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Fala e escrita: usos e conteúdos no ensino de Língua Portuguesa
Stefani Alves do Carmo (UNIOESTE)
Thaís Schoffen Rodrigues (UNIOESTE)
Sanimar Busse (UNIOESTE)
Resumo: A língua, em toda a sua dinamicidade e complexidade, pode ser tomada como fator
de expressiva representação da história e da identidade dos homens, pois registra os processos
de interação entre homem/meio e homem/homem. Sendo assim, a eleição de uma variedade
como padrão e oficial não deve implicar o desconhecimento e desvalorização das demais
variedades de uma língua no ensino, pois a variante padrão é o resultado da história da língua
que tem a participação de aspectos e elementos dessas variantes (BUSSE, 2013). Este trabalho
tem o objetivo de refletir sobre a relação fala e escrita em textos de alunos do 6º ano do Ensino
Fundamental. As discussões sobre o ensino da língua portuguesa têm focalizado questões
pontuais que não ultrapassam, muitas vezes, o mero denuncismo, portanto, não há movimento
que aponte possibilidade para um trabalho com a reflexão linguística, no nível
gráfico/ortográfico (BUSSE, 2007). Partindo dos princípios teóricos da Sociolinguística e da
Dialetologia, de autores como Cagliari (1989; 1999), Bagno (1999), Bortoni-Ricardo (2006),
Soares (2012), apresentam-se resultados preliminares de pesquisas sobre a relação entre fala e
escrita e o trabalho encaminhado pelos manuais didático sobre a escrita ortográfica.
Palavras-chave: Fala; Escrita; Ensino.
Abstract: The Language, that is complex and dynamic, is a factor of expressive
representantion of human history and identity, because it represents the interactive prosseses
between human/environment and human/human. So, to elect only one variety like a model and
official, could not to imply in do not know and appreciate of all over varieties of one language
at teaching, the main variety is a resulto of the language history wich has participations of
aspects and elements that belongs to all language varieties (BUSSE, 2013). This article has as
na objective to reflect about the relation between speak and writing in students texts at 6º year
of Fundamental School. The discussions of Portuguese Language teaching had been very plain
and many times it does not exceeds the concepts of “wrong” and “rigth”, besides, it is not a
moviment that point possibilities to work with linguistic reflection at the levels written/spelling
(BUSSE, 2007). To the develop this research it was used a Sociolinguistics and Dialectology
theoretical view, based at authors like Cagliari (1989), Bagno (1999), Bortoni-Ricardo (2006),
Soares (2012). It presents preliminary results about relation between speak and writing and the
work forwarded by teaching manuals about ortographic writing
Keywords: Speak;Writing; Teaching.
Considerações iniciais
Apresentamos neste artigo algumas reflexões preliminares desenvolvidas em atividades
de iniciação científica/PIBIC/PICV/UNIOESTE, sobre as relações entre oralidade, fala, escrita
e ensino de Língua Portuguesa. O trabalho encontra-se organizado da seguinte maneira:
inicialmente, refletimos sobre processos fonológicos registrados em produções escritas de
alunos do 6º Ano, do Ensino Fundamental, para, na sequência, discutirmos sobre os
encaminhamentos dados pelo livro didático para o trabalho com a escrita ortográfica.
Segundo Busse (2015), a língua, em toda a sua dinamicidade e complexidade, pode ser
tomada como fator de expressiva representação da história dos homens, pois guarda, acomoda
e organiza os processos de interação entre homem/meio e homem/homem.
Busse (2015) destaca que
A eleição de uma variedade como padrão e oficial não deve implicar o
desconhecimento e desvalorização das demais variedades de uma língua no
ensino. Até porque a variante padrão é o resultado da história da língua que
tem a participação de aspectos e elementos dessas variantes A escola que tem
por função levar o aluno a dominar a variedade padrão de uma língua, deveria
o fazer reconhecendo a diversidade linguística da língua, introduzindo-a
como conteúdo de ensino, para auxiliar na compreensão da necessidade de
utilizar e adequar a fala às diversas situações de comunicação. O princípio
norteador é a compreensão de que a língua não é algo estático e acabado, ao
contrário, sua razão de ser e sua essência é a mutabilidade, a complexidade e
a dinamicidade no interior das relações sociais. (BUSSE, 2015, p. 26).
