Fasciculo Gestao Da Regulacao

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  • Ministrio da Educao MEC

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES

    Diretoria de Educao a Distncia DED

    Universidade Aberta do Brasil UAB

    Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica PNAP

    Bacharelado em Administrao Pblica

    Gesto da Regulao

    Ivan Antnio Pinheiro

    2012

  • 2012. Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Todos os direitos reservados.

    A responsabilidade pelo contedo e imagens desta obra do(s) respectivo(s) autor(es). O contedo desta obra foi licenciado temporria

    e gratuitamente para utilizao no mbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, atravs da UFSC. O leitor se compromete a utilizar

    o contedo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reproduo e distribuio ficaro limitadas ao mbito interno dos cursos.

    A citao desta obra em trabalhos acadmicos e/ou profissionais poder ser feita com indicao da fonte. A cpia desta obra sem auto-

    rizao expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanes previstas no Cdigo Penal, artigo

    184, Pargrafos 1 ao 3, sem prejuzo das sanes cveis cabveis espcie.

    P654g Pinheiro, Ivan AntnioGesto da regulao / Ivan Antnio Pinheiro. Florianpolis : Departamento de

    Cincias da Administrao / UFSC; [Braslia] : CAPES : UAB, 2012.96p. : il.

    Bacharelado em Administrao PblicaInclui bibliografia ISBN: 978-85-7988-163-3

    1. Administrao pblica. 2. Polticas pblicas. 3. Regulao. 4. Economia. 5. Agncias reguladoras de atividades privadas. 6. Educao a distncia. I. Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Brasil). II. Universidade Aberta do Brasil. III. Ttulo.

    CDU: 35

    Catalogao na publicao por: Onlia Silva Guimares CRB-14/071

  • PRESIDENTA DA REPBLICA

    Dilma Vana Rousseff

    MINISTRO DA EDUCAO

    Aloizio Mercadante

    PRESIDENTE DA CAPES

    Jorge Almeida Guimares

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    REITORA

    Roselane Neckel

    VICE-REITORA

    Lcia Helena Martins Pacheco

    CENTRO SCIO-ECONMICO DIRETOR

    Alexandre Marino Costa

    VICE-DIRETORElisete Dahmer Pfitscher

    DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA ADMINISTRAO

    CHEFE DO DEPARTAMENTOMarcos Baptista Lopez Dalmau

    SUBCHEFE DO DEPARTAMENTOMarilda Todescat

    DIRETORIA DE EDUCAO A DISTNCIA

    DIRETOR DE EDUCAO A DISTNCIAJoo Carlos Teatini de Souza Clmaco

    COORDENAO GERAL DE ARTICULAO ACADMICAAlvana Maria Bof

    COORDENAO GERAL DE SUPERVISO E FOMENTOGrace Tavares Vieira

    COORDENAO GERAL DE INFRAESTRUTURA DE POLOS Jean Marc Georges Mutzing

    COORDENAO GERAL DE POLTICA DE TECNOLOGIA DE INFORMAOAloisio Nonato

  • COMISSO DE AVALIAO E ACOMPANHAMENTO PNAP

    Alexandre Marino CostaClaudin Jordo de CarvalhoEliane Moreira S de Souza

    Marcos Tanure SanabioMaria Aparecida da SilvaMarina Isabel de Almeida

    Oreste Preti Tatiane Michelon

    Teresa Cristina Janes Carneiro

    METODOLOGIA PARA EDUCAO A DISTNCIA

    Universidade Federal de Mato Grosso

    COORDENAO TCNICA DED

    Soraya Matos de VasconcelosTatiane Pacanaro Trinca

    AUTOR DO CONTEDO

    Ivan Antnio Pinheiro

    EQUIPE DE DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDTICOS CAD/UFSC

    Coordenador do ProjetoAlexandre Marino Costa

    Coordenao de Produo de Recursos DidticosDenise Aparecida Bunn

    Superviso de Produo de Recursos Didticosrika Alessandra Salmeron Silva

    Designer Instrucional Claudia Leal Estevo Brites Ramos

    Denise Aparecida BunnSilvia dos Santos Fernandes

    Auxiliar Administrativo Stephany Kaori Yoshida

    Capa Alexandre Noronha

    Ilustrao Rita Castelan Minatto

    Projeto Grfico e EditoraoAnnye Cristiny Tessaro

    Reviso TextualClaudia Leal Estevo Brites Ramos

    Sergio Luiz Meira

    Crditos da imagem da capa: extrada do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.

  • Prefcio

    Os dois principais desafios da atualidade na rea educacional do Pas so a qualificao dos professores que atuam nas escolas de educao bsica e a qualificao do quadro funcional atuante na gesto do Estado brasileiro, nas vrias instncias administrativas. O Ministrio da Educao (MEC) est enfrentando o primeiro desafio com o Plano Nacional de Formao de Professores, que tem como objetivo qualificar mais de 300.000 professores em exerccio nas escolas de Ensino Fundamental e Mdio, sendo metade desse esforo realizado pelo Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Em relao ao segundo desafio, o MEC, por meio da UAB/CAPES, lana o Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica (PNAP). Esse programa engloba um curso de bacharelado e trs especializaes (Gesto Pblica, Gesto Pblica Municipal e Gesto em Sade) e visa colaborar com o esforo de qualificao dos gestores pblicos brasileiros, com especial ateno no atendimento ao interior do Pas, por meio de Polos da UAB.

    O PNAP um programa com caractersticas especiais. Em primeiro lugar, tal programa surgiu do esforo e da reflexo de uma rede composta pela Escola Nacional de Administrao Pblica (ENAP), pelo Ministrio do Planejamento, pelo Ministrio da Sade, pelo Conselho Federal de Administrao, pela Secretaria de Educao a Distncia (SEED) e por mais de 20 Instituies Pblicas de Ensino Superior (IPESs), vinculadas UAB, que colaboraram na elaborao do Projeto Poltico-Pedaggico (PPP) dos cursos. Em segundo lugar, este projeto ser aplicado por todas as IPESs e pretende manter um padro de qualidade em todo o Pas, mas abrindo margem para que cada IPES, que ofertar os cursos, possa incluir assuntos em atendimento s diversidades econmicas e culturais de sua regio.

  • Outro elemento importante a construo coletiva do material didtico. A UAB colocar disposio das IPES um material didtico mnimo de referncia para todas as disciplinas obrigatrias e para algumas optativas. Esse material est sendo elaborado por profissionais experientes da rea da Administrao Pblica de mais de 30 diferentes instituies, com apoio de equipe multidisciplinar. Por ltimo, a produo coletiva antecipada dos materiais didticos libera o corpo docente das IPESs para uma dedicao maior ao processo de gesto acadmica dos cursos; uniformiza um elevado patamar de qualidade para o material didtico; e garante o desenvolvimento ininterrupto dos cursos, sem as paralisaes que sempre comprometem o entusiasmo dos estudantes.

