaptam seus sentidos para que estejam adequados à de manda que se apresenta. Isto
porque não se pode, por exemplo, invalidar um princípio em detrimento de outro,
retirando-lhe do ordenamento jurídico. O que está em jogo não é a validade do
princípio, como no caso das regras. Ao contrário, parte -se do pressuposto de que os
princípios somente se acham em conflito se forem válidos ou consagrados no
ordenamento sistêmico.
197 DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously . Cambridge: Harvard University Press. 1977, p. 41.
80
No caso em análise, a solução válida não pode ser simplesmente negar o
princípio da autonomia desportiva, mas dar -lhe significado coerente com o que se
expôs acerca do papel do Estado. A autonomia desportiva deve ser entendida no
contexto da dicotomia entre direito estatal e direito desportivo, sob a perspectiva da
autonomia de aplicação das regras das respectivas modalidades.
Não se trata de criar um obstáculo às normas estatais de organização e
funcionamento das pessoas jurídicas, mas de reconhecer autonomia das normas
desportivas supranacionais de organização e funcionamento destinados à prática da
respectiva modalidade.
Em verdade, a discussão aberta a partir de SANTI ROMANO (A Ordem
Jurídica, 1946), para o reconhecimento de uma ordem jurídica independente da
ordem estatal, foi aproveitada por juristas desportivos como L. PETRAZYCKI
(1867-1931), J. LOUP (Les Sports et le Droit , 1930), C. SFORZA (La teoria degli
ordinamento giuridici e il diritto sportivo, 1934 ), L. SILANCE. De outro lado, a
favor da intervenção estatal, FRANÇOIS ALAPHILIPPE, R. BONDOUX ( Le Droit
et le Sport), J.F. BOURG (Economia do Esporte e Ética) , P. JESTAZ (Espetáculo
Esportivo e Direito do Esporte), J-P. KARAQUILLO (As normas das Comunidades
Esportivas e o Direito Estatal ).198
O que se extrai, deste debate, é que – no ponto relacionado à prática da
modalidade desportiva – merece prevalência a autonomia desportiva; contudo, no
ponto de organização das pessoas jurídicas, cada país estipula suas regras, que serão
mais ou menos interventivas de acordo com o viés constitucional adotado.
Aqui o conceito de autonomia ganha possibilidade de convivência
harmônica com o significado de desp orto como dever do Estado e direito de cada
um. Como destaca Paulo Marcos SCHMITT:
198 BREILLAT; LAGARDE; KARAQUILLO. op. cit. p. 09.
81
“A autonomia das entidades desportivas, prevista no art. 217 da CF/88,não pode ser interpretada como independência, muito menos comosoberania. A constitucionalização não t eve o condão de ampliar o seualcance, nem de afastá-las do controle administrativo ou jurisdicionalcompetentes, pois autonomia é autodeterminação dentro da lei, e todaentidade privada dela usufrui.” 199
Com isso se apresenta um resultado de interpretação q ue preserva o
conteúdo dos princípios constitucionais, evitando que qualquer deles tenha seu
comando negativado. O esporte como direito de todos e dever estatal legitima o
“poder conformador do Estado, em tema de regulação normativa dos requisitos
estruturadores pertinentes às entidades de direito privado”; e, ao mesmo tempo, o
princípio de autonomia dirige -se à organização e funcionamento das entidades
desportivas, para fins de normatização e prática das respectivas modalidades.
Desta forma, este trabalho agrega-se à corrente que reconhece como
constitucional a ação do Estado para definição da estrutura a ser adotada pelas
entidades desportivas, reconhecendo que a colisão aparente entre os princípios de
autonomia desportiva e liberdade de associação (de um lado) e desporto como dever
do Estado e intervenção nos domínios econômico e social (de outro lado) se supera
pela aplicação de princípio de cedência recíproca. Preserva -se a autonomia
desportiva e seus consectários vinculando -os ao sistema de direito desp ortivo
compreendido como o conjunto de regras inerentes a cada modalidade desportiva,
organizado e estruturado pelas respectivas entidades de organização desportiva
internacional. Preserva-se a norma programática de ação estatal para o desporto
vinculando-a às prerrogativas que o Estado ostenta na regulação de uma atividade
considerada de interesse público e vinculada a um direito fundamental social que,
como tal, enverga altivez constitucional.
199 SCHMITT, Paulo Marcos. Curso de justiça desportiva . São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 38.
82
Assim, diante da conclusão parcial de que a filtragem constitu cional não
permite identificar vício de inconstitucionalidade sobre as normas que regulam as
entidades desportivas, o raciocínio se estende para investigar aspectos de natureza
civil, relacionados aos desdobramentos da estruturação associativa ou societári a
sobre os clubes esportivos.
83
4 DESPORTO E FUNDAMENTOS LEGAIS DO CLUBE -EMPRESA
4.1 Bases legais no Brasil – entre a facultatividade e a imposição
A análise do fundamento constitucional e da efetividade normativa e
social do tratamento legislativo aplicado para estruturação jurídica dos clubes
profissionais de futebol no Brasil permitiu, até este ponto do trabalho, constatar que
o desporto é um fenômeno multifacetado de inegável conteúdo jurídico. A dinâmica
do fenômeno desportivo criou um cenário d e problemas e desafios, cujas soluções
têm sido buscadas de forma pontual e específica.
No âmbito da estruturação dos clubes de futebol, a opção foi a
estipulação legislativa do clube -empresa, por intermédio da qual o Estado pretende
vincular desporto prof issional, atividade econômica e estruturação societária
empresarial.
O desporto profissional está inserido no desporto de rendimento, segundo
a estrutura adotada pela legislação desportiva vigente, cuja atenção está direcionada
para o futebol. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado de modo
profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de
trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva.
A legislação identifica o futebol profissional como fator de produ ção,
explorado economicamente pelo clube, a quem incumbe adotar um dos tipos
societários previstos pelo Código Civil. Há embate sobre a constitucionalidade da
intervenção estatal sobre as entidades desportivas, independentemente da estrutura
jurídica que adotem. A harmonização entre os princípios permitiu constatar que a
tese de inconstitucionalidade não prevalece.
Os clubes de futebol, por sua vez, estão estruturados majoritariamente
como associações. E isso ocorre por razões históricas de origem do esport e e de
criação destas entidades esportivas. De outro lado, como se verá logo adiante, o
espetáculo esportivo passou a ocupar espaço enorme, com toda sua capacidade de
84
geração de receitas e com a complexidade da rede contratual que se agregou à
prática esportiva. Ao que se pode constatar, o Estado brasileiro focou -se nesta
capacidade de geração de receitas paralela ao crescimento das dívidas fiscais e
previdenciárias dos clubes de futebol, para implementar o marco legislativo de
regulação da estrutura societária daquelas entidades esportivas.
Imantada pelos elementos acima descritos, a legislação desportiva
brasileira centrou-se na distinção entre o desporto praticado e organizado de modo
não profissional e de modo profissional. Para o primeiro, reservou a es trutura
associativa; já com relação ao desporto praticado e organizado de modo profissional,
reconheceu-o como atividade econômica e aproximou -o da regulação jurídica das
sociedades empresárias.
No passado recente, a Lei nº 8.672/93 (Lei Zico) facultava ao s clubes se
transformarem em sociedade comercial com finalidade desportiva; constituírem
sociedade comercial com finalidade desportiva, da qual detivessem controle e
maioria do capital votante; ou, contratarem sociedade comercial para gerir as
atividades desportivas. Com o advento da Lei nº 9.615/98, respeitada a regra de
vacatio legis200, as atividades relacionadas a competições de atletas profissionais
tornaram-se privativas de sociedades civis de fins econômicos; sociedades
comerciais admitidas na legislaç ão; ou, clubes que constituíssem sociedade
comercial para administrar aquelas atividades.
Antes que pudesse surtir os efeitos pretendidos, a regra se alterou
novamente, com as modificações na Lei nº 9.615/98, implementadas a partir da Lei
nº 9.981, de 14 de julho de 2000. A partir deste ponto, torna -se facultativo ao clube
participante de competições profissionais, transformar -se em sociedade civil de fins
econômicos, sociedade comercial ou constituir ou contratar sociedade comercial
para administrar suas atividades profissionais.
200 Inicialmente de dois anos, de acordo com o artigo 94 da Lei 9.615/98, cujo prazo foi prorrogado por maisum ano, de acordo com a Lei 9.940, de 21 de dezembro de 1999.
85
Posteriormente, editaram-se medidas provisórias que se imiscuíram no
tema, para finalmente sedimentar -se a posição atual do artigo 27 da Lei 9.615/98,
com redação dada pela Lei 10.672/2003. Como já mencionado, o artigo 27, § 9º, da
Lei 9.615/98 faculta às entidades desportivas profissionais constituírem -se
regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos artigos
1.039 a 1.092 do Código Civil. 201
As sociedades empresárias devem seguir o princípio da tipicidade,
devendo adotar um dos tipos estabelecidos pela lei: a sociedade em nome coletivo, a
sociedade em comandita simples, a sociedade limitada, a sociedade anônima e a
sociedade em comandita por ações. Alfredo de Assis GONÇALVES NETO destaca:
Trata-se de um princípio que restringe a autonomia privada, no querespeita à liberdade contratual. As partes não têm a faculdade de celebrarsociedades empresárias fora dos modelos oferecidos pela lei. Esseprincípio justifica-se por razões de segurança jurídica, em favor d e quemcontrata com a sociedade (para que tenham, de pronto, a identificação dagarantia de seus créditos) e no interesse dos próprios sócios (notadamenteminoritários, quanto aos direitos que lhes são assegurados em cada qualdos tipos).202
Portanto, pela regra legislativa, faculta-se aos clubes constituírem-se
regularmente em um dos tipos de sociedades empresárias previstos pelo Código
Civil. Entretanto, caso não o façam, o artigo 27, § 11, estabelece que as entidades
desportivas profissionais ficam sujeita s ao regime da sociedade em comum e, em
especial, ao disposto no artigo 990 do Código Civil. CARLEZZO considera a regra
veiculada pelo artigo 27, § 11, da Lei 9.615/98 “um ato retrógrado, inconstitucional
e incongruente”.203
201 BRASIL. Lei 9.615, de 24 de março de 1998. “Artigo 27. [...] § 9º. É facultado às entidades desportivasprofissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nosarts. 1.039 a 1092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”202 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário . 2. ed. São Paulo: Editora Juarez deOliveira, 2004. p. 45.203 CARLEZZO. Eduardo. Direito desportivo empresarial . São Paulo: Editora Juarez de Oliveira , 2004. p.67.
86
Já se constatou que inconstitucio nalidade não há. Entretanto, a possível
incongruência pode ser revelada do ponto de vista interno, porque a norma
escamoteia sob suposta facultatividade, um tratamento sancionador 204 ao clube que
opta por não adotar uma das modalidades societárias, com refle xos para os
associados.
Este tratamento punitivo se revela pela própria justificativa do Ministério
do Esporte, encaminhada ao Presidente da República, no projeto de lei que se
converteu na Lei 10.672, de 15 de maio de 2003:
O projeto ora apresentado a Vos sa Excelência contempla, de formaobjetiva, a realidade fática do estágio do desporto nacional quanto ànecessidade de as entidades se constituírem em sociedade comercial oucontratarem sociedade comercial para administrar suas atividadesprofissionais, facultando àquelas que não o fizerem serem equiparadas àssociedades de fato ou irregulares na forma da lei comercial, gravando-ascom maior vigor nas obrigações daí decorrentes , (...) (grifo ausente nooriginal).
A denominação das sociedades em comum é apli cada pelo Código Civil
de 2002, para identificar as anteriores sociedades irregulares ou de fato, com
especial ênfase para a responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios pelas
obrigações sociais. Pela construção legal, desta forma e em princíp io, os associados
seriam considerados sócios, com responsabilidade subsidiária a teor do artigo 1024
do Código Civil. Os dirigentes que atuam em nome do clube não gozam do
benefício de ordem, respondendo de modo solidário. Tudo isso sem prejuízo da
sujeição dos bens particulares dos dirigentes às regras de desconsideração da
personalidade jurídica (artigo 50 do Código Civil) e demais sanções previstas no
artigo 1.017 do Código Civil, caso apliquem créditos ou bens sociais em proveito
próprio ou de terceiros.
