14
Fala e escrita: usos e conteúdos no ensino de Língua Portuguesa Stefani Alves do Carmo (UNIOESTE) Thaís Schoffen Rodrigues (UNIOESTE) Sanimar Busse (UNIOESTE) Resumo: A língua, em toda a sua dinamicidade e complexidade, pode ser tomada como fator de expressiva representação da história e da identidade dos homens, pois registra os processos de interação entre homem/meio e homem/homem. Sendo assim, a eleição de uma variedade como padrão e oficial não deve implicar o desconhecimento e desvalorização das demais variedades de uma língua no ensino, pois a variante padrão é o resultado da história da língua que tem a participação de aspectos e elementos dessas variantes (BUSSE, 2013). Este trabalho tem o objetivo de refletir sobre a relação fala e escrita em textos de alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. As discussões sobre o ensino da língua portuguesa têm focalizado questões pontuais que não ultrapassam, muitas vezes, o mero denuncismo, portanto, não há movimento que aponte possibilidade para um trabalho com a reflexão linguística, no nível gráfico/ortográfico (BUSSE, 2007). Partindo dos princípios teóricos da Sociolinguística e da Dialetologia, de autores como Cagliari (1989; 1999), Bagno (1999), Bortoni-Ricardo (2006), Soares (2012), apresentam-se resultados preliminares de pesquisas sobre a relação entre fala e escrita e o trabalho encaminhado pelos manuais didático sobre a escrita ortográfica. Palavras-chave: Fala; Escrita; Ensino. Abstract: The Language, that is complex and dynamic, is a factor of expressive representantion of human history and identity, because it represents the interactive prosseses between human/environment and human/human. So, to elect only one variety like a model and official, could not to imply in do not know and appreciate of all over varieties of one language at teaching, the main variety is a resulto of the language history wich has participations of aspects and elements that belongs to all language varieties (BUSSE, 2013). This article has as na objective to reflect about the relation between speak and writing in students texts at 6º year of Fundamental School. The discussions of Portuguese Language teaching had been very plain and many times it does not exceeds the concepts of “wrong” and “rigth”, besides, it is not a moviment that point possibilities to work with linguistic reflection at the levels written/spelling (BUSSE, 2007). To the develop this research it was used a Sociolinguistics and Dialectology theoretical view, based at authors like Cagliari (1989), Bagno (1999), Bortoni-Ricardo (2006), Soares (2012). It presents preliminary results about relation between speak and writing and the work forwarded by teaching manuals about ortographic writing Keywords: Speak;Writing; Teaching. Considerações iniciais Apresentamos neste artigo algumas reflexões preliminares desenvolvidas em atividades de iniciação científica/PIBIC/PICV/UNIOESTE, sobre as relações entre oralidade, fala, escrita e ensino de Língua Portuguesa. O trabalho encontra-se organizado da seguinte maneira: inicialmente, refletimos sobre processos fonológicos registrados em produções escritas de

Fala e escrita: usos e conteúdos no ensino de Língua ... · dialetais), nos diferentes estágios de mudança da fala, auxilia na compreensão da história da língua e na conscientização

Embed Size (px)

Citation preview

Fala e escrita: usos e conteúdos no ensino de Língua Portuguesa

Stefani Alves do Carmo (UNIOESTE)

Thaís Schoffen Rodrigues (UNIOESTE)

Sanimar Busse (UNIOESTE)

Resumo: A língua, em toda a sua dinamicidade e complexidade, pode ser tomada como fator

de expressiva representação da história e da identidade dos homens, pois registra os processos

de interação entre homem/meio e homem/homem. Sendo assim, a eleição de uma variedade

como padrão e oficial não deve implicar o desconhecimento e desvalorização das demais

variedades de uma língua no ensino, pois a variante padrão é o resultado da história da língua

que tem a participação de aspectos e elementos dessas variantes (BUSSE, 2013). Este trabalho

tem o objetivo de refletir sobre a relação fala e escrita em textos de alunos do 6º ano do Ensino

Fundamental. As discussões sobre o ensino da língua portuguesa têm focalizado questões

pontuais que não ultrapassam, muitas vezes, o mero denuncismo, portanto, não há movimento

que aponte possibilidade para um trabalho com a reflexão linguística, no nível

gráfico/ortográfico (BUSSE, 2007). Partindo dos princípios teóricos da Sociolinguística e da

Dialetologia, de autores como Cagliari (1989; 1999), Bagno (1999), Bortoni-Ricardo (2006),

Soares (2012), apresentam-se resultados preliminares de pesquisas sobre a relação entre fala e

escrita e o trabalho encaminhado pelos manuais didático sobre a escrita ortográfica.