    Por tudo isso, estamos seguros de que mais um importante passo em direo democratizao do Ensino Superior pblico e de qualidade est sendo dado, desta vez contribuindo tambm para a melhoria da gesto pblica brasileira.

    Celso Jos da Costa

    Diretor de Educao a Distncia

    Coordenador Nacional da UAB

    CAPES-MEC

  • Sumrio

    Apresentao .............................................................................................. 9

    Unidade 1 Estado e Sociedade: a necessria regulao

    Estado e Sociedade: a necessria regulao ............................................. 15

    Origens do Estado ............................................................................... 15

    Mercados ............................................................................................. 21

    A Interveno do Estado na Economia ................................................ 40

    O Aparelho Estatal para a Regulao ................................................... 51

    Unidade 2 O Marco Regulatrio Brasileiro

    O Marco Regulatrio Brasileiro ................................................................. 65

    Da Crise do Estado Regulao Contempornea no Brasil Breve Histrico .............................................................................................. 65

    Privatizao e Regulao ..................................................................... 73

    As Agncias Reguladoras no Brasil ...................................................... 81

    Tpicos Complementares .................................................................... 85

    Referncias ...............................................................................................91

    Minicurrculo ............................................................................................ 96

  • Apresentao

    Mdulo 7 9

    Apresentao

    Caro estudante,

    Est se aproximando o fim do curso... Este o momento, pois, de integrar os conhecimentos construdos ao longo dessa caminhada. Na disciplina Gesto da Regulao, voc ir retomar o que estudou nas disciplinas Introduo Economia, Macroeconomia, Teorias da Administrao Pbica, Economia Brasileira, Instituies de Direito Pblico e Privado e Direito Administrativo. O seu conhecimento de Histria Geral tambm ser til.

    Por que recorrer a essa diversidade de reas de conhecimento?

    Porque a Regulao tema complexo, que demanda conhecimentos tcnicos, viso humanista e histrica. Ademais, por no figurar na maioria dos currculos em nvel de Graduao (em Economia ou em Administrao), em geral estudada apenas em nvel de Especializao ou de Mestrado. Porm esse quadro est mudando em razo da enorme importncia desse assunto, sobretudo para o Administrador Pblico, mas no exclusivamente.

    Voc sabia que a Regulao um tema antigo no Brasil? Por vezes, ainda apresentada como matria nova, o que confunde a todos. Conforme voc estudar nesta disciplina, a Regulao, uma das formas de interveno do Estado na economia, surgiu naturalmente e mais antiga que o prprio Estado democrtico e de Direito. Estudar que a imperfeio dos homens, observada, entre outros, por Ccero (10643 a.C) e tambm por Hobbes (15881679), d origem a algumas falhas verificadas nos mercados e s prticas desleais, o que exige dos governos, com recurso aos poderes do Estado, a interveno, via regulatria ou no. Os governos pretendem, dessa forma, recuperar a eficincia perdida, que compromete a produtividade e a competitividade dos agentes produtores.

  • Bacharelado em Administrao Pblica

    Gesto da Regulao

    10

    Em ltima anlise, a Regulao uma poltica pblica, uma poltica econmica e, portanto, uma opo governamental. Existem diferentes alternativas e mecanismos para sua implementao, demandando o envolvimento de vrios rgos e entidades da Administrao Pblica, pois, em razo do modelo e da estratgia regulatria adotados, cada caso requerer poderes especficos do Estado ou que este atue imagem e semelhana dos mercados.

    Voc talvez ainda no tenha se dado conta, mas j reparou que tudo (ou quase tudo) em nossa vida regulado?

    No, no estamos nos referindo regulado no sentido de apresentar bom funcionamento, mas sim no de obedincia s normas. Veja bem: a maioria dos produtos existentes em sua casa obedece a um padro, seja no que tange s dimenses (em geral oferecidos em litros ou quilos e em unidades fixas e iguais), seja em relao a determinadas especificaes tcnicas, em especial alimentos e remdios, devido preocupao com as questes de sade e segurana. As indstrias assim procedem porque seguem determinao (leia-se: regulao!) governamental.

    Se voc for rua, seu carro ter de andar pelo lado direito, no poder ultrapassar determinado limite de velocidade e, se o semforo voltado para voc apresentar a cor vermelha, ter de parar. Antes que nos esqueamos, o prprio carro que voc estaria dirigindo tambm obedece a especificaes regulamentadas. Se fizer compras, observe que na hora de pagar, se com cheque ou carto, estes tm tamanho padro... Enfim, cremos que voc j se deu conta de que a nossa vida, direta ou indiretamente, diariamente submetida a normas e a regulamentos, dos mais diversos, emanados pelas autoridades governamentais. Isso no aconteceu por acaso e, acredite, bom, pois tem nos possibilitado passar da era da produo artesanal para a era da produo industrial e, desta, para a produo em massa, cuja escala de produo levou drstica reduo de preos que viabilizou, aos poucos, o acesso, tambm em massa, de um grande nmero de pessoas aos mais diversos bens. Sem normas e padres, o comrcio no poderia ter se desenvolvido, pois no haveria termos de referncia e comparaes.

  • Apresentao

    Mdulo 7 11

    Com o tempo, as regras foram estendidas s mais diversas reas. Se voc est atento aos jornais, j deve ter notado que periodicamente so anunciados reajustes (autorizados pelo governo) nas tarifas e nos preos dos servios pblicos (transporte, energia, telefonia etc.), ou seja, as regras e as normas chegaram aos preos, no a todos, mas a alguns. H setores, como Educao e Sade (medicamentos), que no apenas os preos so controlados, mas tambm as condies de oferta, isto , os fornecedores se obrigam a obedecer s normas emanadas do setor pblico (quanto qualidade, ao atendimento e prestao de informaes, aos nveis de investimento, modernizao etc.), que reduzem os graus de liberdade dos empresrios, que no tm a mesma discricionariedade, por exemplo, dos que atuam nas reas do entretenimento, turismo etc. At os juros, indiretamente, se no so controlados, so induzidos pelo governo por meio da chamada taxa do Sistema Especial de Liquidao e de Custdia SELIC.

    Mas como tudo na vida, h um limite, pois regras em excesso mais prejudicam do que auxiliam determinadas aes, uma vez que com elas cresce a estrutura burocrtica e os custos do setor pblico: estruturas organizacionais devem ser criadas para conferir os alvars, pessoas devem ser contratadas para fiscalizar etc. Por consequncia, perde-se em agilidade, em flexibilidade e ficam comprometidas a criatividade e a capacidade de inovao, to caras nos dias de hoje. Estamos tratando, pois, da interveno do Estado na vida de todos ns, mais especificamente, na economia, tema que ser abordado nas prximas pginas. Uma questo sempre colocada se o Estado deve ou no intervir na economia; no entanto, esta uma questo falsa, pois, conforme j visto nesta Apresentao, as questes mais relevantes dizem respeito ao nvel e ao tipo da interveno; afinal de contas, desde que o Estado existe, ele intervm em nosso cotidiano. Tempos atrs, no mundo ocidental, e, ainda hoje, em algumas tradies, at as crenas e a vida religiosa so reguladas pelo Estado.