204 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de Direito Comercial . Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 71. O autorafirma textualmente que a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas obrigações da sociedade é a principa lsanção imposta à sociedade empresária que explora irregularmente sua atividade econômica.
87
Portanto, não se trata de facultatividade, mas de efetiva obrigatoriedade
de adoção de um dos tipos de sociedade empresária, pena de adoção do previsto no
artigo 27, par. 11 da Lei n. 9.615/98. Esta opção legislativa revela mais do que uma
incongruência, a falta de solidez e segurança no tratamento legislativo atribuído ao
esporte nacional. Em 2000, o Congresso Nacional considerava o esporte como
serviço público e a Confederação Brasileira de Futebol como uma entidade
paraestatal.205 Em 2003, o esporte é considerado atividade econômica a ser exercida
por sociedade empresária.
Posta a questão da obrigatoriedade escamoteada, vale destacar que o
tratamento legislativo sobre o clube -empresa continua com a redação do artigo 27, §
6º, IV, da Lei 9.615/98, que leva a concluir, em princípio, que financiamentos com
recursos públicos estariam sujeitos à adoção do modelo profissional, vale dizer, à
regra do clube-empresa. A norma parece mitigada, com a edição da Lei 11.345, de
14 de setembro de 2006, quando autoriza a p articipação dos clubes,
independentemente da forma societária adotada, em concurso de prognóstico
destinado ao parcelamento e pagamento de débitos perante a Secretaria da Receita
Previdenciária, INSS, Receita Federal, Fazenda Nacional e FGTS.
De qualquer modo, com objetivo de manter a segurança jurídica das
competições, o artigo 27-A da Lei 9.615/98 veda que a mesma pessoa (física ou
jurídica) tenha participação simultânea direta ou indireta no capital social ou na
gestão de dois clubes disputantes da mesma competição profissional. O artigo 27 -A,
§ 3º estabelece exceções à regra, especialmente em relação à administração de
estádios, patrocínio, uso de marcas e símbolos etc.
205 Para subsidiar tal conclusão, tomada a partir da instalação do requerimento 497/2000, para criação da “CPIdo Futebol” no âmbito do Senado Federal, e ratificada no pronunciamento em Plenário do Senador ÁlvaroDias, em 27 de dezembro de 2000, a legislação brasileira deveria ser similar à francesa, o que no presentetrabalho se constatou inocorrente.
88
O artigo 27-A, §§ 5º e 6º da Lei 9.615/98 veda patrocínio e veiculação de
marca por empresas detentoras de concessão, permissão ou autorização de
radiodifusão de sons e/ou imagens, assim como televisão por assinatura.
Este é o marco regulatório do clube -empresa no Brasil, sujeito ainda à
filtragem da eficácia social que será enfrentada a p artir da superação da vacatio legis
imposta pelo artigo 2.031 do Código Civil 206.
Não obstante, dois pontos fulcrais merecem especial atenção: a dubiedade
inicialmente revelada pela norma legal, ao mencionar inicialmente a facultatividade
e, em seguida, impor efeitos legislativos sancionatórios pela inobservância da
suposta alternativa legal; e, com relação aos efeitos da manutenção da estrutura
jurídica associativa, o reconhecimento do clube – originalmente constituído de modo
regular – como uma entidade despersonalizada (sociedade em comum). Esta
segunda questão será enfrentada mais adiante.
O próximo passo consiste, agora, em acomodar o tratamento legislativo
do clube-empresa ao sistema infraconstitucional desportivo, de modo a aferir a
eficácia normativa e social daquela legislação. A tarefa exige que se enfrente a
questão da associação e da sociedade empresária, não para se conceituar a sociedade
empresária, pois sequer a legislação civil vigente o fez de modo conceitual. Mas,
para investigar se a prática do esporte profissional e seus desdobramentos se
enquadram – da forma pretendida pela legislação desportiva – na estruturação
proposta para as sociedades empresárias.
4.2 Desporto, mercado e contratos desportivos
206 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. “Artigo 2.031. As associações e fundações,constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições desteCódigo até 11 de janeiro de 2007.”
89
A introdução do espetáculo desportivo, f enômeno de rápida evolução,
permitiu ao esporte ganhar ascensão de caráter universal e envolver contratos de
cifras bilionárias.
Antes do início da Eurocopa de 2004, os meios de comunicação já
anunciavam que a competição deveria pagar a maior premiação de sua história, pois
o Comitê Executivo da UEFA decidiu distribuir 128 milhões de euros em prêmios
para os participantes da disputa. Cada seleção recebeu quase cinco milhões de euros
somente para participar.207 Para 2008, estima-se que as receitas com direitos de
transmissão esportiva na Europa atinjam U$7,5 bilhões.
A história de Edward Freedman, responsável pela transformação do
Manchester United na mais poderosa marca de futebol do mundo e que disse
textualmente que “adoraria colocar as mãos no marketing da seleção brasileira”,
retrata como o futebol extrapola os gramados e é capaz de gerar receitas:
Até 1992, a área de merchandising do Manchester United resumia -se aduas pessoas e um telefone. Naquele ano, o clube surrupiou Freedman dorival Tottenhan Hotspur, de Londres, para desenvolver o ‘departamento’.E ele desenvolveu. A megastore anexa ao famoso estádio de Old Traffordé a terceira já inaugurada desde então – uma maior que a outra. Freedmanficou marcado (para o bem e para o mal) por ser capaz de asso ciar onome do time a praticamente qualquer coisa. Camisetas Nike erefrigerantes Pepsi foram só o começo. ‘Os fãs já estavam lá. Faltavaoferecer a eles produtos ligados ao time’, lembra o marqueteiro dosgramados. Não por acaso, foi depois do lançamento de uma agressivapolítica de licenciamentos com a marca Manchester que o dinheirocomeçou a entrar. Hoje, o time é dono de uma rede de tevê, uma rádio,uma cadeia de lojas de roupa e outra de restaurantes, chamada Red Cafe.208
207 EUROCOPA VAI PAGAR A MAIOR PREMIAÇÃO . Estado de São Paulo. São Paulo , 06 de novembrode 2003. p. 12.208 TEIXEIRA, Alexandre. O Midas da bola. Isto É Dinheiro . Disponível emhttp//:www.terra.com.br/istoedinheiro/325/negocio/325_midas_bola.htm . Acesso em 28 de dezembro de2006.
90
A mesma reportagem faz referên cias a contratos gerados a partir da
exploração da marca ou simplesmente da vinculação com o clube inglês:
Seu torcedor pode comprar um celular na loja do time e usá -lo paraapostar nos resultados de seus jogos (uma mania tão inglesa como ofeijão doce no café da manhã). Pode usar a estrutura do clube para abriruma caderneta de poupança, financiar a compra de um imóvel, fazerseguro de vida ou programar sua próxima viagem. Tudo isso sem tirar opijama vermelho que é sucesso de vendas nas lojas do Manchest er. Dessemodo, o clube fatura quase US$ 200 milhões por ano, sem contar oacordo de patrocínio com a Nike, no valor US$ 400 milhões distribuídosao longo de 13 anos. Sua torcida soma algo como 50 milhões de fãs emmais de 100 países, com destaque para um enorme contingente na Ásia,para onde Freedman levou o Manchester pela primeira vez há mais de 10anos. É um patrimônio que desperta a cobiça de tubarões como RupertMurdoch, o barão australiano da mídia que ofereceu US$ 1 bilhão pelocontrole do Manchester – e saiu de mãos abanando.
E este fenômeno não é novo, como descreve Wesley CARDIA:
Em 1850, John Wisden, fabricante de confecções masculinas do ReinoUnido, teve a idéia de patrocinar um anuário sobre cricket associado à suamarca comercial, surgindo da í o Wisden’s Cricketer’s Almanack. Logoem seguida, ele foi imitado pelo Barclays Bank, que passou a editar oLeague Club Directory.No começo do século passado, em 1904, nos Estados Unidos, foi a vez dofabricante de artigos esportivos Spalding publicar s eu Spalding’s OfficialAthletic Manual, que trazia os resultados dos Jogos Olímpicos de SaintLouis. Nesse almanaque, eram dedicadas dezenove páginas aos produtosSpalding. (...).Logo depois, em 1912, nos Jogos de Estocolmo, pela primeira vezaparece a rubrica ‘receitas extraordinárias’. A empresa GrandbergIndustrial Art Company pagou U$3,600.00 (três mil e seiscentos dólares)em troca do direito de explorar e comercializar as fotografias dascompetições.209
Como menciona CARDIA, a forma de exploração do es porte, por
intermédio do marketing esportivo, evoluiu de forma dinâmica. Os primeiros jogos
209 CARDIA, Wesley. Marketing e patrocínio esportivo . Porto Alegre: Bookman, 2004. p. 1 3.
91
olímpicos televisionados foram os de Berlim, em 1936, para cento e sessenta e dois
mil telespectadores. Em Roma, 1960, os Jogos foram transmitidos ao vivo, pela
primeira vez, para vinte e um países; quarenta e seis empresas patrocinaram o
evento. Em Montreal, 1976, foram cento e sessenta e oito empresas participantes
(patrocinadores oficiais, colaboradores e licenciados).
Em Sidney, 2000, a Austrália alcançou U$ 4,3 bilhões em benefício
econômico com os Jogos Olímpicos. O Comitê Olímpico Internacional alcançou
receitas de marketing de U$2,6 bilhões, dos quais U$550 milhões provieram de
receitas do patrocínio de onze empresas (o que demonstra, além da projeção
astronômica das quantias, a especialização do patrocínio).
CARDIA comenta, ainda, que o número de empresas envolvidas com
patrocínio esportivo nos Estados Unidos da América passou de mil e seiscentas, em
1985, para quatro mil e quinhentas, em 1992, segundo a Inter national Group Inc.
Atualmente, fala-se que o esporte nos Estados Unidos gera U$613 bilhões por ano.
Esta diversificação da exploração econômica da atividade desportiva atinge, por
exemplo, o nome de eventos (Bob Hope Chevrolet Classics, 3M Golfe Classic); o
nome da arena ou do estádio (American Airline Arena, em Miami; Kodak Theater,
em Los Angeles); o sorteio de partidas e, até mesmo os direitos de sediar eventos em
troca de exposição da mídia (“host city”). Segundo o autor:
Outra forma de demonstrar a ev olução do mercado de naming rights épelo crescimento dos valores pagos pelas propriedades ao longo dosúltimos 30 anos. Um dos primeiros negócios realizados nesse campo nosEUA foi a negociação dos naming rights do Rch Stadium, em Bufalo,1973. Ele teve os direitos negociados pelo prazo de 25 anos, pelo valor deU$1,5 milhão. O recorde pertence atualmente ao Reliant Stadium, dosTexans, da Liga de Futebol Americano (NFC), que atingiu a cifra deU$300 milhões pelo período de 32 anos. 210
210 CARDIA, Wesley. Marketing e patrocínio esportivo . p. 183.
92
Como se vê, o fenômeno esportivo ganhou projeção fantástica na
perspectiva financeira, sendo possível identificar as marcas mais valiosas do mundo
esportivo, na atualidade: (i) Dallas Cowboys, U$274,3 milhões; (ii) Manchester
United, U$262,1 milhões; (iii) Washington Redskins, U$210,6 milhões; (iv) New
York Yankees, U$180,1 milhões; (v) New York Knicks, U$171,1 milhões; (vi) Real
Madrid, U$155,1 milhões; (vii) Bayern Munich, U$150,3 milhões.
No Brasil, a expansão da atividade esportiva coloca o país como o quinto
maior mercado mundial e um dos maiores em potencial para realização e consumo
de eventos esportivos211. Estima-se que os clubes de futebol devam receber, pelo
campeonato brasileiro no período de 2006 a 2009, aproximadamente trezentos
milhões de reais.