Ainda na fase inicial de aquisição da escrita os alunos encontram na fala o roteiro para
a codificação gráfica. Porém, estudos indicam que algumas hipóteses de transcrição fonético-
fonológica acompanham o aluno por toda a escolarização.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais/PCNS (BRASIL, 1997),
A inferência dos princípios de geração da escrita convencional, a partir da
explicitação das regularidades do sistema ortográfico (isso é possível
utilizando como ponto de partida a exploração ativa e a observação dessas
regularidades: é preciso fazer com que os alunos explicitem suas suposições
de como se escrevem as palavras, reflitam sobre possíveis alternativas de
grafia, comparem com a escrita convencional e tomem progressiva-mente
consciência do funcionamento da ortografia); a tomada de consciência de que
existem palavras cuja ortografia não é definida por regras e exigem, portanto,
a consulta a fontes autorizadas e o esforço de memorização (BRASIL, 1997,
p. 57).
A identificação dos “erros de grafia” a partir da sua natureza fonético-fonológica, cuja
origem está na fala, e arbitrária, resultante de questões etimológicas, por exemplo, pode auxiliar
o professor a refletir sobre a maneira mais eficaz para trabalhar com a grafia e a ortografia.
Busse (2015) destaca que
O ensino de língua portuguesa carrega uma “culpa histórica” diante dos
índices de desempenho dos alunos dos ensinos fundamental e médio, no que
tange à leitura e à escrita. Essa situação é sobretudo apontada como mais
alarmante no ensino público, que tem na sua clientela o falante de diferentes
variedades do português. Consideremos, contudo, que a escola pública atende
a toda uma comunidade de falantes do português que vive, no dia a dia, as
riquezas do contato entre línguas e dialetos, distante, contudo, das
experiências letradas necessárias para o trabalho que se realiza em sala de
aula. É, portanto, na escola que os alunos terão, muitas vezes, as primeiras
experiências com o mundo letrado. Precisamos nos questionar sobre como é
essa experiência. Se estamos realmente introduzindo o aluno nos contextos de
leitura e escrita, considerando suas funções sociais. Se o desafio do professor
dos anos iniciais do Ensino Fundamental está em reconhecer e valorizar a
diversidade linguística presente na fala do aluno e, a partir dela, inseri-lo no
mundo letrado (BUSSE, 2015, p. 31).
Visando a atuação docente e a atuação da comunidade escolar no processo de
aprendizagem, pretende-se a partir da realização de leituras e de pesquisas já realizadas,
aprofundar os estudos em relação às marcas de oralidade que permanecem na escrita dos alunos
do 6º Ano pertencentes à escola pública do município de Cascavel/PR participantes do
Programa Institucional de Bolsa a Iniciação a Docência – PIBID/CAPES, bem como propor
reflexões quanto ao conteúdo das variedades linguísticas em livros didáticos de Língua
Portuguesa direcionados ao 6º Ano.
Deste modo, ademais de analisar os processos fonológicos em textos de alunos do
Ensino Fundamental, este estudo propõe-se a refletir sobre como é importante, no que diz
respeito ao uso da escrita, que haja no âmbito escolar uma metodologia com foco nas
necessidades do aluno. Objetiva-se, assim, colaborar como ensino de língua materna,
apresentando formas efetivas de o professor com marcas de oralidade em produções textuais
com o auxílio do livro didático, e no mesmo momento, respeitar a língua do seu meio.
Fala e escrita
A linguagem, como instância comunicativa, desempenha papel fundamental para que
um indivíduo se torne um ser social. A fala e a escrita são manifestações da linguagem, porém,
na escrita o emprego da norma padrão é exigido de forma sistematizada. As discussões sobre
o ensino da língua portuguesa têm focalizado questões pontuais que não ultrapassam, muitas
vezes, o mero denuncismo. Ensinar a língua por meio da análise linguística, conforme Geraldi
(1997), não significa o abandono da teoria gramatical, mas, ensinar os aspectos linguísticos por
meio de textos e da observação da construção de um sentido, considerando, assim, as
variedades da língua nas diferentes situações de interação.