    Como voc percebeu, muitos so os assuntos que poderamos discutir nesta disciplina. Ento, tivemos de selecion-los; por isso, iremos tratar somente dos seguintes temas:

  • ff Unidade 1 Estado e Sociedade: a necessria regulao; eff Unidade 2 O Marco Regulatrio Brasileiro.

    Antes do incio de cada Unidade voc encontrar o correspondente plano de voo e os objetivos pretendidos que serviro, tambm, para voc, ao final, fazer uma autoavaliao.

    Professor Ivan Antnio Pinheiro

  • UNIDADE 1

    Objetivos Especficos de Aprendizagem

    Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de:

    ff Entender o tema da interveno do Estado na vida de todos ns e,

    em particular, na economia;

    ff Ter claro que a regulao uma dentre outras formas de interveno do Estado na economia;

    ff Reconhecer que a regulao, contrariando o senso comum,

    regra ao invs de exceo, e que somente o nosso hbito vida

    regulada nos faz crer no contrrio, pois o hbito embota a viso

    do que est frente aos olhos a regulao regra nas sociedades

    complexas;

    ff Reconhecer o tipo de falha ou prtica desleal, sugerir o(s)

    instrumento(s) mais adequado(s) para, seno promover o

    retorno do mercado situao de equilbrio, mitigar as suas

    consequncias; e

    ff Identificar, no Brasil, em quais mercados j ocorre a interveno

    governamental (e de que tipo) e qual ou quais o(s) rgo(s)

    predominantemente envolvido(s) no processo.

    Estado e Sociedade: a necessria regulao

  • Unidade 1 Estado e Sociedade: a necessria regulao

    Mdulo 7 15

    Caro estudante,

    Nesta primeira Unidade faremos uma breve reviso sobre os seguintes tpicos: o surgimento e o papel dos Estados e Governos; os tipos e as caractersticas dos mercados; os tipos de eficincia, como a administrativa versus a econmica; como as falhas de mercado e as prticas anticoncorrenciais e abusivas comprometem as eficincias, justificando, por isso, a interveno do Estado na economia por meio de diferentes mecanismos, instrumentos e instituies genericamente denominadas de aparelho de regulao que, reunidas, constituem o processo de interveno e regulao.

    Vamos ento iniciar nosso estudo!Boa leitura.

    Estado e Sociedade: a necessria regulao

    Origens do Estado

    Certamente, ao longo do curso, voc muitas vezes se deparar

    com a palavra Estado. Mas o que se entende por Estado? Qual

    sua origem? Vamos descobrir.

    Desde que o mundo mundo, a natureza gregria do homem fez com que ele buscasse a companhia dos seus semelhantes, seja em busca de proteo contra predadores e inimigos (em disputa por uma fonte de gua, de alimentao etc.), seja em busca de auxlio para realizao de pequenos empreendimentos. Exemplos disso so a construo de um abrigo e a prtica do cultivo, surgida e difundida

  • Saiba mais Norberto Bobbio (19102004)

    Formado em filosofia e em Direito, foi professor

    universitrio, jornalista e um apaixonado por teoria

    poltica e pelos direitos individuais. Fonte: UOL

    Educao (200-).

    Bacharelado em Administrao Pblica

    Gesto da Regulao

    16

    aps a ltima era glacial, por volta do sculo XV a.C., e conhecida como Revoluo Agrcola.

    Para que a vida em coletivo proporcione as vantagens da sinergia, algumas necessidades devem ser atendidas, como ter clara uma diviso das tarefas a serem realizadas (isto , a decomposio do todo em partes); na sequncia,

    cabe decidir quem coordena (isto , distribuir e determinar quando, o qu e, em que sequncia, ser feito); e, finalmente, quem emite as instrues (normas e regras que devem ser seguidas por todos, enfim: quem lidera e dirige o grupo).

    Assim, naturalmente e aos poucos surgem duas instituies: o Estado e o Governo. A primeira uma construo social caracterizada pelo poder que detm e que utilizado para emanar ordens e faz-las ser cumpridas, enquanto a segunda diz respeito s pessoas que executam esses atos. Para o filsofo italiano Norberto Bobbio, do ponto de vista de uma definio formal e instrumental, a condio necessria e suficiente para que exista um Estado que sobre um determinado territrio se tenha formado um poder em condio de tomar decises e emanar os comandos correspondentes, vinculatrios para todos aqueles que vivem naquele territrio e efetivamente cumpridos pela grande maioria dos destinatrios na maior parte dos casos em que a obedincia requisitada (BOBBIO, 1987).

    Von Mises (1987, p. 38-9) define e discrimina Estado versus Governo:

    Chamamos de Estado o aparelho social de compulso e coero, que induz as pessoas a obedecerem s regras de vida em sociedade; chamamos de Lei as regras, segundo as quais o Estado age; e de Governo, os rgos encar-regados da responsabilidade de administrar o aparelho coercitivo [...]. O liberal compreende perfeitamente que, sem o recurso da coero, a existncia da sociedade correria perigo e que, por trs das regras de conduta, cuja observncia necessria para assegurar a coopera-o humana pacfica, deve pairar a ameaa da fora [...] algum tem de estar em condies de exigir da pessoa

  • Saiba mais Thomas Hobbes (1588-1679)

    O contato que o filsofo e cientista poltico ingls

    Hobbes teve com cientistas de sua poca, que foram

    decisivos para a formao de suas ideias filosficas,

    o levaram a fundir sua preocupao com problemas

    sociais e polticos com seu interesse pela geometria

    e o pensamento dos filsofos mecanicistas. Seu

    pensamento poltico pretende ser uma aplicao

    das leis da mecnica aos campos da moral e da

    poltica. As leis que regem o comportamento

    humano, segundo Hobbes, so as mesmas que

    regem o universo e so de origem divina. De acordo

    com elas, o homem em estado natural antissocial

    por natureza e s se move por desejo ou medo. Sua

    primeira lei natural, que a autoconservao, o

    induz a impor-se sobre os demais, de onde vem uma

    situao de constante conflito: a guerra de todos

    contra todos, na qual o homem um lobo para o

    homem. Fonte: InfoEscola (2009).

    Unidade 1 Estado e Sociedade: a necessria regulao

    Mdulo 7 17

    que no respeita a vida, a sade, a liberdade pessoal ou propriedade privada dos outros, que obedea s regras

    da vida em sociedade.