O Brasil conta com cerca de oitenta milhões de pessoas praticantes de um
ou mais esportes, abrindo um mercado de treze milhões de reais em bolas de futebol
ao ano; trezentos e sessenta milhões de dólares anuais em roupas de ginástica; dois
bilhões de dólares por ano em fatura mento das academias de ginástica. Em síntese, o
PIB brasileiro atingiu, em 2002, um trilhão e trezentos bilhões de reais; a fatia
atribuída ao mercado esportivo – neste mesmo período – é de 1,0 a 1,6%, atingindo
de treze a vinte bilhões de reais. 212
A noção do espetáculo desportivo agregou um contorno completamente
novo, permitindo uma nova forma de manifestação esportiva, destinada a gerar
receita. Na síntese de Antonio Carlos Kfouri AIDAR:
O fair play e o espírito de equipe são transformados, pelas classesdominadas, no gosto pela violência, na busca de recordes através dosacrifício. Vencer vira o combustível de uma indústria – privada oupública – do espetáculo esportivo.Na mesma estrada, a carreira esportiva deixa de ser uma opção deentretenimento para virar forma de ascensão social. O esporte, que nasceu
211 KRIEGER, Marcílio. op. cit. p. 686.212 COSTA. Lamartine Pereira da. Atlas do Esporte no Brasil . Rio de Janeiro: Shape, 2005. p. 106.
93
dos jogos realmente populares, retorna depois ao povo sob a forma deespetáculos produzidos para o povo. 213
No Brasil, este ambiente envolve especialmente as entidades de prática
do futebol profissional, algumas estruturadas como sociedades empresárias, outras
como associações. Porém, todas têm à disposição e exploram em maior ou menor
grau a rede de contratos vinculados à prática desportiva.
O clube firma contratos de trabalho com atletas, preparadores fí sicos,
massagistas, médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, técnicos, auxiliares técnicos,
nutricionistas, psicólogos, seguranças, administradores, advogados. Constrói e/ou
mantém a infra-estrutura do estádio, aluga espaços para venda de produtos, lojas,
lanchonetes, restaurantes. Vende espaços publicitários que podem ser placas fixas ao
redor do campo, nas cadeiras, corredores internos e mesmo nos banheiros; painéis
eletrônicos internos e externos, produtos exibidos antes e no intervalo das partidas,
filmes exibidos em televisões instaladas no estádio, material distribuído aos
espectadores, telões, placares. A publicidade pode estar de forma clássica nas
camisas dos jogadores ou no bilhete de entrada para a partida. Pode estar em um
balão que sobrevoa o campo de jogo ou no próprio nome do estádio.
O clube firma também contratos de imagem com os atletas, vinculando -
os à marca da equipe ou a outros produtos (esportivos ou não). Vende direitos de
transmissão de televisão e outras mídias (celulares, internet). Au fere receita com
formação e/ou transferência de jogadores. Vende ingressos e licencia produtos, que
podem estar vinculados à prática esportiva (uniformes esportivos, chuteiras, bonés,
bolas) ou não ter qualquer vinculação com o esporte, a não ser a marca d a equipe
(xícaras de café, aventais, celulares, cervejas, eventos, sorteios). Clubes europeus
promovem colônias de férias temáticas para crianças. Clubes brasileiros promovem
cursos de formação para garotos estrangeiros que pretendem se tornar atletas.
Equipes mundialmente conhecidas fazem turnês remuneradas por continentes.
213 AIDAR, Antônio Carlos Kfouri. op. cit., p. 42.
94
Instalam-se escolas de futebol e parques temáticos em outros países. E alguns clubes
europeus iniciam a produção de filmes para o cinema.
No Brasil, a denominação e os símbolos das enti dades desportivas, os
nomes e apelidos dos atletas profissionais são protegidos pela legislação, por tempo
indeterminado e independente de registro. 214
Há uma rede contratual imbricada com a atividade esportiva. Esta rede
permite a geração de receitas, ao me smo tempo em que também permite visualizar
uma série de despesas, tais como a formação de jogadores, oferecimento de estrutura
de moradia, formação física e educacional, vestuário, acompanhamento médico,
odontológico, psicológico e nutricional. Não apenas para as equipes principais, mas
para todas as categorias, notadamente porque é comum que – dentre as obrigações
dos clubes que participam das competições principais – encontre-se a exigência de
que mantenham equipes que participem dos torneios de base.
O desafio está em não se deixar intuitivamente levar pelo assombro das
cifras e do volume contábil, dos salários dos grandes jogadores e dos valores
envolvidos nas negociações de transferências internacionais, para simplesmente
concluir que a única possibilid ade é a conversão das equipes em sociedades
empresárias. Ter um balanço patrimonial de altos valores não identifica
necessariamente uma sociedade. Um clube social com milhares de associados, que
oferece piscinas, infra-estrutura de lazer, atividades esport ivas, recreativas e
culturais, poderá ter receitas anuais superiores a empresas e até municípios, mas isso
– por si só – não o torna sociedade empresária. Por isso, partiu -se da atividade
desportiva para o próximo tópico, consistente na análise da associaç ão, da sociedade
empresária e da estruturação jurídica das entidades de prática do futebol.
214 De acordo com o artigo 87 da Lei 9.615/98.
95
4.3 Associação, sociedade empresária e forma de estruturação jurídica
dos clubes
Neste ponto do trabalho já foi possível afirmar, na esteira de Eduardo
CARLEZZO, que a estruturação jurídica dos clubes de futebol seguia a modalidade
associativa mesmo antes da entrada em vigor do novo Código Civil 215. Pode-se
mesmo retroceder ao período anterior à entrada em vigor do Código Civil de 1916,
pois a Lei nº 173, de 10 de se tembro de 1893 já empregava a expressão
“associação”, cuja finalidade poderia ser religiosa, científica, artística, política ou de
“simples recreio”. PONTES DE MIRANDA ressalva que estava excluída desta
classificação “a entidade para fins econômicos” 216.
O artigo 1363 do Código Civil de 1916 estabelecia que “celebram
sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou
recursos para lograr fins comuns.” Por isso, PONTES DE MIRANDA definia, ao
tratar da sociedade, que “o fim pode ser patr imonial, ou não-patrimonial (incremento
da ciência, da arte, da moral, da religião, do direito, da política, ou da própria
economia). Por vêzes, o caráter não era de enriquecimento, sem deixar de ser
patrimonial, como acontece com os clubes de diversões, o u de amadores, ou de
esportes, ou de lições.” 217 Mais, adiante, afirmava expressamente “a cada momento
assiste-se ao emprego das expressões ‘associação’ e ‘sociedade’ como se fossem
sinônimos.”218
CARVALHO SANTOS chega a afirmar que o conceito de sociedade
alcança o de associação, “pois o que constitui a sua essência não é a finalidade
lucrativa, mas a comunhão de interesses, morais ou econômicos, ocorrendo o
contrato, tanto nas sociedades civis, como nas associações religiosas ou
215 CARLEZZO, Eduardo. Direito Societário Desportivo . p. 64.216 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo XLIX. Contrato desociedades. Sociedades de pessoas. 3. ed. 2. reimpressão. São Paulo: RT, 1984. p. 29.217 PONTES DE MIRANDA , Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado . Tomo XLIX. p. 12.218 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. op. cit., p. 27.
96
beneficentes.”219 Mais adiante, classifica as sociedades de fins econômicos como
aquelas que visam obtenção de lucro; e, sociedades de fins não -econômicos, como
aquelas que não tem intenção de ganho, comumente denominadas associações. Para
CARVALHO SANTOS, contudo, a distinção seria irre levante, porque sua teoria
parte do contrato, comum para ambas categorias. 220
Ao comentar o projeto do Novo Código Civil, após a aprovação pelo
Senado Federal, Miguel REALE 221 menciona:
Tratamento novo foi dado ao tema das pessoas jurídicas, um dos pontosem que o Código Civil atual [referia -se ao Código Civil de 1916] serevela lacunoso e vacilante. Fundamental, por sua repercussão em todo osistema, é uma precisa distinção entre as pessoas jurídicas de fins nãoeconômicos (associações e fundações) e as de esc opo econômico(sociedades simples e sociedade empresária), aplicando -se a estas, no quecouber, as disposições concernentes às associações.
Para PONTES DE MIRANDA, a dicotomia dos fins não era relevante,
pois o autor escudava-se na previsão dos artigos 16, 22 e 23 do Código Civil de
1916 para reconhecer que havia associações de fim econômico e não -econômico;
sociedades de fim econômico e não -econômico. Para ele, o critério distintivo estava
em que a associação é essencialmente “corporativa”, vale dizer, “a reunião de
pessoas é associação quando de tal maneira se organizou que os seus membros se
apresentam como todo único e uno e os cobre.” 222 De todo modo, PONTES DE
MIRANDA afirma textualmente que “não são pessoas jurídicas de fins econômicos
219 CARVALHO SANTOS, J.M. Código Civil brasileiro interpretado . Tomo XIX. 6. ed. São Paulo : FreitasBastos, 1955. p. 07. O Autor faz referência às legislações francesa e italiana, para concluir que a sociedadenaqueles sistemas estrangeiros são definidas “sob a idéia de lucro a repartir, não satisfazendo o seu objeto assimples vantagens morais .”220 CARVALHO SANTOS, J.M. Código Civil brasileiro interpretado . p. 09.221 REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil – situação após a aprovação pelo Senado Federal . 2. ed.São Paulo: Saraiva, 1999. p. 65.222 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado . Tomo I. Parte Geral. 4. ed.2. tiragem. São Paulo: RT, 1983. p. 320.
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as que apenas se destinam a expor telas, esculturas, trabalhos de cerâmica, livros,
mercadorias, máquinas, se o seu fim não é o lucro.” 223
Com o advento do Código Civil de 2002, o artigo 53 estabeleceu que
“constituem-se as associações pela reunião de pessoas que se organize m para fins
não econômicos”. O parágrafo único do mesmo dispositivo determina que “não há,
entre os associados, direitos e obrigações recíprocos”.
De outro lado está a empresa, que segundo Rubens REQUIÃO, encontra
nos juristas italianos seus maiores estudi osos. O autor apresenta o conceito de
empresa no direito italiano, desde os elementos de organização e risco mencionados
por Vivante, passando pela organização do trabalho de outrem como elemento
constitutivo que qualifica a empresa para Rocco. Já na vigên cia do Código de 1942,
do regime fascista, ressalta que a doutrina lamentava a ausência de uma definição de
empresa, que resultava da definição do empresário 224 (art. 2.082 da codificação civil
italiana, isto é, “quem exercita profissionalmente uma atividade econômica
organizada com o fim de produção ou de troca de bens ou de serviços” 225)226.
É inegável a influência do dispositivo italiano sobre o artigo 966 do novo
Código Civil brasileiro, assim como a opção por evitar a definição de empresa,
contentando-se com o conceito de empresário 227. Bem lembra REQUIÃO que o
legislador brasileiro já intentara formular o conceito de empresa, por intermédio da
revogada Lei 4.137, de 10 de setembro de 1962 (substituída pela Lei 8.884, de 11 de
junho de 1994), ao declarar que “ considera-se empresa toda organização de natureza
223 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado . Tomo I. p. 295.224 Tradução livre: “Imprenditore.”225 Tradução livre: “chi esercita professionalmente unáttivitá economica org anizzata al fine della produzione odello scambio di beni o di servizi”.226 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial . 1º. Volume. 26. ed. 2. tiragem. São Paulo: Saraiva ,2006. p. 55.227 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de Direito Comercial . p. 24. O autor menciona que o projeto de CódigoCivil de Miguel Reale “inspira -se no Codice Civile e, adotando expressamente a teoria da empresa, incorporao modelo italiano de disciplina privada da atividade econômica.”
98
civil ou mercantil destinada à exploração por pessoa física ou jurídica de qualquer
atividade com fins lucrativos.” 228
O artigo 982 do Código Civil impõe que “considera -se empresária a
sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito
a registro”. Segundo REQUIÃO, o sujeito de direito (empresário ou sociedade
empresária) exerce o objeto de direito (empresa), que é a atividade produtiva
organizada.229 Como se vê, prevalece o perf il funcional da empresa, identificado por
Fábio Ulhoa COELHO como o que “realmente corresponde a um conceito jurídico
próprio.”230
Do que se extrai, da previsão legal e doutrinária, é que os membros de
uma associação reúnem-se para fins não econômicos, enqua nto os membros de uma
sociedade empresária reúnem-se para o exercício de uma atividade econômica,
profissional e organizada, portanto com fins econômicos.