Conforme destaca Bortoni-Ricardo (2006),
no Brasil, convivemos com um paradoxo: os cursos de letras, onde os alunos
têm oportunidade de se familiarizar com o sistema fonológico do português,
não costumam dedicar-se à formação de alfabetizadores; seus currículos são
voltados para o ensino da língua no ciclo final do Ensino Fundamental e
Ensino Médio. Por sua vez, o Curso de Pedagogia e o Curso Normal Superior,
embora assumam a responsabilidade da formação dos alfabetizadores, não
incluem em seus currículos disciplinas de Lingüística Descritiva que possam
fornecer aos futuros alfabetizadores subsídios que lhes permitam desenvolver
uma consciência lingüística, ou, mais propriamente, uma consciência
fonológica (BORTONI-RICARDO, 2006, p. 207-208).
É habitual em produções escritas de alunos dos anos iniciais, que encontremos marcas
de suas falas em produções textuais. Esse fato se justifica, pois o aluno recentemente está
entrando em contato com a modalidade escrita da língua e conhece apenas a modalidade da
fala.
De acordo com Cagliari (1999a),
Sabemos que a escrita, cujo objetivo é a leitura, caracteriza-se por resistir a
mudanças e alterações. A ortografia surge exatamente de um “congelamento”
da grafia das palavras, fazendo com que ela perca sua característica básica de
ser uma escrita pelos segmentos fonéticos, passando a ser a escrita de “uma
palavra de forma fixa”, independente de como o escritor fala ou o leitor diz o
que lê (CAGLIARI, 1999a, p. 65-66, aspas do autor).
Soares (2001) opõe a concepção de língua entendida unicamente como código, pois
letramento é “o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e a escrita em que os indivíduos
se envolvem em seu contexto social”, ou seja, as práticas de letramento consistem
fundamentalmente em atividades sociais, que tornam o indivíduo parte integrante de uma
sociedade, na qual as interações sociais são mediadas pela escrita. Já Bagno (2007) aponta que,
a língua apresenta-se com diferentes variedades, e é porque ela varia que temos diferentes
modos de fala caracterizada geograficamente (variação diatópica), economicamente (variação
diastrática), situacional (variação diafásica) e temporalmente (variação diacrônica).
Diariamente, recebemos em nossas escolas alunos de diferentes faixas etárias, alguns podem
ser oriundos de diferentes regiões geográficas, então, como professores, devemos saber lidar
com o modo de falar de cada um, sem desprezá-lo.
Para Busse (2015),
O ensino da escrita pode tomar a diversidade linguística como ponto de
partida para o desenvolvimento do conhecimento sobre o funcionamento da
língua. O trabalho com a variação na escola tem o objetivo de levar o aluno a
compreender a língua como produto das relações e interações entre falantes,
e as variantes como processos distintos do fenômeno da mudança linguística.
Diante da tarefa de levar a criança a dominar o código escrito em diferentes
situações de interação, o desafio do professor está em reconhecer e valorizar
a diversidade linguística da comunidade e, a partir dela, inserir o aluno no
mundo letrado. (BUSSE, 2015, p. 31).
Isso não quer dizer que o conhecimento e o uso da variedade padrão darão lugar às
demais variedades. O aluno deve, na escola, conhecer e praticar o uso da língua nas mais
diferentes situações de comunicação. O conhecimento das variantes linguísticas (sociais ou
dialetais), nos diferentes estágios de mudança da fala, auxilia na compreensão da história da
língua e na conscientização da necessidade e uso da variedade padrão.
Segundo Busse (2015),
O princípio norteador é a compreensão de que a língua não é algo estático e
acabado. Ao contrário, sua razão de ser e sua essência é a complexidade e a
dinamicidade no interior das relações sociais. A falha no que diz respeito a
esses processos de compreensão linguística durante o período escolar,
contribui para o fortalecimento do preconceito linguístico na sociedade como
um todo. (BUSSE, 2015, p. 30).
Desse modo, a escola acaba possuindo como um dos seus objetivos ajudar o aluno a
compreender a realidade linguística com suas contradições e variedades, a estrutura e o
funcionamento da língua com suas variantes sociais, regionais e situacionais. Assim, a
diversidade linguística do português brasileiro deve ser tomada como conteúdo de ensino nas
aulas de língua portuguesa, e o livro didático acaba sendo um importante instrumento durante
esse processo.