    Certamente, quando estudou a viso de Tomas Hobbes quanto formao dos Estados e Governos, voc j deve ter lido um texto muito parecido com o citado anteriormente, em que se afirma que a razo da unio dos homens em unidades estatais reside no medo que possuem da morte violenta, o que os impele a um acordo, a fundao do Estado, razo da conservao da prpria vida. Destarte, a funo principal do Estado consiste em assegurar a paz pblica e a segurana dos cidados, das quais deriva uma vida civilizada, propriamente poltica (BOBBIO, 2000).

    De outro lado, importante lembrar que Hobbes tambm percebeu que o poder necessariamente conferido ao Estado como recurso aos governantes poderia ser utilizado para outras finalidades que no as previstas, isto , a defesa da vida, da liberdade, da propriedade e do livre empreendedorismo, sendo antigas as evidncias empricas de que o uso do poder, sobretudo se continuado por um mesmo grupo, pode levar corrupo, da, o seu necessrio e indispensvel controle.

    Esse um dos principais argumentos da conhecida tese do Estado Mnimo, cujo aumento do tamanho do Estado, necessariamente, viria acompanhado do aumento de desvios de conduta, de abusos de toda ordem e de corrupo.

    Se a defesa do Estado Mnimo tem frente os idelogos liberais, outras vertentes de pensamento, a exemplo dos marxistas e dos anarquistas, utilizavam argumentos muito semelhantes:

  • vPara saber mais sobre

    esta Escola, consulte as

    obras sugeridas na seo

    Complementando.

    Bacharelado em Administrao Pblica

    Gesto da Regulao

    18

    Que o Estado tenha por fim o bem comum, o bem-viver, ou mesmo a justia, uma ideologia da qual a classe dominante se utiliza para dar uma aparncia de legitima-o ao prprio domnio. (MARX apud BOBBIO, 2000, p. 122).

    Assim, sob qualquer ngulo que esteja situado para consi-derar esta questo, chega-se ao mesmo resultado execr-vel: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porm, dizem os marxistas, compor-se- de operrios. Sim, com certeza, de antigos operrios, mas que, to logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessaro de ser operrios e por-se-o a observar o mundo prole-trio de cima do Estado; no mais representaro o povo, mas a si mesmos e suas pretenses de govern-lo. Quem duvida disso no conhece a natureza humana. (MIKHAIL

    BAKUNIN, 1814-1876 apud PENSADOR.INFO, 2012).

    Grosso modo, podemos afirmar que parte da perspectiva identificada pelos marxistas e pelos anarquistas hoje afirmada pelos tericos da chamada Escola (Teoria) da Public Choice (TULLOCK; SELDON; BRADY, 2005).

    certo que tempos atrs no havia os Estados e tampouco os governos tal como hoje os entendemos. Inicialmente, tivemos a organizao em bandos (caracterizada pela vida nmade e pela atividade coletora); em estgio posterior, a vida foi organizada em vilas e cidades, as quais deram origem aos reinos (imprios); e, finalmente, ao amparo da organizao dos Estados. Sobre estes, ainda, podemos dizer que, a partir da Idade Moderna (14531789), eles foram enquadrados em um dos seguintes modelos-tipo: Estados Absolutistas ou Democrticos e de Direito (alguns autores agregam ao segundo modelo-tipo a expresso repblica, ou republicano, o que, segundo outros, no de todo correto).

    Para quem no quiser deixar nenhuma dvida sobre os

    contedos j estudados em outras disciplinas, conveniente

  • Unidade 1 Estado e Sociedade: a necessria regulao

    Mdulo 7 19

    fazer uma reviso sobre o processo de formao dos Estados e

    Governos, pois se trata de um tema diretamente relacionado

    interveno e atividade regulatria.

    H muitos aspectos que distinguem essas duas formas de Estado; todavia, por oportuno, basta apenas qualificar algumas poucas: no Estado Absolutista, o poder est concentrado nas mos de poucos e simbolizado pelo monarca, que o exerce at a morte (ou algum impedimento) e o transfere por hereditariedade; a vontade do Rei a lei; no h uma clara distino entre a propriedade do rei (ou da corte que o cerca) e a dos particulares, da, prevalecer, neste momento, o que se denomina de gesto patrimonialista.

    J no Estado Republicano, Democrtico e de Direito, podemos dizer que vige o oposto: o poder vem do povo, que periodicamente chamado a avaliar e a escolher, entre todos os cidados com direitos civis, aquele que o exercer em seu nome, o poder do Estado; a lei surge da vontade de todos, pois deve ser apresentada, debatida e finalmente votada em um parlamento; finalmente, h clara delimitao entre a coisa pblica (a res publica), espao da ao governamental, e a coisa particular, o domnio exclusivo das pessoas fsicas ou jurdicas de direito privado.

    Institucionalmente, a separar as duas esferas, est o princpio da legalidade que, entre outras definies, afirma que: pessoas de direito privado podem fazer tudo o que no est proibido, e s pessoas de direito pblico s cabe executar o que est disposto em lei.

    Trata-se de um efetivo divisor de guas, da ter sido elevado condio de primeiro e, segundo alguns, o mais importante princpio constitucional o da legalidade (BRASIL, 1988, art. 37). Dizemos, em razo desse princpio, que o gestor pblico no possui vontade prpria, delimitada que est a sua ao definio legal.

  • *Logrolling troca de

    votos e apoio recpro-

    co entre parlamentares.

    Fonte: Elaborado pelo

    autor deste livro.

    Bacharelado em Administrao Pblica

    Gesto da Regulao

    20

    importante lembrar que toda norma (leis complementares, ordinrias, decretos, portarias, instrues normativas etc.), em ltima anlise, resulta de uma autorizao concedida pela Constituio Federal, de origem ou por emenda. Note ainda que o marco legal, simultaneamente, confere e limita o poder do agente pblico, independentemente de em qual Poder ele ocupe cargo ou exera funo; assim, a Presidncia, a Magistratura e a Representao Poltica podem muito, todavia, no mais que as competncias estabelecidas na Constituio ou a partir dela, cujo contedo foi debatido e aprovado pelos representantes do povo.

    Por razes cuja anlise detalhada foge ao escopo deste texto, dois pontos merecem ainda ser destacados nesta brevssima reviso de introduo formao dos Estados e Governos:

    ff de regra, pois h os direitos indisponveis, o interesse coletivo tem supremacia sobre o individual o que motiva a caracterstica coercitiva, j referida por Von Mises (1987) , da a razo de o Estado ser reconhecido como o Primeiro Setor, pois quando ele se expressa (por meio de um agente pblico), ele o faz em nome e no interesse do coletivo do pblico; e

    ff as leis so incompletas, por vezes difusas, e nem sempre se pode afirmar que trazem em seu corpo, efetivamente, o interesse da maioria da populao, observando-se com alguma frequncia o divrcio entre os interesses do povo (tomado como um coletivo mais amplo) e o de seus representantes eleitos, em geral mediante o mecanismo

    conhecido por logrolling*, em que se verifica a aprovao de projetos de interesse da minoria.