A esta altura, a questão enfrentada neste trabalho estaria superada, caso
fosse possível que a pesquisa se satisfizesse em reconhecer o esporte como uma
atividade una, mas despendeu-se razoável dose de investigação para se concluir que
há uma classificação para o esporte e que o esporte praticado de modo profissional
está agregado por uma cadeia de contra tos onerosos. Para uma investigação mais
simplista, bastaria constatar que a quase totalidade dos atos constitutivos dos clubes
de futebol, com ênfase naqueles que se encontram na primeira divisão do
campeonato brasileiro oficial, promovido pela entidade n acional de administração
do desporto (Confederação Brasileira de Futebol), apresenta -os organizados na
forma associativa.
228 REQUIÃO, Rubens. op. cit. p. 58.229 Idem. p. 60. Na mesma linha, COELHO, Fábio Ulhoa, op. cit. p. 61, afirma que “empresa é a atividade,enão a pessoa que a explora; e empresário não é o sócio da sociedade empresarial, mas a própria sociedade.”230 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 19.
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Abstrair a distinção entre esporte profissional e não -profissional e
satisfazer-se com a constatação de que os atos constitutivos dos clubes os
apresentam como entidades sem fins lucrativos seria, entretanto, fazer tábua rasa a
uma realidade inegável e presente. De outro lado, pretender regular uma atividade,
conceituando-a de modo cogente, sem que ela se insira realmente no estatuto
jurídico próprio, é adotar uma visão irrealista e deformada.
A solução está em depurar esta atividade exercida pelos clubes de futebol
profissional, para identificar realmente o que se insere nas suas finalidades e o que
serve como meio para que a sua ativid ade principal possa ser exercida. Caso se
constate que a atividade principal do clube de futebol é vender, licenciar, alugar, a
realidade se enquadra no escopo normativo de transformação dos clubes em
sociedades empresárias. Caso se constate que a atividad e principal do clube é
praticar a atividade desportiva, alcançar resultados desportivos positivos, a
imposição legislativa estará fadada ao insucesso, pois que pretende pôr foco sobre a
regulação dos meios pelos quais o clube busca condições patrimoniais p ara exercer
sua verdadeira atividade.
Além disso, é preciso considerar se os indivíduos que se tornam
associados de um clube de futebol o fazem com o escopo de auferir lucros ou se o
fazem pela afinidade de agregarem -se mutuamente com objetivo de organiza r a
atividade desportiva e buscar o resultado desportivo almejado.
Em busca da distinção entre sociedade e associação, Francisco de Assis
ALVES aproxima os conceitos de fins não econômicos e fins não lucrativos. Para o
autor, a associação está proibida de distribuir resultados positivos aos associados, o
que justificaria a conclusão de que “este é o significado da expressão ‘sem
finalidade de lucro’, e esse mesmo sentido deve ser mantido em relação à expressão
100
‘fins não econômicos’, adotada pelo art. 53, da Código Civil.”231 Para o autor, o
exercício da empresa exige o intuito de lucro. Esta é a síntese do raciocínio:
Essas associações serão sempre de fins não econômicos. Isso, no entanto,não significa dizer, que elas não possam auferir resultados positivos.Nada impede que uma associação venda produtos de sua especificidade,por exemplo, que uma associação de fins religiosos venda medalhas,imagens de santos e outros produtos da espécie; que uma associaçãorecreativa venda flâmulas e camisetas; que uma ONG de dicada aotratamento da AIDs, venda camisinhas. Nada impede, também, que umaassociação aplique sua disponibilidade de caixa para manter ou aumentaro seu patrimônio. O que não pode ocorrer é a distribuição de resultadoseconômicos positivos entre os assoc iados. Este é o significado daexpressão ‘sem finalidade de lucro’, e esse mesmo sentido deve sermantido em relação à expressão ‘ fins não econômicos’, adotada pelo art.53, do Código Civil atual. 232
Caio Mário da Silva PEREIRA chama de associação ideal aqu ela que
realiza “negócios visando o alargamento patrimonial da pessoa jurídica, sem
proporcionar ganhos aos associados.” 233 Os autores compreendem como similares,
portanto, os conceitos de fins lucrativos e fins econômicos.
Portanto, há duas questões a serem consideradas: a atividade e a
finalidade lucrativa. Para tanto, neste ponto a investigação volta -se para a
estruturação dos clubes, para os atos constitutivos das entidades de prática do
futebol que atualmente ocupam as primeiras divisões profissionais do Campeonato
Brasileiro da modalidade.
O Clube Atlético Paranaense foi constituído em 1924 e apresenta -se
como uma sociedade civil sem fins lucrativos, que tem por finalidade “o
desenvolvimento das relações sociais através da prática de atividades recreativ as,
231 ALVES, Francisco de Assis. Associações, sociedades e fundações no Código Civil de 2002 – perfil eadaptações. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 36.232 ALVES, Francisco de Assis. Associações, sociedades e fundações no Código Civil de 2002 – perfil eadaptações. p. 86.233 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil . vol. I. 19 ed. São Paulo: Forense, 2003. p.215.
101
culturais, artísticas e esportivas.” 234 E, para tanto, estabelece que “constitui receita
do Clube: I – Contribuições dos sócios; II – Taxas e emolumentos; III – Alugueres;
IV – Venda de material esportivo; V – Permissão de uso de direito de imagem; VI –
Permissão e cessão do direito de arena; VII – Ingressos de espetáculos e jogos; VIII
– Doações em geral; IX – Outras receitas não especificadas.” 235
O Botafogo de Futebol e Regatas, fundado 08 de dezembro de 1942 (a
partir da fusão do Club de Regatas Botafog o, de 1º de julho de 1894, com o
Botafogo Football Club, de 12 de agosto de 1904), apresenta -se como uma
sociedade civil “com a finalidade de proporcionar e fomentar o desenvolvimento da
educação física, moral e cultural da mocidade, pela prática dos desp ortos, sem
prejuízo de outras atividades sociais nobres que possa exercitar.” 236 A receita,
segundo o estatuto social, é constituída por :
“a) jóias, mensalidades, taxas, anuidades e demais contribuições dossócios; b) renda das competições desportivas e das f estas e reuniõessociais; c) alugueres e arrendamentos de dependências, instalações,utilidades e serviços; d) renda de serviços internos e anúncios; e) vendaou aluguel de material desportivo; f) venda de material de qualquernatureza; g) cessão ou transferência de atletas profissionais; h) multas; i)donativos e subvenções; j) juros de depósitos e indenizações pecuniárias,provenientes de contratos; l) renda eventual.” 237
O Cruzeiro Esporte Clube diz -se “associação civil sem fins econômicos
fundada em 02 de janeiro de 1921”, que tem por finalidade “promover,
proporcionar, desenvolver, difundir e aprimorar a prática dos esportes nas suas
234 Artigos 1º e 2º do estatuto social arquivado no Ofício do Registro Civil de Pessoas Jurídicas e Registro deTítulos e Documentos de Curitiba. Docum ento 8656, Livro (A) 815798.235 Artigo 100 do estatuto social arquivado no Ofício do Registro Civil de Pessoas Jurídicas e Registro deTítulos e Documentos de Curitiba. Documento 8656, Livro (A) 815798.236 Artigo 1º do estatuto social arquivado no Cartório d as Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro sob n. 40983,em 23 de setembro de 1975. Publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 22 de setembro de1975.237 Artigo 117 do estatuto social arquivado no Cartório das Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro sob n. 40983,em 23 de setembro de 1975. Publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 22 de setembro de1975.
102
diversas modalidades, bem como a realização de atividades recreativas, sociais,
formativas, cívico-culturais, artísticas e de lazer.”238 Segundo seu estatuto:
“constituem, dentre outras, fontes de recursos para manutenção doCruzeiro Esporte Clube: I – taxa de admissão de associado familiar eindividual; II – taxa de administração; III – exploração da marca; IV –franquias; V – venda de convites e outras rendas de eventos organizadospelo Clube; VI – aluguel dos salões de festa ou outros imóveis do Clube;VII – renda de lojas do Clube; VIII – receitas do futebol profissional e debase; IX – dividendos recebidos de sociedade empre sária de que sejaacionista controlador.” 239
O Figueirense Futebol Clube apresenta -se como “associação civil sem
fins econômicos fundada em 12 de junho de 1921”, que :
“tem por fim: I – Desenvolver a educação física em todas as suasmodalidades; II – Promover reuniões e diversões de caráter desportivo,social, cultural e cívico; III – Participar ou promover campeonatos etorneios oficialmente patrocinados pelas entidades a que estiver filiado,nos termos dos respectivos regulamentos; IV – Desenvolver o atletismonas modalidades olímpicas de basquetebol, voleibol, futebol de salão,tênis de mesa, xadrez, judô, corrida de fundo e outras modalidades; V –Participação no quadro societário de outras sociedades empresariais, naforma prevista e autorizada pela legis lação desportiva vigente, emespecial naquelas que tenham por objeto social a atuação no ramo degestão esportiva.”240 O estatuto define que as fontes de recursos paramanutenção do patrimônio são “haveres em materiais imóveis e móveis,
238 Artigo 1º do estatuto social arquivado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Belo Horizonte.Averbado sob n. 211 e 212 no Re gistro 55288. no Livro A, em 09 de agosto de 2006.239 Artigo 1º, par. 5º do estatuto social arquivado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Belo Horizonte.Averbado sob n. 211 e 212 no Registro 55288. no Livro A, em 09 de agosto de 2006. O estatuto men cionaque “Art. 1º (omissis). §3º. É facultado ao Cruzeiro constituir ou controlar sociedade empresária de práticadesportivo-profissional, celebrar contrato com sociedade empresária e com associação com ou sem finseconômicos”. “Art. 82. Enquanto não cons tituída sociedade empresária, por ele controlada, que tenha porobjeto a prática desportiva profissional, o Cruzeiro Esporte Clube continuará a disputar competiçõesprofissionais de acordo com o que dispuser a legislação brasileira a respeito. §1º. Constit uída a sociedadeempresária de prática desportiva profissional, o Cruzeiro Esporte Clube fica, desde já, autorizado a transferirpara ela todo o setor de esporte profissional e o futebol de base. §2º A sociedade empresária constituída seráregistrada e mantida com o nome Cruzeiro Esporte Clube S/A e adotará as cores oficiais, o pavilhão, oescudo, os símbolos da associação civil Cruzeiro Esporte Clube, descritos nos artigos 70 a 73 deste estatuto.”240 Artigos 1º e 2º do estatuto social constantes da Ata de a lteração estatutária realizada em 28 de maio de2003 e devidamente registrada no Ofício do Registro Civil Tit. Doc. e Pessoas Jurídicas 1º. Subdistrito deFlorianópolis sob n. 010105, fls. 218, Livro A -46.
103
haveres em fundos sociais, e, ainda, são bens patrimoniais os direitosfederativos dos atletas, a marca, o símbolo, entre outros.”
