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FAE CENTRO UNIVERSITÁRIO MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM ORGANIZAÇÕES E DESENVOLVIMENTO - PMOD POLITICA PÚBLICA PARA O CONSUMO CONSCIENTE: CONTRIBUIÇÕES DO COMÉRCIO JUSTO GRACE CHIARA SCHMIDT CURITIBA 2011

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FAE CENTRO UNIVERSITÁRIO

MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM ORGANIZAÇÕES E

DESENVOLVIMENTO - PMOD

POLITICA PÚBLICA PARA O CONSUMO CONSCIENTE: CONTRIBUIÇÕES

DO COMÉRCIO JUSTO

GRACE CHIARA SCHMIDT

CURITIBA

2011

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GRACE CHIARA SCHMIDT

POLÍTICA PÚBLICA PARA O CONSUMO CONSCIENTE: CONTRIBUIÇÕES

DO COMÉRCIO JUSTO

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Organizações e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado Acadêmico em Organizações e Desenvolvimento da FAE Centro Universitário. Orientador: Prof. José Edmilson de Souza Lima, Dr.

CURITIBA

2011

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Dedico este trabalho aos meus pais: Afonso Schmidt e Assunta Belinha Serraggio, grandes exemplos de garra e persistência na vida. Ao meu marido André Juliano Bornancim, companheiro e amigo de todas as horas.

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AGRADECIMENTOS

No decorrer destes últimos dois anos eu tenho muitas pessoas a quem

agradecer pessoas que desempenharam papéis importantes para que eu

viesse a concluir este trabalho.

Agradeço primeiramente a minha família que me deu apoio necessário para

iniciar e concluir mais esta etapa da minha formação acadêmica.

Aos meus amigos e colegas que foram incansáveis e pacientes respeitando as

ausências e dividindo comigo as alegrias e frustrações decorrentes desta

escolha.

E por fim, ao meu orientador José Edmilson que me direcionou neste trabalho

com maestria e sensibilidade e a todos os demais professores, que

compartilharam comigo seus conhecimentos e reflexões.

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EPÍGRAFE

EU ETIQUETA

[...]

Estou, estou na moda. É duro andar na moda, ainda que a moda

Seja negar minha identidade, Trocá-lo por mil, açambarcando Todas as marcas registradas,

Todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser

Eu que antes era e me sabia Tão diverso de outros, tão mim mesmo,

Ser pensante sentinte e solitário Com outros seres diversos e conscientes

De sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio

Ora vulgar ora bizarro. Em língua nacional ou em qualquer língua

(Qualquer, principalmente.) Global no corpo que desiste

[...] Onde terei jogado fora

meu gosto e capacidade de escolher, Minhas idiossincrasias tão pessoais,

Tão minhas que no rosto se espelhavam E cada gesto, cada olhar,

Cada vinco da roupa Sou gravado de forma universal, Saio da estamparia, não de casa, Da vitrine me tiram, recolocam,

Objeto pulsante mas objeto Que se oferece como signo de outros

Objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso De ser não eu, mas artigo industrial,

Peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem.

Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente.

Carlos Drummond de Andrade

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RESUMO

Verifica-se atualmente as grandes transições pelas quais os sistemas de

negociações mundiais estão passando. A situação econômica dos países

encontra-se significativamente interligada. As grandes corporações marcam

presença em diversos países, nas mais diversas nacionalidades, Neste

contexto o consumo passa a ser a força motriz que alimenta a sociedade

contemporânea apresentando incontáveis prejuízos sociais, econômicos e

ambientais. Em contraste a esta situação busca-se alternativas que

possibilitem o ressurgimento dos valores éticos, socialmente positivos, e

humanistas. Dentre essas alternativas podemos ressaltar o comércio justo,

fundamentado em uma ótica que pretende se afastar do objetivo “lucro” como

meta única, uma vez que defende a criação de redes sustentáveis e o

fortalecimento dos ideais de proteção do homem e do meio ambiente. Contudo,

para que esta nova proposta se consolide a necessidade de uma educação o

para o consumo se faz eminente assim como a proposição de políticas

publicas socioambientais que visem distribuir oportunidades idênticas para

todos.

PALAVRAS-CHAVE: consumo, sustentabilidade, politicas públicas, comércio justo

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ABSTRACT

Enormous transitions has been affecting and establishing new empirical order

to understand international trade and negotiations. The economic situation of

countries is significantly interconnected. Large corporations are present in

several countries in several nationalities. In this context consumption becomes

the driving force that fuels modern society untold damage presenting social,

economic and environmental Among these newer models fair trade can be

emphasized, based on a viewpoint that deviate from the objective "profit" as a

single goal, since it advocates the creation of sustainable networks and

strengthening the ideals of protection of man and the environment. However, for

this new proposal to consolidate the need for an education for the consumer

becomes imminent as well as social and environmental public policy proposals

that aim to distribute equal opportunities for all.

KEYWORDS: consumption, sustainability, public policies, fair trade

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 01 – Megacidade: 2003 - 2015........................................................ 38

QUADRO 02 – Gastos anuais em dólares - 1998............................................. 62

QUADRO 03 –

Evolução do número de organizações de produtores certificados 2005/2009..............................................................

77

QUADRO 04 –

Valor estimado de venda por produto......................................

78

QUADRO 05 –

Valor estimado de venda por país 2008/2009..........................

79

QUADRO 06 –

Retorno financeiro dos Worldshops na Europa (in 000 EUR). 83

QUADRO 07 –

Retorno financeiro dos membros da EFTA (in 000 EUR)........ 85

QUADRO 08 –

Valor mensal dos produtos da EES.......................................... 95

QUADRO 09 –

Organizações Brasileiras registradas na FLO…….................

98

QUADRO 10 –

Organizações Brasileiras registradas na IFAT.........................

98

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTRAÇÃO 01

Consumo de recursos em diferentes sociedades (em kg por dia)..............................................................................

26

ILUSTRAÇÃO 02

Consumo de recursos naturais por pessoa (em kg por dia)....................................................................................

31

ILUSTRAÇÃO 03

Percentual da População Urbana em áreas em 2007, 2025 e 2050......................................................................

47

ILUSTRAÇÃO 04

Pegada Ecológica de Importações e Exportações da UE 27 e 20 maiores parceiros.................................................

50

ILUSTRAÇÃO 05

Pegada Ecológica de Importações e Exportações da China e 20 maiores parceiros comerciais.........................

51

ILUSTRAÇÃO 06

Países ecologicamente credores e devedores, 1961 - 2005..................................................................................

53

ILUSTRAÇÃO 07 Níveis de distribuição da riqueza no ano 2000................

58

ILUSTRAÇÃO 08 Rendimento mundial.........................................................

59

ILUSTRAÇÃO 09 EES por município – Brasil..............................................

94

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LISTA DE GRÁFICO

GRÁFICO 01

Exportações Mundiais.............................................................

43

GRÁFICO 02

População Urbana e Rural no mundo, 1950 – 2050...............

46

GRÁFICO 03

Dificuldades dos EES no Brasil e em suas regiões................

96

GRÁFICO 04

Reconhecimento da marca Comércio Justo............................

100

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ATO Alternative Trade Organisations

AFTA Fórum Asiático de Comércio Justo

CEPCO Coordenadora Estatal de Produtores de Café de Oaxaca

CES Comércio Justo e Solidário

COFTA Coopération for Fair Trade in África

COMJUR Comissão Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego

CLAC Coordenadora Latino-Americana e Caribenha dos

Pequenos Produtores

DAWS Dutch Association of World Shops

ECOTA Fórum de Comércio Justo, em Bangladesh

EES Empreendimetos Econômicos e Solidários

EFTA European Fair Trade Association

FACES do Brasil Fórum de Articulação do Comércio Ético e Solidário do

Brasil

FAO Food and Agriculture Organization

FBES Fórum Brasileiro de Economia Solidária

FLO Fairtrade Labelling Organizations International

FTF Fair Trade Federation

FTO Faitrade Organizations

FINE (FLO, IFAT, NEWS e EFTA)

FSM Fórum Social Mundial

FTAO Fair Trade Advocacy Office

GEM Global Entrepreneurship monitor

GT- Brasileiro Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária

IFAT International Fair Trade Association

IFATLA International Fair Trade Association Latinoamerica

ISO International Organization Standardization

ITC International Trade Centre

KEFAT Federação do Quênia para o Comércio Alternativo

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MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MTE. Ministério do Trabalho e Emprego

NAATO North American Alternative Trade Organization

NEF New Economics Foundation

NEWS! Network of European World Shops

ONG Organizações não-governamentais

ONU Organização das Nações Unidas

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

RBSES Rede Brasileira de Sócio Economia Solidária

SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária

SIES Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária

SNCJS Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário

UCIRI Unión de comunidades indígenas de la región del Istmo

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural

Organization

UNFPA United Nations Population Fund

UN-HABITAT United Nations Human Settlements Programme

WFTO World Fair Trade Organization

WWF World Wildlife Foundation

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO....................................................................................... 16 1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO......................................................................... 16 1.2. ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA...................................................... 17 1.3. OBJETIVOS........................................................................................... 20 1.3.1. Objetivos gerais..................................................................................... 20 1.3.2. Objetivos específicos............................................................................. 20 1.4. IMPORTÂNCIA E CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO............................... 21 1.5. METODOLOGIA ................................................................................... 21 1.6. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO............................................................. 22 2. CONSUMO........................................................................................... 24 2.1. DOS CAÇADORES COLETORES À SOCIEDADE INDUSTRIAL...... 24 2.2. DA SOCIEDADE INDUSTRIAL À SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 27 2.3. DA SOCIEDADE CONTEMPORANEA À SOCIEDADE DE

CONSUMO........................................................................................... 30

2.4. CONSUMO E ECONOMIA................................................................... 36 2.5. CONSUMO E MEIO AMBIENTE ......................................................... 45 2.6. CONSUMO E SOCIEDADE ................................................................. 54 2.7. A NECESSIDADE DE UMA NOVA ALTERNATIVA............................. 63 3. O COMÉRCIO JUSTO.......................................................................... 69 3.1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO COMÉRCIO JUSTO NO MUNDO........... 69 3.2. OS PRINCIPAIS ATORES DO COMÉRCIO JUSTO NA EUROPA..... 75 3.2.1. FINE....................................................................................................... 75 3.2.2. FLO........................................................................................................ 76 3.2.3. IFAT....................................................................................................... 80 3.2.4. NEWS!................................................................................................... 81 3.2.5. EFTA...................................................................................................... 84 3.3. AS DIRETRIZES PARA UM COMÉRCIO JUSTO................................. 86 3.4. COMÉRCIO JUSTO NO BRASIL.......................................................... 88 3.4.1. O histórico da economia solidária.......................................................... 88 3.4.2. O histórico do comércio justo no

Brasil.................................................. 90

3.4.3. Os números do mercado interno do comércio justo.............................. 93 3.4.4. A participação do Brasil no mercado externo do comércio justo 97 3.4.5. As diretrizes para um comércio justo nacional...................................... 99 4. REFLEXOS DO COMÉRCIO JUSTO................................................... 101 4.1. IMPACTO SOCIAL................................................................................ 101 4.2. IMPACTO ECONÔMICO....................................................................... 103 4.2.1. Visão e reconhecimento do consumidor ............................................... 103 4.2.2. Visão do mercado.................................................................................. 107 4.2.3. Mudanças na estratégia empresarial..................................................... 109 4.3.4. IMPACTO AMBIENTAL......................................................................... 112 4.4. COMERCIO JUSTO: CRITICAS E DESAFIOS .................................... 113 5. UM MOVIMENTO EM BUSCA DE CONSOLIDAÇÃO......................... 116 5.1. GÊNESE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNDO LIGADAS AO

COMÉRCIO JUSTO.............................................................................. 116

5.2. UMA POLÍTICA PÚBLICA BRASILEIRA? ........................................... 118

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5.3. A NECESSIDADE DE UMA EDUCAÇÃO PARA O CONSUMO......... 120 6. CONCLUSÃO....................................................................................... 123 6.1. SÍNTESE DAS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS ................................... 123 6.2. CONCLUSÕES EM RELAÇÃO AOS OBJETIVOS DE ESTUDO

PROPOSTOS........................................................................................ 124

6.3. PROPOSIÇÕES PARA PESQUISAS E TRABALHOS FUTUROS...... 125 REFERÊNCIAS..................................................................................... 127 ANEXO.................................................................................................. 137

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1. INTRODUÇÃO

“A descrição não substitui o descrito”.

Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano

1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO

Mais do que uma crise civilizatória, o mundo passa por um processo de

mundialização que pode levar a humanidade tanto para a construção de um

desenvolvimento mais ético e inclusivo quanto ao colapso, ao caos.

Olhando para o processo histórico recente, verificamos que passamos de um

sistema de base tribal para outro, de nível global, em que os meios de produção

voltaram-se a um objetivo fixo e determinante: a obtenção do lucro. Nas décadas de

1940, 50 e 60, por força de alguns fatores, tais como o fato de se tratar de um

período pós-guerra, da necessidade de reconstrução dos países envolvidos e do

advento da modernização dos processos produtivos, definiu-se o modelo das

sociedades modernas de acordo com a sua respectiva capacidade de produzir,

consumir e obter lucro. Quanto mais economicamente mensuráveis tais fatores, mais

moderno se poderia considerar aquele grupo social.

Os avanços das ciências e das tecnologias trouxeram à humanidade uma

quantidade de informações sem precedentes. Esse fluxo de informações possibilitou

que comunidades espalhadas pelo mundo pudessem compartilhar suas vidas, suas

experiências, suas dificuldades com outras, que se distanciaram e se distanciam

cada dia mais das suas próprias noções, de suas experiências e vivências. Em

decorrência do fenômeno que se convencionou chamar de globalização o comércio,

as transações financeiras e a circulação de riquezas, aumentou influenciando e

determinando o crescimento econômico e social da forma como o conhecemos,

promovendo o acúmulo de capital, porém de forma excludente e com impactos

ambientais irreparáveis.

Ao passo que despertou o interesse comercial, dada a fixação do objetivo de

aumentar a concentração econômica, também fez inflamar sentimentos

contraditórios em camadas significativas da cadeia produtiva, por conta do incômodo

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causado em alguns, como consequência do rumo econômico que tornava alguns

países e povos reféns de outros, o que viria a influenciar diretamente a forma como

nos comunicamos, pensamos e agimos.

1.2. ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA

Há mais de cinquenta anos, ano após ano, sofremos o aumento gradual do

número das transações comerciais e dos impactos da urbanização, do contingente

populacional e dos reflexos das mudanças climáticas, em uma transformação que se

pode dizer que é global, conquanto todos, de alguma forma, estamos sob a sua

influência. A busca incessante pelo lucro impulsiona as economias mundiais a

despolarizarem o consumo de recursos naturais, consequentemente produzindo um

processo de globalização dos déficits ecológicos (quando os países necessitam dos

recursos naturais de outras regiões do mundo para manter seu nível de consumo).

Curiosamente, embora os gráficos relativos aos valores que circulam

inclinem-se a demonstrar um inegável progresso, percebe-se que alguns dos

benefícios restringem-se a poucos protagonistas, não se verificando a mesma

extensão de glória na qualidade de vida do ser humano, instalado em qualquer dos

muitos países assolados pela fome e pela pobreza. Para essa primeira constatação,

basta a verificação de um dado simples, o de que, atualmente, 20% da população

mundial consomem 86% dos produtos e serviços produzidos no mundo.

(GUIMARÂES, 2006; FRANÇA, 2003). A constatação a seguir, feita por Morin e Kern

(1995, p. 35/36), é fantástica e ao mesmo tempo chocante, dada a dureza e

diretividade com que é externada, impulsionando o leitor à reflexão forçada a

respeito dos valores que guiam a sociedade de consumo contemporânea:

Assim o europeu desperta toda manhã ligando seu rádio japonês e recebendo através dele os acontecimentos do mundo: erupções vulcânicas, tremores de terra, golpes de Estado, conferências internacionais que lhe chegam enquanto toma seu chá do Ceilão, da Índia ou da China, a menos que seja um café moca da Etiópia ou um arábico da América Latina; ele mergulha num banho espumoso de óleos taitianos e utiliza um after-shave de fragrâncias exóticas; põe sua malha, sua meia-calça e sua camisa feitas de algodão do Egito ou da Índia; veste o casaco e calças de lã da Austrália,

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tratada em Manchester e depois em Roubaix-Tourcoing, ou então um blusão de couro vindo da China em estilo jeans americano.

(..)

O africano em sua favela não participa desse circuito planetário de conforto, mas está igualmente no circuito planetário. Em sua vida cotidiana sofre os reflexos do mercado mundial que afetam as cotações do cacau, do açúcar, das matérias-primas que seu país produz. Ele foi expulso de sua aldeia por processos mundializados provenientes do Ocidente, em particular os progressos da monocultura industrial; de camponês autossuficiente tornou-se um suburbano em busca de salário; suas necessidades são doravante traduzidas em termos monetários. Ele aspira ao bem-estar. Utiliza o prato de alumínio ou de plástico, bebe cerveja ou coca-cola. Dorme sobre folhas recuperadas de espuma poliestireno, e veste camisetas com inscrições à americana. Dança com músicas sincréticas, nas quais os ritmos de sua tradição entram numa orquestração vinda da América, veiculando a memória do que seus antepassados escravizados levaram para lá. Este africano, transformado em objeto do mercado mundial, tornou-se também sujeito de um Estado formado com base no modelo ocidental. Assim, para o melhor e para o pior, cada um de nós, rico ou pobre, traz em si, sem saber, o planeta inteiro. A mundialização é ao mesmo tempo evidente, subconsciente e onipresente.

Um dos fatores que dão consistência a essa discrepância, reside no fato de

que as grandes nações estão consumindo mais do que a capacidade regenerativa

do planeta. Criam mecanismos de proteção da agricultura e dos agricultores contra

os reflexos da volatilidade dos preços e das quebras de safras, ocasionadas

principalmente pela estiagem, pela chuva e pelo frio. E ao contrário do que o bom

senso poderia recomendar, o grupo de agricultores que mais necessitaria de

proteção contra o imprevisível, situados nas áreas mais castigadas pela fome, pelas

desigualdades e pelos fenômenos climáticos, depende da própria sorte a proteger

sua fonte de subsistência.

Quando olhamos objetivamente para esses fatos, verificamos que alguns

coadjuvantes encontram-se abandonados e desprotegidos. Os produtores, quando

insulados na sua simplicidade e ausência de reservas financeiras, perdem a

produção ou têm de vendê-la por preços inferiores ao de seu custo, ao passo que,

quando são os consumidores os surpreendidos pelo aumento dos preços, estes têm

de restringir sua dieta, dela eliminando recursos alimentares preciosos.

Embora não possam ser negados os benefícios decorrentes do crescimento

econômico, de alguma forma precisariam ser estabelecidos mecanismos de

proteção, numa tentativa de estabilizar as relações econômicas e promover

desenvolvimento de forma uniforme. Em uma época em que tanto se fala na criação

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de sistemas sustentáveis, que se mantenham no tempo sem destruir as unidades de

que depende, como se pode defender a manutenção desse mecanismo?

As transformações econômicas, ambientais e sociais ocorridas nas últimas

décadas evidenciam que os pensamentos do passado já não podem mais

permanecer regulamentando o presente. Substituíram-se alguns paradigmas,

exigindo uma condizente mudança do pensamento humano. Ao pinçarmos dentre as

mais recentes reflexões do ser humano, verificaremos que a humanidade começou

de uma forma geral a constatar que os objetivos da atividade produtiva devem

manter o foco sobre o enobrecimento do ser humano, a erradicação da pobreza, a

criação de relações duradouras, fortalecidas por valores humanistas, de cooperação

e solidariedade.

Desse inconformismo acabaram surgindo ideias e ideais que vêm dando

nascente a algumas alternativas de desenvolvimento, as quais vêm imprimindo um

curso interessante ao desenvolvimento global. Dentre tais alternativas de

desenvolvimento, uma delas merecerá destaque nesta dissertação: o Comércio

Justo. O Comércio Justo tem sua origem nos países do Hemisfério Norte entre as

décadas de 50 e 70 do século XX, decorrente da insatisfação promovida pelo

capitalismo e suas consequências desastrosas no âmbito social, econômico e

ambiental. Surgiu nos Estados Unidos, alastrando-se e ganhando força na Europa,

como uma alternativa de comércio motivado a diminuir a disparidade econômica e

social nas relações de troca entre os países desenvolvidos, em desenvolvimento e

subdesenvolvimento, exigindo para isso que todos os produtos advindos dessa

corrente comercial trouxessem a informação a respeito de suas origens: quem é o

produtor, como ele vive e quais são as condições em que o produto é desenvolvido

(IFAT, 2009).

A ideia por trás de tal movimento foi a de trazer à consciência do consumidor a

percepção do impacto que o ato de consumo pode exercer sob as condições de vida

e do meio ambiente das populações localizadas em países em desenvolvimento

O código de conduta da IFAT (Internacional Fair Trade Association) surge

como norteador desta prática, fixando como princípio o compromisso com o

comércio justo, transparência, fins éticos, condições de trabalho, oportunidades de

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empregos com igualdade, preocupação com as pessoas, preocupação com o meio

ambiente, delineando, assim, fronteiras interessantes para o comércio mundial.

A partir das considerações já feitas, todo o esforço de pesquisa aqui

empreendido delineou-se com o intuito de responder a seguinte indagação: Até que

ponto as contribuições do Comércio Justo nas esferas econômico, social e ambiental

podem influenciar a construção de uma política pública socioambiental?

1.3. OBJETIVOS

1.3.1. Objetivo geral

Na busca de respostas a indagação acima apresentada formulou-se o

seguinte objetivo geral, norteador do trabalho de pesquisa: identificar as

contribuições do Comércio Justo numa sociedade de consumo.

1.3.2. Objetivos Específicos

Para obtenção da resposta ao objetivo geral formulado, foram sistematizados

os seguintes objetivos específicos:

a) Descrever o contexto histórico que impulsionou o surgimento da sociedade

de consumo.

b) Descrever os impactos do “modelo” de sociedade de consumo na

economia, na sociedade e no meio ambiente.

c) Descrever a necessidade de uma nova alternativa de consumo e

consciência.

d) Descrever o surgimento do Comércio Justo no mundo e no Brasil como

alternativa às demandas de um sistema global.

e) Descrever as contribuições do Comércio Justo na economia, na sociedade

e no meio ambiente.

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f) Descrever a gênese das políticas públicas socioambientais ligadas ao

Comércio Justo e a necessidade de uma educação para o consumo

1.4. IMPORTÂNCIA E CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO

Pretende-se, através desta pesquisa, contribuir para o avanço do

conhecimento técnico e científico do Comércio Justo e, por via de consequência,

para o desenvolvimento sustentável em uma sociedade de consumo. A importância

da pesquisa está no levantamento de dados do diálogo que se estabelece entre os

diversos atores dessa alternativa de desenvolvimento, seguindo a trilha que avança

pela avaliação de suas ações e conquistas.

Tenta-se, ainda, descrever exemplos de sucesso, argumentos usados na

apologia do Comércio Justo, bem como por aqueles que advogam em seu

detrimento, o que será feito por meio da descrição e estudo dos principais motivos

que ainda impedem a produção de todos os efeitos previstos pelos responsáveis

pela sua gestação e implementação.

Uma vez que os conceitos do consumo responsável e do Comércio Justo

convergem na direção da justiça social e da sustentabilidade socioambiental,

proporcionar a reflexão sobre as opões de consumo e sobre o poder político

existente em cada ato de escolha, torna-se essencial, no estímulo de atitudes

responsáveis e comprometidas com o mundo, com o planeta e com as gerações

futuras, procurando fincar algumas balizas para o desenvolvimento de políticas

públicas eficientes.

1.5. METODOLOGIA

Esta dissertação foi realizada por meio de uma pesquisa bibliográfica e

exploratória, que tomou por base dados secundários constantes nos relatórios,

disponibilizado na internet e em literatura específica, ambos predominantemente

internacionais. Foram consultadas pessoas chaves diretamente, por e-mail e por

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telefone das principais entidades envolvidas no setor de Comércio Justo no Brasil,

tanto para indicar bibliografias e fontes de informação, quanto para o esclarecimento

de eventuais dúvidas que não puderam ser sanadas durante a leitura e análise

documental.

1.6. ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO

Esta dissertação foi organizada da seguinte forma:

No primeiro capítulo apresentamos a introdução, especificação do problema,

objetivo geral e os objetivos específicos; definimos as perguntas de pesquisa,

descrevemos a metodologia e justificamos a relevância da pesquisa.

No segundo capítulo descrevemos o contexto histórico que impulsionou o

surgimento da sociedade de consumo desde o homem caçador-coletor.

Posteriormente, a forma como a sociedade de consumo influenciou os meios

econômicos, o meio ambiente, ressaltando as questões nascentes e futuras ligadas

à urbanização, ao surgimento das megacidades, ao aumento populacional e à

insustentabilidade das práticas, quanto à utilização dos recursos naturais do planeta.

Assim como, as consequências dessa opção para o ser humano ressaltando o

acirramento das desigualdades, o aumento da fome. Por fim, trazemos à tentativa de

delinear uma alternativa adequada, dada a preocupação despertada pelas

constatações feitas até ali, realizando um resgate das reflexões que estiveram na

base dos movimentos comerciais e sociais que deram origem ao surgimento e ao

crescimento do Comércio Justo, no mundo e no Brasil, suas diretrizes e conexões

com um desenvolvimento mais ético e justo.

No terceiro capítulo, analisamos o desenvolvimento do Comércio Justo no

mercado nacional e internacional, assim como os benefícios da atuação dos entes

“justos” no cenário que busca promover a igualdade econômico-social, com base nas

diretrizes estabelecidas pelo movimento. Acompanhamos os passos dados pelos

movimentos econômico-sociais que culminaram no Comércio Justo e Solidário, suas

dificuldades e perspectivas para o futuro.

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No quarto capítulo, enumeramos os benefícios sociais efetivos alcançados

pelos grupos e movimentos que se vêm orientando pelos princípios do Comércio

Justo, no mundo, e do Comércio Justo e Solidário, no Brasil, ressaltando as

alternativas e progressos atingidos nas esferas social, econômica e ambiental, que

inicialmente afirmamos terem sido as principais dentre aquelas afetadas pelos

efeitos da adoção do modelo econômico pautado no consumo.

No quinto capítulo é feita uma análise das propostas políticas nacionais e

estrangeiras relativas ao tema, para que se tenha noção da abrangência do

pensamento no campo das políticas públicas, abordando também a necessidade de

uma educação para o consumo.

Finalmente, ao tratarmos sobre as considerações finais no sexto capítulo

promovemos uma reflexão que permite que a humanidade assuma os efeitos

sistêmicos do nosso viver de forma a contribuir para um desenvolvimento, capaz de

atender interesses econômicos, sociais e ambientais.

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2. O CONSUMO

“A história dos seres vivos em geral e dos seres humanos em particular tem seguido e segue um curso definido em cada instante pelos desejos, pelas preferências,

pelas ganas, pelas emoções em geral”. Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano

2.1. DOS CAÇADORES COLETORES À SOCIEDADE INDUSTRIAL

O fenômeno do consumo tem suas raízes tão antigas quanto às dos seres

vivos. Historicamente o consumo de recursos naturais serviu de base para a

construção social e econômica da humanidade. Contudo, com o passar dos anos e

com o início da Era Moderna o nível de consumo das reservas naturais aumentou

significativamente. (SERI; GLOBAL 2000; FRIENDS OF THE EARTH EUROPE,

2009). Diamond, no livro “Armas, Germes e Aço“ (2009), conta que há cerca de 7

milhões de anos nossos ancestrais se alimentavam exclusivamente da coleta de

plantas silvestres e da caça de algumas espécies animais.