Para Busse (2015), os contextos multilíngues levam os alunos a conviverem com uma
realidade diversa. Nesses ambientes,
A aprendizagem da língua escrita impõe ao aluno graus de reflexão sobre o
funcionamento da língua que, em alguns contextos, distancia-se muito da fala,
considerando as variedades linguísticas presentes na comunidade. Os “erros”
ou “falhas” podem ser tomados como indícios dos processos pelos quais os
alunos constroem o conhecimento sobre a língua escrita, mas o professor
precisa auxiliar o aluno a superar suas dúvidas e seus conflitos sobre a
organização da escrita e sistematizar esse conhecimento para a plena
apropriação e uso do código. Nesses contextos, é necessário que os
professores e suas metodologias incorporem a variação linguística e a partir
dela levem os alunos a compreender o funcionamento da linguagem e
observar de forma sistemática a distinção entre fala e escrita. (BUSSE, 2015,
p. 45).
Desconstruir o preconceito linguístico é um dos desafios dos professores de língua
portuguesa, pois, além dos discursos que vem sendo enraizados há tanto tempo no imaginário
dos alunos sobre a soberania da dita variedade de prestígio, o próprio livro didático pode ser
um instrumento disseminador de tal preconceito, de acordo com o modo como o livro didático
aborda as questões que se referem às variedades linguísticas.
Para Mollica e Loureiro,
A existência da variação e da mudança na língua falada, que pode ter
repercussões na escrita, constitui noção crucial para o alfabetizador trabalhar
criteriosamente os obstáculos comuns aos aprendizes iniciantes da escrita”
(MOLLICA; LOUREIRO, 2008, p. 03).
É de grande importância que o aluno desenvolva um domínio da norma gramatical,
porém, quando o livro se volta somente para o ensino desta, principalmente trabalhando apenas
com os conceitos de certo e errado, há um fortalecimento do preconceito linguístico e uma
marginalização de variedade linguística e identidade cultural que esta sustenta. É neste contexto
que encontramos as frases de senso comum como “o brasileiro não sabe português”.
Uma das tarefas do ensino de língua na escola seria, então, discutir os valores
sociais atribuídos a cada variante lingüística, enfatizando a carga de
discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a
conscientizar o aluno de que sua produção lingüística, oral ou escrita, estará
sempre sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa. (BAGNO, 1999,
p. 75).
Assim, entende-se que a linguagem é de suma importância para a vida do indivíduo,
visto que a comunicação corporal, não verbal ou verbal ocorrerá por meio dela. Conforme
destacam Sella e Busse (2016),
Da mesma forma, devem-se focar as variantes dialetais, com o objetivo de
levar o aluno a compreender a língua como produto das relações e interações
entre falantes, e as variantes como fenômenos de mudança linguística. O
aluno necessita saber que sua variante linguística funciona muito bem em sua
manifestação falada e que, em certos contextos, como bilhetes, cartas a
familiares, mensagens de texto, entre outros, pode ser usada. Contudo, existe
um código padronizado de escrita que precisa ser seguido em interações
escritas formais. É importante que o aluno saiba que valorizar a sua variante
não significa também aceitá-la em qualquer contexto. (SELLA; BUSSE,
2016, p. 69).
Sabe-se que a fala e a escrita são formas de manifestações dessa linguagem, elas
ocorrem por meio de signos verbais, as quais, comumente, são apreendidas de modo e
contextos distintos.
Segundo Bortoni-Ricardo (2006):
Aproveitar as experiências e as vivências que as crianças trazem consigo,
repetindo padrões familiares que lhes são familiares; desenvolvendo
estratégias que façam a distinção entre eventos de oralidade e de letramento;
implementar estratégias de envolvimento, permitindo que a criança fale,
ratificando-a como falante legítimo, respeitando-lhe as peculiaridades,
acolhendo-lhe as sugestões e tópicos, incentivando-a a manifestar-se,
fornecendo-lhe os modelos de estilos monitorados da língua e mostrando-lhe
como e quando usar esses estilos (BORTONI-RICARDO, 2006, p. 209).
Na sequência, apresentamos o quadro com os fenômenos identificados nas produções
escritas dos alunos do 6º Ano do Ensino Fundamental, participantes do PIBID/CAPES:
Quadro 01: Fenômenos identificados nas produções textuais de 6° ano do E.F.