    Dessa conjuno de fatores (risco de abuso de poder, uso do poder com finalidade de atender interesse prprio, questionamento legalidade devido s falhas do processo legislativo etc.) resulta como antigo, e supostamente insolvel, o debate que envolve a aceitao, e em que nvel, da interveno de uma autoridade maior, no caso, a estatal, na vida de todos ns qualquer que seja, pois a interveno implica a restrio liberdade, um dos valores mais caros ao homem; debate esse notadamente agudo no campo da interveno no

  • vH autores que entendem ser melhor a distino entre regulao e

    regulamentao; deixamos

    a seu critrio a escolha,

    convidando-o a pesquisar

    sobre o que se denomina

    de Escola Francesa da

    Regulao, contrastada

    com a Escola Norte-

    Americana. Sobre a Escola

    Francesa, no deixe de

    pesquisar a cerca da

    contribuio de Robert

    Boyer.

    Unidade 1 Estado e Sociedade: a necessria regulao

    Mdulo 7 21

    domnio econmico (no chamado mercado que, a seguir, veremos detalhadamente), todavia, reiteramos as palavras iniciais: no se trata de questionar se deve ou no haver interveno, mas em que nvel e de que tipo. At porque, h intervenes no domnio econmico que praticamente no provocam questionamentos, pelo menos no curto e mdio prazo, tendo como exemplo a distribuio de benefcios (cestas, vales e afins), o tabelamento de preos (dependendo, claro, do lado que voc est) ou a concesso de subsdios s tarifas pblicas, entre outras.

    Claro est, pois, que a regulao, ou a regulamentao, seu derivado operacional, uma das formas de interveno do Estado na vida do cidado e, contra ou a favor, podem ser reunidos os mais diversos argumentos.

    Mercados

    O mercado uma entidade que inicialmente possua identificao fsica e cumpria uma funo: aproximar os que ofertavam os mais diversos produtos e servios daqueles que demandavam ou que, estimulados, pudessem vir a demandar algumas ofertas.

    A esse mercado, em que os agentes negociam livremente at acordarem os preos e as quantidades, chamaremos de mercado livre.

    Originalmente, o mercado foi identificado como a parte central das vilas e cidades, para onde todos afluam em momentos predeterminados; hoje, devido s novas tecnologias de informao e comunicao, passou a ser virtual, embora mantenha a mesma finalidade: a de aproximar interesses opostos de compra e venda.

    Quando o mercado era fisicamente delimitado, reduzido, assim como o nmero de agentes compradores e vendedores, era relativamente fcil fazer uma pesquisa de preos, negociar e chegar

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    a um acordo sobre um preo que atendesse s expectativas, s necessidades e s possibilidades das partes; desse acordo resultaria um preo-referncia para as futuras negociaes entre os demais agentes econmicos, levando, ao final, a um preo (e quantidade) de equilbrio. Prevalecia, poca, o que hoje os livros denominam de mercado perfeito, contemporaneamente semelhante s feiras-livres nas grandes cidades.

    Todavia, conforme voc estudou na disciplina Economia, diversos fatores contribuem para o afastamento daquelas condies que definem o mercado livre, perfeito e competitivo, no qual nenhum agente, comprador ou vendedor, pode, individualmente, influir de forma significativa no preo de equilbrio. Com o passar do tempo, as aglomeraes urbanas cresceram e se tornaram mais complexas, surgiram os intermedirios atacadistas, os varejistas, os financiadores e as agncias de todo o tipo; aumentou o nmero de ofertantes e demandantes, os tipos e as variedades de produtos, o tempo disponvel para as pesquisas sobre preos e a qualidade (em sentido amplo) dos bens e servios negociados.

    Assim, so criadas naturalmente as condies que daro origem a novos tipos de estruturas de mercado, entre elas, a assimetria de informaes entre os agentes; os ganhos de escala que possibilitaro acmulos crescentes de capital (que podem ser utilizados como barreira entrada de novos competidores); a expanso do conhecimento cientfico transformado em tecnologia; a ao poltica (e dos grupos de interesse e de presso) junto aos Poderes do Estado, etc.

    Didaticamente, alm do mercado livre e concorrencial, reconhece-se a existncia das seguintes estruturas de mercados-tipo:

    ff monoplio (um s fornecedor); ff oligoplio (poucos fornecedores; ff monopsnio (um s comprador); eff oligopsnio (poucos compradores).

    So mercados-tipo com caractersticas que os distinguem, embora, na prtica, sobretudo em tempos de globalizao, inexistam mercados-tipo puros, pois, a qualquer momento, por uma deciso

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    Mdulo 7 23

    poltica, pela redefinio do mercado relevante (surgem novos bens substitutos ou complementares), pela introduo de uma inovao (a exemplo de um modelo de negcios inusitado), ou o surgimento de uma ruptura cientfico-tecnolgica, as estruturas afastadas da condio de plena concorrncia podem vir a ser contestadas.

    Em princpio, a melhor estrutura de mercado a do mercado livre e concorrencial, pois o seu funcionamento (sem interveno governamental), em equilbrio, conduz ao menor preo e maior quantidade, satisfazendo igualmente as partes. Ademais, o afastamento do preo de equilbrio atua como sinalizador de desequilbrios estruturais, isto , se os agentes produtivos percebem um distanciamento entre o preo, muito alto, e o custo real dos bens e servios, sinal que h falta de oferta no mercado, o que atrair, naturalmente, novos produtores (entrantes), sendo restabelecido um nvel inferior de preo, o justo equilbrio reduzindo, assim, os lucros excessivos.

    Pense no que ocorrer em situao inversa, isto , quando os

    preos forem inferiores matriz de custos.

    As demais estruturas de mercado comprometem esse papel sinalizador, como bastante fcil perceber no caso dos monoplios: se o preo estabelecido apenas por um agente produtor, praticamente impossvel ao consumidor, seja um indivduo ou uma organizao, saber se est pagando ou no o preo justo. Embora no seja impossvel, muito mais difcil para um entrante se habilitar, pois o sobrelucro acumulado pelo monopolista lhe confere um grande poder de reao, podendo levar falncia os que lhe ameaam o mercado.

    Assim, o mercado deixa de cumprir uma das suas principais funes: a de sinalizador dos desequilbrios que provocariam a reao dos agentes para voltar situao de equilbrio. Com isso, instalam-se ineficincias no sistema econmico, com prejuzos sociedade. Como? Simples de perceber: o sobrelucro na venda de bens suprfluos (sanduches, refrigerantes etc.) tem o seu impacto restrito

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    aos consumidores finais (indivduos); j o sobrelucro obtido na venda de bens (a exemplo dos chamados bens de capital) utilizados como insumos pelos demais setores da economia ou para a construo da infraestrutura tem o seu impacto amplamente espraiado, provocando desde a inflao at a perda de produtividade e competitividade dos demais agentes produtores firmas, pessoas fsicas, empreendedores em geral.