Essa realidade começou a se modificar tão somente nos últimos 11 mil anos,

por meio da iniciativa de alguns povos que se dedicaram ao cultivo de plantas e à

domesticação de determinados animais. E tal transformação social ocorreu de forma

gradativa e difusa, uma vez que aspectos subjetivos como preferências culturais,

aplicação de tempo e esforço, estilos de vida e prestígio foram elementos que

influenciaram as decisões isoladas de como os povos deveriam obter seus

suprimentos. (DIAMOND, 2009).

Diferentes povos em distintos momentos da história iniciaram a produção de

alimentos; todavia, nem todos os caçadores-coletores se transformaram em

agricultores, tendo em vista que somente em algumas regiões do planeta essa

atividade foi satisfatória, em virtude das condições climáticas e geográficas

apresentadas em cada continente. (DIAMOND, 2009).

Estima-se que o consumo de recursos naturais por parte dos caçadores-

coletores e dos primeiros produtores de alimentos, era relativamente baixo (em

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média 3 kg/dia), uma vez que grande parte dos recursos naturais era utilizada

puramente para sobrevivência e subsistência. (SERI, GLOBAL 2000, FRIENDS OF

THE EARTH EUROPE, 2009). À medida que a disponibilidade de alimentos não

cultivados começou a diminuir e algumas espécies de animais selvagens

desaparecem, criou-se a necessidade de desenvolver novas técnicas de produção,

coleta, processamento e armazenamento de alimentos para a preservação e

manutenção das sociedades. (DIAMOND, 2009).

Essas facilidades incentivaram o homem a aumentar suas famílias e a

permanecer junto de seus campos e pomares, selecionando e cultivando

determinadas espécies de plantas e domesticando grandes mamíferos, promovendo

consequentemente um aumento para 11 kg na quantidade de recursos naturais

utilizados ao dia por indivíduo. (DIAMOND, 2009; SERI; GLOBAL 2000; FRIENDS

OF THE EARTH EUROPE, 2009). Para explicar essa mudança na estrutura social,

Diamond (2009) descreve:

Os excedentes de alimentos resultantes e (em algumas áreas) o transporte por animais desses excedentes eram um pré-requisito para o desenvolvimento das sociedades sedentárias, politicamente centralizadas, socialmente estratificadas, economicamente complexas e tecnologicamente inovadoras.

Entretanto, pouco a pouco a antiga conformação da sociedade sedentária vai

cedendo espaço para o surgimento de outros cenários, principalmente dada à

substituição da energia animal pela mecânica. Os engenhos, as máquinas, as

ferrovias, as indústrias e os meios de comunicação vão alterando o estado

relativamente estável dos séculos predecessores. (BADUE, 2005). Pensadores e

filósofos como Hobbes, Locke e Rousseau surgem com contribuições relevantes

para a organização social, ensejando novas formas de ser, pensar e agir em

sociedade. Suas ideias se transformam em bálsamo para as grandes

transformações políticas, sociais, econômicas, ambientais e culturais do porvir.

(BADUE, 2005).

Nesse período de transição entre a Idade Média e a Era Moderna, a grande

Revolução Industrial e Francesa avançaram, trazendo consigo um misto de

esperanças e incertezas. Um novo potencial industrial se origina a partir da

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automação e da produção em série. A economia de mercado se fortalece em função

da inserção do capitalismo como sistema econômico vigente, resultando no acúmulo

de capital e da divisão da sociedade em classes: capitalistas e proletários. (BADUE,

2005).

Por meio da expansão das cidades e da construção de grandes indústrias

ocorre a mais importante transformação, em termos de utilização de recursos

naturais fósseis em grande escala. Tais recursos naturais, como carvão, óleo e

posteriormente gás, disponíveis abundantemente na natureza há milhares de anos,

criaram uma reserva adicional de energia para as sociedades industriais.

O resultado dessa pujança foi um aumento considerável do consumo, em que

cada pessoa passou a utilizar em média mais de 8 toneladas de recursos naturais

por ano, ou seja 22 kg/dia. Contudo, se considerarmos nesta conta a extração de

recursos não utilizados (overburden), chegaríamos à conclusão que cada habitante

no planeta consome aproximadamente 44 kg por dia, ou seja, 75 % a mais que os 11

kg consumidos em média pelos indivíduos na sociedade agrícola (SERI; GLOBAL

2000; FRIENDS OF THE EARTH EUROPE, 2009), conforme podemos verificar na

ilustração 01:

Ilustração 01: Consumo de recursos em diferentes sociedades (em kg por dia) Fonte: SERI, GLOBAL 2000, FRIENDS OF THE EARTH EUROPE - OVERCONSUMPTION - Our use of the world’s natural resources, 2009

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2.2. DA SOCIEDADE INDUSTRIAL À SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Esse período de transição não foi de forma alguma simples para as

sociedades industriais. Após duas décadas de guerras, escassez e fome (1920-30),

ressurge o capitalismo, outrora sufocado pela Rússia comunista, como alento para o

mundo ocidental. Nos anos 40 e 50 do século XX, os refugiados de países

comunistas e demais imigrantes vindos de todos os lugares do mundo buscavam

oportunidades de trabalho nos países industrializados e desenvolvidos da Europa

capitalista, que juntamente com os EUA, encontravam-se motivados a reconstruir

seus países e fomentar suas economias após a Segunda Guerra Mundial,

precisando de toda a força de trabalho disponível. (SCOTTO, 2007; MORIN e KERN,

1995).

A busca pelo desenvolvimento tornou-se caminho inevitável para as

sociedades essencialmente agrícolas, que padeciam de problemas de ordem

econômica e social e que vislumbravam um futuro promissor nas promessas

oriundas da Europa e dos Estados Unidos. (SCOTTO, 2007; MORIN e KERN, 1995;

ANDRADE, 1975). A revolução industrial, conduzida pelo aumento da produtividade

e a aceleração da acumulação, “teve lugar no seio de uma economia comercial em

rápida expansão, na qual a atividade de mais alta rentabilidade muito provavelmente

era o comércio exterior” (FURTADO, 1920, p. 77). Assim sendo, intencionalmente

passou-se a incentivar a crença de que “os padrões de consumo presentemente

usufruídos pela população dos países industrializados poderiam ser compartilhados

pelas massas das populações que vivem e rapidamente se expandem no terceiro

mundo, contanto que trabalhassem muito e se comportassem bem”. (FURTADO, in

ANDRADE, 1975, p. 67). Mas até esse momento o processo de evolução capitalista

desenvolvia-se dentro dos próprios países, por conta de suas próprias populações e

contando com os recursos basicamente oriundos de seu próprio território.

Entretanto, o processo de industrialização, bem como a ideia de progresso e

de crescimento ilimitado, ao invés de promover o desenvolvimento prometido,

contribuiu para o aumento da disparidade econômica e social entre os países do

Norte (países desenvolvidos) e do Sul (países em desenvolvimento). (SCOTTO,

2007; MORIN e KERN, 1995). Como o ramo industrial expandiu-se e essa expansão

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conduzia o caminho da riqueza a uma porção significativa da população, foi

necessária a criação de meios complementares à indústria, tais como o de

escoamento, de armazenamento, de comercialização e, principalmente, de incentivo

ao consumo. (SCOTTO, 2007; ANDRADE, 1975; MORIN e KERN, 1995).

Nesse ponto, em um momento dominado pelos gigantes financeiros mundiais,

foi iniciado um processo de estabelecimento das metas comerciais e dos objetivos a

longo prazo, visando à satisfação daqueles que em algum momento investiam nos

empreendimentos. O comprometimento com o futuro exigia das corporações

financeiras, e dos países e grupos que as subsidiavam, constantes investimentos,

que supostamente seriam garantidos pela produção futura, criando uma espiral

econômica que tendia ao desmoronamento. (SINGER, 2004; SANTOS, B., 2005). O

mecanismo tendia a funcionar da seguinte forma: havia os produtores, carentes de

recurso financeiro para o gerenciamento de suas atividades; em outro polo havia

pessoas com recursos financeiros e sem oportunidades para o investimento de suas

economias; entre eles, como intermediários, surgiram os grupos financeiros,

responsáveis pela escolha dos melhores investimentos e das garantias, visando à

diminuição dos riscos dos investidores e, claro, das próprias instituições financeiras.

Esse sistema, entretanto, a cada período encontrava empecilhos. Algumas

vezes determinadas carteiras de investimentos enfrentavam crises, em outras,

determinadas empresas eram vítima de má gestão, obrigando o mercado à busca

constante de novos investimentos. Mas mesmo os melhores negócios atingiam, cedo

ou tarde, um nível de saturação, de satisfação quanto ao consumo, que fazia com

que os produtos deixassem de ser desejados, limitando rapidamente o leque de

possibilidades. Podemos verificar na constatação de Schumpeter (1984, p.112-113),

quanto aos mecanismos impostos pelo sistema capitalista:

O capitalismo, então, é, pela própria natureza, uma forma ou método de mudança econômica, e não apenas nunca está, mas pode estar estacionário. E tal caráter evolutivo do processo capitalista não se deve meramente ao fato de a vida econômica acontecer num ambiente social que muda e, por sua mudança altera os dados da ação econômica; isso é importante e tais mudanças (guerra, revoluções e assim por diante) frequentemente condicionam a mudança industrial, mas não seus motores principais. Tampouco se deve esse caráter evolutivo a um aumento quase automático da população e do capital ou dos caprichos dos sistemas monetários, para os quais são verdadeiras exatamente as mesmas coisas.

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O impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista decorre de novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial da empresa capitalista.

O crescimento populacional e o aumento do padrão de vida das sociedades

produtoras, do mesmo modo, começou a fazer com que a indústria e as unidades

agrícolas não fossem capazes de dar conta das demandas sempre crescentes. Essa

metodologia passou a exigir que a produção no dia atual fosse sempre superior ao

do dia anterior, que as máquinas desenvolvidas hoje fossem mais produtivas que as

de ontem, que o trabalhador que ingressasse no mercado hoje fosse mais

capacitado, dedicado e instruído que o de ontem. (SINGER, 2004; SANTOS, B.,

2005).

À medida que altos índices de produtividade vinham a ser seguidamente

atingidos, os elementos envolvidos nessa corrida mantinham-se insatisfeitos, pois

não haveria meta alcançada que pudesse preenchê-los. E quanto mais as pessoas

trabalhavam, mais recebiam e mais acumulavam. E, como trabalhassem até seus

limites, passaram a ver no consumo uma compensação pelo esforço diário, a cada

momento em expansão. A produção contínua, guiada pela demanda de mercado,

deixa o homem produtor permanentemente à mercê do homem consumidor, uma vez

que o objeto perde a finalidade em si mesmo para torna-se algo maior. Se em

determinada época os bens eram produzidos para a satisfação das necessidades do

homem, agora o homem é estimulado a desenvolver necessidades e desejos para

sustentar a industrialização crescente. (BAUMAN, 2008).

Curioso é refletir na conclusão de que parece ser da natureza do homem lutar,

literalmente, para satisfazer suas necessidades, mesmo mediante a dura

constatação de que muitas dessas necessidades não são reais, mas criadas por ele

mesmo, nessa eterna busca de encontrar razões existenciais satisfatórias. De

acordo com Furtado (2002, p. 38), “os objetivos que motivam o progresso

tecnológico são com frequência contraditórios”, pois motivam a destruição ou a

conservação de acordo com os interesses que os originam. E, de fato, quando um

indivíduo inicia um processo de consumo, sua atitude pode, em outra ponta da

cadeia de produção, significar riqueza ou devastação, conforto ou exploração.

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Portanto, uma simples escolha ou ação traz consequências diretas ou indiretas,

positivas ou negativas para tudo e para todos os que estiverem envolvidos.

Interessante também é percebermos que quando o indivíduo inicia um ato

individual de consumo não é incentivado a levar em conta os elementos que

integram naturalmente essa cadeia. Não há estímulo para que repense a forma

como usa, como consome, como seus atos influenciam e podem influenciar o futuro

de outras pessoas.

Não parece que há, nesse modelo autômato, em que o ser humano é

incorporado como uma peça inconsciente, qualquer interesse de tornar o mecanismo

comercial ajustado a valores humanizados. E uma vez que os padrões estabelecidos

por esse modelo de desenvolvimento, predominantemente competitivo, estimulam a

marcha rumo ao progresso, favorecem a desvalorização, senão a completa rejeição

do passado, deslocando o homem de suas origens e de suas raízes existenciais.

Morin e Kern (1995, p. 66) dão uma ideia bem precisa desse cenário:

O crescimento econômico, desde o século XIX, foi não apenas motor mais também regulador da economia, fazendo aumentar simultaneamente a demanda e a oferta. Mas ao mesmo tempo destruíram irremediavelmente as civilizações rurais, as culturas tradicionais. Ele produziu melhorias consideráveis no nível de vida, ao mesmo tempo provocou perturbações no modo de vida.

2.3. DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA À SOCIEDADE DE CONSUMO

Como temos visto, através dessa abordagem de meio século do trajeto da

economia mundial, os valores e as vivências que determinavam os passos dos seres

no grupo social acabaram por perder importância. Tudo aparentemente planejado

para alienar o homem de sua realidade, tornando-o apenas uma peça bem

lubrificada da engrenagem do consumo. “O avanço da civilização atribui ao homem,

por meio do aprofundamento das técnicas e de sua difusão, uma capacidade cada

vez mais crescente de alterar os dados naturais quando possível, reduzir a

importância do seu impacto e, também, por meio da organização social, de modificar

a importância dos seus resultados”. (SANTOS, M., 2000, p. 43).

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O ser humano que consumia cerca de 44 kg/dia na sociedade industrial passa

a exigir mais da natureza, de acordo com a sua posição geográfica no globo. A

Europa, hoje, extrai cerca de 36 kg de recursos naturais por pessoa/dia (excluindo a

extração de recursos não utilizados) totalizando 43 kg por pessoa/dia em consumo.

A América do Norte, por sua vez, consome cerca de 90 kg pessoa/dia; enquanto que

na Oceania o consumo é ainda maior, cerca de 100 kg por pessoa/dia. Contudo o

mesmo não se dá nos países do Hemisfério Sul, onde o consumo de recursos é

quase igual à quantidade de recurso extraída, ou seja, de cerca de 14 kg por

pessoa/dia na Ásia, com exceção da África, que consome apenas 10 kg por

pessoa/dia, dois terços da extração/dia de recursos naturais (extração de 15 kg por

dia). Estas diferenças gritantes ocorrem porque as pessoas que vivem em países do

Norte possuem diferentes estilos de vida, ocasionando um impacto considerável na

utilização de recursos naturais do planeta. A ilustração 02, abaixo, descreve como se

dá essa distribuição. (SERI; GLOBAL 2000; FRIENDS OF THE EARTH EUROPE,

2009).

Ilustração 02: Consumo de recursos naturais por pessoa (em kg por dia) Fonte: SERI, GLOBAL 2000, FRIENDS OF THE EARTH EUROPE - OVERCONSUMPTION - Our use of the world’s natural resources, 2009

Tal modelo de desenvolvimento, priorizando esses elementos racionais e

monetariamente mensuráveis, obrigou o integrante humano a conceder menor valor

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àqueles outros elementos que outrora lhe conferiram identidade, permitindo que ele

pudesse reconhecer-se como um ser socialmente ativo e existencialmente

necessário. (MORIN e KERN, 1995). O ser humano, que outrora alimentou ideais

familiares, de progresso, de desenvolvimento, agora se vê como protagonista num

cenário produtivo sem precedentes, desatrelado de todo e qualquer valor que não

possa ser conectado com o ideal do lucro. Mencionam a respeito Morin e Kern

(1995, p. 67):

Os efeitos civilizacionais produzidos pela mercantilizarão de todas as coisas, justamente como previu Marx – depois da água, do mar e do sol, os órgãos do corpo humano, o sangue, o esperma, o óvulo e o tecido fetal tornaram-se mercadorias -, são a decadência da doação, do gratuito, do oferecimento, do serviço prestado, o quase desaparecimento do não monetário, que ocasiona a erosão de qualquer outro valor que não o atrativo do lucro, o interesse financeiro, a sede da riqueza.

Tudo que não procede da natureza, passa a ser inventado pelo homem. E

neste frenesi criador “o indivíduo pode reunir em torno de si uma miríade de objetos

sem ter em nada contribuído para a criação do mesmo” e, dando-se as coisas desse

modo, a acumulação preserva a condição privilegiada da civilização industrial,

reduzindo a condição humana a mero instrumento para que esta condição se

mantenha. (FURTADO, 2002, p. 60-61).

Segundo Portilho (2005, p. 90-91), quando “o trabalho é então separado do

seu propósito essencial de criar produtos que reflitam as necessidades do

trabalhador” e os consumidores passam a desconhecer a gênese das relações

envolvidas na produção da mercadoria, surge o consumo alienado. E segundo a

autora (PORTILHO, 2005, p.90-91):

Se o trabalho humano (atividade prática material pela qual a natureza é transformada) apresenta-se como uma atividade alienada, uma vez que o operário cria um objeto no qual não se reconhece, o não-operário, visto que não participa do processo produtivo, tem uma relação contemplativa e exterior com relação a produção. Assim nos alienamos de nós mesmos através do sistema de produção – como já foi denunciado há tempos – mas também através do sistema de consumo.

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Desta alienação, os benefícios do consumo passam a ser considerados como

um “milagre”, uma “dádiva da natureza” que é inventada e produzida por um

processo dissociado do “esforço histórico e social” da produção, por meio de uma

ruptura radical, na qual o “entendimento de que a mercadoria representa uma

dimensão não-essencial do ser humano é resumido no conceito de “fetichismo”

(PORTILHO, 2005, p.90). Além destas, estas questões surgem ainda outras que nos

despertam a necessidade de entender o funcionamento humano numa sociedade de

consumo, tais como: Porque consumimos? Quais os valores éticos, estéticos,

políticos, comportamentais que influenciam as nossas escolhas? Qual é visão sobre

a natureza que nos faz justificar o injustificável?

Enfim, o debate sobre o consumo e os motivos que impulsionam o consumo

são tão diversos e controversos quanto o próprio consumo. Seu papel pode ser

entendido tanto como um ato de “empoderamento e expressão” quanto de

“exploração e manipulação” (PORTILHO, 2005, p.105). Trata-se, portanto, de um

fenômeno complexo que passa a ser entendido como uma esfera de relações e

discursos centrados na venda, na compra, na satisfação, na hostilidade, na distinção

de classes e/ou no protesto. Ou seja, contempla aspectos tanto culturais quanto

econômicos em sua essência. (PORTILHO, 2005, p.90-105).

O indivíduo torna-se um mero consumidor na complexa rede de estratégias

que compõe o capitalismo. (BAUDRILLAND, 1995; BAUMAN, 2008; PORTILHO,

2005). As relações sociais progridem subordinadas ao dinheiro, tendo como fatores

de estímulo a competição e o êxito. Santos (2000, p.25) já havia alcançado a mesma

conclusão em seu livro “Por uma nova globalização”, em que comenta:

O consumo é o grande emoliente, produtor ou encorajador de imobilismos Ele é, também, um veículo de narcisismos, por meio dos seus estímulos estéticos, morais, sociais; e aparece como o grande fundamentalismo do nosso tempo, porque alcança e envolve toda gente. Por isso, o entendimento do que é o mundo passa pelo consumo e pela competitividade, ambos fundados no mesmo sistema da ideologia.

É nessa alienação constante que o cidadão da sociedade de consumo se

apraz, aproveitando tudo que o mundo tem de melhor para oferecer (para o

consumo). Todo esse processo sequencial culmina por reduzir o valor humano ao

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seu poder de compra, ao ponto de se questionar, segundo Bauman (1999, p. 88), “se

é necessário consumir para viver ou se o homem vive para poder consumir”. Nessa

nova configuração, avalia-se o status social de cada indivíduo pela sua capacidade

potencial de compra e aquisição, criando, por conta disso, uma casta crescente em

processo de marginalização social, que pouco questiona a falta que lhe faz o

ingresso no mundo da informação, da educação, da segurança, da saúde, mas que

sofre e lamenta por não ter livre acesso ao consumo.

Ainda segundo Bauman (1999, p. 89), “a maneira como a sociedade atual

molda seus membros é ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar

o papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus membros é

a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel”. Mais do que propriamente

o ato do consumo, está a correlação de felicidade que se emprega à posse e ao uso

do bem consumido. (BAUDRILLARD, 1995; BAUMAN, 2008; PORTILHO, 2005).

Vendem-se e compram-se expectativas de felicidade, tão limitadas na sua duração

quanto irreais e ilusórias na sua criação.

No que diz respeito a essa lógica, surge a cada instante um novo produto,

combinado a uma nova necessidade de que nem era dado saber que existia. “Entre

as maneiras com que o consumidor enfrenta a insatisfação, a principal é descartar os

objetos que as causam”. (BAUMAN, 2008, p.31). A força da propaganda é tão

intensa que a satisfação de desejos que doravante se tornam insaciáveis “revela-se

para esses consumidores sob o disfarce de um livre exercício da vontade”.

(BAUMAN, 1999, p. 91).

E de acordo com a obsolescência programada, já não se espera mais os

produtos durem para sempre; os produtos já são apresentados ao consumidor com

um rótulo “vida útil determinada”; portanto, a substituição se torna inevitável e

socialmente aceita, uma vez que o “novo” é sinônimo de revolucionário, intacto,

melhor, mais elegante, mais confortável, mais... enquanto que o “velho” é sinônimo

de puído, ultrapassado e fora de moda. (BAUMAN, 2008; BADUE, 2005). De acordo

com Santos (2000, p. 20), a publicidade tornou-se o instrumento de convencimento,

geradora das “tendências” de mercado e consequentemente de produção:

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Estamos diante de um novo “encantamento do mundo”, no qual do discurso e a retórica são o princípio e o fim. Esse imperativo e essa onipresença da informação são insidiosos, já que a informação atual tem dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e um outro, pelo qual ela busca convencer. Este é o trabalho da publicidade. Se a informação tem, hoje, essas duas caras, a cara do convencer se torna muito mais presente, na medida em que a publicidade se transformou em algo que antecipa a produção. Brigando pela sobrevivência e hegemonia, em função da competitividade, as empresas não podem existir sem publicidade, que se tornou o nervo do comércio.

Assim agindo, o mercado publicitário, por meio de associações, promessas,

técnicas e recursos associados a estudos do comportamento humano, vem

desenvolvendo artimanhas para arrebanhar novos compradores. “A lógica da

máquina artificial – eficácia, predizibilidade, calculabilidade, especialização rígida,

rapidez, cronometria – invade a vida cotidiana: regula viagens, consumo, lazeres,

educação, serviços, consertos, e provoca o que George Ritzer chama a

’macdonalização da sociedade’”. (MORIN e KERN,1995, p. 90).

Com a crescente visibilidade e o apelo para a aquisição de bens e produtos,

também as formas de comercialização evoluem com a intenção de facilitar,

aprofundar, alargar e abranger novos consumidores. Assim sendo, shoppingcenters

temáticos, restaurantes fast-food, cadeias de lojas, e-shoppings, e-commerce

surgem no contexto social para ”facilitar” a vida dos novos consumidores.

(OVERCONSUMPTION, 2009; BAUDRILLARD, 1995; BAUMAN, 2008).

Agora, em um mesmo lugar é possível encontrar, de uma só vez, atividades

de lazer, artes, provisões alimentares, vestuário, utensílios para casa, e

quinquilharias diversas, tudo mascarado pelo ideal do conforto, do necessário, do

essencial. Com efeito, a capacidade de consumo flexibiliza-se tanto quanto as

promessas da satisfação dos desejos se pronunciam instantâneas. Propagandas

nos programas de televisão, nas revistas, nos jornais, nos outdoors, nas placas, nas

esquinas, nos semáforos, nas roupas, nos carros, nas vitrines, cabines telefônicas,

postes, fachadas dos prédios. Conforme menciona Bauman (1999, p. 89):

A necessária redução do tempo é melhor alcançada se os consumidores não puderem prestar atenção ou concentrar o desejo por muito tempo em qualquer objeto; isto é, se forem impacientes, impetuosos, indóceis e, acima de tudo, facilmente instigáveis e também se facilmente perderem o

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interesse. A cultura da sociedade consumo envolve sobretudo o esquecimento, não o aprendizado.

Desta forma, o consumo permeia todas as atividades da vida, e “todas as

atividades se encadeiam do mesmo modo combinatório, em que o canal das

satisfações se encontra previamente traçado hora a hora em que o ’envolvimento’ é

total, inteiramente climatizado, organizado, culturalizado”. (BAUDRILLARD, 1995,

p.19). E é por meio de diferenças “profundas e multiformes” que provocam

transformações sociais, culturais e individuais, intensas na sociedade atual que

Bauman (1999, p. 85) justifica “a nossa sociedade como sendo de um tipo distinto e

separado — uma sociedade de consumo”.

2.4. CONSUMO E ECONOMIA

Verificam-se atualmente as grandes transições pelas quais os sistemas de

negociações mundiais estão passando. Sobre o trajeto histórico percorrido até

chegarmos a essa realidade, em um dado ponto de vista, tecemos nossas

considerações nos capítulos anteriores. Mais do que o produto de um consumo sem

reflexão, a sociedade dos dias de hoje caracteriza-se também pela

multinacionalidade, multiculturalidade, presente nos idiomas, nos produtos, nas

propagandas e, como não poderia deixar de ser, nos meios de produção. Tão

intensa virou a miscigenação dos produtos e dos povos que se pode dizer que, hoje,

a situação econômica dos países encontra-se significativamente interligada. As

grandes corporações marcam presença em todos os continentes, em um cenário

diante do qual a figura humana tem-se apresentado muitas vezes como mera peça

organizacional.

É difícil estabelecer com certeza qual o fator que teve maior influência na

cristalização dessa autêntica rede. Contudo, esse comércio em rede proporcionou

um crescimento significativo nas quantias produzidas, bem como na qualidade dos

produtos, e nas pesquisas visando ao desenvolvimento de novas tecnologias. Com

essas novas tecnologias, conectadas pelo fluxo contínuo de informações, conseguiu-

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se a padronização de produtos, o que permitiu que determinados bens fossem

reproduzidos em diferentes países com níveis de excelência equivalentes. E, dada a

evolução e rapidez dos meios de transporte, armazenamento e distribuição, os

estoques puderam ser quase instantaneamente disseminados, simultaneamente, em

continentes distintos, por preços equivalentes, independentemente das distâncias a

separarem as unidades produtoras e distribuidoras.

Por conta desse fenômeno, estima-se que a economia mundial tenha

aumentado sete vezes em cinquenta anos (1950-2000), e que o comércio tenha

aumentado ainda mais, em virtude do incremento nos padrões de consumo de

milhões de pessoas em todo o mundo. (BROWN, 2003). Contudo, um dado

econômico paralelo permite concluir que, apesar de os produtos circularem

mundialmente, os recursos financeiros acabam sendo destinados a apenas uma

porção restrita de protagonistas do comércio mundial. Segundo dados

disponibilizados pelo World Development Report (2009), países situados na Europa

Ocidental, América do Norte e Nordeste da Ásia, concentravam, em 2000, cerca de

três quartos do PIB mundial. (THE WORLD BANK, 2009, p. 5).

Mas isso não se deu por acaso. Grandes cidades se desenvolvem em

determinadas regiões em virtude da quantidade de transações econômicas,

comércio, indústria, cultura e conhecimento, promovendo, por este motivo, a

migração (rural-urbana e urbana-urbana) de centenas de milhares de pessoas que

desejam usufruir das possibilidades econômicas ali ampliadas. (STATE OF THE

WORLD’S CITIES, 2008/2009, p. 6). Não podemos deixar de frisar essa

característica como uma das mais marcantes do modelo econômico atual.