O Fluminense Football Club apresenta -se como sociedade civil de caráter
desportivo fundada em 21 de julho de 1902, com “objetivo básico de estimul ar a
prática da educação física e dos desportos comunitários, assim como promover e
intensificar atividades recreativas, sociais, culturais e cívicas. O Fluminense
empenhar-se-á na prática do desporto em geral, especialmente do futebol, seja
amador ou profissional, de acordo com a legislação vigente.” 241 A receita
orçamentária é constituída por : “I – as contribuições sociais, jóias e taxas; II – os
aluguéis de instalações sociais e desportivas; III – as rendas dos departamentos
desportivos; IV – o produto da venda de materiais de qualquer natureza; V – as
multas; VI – as receitas dos órgãos de publicidade e todas as outras oriundas do
Departamento de Marketing; VII – os donativos e outras receitas de qualquer
natureza.”242
O Goiás Esporte Clube, segundo seu estat uto, “é uma entidade de prática
desportiva, organizada sob forma de associação sem fins lucrativos, fundada em 06
de abril de 1943”, que “tem por finalidade: I – desenvolver a prática do futebol
profissional e não-profissional; II – implantar e intensificar, em caráter profissional e
não-profissional, as várias modalidades de esportes; e III – proporcionar aos
associados a prática de esportes em geral e atividades conexas, principalmente com
vistas a integrar pessoas e comunidades de Goiânia, do Estado de G oiás e do País e
estas com as de outras nações.” Para tanto :
241 Artigos 1º e 2º do estatuto social constantes da Ata de alteração estatutária realizada em 28 de maio de2003 e devidamente registrada no Ofício do Registro Civil Tit. Doc. e Pessoas Jurídicas 1º. Subdistrito deFlorianópolis sob n. 010105, fls. 218, Livro A -46.242 Artigo 133 do estatuto social arquivado no Registro Civil de Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro, matrícula567, protocolo 200501141537492, em 02 de março de 2005. O estatuto prevê, ainda, que: “Art. 131 – aadministração financeira do FLUMINENSE reger -se-á pela estrita observância das seguinte s normas: II – ofutebol profissional terá tratamento independente, devendo a sua contabilidade ser escriturada à parte.’ ‘Art.152 – O FLUMINENSE poderá constituir sociedade comercial de natureza desportiva, independente eautônoma, na qual controlará a maioria do capital votante. Parágrafo único. A sociedade a ser constituída teráo seu estatuto previamente aprovado pelo Conselho Deliberativo.”
104
“constituem fontes de recursos para manutenção do clube, a venda detítulos patrimoniais, as doações, legados, taxas de manutenção,mensalidades, taxas oriundas da ocupação de suas instalações, d e locaçãoou arrendamento, rendas provenientes de competições, de promoçõesrealizadas, de aplicações financeiras, direitos peculiares [sic] oriundos decontratos ou disposições de leis desportivas e outros recursos arrecadadosem decorrência de atividades diversas, desenvolvidas pelo clube.” 243
O Grêmio de Foot-Ball Porto Alegrense “é uma sociedade civil sem
finalidade econômica fundada em 15 de setembro de 1903”, que :
“tem por fim: I - desenvolver e estimular a educação física, em todas assuas modalidades, e em particular o futebol, sem visar a lucros materiaisde qualquer espécie para si ou para os seus associados; e II - incentivar eexercer atividades de caráter desportivo, social, cultural e cívico.” Paratanto, “constituem receita I – ordinária: a) as contribuições e taxas a quesão obrigados os sócios; b) o produto de aluguéis de imóveis, bem comode dependências do Grêmio para realização de jogos, festas e reuniõescompatíveis com as finalidades sociais; c) o lucro auferido na venda dematerial desportivo ou de outra natureza; d) a renda dos serviçosinstalados nas dependências do Grêmio; e) as rendas dos jogosdesportivos e as indenizações que forem recebidas a qualquer título. II –extraordinárias: a) as importâncias provenientes da colocação de Títul osde Fundo Social; b) as quantias decorrentes de promoções patrocinadaspelo Grêmio; c) os donativos de qualquer espécie.” 244
O Sport Club Internacional, “fundado em 4 de abril de 1909, é uma
sociedade civil sem fins lucrativos, com prazo indeterminado de d uração e tem por
finalidade atividades desportivas, sociais e culturais. Em suas atividades desportivas,
o Clube se propõe à prática do futebol profissional e amador, bem como de outros
esportes, profissionais e amadores, olímpicos ou não, a critério da Di retoria.”. A
receita é proveniente de:
243 Artigos 1º, 2º e 21 do estatuto social arquivado no 2º Tabelionato de Protesto e Registro de PessoasJurídicas, Títulos e Documentos de Goiânia, sob n. de registro 404.244 Artigos 1º, 2º e 88 do estatuto social arquivado no Cartório de Registro Especial, Títulos e Documentosdas Pessoas Jurídicas de Porto Alegre.
105
“I – a obrigação social, constituída de mensalidades, taxas demanutenção, jóias, anuidades e outras regularmente instituídas peloConselho Deliberativo; II – os aluguéis de instalações sociais edesportivas; III – as rendas provenientes de competições desportivas; IV– as receitas dos diversos serviços e empreendimentos do Clube; V – asrendas dos diversos serviços do clube; VI – os donativos e outras receitaseventuais de qualquer natureza; VII – as subvenções e auxí liosconcedidos pelo Poder Público.” 245
A Associação Atlética Ponte Preta “é uma sociedade civil sem fins
lucrativos, (...) fundada em 11 de agosto de 1900”, com a finalidade de “em proveito
de seus associados, proporcionar a prática dos esportes em geral, b em como
promover a realização de atividades sociais, cívico -culturais, artísticas e de lazer.”
São arroladas como meios de receita: “I – as contribuições sociais, provenientes das
três unidades desportivas; II - o produto de aluguéis de instalações sociais e
desportivas; III – as rendas das cessões desportivas; IV – as multas; V – os
donativos de qualquer natureza; VI – o resultado financeiro correspondente à
participação societária na sociedade comercial Ponte Preta Esportes Ltda.” 246 O
estatuto social prevê que “considera-se como receita toda e qualquer arrecadação
feita pelo clube, sob as diversas rubricas contábeis adotadas, inclusive as
importâncias recebidas a título de: I – jóia ou valor de título; II – contribuição ou
mensalidade; III – taxas; IV – distribuição de dividendos e juros sobre capital
próprio; V – contratos diversos que gerem receita para o clube; e VI – bilheteria.”247
O São Paulo Futebol Clube, fundado em 16 de dezembro de 1935, “é
uma entidade de prática desportiva, constituída na forma de associação civil sem
fins econômicos”, que “tem por objetivo promover, desenvolver, difundir e
aprimorar o desporto em todas as suas modalidades, em particular o futebol,
formando atletas em todas as suas categorias, visando a participação em
245 Artigos 1º e 44 do estatuto social arquivado no Li vro 41-A do Registro Civil das Pessoas Jurídicas dePorto Alegre.246 Artigos 1º, e 93 do estatuto social arquivado no Registro Privativo de Pessoas Jurídicas de Campinas.247 Artigos 1º e 7º do estatuto social arquivado no Cartório de Registro de Títulos e Do cumentos e Civil – P.Jurídica Santos.
106
competições profissionais ou não profissionais, nos níveis municipal, estadual,
nacional e internacional.” O patrimônio é formado “pelo estádio Cícero Pompeu de
Toledo, pela equipe de futebol profissional e por todos os demais bens móveis,
imóveis, títulos, valores, troféus e direitos pertencentes ao clube.” 248
A Sociedade Esportiva Palmeiras “é uma entidade civil de caráter
desportivo, com personalidade jurídica de direito privado, sem fins econômicos
lucrativos, constituída na forma da lei, mediante exercício de livre a ssociação,
fundada com o nome de Sociedade Esportiva Palestra Itália, em 16 de agosto de
1914.” Tem por finalidade “promover, difundir e aperfeiçoar a prática da educação
física, de desportos em geral, formais e não formais, bem como promover as culturas
morais, artísticas, cívicas, sociais, recreativas e educacionais dos associados que a
compõem, além de todas as atividades complementares inerentes ao alcance dos
objetivos sociais, podendo, ainda, participar de outras sociedades, como quotista ou
acionista, mediante a aprovação do seu Conselho Deliberati vo.” São consideradas
receitas:
“arrecadação das contribuições dos sócios, produto da arrecadação dasbilheterias, a renda dos serviços internos, as percentagens e asparticipações em jogos, torneios e campe onatos, os aluguéis e osarrendamentos de dependências, utilidades e serviços; os direitospeculiares [sic] oriundos de contratos ou disposições de leis desportivas;os donativos e os auxílios financeiros; as subscrições promovidas paradeterminados fins; as indenizações pecuniárias provenientes ou não decontratos; arrecadações advindas de promoções de sorteios, concursos,bingos e similares, de acordo com a legislação vigente; as rendasprovenientes da participação societária da SEP em sociedades;rendimentos advindos de eventuais aplicações financeiras e qualquerarrecadação eventual não mencionada nos itens anteriores.” 249
O Santos Futebol Clube, fundado em 14 de abril de 1912, “é uma
associação civil sem fins econômicos e com personalidade jurídica própri a, e tem
248 Artigos 1o. e 111 do estatuto social arquivado no 4º Registro de Pessoas Jurídicas de São Paulo.249 Artigos 1º, 2º e 126 do estatuto social arquivado no 3º Cartório de Registro de Títulos e Documentos deSão Paulo.
107
por objetivo cultivar, praticar e desenvolver atividades sociais, educacionais,
recreativas, culturais, cívicas, assistenciais, de benemerência, esportivas e de
educação física, em todas suas modalidades, podendo exercer outras atividades cuja
renda reverta em benefício dos seus objetivos sociais, podendo ainda participar de
outras sociedades, como quotista ou acionista, mediante aprovação do Conselho
Deliberativo do clube.”
O Paraná Clube, fundado em 19 de dezembro de 1989, “é uma associação
civil de duração indeterminada”, cuja finalidade é “I – implantar, praticar e cultivar
todos os ramos do desporto; II – promover atividades relativas à educação física,
moral, cívica, artística e cultural; III – promover e incentivar atividades sociais; IV –
cooperar em atividades beneficentes e filantrópicas junto à comunidade, desde que
devidamente aprovadas pelo Conselho Deliberativo; V – firmar contratos e
convênios com terceiros, no interesse dos sócios, desde que devidamente aprovados
pelo Conselho Deliberativo; VI – desenvolver e incentivar projetos voltados para o
meio ambiente, desde que devidamente aprovados pelo Conselho Deliberativo.” As
receitas são constituídas por:
“a) valor de títulos, mensalidades, taxas e demais contribuições de sócios;b) rendas de competições desportivas e das festas e atividades sociais; c)aluguéis e arrendamentos de dependências, instalações, utilidades eserviços; d) renda de serviços internos e anúncios; e) venda ou aluguel dematerial desportivo; f) venda ou aluguel de ma terial de qualquer natureza;g) cessão ou transferência de direitos federativos, bem como direito àindenização por ser clube formador de atletas, conforme legislação emvigor; h) multas; i) rendimento de capital e indenizações pecuniárias; j)donativos e subvenções; k) rendas eventuais e extraordinárias; e l)resultado na participação em empresas.” 250
A par de algumas impropriedades constatadas, a análise dos atos
constitutivos revela que os clubes são associações constituídas – em regra – há
várias décadas, com objetivos destinados à prática de uma ou várias modalidades
250 Artigos 1º, 2º e 110 do estatuto social arquivado no 4º Ofício de Pessoas Jurídicas de Curitiba.
108
desportivas. Mostram-se claramente como entidades formadas por pessoas reunidas
para desenvolver um objetivo comum não lucrativo, mas focado no alcance de
resultados desportivos locais, regio nais, nacionais e internacionais. Isto é o que um
indivíduo que se vincula a um clube de futebol pretende: auxiliá -lo a alcançar
resultados desportivos inerentes ao desporto de rendimento praticado de modo
profissional.
O que o diferencia da prática não pr ofissional é, basicamente, que o clube
se obriga a buscar meios de subsistência e proteção da capacidade patrimonial, que
envolvem contratos com altas cifras monetárias. Estes contratos são destinados a
gerar receitas e estas receitas são destinadas a perm itir o exercício do objeto para o
qual o clube foi formado: conquistar resultados desportivos.
A partir destas conclusões parciais, provenientes da investigação
realizada, seguem considerações sobre as associações, as sociedades desportivas
empresárias e sua efetividade.
4.4 Associação, sociedade desportiva empresária e efetividade normativa
O artigo 981 do Código Civil de 2002 avança com especial preocupação
sobre a atividade econômica, ao identificar que “celebram contrato de sociedade as
pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o
exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.
Alfredo de Assis GONÇALVES NETO 251, a par de criticar o conceito
legal à luz da teoria do contrato organização, ressal ta que “ao mencionar a finalidade
econômica visada com sua criação, o conceito encolhe -se para excluir outras figuras
que, à semelhança da sociedade, são criadas pela atuação da vontade humana na
formação de outras entidades a que o direito outorga capacid ade de direito ou atribui
251 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário . 2. ed. São Paulo: Editora Juarez deOliveira, 2004. p. 9.