Elevação
da vogal
média
Hipossegmentação Hipersegmentação Vocalização Ditongação Sonorização e
Dessonorização
Jogui Ajuntar A charam Finau Fais Dodos
Lixu Ummenino Com seguiram Veis Famos
Durmir Osaluno De pois Nois Bringar
Ipregados Nabiblioteca Com migo Fou
muleques Epoderam De pois Princadeira
Barbe Agente Derminar
Tisouro Sejoga
Praver
Procirco
Decoisa
Detruque
Quetal
Fonte: Busse (2013)
Dentre os dados de natureza fonético-fonológica a elevação da vogal média destaca-se,
como em “fomi” para “fome”, “iscola” para “escola”, “medu” para “medo”, “pertu” para
“perto”, sendo fenômeno presente na fala e não sofre avaliações.
Ao identificados nas produções textuais de alunos do 6° ano do Ensino Fundamental, o
professor deve buscar desenvolver sua prática de modo visando com que o aluno se torne capaz
de utilizar diferentes variedades linguísticas de acordo com sua necessidade e as mais distintas
situações de uso. Estudando a estrutura da língua em sua complexidade além da gramática
tradicional, como coloca Busse:
O aluno deverá ter acesso ao conhecimento da estrutura da língua, deverá
desenvolver as habilidades necessárias à realização das manobras
argumentativas que sustentam a discursividade do seu texto. Um ensino de
língua voltado apenas para o livro didático e para a gramática tradicional pode
resultar em definições equivocadas e desarticuladas e, principalmente, em
leituras fragmentadas (BUSSE, 2015, p. 59).
O estudo da língua por inteiro contribui, além das reflexões culturais, para que haja uma
melhor compreensão do funcionamento estrutural da língua e consequentemente da própria
gramática tradicional. Uma vez que o aluno se torna conhecedor de diferentes variedades e suas
situações de uso, inclusive das diferenças que existem entre a língua falada e a língua escrita,
a disciplina de Língua Portuguesa em todos seus tópicos principais, gramática, literatura,
oralidade, leitura e escrita, se torna mais próxima e, consequentemente, mais fácil de ser
aprendida.
Massini-Cagliari (1999) destaca que
Existe, na nossa sociedade, a crença de que a ortografia das palavras refletiria
a pronúncia “correta” das palavras, o que é um preconceito, já que a ortografia
não representa a fala de ninguém, pois tem a função de anular a variação
linguística, na escrita, no nível da palavra. O fato de a ortografia se aproximar
mais da pronúncia das classes sociais mais privilegiadas deve-se ao fato de as
pessoas pertencentes a estas classes sociais terem mais acesso à escolarização
(MASSINI-CAGLIARI, 1999a, p. 31, destaque da autora).
Desde 2001, todos os alunos brasileiros, oriundos de escola pública têm, após uma
longa trajetória de instituição de livros e dicionários nas escolas, direito e acesso ao material
didático como conhecemos hoje. Os livros didáticos são projetados parar auxiliar o processo
de ensino e aprendizagem, no entanto, quando se olha para os três livros didáticos analisados e
sua distribuição de atividades, fica ainda mais evidente que existe uma supervalorização da
norma padrão e da norma social dita de prestígio enquanto que uma marginalização das demais
variedades linguísticas. Percebe-se que os livros se limitam a discutir uma variedade regional
entre a “língua rural” e a “língua urbana”. De modo a enaltecer a fala urbana, como observa
Bagno:
Também é visível nos LD a tendência a tratar da variação linguística em geral
como sinônimo de variedades regionais, rurais ou de pessoas não
escolarizadas. Parece estar por trás dessa tendência a suposição (falsa) de que
os falantes urbanos e escolarizados usam a língua de um modo uniforme, mais
“correto”, mais próximo di padrão, e que nesse uso não existe variação
(BAGNO, 2013, p. 83).
Dentre as atividades analisadas destacamos as seguintes:
i) Atividades que envolvam a personagem Chico Bento, de Maurício de Sousa,
em que se pede para que o aluno corrija a fala da personagem (Chico Bento
demonstra uma fala marcadamente regional) para o português padrão. Ou seja,
não há de fato uma reflexão sobre as variedades linguísticas, mas uma
marginalização de toda uma comunidade de fala.
ii) Foco nas questões normativas, que solicitam que o aluno identifique as
palavras que não correspondem à variedade padrão, registrando-as na escrita
padrão.
iii) Em outra atividade a observação sobre uma lista de expressões do falar
mineiro, retirada da Internet, focaliza questões do dia a dia, marcadas pelo
humor, no contraponto com situações mais formais, em que se exprime opiniões,
por exemplo.