Palavras-chave: Fala; Escrita; Ensino.

Abstract: The Language, that is complex and dynamic, is a factor of expressive

representantion of human history and identity, because it represents the interactive prosseses

between human/environment and human/human. So, to elect only one variety like a model and

official, could not to imply in do not know and appreciate of all over varieties of one language

at teaching, the main variety is a resulto of the language history wich has participations of

aspects and elements that belongs to all language varieties (BUSSE, 2013). This article has as

na objective to reflect about the relation between speak and writing in students texts at 6º year

of Fundamental School. The discussions of Portuguese Language teaching had been very plain

and many times it does not exceeds the concepts of “wrong” and “rigth”, besides, it is not a

moviment that point possibilities to work with linguistic reflection at the levels written/spelling

(BUSSE, 2007). To the develop this research it was used a Sociolinguistics and Dialectology

theoretical view, based at authors like Cagliari (1989), Bagno (1999), Bortoni-Ricardo (2006),

Soares (2012). It presents preliminary results about relation between speak and writing and the

work forwarded by teaching manuals about ortographic writing

Keywords: Speak;Writing; Teaching.

Considerações iniciais

Apresentamos neste artigo algumas reflexões preliminares desenvolvidas em atividades

de iniciação científica/PIBIC/PICV/UNIOESTE, sobre as relações entre oralidade, fala, escrita

e ensino de Língua Portuguesa. O trabalho encontra-se organizado da seguinte maneira:

inicialmente, refletimos sobre processos fonológicos registrados em produções escritas de

alunos do 6º Ano, do Ensino Fundamental, para, na sequência, discutirmos sobre os

encaminhamentos dados pelo livro didático para o trabalho com a escrita ortográfica.

Segundo Busse (2015), a língua, em toda a sua dinamicidade e complexidade, pode ser

tomada como fator de expressiva representação da história dos homens, pois guarda, acomoda

e organiza os processos de interação entre homem/meio e homem/homem.

Busse (2015) destaca que

A eleição de uma variedade como padrão e oficial não deve implicar o

desconhecimento e desvalorização das demais variedades de uma língua no

ensino. Até porque a variante padrão é o resultado da história da língua que

tem a participação de aspectos e elementos dessas variantes A escola que tem

por função levar o aluno a dominar a variedade padrão de uma língua, deveria

o fazer reconhecendo a diversidade linguística da língua, introduzindo-a

como conteúdo de ensino, para auxiliar na compreensão da necessidade de

utilizar e adequar a fala às diversas situações de comunicação. O princípio

norteador é a compreensão de que a língua não é algo estático e acabado, ao

contrário, sua razão de ser e sua essência é a mutabilidade, a complexidade e

a dinamicidade no interior das relações sociais. (BUSSE, 2015, p. 26).

Ainda na fase inicial de aquisição da escrita os alunos encontram na fala o roteiro para

a codificação gráfica. Porém, estudos indicam que algumas hipóteses de transcrição fonético-

fonológica acompanham o aluno por toda a escolarização.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais/PCNS (BRASIL, 1997),

A inferência dos princípios de geração da escrita convencional, a partir da

explicitação das regularidades do sistema ortográfico (isso é possível

utilizando como ponto de partida a exploração ativa e a observação dessas

regularidades: é preciso fazer com que os alunos explicitem suas suposições

de como se escrevem as palavras, reflitam sobre possíveis alternativas de

grafia, comparem com a escrita convencional e tomem progressiva-mente

consciência do funcionamento da ortografia); a tomada de consciência de que

existem palavras cuja ortografia não é definida por regras e exigem, portanto,

a consulta a fontes autorizadas e o esforço de memorização (BRASIL, 1997,

p. 57).

A identificação dos “erros de grafia” a partir da sua natureza fonético-fonológica, cuja

origem está na fala, e arbitrária, resultante de questões etimológicas, por exemplo, pode auxiliar

o professor a refletir sobre a maneira mais eficaz para trabalhar com a grafia e a ortografia.