109
personalidade jurídica, sem que tenham tal escopo, como as fundações, as
associações, as autarquias e, enfim, as pessoas políticas de nossa federação”.
A atividade econômica ganha ênfase na própria função das sociedades,
identificada pelo autor como “facilitar a prática de atos ou negócios jurídicos
voltados à realização de certos fins econômicos por elas pretendidos.” 252
Com já se afirmou, a análise dos artigos 981 e 53 do Código Civil de
2002 permite identificar uma distinção no re gime jurídico das sociedades e das
associações, respectivamente, pois a associação é união de pessoas que se organizam
para fins não econômicos. A pesquisa sobre os atos constitutivos dos clubes de
futebol revela que as entidades desportivas se propõem a e xplorar o desporto
profissional, mas não com finalidade precípua de aumentar seu patrimônio.
Pretendem auferir receitas que lhes permitam sobreviver e fazer frente aos altos
custos inerentes ao desporto praticado de modo profissional e seus desdobramentos.
A evolução incidiu sobre os meios de auferir receitas, mas não se altera
na perspectiva dos resultados desportivos. A análise dos estatutos dos clubes e suas
atividades demonstra que não estão dirigidos ao exercício de atividade econômica e
a partilha, entre os associados, destes resultados.
O que a legislação que obriga um clube a tornar -se empresa está fazendo,
em verdade, é desnaturar-lhe a finalidade e presumir que seus associados reuniram -
se com objetivo de auferir resultados econômicos para distribu í-los ao final do
exercício financeiro. Esta é uma presunção que não encontra respaldo na
investigação efetiva das finalidades dos clubes, pois, como se constatou, a inserção
dos clubes no denominado mercado desportivo é uma exigência para que os mesmos
alcancem resultados contábeis e patrimoniais positivos, mas isso não significa que o
objetivo seja auferir lucros.
252 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assi s. Lições de Direito Societário . p. 9.
110
Uma pessoa jurídica não é criada para, ano a ano, apresentar prejuízo.
Isso seria economicamente incoerente e mesmo socialmente prejudicial. O fato de
uma associação ou fundação, mesmo que tenha objetivo estritamente beneficente,
tentar desenvolver atividades que lhe permitam alcançar patrimônio para fazer frente
às despesas necessárias à consecução de seus objetivos não permite aplicar a
presunção de que se trata de uma sociedade empresária. Isso não se modifica quando
se trata do desporto, mesmo o desporto praticado de modo profissional. Remunerar
atletas e firmar contratos (ainda que bilionários) não são os requisitos jurídicos para
identificação de uma sociedade empresária ou fundamento para que a legislação
estabeleça uma presunção neste sentido.
Portanto, pode-se até imaginar a constituição de sociedades empresárias
para o desenvolvimento da atividade desportiva profissional com intuito econô mico,
em que os torcedores estivessem eventualmente alijados do corpo social ou inseridos
apenas com objetivo de partilhar os resultados ao final de cada exercício financeiro.
Mas não é o que se encontra no Brasil e esta hipótese não autoriza que se presum a,
de lege lata, que todos os clubes são sociedades empresárias e que devam submeter -
se a esta estruturação societária sob pena de sanções aplicáveis às entidades e aos
seus associados.
Aqui reside situação ainda mais grave, pois, como já se afirmou, as
associações foram constituídas e tiveram seus atos constitutivos arquivados há
décadas.
Não se pretende buscar suporte na proteção constitucional ao direito
adquirido ou ao ato jurídico perfeito (artigo 5º. XXXVI, CF/88), especialmente
porque o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que tais garantias não
são oponíveis a novos regimes jurídicos. 253 Entretanto, é certo que lhes impingir o
tratamento jurídico das sociedades em comum é desconsiderar que foram
253 Neste sentido, RE 146.331, RE 141.190, RE 164.836, RE 136.901, RE 167.987 e RE 170.484. Não seolvidam alguns entendimentos em sentido diverso, tais como AI 292.979 e ADI 493.
111
regularmente constituídas e que a extinção de uma pessoa jurídica regularmente
constituída só ocorre pela baixa do ato constitutivo (artigo 51, do Código Civil).
Ao impor a sanção do regime jurídico da sociedade em comum às
entidades de prática desportiva profissional que não optem por uma das modalid ades
de sociedade empresária, o artigo 27, par. 11 da Lei n. 9.615/98 aplica a uma pessoa
jurídica o regime atribuído às sociedades não personificadas. 254
PONTES DE MIRANDA 255 conceitua a sociedade de fato da seguinte
forma:
A sociedade a que não corresponde c ontrato por escrito é a sociedade defato, porque se puseram em comum, no mundo fáctico, as contribuiçõesdos sócios. Não tem responsabilidade jurídica, porque essa sómente poderesultar do registro, ou de lei que a crie e a faça pessoa jurídica. A mão -comum ocorre, o que estabelece situação que há se ser atendida. Daí oart. 673 do Código de Processo Civil que se refere a liquidação daschamadas sociedades de fato.
De plano se constata que uma associação não pode ser incluída no rol
mencionado, por diversas razões. A primeira é a presença (e não ausência) de ato
constitutivo escrito, como se afirmou acima, pois o artigo 986 do Código Civil
aponta claramente que o regime de sociedade não personificada se aplica “enquanto
não inscritos os atos constitutivos”.
A segunda é que as contribuições dos sócios (associados) não se
presumem postas em comum, pois o princípio da boa fé prevalece sobre a mera
presunção de que os associados reuniram -se para contribuir e retirar posteriormente
quantia maior (partilhar result ados financeiros). Não basta simplesmente afirmar que
“há, realmente, um grande rombo nos cofres deste País, oriundos dos ilícitos
254 Não se ignora a distinção doutrinária entre sociedades irregulares e de fato, como advogam CARVALHODE MENDONÇA. Tratado de direito comercial brasileiro . Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1946. eMIRANDA VALVERDE. Sociedade por ações . vol. 1. Rio de Janeiro: Forense. 1956., mas o tema não édissecado porque o tratamento legislativo é uno e as duas situações se mostram inaplicáveis diante dosargumentos adiante apresentados.255 PONTES DE MIRANDA. Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado . Tomo XLIX. p. 160.
112
praticados no mundo do futebol. Há crimes contra a ordem tributária, contra o
Sistema Financeiro Nacional. Constatam -se ilícitos decorrentes da evasão de divisas,
do crime de sonegação da cobertura cambial, da elisão fiscal, da sonegação fiscal” 256
Diante da presença destes elementos de utilização desvirtuada da associação para
fins de locupletamento, quando a mão comum ocorre de modo devidamente
comprovado257, a questão é de simulação, hipótese que prescindiria até da
desconsideração da personalidade jurídica. É a situação dos contratos inválidos de
sociedade, para os quais, segundo PONTES DE MIRANDA 258:
Se há nulidade, ou se foi decretada a anulação do contrato de sociedade,tem-se de tratar a sociedade como inexistente, porque ela seria efeito e, exhypothesi, foi decretada a invalidade do contrato de sociedade. Há, então,o problema da liquidação da sociedade, que não existiu (o con trato eranulo) ou se há de tratar como se não tivesse existido (foi anulado ocontrato). Em verdade, a sociedade não pode ser considerada existente,mas é inegável que existiu comunidade de pessoas que obedeceram aregras jurídicas, regras que supõem a participação de duas ou maispessoas em campo comum, que o direito não pode deixar de levar emconsideração e vontade unitária no trato e na defesa dos interêssescomuns. Não há sociedade, mas algo há que pôs em relações jurídicas aspessoas que seriam sócios, se o contrato valesse e fôsse eficaz. Não sepode negar que as pessoas que figuraram no contrato nulo ou anuladotiveram dever de atividade e de cuidado dos interêsses comuns.(...) A solução mais acolhida foi a de dar -se como existente, para osterceiros, qualquer sociedade que se teria irradiado de contrato desociedade que foi devidamente registrado. Os terceiros que estiveram em
256 BRASIL. Senado Federal. Pronunciamento relacionado ao Requerimento 497/2000, de 27 de dezembro de2000. CPI do Futebol. DIAS, Álvaro. Disponível emhttp//:senado.gov.br/pls/prodasen/PRODASEN.LAYOUT_DISC_ DETALHE.SHOW_INTEGRAL?p=313515. Acesso em 28 de dezembro de 2006.257 Ementa: Execução forçada. Associação esportiva. Desconsideração da pers onalidade jurídica. Penhora dosbens do diretor-presidente. Inobservância dos pressupostos consagrados na jurisprudência do STJ para que selevante o véu da sociedade. Necessária a prova, sob o crivo do devido processo legal, da existência de uso deassociação para fraudar credores, escudar -se da indenização de atos ilícitos de seus sócios, além dademonstração de sua insolvência. Desnecessária a cópia da publicação do decisum se o recurso foi ajuizadodentro do decêndio. Decisão do relator mantida. Agravo desprovido. Decisão do relator mantida. Agravodesprovido. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de instrumento 2006.002.06538. Des. BernardoMoreira Garcez Neto. Julgamento 06/06/2006. 10ª. Câmara Cível.258 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado . Tomo XLIX., p. 165.
113
contacto com alguma pessoa, que fêz aparecer, para êles, sociedade, quenão existia, têm de ser protegidos pelo direito.
O sistema não admite a mera presunção de que se está diante de uma
sociedade em comum, quando a pessoa jurídica foi regularmente constituída e
exerce as atividades previstas em seu ato constitutivo. É equivocada e destoada do
sistema, a imputação de conseqüê ncias legais punitivas advindas da não
transformação de um clube associativo em sociedade empresária, mesmo que este
clube explore atividade desportiva profissional, desde que o faça de modo regular.
Pensar de modo diverso seria admitir que, esgotada a vacatio legis, a
partir da constatação de que a imposição legal de transformação não foi respeitada, o
ato constitutivo da associação passaria a ser inexistente, nulo ou anulável, gerando
como conseqüência a responsabilização solidária 259 e ilimitada de todos os
associados, pelas obrigações contraídas pelo clube (artigo 990 do Código Civil). Isso
não é adequado sob nenhum ponto de vista, pois ignora, por exemplo, que uma
sociedade em comum deve apresentar affectio societatis, isto é, um elemento
comum intencional de formar sociedade 260, não uma associação. E, como se
constatou, mesmo na hipótese de constituição de clubes profissionais, não se
exterioriza esta intenção.
Em síntese, não se pode designar sociedade em comum, um ente coletivo
dotado de personalidade jur ídica em que não há affectio societatis entre os
integrantes e em que não há possibilidade de distribuição de lucros.
Como se constata, a ânsia legiferante gerou uma norma que – a par de
não ser materialmente inconstitucional, pois albergada pelo fundament o de
intervenção estatal sobre uma atividade eleita como direito social e dever do Estado
259 Admitido o benefício de ordem para aqueles que não contrataram pela sociedade.260 REQUIÃO, Rubens. op. cit. p. 408.
114
– não encontra efetividade normativa porque destoada do sistema infraconstitucional
que rege as pessoas jurídicas.
Ao partir da presunção de que a “mão comum” rege a s entidades de
prática desportiva do futebol e obrigá -las a se tornar sociedades empresárias sob
pena de serem consideradas sociedades em comum, a legislação gera uma situação
jurídica incompatível, pois impõe um regime jurídico de sociedade não
personificada a entes devidamente constituídos, registrados e no exercício de uma
atividade lícita e coerente com seus atos constitutivos.
Apesar do desporto profissional não se confundir com o desporto não -
profissional, isso não significa que o primeiro é exercido sempre como atividade
econômica em que os integrantes do clube objetivam alcançar a partilha de
resultados positivos ao final de cada exercício. A presença de grandes cifras e de
uma rede de contratos é meio de aquisição de receitas destinadas à aplicação no
próprio clube, para realização de uma atividade ulterior 261, com objetivo de alcançar
o verdadeiro resultado pretendido, que é a conquista desportiva exigida pelo
desporto de espetáculo.