Porta de entrada da globalização, as megacidades são altamente competitivas

e dependentes de relacionamentos com outras cidades globais. Frequentemente

situadas em pequenos espaços territoriais são elas responsáveis pela intensificação

do fluxo de pessoas, mercadorias e dinheiro, o que também repercute de forma

significativa no produto interno bruno (PIB) das nações em que estão situadas.

Conforme o Relatório Megacidades, nos dias atuais cerca de 1/5 do PIB mundial é

oriundo das atividades ocorridas nas dez cidades economicamente mais

importantes.

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Em 1950 somente duas cidades eram nominadas como megacidades, Tóquio

e Nova York. Contudo, com o passar do tempo, esse número foi crescendo

consideravelmente, e no ano de 2004 aproximadamente 22 cidades se juntaram ao

ranking das maiores cidades do mundo, contabilizando juntas 9% da população

urbana do planeta. (GLOBESCAN; MRC MCLEAN HAZEL, 2010). Estima-se que até

o ano de 2020 diversas cidades localizadas em países em desenvolvimento

alcançarão a marca de 20 milhões de habitantes, dentre elas São Paulo, Mumbai,

Deli, Cidade do México, Lagos, Daca e Jacarta. (GLOBESCAN; MRC MCLEAN

HAZEL, 2010, p. 9).

Quadro 01: Megacidades 2003 - 2015 Fonte: GLOBESCAN; MRC MCLEAN HAZEL, 2010, p. 9

Tóquio, considerada a maior cidade do mundo na atualidade, abriga 35

milhões de habitantes, ou seja, um quarto da população do Japão, em menos de 4%

território do total nacional e representa 40% do produto interno bruto do país. (THE

WORLD BANK, 2009). Em 2005, outras cidades localizadas nas províncias costeiras

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da China, como Bacia do Bohai, Delta do Rio Pérola e do Rio Yangtze, foram

responsáveis por mais da metade do PIB daquele país. A cidade do Cairo, que

também é um exemplo significativo, produz cerca de 50% do PIB do Egito com

menos de 0,5% da área nacional. No Brasil, os Estados de São Paulo, Minas Gerais

e Rio de Janeiro, contabilizam mais de 52% do PIB nacional em menos de 15% do

território nacional, contando com três das cinco maiores cidades do país.

Apesar de tantos pontos que mereçam ressalva e olhar atento, não podemos

negar que o objetivo do lucro no processo capitalista serviu como propulsor de

desenvolvimento científico (basta relembrarmos os avanços no terreno das cirurgias

minimamente invasivas e das descobertas da indústria farmacêutica), tecnológico

(lembremos o impacto que descobertas como a internet, o sistema operacional

Windows, por exemplo, impuseram na realidade existencial humana) e cultural.

Assim podemos concluir que a globalização econômica, como engrenagem motriz da

sociedade de consumo, pode ser tanto um condutor de vantagens como de

desvantagens nas relações mundiais. (MORIN e KERN,1995).

Quando, no começo da década de 1990, o termo globalização começou a ser

empregado, defendia-se-o como um mecanismo capaz de expandir a economia,

aumentando exponencialmente o número de agentes e de beneficiados. E, de fato, o

conceito de global, quando recorremos ao dicionário Michaelis1, faz menção ao que é

“considerado em globo, por inteiro ou conjunto”, dando, assim, a noção de algo que

é uniforme. Mas qual seria o sentido de adotarmos o termo globalização para referir

ao que ocorre, atualmente, no mundo. Esse é o questionamento suscitado por

Santos (2000, p. 21):

Aldeia global tanto quanto espaço-tempo contraído permitiriam imaginar a realização do sonho de um mundo só, já que, pelas mãos do mercado global, coisas, relações, dinheiros, gostos largamente se difundem por sobre continentes, raças, línguas, religiões, como se as particularidades tecidas ao longo de séculos houvessem sido todas esgarçadas. Tudo seria conduzido e, ao mesmo tempo, homogeneizado pelo mercado global regulador. Será, todavia, esse mercado regulador? Será ele global?

1 Disponível em: < portugues&palavra=global > Acesso em: 03.04.2011.

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Mas quando vemos que se procura adotar o termo globalização para definir o

fenômeno contemporâneo, em que as casas, as cidades e os países parecem não

ter limites ou fronteiras, chegamos à ilação de que é inadequado, impróprio, já que

esse movimento não se dá de modo uniforme, global, por inteiro. Ao contrário, o

rompimento das fronteiras e das distâncias somente fez tornarem-se evidentes os

abismos que separam as realidades de povos inteiros quando comparados os

extremos existentes nesse cenário “globalizado”.

Isso nos permite refletir sobre a dualidade dos fatos, pois uma vez que o

comércio internacional tem contribuído para a expansão das capacidades humanas

e para a criação da interdependência entre os países, tem, em contrapartida,

auxiliado para acentuar as desigualdades existentes no mundo entre aqueles que

podem ou não participar do “jogo”. (PNUD, 2005). A circulação de informação e

riquezas pelas fronteiras não torna o produto do fenômeno globalizado, ainda mais

se apenas parte do globo goza dos benefícios desse trânsito ou se os recebem os

frutos continuam sendo os mesmos da época em que esse mecanismo não tinha

sido implantado. E, afinal, como está sendo a repartição do produto resultante desse

sistema interligado de produção, distribuição e consumo? Quem realmente decide o

que, para que, e por quem será produzido determinado produto? Será esta cadeia

inclusiva, cooperativa e solidária? Será a produção e consumo um processo

agregador e emancipatório ou será ele subordinado aos interesses dos países do

Norte?

Em resposta a estas questões, Milton Santos (2000, p.73-74) elucida:

Quando, porém, observamos de perto aspectos mais estruturais da situação atual, verificamos que o centro do sistema busca impor uma globalização de cima para baixo aos demais países, enquanto no seu âmago reina uma disputa entre Europa, Japão e Estados Unidos, que lutam para guardar e ampliar sua parte do mercado global e afirmar a hegemonia econômica, política e militar sobre as nações que lhes são mais diretamente tributárias sem, todavia, abandonar a idéia de ampliar sua própria área de influência. Então, qualquer fração de mercado, não importa onde esteja, se torna fundamental à competitividade exitosa das empresas. (...) Os países subdesenvolvidos, parceiros cada vez mais fragilizados nesse jogo tão desigual, mas cedo ou mais tarde compreenderão que nessa situação a cooperação lhes aumenta a dependência. Daí a inutilidade dos esforços de associação dependente face aos países centrais, no quadro da globalização atual. Esse mundo globalizado produz uma racionalidade determinante, mas que vai, pouco a pouco, deixando de ser dominante. É uma racionalidade que comanda os grandes negócios cada vez mais abrangentes e mais

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concentrados em poucas mãos. Esses grandes negócios são de interesse direto de um número cada vez menor de pessoas e empresas. Como a maior parte da humanidade é direta ou indiretamente do interesse deles, pouco a pouco essa realidade é desvendada pelas pessoas e pelos países mais pobres.

Assim, o acirramento das desigualdades surge como outro predicado

marcante da sociedade pautada pelo consumo. Sim, porque, ao pesquisarmos o

contingente de riqueza no decorrer de algumas décadas, veremos que aumentou o

fluxo dos valores, mas o percentual dos beneficiados continua sendo o mesmo, o

que faz pensar que mudaram apenas as fórmulas de acumular riqueza, sem

distribuí-la. Furtado, em seu livro “Em Busca de Novo Modelo” (2002, p. 37), tece

reflexões quanto ao sistema de valores arraigado no pensamento do homem

moderno, quando menciona:

Começamos por indagar sobre as relações existentes entre a cultura como sistema de valores e processo de acumulação que está na base da expansão das forças produtivas. Trata-se de contrastar a lógica dos fins, que rege a cultura, com a lógica dos meios, razão instrumental inerente à acumulação puramente econômica.

Só para se ter uma ideia, atualmente 70% das transações comerciais do

mundo são realizadas pelas 200 maiores empresas transacionais e suas filiais

espalhadas pelo mundo, sendo que 45% ocorrem entre filiais de uma mesma

corporação. Em termos geográficos elas se distribuem dentro dos mesmos países

que figuram entre os mais ricos do mundo: Estados Unidos (74), Japão (41),

Alemanha (23), França (19), Reino Unido (13) e Suíça (6). (BADUE, 2005 p. 85).

Elas atuam em todas as atividades humanas e juntas contabilizam cerca de

20 bilhões de dólares, quase duas vezes mais que o produto interno bruto dos

Estados Unidos. (BADUE, 2005p. 85). Atualmente, para se produzir um único

produto, uma dezena de países são envolvidos, desde o processo de criação,

desenvolvimento e produção, sem contar o transporte e o fornecimento e utilização

de recursos naturais. (PNUD, 2005). Um bom exemplo desta dinâmica é o caso da

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fabricação de produtos tecnológicos. Como o caso do XBOX da Microsoft,

mencionado no Relatório de Desenvolvimento Humano (2005, p.116):

Xbox da Microsoft – uma consola de jogos de alta tecnologia que contém tecnologia de ponta. O fabrico foi deslocalizado para uma empresa de Taiwan. Os processadores Intel são fornecidos por um dos onze locais de produção, incluindo a China, Costa Rica, Filipinas e Malásia. Os processadores gráficos são produzidos por uma empresa norte-americana numa fábrica em Taiwan, província da China. O disco rígido é montado na China, com componentes produzidos na Irlanda. O DVD-Rom é fabricado na Indonésia. A montagem final foi deslocada recentemente de Guadalajara, México, para a China.

Todavia, enganam-se aqueles que imaginam que o benefício econômico da

fragmentação da produção é compartilhado igualmente entre todos os elos da

cadeia. A maior quota do comércio ainda é dos que comercializam produtos de maior

valor agregado. “Grande parte do crescimento das exportações tem sido construído

com a simples montagem e reexportação de produtos importados, em fábricas

maquiladoras com progresso tecnológico limitado”. (PNUD, 2005, p.118). E aqueles

que não detêm reservas monetárias são naturalmente alijados no processo de opinar

quanto aos rumos que serão impostos aos mecanismos econômicos. E, se não

bastasse, quando um polo industrial fixa-se em um dado país em desenvolvimento, a

população das localidades envolvidas acaba-se vinculando aos novos hábitos, ao

fluxo do dinheiro, das informações e das oportunidades que, embora efêmeras,

acabam por gerar um pernicioso processo de dependência. Leciona Santos (2000, p.

48):

Com a ampliação do comércio produz-se uma interdependência crescente entre sociedades até então relativamente isoladas, cresce o número de objetos e valores a trocar, as próprias trocas estimulam a diversificação e o aumento de volume de uma produção destinada a um consumo longínquo. O dinheiro se instala como condição, tanto desse escambo quanto da produção de cada grupo, tornando-se instrumental à regulação da vida econômica e assegurando, assim, o alargamento do seu âmbito e a frequência do seu uso.

Mas aos figurantes nessa encenação resta apenas a partilha das sobras,

insuficientes para gerar riqueza ou desenvolvimento. O globalizado, aí, é o processo,

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não o resultado, ainda reservado para uns poucos. O Gráfico 01, abaixo, evidencia

as distorções que esse processo gera no cenário econômico mundial. Em azul claro

aparecem os lucros com as exportações de cada bloco econômico em 1980; em azul

escuro, os mesmos lucros, agora em 2002; em preto, o percentual populacional

correspondente em 2002:

Gráfico 01: Exportações Mundiais Fonte: PNUD Relatório de Desenvolvimento Humano, 2005, p. 117

O que vemos dos números ali demonstrados é que, apesar da distribuição

mundial da produção ocorrida nos 22 anos que distanciam os comparativos, o bloco

composto pelos países da Europa Ocidental manteve sua participação nos lucros,

muito embora tenha “exportado” significativa parte de suas unidades produtoras. E,

em contrapartida, aqueles blocos que passaram a figurar no cenário econômico

mundial, não demonstraram significativo crescimento no quesito rendimento. Por

conta disso, o mesmo comércio internacional que proporcionou um crescimento

econômico nunca visto antes em países historicamente industrializados (BROWN,

2003), também isolou e marginalizou nações inteiras, fragilizadas pela dependência

que desenvolveram frente aos seus parceiros comerciais. Essa fragilização pode

atualmente ser traduzida pela impossibilidade de fruir de novas tecnologias,

retardando o desenvolvimento industrial e consequentemente a competição em

mercados mais dinâmicos e diversificados. (PNUD, 2005).

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E essas disparidades espalharam-se por todo o cenário econômico mundial,

valendo a menção exemplificativa do caso da África Subsaariana que, com cerca de

689 milhões de habitantes, alcança índices infinitamente inferiores de exportações

se comparados com países como a Bélgica, com apenas 10 milhões de habitantes.

(PNUD, 2005, p. 10). O mesmo gráfico 01 demonstra também que a África

Subsaariana diminuiu sensivelmente as suas exportações no período em estudo.

Essa constatação permitiu que o relatório PNUD (2005, p. 10) pudesse afirmar, após

cálculos simples, que “se a África Subsaariana desfrutasse da mesma quota de

exportações mundiais que em 1980, os ganhos em divisas representariam cerca de

oito vezes mais o total da ajuda recebida em 2003”.

O processo de marginalização da África Subsaariana conduz-nos à reflexão a

respeito das práticas do comércio internacional e as suas consequências. Como será

possível pensar em sustentabilidade planetária, quando não possibilitamos que

países marginalizados participem do grande jogo econômico? Enquanto os países

ricos externamente salientam as virtudes de um mercado aberto, nas rodadas

internacionais de comércio, internamente especializam-se em desenvolver e aplicar

medidas protetivas de suas economias, mediante a concessão de subsídios

agrícolas, regras benéficas para fornecimento de empréstimos e investimentos,

regras de origem e barreiras protecionistas, que impedem uma divisão mais justa

dos benefícios da globalização para milhões de pessoas que vivem em países em

desenvolvimento, ávidas por desfrutarem dos benefícios do comércio internacional.

(PNUD, 2005). E naturalmente essa metodologia vem promovendo benefícios

somente a um dos lados nas negociações bi ou multilaterais, criando oligarquias

econômicas, impérios mundiais, aparentemente despreocupados com as

consequências potencialmente resultantes para os que não têm poder de ingerência

nas condições que regulamentarão as trocas internacionais.

Em uma época em que tanto se fala na criação de sistemas sustentáveis, que

se mantenham no tempo sem destruir as unidades de que depende, como se pode

defender a manutenção desse mecanismo? E mais, como defender a lógica de um

sistema igualitário sem a possibilidade de repartir a fatia deste grande “bolo” e

permitindo-se que milhares de pessoas sejam restringidas do gozo de seus direitos e

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liberdades? Conclusão difícil de enfrentar é a de que política econômica mundial e

diretrizes de desenvolvimento social não caminham de braços dados.

Seria irreal pensar que todas as tensões existentes no mundo podem ser

resolvidas de uma hora para outra, conquanto a diminuição das disparidades sociais

e o combate à destruição ambiental sejam tarefas árduas e de longo prazo. Embora

muitas sejam as manifestações públicas, e numerosas as declarações de

personalidades voltadas à sensibilização das comunidades, o fato é que pouco tem

sido feito, de efetivo, na tentativa de serem encontradas soluções ecológica e

socialmente viáveis, e que ao mesmo tempo possam sustentar um modelo

econômico mundial que não seja meramente utópico. Outrossim, mais do que

depressa é necessário colocar em pauta de discussão um mecanismo de

desenvolvimento de projetos, regras, termos e estruturas mais justas, distributivas e

equitativas, que viabilizem a inclusão de pequenos produtores no comércio

internacional, culminando em mudanças significativas na luta contra a pobreza.

2.5. CONSUMO E MEIO AMBIENTE

Segundo Santos (2000, p. 9), “vivemos num mundo confuso e confusamente

percebido”, pois apesar dos grandes avanços tecnológicos concebidos no último

século, do encurtamento das distâncias, da difusão instantânea das informações por

conta do advento da internet e de um mercado dito globalizado, o que se vê, ao

contrário, é um aceleramento das relações cotidianas e um consumo descontrolado

de recursos naturais. Mesmo os ardorosos defensores da manutenção do atual

mecanismo de normas e hábitos econômicos compreendem e se curvam à realidade

de que esse modelo está rapidamente caminhando para o completo esgotamento.

Embora nenhum país tenha conseguido o desenvolvimento econômico na era

industrial sem a urbanização e, por conseguinte sem os prejuízos econômicos,

sociais, demográficos e ambientais, o crescimento urbano verificado no século 20 e

o esperado para as próximas décadas alcançará tamanho e complexidade sem

precedentes (UNFPA, 2007). Nos ambientes urbano, rural os reflexos do progresso,

norteado pelos valores atuais, são igualmente sensíveis.

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Se há poucos anos a humanidade havia vivido predominantemente em zonas

rurais, essa não é mais a realidade presente. Atualmente, pela primeira vez na

história, mais de cinquenta por cento da população mundial vive em regiões urbanas,

ou o equivalente a 3,3 bilhões de pessoas. (UNFPA, 2007). Especula-se que esses

números devem aumentar vertiginosamente nos próximos anos, alcançando a marca

de 5 bilhões de pessoas vivendo em cidades até o ano de 2030, e 6,4 bilhões até

2050. (UNFPA, 2007; UN-HABITAT, 2008/9).

O crescimento urbano é consequência de diversos fatores, tais como

localização geográfica, aumento populacional, migração rural-urbana e urbana-

urbana, infraestrutura, políticas públicas (bem como ausência delas) e muitos outros

de ordem econômica, social, política e ambiental, e é simples verificarmos que esse

fenômeno vem se expandindo por todos os territórios. (UN-HABITAT, 2008/9, p. 6).

O Gráfico 02, abaixo, procura estabelecer a forma como se dará o

desenvolvimento futuro, com base no crescimento passado, das regiões urbanas e

rurais, por conta do modelo econômico atual. Os números estimados demonstram

que os núcleos desenvolvidos urbanos aumentarão de forma pouco representativa

até 2050. Os núcleos desenvolvidos rurais tendem a sofrer uma queda,

inversamente proporcional ao crescimento urbano.

Gráfico 02: População urbana e rural no mundo, 1950 – 2050 Fonte: UN- ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS - World Urbanization Prospects. The 2007 Revision

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O temeroso, contudo, está na perspectiva de crescimento representativo das

populações urbanas e rurais pouco desenvolvidas. A população urbana mundial

cresceu significativamente no último século. Enquanto nos países desenvolvidos

esse crescimento deve permanecer praticamente inalterado (de 900 milhões em

2005 a 1,1 bilhões em 2050), devido às baixas taxas de crescimento natural e

fertilidade em algumas regiões, o crescimento populacional em países em

desenvolvimento, como os da África e da Ásia, deverão contribuir significativamente

para o aumento dos números. (UNFPA, 2007; UN-HABITAT, 2008/9).

Ilustração 03: Percentual da População Urbana em áreas em 2007, 2025 e 2050 Fonte: UN- ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS - World Urbanization Prospects. The 2007 Revision, p.6

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Estima-se que entre 2000 e 2030 ambos os continentes em expansão

apresentarão um crescimento populacional duas vezes maior que os demais países,

em uma única geração. A ilustração 03 mostra a distribuição da população urbana

pelo mundo, dando as estimativas para as alterações nesse percentual até os anos

de 2025 e 2050. Se as previsões se realizarem, a Ásia sozinha acolherá 63% de

toda a população global, ou seja, 3,3 bilhões de pessoas, próximo ao ano de 2050,

seguida pela África, com 1,2 bilhões, ou seja, um quarto de toda a população do

planeta (UNFPA, 2007; UN-HABITAT, 2008/9, UN-ECONOMIC AND SOCIAL

AFFAIRS, 2007).

Os reflexos ambientais dessa rápida transformação, sem precedentes na

história da humanidade, podem ser perturbadores. Se, ao menos, fosse essa a única

repercussão pessimista no campo ambiental. Mas infelizmente há outros aspectos

que podem pesar na balança do futuro. O movimento desenvolvimentista, que já

vinha utilizando irrestritamente os recursos naturais na Europa Ocidental e na

América do Norte, estendeu seus ambientes de busca e depredação para os confins

do planeta, inexplorados até meados do século passado.

Como resultado de um processo natural, em que se valoriza o consumo de

recursos naturais não renováveis, embora os países industrializados tradicionais

dispusessem, até a entrada dos anos 1990, de parques de produção avançados e

pessoal preparado para administrá-los, começaram a se ressentir da falta de

matéria-prima, que aos poucos se esgotava em seus próprios territórios. Mas como a

lógica do sistema não permite que as estruturas industriais simplesmente deixem de

existir e produzir, o recurso aos estoques do então chamado Terceiro Mundo foi

inevitável, criando uma aparente vinculação das grandes potências às nações do

Sul.

A partir de então, para se manterem ativas, as grandes corporações mundiais

trataram de travar relações entre elas e também com novos atores, fornecedores de

mão-de-obra e matéria-prima, mais fartos e baratos, oriundos de todos os cantos do

globo. Para Sachs (2007, p. 288), “a comunidade mundial de nações está cada vez

mais interdependente. E essa interdependência envolve diferentes tipos de relações:

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aquelas mutuamente benéficas e simétricas e relações de dominação assimétrica e

irreversível”.

Esta interdependência é vista claramente no relatório criado pela rede World

Wildlife Foundation, desde 1998, chamado Planeta Vivo, que tem o objetivo de

“mostrar o estado do ambiente natural e o impacto exercido por atividades

humanas”, por meio de um instrumento denominado 'pegada ecológica'”. (WWF,

2006, p. 1, tradução nossa). Segundo esse relatório (WWF, 2008, p. 28), a pegada

ecológica do comércio internacional revela “tanto a magnitude da demanda sobre a

biocapacidade estrangeira quanto à localização dos ativos ecológicos em que

produtos e serviços dependem”. Ela também conecta o consumo local com a

ameaça da biodiversidade em países distantes ”2, resultando em incisivos pontos de

vista, como o defendido por Dowbor (2007, p.69):

Parece bastante absurdo, mas o essencial da teoria econômica com a qual trabalhamos não considera a descapitalização do planeta. Na prática, em economia doméstica, seria como sobrevivêssemos vendendo os móveis, a prata da casa, e achássemos que com este dinheiro a vida está boa, e que, portanto estaríamos administrando bem a nossa casa. Estamos destruindo o solo, a água, a vida nos mares, a cobertura vegetal, as reservas de petróleo, a cobertura de ozônio, o próprio clima, mas o que contabilizamos é apenas a taxa de crescimento.

Por meio destas informações, ao analisar os números de importação e

exportação dos 27 países da União Europeia para os 20 maiores parceiros

(ilustração 04), verificamos que apesar de possuir menos de 8% da população

mundial, apresentam cerca de 13% e 10% respectivamente de bens comercializados

internacionalmente. Equivale dizer que a União Europeia utilizou 18% da

biocapacidade nacional em importações em 2005, ou seja, um aumento de 73% na

utilização de sua biocapacidade em importação em menos de meio século (WWF,

2008, p. 28), como ressaltado na ilustração 04, abaixo.

E se torna muito interessante verificarmos alguns casos singulares, como o

da China, que com uma pegada ecológica menor que a dos países Europeus (tendo

em vista a quantidade de habitantes do país), utilizou, assim como os países

europeus, mais que o dobro da sua biocapacidade nacional. (WWF, 2008, p.29).

2 “The magnitude of demand on foreign biocapacity and the location of the ecological assets on which

products and services depend. It also helps connect local consumption to distant biodiversity threats”.

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Ilustração 04: Pegada Ecológica de Importações e Exportações da UE 27 e 20 maiores parceiros Fonte: WWF: Living Planet Report, 2008, p. 28

Importa ainda salientar que esse processo de industrialização ocasiona

reflexos expressivos e difusos. A título de ilustração, vemos que os países em

desenvolvimento do Leste Asiático vêm apresentando taxas de crescimento muito

maiores do que a dos países industrializados nos últimos anos, o equivalente a 7%

de crescimento anual desde 1990. (BROWN, 2003, p. 21).

A China, por exemplo, em 2005 apresentou um déficit em biocapacidade de

aproximadamente 165 milhões de hectares globais, mais que a biocapacidade de

países como a Alemanha e a Bolívia. (WWF, 2008, p. 29). Ao analisar a pegada

ecológica de importações e exportações da China com os seus 20 principais

parceiros (ilustração 5), é possível identificar um considerável aumento de 5% para

9% em importações e de 1% para 6% em exportações em aproximadamente meio

século (WWF, 2008, p. 29), como demonstra a ilustração 05, abaixo:

De acordo com os dados do Living Planet Report, 2008, o consumo de bens e

serviços comercializados entre as nações aumentou de 8% para 40% entre os anos

de 1961 a 2005. Nessa mesma toada, países de alta renda apresentaram um

aumento de 12% para 61%, enquanto países de renda média, de 4% para 30%, e

países de renda baixa, de 2% para 13%, entre o período de 1961 e 2005. A análise

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dessas informações leva-nos a concluir que muitos países desenvolvidos vêm

exteriorizando a “pegada ecológica”, ou seja, utilizando recursos naturais de países

em desenvolvimento em detrimento de satisfazer as próprias demandas de

consumo. E embora nos países em desenvolvimento também tenha crescido a

movimentação comercial, foi ela bem menos significativa que naqueles em que o

progresso econômico é mais pujante.

lustração 05: Pegada Ecológica de Importações e Exportações da China e 20 maiores parceiros comerciais Fonte: Living Planet Report, 2008, p. 29

Enrique Leff (2001, p.26), economista mexicano, salienta que o discurso da

estratégia global “aparece como um olhar glutão que engole o planeta e o mundo,

mais do que como uma visão holística capaz de integrar os potenciais sinergéticos

da natureza e os sentidos criativos da diversidade cultural”, fazendo crer que as

tentativas de criação de um mercado universal vêm redundando em uma polarização

ainda mais acentuada do cenário econômico planetário. A simples integração das

comunidades ao mercado, por conseguinte, não vem resultando em crescimento

para elas, mas em mais evidente exploração.

E a despolarização do consumo de recursos naturais somente ocorre por

conta do completo esgotamento a que as economias industriais sujeitaram suas

próprias reservas. E o paradoxal é que esses processos de universalização do

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fornecimento de recursos ambientais, concorrentemente ao partilhamento das etapas

produtivas, embora não entreguem riqueza a todos os continentes e países, criam

um processo de globalização dos déficits ecológicos (outra herança infeliz que tende

a ser deixada às próximas gerações pela atual sociedade de consumo).

Tanto é assim que hoje, com meios científicos mais apropriados e

sistemáticos voltados à pesquisa dessas informações, segundo dados

disponibilizados pelo relatório “Living Planet, 2008”, se continuarmos com o mesmo

pensamento que vem norteando as nossas escolhas nos últimos tempos,

privilegiando o lucro em detrimento da capacidade reguladora da natureza, no ano

de 2030 serão necessários dois planetas para suprir a demanda da humanidade por

bens e serviços. A mudança climática, que já se admite ter sido ocasionada pelo ser

humano, é a mais clara demonstração da má utilização dos recursos naturais, uma

vez que muitos dos problemas socioambientais estão associados à crescente

utilização recursos naturais não renováveis, ao aumento da produção, do

desperdício, da emissão de poluentes e ao uso indevido da terra. (SERI, GLOBAL

2000, FRIENDS OF THE EARTH EUROPE, 2009).

Essa demanda exacerbada dos ecossistemas traz hoje como consequência a

abundância de resíduos tóxicos liberados na atmosfera, a escassez de água, o

aumento da temperatura global, a destruição de ecossistemas, bem como a extinção

de espécies vegetais e animais, dentre outros prejuízos, que ultrapassam o âmbito

local para transformar-se em preocupação global. (WWF, 2008, p. 2). Embora os

valores dos recursos energéticos tenham aumentado consideravelmente nos últimos

anos, em virtude da escassez e da crescente demanda de países emergentes, os

benefícios de sua exploração ainda não cobrem ou compensam as perturbações

causadas ao planeta, significativamente responsável pelo risco à vida na Terra.