Busse (2015) destaca que

O ensino de língua portuguesa carrega uma “culpa histórica” diante dos

índices de desempenho dos alunos dos ensinos fundamental e médio, no que

tange à leitura e à escrita. Essa situação é sobretudo apontada como mais

alarmante no ensino público, que tem na sua clientela o falante de diferentes

variedades do português. Consideremos, contudo, que a escola pública atende

a toda uma comunidade de falantes do português que vive, no dia a dia, as

riquezas do contato entre línguas e dialetos, distante, contudo, das

experiências letradas necessárias para o trabalho que se realiza em sala de

aula. É, portanto, na escola que os alunos terão, muitas vezes, as primeiras

experiências com o mundo letrado. Precisamos nos questionar sobre como é

essa experiência. Se estamos realmente introduzindo o aluno nos contextos de

leitura e escrita, considerando suas funções sociais. Se o desafio do professor

dos anos iniciais do Ensino Fundamental está em reconhecer e valorizar a

diversidade linguística presente na fala do aluno e, a partir dela, inseri-lo no

mundo letrado (BUSSE, 2015, p. 31).

Visando a atuação docente e a atuação da comunidade escolar no processo de

aprendizagem, pretende-se a partir da realização de leituras e de pesquisas já realizadas,

aprofundar os estudos em relação às marcas de oralidade que permanecem na escrita dos alunos

do 6º Ano pertencentes à escola pública do município de Cascavel/PR participantes do

Programa Institucional de Bolsa a Iniciação a Docência – PIBID/CAPES, bem como propor

reflexões quanto ao conteúdo das variedades linguísticas em livros didáticos de Língua

Portuguesa direcionados ao 6º Ano.

Deste modo, ademais de analisar os processos fonológicos em textos de alunos do

Ensino Fundamental, este estudo propõe-se a refletir sobre como é importante, no que diz

respeito ao uso da escrita, que haja no âmbito escolar uma metodologia com foco nas

necessidades do aluno. Objetiva-se, assim, colaborar como ensino de língua materna,

apresentando formas efetivas de o professor com marcas de oralidade em produções textuais

com o auxílio do livro didático, e no mesmo momento, respeitar a língua do seu meio.

Fala e escrita

A linguagem, como instância comunicativa, desempenha papel fundamental para que

um indivíduo se torne um ser social. A fala e a escrita são manifestações da linguagem, porém,

na escrita o emprego da norma padrão é exigido de forma sistematizada. As discussões sobre

o ensino da língua portuguesa têm focalizado questões pontuais que não ultrapassam, muitas

vezes, o mero denuncismo. Ensinar a língua por meio da análise linguística, conforme Geraldi

(1997), não significa o abandono da teoria gramatical, mas, ensinar os aspectos linguísticos por

meio de textos e da observação da construção de um sentido, considerando, assim, as

variedades da língua nas diferentes situações de interação.

Conforme destaca Bortoni-Ricardo (2006),

no Brasil, convivemos com um paradoxo: os cursos de letras, onde os alunos

têm oportunidade de se familiarizar com o sistema fonológico do português,

não costumam dedicar-se à formação de alfabetizadores; seus currículos são

voltados para o ensino da língua no ciclo final do Ensino Fundamental e

Ensino Médio. Por sua vez, o Curso de Pedagogia e o Curso Normal Superior,

embora assumam a responsabilidade da formação dos alfabetizadores, não

incluem em seus currículos disciplinas de Lingüística Descritiva que possam

fornecer aos futuros alfabetizadores subsídios que lhes permitam desenvolver

uma consciência lingüística, ou, mais propriamente, uma consciência

fonológica (BORTONI-RICARDO, 2006, p. 207-208).

É habitual em produções escritas de alunos dos anos iniciais, que encontremos marcas

de suas falas em produções textuais. Esse fato se justifica, pois o aluno recentemente está

entrando em contato com a modalidade escrita da língua e conhece apenas a modalidade da

fala.

De acordo com Cagliari (1999a),

Sabemos que a escrita, cujo objetivo é a leitura, caracteriza-se por resistir a

mudanças e alterações. A ortografia surge exatamente de um “congelamento”

da grafia das palavras, fazendo com que ela perca sua característica básica de

ser uma escrita pelos segmentos fonéticos, passando a ser a escrita de “uma

palavra de forma fixa”, independente de como o escritor fala ou o leitor diz o

que lê (CAGLIARI, 1999a, p. 65-66, aspas do autor).