    Dessa forma, um s produtor, o monopolista, compromete todos os demais, uma vez que a estrutura monopolista leva o mercado a falhar em uma de suas duas funes: a sinalizadora. Conforme adiante veremos, h ainda muitas outras prticas que levam os mercados a falhar no sentido ora empregado, mesmo sendo uma estrutura plenamente competitiva, pois nela h o que se denomina de concorrncia desleal por parte de alguns agentes, o que tambm conduz a falhas.

    Nesses momentos, cabe ento ao governo atuar, pois:

    ff ele a nica entidade capaz de fazer frente ao mercado; eff ele detm a legitimidade para atuar em nome de todos. Neste caso, sua ao se verificar por meio da interveno (eventualmente regulao) no mercado relevante.

    Antes, porm, faremos uma breve recapitulao das funes governamentais e dos diferentes sentidos atribudos expresso eficincia.

    Funes de Governo e Eficincia Administrativa Versus Econmica

    H, conforme o foco e o escopo sob anlise, diferentes perspectivas que permitem apreciar a finalidade do uso do poder do Estado, realizado pelos Governos. Entre tantas classificaes sobre o papel do Estado, vale lembrar aquela que a ele atribui (e nem sempre se faz necessrio distingui-lo do Governo) trs funes bsicas:

    ff a distributiva ligada doutrina do bem-estar e derivada da formulao consagrada pela denominao de Ideal de Pareto, segundo a qual h eficincia na economia

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    Mdulo 7 25

    quando a situao de algum (um agente econmico: produtor, consumidor, governo, entre outros) melhora sem prejuzo de outro. Deve, pois, o Estado atuar para evitar as ineficincias, a exemplo das externalidades negativas (tida como uma das falhas de mercado);

    ff neste caso, para bem desempenhar o seu papel, os governos necessitam do poder do Estado conferido aos rgos da Administrao Direta de defesa do consumidor, da livre concorrncia, contra abusos do mercado etc. e s autarquias entidades da Administrao Indireta,

    ff a alocativa refere-se oferta de bens pblicos, de determinados bens e servios, a exemplo dos monoplios naturais (outra falha de mercado) ou, na insuficincia de oferta de determinados itens, por iniciativa das firmas, que no se sentem estimuladas a prov-los;

    ff neste caso, para bem desempenhar o seu papel, os governos lanam mo de suas empresas, e

    ff a estabilizadora a que deve promover o crescimento sustentvel, o gerenciamento das crises (tal como a que o Pas enfrentou a partir do segundo semestre de 2008, entre outras);

    ff neste caso, os governos ora necessitam do poder do Estado, fazendo-o, por exemplo, por meio das autoridades monetrias (Administrao Direta ou Indireta de carter autrquico), ora recorrem s suas prprias instituies, sobretudo as financeiras (vide, em 2012, por exemplo o caso dos juros e o papel do Banco do Brasil e da Caixa Econmica Federal); e tambm ao poder de compra das

    empresas estatais, a exemplo da Petrobras.

    Conforme podemos observar, a funo estatal ampla e complexa, o que tanto limita ou impede generalizaes de qualquer ordem como exigir uma ampla gama de instrumentos de interveno para, seno eliminar, mitigar as falhas de mercado que impedem seja otimizada a eficincia no senso econmico.

    De outro lado, no domnio da Administrao, a eficincia representada por um coeficiente que resulta da relao entre as

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    sadas (tambm chamadas de outputs) do sistema produtivo da unidade objeto de anlise (uma mquina, um setor ou uma empresa) e as entradas, tambm denominadas de recursos (inputs) que o abastecem. Tomando a empresa como unidade de anlise, comum que as sadas sejam representadas pelos produtos e servios vendidos e sejam expressas em unidades monetrias; j as entradas correspondem aos fatores utilizados na produo (mo de obra, matria-prima, tecnologias, insumos em geral), tambm expressas em unidades monetrias. A literatura registra um sem nmero de indicadores, monetrios ou no monetrios, dimensionais ou adimensionais, todos criados para aferir a eficincia de um determinado sistema de produo, desde a organizao em sua totalidade a uma ou mais de suas partes: peas/homem/hora; nmero de peas defeituosas/produo total; quantidade de estudantes concluintes/quantidade de ingressantes; nmero de horas trabalhadas/total de horas disponveis, entre tantos outros.

    Portanto, dizemos que A mais eficiente do que B quando se apresenta uma relao (razo) SA/EA > SB/EB. Esse , pois, o conceito de eficincia utilizado em Administrao, seja no ambiente corporativo (privado com finalidade lucrativa), no pblico, ou ainda no terceiro setor.

    J no domnio da Economia, preocupado com as questes do entorno (do ambiente) das organizaes, da macroestrutura na qual essas organizaes esto inseridas, assim como com os grandes agregados (Produto, Renda, Consumo, Investimentos etc.), seja na forma de estoques ou fluxos, o sentido atribudo expresso mais amplo. Ao que lhe atribudo pela Administrao, o economista denomina eficincia produtiva, que pode ser ainda esttica ou dinmica, quando o estado geral de equilbrio do sistema alterado em razo, por exemplo, da emergncia de uma nova tecnologia.

    Entretanto, o economista tambm analisa, e o poder pblico (o Governo) persegue, a chamada eficincia distributiva, isto ,

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    Mdulo 7 27

    a de que os ganhos do sistema econmico sejam distribudos entre os agentes econmicos (produtores, consumidores, governo etc.), evitando a sua concentrao em poucos agentes, em apenas um setor ou regio. Neste caso, pretende-se evitar que as rendas mono-oligopolsticas obtidas por alguns setores venham a prejudicar os demais, comprometendo a sua competitividade e, no limite, coloquem em risco a sobrevivncia do prprio sistema. Vale dizer que a Economia Poltica e as teorias que a suportam no tm por objetivo o ideal utpico de estabelecer a igualdade entre os agentes, punindo os mais eficientes (sob a tica da gesto) em favor dos incompetentes; tampouco a anlise e as medidas que resultam do diagnstico exigem como pressuposto um iderio coletivista.

    O que se pretende evitar com isto? Acompanhe!

    O que se pretende evitar que a desigualdade crescente entre os agentes e os setores da economia provoquem uma excessiva concentrao, que no limite conduziria ao monoplio, a ponto de comprometer o que poderamos chamar de eficincia coletiva, isto , do sistema produtivo em sua totalidade que, assim, perderia em competitividade frente, por exemplo, aos concorrentes externos. O desemprego, entre outros efeitos - fechamento de firmas -, seria uma das consequncias naturais.