(SERI, GLOBAL 2000, FRIENDS OF THE EARTH EUROPE, 2009; BROWN, 2009).

Estima-se que o consumo global da humanidade, em termos de recursos

naturais, tenha superado a capacidade regenerativa do planeta em 30% nos dias

atuais e contribuído para a extinção de aproximadamente 1686 espécies nos últimos

35 anos. (WWF, 2008, p. 2). Realizando uma análise dos dados apresentados na

ilustração 06, verificamos que na década de 1960 grande parte do planeta possuía

crédito em relação à biodiversidade existente, quer dizer que os países tinham

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capacidade suficiente para atender sua própria demanda, com exceção dos

primeiros países industrializados, que já apresentavam, naquela época, um déficit de

até 50%. (WWF, 2006, p. 17).

Ilustração 06: Países ecologicamente credores e devedores, 1961 - 2005 Fonte: WWF. Living Planet Report 2008, p.3

Entretanto, ao analisar os dados de 2005 é possível constatar que com o

passar do tempo os impactos do tão sonhado desenvolvimento e da crescente

demanda da humanidade com relação aos recursos naturais tornaram-se evidentes.

Podemos, num mundo tão complexo, capitalista, globalizado, e, por conseguinte tão

dependente da produção em massa, ser coerentes com os limites impostos pela

natureza? Como podemos estabelecer limites à exploração dos recursos naturais

para a produção e descarte? Serão esses limites igualmente aplicáveis a todos?

Países que outrora possuíam certa reserva de recursos naturais passaram a

depender da importação de recursos advindos de outros países, menos

desenvolvidos, mas com maior potencial ecológico. (WWF, 2006, p. 17). De acordo

com essas informações, podemos concluir que nem a economia nem tão pouco a

biocapacidade estão uniformemente distribuídas no mundo, uma vez que Estados

Unidos, Brasil, Canadá, Índia, Argentina e Austrália possuem cerca 50% da

biocapacidade do planeta. Leff (2001, p. 404) convida-nos a refletir a respeito da

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insustentabilidade do planeta e da necessidade de reconduzir o desenvolvimento

para o equilíbrio, gerando benefícios para todos os que nele coabitam:

Se entendermos o problema da insustentabilidade da vida no planeta como sintoma de uma crise de civilização – dos fundamentos do projeto societário da modernidade -, será possível compreender que a construção do futuro (sustentável) não pode apoiar-se em falsas certezas sobre a eficácia do mercado e da tecnologia – nem sequer da ecologia – para encontrar equilíbrio entre crescimento econômico e preservação ambiental. A encruzilhada em que o novo milênio abre seu caminho é um convite à reflexão filosófica, à produção teórica e ao julgamento crítico sobre os fundamentos da modernidade, que permita gerar estratégias conceituais e praxeológicas que orientem um processo de reconstrução social.

E nesse cenário em que os temas ligados ao ambiente surgem como fator de

relevante papel, e como alternativa clara ao modelo capitalista pautado pelo

consumo. Dados como estes aqui apresentados nos fazem refletir que o “mito” do

desenvolvimento e o modelo de “sociedade moderna”, prometido nos último século

aos países em desenvolvimento não é social, ambiental e economicamente

sustentável. (WWF, 2008; MORIN e KERN, 1995).

Conquanto o cenário futuro possa ser claramente previsto com relação à

expansão das populações, no que toca ao aspecto econômico, caso não se altere a

equação com brevidade, os dias de amanhã já podem também ser projetados. E não

serão gloriosos. Questões como a expansão urbana, aumento populacional, estilos

de vida (consumo) e aquecimento global contribuirão cada vez mais para intensificar

as disparidades existentes em todo o planeta. (UN-HABITAT, 2008/9).

2.6. CONSUMO E SOCIEDADE

Se fôssemos reunir em uma mesma cesta todos os pontos positivos e

negativos colecionados pelo modelo capitalista, da maneira como ele foi concebido,

verificaríamos que toda a força com que ele foi implementado ocasionou uma série

de movimentos sociais a ele contrários e que aos poucos acabaram por delimitar

algumas margens para o seu crescimento. A inclusão da mulher no processo

produtivo, a conquista dos direitos sociais pelos trabalhadores, a diminuição do

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índice de mortalidade infantil, o estabelecimento de limites éticos para o comércio, a

indústria e a propaganda, dentre tantos outros, de alguma forma firmaram-se na

plena vigência e pujança do modelo capitalista atual e acabaram por se revelar

avanços e vitórias sociais, hoje inatacáveis. (MORIN e KERN, 1995).

E, de certa forma, uma das principais motivações para que o processo

industrial e comercial se alastrasse mundialmente, chegando aos rincões mais

pobres do planeta, deve-se justamente à constatação de que nem todas as

sociedades estão protegidas por regras claras contra a exploração do ser humano e

de seu meio por outro ser humano. Muitos dos países que acabaram por abrigar

indústrias expatriadas, somente foram escolhidos por não manterem limites éticos

nas regras trabalhistas e sociais, por protegerem e gerarem regimes de semi-

escravidão, utilizarem mão-de-obra infantil e não fixarem barreiras ambientais e

protecionistas. (ANDERSON; AMODEO; HARTZFELD, 2010).

Por vezes se pode perguntar o motivo pelo qual esse modelo se perpetua, se

os produtos sociais, econômicos e ecológicos resultam ser em sua maior parte

negativos e destruidores.3 E essa dúvida ainda se torna mais paradoxal quando

verificamos que no que toca ao lucro e riqueza, o capitalismo não se apresenta como

algo de desempenho impecável. A propaganda e o estímulo, entretanto, cumprem

sua tarefa: todos querem ser expoentes do modelo capitalista. Os valores pessoais

dos indivíduos acabam sendo subvertidos e delineados. Furtado (2002, p.25) até

comenta que diversos países subdesenvolvidos buscaram imitar os elevados

padrões de consumo dos países industrializados em seus processos

desenvolvimentistas:

Portanto, a crise que aflige o nosso povo não decorre apenas do amplo processo de reajustamento que se opera na economia mundial. Em grande medida ela é o resultado de um impasse que se manifestaria necessariamente em nossa sociedade, a qual pretende reproduzir a cultura material do capitalismo mais avançado, privando assim a grande maioria da população dos meios de vida essenciais.

3 Santos, B (2005, p.24), a ideia tatcherista de que não “há alternativas” ao capitalismo neoliberal conseguiu nos dias atuais um nível de aceitação sem precedentes. Ganhando credibilidade, entre os círculos políticos e intelectuais progressistas, e sendo transformada em uma profecia autorrealizadora (BAUMAN, 2008 p.182).

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Como Morin e Kern (1995, p.83) colocam magistralmente, “nossa civilização,

modelo de desenvolvimento, não estará ela própria doente do desenvolvimento?”

Assim, vemos que negar a importância e o apelo que as vertentes econômicas

atuais exercem sobre as pessoas, seus líderes, corporações e sociedades não

resolveria a questão ligada à busca de uma alternativa suficientemente sólida a

ponto de enfrentá-las em paridade de condições. Curiosamente, em uma sociedade

adoecida, como a do homem contemporâneo, poucas alternativas erigem-se.

Notemos também que se temos por um lado parcela da humanidade que se

beneficia diretamente do produto do modelo econômico das sociedades em que

estão inseridas, não tendo interesse na modificação do status quo, por outro, os

despossuídos e marginalizados, muito embora afastados de qualquer possibilidade

de atingirem os objetivos tidos por essa mesma sociedade como valiosos, mantêm-

se fiéis ao mecanismo. E essa última parcela social, o que merece também

significativa menção, até certo ponto mantém-se hipnotizada, vidrada, seduzida

pelos desejos da posse, tão apaixonantes quanto irrealizáveis.

Destarte, os que detêm tudo não desejam mudar, por medo de perder; os que

nada têm, não querem mudar, ou porque imaginam que um dia terão, ou porque

suspeitam que nada podem fazer nesse sentido. É o mecanismo perfeitamente

engendrado em que a fome gera impotência, que gera submissão, que gera

pobreza, que gera, para outros poucos, poder e riqueza. Um ciclo perverso e que se

mantém ao preço da dignidade humana.

Estudos demonstram que as desigualdades atuam diretamente na

capacidade do ser humano de ser e de fazer. Crianças do sexo feminino, indígenas,

ou que tenham nascido em famílias de baixo poder aquisitivo, apresentam maior

risco de morte na infância e, consequentemente, menos oportunidades de

desenvolver as suas capacidades humanas. (PNUD, 2005, p. 51). Conquanto a

retórica da redução da pobreza e do desenvolvimento sustentável seja apresentada

como prioridade nos discursos globais, há muito por se fazer para que as

desigualdades no mundo sejam menos ameaçadoras.

Amartya Sen, economista indiano, ganhador do Prêmio Nobel de Economia,

defende que o desenvolvimento não pode ser tomado unicamente pela análise de

índices que refletem parcialmente a realidade humana (como o crescimento do

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produto interno bruto ou o crescimento nacional bruto), mas pela expansão das

liberdades substantivas. Afirma o ilustre economista que:

[...] a razão para considerar tão crucial a liberdade substantiva é que a liberdade é não apenas a base da avaliação de êxito e fracasso mas também um determinante principal da iniciativa individual e da eficácia social. Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para desenvolvimento. (SEN, 2000, p. 33).

Segundo o mencionado autor, o alargamento de direitos, oportunidade e

habilitações constitui papel instrumental da liberdade, por meio do qual o

desenvolvimento e o enriquecimento da vida humana são promovidos. Continua o

professor indiano mencionando que a ausência das liberdades substantivas

(desigualdades) pode se apresentar nas mais variadas formas: seja por meio da

marginalização de um determinado país dentro de uma economia globalizada, da

impossibilidade de participar ativamente da política, da desigual distribuição de

renda, dos altos índices de desemprego, da fome, do acesso aos sistemas de saúde,

da destruição da natureza, do acesso desigual à educação e às tecnologias de

comunicação, entre outros. (UN-HABITAT, 2008/9; SEN, 2000).

As desigualdades baseadas na riqueza raramente ocorrem de forma isolada e

trazem consequências internas para todos os envolvidos; englobam pessoas de

ambos os gêneros, ricos e pobres, em áreas urbanas e rurais e influenciam

drasticamente o desenvolvimento humano nessas localidades. (PNUD, 2005).

E poderíamos pensar que nos locais em que há números mais expressivos de

necessitados as desigualdades equivaleriam e os equilíbrios surgiriam em meio à

pobreza. Mas não, não é isso o que se verifica. Países em desenvolvimento

apresentam maiores níveis de desigualdade se comparados com países

desenvolvidos (PNUD, 2005). Se poder e dinheiro não promovem oportunidades

suficientes para todos, nos recantos em que esses elementos estão irregularmente

distribuídos as oportunidades demonstram ser ainda mais rarefeitas,

individualizadas, adquiridas e distribuídas segundo critérios decorrentes do

estabelecimento de privilégios e favorecimentos. Todavia, conforme menciona

Muhammad Yunus (2006, p. 97), economista, ganhador do prêmio Nobel da Paz, em

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seu livro “Banqueiro dos Pobres”, muitos são os fatores que levam a situações de

pobreza e, por isso, definir por meio de critérios teóricos quem é “pobre” é muito

difícil, complementando ele:

Essa vontade de definir quem é pobre e quem, entre os pobres, tem mais necessidade de ajuda não decorre de uma busca de conceituação ideal ou detalhismo, mas de uma preocupação com a eficácia. Na ausência de linhas de demarcação claras, todos os que trabalham nesse campo e tentam aliviar os piores sofrimentos transpõem sem perceber a fronteira que separa os pobres dos não pobres.

Tendo por base que uma região é diferente da outra e considerando a

informação de que “ter 10 hectares de terra coloca uma pessoa ao lado dos ricos

num país fértil e ao lado dos pobres num país desértico” (YUNUS, 2006, p. 97),

torna-se mais compreensível verificar o que caracteriza a pobreza e como se dá a

sua distribuição nos solos pisados pelo homem. A ilustração 07 faz uma alusão à

forma como se dá a distribuição da riqueza no mundo, tornando clara a informação

de que a disparidade entre países do chamado Primeiro Mundo é gritante na

comparação com os menos privilegiados, em sua maior parte situados na África

Subsaariana, Índia, e Sul da Ásia.

Ilustração 07: Níveis de distribuição da riqueza no ano 2000 Fonte: DAVIES et al. The distribution of global household wealth. unu/wider, 2008

O rendimento dos 500 indivíduos mais ricos do mundo é equivalente ao

conjunto do rendimento de aproximadamente 416 milhões dos mais pobres. Ou seja,

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40% da população, que vive com menos de 2 dólares/dia, que estão em países da

África, Pacífico Asiático, América Latina e Caribe, representam tão somente 5% do

rendimento mundial, ao passo que os 10% mais ricos, que estão localizados nos

países da América do Norte, Europa, Japão, Austrália, Nova Zelândia, representam

cerca de 54% do rendimento mundial. (PNUD, 2005).

Nesse contexto, equivale dizer, de forma ilustrativa, que o rendimento global

assemelha-se a uma taça de champanhe (conforme ilustração 08); em seu topo,

20% dos mais ricos detêm 75% da renda mundial, enquanto 40% detêm 5%, ao

passo que na fase intermediária encontram-se os 40% que detêm 20% do todo. E

quando verificamos os 20% mais pobres, constatamos que eles detêm apenas 1,5%

da riqueza total. (PNUD, 2005). A conclusão a que se pode chegar, do contraste

entre o proveito econômico e distribuição, conduz a uma só conclusão: precisam ser

pensadas alternativas que abranjam também um novo olhar sobre as desigualdades

sociais.

Ilustração 08: Rendimento mundial Fonte: PNUD - Relatório de desenvolvimento humano. 2005, p. 37

Como os fenômenos de distribuição irregular da riqueza não detêm

características que façam pressupor serem um problema isolado e passageiro, mas

crônico e mundial, todos os dados levam à crença de que a desigualdade na

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inclusão de pessoas no processo produtivo está diretamente ligada aos óbvios

desequilíbrios planetários. Bauman traz contribuições neste sentido, mencionando

que as imagens vinculadas na mídia, relacionadas às degradantes situações de

miséria no mundo, são parciais mostras da verdadeira realidade:

Acrescentemos que toda associação das horrendas imagens da fome apresentadas na mídia com a destruição do trabalho e dos postos de trabalho (isto é, com as causas globais da pobreza local) é cuidadosamente evitada. As pessoas são mostradas com sua fome, mas, por mais que os espectadores agucem a visão, não verão um único instrumento de trabalho, uma única faixa de terra arável ou uma só cabeça de gado nas imagens, nem ouvirão qualquer referência a nada. (BAUMAN, 1999, p. 71)

Forçoso é concluir que as terras que abrigam os povos miseráveis não

apresentam qualquer recurso que esteja à mão dos menos favorecidos. Sem

qualquer perspectiva de melhora, esses indivíduos veem-se incluídos em um ciclo

que abriga miséria, ausência de instrução, desaparecimento do emprego, completo

abandono. E mesmo que os recursos capazes de amainar o sofrimento estejam

muito próximos, diversas são as razões que os tornam inacessíveis. E ao

aprofundarmos o olhar nas localidades em que a pobreza é mais significativa,

constatamos que para determinados segmentos ela pode ainda ser mais severa.

No que tange às diferenças de sexo, por exemplo, os números são

emblemáticos. Segundo dados da ONU, as mulheres representam cerca de 50% da

população mundial, mas detêm apenas um por cento da riqueza do mundo. No que

tange à empregabilidade, esses números são muito expressivos, uma vez que 75%

das mulheres não podem adquirir empréstimos financeiros, em virtude dos baixos

rendimentos, por não terem direito à propriedade ou simplesmente por não serem

remuneradas pela sua cota de trabalho, vivendo muitas vezes em situações sub-

humanas.4

A pobreza das mulheres, por decorrência lógica, leva à sua precária

educação, à carência alimentar de seus filhos, à ausência de estímulo e perspectivas

de um futuro melhor, perpetuando o estado de miserabilidade. Sendo assim, vencer

desigualdades dessa natureza poderia produzir amplos efeitos sobre a desnutrição e

Disponível em: < http://www.undp.org/poverty/ focus_gender_and_poverty.shtml> Acesso em: 08.04.2011.

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perda de peso em crianças, gerando melhores perspectivas e bem-estar, reduzindo

a pobreza das gerações futuras. (UNFPA, 2010; PNUD, 2005, YUNUS, 2006).

As desigualdades de gênero, de renda e de oportunidades em que vive

grande parte da população de Bangladesh, apenas a título ilustrativo, perpetuam-se

pela dificuldade de aferir empréstimos ínfimos, na conta de U$ 27, que lhes permita

independência financeira momentânea, a fim de que possam levar adiante seus

negócios, por meio da compra de matérias-primas e equipamentos. Sem essa

mínima possibilidade, até certo ponto irrisória, uma família inteira remanesce

destinada ao abandono, na maioria dos casos, pela existência inteira. (YUNUS,

2006).

Ou seja, a desigualdade não representa uma questão exclusiva da

disparidade de renda e ou gênero, nem uma circunstância que afasta as pessoas da

possibilidade de serem ricas, mas a necessidade de inclusão digna no mercado

produtivo da população desempregada, promovendo autonomia do indivíduo de

forma tal que ele seja capaz de satisfazer as necessidades básicas de subsistência.

(LOPES, C.; SACHS, I.; DOWBOR, L., 2010). Transparece a clareza da conclusão

de que é mais uma questão de ausência de oportunidades do que propriamente de

inexistência de soluções possíveis. É evidente que em um cenário em que as

diferenças sejam tão eminentes, a apuração da forma e do montante dos

investimentos sociais e públicos somente poderia se revelar também paradoxal.

De acordo com Lopes, Sachs e Dowbor (2010 p. 12), em 2008 o investimento

em armamento alcançava a cifra de 3 trilhões de dólares, ou seja, 284% a mais do

que era em 1998, sendo bem ilustrativo o quadro 02, ao definir a forma como se dá a

distribuição dos investimento, em diversas áreas, de acordo com a característica

geográfica predominante. Como se vê, tais informações são muito úteis para a

compreensão da dimensão das incongruências e desigualdades. Torna-se evidente

que criar, do zero, condições para todo um país ou todo um continente submerja da

absoluta pobreza para a autossustentabilidade, sem que se desenvolvam projetos

simples ligados à criação de microoportunidades, permanecerá como uma tentativa

utópica de resolver a questão.

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Quadro 02 – Gastos anuais em dólares - 1998 Fonte: LOPES, C.; SACHS, I.; DOWBOR, L. Crises e oportunidades em tempos de mudança (2010, p. 12)

Se há problemas crônicos de desestrutura e desorganização, de ausência de

oportunidades de estudo e educação, a revolução há de ser implementada na

própria rede de relações já existentes. Como vemos no relatório da ONU:

O emprego informal representa entre a metade e três quartos do emprego não agrícola na maioria dos países em desenvolvimento. A parte dos trabalhadores informais, na força de trabalho não agrícola, varia entre 48% na África do Norte e 51% na América Latina e o Caribe, atingindo 65% na Ásia e 78% na África Subsaariana. (UN – The Inequality Predicament, New York, 2005, p. 30, apud LOPES,C.;SACHS,I.;DOWBOR,L, 2010).

A parcela miserável do mundo, portanto, não está no estado em que se

encontra por conta do número de universidades ou de empregos formais, mas

porque sua população, em sua maioria desqualificada, não tem oportunidades de

subsistência, nem possibilidades futuras de melhoria. Assim desenvolve-se a

mentalidade da mais completa desesperança, incapaz de promover revoluções

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econômicas. Quando Yunus (2006, p. 283) foi questionado a respeito dos interesses

que permitem que a mentalidade geradora de pobreza perpetue-se, respondeu:

Ora, os economistas só reconhecem um único tipo de emprego: o emprego assalariado. Em suas obras nunca se fala de trabalho autônomo. No mundo concebido pelos economistas, supõe-se que passamos a infância e parte da juventude num esforço incessante para estar em condições de conquistar nossos empregadores potenciais. Quando estamos prontos, apresentamo-nos ao mercado de trabalho, e quando não se encontra um empregador os aborrecimentos começam. Os que moram nos países industrializados devem se resignar a uma vida de beneficiários do amparo social; e os que moram nos países subdesenvolvidos, a uma existência de pobreza e miséria.

Começamos, assim, a delinear um novo formular de ideias, abandonando os

fatores macroeconômicos e fixando o olhar no micro mais micro, numa forma de

pensar em que a capilaridade seja tão bem distribuída, cobrindo tantos pontos, que

seus reflexos acabem influenciando tanto e a tantos que em determinado momento a

produção e distribuição de riqueza deixe de ser fator de empobrecimento.

2.7. A NECESSIDADE DE UMA NOVA ALTERNATIVA

Como resultado do que foi descrito até aqui, percebemos uma série de

transformações econômicas, ambientais, sociais e culturais pelas quais vem

passando o planeta nas últimas décadas. É fato que em praticamente todo o mundo

as pessoas estão cada vez conscientes do impacto que o ato da compra pode

exercer nas condições de vida da população e no meio ambiente em países em

desenvolvimento. Todos, em algum nível, temos o conhecimento de que a decisão

de adquirir um determinado bem repercute em uma cadeia de indivíduos e

empresas, marcados por um vínculo de dependência.

A economia neoclássica, assume frequentemente que o consumidor exerce

uma certa soberania sob as sua escolhas, contudo isto não passa de uma

mistificação, conquanto “é a empresa quem controla o comportamento do mercado,

dirigindo e configurando atitudes sociais e as necessidades, impondo seus próprios

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objetivos como objetivos sociais” (CARON; SEQUINEL, 2010 p. 38). Conforme bem

menciona Portilho (2005, p.94):

A teoria de escolha do consumidor parte da hipótese da racionalidade: o consumidor escolhe, no universo de opções disponíveis, a combinação coerente de bens que maximize sua satisfação ou sua função de utilidade Essa teoria pressupõe que os atores econômicos mantêm-se coerentes consigo mesmos dentro de uma determinada estrutura de comportamentos e escolhas.

Já para Morin e Kern, “a economia mundial é cada vez mais um todo

interdependente: cada uma das suas partes tornou-se dependente do todo, e,

reciprocamente, o todo sofre as perturbações e vicissitudes que afetam as partes”. O

ideal a ser seguido, pois, cada vez mais permite concluir que é o de um sistema em

que suas arestas se tangenciem; em que o modelo econômico implementado

unifique e iguale, desenvolva e enriqueça uniformemente. (MORIN; KERN, 1995;

ANDRADE, 1975).

Preocupações com respeito às leis trabalhistas, condições de trabalho

seguras e saudáveis, sustentabilidade ambiental e equidade de gênero na produção

são exigências cada vez mais cobradas pelos consumidores, especialmente com a

popularização das condições com que os produtos são desenvolvidos em nações

emergentes como Índia, China e Paquistão, bem como do impacto sócio-econômico-

ambiental decorrentes dessa produção. Movidos por uma nova onda de consciência,

grupos de consumidores têm impulsionado a criação de diretrizes e mesmo exigido a

revisão de procedimentos comerciais e industriais potencialmente lesivos, prática

esta que não se poderia cogitar poucos anos atrás.

Boicotes organizados com abrangência mundial e correntes de informações

transitando em tempo real, ambos contando com ampla divulgação pelo meio

eletrônico, já não podem ser menosprezados como meio eficaz de forçar a revisão

de hábitos de produção e distribuição de produtos. A tecnologia, nesse pormenor,

tem servido como eficaz meio de fiscalização e regulação das atividades comerciais,

como bem enfatiza Dowbor:

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É interessante, para todos nós, ver que enquanto os mecanismos de mercado estão sendo engessados pelos gigantes transnacionais ou nacionais que monopolizam amplos setores econômicos, manipulam os fluxos e restringem o acesso às informações, estão surgindo formas alternativas de regulação econômica baseadas em valores e participação direta do cidadão. (2007, p.22).

Como resultado desse novo panorama mundial, simultaneamente à ampliação

da participação de países e empresas, na tentativa de equilibrar as disparidades

sociais existentes e auxiliar na diminuição da pobreza nos países em

desenvolvimento, campanhas de incentivo a alterações de regras e práticas do

sistema convencional de comércio vêm surtindo efeito no processo de sensibilização

dos consumidores de todo o mundo. (FLO, 2007). A cada dia com mais intensidade,

vem-se alterando o outrora desalentador ponto de vista segundo o qual, de acordo

com Santos:

Consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão. (SANTOS, M., 2000, p. 25).

Inúmeras tentativas, a princípio incipientes, acabaram por demarcar uma

contraofensiva ao modelo de consumo, pressagiando o final de um estágio evolutivo

letárgico, marcado pela inércia e apatia social. A ideia motriz de tais movimentos foi a

de trazer à consciência do consumidor a percepção de que há povos que vivem

outra realidade econômica, que têm potencial para fazer produtos de qualidade, que

têm desejo de se desenvolverem e que o simples ato de consumir pode influenciar

diretamente na transformação de muitos dados de realidade.

Assim, a divulgação de informações às massas, que dão noção de

proximidade entre o produtor e o consumidor, passou a permitir a qualquer indivíduo

atento tomar contato com as perspectivas positivas que sua atuação, como peça

essencial dessa engrenagem, pode produzir. Ela faz perceber que, por exemplo, o

preço de um produto, quando muito baixo, pode repercutir no elo inicial da cadeia

produtiva, do outro lado, que pode receber valor infinitamente inferior ao cobrado do

consumidor final.

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Conectando-se, mesmo que por um tempo mínimo, à realidade daquele

produtor, o consumidor passou a poder fazer conexões lógicas de pensamento,

considerar-se apto a cooperar, inserir-se e alterar definitivamente os rumos da

sociedade que integra. A informação, somada a noção de que a simples ação

consciente pode produzir resultados, foram as grandes molas propulsoras desse

novo pensamento. Diminuir-se-ia, assim, a ausência de sentido que caracteriza a

“sociedade de consumo” do século XXI, fazendo o indivíduo sentir-se como uma

peça fundamental no mecanismo que conduz à harmonia da civilização.

A primazia do homem supõe que ele estará colocado no centro das preocupações do mundo, como um dado filosófico e como uma inspiração para as ações. Dessa forma, estarão assegurados o império da compaixão nas relações interpessoais e o estímulo à solidariedade social, a ser exercida entre indivíduos, entre o indivíduo e a sociedade e a vice-versa e entre a sociedade e o Estado,reduzindo as fraturas sociais, impondo uma nova ética, e, destarte, assentando bases sólidas para uma nova sociedade, uma nova economia, um novo espaço geográfico. O ponto de partida para pensar alternativas seria, então, a prática da vida e a existência de todos.(SANTOS. M, 2000, 72).

Afinal, se vivemos em uma era em que o ato do consumo pode considerar

outros elementos além do preço e da utilidade do produto como pode ser possível

expandir os benefícios desse processo? Como podemos conciliar os prazeres, os

sonhos e os desejos celebrados no imaginário da sociedade de consumo, trazendo

benefícios para as comunidades produtoras e para o meio ambiente dos países mais

pobres, de forma justa e realmente equitativa?

Os europeus em particular têm sido porta-vozes de propostas alternativas5,

social, ética e ambientalmente corretas, com vistas a diminuir as desigualdades

geradas a partir do sistema de normas e regras que regem as relações do comércio

internacional, tais como o Comércio Justo, sobre o qual cumpre tecer considerações.

O Comércio Justo tem sua origem na insatisfação com a manutenção de efeitos

colaterais indesejados do capitalismo, mormente no que toca aos âmbitos social,

econômico e ambiental, já largamente detalhados até aqui. Iniciou-se como uma

onda de reflexão e conscientização, consolidando-se como um movimento

econômico alternativo, que elegeu como objetivo principal diminuir as disparidades 5 “Na falta de um termo melhor, as práticas e teorias que desafiam o capitalismo são frequentemente

qualificadas como alternativas”. Para aprofundamento deste tema, consultar Santos. B, 2005.