Soares (2001) opõe a concepção de língua entendida unicamente como código, pois

letramento é “o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e a escrita em que os indivíduos

se envolvem em seu contexto social”, ou seja, as práticas de letramento consistem

fundamentalmente em atividades sociais, que tornam o indivíduo parte integrante de uma

sociedade, na qual as interações sociais são mediadas pela escrita. Já Bagno (2007) aponta que,

a língua apresenta-se com diferentes variedades, e é porque ela varia que temos diferentes

modos de fala caracterizada geograficamente (variação diatópica), economicamente (variação

diastrática), situacional (variação diafásica) e temporalmente (variação diacrônica).

Diariamente, recebemos em nossas escolas alunos de diferentes faixas etárias, alguns podem

ser oriundos de diferentes regiões geográficas, então, como professores, devemos saber lidar

com o modo de falar de cada um, sem desprezá-lo.

Para Busse (2015),

O ensino da escrita pode tomar a diversidade linguística como ponto de

partida para o desenvolvimento do conhecimento sobre o funcionamento da

língua. O trabalho com a variação na escola tem o objetivo de levar o aluno a

compreender a língua como produto das relações e interações entre falantes,

e as variantes como processos distintos do fenômeno da mudança linguística.

Diante da tarefa de levar a criança a dominar o código escrito em diferentes

situações de interação, o desafio do professor está em reconhecer e valorizar

a diversidade linguística da comunidade e, a partir dela, inserir o aluno no

mundo letrado. (BUSSE, 2015, p. 31).

Isso não quer dizer que o conhecimento e o uso da variedade padrão darão lugar às

demais variedades. O aluno deve, na escola, conhecer e praticar o uso da língua nas mais

diferentes situações de comunicação. O conhecimento das variantes linguísticas (sociais ou

dialetais), nos diferentes estágios de mudança da fala, auxilia na compreensão da história da

língua e na conscientização da necessidade e uso da variedade padrão.

Segundo Busse (2015),

O princípio norteador é a compreensão de que a língua não é algo estático e

acabado. Ao contrário, sua razão de ser e sua essência é a complexidade e a

dinamicidade no interior das relações sociais. A falha no que diz respeito a

esses processos de compreensão linguística durante o período escolar,

contribui para o fortalecimento do preconceito linguístico na sociedade como

um todo. (BUSSE, 2015, p. 30).

Desse modo, a escola acaba possuindo como um dos seus objetivos ajudar o aluno a

compreender a realidade linguística com suas contradições e variedades, a estrutura e o

funcionamento da língua com suas variantes sociais, regionais e situacionais. Assim, a

diversidade linguística do português brasileiro deve ser tomada como conteúdo de ensino nas

aulas de língua portuguesa, e o livro didático acaba sendo um importante instrumento durante

esse processo.

Para Busse (2015), os contextos multilíngues levam os alunos a conviverem com uma

realidade diversa. Nesses ambientes,

A aprendizagem da língua escrita impõe ao aluno graus de reflexão sobre o

funcionamento da língua que, em alguns contextos, distancia-se muito da fala,

considerando as variedades linguísticas presentes na comunidade. Os “erros”

ou “falhas” podem ser tomados como indícios dos processos pelos quais os

alunos constroem o conhecimento sobre a língua escrita, mas o professor

precisa auxiliar o aluno a superar suas dúvidas e seus conflitos sobre a

organização da escrita e sistematizar esse conhecimento para a plena

apropriação e uso do código. Nesses contextos, é necessário que os

professores e suas metodologias incorporem a variação linguística e a partir

dela levem os alunos a compreender o funcionamento da linguagem e

observar de forma sistemática a distinção entre fala e escrita. (BUSSE, 2015,

p. 45).

Desconstruir o preconceito linguístico é um dos desafios dos professores de língua

portuguesa, pois, além dos discursos que vem sendo enraizados há tanto tempo no imaginário

dos alunos sobre a soberania da dita variedade de prestígio, o próprio livro didático pode ser

um instrumento disseminador de tal preconceito, de acordo com o modo como o livro didático

aborda as questões que se referem às variedades linguísticas.

Para Mollica e Loureiro,

A existência da variação e da mudança na língua falada, que pode ter

repercussões na escrita, constitui noção crucial para o alfabetizador trabalhar

criteriosamente os obstáculos comuns aos aprendizes iniciantes da escrita”

(MOLLICA; LOUREIRO, 2008, p. 03).