Isso leva à conclusão de que a imputação de sanção consistente na
aplicação do regime de sociedade em comum às associações desportivas
profissionais, isto é, aos clubes desportivos que não exerçam a opção de conversão
em sociedade empresária, é incompatível com o próprio sistema previsto pelo
Código Civil. Tal aferição impede que se atribua efeito jurídico ao comando
normativo sancionador, a não ser que se constate efetivamente que a mão comum
prevalece nesta ou naquela associação.
261 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado . 2. ed. São Paulo: Saraiva.1969, p. 272. Como leciona o Autor: “Concluindo uma sociedade, as partes querem organizar -se para arealização de uma atividade ulterior; esta constitui o objetivo da sociedade, e a sua determinação e, portanto,juridicamente relevante.”
115
Além disso, neste cenário, a norma – tal qual posta – ao invés de ensejar
um necessário aprimoramento do sistema desportivo, acaba por gerar desequilíbrios
e desconformidades no mundo fático, como adiante demonstra.
4.5 Funcionalidade do clube-empresa e efetividade social
A idéia central de que o Estado delimite a atividade desportiva de prática
profissional não é inconstitucional, como se aferiu ao longo deste trabalho. Está
coadunada com o papel do Estado e as normas de cunho programático estipuladas
constitucionalmente para o desporto brasileiro.
A opção pela imposição à conversão dos clubes em sociedade empresária,
aliada à penalização daquelas entidades que não se convertam, é que revela a falta
de efetividade normativa e de compatibilidade com o sistema jurídico aplicável às
pessoas jurídicas no Brasil. Contudo, a questão não se resume a es te inaplicável
efeito legislativo pretendido, mas aos efeitos no mundo fático, decorrentes do
natural receio das sanções verberadas pela legislação desportiva.
A situação tem criado a peculiaridade de adoção, por diversos clubes de
futebol, de uma alternativa intermediária consistente na criação de uma sociedade
empresária da qual faria parte – como sócio – o próprio clube mantido em sua
estruturação associativa. Diversos estatutos dos clubes analisados ao longo deste
trabalho cuidaram de prever, em alteraç ões recentes, a possibilidade de participar de
outras sociedades.
Situação similar ocorre na Argentina, o que gerou um conflito decorrente
da expedição de resolução, pela Inspeção Geral de Justiça daquele país, negando a
inscrição de um aumento de capital da Sociedade Boca Crece S/A, sob o argumento
de que (i) não haveria verdadeira sociedade, porque um dos acionistas é detentor de
99% (noventa e nove por cento das ações) e (ii) uma associação não poderia deter o
controle de uma sociedade anônima, por viola r-lhe objeto e finalidade.
116
José Octavio CLARIÁ262 opõe à decisão denegatória os seguintes
argumentos:
(i) não há disposição legal que determine percentuais mínimos e máximos
de participação societária, extraindo -se daí a aplicação do princípio
constitucional da legalidade (art. 19)263;
(ii) “tampouco concordamos com o critério de que uma associação civil,
no caso um clube de futebol, não possa ser titular de ações de uma
sociedade anônima. Se o clube pode cobrar entrada para partidas de
futebol, se pode firmar contratos milionários com jogadores,
patrocinadores, cadeias de televisão e celebrar todos os contratos
desportivos usuais, não vemos a razão de não poder ser acionista de uma
sociedade comercial” 264; e,
(iii) segundo o art. 33, inc. 1 º do Código Civil, o principal objeto das
pessoas jurídicas privadas é o “bem comum”, o que não se torna
empecilho para que a associação busque fundos para realizar suas
atividades.
Para evitar este embate, a legislação portuguesa – por exemplo –
estabelece que a participação di reta da associação em um clube -empresa deve
observar limites percentuais mínimos e máximos estabelecidos em decreto -lei, bem
como há definição normativa acerca das prerrogativas conferidas ao clube fundador,
262 CLARIÁ, José Octavio. Nota a la Resolución de la Inspección General de Justicia en el expediente BocaCrece S.A. elDial - DC71F. elDial.com - editorial albrematica. Pesquisa realizada na Biblioteca de Direito daUniversidade de Buenos Aires.263 ARGENTINA. Constituição Nacional da Argentina. Art. 19. Las acciones privadas de los hombres que deningún modo ofendan al orden y a la moral pública, ni perjudiquen a un tercero, están sólo reservadas a Dios,y exentas de la autoridad de los magistrados. Ningún habitant e de la Nación será obligado a hacer lo que nomanda la ley, ni privado de lo que ella no prohíbe.264 “Tampoco coincidimos con el criterio de que una asociación civil, en el caso un club de fútbol, no puedaser titular de acciones de una sociedad anónima. - Si el club puede cobrar entrada a los partidos de fútbol, sipuede firmar millonarios contratos con jugadores, sponsors, cadenas de televisión y celebrar todos loscontratos deportivos usuales, no vemos por qué razón no puede ser accionista de una sociedad comercial.”
117
tais como direito de veto em determinadas situaç ões e designação de membro(s) do
órgão de administração.
Trazendo o debate para o ambiente jurídico brasileiro, não há vedação
para que uma associação torne -se sócia de uma sociedade empresária. Ao contrário,
constituía hipótese legislativa prevista anteri ormente à alteração da legislação
desportiva que implementou o atual sistema do clube -empresa. Em verdade, a
jurisprudência brasileira permite constatar a admissibilidade de associações com
participação em sociedades:
“PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. EMBARGO S DE TERCEIROS.
PENHORA DE AÇÕES PREFERECIAIS DE ASSOCIAÇÃO ACIONISTA DA
EMPRESA EXECUTADA. IMPOSSIBILIDADE. ADMINISTRADOR. ATO
REGULAR DE GESTÃO, RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. NÃO
CARACTERIZAÇÃO.”265
Esta parece ser, inclusive, a melhor interpretação do artig o 27, par. 2º, da
Lei n. 9.615/98, quando exige aprovação da maioria absoluta dos associados para
que o clube profissional possa utilizar bens patrimoniais para integralizar parcela de
capital.
Todavia, não há razão para que tal participação societária aco nteça, a não
ser para tentar suprir a obrigação imposta pelo artigo 27 da Lei n. 9.615/98.
Diante das conclusões anteriores, de tudo parece ilógico que se constitua
uma sociedade e que se permita a esta sociedade admitir uma associação, que
receberá sua parcela de receita ao final do exercício. O resultado prático desta
providência será a criação e a manutenção de duas pessoas jurídicas, com o
deslocamento dos contratos para a sociedade empresária. Esta sociedade empresária
265 Tribunal Regional Federal da 1a. Região. Remessa ex -officio 199701000054109. UF: MA. Órgãojulgador: Terceira Turma Suplementar. Data da decisão: 21/10/2004. Fonte: DJ 18/11/2004 p. 50. Juiz FederalWilson Alves de Souza (conv.). A turma, à unanimidade, negou provimento à remessa oficial. Publicação:18/11/2004.
118
viverá para transferir seus lucro s para a associação, revelando-se completamente
desnecessária e, mais do que isso, ofensiva do ponto de vista tributário, pois a
própria associação poderia firmar estes mesmos contratos sem a incidência tributária
que atinge as sociedades.266
E, situação ainda mais grave é a constatação de que, em alguns casos, a
criação de sociedades empresárias está deixando participação societária minoritária
aos clubes, que se tornam sócios de terceiros detentores da maioria do capital social
de empresas que, por sua vez, acabam detendo a cessão de todo o patrimônio da
associação. Gera-se, assim, situação de maior risco social e econômico do que se
pretendia originalmente evitar com a legislação do clube -empresa.
De outro lado, a par dos dispositivos que obrigam a transfor mação dos
clubes em sociedades empresárias, é preciso investigar se a legislação desportiva
brasileira alcança o objetivo de imprimir a transparência e garantir a segurança
jurídica que o sistema do clube -empresa originalmente pretendia, sem a imposição
de dispositivos carentes de efetividade normativa e adequação ao sistema jurídico
vigente e sem a presunção de que a atividade desportiva profissional exercida por
associação seria, por si só, irregular.
A menção a diversos artigos da legislação de regência (Lei n. 9.615/98)
demonstra que a transparência das associações desportivas é bastante focada pela lei
vigente. Em verdade, pela comparação entre o marco legal do clube -empresa e
demais normas desportivas, constata -se que a imposição legal do clube -empresa não
traz vantagem em relação à funcionalidade das entidades, às garantias jurídicas para
associados e terceiros. Isto é, mesmo que a legislação desportiva não impusesse o
clube-empresa, os interessados estão dotados de prerrogativas legais que viabilizam
266 Em outras palavras, esta é a mesma constatação alcançada na análise do sistema jurídico das sociedadesanônimas desportivas em Portugal. Na oportunidade, se afirmou (acima): “Contud o, se o objetivo é imporcritérios de gestão e permitir que a associação encontre recursos para consecução de seus fins, bastaria que seimpusessem normas de controle de gestão das associações participantes de competições profissionais e, emparalelo, se permitisse que as mesmas realizassem contratos onerosos dirigidos à obtenção de recursosdestinados à própria associação.”
119
reflexos sociais favoráveis à transparência e à segurança jurídica no ambiente
desportivo.
As ligas, confederações, federações e clubes envolvidos em competições
profissionais são obrigados a 267: “I - elaborar e publicar, até o último dia útil do mês
de abril, suas demonstrações financeiras na forma definida pela Lei n o 6.404, de 15
de dezembro de 1976, após terem sido auditadas por auditores independentes; e, II -
apresentar suas contas juntamente com os relatórios da auditoria de que trata o
inciso I ao Conselho Nacional do Esporte - CNE, sempre que forem beneficiárias de
recursos públicos, na forma do regulamento.”
Caso não cumpram esta determinação, além das penalidades tributárias,
trabalhistas, previdenciárias, cambiais, civis e penais, a legislação prev ê as seguintes
sanções: “I - para as entidades de administração do desporto e ligas desportivas, a
inelegibilidade, por dez anos, de seus dirigentes para o desempenho de cargos ou
funções eletivas ou de livre nomeação, em quaisquer das entidades ou órgãos
referidos no parágrafo único do art. 13 desta Lei; II - para as entidades de prática
desportiva, a inelegibilidade, por cinco anos, de seus dirigentes para cargos ou
funções eletivas ou de livre nomeação em qualquer entidade ou empresa direta ou
indiretamente vinculada às competições profissionais da respectiva modalidade
desportiva.” Tudo isso sem prejuízo do afastamento de seus dirigentes 268 e nulidade
de todos os atos praticados em nome da entidade após a prática da infração.
De outro lado, qualquer isenção fiscal e mesmo repasses de recursos
públicos federais dependem da comprovação de que a entidade (i) possui viabilidade
financeira, (ii) encontra-se com suas obrigações fiscais e trabalhistas quitadas (art.
18, da Lei n. 9615/98), independentemente da es trutura jurídica que adote.
267 BRASIL. Lei 9.615, de 24 de março de 1998. “Art. 46 -A. As ligas desportivas, as entidades deadministração de desporto e as de práti ca desportiva envolvidas em qualquer competição de atletasprofissionais, independentemente da forma jurídica adotada, ficam obrigadas a: [...]” (Incluído pela Lei nº10.672, de 2003)268 O presidente da entidade, ou aquele que lhe faça as vezes; e o dirigen te que praticou a infração ainda quepor omissão.
120
Financiamentos de recursos públicos para entidades desportivas profissionais
exigem (i) identificação exata de sua situação financeira, (ii) apresentação de plano
de resgate e plano de investimento, (iii) garantia de independênc ia dos conselhos
fiscal e de administração, (iv) adoção de modelo profissional e transparente e (v)
publicação das demonstrações financeiras precedidas de auditoria, tudo na forma da
Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Os processo eleitorais de todas as entidades desportivas são objeto de
regulação, em relação ao colégio eleitoral, defesa prévia em caso de impugnação,
publicidade para convocação, sistema de recolhimento de votos e apuração (artigo
22, da Lei n. 9.615/98).