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econômicas e sociais criadas nas relações comerciais dentre os países do Norte

(desenvolvidos) e do Sul (subdesenvolvidos ou em desenvolvimento), estabelecendo

contato direto entre produtores e compradores e renegociando as bases das

negociações envolvendo esses dois polos.

Inicialmente, dentro de um ímpeto idealista, imaginou-se que se poderia

eliminar o lucro como elemento central das trocas comerciais. Em um segundo

momento, após o amadurecimento natural de todo o processo, verificou-se que não

há paradoxo na manutenção do fenômeno lucrativo, e que, ao contrário, muito mais

sentido faria a distribuição da riqueza oriunda da movimentação dos produtos. O

curioso desse método é que a obtenção do lucro por parte dos denominados

“investidores”, muito embora esteja presente, revela-se como instrumento periférico

nessa equação. Isso porque muitos dos produtos dessa atividade não podem ser

aferidos monetariamente, pois são reflexos, indiretos. E vários outros aspectos

passaram a fazer parte da equação que usualmente afere se determinado

empreendimento é ou não “rentável”.

Talvez a grande inovação dessa nova ótica comercial foi a de possibilitar que

determinadas comunidades, afastadas do processo econômico mundial, pudessem

ser reconhecidas como capazes de se organizarem, de produzirem e subsistirem de

forma digna. Nos diversos países em que atua, o Comércio Justo, ou Fair Trade

(como é conhecido internacionalmente), caminha paralelamente com outros

movimentos que buscam oferecer formas alternativas ao sistema convencional de

comércio. Dentre essas iniciativas, destacam-se:

Comércio ético (ETI): é uma aliança das empresas, sindicatos e

organizações de voluntários, que prevê um mundo onde todos os trabalhadores

estão livres de exploração e discriminação. As empresas parceiras se comprometem

a adotar um código de práticas, que envolvem: salários, horas de trabalho, saúde,

segurança e o direito de aderir a sindicatos livres, para as pessoas envolvidas na

cadeia de abastecimento e produção.6

6 Disponível em: <http://www.ethicaltrade.org/about-et> Acesso em : 24.07.2010.

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Economia Solidária: “compreende-se por economia solidária o conjunto de

atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito,

organizadas sob a forma de autogestão”.7

Indicação geográfica (IG): O produto ou o serviço portador de uma indicação

geográfica tem identidade própria e inconfundível. Exatamente por isso, e visando à

perpetuação dessa identidade, o produtor ou o prestador de serviço tem que

respeitar as regras de produção ou prestação específicas, o que pode vir a elevar o

seu preço.

Essas características justificam um valor agregado bastante significativo,

capaz de remunerar as condições de produção ou de prestação de serviço, que são

distintas daquelas feitas em grande escala. O produto ou o serviço passa a desfrutar

de uma reputação e os seus consumidores ou usuários se dispõem a pagar um

pouco mais, já que se trata de um produto ou serviço excepcional.

Consequentemente, a sua substituição por outros passa a ser mais rara.8

Produção Orgânica: é “um sistema de produção holística, que promove e

melhora da saúde do ecossistema agrícola, ao fomentar a biodiversidade, os ciclos

biológicos e a atividade biológica do solo. Privilegia o uso de boas práticas de gestão

da exploração agrícola, em lugar dos recursos de produção externos.“9 Mas diante

de identidade de propósitos com vários movimentos sociais, econômicos e culturais,

bem como em face das questões conectadas à crítica à dubiedade inserida nos

conceitos etimológicos da palavra “justo”, bem como sobre as dúvidas de sua

implementação prática, cumpre sejam feitos esclarecimentos acerca de todos os

pontos que possam ser úteis na busca de sua individualização e aplicação.

7 Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ ecosolidaria_oque.asp> Acesso em: 09.10.2010 8 Disponível em: <http://www6.inpi.gov.br/indicacao_geografica/ indicacao/apresentacao.htm> Acesso

em:16.04.2011. 9 Disponível em: <www.agrobio.pt/agricultura_biologica.php> Acesso em : 24.07.2010.

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3. O COMÉRCIO JUSTO

“E tudo o que em nosso viver vivemos ou fazemos também pertence ao suceder desse contínuo fluir sistêmico- recursivo, num contínuo deixar de ser inconsciente”.

Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano

3.1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO COMÉRCIO JUSTO NO MUNDO

Sendo sua origem incerta, já que não documentada formalmente, estima-se

que o Comércio Justo tenha surgido nos Estados Unidos a partir da segunda metade

do século XX e progressivamente tenha se espalhando por toda a Europa, a qual se

encontrava nesta época sensibilizada pelo florescimento do humanismo religioso e

pelo movimento de natureza político-literário, em prol do Terceiro Mundo. (EFTA,

2006).

As primeiras atividades desempenhadas pelos idealizadores do conceito de

comércio justo, levadas a cabo por pequenas instituições européias e norte-

americanas, ligadas a movimentos populares em prol de uma maior autogestão e

solidariedade, dedicaram-se à exploração e divulgação do artesanato, que constituía

fonte de renda complementar de indivíduos oriundos de comunidades pobres e/ou

oprimidas em virtude dos sistemas político e econômico vigentes em seus países.

(EFTA, 2006).

Nesse período inicial da caminhada surgiram as primeiras organizações de

comércio alternativo (Alternative Trade Organisations – ATO), cujo objetivo era

organizar a importação, exportação e logística dos produtos oriundos de países em

desenvolvimento, auxiliando, por outro lado, no processo de conscientização e

sensibilização dos consumidores. Dentre estas organizações vale destacar: Ten

Thousand Villages e SERRV, nos Estados Unidos, Oxfam, Fair Trade Original e

Traidcraft, na Europa. (EFTA, 2006).

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1968: Em Nova Delhi, Índia, acontece a 2ª. Conferência das Nações Unidas

sobre Comércio e Desenvolvimento, onde representantes dos países do então

denominado “terceiro mundo” acabariam por defender o ideal de que o comércio

entre as nações não deveria ser considerado como ajuda e sim uma oportunidade de

desenvolvimento para ambas as partes, proferindo o slogan “Trade not Aid”. (EFTA,

2006; RAYNOLDS, 2000).

1969: É inaugurada a primeira loja de comércio justo “World Shops”,na

Holanda, motivada pela campanha de sensibilização organizada por alguns

produtores do açúcar de cana-de-açúcar do Sul, que vendiam seus produtos com a

seguinte mensagem “by buying cane sugar you give people in poor countries a place

in the sun of prosperity”. (EFTA, 2006).

A abertura das World Shops na Europa tiveram papel crucial no

desenvolvimento e expansão do movimento, dando início a uma longa trajetória de

Comércio Justo entre os países dos Hemisférios Norte e Sul. (ASTI, 2007).

Simultaneamente, nesse mesmo período (durante as décadas de 1960 e 70),

indivíduos e organizações não-governamentais (ONGs), situadas nos países do

Hemisfério Sul (África, Ásia e América Latina), iniciaram um trabalho de organização

de produtos e produtores, prestando assistência, consultoria e apoio aos indivíduos

e associações, com o objetivo de estabelecer acordos comerciais equitativos com

instituições sediadas em países do Norte. (ASTI, 2007).

1973: A Fair Trade Original, sediada na Holanda realiza a primeira importação

de Comércio Justo, com a compra de café de pequenos produtores da Guatemala.

Este fenômeno dará início, nas próximas décadas, à importação de uma série de

novos produtos, tais como: arroz, cacau, chá, açúcar, frutas secas, mel, banana,

sumos de frutas, especiarias, flores, algodão, vinhos etc. (EFTA, 2006).

1984: Após poucas décadas de comercialização de produtos equitativos,

ocorre a primeira conferência das Lojas de Comércio Justo. Essa conferência versou

sobre o trabalho voluntário das instituições sediadas em toda a Europa, e, como

consequência, dá nascente a uma rede de cooperação, que em 1994 faz surgir a

Network of European World Shops - NEWS!. (EFTA, 2006).

1987: As conferências, informais e esparsas a princípio, ensejam a

formalização de um movimento que rapidamente vem a tornar-se organizado e

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reconhecido internacionalmente, culminando com a criação da European Fair Trade

Association – EFTA, na Holanda. Composta pela associação das 11 maiores

organizações importadoras de Comércio Justo, distribuídas em 9 países da Europa,

ela estabeleceu por objetivo reforçar a aliança, sensibilizar e disseminar informações

políticas do Comércio Justo entre seus membros. (EFTA, 2006; SCHNEIDER, 2007).

Com o declínio do preço do café, ocorrido na década de 80, a sobrevivência

dos pequenos produtores, cujo número havia crescido sensivelmente no mundo,

dado a crescente demanda da bebida, resultou em um cenário preocupante em

vários países em que o cultivo era implementado. Foi então que o padre holandês

Franz Vanderhoff, o qual desenvolvia trabalhos com pequenos produtores de café no

Sul do México, percebeu que a existência de um selo para produtos equitativos

diferenciaria este dos demais ofertados no mercado e possibilitaria que uma rede

bem maior de estabelecimentos pudesse comercializá-lo. (ASTI, 2007; EFTA,2006)

1988: Por iniciativa da Agência Holandesa de Solidariedade, foi lançado o

primeiro selo de Comércio justo, Max Havelaar, para o café produzido na cooperativa

UCIR, no Estado de Oaxaca, Sul do México. (JAFFE, MONROY & KLOPPENBURG,

2004).

Nos anos seguintes, outras organizações não governamentais de certificação

surgiram em diferentes regiões dos Estados Unidos e da Europa, tais como: Fair

Trade Mark (Irlanda e Reino Unido), Max Havelaar (Bélgica, França, Dinamarca,

Noruega e Suíça), Transfair (Austrália, Alemanha, Itália, Luxemburgo, Estados

Unidas, Canadá e Japão), Rattvisemarkt, na Suécia, e Kauppa Reilu, na Finlândia.

(EFTA, 2006).

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1989: É criada a International Fair Trade Association – IFAT, na Holanda

(atualmente denominada The World Fair Trade Organization – WFTO), para

representar as redes de organizações de Comércio Justo, composta por

aproximadamente de 300 membros (produtores, importadores, exportadores,

revendedores etc.) de 70 países, com o objetivo de promover a abertura de novos

mercados, assim como o intercâmbio de ideias, tecnologias e informações. Sua

preocupação estava em estabelecer uma visão mais unificada do conceito e práticas

do Comércio Justo, de forma a promover a melhoria na qualidade de vida dos

produtores em desvantagem. (EFTA, 2006).

1994: É criada a Network of European Worldshops – NEWS!. Fundada na

Holanda, passou a exercer a função de promover campanhas, estimular o

intercâmbio de experiências e informações relacionadas à venda e à compra de

produtos considerados éticos e justos. É uma rede formada por 15 associações com

mais de 2500 lojas distribuídas em mais de 13 países da Europa Ocidental. (EFTA,

2006; SCHNEIDER, 2007).

Nesse mesmo ano, atacadistas, varejistas e produtores de comércio justo dos

países do pacífico (América do Norte, Austrália, Japão e Nova Zelândia) reúnem-se

para formar a North American Alternative Trade Organization – NAATO, nos Estados

Unidos, que passou a se chamar Fair Trade Federation – FTF. Atualmente com 115

associados nos EUA e Canadá, é responsável por fortalecer e promover

organizações norte-americanas de comércio justo. (EFTA, 2006; SCHNEIDER, 2007;

ASTI, 2007).

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1997: Com a responsabilidade de unir as 14 iniciativas nacionais de

certificação criadas na década de 80, é criada a Fairtrade Labelling Organizations

International – FLO, na Alemanha. Passa ela a ser responsável pelo processo de

certificação, auditoria e rotulagem dentro das diretrizes do Comércio Justo. Conta

atualmente com 20 associados em 21 países. (EFTA, 2006; SCHNEIDER, 2007).

1998: Tendo em vista a necessidade de representar o movimento de comércio

equitativo, surge a FINE, organização guarda chuva formada pela união das quatro

maiores redes de C omércio Justo da Europa (FLO, IFAT, NEWS e EFTA) a qual

passou a ser chamada de Fair Trade Advocacy Office – FTAO, em 2004. Em seu

escritório sediado na cidade de Bruxelas, na Bélgica, delibera a respeito de questões

legais e de convencimento padronizando o discurso do Comércio Justo no mundo.

(EFTA, 2006; SCHNEIDER, 2007).

2000: Estabeleceram-se redes de cooperação regionais, tais como:

Cooperação para o Comércio Justo na África – COFTA, Fórum Asiático de Comércio

Justo – AFTA (WFTO Ásia), IFAT Latinoamerica (WFTO Latin America), CLAC -

Coordenadora Latino-Americana e Caribenha dos Pequenos Produtores, WFTO

Europe (antiga – IFAT). (EFTA, 2006; SCHNEIDER, 2007).

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Nessa época surgiram também algumas redes voltadas para os mercados

internos de alguns países, tais como: ECOTA - Fórum de Comércio Justo, em

Bangladesh; Parceiros Associados para um comércio mais justo, nas Filipinas; o

Fórum de Comércio Justo da Índia; a Federação do Quênia para o Comércio

Alternativo – KEFAT; o Fórum de Comércio Justo Peruano; a Plataforma Brasileira de

Comércio Justo – FACES do Brasil. (ASTI, 2007).

Vale mencionar que, com o passar do tempo e com a unificação das

instituições de Comércio Justo em blocos regionais (COFTA, WFTO Ásia, WFTO LA,

WFTO Europe, FTF), as disputas internas do movimento ficaram maiores e mais

evidentes. (ASTI, 2007). Isso se deu porque, se por um lado o crescimento da rede

de Comércio Justo havia promovido até ali mais integração e fortalecimento, por

outro gerou enfraquecimento dos produtores. Foi criado um mercado até certo ponto

exclusivo. Até certo ponto porque muitos passaram a concorrer nesse filão, com

vistas a satisfazer as demandas por menor preço e qualidade exigidas pelos

consumidores. (ASTI, 2007).

2001: Com o intuito de alinhar o entendimento a respeito do Comércio Justo

no mundo, em dezembro de 2001 as principais instituições internacionais de

Comércio Justo, Fairtrade Labelling Organizations International – FLO, International

Fair Trade Association - IFAT (agora WFTO), European Fair Trade Association - EFTA

e Network of European World Shops - NEWS! reuniram-se, definindo o seguinte

conceito:

Comércio Justo é uma parceria comercial baseada em diálogo, na transparência e no respeito, que busca maior equidade no comércio internacional e contribui para o desenvolvimento sustentável através de melhores condições de troca e da garantia dos direitos para produtores e trabalhadores marginalizados – principalmente do Sul (do planeta). As organizações de Comércio Justo (com apoio dos consumidores) vêm se empenhando ativamente em fortalecer os produtores, em sensibilizar a opinião pública em conduzir campanhas direcionadas a propor mudanças nas regras e práticas do comércio internacional convencional.

2003: Todas as entidades nacionais, com exceção da Suíça, EUA e Canadá,

passaram a utilizar o um selo único para facilitar o comércio em mais de um país,

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abdicando de suas marcas próprias e adotando a marca global de Comércio Justo.

(SCHNEIDER, 2007).

Países como Holanda, França, Bélgica e Suíça, que antigamente utilizavam o

selo “Max Havelaar”, passaram a adotar o selo FLO Max Havelaar, da mesma forma

que os países como Alemanha, Itália, Luxemburgo, Áustria, Canadá e Japão

adotaram o selo é FLO TransFair, com vistas a não abandonar de todo a vinculação

às denominações das marcas próprias, que já eram reconhecidas mundialmente.

(ASTI, 2007).

3.2. OS PRINCIPAIS ATORES DO COMÉRCIO JUSTO NA EUROPA

Como já foi frisado anteriormente, embora o movimento tenha tido origem nos

Estados Unidos, foi na Europa que o Comércio Justo encontrou maior ressonância,

principalmente junto aos consumidores, há muito reconhecidos pelo grau de

consciência e efetividade com que exercem o papel social que lhes compete.

Possivelmente por conta dessa característica, foi na Europa que surgiram alguns dos

atores mais significativos para a consolidação dos pilares do Comércio Justo no

mundo. Como a história dessas instituições se confunde com o que é, hoje, o

Comércio Justo, qualquer exposição minimamente abrangente sobre este tema não

se completaria sem o estudo sobre elas.

3.2.1. FINE

Criada em 1998, representa a união das quatro instituições guarda-chuva que

coordenam e monitoram o movimento de Comércio Justo internacionalmente (FLO,

IFAT, NEWS! e EFTA). Dentre as suas principais atribuições constam:

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- Desenvolver normas e diretrizes para o movimento de Comércio Justo;

- Aumentar a qualidade e eficiência dos sistemas de monitoramento;

- Divulgar informações e comunicações do movimento;

- Deliberar a respeito de questões legais e de convencimento.

Responsável por coordenar as quatro instituições, promove a união dos seus

membros regularmente, com o intuito de deliberar a respeito dos caminhos e

estratégias a serem seguidos pelo movimento. (DAWS, 2007). Está particularmente

envolvida no monitoramento do Comércio Justo e na sensibilização política (também

conhecida no movimento como advocacy) de organizações governamentais e

intergovernamentais.

Em suas atividades, coopera estreitamente com um número considerável de

apoiadores e organizações nacionais de Comércio Justo, tanto na Europa quanto no

resto do mundo. Dentre as suas mais importantes conquistas podemos citar: a

resolução aprovada pelo Parlamento Europeu em 2006, que recomenda à Comissão

Europeia (formada por 46 países da Europa) reforçar o compromisso da União

Europeia com o Comércio Justo, reconhecendo esse movimento como uma

ferramenta eficaz para o desenvolvimento sustentável. (DAWS, 2007).

3.2.2. FLO

Criada em 1997, a Fairtrade Labelling Organization – FLO credita

certificadoras nacionais em ambos os hemisférios. Surgiu para unir, promover e

coordenar as iniciativas nacionais, procurando implantar um sistema comum de

certificação, mais eficiente, simples e menos custoso para as associadas. (ASTI,

2007).

Atualmente 17 iniciativas nacionais utilizam o mesmo processo de avaliação e

indicadores, sendo representadas por uma única marca que as identifica na Europa

como Comércio Justo. (ASTI, 2007). Dentre as principais funções desta organização

estão: a garantia da observância dos critérios de certificação de comércio justo por

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todos os atores; organizar o fornecimento de produtos de acordo com a demanda;

aconselhar grupos de produção e estimular o seu desenvolvimento. (ASTI, 2007).

O sucesso do Comércio Justo no mundo não seria possível sem a certificação

de produtos em larga escala. Atualmente milhões de produtores e trabalhadores em

desvantagem, em aproximadamente 73 países, beneficiam-se com a venda de

produtos com o selo correspondente. (ASTI, 2007; SCHNEIDER, 2007). A cada ano

aumenta consideravelmente o número de organizações produtoras que buscam ser

certificadas como Comércio Justo, como demonstra o quadro 03. No ano de 2009,

por exemplo, aproximadamente oitenta e duas novas organizações de produtores

foram certificadas pela FLO, representando um incremento de 11% em relação ao

ano anterior. (FLO, 2009).

Quadro 03: Evolução do número de organizações de produtores certificados 2005/2009 Fonte: Annual Report 2009/2010 - Fairtrade Labelling Organizations International (FLO)

Isso demonstra o fortalecimento da marca e o interesse dos produtores em se

filiarem ao movimento. Das 827 instituições, localizadas em mais de 60 países,

duzentos e trinta e uma estão sediadas na África e no Oriente Médio, enquanto que

120 estão localizadas na Ásia e 476 na América Latina e Caribe, o equivalente a

aproximadamente 1,2 bilhões de produtores e trabalhadores envolvidos em todo o

mundo. (FLO, 2009).

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Atualmente 20 diferentes categorias de produtos são certificados pela FLO

Labelling Initiatives ou pela FLO-CERT, tais como: flores e plantas, banana, cacau,

café, algodão, flores, mel, sucos, arroz, açúcar, nozes, dentre outros (FLO, 2009), de

acordo com o que se vê do quadro 04, abaixo. Dentre os produtos citados, vale

destacar os números de venda anual do cacau e açúcar, em virtude dos aumentos

significativos, os quais estão diretamente relacionados ao comprometimento de

compra de 100% destes commodities por empresas de porte internacional, como:

Cadbury Dairy Milk, Nestlé, UK’s Kit Kat, Ben & Jerry’s e Green & Black’s. (FLO,

2009). Esses dados evidenciam que também muitas empresas de renome mundial

vêm procurando ligar suas marcas a um conceito ético e justo.

Quadro 04: Valor estimado de venda por produto Fonte: Fairtrade Labelling Organizations International (FLO).- Annual Report 2009/2010

E apesar das crises econômicas que abalaram a economia mundial nos

últimos anos, os produtos de Comércio Justo certificados têm mantido uma média de

crescimento anual e vem progressivamente conquistando novos mercados. O

mercado para produtos do Comércio Justo movimenta atualmente na Europa mais

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de US$ 3,4 bilhões em produtos certificados, o que pressupõe um incremento nas

vendas de 15% com relação ao ano de 2008. (FLO, 2009).

Atualmente cerca de 70 países comercializam mais de 27 mil produtos

certificados como Comércio Justo. Dentre estes países, vinte são os mais

representativos em termos de valor estimado de venda, apresentando vendas

superiores a 100 milhões de euros ano, tais como: Estados Unidos, França

Alemanha, Suíça, Irlanda, Inglaterra e Canadá. (FLO, 2009).

Quadro 05: Valor estimado de venda por país 2008/2009 Fonte: Fairtrade Labelling Organizations International (FLO). -Annual Report 2009/2010

Vale mencionar, segundo dados da FLO, que a Inglaterra vem superando os

Estados Unidos em número de vendas pelo terceiro ano consecutivo. Apresentando

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em 2009 um valor total de vendas de 897,3 milhões de euros, o equivalente a 14%

de aumento com relação ao ano anterior. (FLO, 2009). E como se vê do quadro 05,

outros países, como Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Finlândia, também se

destacam pelo aumento significativo, cerca de 50%, em comparação ao ano anterior.

(FLO, 2009).

Outro dado interessante de se notar é a inclusão de países do Leste Europeu

no ranking dos que comercializam produtos de Comércio Justo, tais como: República

Checa, Latvia, Lituânia, África do Sul e Estônia. (FLO, 2009). Todavia, apesar da

grande procura pela certificação, somente alguns produtos são aprovados, levando

em consideração a existência de demanda pelo produto no mercado convencional.

“De acordo com a FLO, anualmente lhe chegam entre 300 a 500 pedidos de

certificação, mas ela é obrigada a negar até 90%, devido à falta de demanda.”

(SCHNEIDER, 2007). Assim, vemos que além dos interessados terem de se adequar

a uma série de exigências formais para que seus produtos sejam considerados

integrantes do Comércio Justo, a realidade obriga muitos produtores a verem

rejeitadas sua pretensão de certificação, por absoluta ausência de mercado para

seus produtos. Isto demonstra que embora os produtos certificados do Comércio

Justo venham se afirmando como uma alternativa econômica viável, muito há por ser

feito para modificar a vida de milhões de pequenos produtos rurais

3.2.3. IFAT

Criada em 1989, a International Fair Trade Association – IFAT (conhecida

atualmente como: WFTO (World Fair Trade Organization) possui como missão a

promoção do bem-estar e a melhoraria na qualidade de vida de produtores e de suas

comunidades. As atividades da organização estão centradas em três principais áreas

de trabalho: cooperação e a troca de experiências para o desenvolvimento do

mercado, monitoramento e advocacy. (DAWS, 2007).

É uma rede mundial composta por diferentes atores, que atuam em cadeias

alternativas de comércio realizando atividades que vão desde a produção até a

comercialização. Dentre estes podemos citar: produtores; exportadores;

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importadores; lojas; certificadoras; organizações de apoio; e instituições que

viabilizam o micro-crédito. (ASTI, 2007). Regidos pelos princípios do Comércio Justo,

seus membros são desde pequenos produtores até grandes corporações, que se

reúnem para criar novas oportunidades de mercado, minimizando a intermediação e

contribuindo para melhoraria na qualidade de vida de pequenos produtores dos

países do Sul. (ASTI, 2007).

Com o objetivo de gerar confiança em um comércio justo, por meio de um

sistema participativo de monitoramento da rede, realizado pela Faitrade

Organizations – FTO, que se encarrega de garantir e exigir a transparência entre

seus membros e associados. Atualmente a IFAT conta com 300 membros em 70

países, localizados na Ásia, África, América Latina e Europa, e cerca de dois terços

de seus associados são de países em desenvolvimento, que buscam alternativas

para as injustiças praticadas no comércio mundial e para a luta contra a fome e a

pobreza. (EFTA, 2006). Diferentemente da FLO, aproximadamente 80% dos

membros da IFAT (WFTO) são produtores especializados em artesanato, que

escoam suas produções para lojas especializadas, que asseguram aos

consumidores a sua real origem. (ASTI, 2007).

3.2.4. NEWS!

Criada em 1994, a Network of European Worldshops - NEWS! facilita a

cooperação e articulação entre seus membros, através da troca de informação por

meio de newsletters, site, workshops, dentre outros, divulgando dados e produtos

nas feiras e conferências organizadas pelo mundo. (ASTI, 2007). A NEWS!

representa cerca de 3200 lojas, em aproximadamente 15 países da Europa. Esses

quinze países são o lar de aproximadamente 99% das “World Shops” da Europa e

mais de 70% delas são membros das associações nacionais. (DAWS, 2007).

É considerada uma das quatro organizações guarda-chuva do movimento de

Comércio Justo da Europa, cooperando com a IFAT, FLO e EFTA na definição de

políticas, estratégias, critérios, formas de monitoramente e campanhas de

sensibilização. (ASTI, 2007). No que toca às iniciativas de sensibilização, a NEWS!

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oferece a seus membros todos os materiais necessários para a divulgação da rede

e dos produtos. (DAWS, 2007).

As lojas exercem papel fundamental na sensibilização do consumidor,

promovendo acesso aos mercados para produtores de artesanato e demais produtos

certificados, o que motivou suas atividades desde o início do movimento, com a

abertura da primeira World Shop na Holanda. (ASTI, 2007). Em virtude do forte apelo

político que acabou por envolver todo o movimento, as primeiras lojas de Comércio

Justo pareciam mais com comitês partidários do que com lojas de venda de

produtos. Isso porque os ativistas políticos buscavam durante a venda conscientizar

os consumidores quanto às desigualdades sociais e econômicas causadas pelo

comércio praticado no mercado convencional, procurando promover o engajamento

da sociedade civil nas atividades daquela bandeira. (ASTI, 2007).

Nessa época o consumidor comprava o produto muito mais por solidariedade

do que pelas características estéticas ou pela satisfação inerente à compra.

Contudo, com a entrada de produtos certificados, na década de 80, as lojas

começaram a mudar de estratégia, com vistas a ampliar suas vendas e atrair o

consumidor, buscando direcionar seus produtos de acordo com a demanda do

público alvo, passando também a priorizar questões como qualidade e apresentação

do produto. (ASTI, 2007). Nos dias atuais os produtos de Comércio Justo alcançam

os consumidores de diversas formas, seja pelas lojas especializadas, por

supermercados, cafés, cantinas, restaurantes, escolas, empresas, instituições

públicas e lojas virtuais, refletindo uma situação na qual a expansão dos produtos de

comércio justo não só beneficiam supermercados e outros novos canais de

distribuição, como os clássicos pontos já existentes. (DAWS, 2007).