É de grande importância que o aluno desenvolva um domínio da norma gramatical,

porém, quando o livro se volta somente para o ensino desta, principalmente trabalhando apenas

com os conceitos de certo e errado, há um fortalecimento do preconceito linguístico e uma

marginalização de variedade linguística e identidade cultural que esta sustenta. É neste contexto

que encontramos as frases de senso comum como “o brasileiro não sabe português”.

Uma das tarefas do ensino de língua na escola seria, então, discutir os valores

sociais atribuídos a cada variante lingüística, enfatizando a carga de

discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a

conscientizar o aluno de que sua produção lingüística, oral ou escrita, estará

sempre sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa. (BAGNO, 1999,

p. 75).

Assim, entende-se que a linguagem é de suma importância para a vida do indivíduo,

visto que a comunicação corporal, não verbal ou verbal ocorrerá por meio dela. Conforme

destacam Sella e Busse (2016),

Da mesma forma, devem-se focar as variantes dialetais, com o objetivo de

levar o aluno a compreender a língua como produto das relações e interações

entre falantes, e as variantes como fenômenos de mudança linguística. O

aluno necessita saber que sua variante linguística funciona muito bem em sua

manifestação falada e que, em certos contextos, como bilhetes, cartas a

familiares, mensagens de texto, entre outros, pode ser usada. Contudo, existe

um código padronizado de escrita que precisa ser seguido em interações

escritas formais. É importante que o aluno saiba que valorizar a sua variante

não significa também aceitá-la em qualquer contexto. (SELLA; BUSSE,

2016, p. 69).

Sabe-se que a fala e a escrita são formas de manifestações dessa linguagem, elas

ocorrem por meio de signos verbais, as quais, comumente, são apreendidas de modo e

contextos distintos.

Segundo Bortoni-Ricardo (2006):

Aproveitar as experiências e as vivências que as crianças trazem consigo,

repetindo padrões familiares que lhes são familiares; desenvolvendo

estratégias que façam a distinção entre eventos de oralidade e de letramento;

implementar estratégias de envolvimento, permitindo que a criança fale,

ratificando-a como falante legítimo, respeitando-lhe as peculiaridades,

acolhendo-lhe as sugestões e tópicos, incentivando-a a manifestar-se,

fornecendo-lhe os modelos de estilos monitorados da língua e mostrando-lhe

como e quando usar esses estilos (BORTONI-RICARDO, 2006, p. 209).

Na sequência, apresentamos o quadro com os fenômenos identificados nas produções

escritas dos alunos do 6º Ano do Ensino Fundamental, participantes do PIBID/CAPES:

Quadro 01: Fenômenos identificados nas produções textuais de 6° ano do E.F.

Elevação

da vogal

média

Hipossegmentação Hipersegmentação Vocalização Ditongação Sonorização e

Dessonorização

Jogui Ajuntar A charam Finau Fais Dodos

Lixu Ummenino Com seguiram Veis Famos

Durmir Osaluno De pois Nois Bringar

Ipregados Nabiblioteca Com migo Fou

muleques Epoderam De pois Princadeira

Barbe Agente Derminar

Tisouro Sejoga

Praver

Procirco

Decoisa

Detruque

Quetal

Fonte: Busse (2013)

Dentre os dados de natureza fonético-fonológica a elevação da vogal média destaca-se,

como em “fomi” para “fome”, “iscola” para “escola”, “medu” para “medo”, “pertu” para

“perto”, sendo fenômeno presente na fala e não sofre avaliações.

Ao identificados nas produções textuais de alunos do 6° ano do Ensino Fundamental, o

professor deve buscar desenvolver sua prática de modo visando com que o aluno se torne capaz

de utilizar diferentes variedades linguísticas de acordo com sua necessidade e as mais distintas

situações de uso. Estudando a estrutura da língua em sua complexidade além da gramática

tradicional, como coloca Busse:

O aluno deverá ter acesso ao conhecimento da estrutura da língua, deverá

desenvolver as habilidades necessárias à realização das manobras

argumentativas que sustentam a discursividade do seu texto. Um ensino de

língua voltado apenas para o livro didático e para a gramática tradicional pode

resultar em definições equivocadas e desarticuladas e, principalmente, em

leituras fragmentadas (BUSSE, 2015, p. 59).

O estudo da língua por inteiro contribui, além das reflexões culturais, para que haja uma

melhor compreensão do funcionamento estrutural da língua e consequentemente da própria

gramática tradicional. Uma vez que o aluno se torna conhecedor de diferentes variedades e suas

situações de uso, inclusive das diferenças que existem entre a língua falada e a língua escrita,

a disciplina de Língua Portuguesa em todos seus tópicos principais, gramática, literatura,

oralidade, leitura e escrita, se torna mais próxima e, consequentemente, mais fácil de ser

aprendida.