O livro didático, neste contexto, não funciona de modo a fazer com que o aluno pense
a dinamicidade e complexidade da língua e que reflita sobre seu funcionamento como um todo,
apenas uma pequena parte considerada superior socialmente, a variedade faladas pelas pessoas
letradas especificamente da zona urbana, de modo a enaltecer apenas esta variedade e depreciar
as demais, deixando subentendido que todos que não estão inclusos nesta variedade
considerada superior falam errado. Segundo Bagno:
Com isso, parece estar em jogo o desejo de livrar a barra dos falantes urbanos,
letrados, com uma possível consequência negativa: levar os aprendizes a
supor que a “variação linguística” é o mesmo que “falar errado”, “falar feito
gente da roça”, ou seja, o velho preconceito linguístico travestido de
terminologia científica. (BAGNO, 2013, p. 82).
Aqui não afirmarmos, de forma alguma, que a escola deve abandonar o ensino da
norma gramatical, esta é fundamental para que o aluno seja capaz de falar e escrever de acordo
com a situação comunicacional. Todavia, o próprio ensino da gramática tradicional se torna
um caminho mais fácil quando o estudante é capaz de compreender que a língua não se resume
ao que é certo e ao que é errado e que transcende estes conceitos como manifesto cultural dentro
de uma pluralidade linguística.
Segundo Cagliari (1999b),
Explicações técnicas não assustam crianças. Pelo contrário, elas têm uma
certa expectativa de que a escola vá explicar o porquê das coisas que
aprendem ou aprenderam. Saber fazer e saber explicar como se faz e como
não deve ser feito é a melhor forma de conhecimento, é saber as causas e os
efeitos e suas razões. Negar a transmissão do conhecimento, restringindo ou
até mesmo negando a atividade de ensinar do professor é um grande equívoco
educacional (CAGLIARI, 1999b, p.225).
Diante do exposto, denota-se que ao contrário da fala, que é adquirida de modo natural
no âmbito familiar e social, a escrita necessita de uma instrução formal, visto que esta
fundamenta-se na apropriação de conhecimentos estabelecidos pelo ser humano de modo
arbitrário. Sabendo, assim, que o aluno chega à escola dominando a língua falada, não é raro
que haja marcas de oralidade presente em produções textuais, como monotongação e
ditongação, conforme pontua Bortoni-Ricardo (2004), que também acentua que é necessária
uma “pedagogia culturalmente sensível”, a qual encontrasse atenta às diversidades entre a
cultura dos educados e do âmbito escolar.
A escola, que tem por objetivo levar o aluno a dominar a variedade padrão de uma
língua, deveria o fazer reconhecer a diversidade linguística da língua, introduzindo-a como
conteúdo de ensino, para auxiliar na compreensão da necessidade de utilizar e adequar a fala
às diversas situações de comunicação.
A escola tem o importante papel de ajudar o aluno a compreender a realidade linguística
com suas contradições e variedades, a estrutura e o funcionamento da língua com suas variantes
sociais, regionais, temporais e situacionais, a diversidade linguística do português brasileiro
deve ser tomada como conteúdo de ensino nas aulas de língua portuguesa. Isso não quer dizer
que o conhecimento e o uso da variedade padrão darão lugar às demais variedades, mas sim
que se associarão para formar uma noção de língua que seja mais completa e mais próxima da
realidade.
Considerações finais
A escola deve ensinar a variedade padrão da língua. Contudo, o ensino da escrita no
seu rigor formal, a partir do contexto comunicativo, não deve negar a identidade linguística do
aluno. Os Parâmetros Curriculares Nacionais/PCN (Brasil, 1998) dedicam páginas para
abordar como a variação linguística deve ser abordada em sala de aula. Destaca-se a
importância de combater a discriminação linguística entre os alunos por meio do trabalho com
as variedades linguísticas. Logo, torna-se necessário refletir sobre os encaminhamentos dados
pelos materiais didáticos e o modo como tais propostas são abordadas.
Os livros didáticos analisados apresentam problemas no modo como tratam a variação
linguística, de modo a difundir preconceitos e não compreender a língua em uso. Essas
posturas, pautadas no conservadorismo prescritivo e no preconceito linguístico, pode contribuir
para que os alunos não ultrapassem algumas hipóteses equivocadas de escrita ortográfica,
registrando em suas produções uma reprodução da fala.
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