De acordo com a pesquisa realizada pela Dutch Association of Worldshops

DAWS, em 2007 já se verificava um faturamento global de 94,6 milhões de euros,

considerando um total de 1.518 World Shops. Entretanto, segundo o mesmo estudo,

pode-se aproximar de um resultado geral baseado em um cálculo de venda média,

que possibilita chegar a um valor de faturamento superior a 178,1 milhões de euros,

para aproximadamente 3193 World Shops. (DAWS, 2007). O movimento desse

mercado está descrito no quadro 06:

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Contudo, ainda hoje existe uma grande dificuldade em se medir o tamanho

total deste mercado, uma vez que muitas lojas não disponibilizam informação e ou

utilizam critérios informais ou diferenciados (nos países da Europa, por exemplo, os

valores das World Shops são dissociados do valor das importações, ao contrário dos

países da América do Norte). (DAWS, 2007). Atualmente se questiona a

possibilidade da NEWS! ser absorvida pela IFAT, (WFTO) uma vez que

desempenham papéis bem semelhantes em áreas equivalentes.

Quadro 06: Retorno financeiro dos Worldshops na Europa (in 000 EUR) Fonte: DAWS, 2007 - new facts and figures from an ongoing success story

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3.2.5. EFTA

Criada em 1987, a European Fair Trade Association – EFTA é a principal

associação de Comércio Justo da Europa. Composta por 11 das mais antigas

organizações importadores de Comércio Justo, distribuídas em 9 países europeus:

Áustria; Bélgica; França; Alemanha; Itália; Holanda; Espanha; Suíça e Reino Unido.

(DAWS, 2007; ASTI, 2007). É responsável pela importação de produtos de 400

grupos de produção em desvantagem econômica e social da África, Ásia e América

Latina, tem como principal objetivo apoiar as organizações associadas, incentivando

a cooperação e o intercâmbio de informações, de forma a promover uma certa

divisão do trabalho. (DAWS, 2007).

Uma das principais atividades desenvolvidas pelos membros tem sido o

partner attendance, ou seja, o compartilhamento de informação sobre produtos com

produtores do Sul e a colaboração logística (importação conjunta) entre os membros

associados, gerando maior eficiência no processo de importação. (DAWS, 2007). A

EFTA vem também estimulando por meio de reuniões regulares o desenvolvimento

de projetos conjuntos entre membros de gestão, comercialização, artesanato e

alimento, promovendo a divulgação de informações relevantes por meio de um

banco de dados de fornecedores, chamado FAIRDATA. (DAWS, 2007).

Outro papel importante dessa instituição está na realização de ações de

sensibilização política, por meio de debates e campanhas, que visam destacar as

incoerências do comércio convencional, principalmente com a aplicação de barreiras

para os produtos alimentícios, incentivando o consumo de produtos de comércio

justo por organizações intergovernamentais, escolas, cidades e países. (DAWS,

2007). Uma importante contribuição neste sentido foi a iniciativa do “fair procura”,

criada para conscientizar as autoridades públicas e sensibilizar os compradores

institucionais, incentivando-os a reverem as suas políticas e práticas de comprar, de

forma a possibilitar a aquisição de produtos oriundos do Comércio Justo. (DAWS,

2007).

Este projeto foi desenvolvido por meio de uma joint venture entre EFTA -

Bruxelas (escritório que desenvolve projetos financiados pela Comunidade Europeia)

e quatro membros da organização: Ctm altromercato (Itália), Fair Trade Original

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(Holanda), IDEIAS (Espanha) e Wereldwinkels Oxfam (Bélgica). (DAWS, 2007). A

iniciativa é considerada de sucesso, já que os seus membros juntos atingiram um

faturamento, em 2006, de aproximadamente 191,890 milhões de euros, comparado

com 148,226 milhões em 2005, demonstrando um incremento de 29% no

comparativo entre os dois anos. O quadro 07 evidencia o aumento do retorno

financeiro das organizações da EFTA (em milhares de Euros) na comparação entre

os anos 2002-2006:

Quadro 07 Retorno financeiro dos membros da EFTA entre 2002-2006 (in 000 EUR) Fonte DAWS, 2007 - new facts and figures from an ongoing success story

A consistência que ganhou o movimento em âmbito mundial possibilitou que

não apenas os frutos desse novo comércio começassem a ser colhidos em nações

em desenvolvimento, mas que também muitas das medidas começassem a ser

estudadas e empreendidas, em caráter profissional, além das fronteiras dos países

ricos. Seguindo essa tendência mundial, o Brasil vem desenvolvendo mecanismos

de vigor, nos moldes do Comércio Justo, e em vários outros modelos paralelos,

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dando nascente a uma série de empreitadas de sucesso, como demonstraremos a

seguir.

3.3. AS DIRETRIZES PARA UM COMÉRCIO JUSTO

Dentre as iniciativas mais significativas do movimento em questão, na missão

de delinear um novo modelo econômico desatrelado do consumo pelo consumo, um

deles merece destaque. No ano de 1995, em New Windsor, Maryland, Estados

Unidos, a Internacional Fair Trade Association - IFAT, com o objetivo de melhorar as

condições dos habitantes mais empobrecidos dos países em desenvolvimento,

reuniu-se com o intuito de desenvolver e sistematizar um modo alternativo, justo e

acessível de fazer negócio, nominando-o sugestivamente como Comércio Justo.

O móvel dessa empreitada tomou como princípio a necessidade de serem

fixados pontos mínimos a serem seguidos para que o Comércio Justo pudesse ser

universalmente implementado, dentro de um conceito uniforme, evitando o

surgimento de disparidades, até certo ponto naturais, decorrentes da adoção de um

modelo em locais étnica, cultural, física e economicamente distantes. Nessa reunião

criou-se um documento denominado Código de Conduta, o qual adotou como

princípios para a promoção do Comércio Justo as seguintes regras:10

Compromisso com o comércio justo – Na atividade comercial procuram o bem-estar social, econômico e ambiental dos produtores marginalizados dos países em vias de desenvolvimento. Por isso, praticam o comércio em condições equitativas, pagamentos justos para a mão-de-obra do produtor e preços justos. Identificam as estruturas, mecanismos, práticas e atitudes comerciais injustas e as evitam. Em vez de competir entre si, os membros da IFAT cooperam para promover o comércio justo e a justiça social; suas práticas comerciais favorecem o produtor e não constituem um meio para maximizar lucros à custa do produtor. Transparência – Compartilham periodicamente, e de forma completamente aberta, sua informação financeira, políticas de gestão, práticas comerciais, fontes de produtos, planos e programas de desenvolvimento, produção e marketing. Desse modo, tanto os membros da IFAT quanto o público em geral podem avaliar a efetividade financeira e social da IFAT e de cada um dos seus membros. Essa política de abertura, porém, é temperada pelo respeito a informações comerciais ou políticas de caráter confidencial.

10 MANCE, Euclides A. Como organizar redes solidárias. p. 251/252.

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Fins éticos – Na estrutura de suas organizações os membros da IFAT refletem seu compromisso com a justiça, o emprego justo, a contabilidade oficial e a emissão de periódicos relatórios financeiros e de atividades. Buscam alcançar a maior eficiência possível ao menor custo, e, segundo as características de cada organização, envolvem os trabalhadores na gestão e nas tomadas de decisão. Procuram oferecer a seus trabalhadores renda que lhes permita cobrir suas necessidades básicas, inclusive cuidados com saúde e educação e possibilidade de poupança. Condições de trabalho – Garantem um ambiente de trabalho seguro, que cumpra ao menos com os regulamentos de segurança industrial de sua localidade. Oferecem oportunidades a todas as pessoas para que desenvolvam o seu potencial. Asseguram-se de que o trabalho se realize em condições humanas, utilizando-se materiais e tecnologias apropriadas e desenvolvendo satisfatórias práticas de trabalho e produção. Oportunidades de empregos com igualdade – Opõem-se à discriminação e asseguram igualdade de oportunidades no emprego, tanto a homens quanto a mulheres que sofram a exploração de seu trabalho, os efeitos da pobreza e de preconceitos raciais, culturais ou de gênero. Preocupação com as pessoas – Promovem o desenvolvimento que melhora a qualidade de vida e que seja sustentável e responsável, tanto para as pessoas quanto para o mundo natural. Não explora o trabalho infantil. As atividades comerciais não infringem os reclamos dos povos nativos sobre suas terras ou outros recursos de importância vital para o seu modo de vida. Preocupação com o meio ambiente – Promovem a comercialização de produtos que não sejam prejudiciais para o meio ambiente e administram os recursos de maneira sustentável, salvaguardando o patrimônio ecológico. Respeitam a identidade cultural dos produtores – Encorajam a produção e o desenvolvimento de produtos próprios à tradição cultural dos produtores e feitos com base em seus próprios recursos naturais. Promovem o emprego dos conhecimentos artísticos, tecnológicos e organizativos dos produtores como uma forma de ajudá-los a preservar e desenvolver sua identidade cultural Educação promoção e defesa do comércio justo– Promovem o comércio justo encorajando as pessoas a mudar padrões de consumo, com vistas à promoção da justiça social e cuidados com o ambiente. Suportam campanhas por políticas nacionais e internacionais que incrementem as condições de vida dos pobres em países de desenvolvimento. Aumentam a consciência do público e das empresas com respeito ao comércio alternativo, com o significado de mudar estruturas e atitudes do injusto comércio internacional. Aumentam a informação sobre os valores culturais e tradicionais do Sul, visando promover a compreensão e o respeito intercultural.

Tais diretrizes serviram, como veremos adiante, para balizar o Comércio Justo

e Solidário, modelo desenvolvido no Brasil.

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3.4. COMÉRCIO JUSTO NO BRASIL

3.4.1. O histórico da economia solidária

O movimento chamado “economia solidária” parece ter surgido no Brasil na

década de 1980, em decorrência da crise econômica vigente e da disseminação das

ideias conhecidas como neoliberais, que exigiam menos ingerência do Estado na

atividade dos particulares, que culminaram com o pedido de concordata de

empresas e a demissão de numerosos trabalhadores. (ICLEI, 2006). A onda de

desemprego decorrente da estagnação da economia nesse período levou esses

trabalhadores a buscarem a inserção na produção social através de formas

alternativas de geração de renda (individuais, autônomas ou coletivas) que

garantissem a sobrevivência. (SINGER, 2004).

Estes trabalhadores, quando optavam por formas coletivas de trabalho,

organizaram-se em cooperativas de produção, que se diferenciavam das empresas

capitalistas por obedecerem a princípios e valores do movimento operário, como

igualdade e democracia. (SINGER, 2002; ICLEI, 2006, SINGER, 2004). As

cooperativas resultantes deram origem ao movimento que acabou sendo conhecido

como economia solidária que pode ser compreendida como “o conjunto de

atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito –

organizadas e realizadas solidariamente por trabalhadores e trabalhadoras sob a

forma coletiva e autogestionária. (SENAES, 2006, p. 11).

O crescente envolvimento de diversos atores sociais (sindicatos, igrejas,

universidades, partidos políticos, organizações e redes sociais) no apoio a entidades

e empreendimentos do campo da economia solidária, elevou a corrente ideológica

ao status de movimento, com proporções notáveis no contexto nacional (SINGER,

2004).

2000: Culminou com a realização do I Fórum Social Mundial (I FSM),

realizado nos dias 25 a 30 de janeiro, em Porto Alegre, que contou com a

participação de 16 mil pessoas vindas de 117 países, como contraponto a outro

evento de porte, ocorrido no mesmo período, porém com base em Davos, na Suíça,

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e com objetivos eminentemente capitalistas. Esse evento propiciou a criação do

Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária (GT- Brasileiro), composto por

doze entidades e redes nacionais envolvidas com práticas associativas do segmento

popular solidário.11

2002: O GT-Brasileiro elabora e encaminha ao Governo uma carta intitulada

“Economia Solidária como Estratégia Política de Desenvolvimento” com as diretrizes

gerais da Economia Solidária e reivindicava a criação da Secretaria Nacional de

Economia Solidária (SENAES, 2006).

2003: É criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES),

vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). No mesmo ano, na III

Plenária Brasileira de Economia Solidária, dá-se a criação do Fórum Brasileiro de

Economia Solidária (FBES), ambos durante a gestão do então Presidente da

República Luis Inácio Lula da Silva. (SINGER, 2004).

Segundo Singer (2004), a missão do SENAES foi a de difundir e fomentar a

economia solidária em todo o Brasil, dando apoio político e material às iniciativas do

FBES, enquanto que o FBES teria por incumbência articular e mobilizar as bases da

Economia Solidária pelo país, em torno da Carta de Princípios e da Plataforma de

Lutas. A partir da criação do SENAES, coordenada pelo economista Paul Singer, o

Governo Federal, aproximou e intensificou o diálogo entre o movimento de Comércio

Justo e a economia solidária no Brasil, uma vez que representantes ligados ao

SENAES passaram a participar diretamente dos eventos e seminários do Comércio

Justo. (ASTI, 2007; FACES, 2010).

2006: Por ocasião do VI Fórum Social Mundial e II Fórum das Américas,

realizado em janeiro na Venezuela, chegou-se à conclusão de que, tendo em vista

que suas bases estão intimamente relacionadas, o Comércio Justo estaria

englobado no conceito de Economia Solidária. (ICLEI, 2006).

Nesse mesmo ano, o Seminário Internacional sobre Comércio Justo e

Economia Solidária, realizado durante a I Exibição de Cultura Popular e Economia

Solidária, ocorrido em São Paulo entre os dias 06 e 09 de abril, firmou-se um acordo

para unificar os conceitos de Economia Solidária e Comércio justo. (ICLEI, 2006).

11 Disponível em:<http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=

61&Itemid=57 > Acesso em : 24.07.2010.

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Como consequência destas discussões, um grupo de trabalho foi formado por

diversos atores sociais para desenvolver um conceito brasileiro de comércio justo,

que atendesse às demandas e peculiaridades dos pequenos produtores do país.

(ICLEI, 2006).

3.4.2. O histórico do Comércio Justo no Brasil

Foi necessário percorrer um longo caminho para que fosse possível

determinar o conceito de Comércio Justo e Solidário no Brasil, reconhecido e

consolidado pelo Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário – SNCJS, que

assim o definiu:

Comércio justo e solidário é o fluxo comercial diferenciado, baseado no cumprimento de critérios de justiça e solidariedade nas relações comerciais que resulte no protagonismo dos Empreendimentos Econômicos e Solidários (EES) por meio da participação ativa e do reconhecimento da sua autonomia. (FACES, 2010).

A florescência do movimento de Comércio Justo no Brasil teve seu início na

década de 70, motivada a princípio pelas relações comerciais estabelecidas na

exportação de determinados produtos para a Europa, com o apoio de instituições de

caridade vinculadas ao movimento religioso, tais como Visão Mundial, com o apoio

de importadores especializados da Itália (CTM), Suíça (Claro) e na França

(Solidar’Monde) ligados ao movimento de Comércio Justo. (LAGENT, 2005).

1990: Inicia-se uma série de projetos para a exportação de produtos do Norte

e do Sul do país para a Europa, como, por exemplo, o da ONG católica “Visão

Mundial”, que previa o apoio à produção, comercialização e defesa de pequenos

produtores de 60 comunidades do Nordeste brasileiro, assim como o projeto piloto

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"Suco Justo", organizado pela FLO com produtores de laranja residentes em

Paranavaí/PR. (ICLEI, 2006; LAGENT, 2005).

2002: a sociedade civil brasileira, juntamente com organizações de

produtores, representantes de organizações governamentais e não governamentais,

articularam-se para debater a respeito do conjunto de práticas de produção,

comercialização e consumo, praticadas pelo Comércio Justo no mundo, formando o

Fórum de Articulação do Comércio Ético e Solidário do Brasil (FACES do Brasil).

(FACES, 2010; ICLEI, 2006).

A motivação inicial do FACES do Brasil era formular um modelo regional de

comércio justo que possibilitasse a criação de um novo formato de certificação,

produção e comercialização, respeitando as peculiaridades culturais das regiões

envolvidas e promovendo assim a inclusão e igualdade social, das iniciativas

marginalizadas pelo sistema econômico vigente. (FACES, 2010). Dentre os

integrantes do conselho político estão organizações como: Imaflora; Sebrae

Nacional; Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA; Secretaria Nacional de

Economia Solidária - SENAES do Ministério do Trabalho e Emprego – MET,

Fundação Friedrich Ebert – ILDES; Visão Mundial; Onda Solidária; Instituto Kairós;

Ecovida; RBSES – Rede Brasileira de Sócio Economia Solidária, dentre outras.

(ASTI, 2007; FACES, 2010; ICLEI, 2006).

2006: Criação do Grupo de Trabalho Interministerial, formado por atores da

sociedade civil e governamental, com a missão de formular e promulgar uma

normativa pública de regulamentação do Sistema Nacional de Comércio Justo e

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Solidário, o SNCJS. (FACES, 2010). Esse grupo chegou aos seguintes

apontamentos, com o intuito de cumprir suas tarefas:

CARACTERÍSTICAS DO COMÉRCIO JUSTO E SOLIDÁRIO:

- A existência de relações comerciais mais justas, solidárias, duradouras e transparentes; - A corresponsabilidade nas relações comerciais entre os diversos participantes na produção, comercialização e consumo; - A valorização nas relações comerciais, da diversidade étnica e cultural e do conhecimento das comunidades tradicionais; - A transparência nas relações comerciais, na composição dos preços praticados e na elaboração dos produtos, garantindo acesso a informação acerca dos produtos, processos e organizações que participam do CJS.

OBJETIVOS DO COMÉRCIO JUSTO E SOLIDÁRIO:

- Promover o desenvolvimento sustentável, a justiça social, a soberania, e a segurança alimentar e nutricional; - Garantir os direitos dos (das) produtores (ras) e consumidores (ras) nas relações comerciais; - Fortalecer a cooperação entre produtores – comerciantes - consumidores suas respectivas organizações, para aumentar a viabilidade, reduzindo riscos e dependências econômicas; - Promover a autogestão; equidade de gênero, etnia e gerações; - Garantir a remuneração justa do trabalho; - A valorização e preservação do meio ambiente, com ênfase na produção de produtos de base agroecológica e das atividades do extrativismo sustentável.

2007: O FACES do Brasil, em parceria com a Secretaria Nacional de

Economia Solidária e Fundação Banco do Brasil, inicia um projeto tanto político

como econômico, direcionado à promoção, construção e consolidação do Sistema

Nacional de Comércio Justo e Solidário. (FACES, 2010).

2008: SNCJS foi oficialmente finalizado e entregue em fevereiro de 2008 à

COMJUR - Comissão Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego para sua efetiva

promulgação. (FACES, 2010).

2010: O Presidente Luis Inácio Lula da Silva edita o Decreto Presidencial nº.

7. 358, de 17 de novembro de 2010, que institui o Sistema Nacional do Comércio

Justo e Solidário – SNCJS.

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3.4.3. Os números do mercado interno do Comércio Justo

Como o sistema de certificação e monitoramento do Comércio Justo e

Solidário ainda é recente no Brasil, não é possível coletar informações seguras dos

empreendimentos que efetivamente seguem os critérios estabelecidos pelo SCJS.

(SCHNEIDER, 2007). Contudo, em 2005 um amplo estudo foi realizado pelo

SENAES, com o objetivo de catalogar, cadastrar e entender o funcionamento dos

empreendimentos de economia solidária no Brasil, trazendo significativas

contribuições para o movimento. (SCHNEIDER, 2007; ICLEI, 2006, FACES, 2010).

De acordo com o SENAES (2007 p.13) os EES compreendem as organizações:

- coletivas - organizações suprafamiliares, singulares e complexas, tais como: associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, clubes de trocas, redes e centrais etc; - cujos participantes ou sócios(as) são trabalhadores(as) dos meios urbano e rural que exercem coletivamente a gestão das atividades, assim como a alocação dos resultados; - permanentes, incluindo os empreendimentos que estão em funcionamento e aqueles que estão em processo de implantação, com o grupo de participantes constituído e as atividades econômicas definidas; - com diversos graus de formalização, prevalecendo a existência real sobre o registro legal e; - que realizam atividades econômicas de produção de bens, de prestação de serviços, de fundos de crédito (cooperativas de crédito e os fundos rotativos populares), de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços) e de consumo solidário.

Uniram-se para essa empreitada 230 entidades, 600 técnicos e

entrevistadores, os quais visitaram mais de 14.000 empresas, em 2.274 municípios.

(SENAES, 2006; ICLEI, 2006). Considerando-se o ano de início das atividades,

constata-se que cerca de 70% dos 14.954 empreendimentos solidários pesquisados

foram criados a partir de 1990 (vale menção que os anos 80 foram anos de

estagnação marcante na economia nacional, chegando a ser conhecida como a

“década perdida”), apresentando crescimento contínuo até os dias atuais. (SENAES,

2006; ICLEI, 2006).

Dentre os principais motivos para a criação dos empreendimentos solidários,

de acordo com as respostas dos participantes da pesquisa realizada pelo SIES

(Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária), três são os mais

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expressivos: alternativa ao desemprego, com 45% (sendo 58% na Região Sudeste e

47% na Região Nordeste), fonte complementar de renda, com 44% (sendo 46% na

Região Norte e 53% na Região Centro-Oeste) e obtenção de maiores ganhos, com

41% (sendo 48% na Região Sul). (SENAES, 2006).

Dada a distribuição territorial, a maior concentração dos Empreendimentos da

Economia Solidária (EES) localiza-se no Nordeste (44%) e o restante (56%)

distribuído nas demais regiões do país: 13% na região Norte, 14% na região

Sudeste, 12% na região Centro-oeste e 17% na região Sul. (SENAES, 2006). A

Ilustração 09 traz a dimensão da intensidade com que as atividades de comércio

justo e solidário distribuem-se no território nacional.

Ilustração 09. EES por município - Brasil Fonte SENAES, 2006

Cerca de metade (49%) desses empreendimentos atuam exclusivamente nas

áreas rurais, 33% na área urbana e 17% em ambas as regiões. Vale ressaltar que a

Região Sudeste as atividades são predominantemente urbana (60%) enquanto nas

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Regiões Norte e Nordeste são majoritariamente rurais (57% e 63%,

respectivamente). (SENAES, 2006). Quanto à forma de organização, 54% são

associações, 33% são grupos informais, e 11% são cooperativas, as quais envolvem

aproximadamente 1 milhão e 250 mil pessoas e uma gama considerável de produtos

e serviços. (SENAES, 2006).

Outro ponto interessante diz respeito à característica das iniciativas

pesquisadas e a sua representatividade na economia nacional. Dos produtos

comercializados, os mais citados nas entrevistas realizadas pelo SENAES, são: 42%

relacionados a agropecuária, extrativismo e pesca, 18% a alimentos e bebidas e

13,9% a diversos produtos artesanais. (SENAES, 2006). Considerando o valor da

produção mensal, esse mesmo conjunto de produtos apresenta uma participação

relativa de 46,2%, 20% e 2,8%, respectivamente. (SENAES, 2006).

Quadro 08: Valor mensal dos produtos da EES Fonte SENAES, 2006

Importa notar que dos produtos oriundos das atividades dos

empreendimentos solidários, metade (50%) é destinada ao mercado local e ou

comunitário, 7% para o mercado nacional e 2% realizam transações com outros

países. (SENAES, 2006). Tais dados evidenciam que o esforço para

internacionalização dos negócios do Comércio Justo e Solidário, no Brasil, ainda é

incipiente. Segundo dados do Global Entrepreneurship Monitor - GEM (2008, p. 8),

“o Brasil é o país cujos empreendimentos têm menor expectativa de exportação

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(0,5% dos empreendimentos são criados com a expectativa que mais de 75% dos

consumidores sejam provenientes do mercado externo)”.

E isso também se justifica pelo fato de que 61% dos empreendimentos

reconhecidos como de Economia Solidária no Brasil, apontaram a comercialização

como o maior obstáculo na consolidação de seus empreendimentos. Seguido pelo

acesso ao crédito, com 49%, e falta de suporte técnico e acompanhamento, com

27%. O Gráfico 03 estabelece com clareza a distribuição das dificuldades apontadas

pelos comerciantes, de acordo com a região do país em que estejam e a

repercussão no cenário nacional.

De acordo com a pesquisa, outro dado que merece menção diz respeito a

característica e vínculos das EES com a economia solidária.

Gráfico 03: Dificuldades dos EES no Brasil e em suas Regiões Fonte: SENAES, 2006

Das 1120 organizações entrevistadas, 51% estão localizadas na Região

Nordeste, sendo a grande maioria Organizações Não-Governamentais (ONGs), 43%

afirmam não possuir nenhum vinculo com instituições sociais e políticas, enquanto

24% estão diretamente ligadas a instituições religiosas e 11,7% possui vínculos com

movimentos sindicais e desenvolvem atividades da seguinte natureza: 39,5%

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dedicadas à formação, 34,7%, articulação e mobilização e 11,61%, financiamento.

(SENAES, 2006).

3.4.4. A participação do Brasil no mercado externo do Comércio Justo

Ao analisarmos os estudos organizados pelo Sebrae em iniciativas de

comércio justo, vemos que os números demonstram que a participação do Brasil no

mercado internacional tem aumentado, tanto pela participação em eventos quanto

pela associação a organizações internacionais. (SCHNEIDER, 2007). De acordo

com os dados disponibilizados pela pesquisa mundial de Comércio Justo, realizada

no Brasil pelo SEBRAE (2007), à época em que coletados os dados somente seis

instituições brasileiras eram associadas à IFAT-LA, e somente 31 operadores

certificados pela FLO-CERT, sendo 19 produtores e 12 traders. (SCHNEIDER,

2007). Essas informações podem ser vistas adiante, nos quadros 09 e 10.

Dentre todas as iniciativas implementadas em território brasileiro, algumas

mereceram atenção especial do mercado exterior, implicando na comercialização de

uma série de produtos, que vão dede o artesanato, produtos têxteis, sucos, café e

castanhas, frutas frescas e sementes de castanha principalmente para consumidores

europeus e norte-americanos. (SCHNEIDER, 2007). Grande parte dos produtos

comercializados por estas organizações de comércio justo no Brasil, certificadas pela

FLO/ IFAT, dependem consideravelmente das vendas realizadas ao mercado

externo, especialmente daqueles destinadas ao consumidor europeu. (ICLEI, 2006;

SCHNEIDER, 2007).

Apesar da crescente demanda externa, a obtenção de dados estatísticos

precisos sobre as exportações deste movimento ainda é difícil, por uma série de

fatores: ou porque os produtos são exportados para entidades solidárias em vários

países sem a certificação da FLO/IFAT, ou porque não há critérios harmonizados

para determinado segmento, ou ainda porque a importadora não exige a certificação.

(SCHNEIDER, 2007). E quando analisamos os dados daqueles empreendedores

que já se vincularam às grandes organizações de Comércio Justo, constatamos que

o número deles ainda é reduzido, como se vê do quadro 09 e quadro 10, abaixo.

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Quadro 09: Organizações Brasileiras registradas na FLO Fonte: SCHNEIDER, 2007 p. 116 e 117

Quadro 10: Organizações Brasileiras registradas na IFAT Fonte: SCHNEIDER, 2007 p. 115

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3.4.5. As diretrizes para um Comércio Justo nacional

Conforme mencionado anteriormente, o Comércio Justo e Solidário nasce no

Brasil nos primeiros anos da década de 2000, na busca de criar oportunidades

criativas as dificuldades enfrentadas pelos pequenos produtores de

empreendimentos econômicos solidários, no que tange a comercialização de

produtos e serviços.

Havia uma série de demandas dos produtores rurais, que por mais se

dedicassem à manufatura ou plantio de um determinado produto, encontravam

dificuldade de escoá-lo para os grandes centros, ou mesmo exportá-los, não

conseguindo competir em preço com os produtos da agropecuária convencional. O

mesmo se dava com os artesãos distribuídos por todo o país, que não conseguiam

disponibilizar suas obras, restando nas mãos de comerciantes atravessadores, sem

qualquer propensão de proteger seus interesses.