Massini-Cagliari (1999) destaca que

Existe, na nossa sociedade, a crença de que a ortografia das palavras refletiria

a pronúncia “correta” das palavras, o que é um preconceito, já que a ortografia

não representa a fala de ninguém, pois tem a função de anular a variação

linguística, na escrita, no nível da palavra. O fato de a ortografia se aproximar

mais da pronúncia das classes sociais mais privilegiadas deve-se ao fato de as

pessoas pertencentes a estas classes sociais terem mais acesso à escolarização

(MASSINI-CAGLIARI, 1999a, p. 31, destaque da autora).

Desde 2001, todos os alunos brasileiros, oriundos de escola pública têm, após uma

longa trajetória de instituição de livros e dicionários nas escolas, direito e acesso ao material

didático como conhecemos hoje. Os livros didáticos são projetados parar auxiliar o processo

de ensino e aprendizagem, no entanto, quando se olha para os três livros didáticos analisados e

sua distribuição de atividades, fica ainda mais evidente que existe uma supervalorização da

norma padrão e da norma social dita de prestígio enquanto que uma marginalização das demais

variedades linguísticas. Percebe-se que os livros se limitam a discutir uma variedade regional

entre a “língua rural” e a “língua urbana”. De modo a enaltecer a fala urbana, como observa

Bagno:

Também é visível nos LD a tendência a tratar da variação linguística em geral

como sinônimo de variedades regionais, rurais ou de pessoas não

escolarizadas. Parece estar por trás dessa tendência a suposição (falsa) de que

os falantes urbanos e escolarizados usam a língua de um modo uniforme, mais

“correto”, mais próximo di padrão, e que nesse uso não existe variação

(BAGNO, 2013, p. 83).

Dentre as atividades analisadas destacamos as seguintes:

i) Atividades que envolvam a personagem Chico Bento, de Maurício de Sousa,

em que se pede para que o aluno corrija a fala da personagem (Chico Bento

demonstra uma fala marcadamente regional) para o português padrão. Ou seja,

não há de fato uma reflexão sobre as variedades linguísticas, mas uma

marginalização de toda uma comunidade de fala.

ii) Foco nas questões normativas, que solicitam que o aluno identifique as

palavras que não correspondem à variedade padrão, registrando-as na escrita

padrão.

iii) Em outra atividade a observação sobre uma lista de expressões do falar

mineiro, retirada da Internet, focaliza questões do dia a dia, marcadas pelo

humor, no contraponto com situações mais formais, em que se exprime opiniões,

por exemplo.

O livro didático, neste contexto, não funciona de modo a fazer com que o aluno pense

a dinamicidade e complexidade da língua e que reflita sobre seu funcionamento como um todo,

apenas uma pequena parte considerada superior socialmente, a variedade faladas pelas pessoas

letradas especificamente da zona urbana, de modo a enaltecer apenas esta variedade e depreciar

as demais, deixando subentendido que todos que não estão inclusos nesta variedade

considerada superior falam errado. Segundo Bagno:

Com isso, parece estar em jogo o desejo de livrar a barra dos falantes urbanos,

letrados, com uma possível consequência negativa: levar os aprendizes a

supor que a “variação linguística” é o mesmo que “falar errado”, “falar feito

gente da roça”, ou seja, o velho preconceito linguístico travestido de

terminologia científica. (BAGNO, 2013, p. 82).

Aqui não afirmarmos, de forma alguma, que a escola deve abandonar o ensino da

norma gramatical, esta é fundamental para que o aluno seja capaz de falar e escrever de acordo

com a situação comunicacional. Todavia, o próprio ensino da gramática tradicional se torna

um caminho mais fácil quando o estudante é capaz de compreender que a língua não se resume

ao que é certo e ao que é errado e que transcende estes conceitos como manifesto cultural dentro

de uma pluralidade linguística.

Segundo Cagliari (1999b),

Explicações técnicas não assustam crianças. Pelo contrário, elas têm uma

certa expectativa de que a escola vá explicar o porquê das coisas que

aprendem ou aprenderam. Saber fazer e saber explicar como se faz e como

não deve ser feito é a melhor forma de conhecimento, é saber as causas e os

efeitos e suas razões. Negar a transmissão do conhecimento, restringindo ou

até mesmo negando a atividade de ensinar do professor é um grande equívoco

educacional (CAGLIARI, 1999b, p.225).