Independentemente da forma ju rídica que adotem, todos os clubes
profissionais devem prever em seus atos constitutivos a inelegibilidade de seus
dirigentes, caso (i) condenados por crime doloso, (ii) inadimplentes nas prestações
de contas de recursos públicos ou da própria entidade; (i ii) afastados de cargos em
virtude de gestão patrimonial ou financeira irregular ou temerária da entidade, (iv)
inadimplentes das contribuições previdenciárias e trabalhistas e (v) falidos (artigo
23, c/c artigo 27, par. 5º da Lei n. 9.615/98). Ainda, os d irigentes de clubes
profissionais constituídos como associações ou sociedades empresárias que
aplicarem créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros têm seus bens
particulares sujeitos a responder pelas obrigações da entidade desportiva (ar tigo 50
do Código Civil). Tudo isso sem prejuízo de ter de restituir os bens e créditos à
sociedade, respondendo pelos prejuízos e lucros cessantes (artigo 1.017 do Código
Civil).
Da mesma forma, a legislação protege os bens patrimoniais das entidades
de prática profissional exigindo aprovação de maioria absoluta dos associados ou
sócios, para oferecê-los como garantia. (artigo 27, par. 2º., da Lei n. 9.615/98).
121
Mesmo que o clube não realize a conversão em sociedade empresária,
para fins de fiscalização e controle, será assim equiparado para efeitos tributários,
fiscais, previdenciários, financeiros, contábeis e administrativos (artigo 27, par. 13,
da Lei n. 9.615/98). Fica também obrigado, se participar de competições
profissionais, a (i) elaborar, dispor a auditores independentes e publicar suas
demonstrações financeiras anualmente, na forma da Lei das Sociedades Anônimas;
(ii) se beneficiário de recursos públicos, apresentar suas contas e relatórios de
auditoria ao Conselho Nacional do Esporte (artigo 46 -A, da Lei n. 9.615/98). Caso
estas obrigações não sejam observadas, além das sanções tributárias, trabalhistas,
previdenciárias, cambiais, responsabilização civil e criminal, a (i) inelegibilidade
dos dirigentes para qualquer cargo ou função eletiva ou de l ivre nomeação em
qualquer entidade ou empresa direta ou indiretamente vinculada às competições
profissionais da respectiva modalidade, (ii) afastamento dos dirigentes e (iii)
nulidade dos atos praticados (artigo 46 -A, par. 1º e 2º, da Lei n. 9.615/98).
A despeito de todo este aparato legislativo, o Estatuto do Torcedor (Lei n.
10.671, de 15 de maio de 2003) ainda exige que a entidade de prática (i) dê
acessibilidade ao portador de deficiência ou dificuldade motora, (ii) mantenha a
segurança e informação no local da partida, (iii) solicite providências da
Administração Pública em relação a segurança, transporte e higiene, (iv) mantenha
central de monitoramento por imagem do público presente em estádio com
capacidade superior a vinte mil pessoas, além de (v) c oloque à venda ingressos com
setenta e duas horas de antecedência, em cinco postos diferentes na cidade, (vi)
adote sistema imune às fraudes na emissão e venda de ingressos, que devem ser
numerados e, em determinadas situações, emitidos por meios eletrônic os que
vinculem público e movimento financeiro da partida, (vii) solicite estacionamento e
meios de transporte, ao Poder Público, para as imediações do estádio, (viii)
convoque agentes públicos para garantir a segurança da equipe de arbitragem, (ix)
publique diretrizes básicas de relacionamento com o torcedor, mencionando
questões relacionadas ao estádio, transparência financeira do clube, meios de
122
comunicação com o torcedor. A inobservância destas obrigações é fato gerador de
penalidades dirigidas às entidades e seus dirigentes, independentemente da forma
jurídica que adotarem.
Para concluir, ainda, o artigo 4º, par. 2º. da Lei n. 9.615/98 considera a
organização desportiva do País como parte do patrimônio cultural brasileiro e
enquadra sua defesa dentre as funções institucionais do Ministério Público da União
(artigo 5º, I e III da Lei Complementar n. 75/93). Com isso, abre -se caminho para o
reconhecimento de legitimidade para o Ministério Público em ações judiciais que
objetivem o cumprimento das imposiçõe s legais pelas entidades desportivas e seus
dirigentes.
Averigua-se que a função do clube-empresa é cumprida pela estrita
regulação que a legislação impinge às entidades de prática desportiva, mesmo que
não se constituam em sociedades empresárias. A associ ação desportiva está sujeita a
um regime que a aproxima, do ponto de vista prático, de uma sociedade empresária
e, por vezes, com vigor imposto a apenas alguns tipos societários, como a
obrigatoriedade de auditar e publicar resultados financeiros periodica mente. A
conversão em sociedade empresária não muda esta situação.
Portanto, também do ponto de vista da eficácia social, constata -se que as
associações desportivas que exploram o futebol profissional carregam tantas
obrigações quanto as que carregariam c omo sociedades empresárias. E o fazem de
modo cada vez mais eficiente, como comprovam as alterações dos estádios, a
redução da violência e aprimoramento da relação com o torcedor.
123
CONCLUSÃOA legislação desportiva brasileira focaliza -se na modalidade de futebol
para estabelecer o regime jurídico do clube -empresa e impor a estruturação dos
clubes esportivos em sociedades empresárias. A classificação desportiva pela
modalidade não é a mais recomendada, pois o desporto é um fenômeno de muitas
faces comuns a todas as modalidades ou indiferentes a cada uma delas. A despeito
da contradição, a legislação brasileira que trata do desporto estabelece classificação,
adotada pelo presente trabalho, que considera o lazer, o desporto de educação, o
desporto de participação e o desporto de rendimento; este último subdividido em
desporto profissional e não-profissional.
O desporto profissional, por força da conceituação legal, é aquele
praticado por atleta com contrato formal de trabalho firmado com uma entidade de
prática desportiva (clube). Novamente, a legislação olvida aspectos relevantes,
124
inclusive relacionados ao próprio conceito de profissionalidade, que envolve
elementos diversos do, e antecedentes ao contrato de trabalho. De todo modo, todo o
regime aplicado ao clube-empresa se origina do reconhecimento do atleta
profissional, conceito que se expande para a competição profissional, o clube
profissional, a liga profissional e assim sucessivamente.
O regime normativo do clube-empresa guarda especial preocup ação com
o desporto profissional, afastando a aplicação dos princípios de autonomia
desportiva e liberdade de associação, ao fundamento de que ao Estado incumbe
regular, em prol do interesse público, especificamente o desporto que explora o
espetáculo e firma contratos de altas cifras financeiras. Entretanto, o compromisso
hermêutico exige que o intérprete compatibilize normas constitucionais, que se
encontram no mesmo patamar hierárquico. A compatibilização de valores se dá
considerando que o esporte está inserido como direito fundamental social
instrumentalizado em norma constitucional de eficácia limitada de princípio
programático, capaz de orientar a compreensão do fenômeno constitucional. Assim,
independentemente de se tratar de associações ou sociedade s empresárias, é possível
que se encontre - por intermédio da cedência recíproca de valores – o convívio
harmonioso entre liberdade de associação, autonomia desportiva (ligadas à
organização para aplicação das regras das modalidades desportivas) e interve nção
estatal (ligada à noção de que esporte é direito fundamental constitucionalmente
protegido e que o Estado tem prerrogativa para delimitar ações, mesmo em nível
privado).
De outro lado, apesar de claramente inspirado em modelos europeus, o
regime de clube-empresa implantado no Brasil é sui generis, pois o sistema
desportivo brasileiro é diferente dos sistemas em que as federações são meros
prolongamentos do corpo estatal. Na Itália, França, Portugal e Espanha, o esporte é
serviço público e as federações atuam como delegatárias deste serviço, mediante
observação de regras impostas pelo Estado, no exercício deste serviço público.
125
Neste sentido, o Brasil se aproxima mais da Alemanha, em que as federações
independem da autorização estatal, com a ressalva de que no sistema constitucional
alemão o esporte não está contemplado como um direito fundamental. Por isso, a
Alemanha não admite a mesma solução de constitucionalidade identificada no
Brasil, ainda que – naquele país – a conversão dos clubes-empresa venha ocorrendo
como uma iniciativa autoregulatória das próprias ligas profissionais.
No âmbito infraconstitucional, a legislação brasileira traveste uma
obrigatoriedade em faculdade. Aponta que as associações desportivas que exploram
a atividade profissional têm a opção de adotar uma das tipologias de sociedade
empresária previstas no Código Civil, mas impõe a penalidade do regime da
sociedade em comum para aquelas que não exerçam a facultatividade escamoteada.
Tudo isso sem um rigor muito claro entre o que cons idera sociedade em comum,
sociedade irregular ou sociedade de fato, para estipular uma responsabilidade
solidária e ilimitada (salvo benefício de ordem) que – pelo que se pode constatar
pela ausência de ressalvas – atingiria todos os associados das entidad es de prática
não transformadas em sociedades empresárias.
A investigação acerca da origem associativa e da evolução do futebol e
dos clubes da modalidade, no Brasil e no exterior, além da análise detalhada dos atos
constitutivos dos clubes de futebol bras ileiro, demonstram que estas entidades
realmente buscam o desporto de espetáculo e estão inseridas em um ambiente
contratual que compõe o substrato do desporto profissional. Contudo, isso não as
torna entidades destinadas a produzir bens e serviços com a f inalidade de distribuir
lucros ao final do exercício. A finalidade de um clube esportivo é a finalidade do
esporte: vencer; alcançar resultados desportivos positivos. Para tanto, estes clubes
formam estruturas que precisam ser alimentadas financeiramente, mas isso é o meio
para atingir o verdadeiro resultado desportivo, isto é, são meios de aquisição de
receita.
126
Assim como um clube não contrata para alcançar lucro e dividí -lo ao
final do exercício financeiro, um indivíduo que se vincula a um clube – em regra – o
faz pela afinidade e pela força cativante do esporte. Isso não o torna um sócio
pretendente a repartir resultados financeiros com as demais pessoas que compõem o
quadro associativo. O legislador esqueceu, ao estabelecer o cenário normativo do
clube-empresa, de compatibilizar a norma à sua pretendida efetividade.
E o que se constata, então, é a verdadeira incompatibilidade entre o
tratamento legislativo atribuído ao clube -empresa e o próprio sistema legal
vinculado às atividades empresariais e às socie dades empresárias. Com isso, geram -
se situações intermediárias capazes de prejudicar a própria segurança jurídica dos
clubes, diante da criação de sociedades empresárias cessionárias do patrimônio doas
associações, que ficam relegadas a receber uma pequena participação societária e
pouca – senão, nenhuma – gestão administrativa.
Ainda, em complemento às perspectivas da efetividade, vale ressaltar a
regulação apertada imposta para todas as entidades de prática desportiva e seus
respectivos dirigentes, no que diz respeito à responsabilização pessoal por
obrigações da pessoa jurídica. Todo este modelo já impõe aos clubes e seus
dirigentes, independente de estarem constituídos em associações ou sociedades
empresárias, um nível de responsabilização tão abrangente e profundo que supera
em rigor até mesmo alguns tipos empresariais previstos pelo Código Civil e
legislação especial.
O desporto profissional reclama um tratamento jurídico diferenciado, seja
por sua natureza, seja pela imposição constitucional. Este trat amento diferenciado
encontra respaldo constitucional, mas deve estar comprometido com sua efetividade
normativa e social, o que não ocorre atualmente. E, por não encontrar
compatibilidade com o sistema civil vigente, a imposição travestida de faculdade
prevista pela legislação desportiva atual não deve ser aplicada. O mesmo se diga, de
conseqüência, acerca da sanção de aplicação do regime da sociedade em comum.
127
Em síntese, portanto, o desporto – em especial a prática profissional –
reclama um tratamento diferenciado que compatibilize a situação especial dos
clubes, sua finalidade que não se confunde com os meios de aquisição de receitas. A
legislação deve se preocupar em estabelecer um ambiente de segurança jurídica – e
não de terror – para todos os envolvidos na atividade desportiva profissional,
reconhecendo que as associações capazes de gerar altas receitas e grandes despesas
não se confundem, somente por isso, com sociedades empresárias.
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