Movidos inicialmente pela força individual de algumas lideranças regionais,

alguns empresários e políticos conseguiram direcionar recursos públicos e setoriais,

bem como encaminhar grupos de pesquisa para determinados polos produtores de

itens possivelmente enquadráveis nas regras mundiais de Comércio Justo que

florescia no exterior. Feitas as regionalizações dos princípios iniciais, chegou-se à

conclusão de que, no Brasil, em qualquer de suas regiões, para que um produto se

adequasse ao conceito de justo e solidário necessariamente deveria primar pela

defesa dos seguintes princípios:

Fortalecimento da democracia, autogestão, respeito à liberdade de opinião, de organização e de identidade cultural, em todas as atividades relacionadas à produção e à comercialização justa e solidária.

Garantia de condições justas de produção e trabalho, agregação de valor, bem como o equilíbrio e o respeito nas relações entre os diversos atores, visando a sustentabilidade econômica, socioambiental e a qualidade do produto em toda a cadeia produtiva.

Apoio ao desenvolvimento local em direção a sustentabilidade, de forma comprometida com o bem-estar sócio-econômico e cultural da comunidade, promovendo a inclusão social através de ações geradoras de trabalho e renda.

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Respeito ao meio ambiente, primando pelo exercício de práticas responsáveis e sustentáveis do ponto de vista socioambiental.

Respeito aos direitos das mulheres, crianças, grupos étnicos e trabalhadores, garantindo a equidade e a não discriminação entre todos.

Garantia de informação ao consumidor, primando pela transparência, pelo respeito aos direitos dos consumidores e pela educação para o consumo responsável.

Estímulo à integração de todos os elos da cadeia produtiva, garantindo uma maior aproximação entre todas as pessoas e entidades a ela ligadas.

Embora sejam apenas linhas mestras, os acima mencionados princípios são

capazes de dar um bom delineamento de uma atividade que, ao mesmo tempo que

atende as exigências internacional de Comércio Justo, ganha peculiaridades

próprias inerentes à forma de ser do brasileiro. Assim se dando esse regramento,

deixou clara a reflexão que foi feita para evitar que regras isoladas fossem impostas

aos produtores e artesãos, sem que fossem atendidas suas demandas e

características particulares.

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4. REFLEXOS DO COMÉRCIO JUSTO

“Cada vez que num conjunto de elementos começa a se conservar certas relações, abre-se espaço para

que tudo mude em torno das relações que se conservam”.

Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano

4.1. IMPACTO SOCIAL

O Comércio Justo consolida-se como um movimento baseado na parceria

comercial, através do diálogo marcado pelo respeito e transparência, com vistas à

manutenção da equidade das relações no comércio internacional. Por meio de suas

práticas, contribui para o desenvolvimento sustentável oferecendo melhores

condições de trabalho e assegurando o direito dos trabalhadores menos favorecidos.

(RAYNOLDS, 2004, p. 1110). Isso porque, nos primeiros anos de movimento, as

iniciativas de comércio justo compravam unicamente de pequenos produtores os

quais eram identificados como “populações desfavorecidas”, contudo com o passar

dos anos o processo de elegibilidade dos produtores começou a ser expandido no

intuito incluir plantações com rígidas regras trabalhistas. Esta mudança se deu pelo

reconhecimento de que muitas vezes os trabalhadores sem-terra são, na realidade,

os mais desfavorecidos, tendo em vista que alguns produtos raramente são

produzidos por pequenos produtores. Assim como regra geral passou-se a exigir que

todos os parceiros seguissem os requisitos básicos do comércio justo, no que tange

as questões socioambientais. (RAYNOLDS, 2000).

Outra contribuição desta alternativa é a promoção de novos arranjos de

governança ao longo da cadeia, no qual o produtor adquire competências e

capacidades organizacionais que permitem ampliar a negociação com diferentes

atores sociais, dentre eles o Estado. (TAYLOR, MURRAY E RAYNOLDS, 2005)

Estimula também a participação em feiras, a troca de experiências, o fortalecimento

da capacidade de organização dos agricultores (RAYNOLDS et al., 2004). Em

complemento, o Comércio Justo tem prestado um apoio importante para as

comunidades de produtores, uma vez que garante um preço mais elevado e o

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pagamento de um Premium. Este valor adicional é aplicado em fundos de

investimento que possibilitam considerável melhoria nas estruturas de

armazenamento, processamento e transporte. Muitas cooperativas aplicam seus

recursos adicionais no desenvolvimento de uma variedade de projetos comunitários

nas áreas de saúde, moradia e educação. Em alguns casos, em decorrência do

isolamento de alguns produtores, a força do movimento possibilita a construção de

estradas e escolas bem como o aprimoramento do transporte público. (RAYNOLDS,

2004).

Outro fator de destaque é que também é percebida uma melhora no acesso

ao crédito por parte dos produtores, que são vistos com certo prestígio em virtude da

certificação, uma vez que se subentende que a organização está sujeita a um

controle externo e também demonstra iniciativa e capacidade para entrar em novos

mercados Dentre outros tantos benefícios, podemos mencionar que o Comércio

Justo também se apresenta como alternativa à migração, uma vez que amplia as

oportunidades para a mão-de-obra familiar, sugerindo como alternativa o

investimento em suas propriedades. Outro grande benefício identificado nos

membros da comunidade cafeeira de UCIRI (Unión de comunidades indígenas de la

región del Istmo) e Coordenadora Estatal de Produtores de Café de Oaxaca

(CEPCO) reportam o investimento crescente em atividades de geração de renda não

agrícolas para mulheres. (RAYNOLDS, 2004).

Essas talvez sejam as mais significativas contribuições do Comércio Justo,

pois agindo junto às comunidades pobres, composta por produtores que poderiam

de outra forma não ser capaz de ganhar a vida em seu próprio território, intervém,

promovendo o sustento das comunidades, mas não só isso, pois soma à atividade

com a informação que ilumina, conscientizando. E esses frutos são percebidos por

muitos dos que se põem a estudar o tema, cabendo mencionar a sensível descrição

de Trentmann (2006, p. 1081, tradução nossa):

Geógrafos que estudam o comércio justo tem o visto como uma nova forma de ética cosmopolita que responde à relação cada vez mais tensionada entre consumidores e produtores. De um instrumento de exploração, o

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comércio é transformado em um veículo de solidariedade global entre consumidores conscientes e produtores empoderados.12

Por tudo que se disse, é inegável a contribuição desse movimento, na

promoção do desenvolvimento agrícola para milhares de pequenos agricultores do

Sul, promovendo o aumento da renda, infraestrutura física e social, alívio da pobreza

e estímulo às capacidades humanas. (FRIDELL, 2006).

4.2. IMPACTO ECONÔMICO

4.2.1. Visão e reconhecimento do consumidor

Se por um lado a crise econômica mundial de 2008 criou uma atmosfera de

insegurança e incredulidade por parte dos consumidores com relação aos negócios

puramente comerciais, por outro permitiu a expansão e o fortalecimento do comércio

ético, cujo mercado expandiu-se das iniciativas não governamentais para as

iniciativas empresariais, que de alguma forma praticam negócios econômica,

ambiental e socialmente éticos. (ITC, 2009). Com vistas a promover e expandir o

Comércio Justo vem sendo comum a utilização de slogans, frases de impacto,

cartas, protestos ou até mesmo campanhas de buycotting com o objetivo promover a

“cultura crítica do consumo”, que desafia o individualismo, a competição e a cultura

ética improvisada do capitalismo (FRIDELL, 2003, p.4), por meio da conscientização

e da educação dos consumidores.

Apesar do número de consumidores conscientes ser ainda insignificante

demograficamente, eles vêm contribuindo para inibir procedimentos duvidosos

adotados pelas empresas, na expectativa de que elas responsabilizem não só pelo

produto, mas pela sua marca e por toda a cadeia produtiva. (ITC, 2009). Ano após

ano aumenta o número de consumidores que condicionam a aquisição de bens e

12 Geographers studying fair trade have seen it as a new form of cosmopolitan ethics responding to the increasingly stretched relationship between consumers and producers. From an instrument of exploitation, trade is transformed into a vehicle of global solidarity between conscientious consumers and empowered producers

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serviços ao envolvimento de determinadas corporações em ações de

sustentabilidade e programas de investimento social. (BEEVORS, 2008, tradução

nossa).

Os Consumidores do comércio justo usam o seu poder de compra para expressar avaliações éticas ou políticas de negócios e práticas governamentais favoráveis e/ou desfavoráveis. Como outras formas de consumo ético e ambiental, refletem a tendencia da globalização e da individualização os cidadãos criam novas arenas para pensar de forma responável. (MICHELETTI, apud LYON, 2006 )13.

De acordo com Harriet Lamb, da Fair Trade Foundation, os consumidores

conscientes representam uma parcela da população caracterizada por pessoas mais

velhas, melhor educadas e com maior poder aquisitivo que os compradores comuns.

Igualmente, verificou-se que os jovens estão mais conscientes do seu papel de

consumidor, fidelizando-se a marcas que apresentam preocupações éticas (ITC,

2009). Cada vez mais preocupados com as mudanças climáticas e os desastres

naturais, os consumidores agem não apenas de forma altruísta na conservação da

natureza, mas como parte integrante e responsável pela manutenção da vida no

planeta. (BEEVORS, 2008).

De acordo com a pesquisa da ACNielsen (Janeiro 2007), 9 em cada 10

pessoas no mundo estavam conscientes do aquecimento global e 57% das

consultadas consideraram-no "um problema muito sério”. Em 2007, o Pew Global

Attitudes realizou uma pesquisa em mais de 47 países, e descobriu que a proporção

de pessoas que viam a degradação ambiental como uma grande ameaça para o

planeta tinha aumentado significativamente em 20 dos 35 países pesquisados, se

comparado com os dados de 2002. (BEEVORS, 2008). A onda de consciência

espraia suas consequências para uma série de outras áreas da reflexão humana,

trazendo à tona várias outras questões éticas mais amplas, como os direitos

trabalhistas, por exemplo. Como ilustração desse fenômeno, basta verificarmos que:

13 Fair trade consumers use their purchasing power to express ethical or political assessments of favourable and unfavourable business and government practices. Like other forms of ethical and environmental consumption, fair trade consumption reflects the trends of globalization and individualization that prompt citizens to ‘create new arenas for responsibilitytaking’ (Micheletti, 2003, p. 5).

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Em uma pesquisa da TNS Worldpanel, feita em 2007, no Reino Unido, descobriu que 70% dos entrevistados, perguntados sobre as condições de trabalho nas cadeias varejistas de abastecimento, disseram que achavam muito importante que não houvesse nenhum empregado menor de idade, e que os trabalhadores não deveriam ser forçados a trabalhar em condições insalubres por longos períodos. (BEEVORS, 2008, tradução nossa).14

Outro dado interessante constatado em pesquisas europeias diz respeito ao

bem-estar animal.

Em pesquisa realizada pela Eurobaro-meter em 2007 constatou que mais de um terço dos europeus (34%) consideraram o bem-estar animal um quesito de extrema importância, enquanto apenas 2% afirmaram o contrário. Uma outra pesquisa feita pelo Cooperative Group (2008) constatou que 21% dos consumidores do Reino Unido avaliam o bem-estar animal como a sua principal preocupação ética, concluindo que para o comércio ético, bem-estar animal e impacto ambiental são as principais áreas de preocupação para os consumidores do Reino Unido. Outro estudo realizado em 2005 pelo australiano Animal Welfare Science Centre indicou que 60% dos consumidores consultados consideraram preocupante a questão do bem-estar dos animais, enquanto apenas 16% discordaram dessa afirmação. (BEEVORS, 2008, tradução nossa).15

O boom no consumo consciente, liderado pelos alimentos orgânicos,

Comércio Justo e moda ética reflete apenas um dos aspectos que chamam a

atenção no crescente debate sobre a nova forma de consumir. (ITC, 2009). Ano após

ano, movidos por um fenômeno de divulgação de informações e ganho de

consciência, o número de consumidores de produtos oriundos do Comércio Justo

aumenta consideravelmente

De acordo com as descobertas da pesquisa TNS CAPI OmniBus, a diferença

entre pessoas que compram produtos do Comércio Justo regularmente e

14 For example a TNS Worldpanel survey in 2007 in the UK found that 70 percent of respondents asked about working conditions in retailers’ supply chains said they thought it “very important” that there should not be any underage employees, and that workers should not be forced to work in unhealthy conditions for extended periods of time. 15 Research by Eurobaro-meter in 2007 found that over a third of Europeans (34 percent) consideredanimal welfare to be of the highest possible importance while only 2 percent claimed it is not at all important. Research by the Cooperative Group (2008) found that 21 percent of UK consumers rated animal welfare as their top ethical concern and concluded that ethical trading, animal welfare and environmental impact were the key areas of concern for UK consumers. Another study conducted in 2005 by the Australian Animal Welfare Science Centre found that 60 percent of consumers felt that ‘welfare of animals is a major concern’, while only 16 percent disagreed.

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ocasionalmente. Em 2007, 16% dos consultados afirmavam comprar produtos do

Comércio Justo regularmente, passando agora para 24%, e, dentre aqueles que

ocasionalmente compravam produtos do Comércio Justo, o número diminui de 15%

para 14%. Em complemento, verifica-se que o percentual de consumidores que

regularmente ou ocasionalmente compra muitos produtos do Comércio Justo vem

crescendo, pois eram, respectivamente, 18% e 15%, e passaram a ser 24% e 17%).

Ao mesmo tempo o número de pessoas que afirmaram que nunca compram

produtos do gênero também diminuiu. (FLO, 2010).

Quanto ao reconhecimento das marcas, atualmente o Reino Unido lidera a

compra por produtos de Comércio Justo. Segundo estudo realizado pela TNS, em

setembro de 2009, com mais de 25.000 famílias, identificou-se que mais de 72% das

pessoas reconhecem a marca do Comércio Justo e que apesar do contexto

econômico difícil, em virtude das crises econômicas mundiais, um número maior de

pessoas está gastando mais para adquirir produtos certificados O gráfico abaixo

descreve o fenômeno. (FLO, 2010).

Gráfico 04: Reconhecimento da marca Comércio Justo Fonte: ITC: 2009

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Conforme observa Dana Kissinger-Matray, da International Organization

Standardization (ISO), a globalização está mudando as preocupações dos

consumidores. Com a integração das economias e dos sistemas de informação,

aumenta consideravelmente o poder dos consumidores para influenciar os

mercados. Eles percebem que além das preocupações tradicionais com a qualidade

e preço, o impacto de suas escolhas influencia, econômica, social e ambientalmente

a vida de outras pessoas em outras partes do mundo. (ITC, 2009).

Atualmente as pessoas que compram um produto da marca “Comércio Justo”

o fazem sabendo o seu significado e assumindo que de alguma forma esse

conhecimento influenciou sua decisão. Isto significa que as iniciativas realizadas pelo

movimento com a conscientização de consumidores, países, cidades, igrejas e

universidades, têm constituído um poderoso instrumento de sensibilização (FLO,

2009).

4.2.2. Visão do mercado

Embora estejamos tratando de um conjunto de valores recentes, ainda

precariamente estudado, vemos ser inegável o potencial de transformação embutido

nas perspectivas futuras do Comércio Justo. A necessidade de conhecer e

reconhecer os anseios dos consumidores vem reverberando em toda a cadeia

produtiva, fazendo com que atualmente todos os seus elos, em ambos os

hemisférios, sejam forçados a reexaminar seus procedimentos com vistas a

procederem com mais justiça. (ITC, 2009).

Constantemente a definição de “justiça” proposta pelo movimento de

Comércio Justo é colocada em xeque, tanto por céticos quanto por produtores de

países desenvolvidos, os quais alegam que, ao falar de justiça, o movimento distorce

a visão do mercado, criando um certo protecionismo em decorrência dos standards

exigidos na produção, não por causa, propriamente, da competição, mas sim por

conta do custo inerente à obtenção dos requisitos necessários para ser reconhecido

como justo. (ITC, 2009). De fato, o estabelecimento de critérios rígidos para que um

produto seja considerado justo, revela seriedade e compromisso, fechando as portas

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para empreendedores oportunistas. Porém, à medida que essa escolha criteriosa vai

também se tornando mais cara, a ponto de muitas vezes pôr em risco o objetivo

inicial da ideia, que era de possibilitar um canal de comércio diferenciado para

populações de produtores marginalizados, sem tecnologia e sem mercado para sua

produção. Assim, se por um lado a tendência por um comércio mais ético traz

benéficos, criando novos mercados para os países do Sul, o seu aperfeiçoamento

também traz prejuízos potenciais, pois ao elevar os standards (novos requisitos e

normas) aplicados às vendas e exportações, impacta diretamente na atividade de

produtores em países em desenvolvimento, cuja a capacidade de sobreviver e

crescer está diretamente ligada ao acesso a esses mercados. (ITC, 2009).

E esses paradoxos permitem o questionamento constante do próprio conceito

do Comércio Justo. Pois, afinal, o que é considerado justo? E para quem? Quem

estabelece as diretrizes de justiça? 16

Segundo dados do Estudo da ITC (2009), justiça significa trabalhar

promovendo a sustentabilidade ambiental, demonstrando respeito por todos os

integrantes da cadeia de valor, ou seja, a garantia dos direitos aos trabalhadores,

melhor retorno ao produtor e maior equidade nas trocas comerciais.

Contudo, na linha do pensamento de Fridell (2003, p.3), o mercado continua a

ser o árbitro final dos preços, uma vez que aos comerciantes de comércio justo

torna-se difícil a missão de manter os princípios éticos e atender as demandas do

mercado ao mesmo tempo. Pois os preços dos produtos de comércio justo, uma vez

que maiores que os produtos similares disponíveis no mercado (diferença que

permite rotulá-los como justo), não podem ser mais elevados que valor que o

consumidor está disposto a pagar. Em última análise, então, é possível dizer que a

justiça é medida pelo quanto os consumidores do Norte estão dispostos a pagar por

um produto de ética premium, e, no outro lado da equação, quanta justiça os

produtores estão dispostos a anexar ao conteúdo de seus produtos pelo preço que

por eles conseguem cobrar.

Importa também frisarmos que os aspectos morais apregoados pelo Comércio

Justo desafiam a lógica do mercado capitalista, estabelecendo sua estaca principal 16 Segundo Trasímaco, as leis criadas pelos governantes e proclamadas como jutas para seus súditos são sempre uma representação dos interesses dos mais fortes. Para um aprofundamento desta questão, (PLATÃO, A República,1997)

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na distribuição da renda e das riquezas. Fridell (2003) ressalta, com propriedade,

que a diferença de preço aplicada pelo Comércio justo já salvou muitos produtores

da falência, já impediu a migração em massa e contribuiu para a diminuição da fome

vivida por dezenas de milhares de pequenos produtores de café no mundo.

4.2.3. Mudanças na estratégia empresarial

Se formos analisar a evolução da forma como se ergueu a estrutura

corporativa nos últimos 100 anos, verificamos que a princípio a criação de valor das

empresas estava centrada na busca de eficiência interna, redução de custo e

desempenho financeiro de curto prazo, excluindo basicamente de seu raciocínio

econômico, questões sociais e ambientais. (PORTER, 2011). Aspectos sociais e

ambientais eram relegados ao esquecimento ou entregues ao governo e, mais

recentemente, às ONGs, utilizando como base a ideia legitimada pelos economistas

de que a contribuição das empresas à sociedade era a de modelar o seu sucesso

econômico. (PORTER, 2011).

Contudo, em meados da década de 70 líderes empresariais e intelectuais, no

Japão, Europa e EUA questionaram-se quanto à aplicabilidade da responsabilidade

social corporativa nos negócios, como instrumento que possibilitaria a redução das

tensões do trabalho e do comércio, adotando ideais éticos, de cooperação e respeito

pela dignidade humana. (ITC, 2009). Na era tecnológica, podendo ser incluídos

nesse contexto os últimos 30 anos, contudo, as ações de produtores e fornecedores

de países em desenvolvimento começaram a ser monitoradas e divulgadas nas

redes sociais. A mera transferência de atividades produtivas para países em

desenvolvimento, com salários mais baixos, na busca de compensar os desafios da

concorrência, ao invés de contribuir, intensificaram as exigências por negócios e

práticas mais coerentes com o sistema “triple bottom line”. (PORTER, 2011; ITC,

2009).

Há alguns anos mereceu destaque na mídia internacional o caso da NIKE,

que se notabilizou pela utilização de mão-de-obra infantil e, após ser denunciada,

sofreu forte abalo econômico, dada a diminuição imediata nas vendas. A unidade

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mexicana da Mitsubishi, igualmente, em um projeto de exploração de sal, acabou por

agredir a fauna e a flora marítima, sofrendo perdas econômicas por força de um

boicote suscitado pelas unidades ambientalistas. (MATTAR, 2003). De acordo com

Ernst von Kimakowitz, da Universidade de St. Galle, co-fundador da The Humanistic

Management Network, a empresa deve renovar continuamente o seu pacto com a

sociedade, pois “is that it takes years to build up a reputation and just seconds to

destroy it”. (ITC, 2009).

Visto isso, as empresas cada vez mais são convidadas a assumir parte das

deficiências econômicas, sociais e ambientais geradas por elas próprias ou não, uma

vez que, como representantes do capitalismo, passaram a ser vistas como principais

causadoras desses problemas, mesmo que eventualmente para eles não tenham

diretamente contribuído. Uma vez que externalidades como poluição, desperdício de

matéria-prima, gastos abusivos e demanda por energia, acidentes ambientais

onerosos, dentre tantas turbulências contemporâneas não eram internalizadas pelas

empresas, as consequências negativas acabavam e ainda acabam desembocando

nas portas da sociedade. (PORTER, 2011).

A verdade é que, perseverando nas influências do modelo econômico

capitalista puro, o meio empresarial ainda não considera, em sua atuação, a

amplitude dos impactos sociais e ambientais das suas atividades. (PORTER, 2011).

As empresas ainda tendem a criar bens, valores e serviços que possam ser

rapidamente percebidos e almejados pelos consumidores, utilizando-se de um

discurso de aparente viés ecológico, sustentável, ético. (BADUE, 2005). Embora se

possa realçar uma ou outra iniciativa positiva, pode-se notar uma movimentação

ainda muito tímida do meio empresarial. (PORTER, 2011).

O diretor executivo da Fundação de Comércio Justo do Reino Unido, Harriet

Lamb, argumenta que o crescimento exponencial do Comércio Justo tem incentivado

as empresas a repensarem a sua forma de atuação. Empresas que no passado

prestavam pouca ou nenhuma atenção nos métodos utilizados na produção dos

produtos adquiridos em países em desenvolvimento buscam atualmente parceiros

certificados para diminuir os riscos e assegurar o reconhecimento dos consumidores

consciente, que aceitam pagar mais pelo produto, quando identificam ações

socialmente responsáveis por parte das empresas. (ITC, 2009).

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O fato é que em resposta às demandas impostas pelos consumidores

conscientes e por instituições engajadas a evidenciar as atitudes antiéticas e

prejudiciais ao meio ambiente, por meio de ações como public licence to operate ou

name-and-shame na mídia e na internet (ITC, 2009), o meio empresarial começa a

repensar a velha fórmula da responsabilidade social, na qual as questões sociais

ocupam posição periférica, e atentar para o princípio do valor compartilhado, que

envolve a geração de valor tanto para as empresas como para a sociedade, com o

objetivo de manter e ganhar a confiança dos consumidores. (PORTER, 2011).

Segundo Sybil Anwander, chefe do Controle de Qualidade e Sustentabilidade

da segunda maior empresa de varejo da Suíça, The Coop, os consumidores cada

vez mais esperam que a empresa atue de forma social e ambientalmente

responsável, que os produtos sejam produzidos de forma ambientalmente amigável

que os funcionários sejam educados e recebam melhores salários. Assim sendo, as

empresas podem e devem assumir a liderança na promoção da sustentabilidade, de

forma a atender as expectativas dos consumidores mais conscientes, assumindo

parte das despesas para uma produção mais sustentável. (ITC, 2009).

De acordo com Alex Brigham, do The Ethisphere Institute, empresas éticas

são mais competitivas a longo prazo, porque atraem não só consumidores, mas

trabalhadores mais inteligentes e produtivos, que valorizam os standards éticos

aplicados pelas suas empresas. Conforme afirma Sybil Anwander, citado acima, “it is

good business to be a sustainability conscious company, we have higher turnover,

more product range, more motivated employees”. (ITC, 2009).

Para Craig Davis, executivo de publicidade internacional, o contexto atual

oferece uma grande oportunidade para as empresas contarem as suas histórias, que

narrando a realidade de seus negócios e como empresas, comunidades e o meio

ambiente são local e globalmente afetadas por eles. (ITC, 2009). Em fim de contas,

as empresas devem cada vez mais se esforçar para que os seus produtos e

operações estejam em consonância com as expectativas dos consumidores

conscientes, que esperam que a transparência e a ética sejam tão automáticas

quanto a expectativa de que os produtos sejam não-tóxicos e seguros para a

utilização. (BEEVORS, 2008).

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Ironicamente, se não de forma inesperada, as vendas de produtos éticos

começaram a decolar quando perderam a sua conotação de caridade e começaram

a competir em qualidade. Vale o exemplo da Max Havelaar, uma das maiores

organizações de Comércio Justo e orgânico do mundo, que transformou o negócio

de bananas da Coop, na Suíça, em um monopólio do Comércio Justo, ressaltando

os benefícios dos produtos livres de pesticidas. (ITC, 2009).

4.3. IMPACTO AMBIENTAL

Muito embora a nomenclatura “Comércio Justo” não faça menção direta ao

meio ambiente, o desenvolvimento do movimento dele resultante é atualmente

indestacável do conceito de preservação ambiental. Inúmeras medidas agregadas

aos mecanismos de produção, haja vista que intrinsecamente ligados à

conscientização e humanização do produtor, estendem suas raízes na preservação

das florestas, diminuição e mesmo eliminação do uso de defensivos agrícolas.

Muitos dos movimentos atuais encontram-se entrelaçados na proteção de

interesses que são mutuamente importantes. E como vimos, um dos princípios

expressos do Comércio Justo, ou seja, sem o qual não se pode considerar uma dada

atividade como integrada ao movimento, é justamente a preservação do ambiente.

Os produtores são incentivados a trabalhar nos moldes da agricultura orgânica,

reduzindo ou eliminando o manejo de defensivos químicos; promovendo rodízios de

culturas e outras técnicas que evitam a erosão do solo; reutilizando materiais;

diminuindo o consumo de produtos industrializados e privilegiando os

biodegradáveis; procurando dar utilidade ao maior número de subprodutos de cada

cultura agrícola cultivada.

Mesmo nos casos em que há utilização de defensivos, há a exigência de que

os produtos químicos utilizados não provoquem danos ao ambiente próximo,

impondo o uso de barreiras, impedindo a contaminação de rios e lagos, dentre

outras medidas. Tanto é assim que muitas das atividades que vêm tentando ser

conhecidas como engajadas no Comércio Justo primam pelos interesses de proteger

o ambiente e utilizar recursos de forma sustentável. É muito verdade que os

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investimentos para que determinada cultura e determinados produtos venham a ser

totalmente ecológicos exigem investimento elevado e os retornos financeiros

usualmente somente ocorrem após anos. No caso de produtores simples, muitas

vezes miseráveis, a espera e o investimento não são elementos que deles se podem

exigir. Mesmo nesses casos as cobranças do Comércio Justo vêm sendo atenuadas

com vistas a permitir que esses produtores possam primeiro garantir sua

sobrevivência e com o passar do tempo poderem ir se adequando a padrões mais

rígidos nas suas profissões.