Diante do exposto, denota-se que ao contrário da fala, que é adquirida de modo natural

no âmbito familiar e social, a escrita necessita de uma instrução formal, visto que esta

fundamenta-se na apropriação de conhecimentos estabelecidos pelo ser humano de modo

arbitrário. Sabendo, assim, que o aluno chega à escola dominando a língua falada, não é raro

que haja marcas de oralidade presente em produções textuais, como monotongação e

ditongação, conforme pontua Bortoni-Ricardo (2004), que também acentua que é necessária

uma “pedagogia culturalmente sensível”, a qual encontrasse atenta às diversidades entre a

cultura dos educados e do âmbito escolar.

A escola, que tem por objetivo levar o aluno a dominar a variedade padrão de uma

língua, deveria o fazer reconhecer a diversidade linguística da língua, introduzindo-a como

conteúdo de ensino, para auxiliar na compreensão da necessidade de utilizar e adequar a fala

às diversas situações de comunicação.

A escola tem o importante papel de ajudar o aluno a compreender a realidade linguística

com suas contradições e variedades, a estrutura e o funcionamento da língua com suas variantes

sociais, regionais, temporais e situacionais, a diversidade linguística do português brasileiro

deve ser tomada como conteúdo de ensino nas aulas de língua portuguesa. Isso não quer dizer

que o conhecimento e o uso da variedade padrão darão lugar às demais variedades, mas sim

que se associarão para formar uma noção de língua que seja mais completa e mais próxima da

realidade.

Considerações finais

A escola deve ensinar a variedade padrão da língua. Contudo, o ensino da escrita no

seu rigor formal, a partir do contexto comunicativo, não deve negar a identidade linguística do

aluno. Os Parâmetros Curriculares Nacionais/PCN (Brasil, 1998) dedicam páginas para

abordar como a variação linguística deve ser abordada em sala de aula. Destaca-se a

importância de combater a discriminação linguística entre os alunos por meio do trabalho com

as variedades linguísticas. Logo, torna-se necessário refletir sobre os encaminhamentos dados

pelos materiais didáticos e o modo como tais propostas são abordadas.

Os livros didáticos analisados apresentam problemas no modo como tratam a variação

linguística, de modo a difundir preconceitos e não compreender a língua em uso. Essas

posturas, pautadas no conservadorismo prescritivo e no preconceito linguístico, pode contribuir

para que os alunos não ultrapassem algumas hipóteses equivocadas de escrita ortográfica,

registrando em suas produções uma reprodução da fala.

Referências

BAGNO, M. Sete erros aos quatro ventos. São Paulo: Parábola, 2013.

_______. (2007). Nada na língua é por acaso por uma pedagogia da variação linguística.

1. Ed. São Paulo: Parábola Editorial

_______. (1999). Preconceito Linguístico: O que é e como se faz. 1. Ed. São Paulo: Loyola.

BORTONI-RICARDO, S. M.; OLIVEIRA, T. de. Corrigir ou não variantes não-padrão na

fala do aluno? In: BORTONI-RICARDO, Stella Maris; MACHADO, Veruska Ribeiro

(Orgs.). Os doze trabalhos de Hércules: do oral para o escrito. São Paulo: Parábola, 2013.

p. 45-79.

BORTONI-RICARDO, S. M. Do campo para a cidade: estudo sociolingüístico de migração

e redes sociais. São Paulo: Parábola, 2011.

______. Métodos da alfabetização e consciência fonológica: o tratamento de regras de

variação e mudança. Scripta, Belo Horizonte, v. 9, n. 18, p. 201- 220, 2010.

______. O professor pesquisador: Introdução à pesquisa qualitativa. 2 ed. São Paulo:

Parábola, 2008.

______. Nós chegemu na escola, e agora? São Paulo: Parábola, 2006.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do ensino

fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF,

1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf. Acesso em: 10

jul. 2014.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental:

língua portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf. Acesso em: 07 dez.

2017.

BUSSE, S. (2010). Um estudo geossociolinguístico da fala do Oeste do Paraná. Tese de

Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, da

Universidade Estadual de Londrina.

BUSSE, S. Língua portuguesa, diversidade e ensino: uma análise de contextos multilíngues. In.