    Por fim, alm da eficincia produtiva e da distributiva, temos a eficincia alocativa, por vezes referida como eficincia econmica, que tambm est relacionada com o timo de Pareto situao em que cada agente no pode aumentar o seu grau de satisfao sem prejudicar o do outro. Para que seja atingido, ou dele se chegue prximo, o timo de Pareto requer que seja estimulado o aumento no nmero de transaes, isto , que cresa o nmero de agentes que compram e vendem, aumentando, por conseguinte, a renda total. Na prtica uma situao terica, somente atingida em mercados perfeitos e em situao de equilbrio geral. No obstante se tratar, conforme bem expressa o nome, de uma situao tima, um ideal, a eficincia econmica sempre colocada como um objetivo

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    governamental que, para ser atingido, requer o uso combinado de polticas ativas e passivas de regulao dos mercados.

    Concluindo, h autores que ainda derivam do timo de Pareto a chamada eficincia seletiva, que focaliza o mercado como ambiente seletivo e, em consequncia, permite definir seu atributo de eficincia seletiva, isto , sua capacidade como ambiente competitivo de induzir e de selecionar inovaes de produto e de processo que possam levar eventual reduo futura de custos e de preos e melhoria de qualidade dos produtos.

    Falhas de Mercado

    O estudo das falhas de mercado da maior relevncia, pois as falhas constituem a principal justificativa para a interveno e a regulao dos mercados por parte dos governos.

    Ficando margem das questes de natureza ideolgica, a histria e a teoria econmica tm demonstrado que o mercado, se deixado a seu livre funcionamento, nem sempre contribui para a eficincia do sistema econmico; por vezes, compromete o objetivo pblico, desejado e defendido pelo Estado: o bem-estar coletivo, o bem-estar social. Nesse caso, o livre mercado falho e alguma forma de controle, a exemplo da regulao, deve ser exercida (por oportuno, cabe esclarecer que a expresso deve, no tem aqui o carter normativo).

    Como vimos, a estrutura monopolista capaz de induzir falha na funo sinalizadora do mercado, mantendo os desequilbrios e as foras que poderiam promover o auto ajuste para melhorar a eficincia econmica. Todavia, h outras situaes ou prticas corporativas, algumas denominadas anticoncorrenciais, que levam a falhas.

    Uma dessas falhas de mercado so as externalidades, que podem ser positivas ou negativas.

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    Mdulo 7 29

    Dizemos que h externalidade quando um agente econmico (pessoa fsica ou jurdica) sofre as conse-quncias positivas (benefcios) ou negativas mesmo sem ter participado da deciso que lhes deu causa.

    Gremaud, Vasconcellos e Toneto Jr. (2002, p. 191) apresentam uma definio formal para as externalidades por meio de um exemplo:

    As externalidades (ou economias externas) correspondem ao fato de que a ao de determinados agentes pode ter impactos sobre o resultado almejado por outros agentes, sendo que essa influncia no consegue ser corrigida pelo sistema de preos [...] suponha como exemplo um produtor de mel que tem como vizinho um produtor de ma. A florada de ma pe disposio do apirio uma quantidade de nctar que aumenta a produtivi-dade na produo do mel. Apesar de possuir um valor de mercado, no h como o produtor de ma cobrar pelo nctar. Assim, a produo de ma gera uma exter-nalidade positiva produo de mel, aumentando sua rentabilidade. Um exemplo de externalidade negativa a poluio, que sai como resduo da atividade produtiva, mas que afeta o bem-estar dos indivduos negativamente.

    Continuam os autores: Uma forma de evitar esses problemas tributar o causador da externalidade e recompensar os agentes afetados, ou seja, internalizar a externalidade (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2002, p. 191) por certo que os autores, aqui, aludem s externalidades negativas. Um exemplo mais prosaico e que certamente voc presencia diariamente em sua comunidade o lixo gerado por alguns agentes, como, por exemplo, de alguns vendedores ambulantes, cujo custo da sua coleta e tratamento repassado para terceiros.

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    Decerto voc j ouviu falar e leu algo sobre crdito-carbono;

    ser que este assunto, de alguma maneira est relacionado com

    o que ora estamos tratando? Discuta sobre isso com seu tutor e

    colegas de curso.

    Assim, na presena de externalidades (positivas ou negativas), os preos de mercado no refletem, efetivamente, o empenho e a alocao de recursos dos produtores ou de consumidores e, por conseguinte, no refletem o seu valor social, o que leva as empresas a produzirem quantidades excessivas ou insuficientes, de maneira que o resultado pode acarretar a ineficincia no mercado. Conforme os tipos de externalidades, os custos de transao podero ser reduzidos ou ampliados.

    A estrutura monopolista, assim como a oligopolista, j induz falha de mercado, todavia esta pode vir a ser acentuada na medida em que os agentes produtores (na ausncia da regulao) podem ser tentados a fazer uso deliberado do seu poder de mercado, impondo condies, sobretudo frente aos consumidores, a exemplo de vendas somente vista e a partir de uma quantidade mnima, rompendo a equidade e a imparcialidade que devem definir o ambiente de uma negociao; com isso, os consumidores tendem a acumular perdas.

    A assimetria, ou seja, a imperfeio de informaes pode ocorrer em qualquer tipo de mercado e tem como consequncia o erro de avaliao sobre os preos ou a qualidade dos produtos e servios, comprometendo, por isso, tanto a eficincia distributiva quanto a econmica. Tais falhas podem vir a estimular os produtores a ofertarem quantidades excessivas de determinados bens e quantidades insuficientes de outros. Devido falta de informaes, os consumidores podem ser levados a adquirir produtos que no seriam os de sua preferncia (seduzidos pela publicidade, que nem sempre clara), seja no que tange qualidade ou ao preo, como o caso dos medicamentos. A assimetria de informaes favorece o comportamento oportunista, isto , o de que o agente mais bem informado explore, numa relao contratual (explcita ou implcita), a outra parte com menor volume de informao. A assimetria de

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    Mdulo 7 31

    informaes pode levar seleo adversa e incorrer em risco moral comumente citado na literatura como moral hazard. Os exemplos mais frequentemente citados so os do mercado de automveis usados e o de seguros:

    Em um mundo ideal, com mercado em pleno funciona-mento, os consumidores teriam a possibilidade de esco-lher entre automveis de baixa qualidade e de alta quali-dade. Enquanto alguns escolhero os automveis de baixa qualidade por custarem menos, outros preferiro pagar mais e obter automveis de alta qualidade. Infe-lizmente, no mundo real, os consumidores no podem determinar facilmente a qualidade de um automvel usado antes que o tenham adquirido. Conseqentemen-te, o preo dos automveis usados cai, e os automveis de alta qualidade so afastados do mercado [...] a seleo adversa surge quando produtos de qualidades distintas so vendidos ao mesmo preo, porque compradores e vendedores no esto suficientemente informados para determinar a qualidade real do produto no momento da compra. (PINDYCK; RUBINFELD, 2006, p. 532). [...]Quando uma pessoa ou empresa encontra-se plenamen-te segurada e no pode ser meticulosamente monitorada por uma companhia de seguros, j que esta s dispe de informaes limitadas, a parte segurada pode agir de um modo que aumente a probabilidade de um acidente ou dano ocorrer. Por exemplo, se minha casa est segurada contra furto, posso me descuidar de trancar as portas ao sair; posso tambm, optar por no instalar um sistema de alarme. A possibilidade de que o comportamento indi-vidual possa ser alterado aps a contratao do seguro um exemplo de um problema conhecido como risco moral. O conceito de risco moral aplica-se no apenas ao problema dos seguros, mas tambm ao problema criado pelos trabalhadores que tm desempenho abaixo de suas potencialidades quando os empregadores no podem monitorar seu comportamento. (PINDYCK; RUBINFELD,

    2006, p. 539).