Alguma das atividades que vem sendo implementadas com sucesso, e que

merecem menção, a título de exemplo. Na Associação dos Artesãos de Urucuia, em

Minas Gerais, ao trabalhar com a palmeira buriti os trabalhadores são estimulados a

somente extrair das árvores as folhas que não impeçam o crescimento da planta,

permitindo a sua perpetuação e garantindo o futuro da atividade, providência esta

que também é adotada pela Associação dos Artesãos do Bairro de São Vicente de

Paula, no Piauí, que trabalha com carnaúba.

Já na Associação dos Artesãos de Uruana de Minas, em Minas Gerais, os

trabalhadores criam peças de algodão cultivado de maneira sustentável, utilizando-

se de corantes naturais, extraído de plantas, para tingir as peças e os fios utilizados

na manufatura de seus trabalhos. São, pois, todas atividades que procuram

demonstrar a possibilidade de promover ações empreendedoras de forma lucrativa,

distribuindo lucros, promovendo riqueza e, principalmente, preservando o ambiente

da atuação do homem, dando, assim, a possibilidade às gerações futuras de se

perpetuarem.

4.4.COMÉRCIO JUSTO: CRÍTICAS E DESAFIOS

Se por um lado o Comércio Justo é visto por algumas instituições e

corporações como uma alternativa para um mercado internacional regulado e não

predatório, há uma parcela significativa dos agentes econômicos mundiais que não

compartilha da mesma visão, acreditando que toda essa movimentação pode não

passar de uma onda passageira e que o tempo demonstrará que não há nem nunca

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houve, de fato, motivo algum para tantos alardes. O fato é que para ganhar apoio de

diversas instituições, conquistar consumidores, conseguir linhas de crédito

especializadas e comercializar os produtos justos, os comerciantes tiveram que se

adaptar e lutar por nichos de mercado controlados pelos objetivos neoliberais.

(FRIDELL, 2006b).

O crescente interesse das grandes empresas, universidades e instituições

públicas em participar da rede de comércio justo, apresenta fundamento ambíguo e

controverso. Muitas corporações se utilizam dessa parceria para proteger sua

imagem pública e ampliar a sua fatia de mercado. (FRIDELL, 2006a). Fenômeno

equivalente ocorre com as instituições públicas da Europa e dos Estados Unidos que

ao adquirirem significativa cota de produtos oriundos do Comércio Justo,

desconsideram outras demandas maiores reivindicadas pelo movimento. Da mesma

forma, as universidades, ao passo que apoiam políticas de compras éticas, buscam

apoio financeiro de grandes corporações para sustentar as sua reestruturação

neoliberal, perdendo sua liberdade acadêmica. (FRIDELL, 2006a).

Com a entrada de novos atores “como o grande varejo e as marcas

transnacionais”, o Comércio Justo passa a ter uma nova feição, mais comercial do

que política, à medida que as relações comerciais tornam-se mais fortes e

frequentes. Os números negociados são maiores, proporcionando um desequilíbrio

de poder entre os envolvidos, já que os compradores com maior poder aquisitivo,

possuem também maior poder de barganha frente aos produtores, representando

risco aos pequenos produtores (representantes de organizações alternativas) que

vivem cem por cento da comercialização de produtos oriundos do Comércio Justo e

que possuem recursos financeiros e nichos de mercados limitados. (ASTI, 2007).

Extremamente importante também é a questão diz respeito a dependência ao

mercado externo, ao voluntariado e aos interesses e instituições do Norte. Conforme

bem menciona Fridell:

En contraste con La visión más amplia del movimiento de comercio justo, la red de comercio justo representa un modelo que es voluntarista, dependiente del mercado y miembro específico. Los precios para las mercancías del comercio justo y el tamaño del nicho del mercado del comercio justo (y por extensión del número de productores que pueden

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tener acceso a los estándares del comercio justo) son totalmente dependientes de los caprichos de los consumidores del norte.(2006, p. 55).

Apesar do crescente interesse em apoiar o movimento o que se percebe é

que a fatia de mercado para os produtos de Comércio Justo ainda é insuficiente para

promover a todos os seus sócios, pequenos agricultores, a quantidade necessária

de venda que lhes permita a sobrevivência. Pequenos produtores enfrentam

dificuldades para obter a certificação de seus produtos pela FLO (uma vez que a

mesma só certifica produtos que possuem demandas asseguradas), ocasionando

que somente as cooperativas mais fortes obtenham os plenos benefícios do sistema.

(FRIDELL, 2006a). Em alguns seguimentos o Comércio Justo apresenta uma oferta

maior que a demanda, ocasionando a competição de preços dentro do próprio

contexto do preço justo. Normalmente, essa competição é ainda acentuada pelas

peculiaridades regionais, onde a Ásia assume a liderança na comercialização de

produtos de Comércio Justo têxteis e artesanais, enquanto a América Latina se

destaca pela produção de produtos agrícolas.(ASTI, 2007).

Ressalta-se também a necessidade de definir certos padrões, regras e

monitoramento de certificação por parte de firmas e indústrias, com o intuito de

assegurar a credibilidade e a legitimidade exigida pela certificação. De acordo com

um estudo realizado com 115 produtores no México e República Dominicana,

somente três quartos tinham um básico entendimento do que significava o Comércio

Justo ou os benefícios propostos por ele. Em muitos destes casos a iniciativa de

certificação veio das empresas exportadoras e não propriamente dos produtores da

região. (GETZ e SHERECK, 2006).

Isso demonstra que para que haja um desenvolvimento uniforme do

movimento nacional e internacionalmente se faz necessário lapidar as arestas para

que o potencial transformador do Comércio Justo se transforme no veículo de

equidade e justiça social a que ele se propõe.

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5. UM MOVIMENTO EM BUSCA DE CONSOLIDAÇÃO

“Tudo que é feito é feito por um ser humano no âmbito da antroposfera que surge com ele”.

Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano

5.1. GÊNESE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO MUNDO LIGADAS AO COMÉRCIO

JUSTO

Tendo em vista o que foi dito ao longo desta pesquisa os movimentos sociais

e as instituições internacionais vêm investindo cada vez mais em inovações de

produtos e serviços que promovam mudanças significativas para as comunidades

sob sua abrangência territorial. A conquista da simpatia popular precisaria, em um

momento inicial, ganhar a confiança do cidadão comum e, mais do que isso, daquele

cidadão que se encontra sem situação crítica, sob o ponto de vista social, econômico

ou ecológico.

Mas uma vez convencidas às populações da necessidade de promover

mudanças nos hábitos e nas formas pelas quais as negociações se dão em âmbito

regional e internacional. A consolidação de regimes passíveis de serem protegidos

pelo Estado, mediante a adoção de medidas jurídico-protetivas, somente surge após

socialmente o ideal encontrar-se consolidado. E é o que se vê no que tange ao

Comércio Justo. Inicialmente dependendo de poucas vozes a defender seus

interesses, o ideal do comércio igualitário conquistou camadas significativas das

populações de muitos países, alguns deles consumidores exigentes e capazes de

impor suas determinações aos fornecedores estrangeiros.

Com as demandas internacionais alterando-se, surgiram os grupos

econômicos, dependentes das decisões dos grandes consumidores dispostos a

modificar severamente suas práticas comerciais com vistas a manter suas fatias de

mercado. Conquistada a classe empresarial, definido o mercado consumidor, o

próximo passo necessário dar-se-ia no campo político, quer através da criação e

efetiva aplicação de legislação que venha a coibir atitudes arbitrárias e

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irresponsáveis, social ou ambientalmente, quer mediante o incentivo à pesquisa e à

distribuição de informações.

Hoje tornou-se comum nos grandes eventos políticos sediados nos países da

Europa Ocidental encontrarmos produtos da bandeira Fair Trade nos bares e

restaurantes, tais como o café e o açúcar. O próprio Comissário do Comércio da

Comunidade Europeia, Peter Mandelson, já frisou que o "Fair Trade nos ensina que

consumidores não estão condenados a serem meros caçadores de barganhas. Fair

Trade nos lembra que comércio é sobre pessoas, seu bem-estar, suas famílias, às

vezes, sua sobrevivência”. (SCHNEIDER, 2007).

Todavia, as grandes organizações de Comércio Justo agora cobram das

classes políticas e dos governantes mais do que a declaração de apoio e simpatia,

mas o estabelecimento de políticas públicas voltadas à reflexão, organização e

proteção desse novo mercado. Movidas por esse ideal pujante, algumas iniciativas

concretas já começam a se desenhar no cenário mundial. O governo da Suíça, por

exemplo, já desenvolve parceria aberta com o movimento, servindo como

patrocinador ostensivo dos eventos organizados de Fair Trade, além de investir

significativamente em marketing. O governo da África do Sul, outro bom exemplo,

vem subsidiando e criando oportunidades de negócios na Europa, Japão e EUA para

os produtos derivados da árvore Marula, tão conhecida pelo famoso licor, a qual

também possibilita a fabricação de doces e produtos de beleza. (ITC, 2009).

A ajuda irlandesa, assim como do governo do Reino Unido e da Suiça, faz

parte de um consórcio de doadores internacionais que auxiliam financeiramente o

Comércio Justo, com vistas a aumentar o número de agricultores em todo o mundo

ligados ao mesmo ideal. A meta é ampliar o número de produtores para 2,2 milhões

e, consequentemente, a remuneração que retorna às comunidades na ordem de

€100 milhões por ano, (possibilitando mudancas significativas no desenvolvimetno

local). Espera-se também que as vendasglobaisdeprodutos certificados de Comércio

Justo, alcancem a marca de €9,8 bilhões até 201417.

O Governo Britânico, por sua vez, vem incentivando financeiramente a

expansão agressiva do movimento para que o comércio ético e justo seja

17 Disponível em:<http://www.suite101.com/content/fairtrade-fortnight-will-be-most-ambitious-yet-a187599> Acesso em: 10.09.2011.

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considerado a regra e não a exceção nos próximos anos em toda a Europa. (ITC,

2009). Nos dias atuais cerca de 890 cidades, em aproximadamente 18 países,

situados na Europa, Estados Unidos e Canadá, autodenominam-se Fair Trade Towns

(cidades de Comércio Justo)18.

5.2. UMA POLÍTICA PÚBLICA BRASILEIRA?

De acordo com o que expusemos anteriormente, algumas linhas do que veio

a se tornar o Comércio Justo e Solidário no Brasil já vinham sendo desenvolvidas

desde os anos 1980. A cada momento, à medida que os movimentos sociais iam se

interligando e ganhando poder, conseguiam também fazer com que o Poder

Legislativo seguisse alguns de seus passos. Não seria exagero estabelecer a força

legislativa brasileira como uma organização que tradicionalmente segue atrás do que

socialmente já fora consolidado, não criando diretrizes para o futuro, mas declarando

o já conhecido.

Felizmente no que tange ao Comércio Justo a iniciativa surgiu diretamente do

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no exercício de seu poder de

regulamentação de legislações federais. Assim sendo, por meio do decreto

7.358/2010 o Brasil torna-se o primeiro país a ter uma regulamentação federal de

apoio e afirmação do Comércio Justo e Solidário. Da referida norma podem ser

pinçados os seguintes elementos:

Art. 2O Para os efeitos deste Decreto, entende-se por:

I - comércio justo e solidário: prática comercial diferenciada pautada nos valores de justiça social e solidariedade realizada pelos empreendimentos econômicos solidários;

II - empreendimentos econômicos solidários: organizações de caráter associativo que realizam atividades econômicas, cujos participantes sejam trabalhadores do meio urbano ou rural e exerçam democraticamente a gestão das atividades e a alocação dos resultados;

III - organismos de acreditação: organismos que credenciam os organismos de avaliação da conformidade, atestando sua capacidade para realizar tarefas de avaliação da conformidade de produtos, processos e serviços;

18 Disponível em: < www.fairtrade.org.uk/get_involved_fairtrade_towns.htm> Acesso em : 24.07.2010.

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IV - organismos de avaliação da conformidade: organismos que inspecionam e atestam o cumprimento dos critérios de conformidade de produtos, processos e serviços com as práticas de comércio justo e solidário; e

V - preço justo: é a definição de valor do produto ou serviço, construída a partir do diálogo, da transparência e da efetiva participação de todos os agentes envolvidos na sua composição que resulte em distribuição equânime do ganho na cadeia produtiva.

Parágrafo único. Os termos fair trade, comércio justo, comércio equitativo, comércio équo, comércio alternativo, comércio solidário, comércio ético, comércio ético e solidário estão compreendidos no conceito de comércio justo e solidário, nos termos deste Decreto.

Art. 3 o O SCJS tem por finalidade fortalecer e promover o comércio justo e solidário no Brasil, o que compreende alcançar os seguintes objetivos:

I - fortalecer identidade nacional de comércio justo e solidário, por meio da difusão do seu conceito, de seus princípios e critérios de reconhecimento de práticas de comércio justo e solidário e de seu fomento;

II - favorecer a prática do preço justo para quem produz, comercializa e consome;

III - divulgar os produtos, processos, serviços, bem como as experiências e organizações que respeitam as normas do SCJS;

IV - subsidiar os empreendimentos econômicos solidários, os organismos de acreditação e de avaliação da conformidade e as entidades de apoio e fomento ao comércio justo e solidário, por meio de base nacional de informações em economia solidária e de empreendimentos econômicos solidários com práticas de comércio justo e solidário reconhecidas pelo SCJS;

V - contribuir com os esforços públicos e privados de promoção de ações de fomento à melhoria das condições de comercialização dos empreendimentos econômicos solidários;

VI - incentivar a colaboração econômica entre empreendimentos econômicos solidários; e

VII - apoiar processos de educação para o consumo, com vistas à adoção de hábitos sustentáveis e à organização dos consumidores para a compra dos produtos e serviços do comércio justo e solidário.

Parágrafo único. A gestão do SCJS, os seus princípios e os critérios de reconhecimento de práticas de comércio justo e solidário serão disciplinados em ato normativo do Ministério do Trabalho e Emprego.

Embora se trate de apenas um texto normativo, o referido documento

evidencia o interesse público de desenvolver um sistema organização,

estabelecendo uma secretaria própria para a sua gestão e programação de medidas

futuras, regulamentando as atividades de todas as organizações situadas em

território brasileiro, tanto no âmbito da certificação quanto na seara da

comercialização.

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5.3. A NECESSIDADE DE UMA EDUCAÇÃO PARA O CONSUMO

Cumpre ainda mencionarmos a polêmica sobre a forma como se vem

estabelecendo a relação de consumo. Ao contrário do que se poderia pensar por

uma ótica estreita e de viés político esquerdista, o problema em si não é o consumo,

mas o porquê e o como do consumo? Pois, em fim de contas, quais são as

consequências para o mundo tão conectado e interdependente como o atual, em

virtude dos hábitos de consumo? Como esses hábitos influenciam e deterioram o

meio? Como podemos encontrar o equilíbrio entre o ecologicamente necessário,

socialmente desejável e o politicamente aceitável?

Esses questionamentos trazem à tona a necessária mudança de atitude

frente ao consumo. Embora não seja correto considerar o consumidor como “novo

ator social”, deve-se compreender que a sua atuação dá-se por meio de suas

escolhas, entre elas o ato de consumo, o respeito aos direitos dos outros, a

preservação da natureza, assim como a criação de um espaço emancipatório que

permita a negociação dos interesses individuais e coletivos na construção de uma

sociedade mais sustentável, ética e justa (BADUE, 2005). Segundo CARON e

SEQUINEL (2010, p. 42), para que isso se torne possível é necessário que o

consumidor tenha consciência de sua força, pois precisamente é ele que exerce

maior dano sob a terra. Esclarecem ainda os professores:

A figura do consumidor sustentável, embora seja a parte mais vulnerável na relação de consumo em termos de preservação do meio ambiente, é o agente de maior poder, pois possui poder de escolha sobre os produtos e serviços à sua disposição no mercado. Entretanto, esse poder somente poderá ser efetivamente exercido quando os indivíduos tiverem conhecimentos de sua existência e, principalmente, de sua força.

Neste ato de reconstrução da paisagem social, uma orientação mais positiva

em relação à vida nos remete ao pensamento complexo “da parte ao todo e do toda

a parte” no qual nos permite a consciência de que fazemos parte da terra e é ela que

nos permite viver. Portanto, incentivar que as pessoas ajam de forma mais

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colaborativa e cooperativa, respeitando o outro como legítimo outro, tornamos a

sociedade mais sensível, mais digna, mais preocupada com os sentimentos do

outro, nossos semelhantes, a ponto de termos o profundo entendimento de que

fazemos parte da mesma família humana, que exige o abandono dos interesses, dos

fundamentos e das práticas econômicas e políticas vigentes. Conforme bem

menciona Milton Santos (200, p. 72):

A nova paisagem social resultaria do abandono e da superação do modelo atual e sua substituição por um outro, capaz de garantir para o maior número a satisfação das necessidades essenciais a uma vida humana digna, relegando a uma posição secundária necessidades fabricadas,impostas por meio da publicidade e do consumo conspícuo. Assim o interesse social suplantaria a atual precedência do interesse econômico e tanto levaria a uma nova agenda de investimentos como a uma nova hierarquia nos gastos público, empresariais e privados. Tal esquema conduziria paralelamente, ao estabelecimento de novas relações internacionais. Num mundo em que fosse abolida a regra da competitividade como padrão essencial de relacionamento, a vontade de ser potência não seria mais um norte para o comportamento dos estados, e a idéia de mercado interno será uma preocupação central. Agora, o que está sendo privilegiado são as relações pontuais entre grandes atores, mas falta sentido ao que eles fazem. Assim, a busca de um futuro diferente tem de passar pelo abandono das lógicas infernais que, dentro dessa racionalidade viciada, fundamentam e presidem as atuais práticas econômicas e políticas hegemônicas.

Obviamente que para que reformulemos a nossa forma de pensar faz-se

necessário refletir a respeito de nossas atitudes, buscando coerência entre a forma

de pensar e agir, e nos perguntando: Como fazemos o que fazemos? Como

permitimos que nossa sociedade promova a falsa ideia de que é mais importante ter

em detrimento do ser? Como temos aceitado estas verdades? Como podemos

reduzir o consumo e promover estas mudanças?

A educação surge com uma ação pedagógica direcionada a desconstruir os

paradigmas do consumo, propondo por meio da reflexão o desenvolvimento de

novas formas de ação política, a partir dos valores humanistas e da sustentabilidade

socioambiental. Uma educação não somente teórica mais prática, baseada na

educação popular, na educação ambiental, na educação para o desenvolvimento e,

sobretudo, na educação de valores. Uma educação que possibilite que nos “co-

inspiremos” por meio da reflexão, recuperando a nossa consciência de

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responsabilidade, trazendo à tona questões que por vezes não se apresentam na

ordem prática das atividades cotidianas mas que são a única saída, a única forma

de construirmos algo novo juntos. a partir do entendimento de que “a vida que

vivemos, o que somos e o que chegaremos a ser – e também o mundo ou os

mundos que construímos com o viver e o modo como os vivemos – são sempre o

nosso fazer”. (MATURANA, 2004, p.110). Badue (2005, p. 28) complementa o

raciocínio da seguinte forma:

O ponto central é trazer para a educação o debate sobre o sentido de sermos humanos: o que isso significa exatamente; além disso, que compromissos e responsabilidades temos diante deste constante exercício de troca que vivenciamos na sociedade e entre esta e a história a ser escrita a cada dia. Eis o papel da educação na proposta maior de transformação social.

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6. CONCLUSÃO

“Nós, seres humanos, existimos assim num presente cambiante contínuo em que passado e futuro são modos de viver o contínuo presente cambiante que se vive ”.

Maturana R., H. e Dávila Y.,X. Habitar Humano.

6.1. SÍNTESE DAS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS

Como vimos, o estímulo ao desenvolvimento contínuo, reflexo direto do

pensamento capitalista, elaborado sob a ótica cartesiana, encontra-se muito

presente nas sociedades contemporâneas. Essa busca pelo progresso e por

melhores condições de vida tende a sempre existir, sendo uma característica do

homem de todos os tempos. A forma como se darão esses eventos é que tende a

mudar, como mudaram em toda a história da humanidade, mediante a constatação

de que os paradigmas antigos tornaram-se ultrapassados e incapazes de resolver os

problemas atuais, e, mais que isso, diante da disposição de encontrar soluções

inovadoras e eficazes.

Mudam os paradigmas, mudam as condições sociais e, necessariamente,

precisam alterar-se os modelos institucionais e de infraestrutura. Há muitas visões

do futuro e muitas sugestões quanto ao que pode ser feito para dar um rumo mais

eficiente para a sociedade e para o comércio dos próximos séculos, pautados por

valores atuais, ligados à solidariedade e ao humanismo, que não eram cogitados

quando as primeiras estacas do modelo econômico atual foram fincadas.

A fundamentação teórica proposta neste trabalho de pesquisa apresentou

autores nacionais e internacionais que provem a reflexão sobre a complexidade das

relações entre indivíduo, cultura e contemporaneidade e servem de subsídios para

ampliar o campo de investigação e pesquisa de trabalhos acadêmicos, programas e

projetos sociais.

Neste contexto a apresentação dos conceitos teve como foco:

a) Consumo;

b) Desenvolvimento capitalista

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c) Comércio justo;

d) Desenvolvimento socioambiental

e) Consumo consciente;

f) Políticas socioambientais.

g) Educação para o consumo;

6.2. CONCLUSÕES EM RELAÇÃO AOS OBJETIVOS DE ESTUDO PROPOSTOS

Tendo este trabalho de pesquisa como o objetivo principal identificar até que

ponto as contribuições do Comércio Justo nas esferas econômico, social e ambiental

podem influenciar a construção de uma política publica socioambienteal numa

sociedade de consumo. Podemos realizar as seguintes considerações

O comércio vai, sem dúvida, continuar alavancando a economia no futuro

próximo e estimulando o consumo. Mas os moldes que serão adotados é que

merecem melhor reflexão. Por conta disso, muitos aspectos merecem ser estudados

e modificados conjuntamente, para que se almeje um objetivo tangível, indo desde

políticas públicas efetivas, quebras de barreiras comerciais, combate às fraquezas

estruturais, educação tecnológica e ambiental, tratamento comercial desigual aos

participantes desiguais, desenvolvimento de redes comerciais internas e

internacionais, políticas trabalhistas, reformas fiscais, incentivo aos investimentos,

regulamentações de instituições e mercados e, por fim, o desenvolvimento de capital

humano

A contribuição do Comércio Justo está na mudança dos hábitos, da

mentalidade, dos ideais de produção, tomando por base os princípios humanistas e

humanitários, permitindo vislumbrar alternativas antes jamais imaginadas e que

nunca integraram anteriormente os pensamentos voltados ao desenvolvimento do

comércio. Por esta ótica, somente com o vigor decorrente da implementação dos

valores por ela sustentados, agora sob novo foco, a sociedade passaria a considerar

os indivíduos e os povos, indiferentemente de suas origens ou etnias, seres dignos

de consideração e apoio, capazes de promover o seu próprio desenvolvimento,

desde que presentes os estímulos suficientes e as condições necessárias a tal

tarefa.

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Por tudo que se disse, vemos que é inegável a contribuição desse movimento

para a atual mudança da configuração econômica mundial. Mais do que uma

alternativa econômica com especial viabilidade, verificamos que traz especial

consideração a uma relação comercial mais comprometida com a justiça, com o

bem-estar e com o desenvolvimento sócio ambiental das comunidades, com

evidentes resultados de alívio da pobreza e do estímulo às capacidades humanas.

Tanto internacional como nacionalmente o Comércio Justo vem buscando a sua

consolidação como política pública socioambiental, adequando sua estrutura

paulatinamente a fatores regionais, que se mostram em muitos casos propícios para

o seu sucesso, como a abundância de matéria-prima, mão-de-obra criativa e em

processo crescente de capacitação. Some-se a isso, ainda, o interesse que se

avoluma de grandes corporações de se vincularem as ideias de propagação de

princípios de justiça social e ética comportamental.

Verifica-se, contudo, para que essa nova etapa se consolide será necessário o

desenvolvimento de outras competências diretamente ligadas aos anseios de todos

os atores envolvidos: governo, empresas, sociedade civil e população. Pois será

então possível que o movimento passe a atuar incisiva e decisivamente na formação

de políticas públicas socioambientais efetivas, conectadas à educação do

consumidor e, mais que isso, do cidadão.

As regras do comércio, nesse cenário, serviriam apenas de balizas, que

sempre deverão ser calibradas, externa e internamente, até que o ser humano não

mais precise de ajustes éticos e comportamentais externos. A certificação, num

futuro próximo, tende a não ser mais necessária, porque tanto os fabricantes quanto

os consumidores assumirão cada vez mais as suas respectivas cotas de

contribuição na utilização da biocapacidade, monitorando as mudanças climáticas no

planeta bem como promovendo consumo de forma racional, distribuindo renda e

riqueza de modo igualitário.

6.3. PROPOSIÇÕES PARA PESQUISAS E TRABALHOS FUTUROS

No trabalho de pesquisa realizado identifica-se que o sistema produtivo e a

concentração de riqueza material e monetária excluem milhões de produtores rurais

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e urbanos dos direitos fundamentais (saúde, educação, moradia e trabalho) os

impossibilitando de viver dignamente.

Para tanto se sugere a formatação de programas que auxiliem no

desenvolvimento de redes comerciais independentes dos grandes canais de

comercialização, por meio de associações regionais, capacitação técnica, formação

empreendedora, campanhas de convencimento de opinião pública e ações

educativas com vistas a estimular um olhar critico quanto às desigualdades no

comércio internacional, assim como a necessidade de uma educação para o

consumo.

Essa retomada da consciência permite frisar a importância de encontrar o

equilíbrio entre justiça, consumo e consciência, mediante o argumento de que as

sociedades precisam aprender como, de um modo mais convincente, criar

empregos, produtos e serviços adequados às necessidades das pessoas. Isso

porque o mundo precisa de produtores conscientes tanto quanto de consumidores

conscientes. Nunca é demais refletir sobre o pensamento que constrói a ação, que

modifica o mundo.

Assim, pensamos que o existir de modo sustentável significa, muitas vezes,

defender e praticar limites e restrições, até que o costume se torne um hábito e este

se transforme em nossas vidas. Portanto, não é algo que possa ser simplesmente

transmitido; é preciso acreditar para mobilizar e para conseguir a adesão de pessoas

é necessário convencer, o que somente se faz estimulando o outro a refletir e a

sentir internamente que necessita da mudança. Para isso se faz necessário mudar a

nossa forma de ver o mundo, conscientes do que conservamos e do que queremos

continuar conservando, assumindo que as nossas escolhas trazem consequências,

efeitos sistêmicos que influenciam a nossa forma de ver e viver no mundo em que

vivemos.

Agindo nesse contexto de conscientização e iluminação, vemos que o

presente trabalho não se presta a encerrar todos os aspectos do movimento, mas a

ajudar no processo de sua maturação, contribuindo na ampliação do conhecimento e

encorajando o repensar do consumo como filosofia existencial do homem

contemporâneo com vista a desenvolver uma cultura participativa, crítica e

emancipatória.

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REFERÊNCIAS

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ANEXO

ANEXO 1 - RESUMO DE CONSUMO DE RECURSOS NATURAIS POR PESSOA

EM KG/D

Consumo de recursos naturais por pessoa (em kg por dia) do Caçador-Coletor

a Sociedade Contemporanea

KG/D PERÍODO DA HISTÓRIA

3KG/D Caçador-Coletor

11 KG/D Sociedade Agrícola

40 KG/D Sociedade Industrial

10 – 100 KG/D* Sociedade Contemporanea

*10 kg/d África, 14 kg/d Ásia, 34 kg/d América Latina, 43 kg/d Europa, 88 kg/d

América do Norte, 100 kg/d Oceania.

Fonte: SERI, GLOBAL 2000, FRIENDS OF THE EARTH EUROPE - OVERCONSUMPTION - Our use of the world’s natural resources, 2009. - Adaptação da autora