Anais do IV SIMELP. Goiânia, 2013.

BUSSE, S.; SELLA, P.; BUDKE, A. B.. LÍNGUA PORTUGUESA, DIVERSIDADE E

ENSINO: A AQUISIÇÃO DA ESCRITA EM CONTEXTOS MULTILÍNGUES. In: Terezinha

da Conceição Costa-Hübes / Douglas Corrêa da Rosa (Orgs.). (Org.). A pesquisa na educação

básica: um olhar para a leitura, a escrita e os gêneros discursivos na sala de aula.

1ed.Campinas/SP: Editora Pontes, 2015.

BUSSE, S. Variação linguística e o ensino: os desafios do ensino da língua portuguesa. In:

Teresinha da Conceição Costa-Hübes. (Org.). Práticas sociais de linguagem: reflexões sobre

oralidade, leitura e escrita no ensino. 1ed.Campinas: Mercado de Letras, 2015.

CAGLIARI, L. C. A ortografia na escola e na vida. In: MASSINI-CAGLIARI, Gladis; _____.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Diante das Letras: a escrita na alfabetização. Campinas: Mercado

de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB; São Paulo: Fapesp, 1999a, p. 61-96.

______. A mediação do professor na alfabetização. In: MASSINI-CAGLIARI, Gladis;

CAGLIARI, Luiz Carlos. Diante das Letras: a escrita na alfabetização. Campinas: Mercado

de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB; São Paulo: Fapesp, 1999b, p. 217-226.

CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. (2009) Português Linguagens 6º ano. São Paulo:

Atual.

FREITAG, R. M. K. Problemas teórico-metodológicos para o estudo da variação linguística

nos níveis gramaticais mais altos. Matraga, Rio de Janeiro, v. 24, n. 16, p.115-132, jan. 2009.

Semestral.

GÖRSKI, E. M.; COELHO, I. Variação linguística e ensino de gramática. WorkingPapers

em Linguística, Floranópolis, v. 1, n. 10, p.74-91, jan. 2009. Semestral.

MASSINI-CAGLIARI, G. Escrita ideográfica e escrita fonográfica. In: MASSINI-

CAGLIARI, Gladis; CAGLIARI, Luiz Carlos. Diante das Letras: a escrita na alfabetização.

Campinas: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB; São Paulo: Fapesp,

1999a, p. 21-31.

______. Aquisição da escrita: questões de categorização gráfica. In: MASSINI-CAGLIARI,

Gladis; CAGLIARI, Luiz Carlos. Diante das Letras: a escrita na alfabetização. Campinas:

Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil – ALB; São Paulo: Fapesp, 1999b, p. 49-

58.

HULLEN, N. M.; BUSSE, S.. Fala e Escrita: o trabalho com a Fonética e a Fonologia em sala

de aula. In: Sanimar Busse. (Org.). A docência em construção: caderno pedagógico. 1ed.Porto

Alegre: EVANGRAF, 2016.

MOLLICA, M. C. Enfoques de pesquisa sobre a relação língua e sociedade. Veredas: revista

de estudos linguísticos, Juiz de Fora, v. 5, n. 1, p.7-19, jan. 2001.

_________, M. C. Sobre processos sintáticos que migram da fala para a escrita. In: HISPANIC

LINGUISTICS SYMPOSIUM, 8., 2006, Somerville. Selected Proceedings of the 8th

Hispanic Linguistics Symposium. Somerville: Cascadilla Press, 2006. p. 167 - 171.

MOLLICA, M. C.; LOUREIRO, F. Aportes sociolingüísticos à alfabetização. In: Encontro

Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística, 23., 2008,

Goiânia, Anais... Goiânia, 2008, p. 1-12. Disponível em:

http://www.stellabortoni.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=969:apoa

tis_soiiolioguistiios_%C3%A0_alfabitilzai%C3%A3o&catid=1:postartigos&Itemid=61.

Acesso em 20 ago. 2015.

MARCUSCHI, L. A. (2001). Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São

Paulo: Cortez.

SELLA, P.; BUSSE, S. Fonética na sala de aula. In: Sanimar Busse. (Org.). A docência em

construção: caderno pedagógico. 1ed.Porto Alegre: EVANGRAF, 2016.

SOARES, B. O tratamento da variação linguística no livro didático "diálogo". 2014. 48 f.

TCC (Graduação) - Curso de Licenciatura Plena em Letras- Habilitação em Língua Portuguesa,

Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa,

2014.