  • *Consumo no rival a

    utilizao de um bem

    pblico por uma pessoa

    (ou grupo) no implica

    privar outras pessoas

    ou grupos de utiliz-los.

    Exemplo: semforos, rios,

    praas, vias pblicas etc.

    Fonte: Elaborado pelo

    autor deste livro.

    *Oferta no exclusiva

    consiste na oferta, para

    todos, daquilo que no

    pode ser ofertado apenas

    para um indivduo ou para

    um grupo restrito. Uma

    vez produzido, imposs-

    vel (ou muito difcil) evitar

    que se tenha acesso a ele.

    Exemplo: defesa nacional

    (paz), leis, gesto pblica.

    Fonte: Elaborado pelo

    autor deste livro.

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    Gesto da Regulao

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    Simples, os exemplos citados permitem ver quanto a assimetria de informaes traz prejuzos ao ambiente econmico em geral. Certamente voc se lembra das preocupaes e das contribuies de Frederick Winslow Taylor (1856-1915), que tendo muito claro que o empirismo e a indolncia dos trabalhadores reduziam a produtividade industrial, no poupou esforos para, atravs da anlise cientificamente conduzida, estabelecer tempos e movimentos para o processo de trabalho que, se integrados, proporcionam um sistema de monitoramento e controle dos fluxos com vistas otimizao da produtividade nas organizaes. Como se percebe, a assimetria de informaes no uma condio que se verifica apenas nas transaes que ocorrem no mercado, podendo haver internamente s organizaes, bem como nas relaes interpessoais. Em que pese os ganhos proporcionados pelo novo modo de produo, no taylorismo prevalece a tica da otimizao local, isto , por posto de trabalho, por mquina, por homem, por atividade, por processo etc., de certo modo ignorando o fato de as organizaes se caracterizarem pelo funcionamento sistmico, quase orgnico. Ser Henry Ford (1863-1947) que, por meio da esteira (linha de produo), integrar todos os subprocessos e, ao invs de alocar tempos e movimentos, tal como fizera Taylor s atividades e processos, passar a impor os tempos, o que elevar a produtividade a nveis nunca antes experimentados, ocasionando o surgimento da chamada produo em massa. Assim, por analogia e sob outra perspectiva (para facilitar e complementar o entendimento), Taylor e Ford foram agentes reguladores do modo de gesto e organizao interna da produo com vistas a aumentar a eficincia.

    Como voc j sabe, as contribuies intelectuais e empricas de Smith, Taylor e Ford constituem o que os livros se referem como Organizao Cientfica do Trabalho (OCT).

    Determinados bens, em razo das caractersticas que apresentam consumo no rival* e oferta no exclusiva* (o consumo de uma pessoa no impede o da outra) so denominados bens pblicos porque, logo aps terem sido ofertados, torna-se muito difcil evitar que outros, que no aqueles para os quais originalmente foram destinados, os consumam; da, o agente privado no ser

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    Mdulo 7 33

    estimulado a ofert-lo ainda que exista um mercado, visto que a sua oferta insuficiente ou totalmente inexistente.

    Gremaud, Vasconcellos e Toneto Jr. (2002, p. 192) esclarecem:

    [...] a mesma quantidade do bem estar sempre dispon-vel independentemente de quantos o consomem. Nessa situao os indivduos no se mostram dispostos a revelar quanto estariam dispostos a pagar por esses bens, espe-rando que outros o faam [...] por no haver um preo

    de mercado, estes so avaliados pelo custo de produo.

    Existe, portanto, um mercado consumidor, mas no h um preo de referncia para calcular a viabilidade do empreendimento, configurando uma falha de mercado. Associado aos bens pblicos h o problema conhecido como o dos free riders.

    Suponhamos que voc seja um empreendedor que esteja considerando a possibilidade de fornecer um servio de combate a pernilongos em sua comunidade. Voc sabe que o programa tem para a comunidade um valor supe-rior a seu custo, que de R$ 50.000,00. Ser que voc poder lucrar se ofertar esse programa de forma privada? Voc j estaria atingindo seu ponto de equilbrio se cobrasse R$ 5,00 de cada uma das 10.000 famlias que moram na comunidade. Entretanto, no poderia obrig--las a pagar esse preo e muito menos poderia inven-tar um sistema por meio do qual aquelas famlias que atribussem maior valor ao programa pagassem preos mais altos. Infelizmente, o programa de combate aos pernilongos no exclusivo: no h maneira de ofere-cer esse servio sem que todos sejam beneficiados por ele. Conseqentemente, as famlias no se sentem esti-muladas a pagar o valor que o programa realmente tem para elas. Os indivduos podem atuar como caronas (free riders), subestimando o valor do programa de tal forma que possam usufru-lo sem pagar por isso. (PINDYCK;

    RUBINFELD, 2006, p. 578).

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    Gesto da Regulao

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    Nesses casos, a oferta ficar a cargo do setor pblico. importante voc ter claro que:

    ff a classificao e a distino entre bens pblicos e privados tambm podem ser vistas na perspectiva de tipo-ideal (h certo nvel de abstrao, porm til aos estudos e encaminhamentos), nem sempre sendo possvel satisfazer plenamente as duas condies;

    ff bens pblicos no significam, necessariamente, que devam ser ofertados pelo poder pblico, pois se referem s caractersticas intrnsecas das condies de oferta e consumo dos bens, conforme demonstram as Figuras 1 e 2, a seguir; e

    ff o problema do free rider se apresenta em outras situaes que no aquelas tipicamente de mercado, a exemplo dos poucos grevistas ativos (os que fazem manifestaes, participam de piquetes, efetivamente faltam ao trabalho etc.) que, ao final da ao, tm as suas conquistas

    estendidas a toda classe, at mesmo aos fura-greves.

    Figura 1: Caractersticas dos bens pblicos versus bens privados Fonte: Elaborada pelo autor deste livro

    Caratersticas dos Bens Pblicos

    Quanto ao consumo(rivalidade)

    No Rival Rival

    Quanto Oferta(excludabilidade)

    No Exclusivo

    Exclusivo

    BensPblicos-Tpicos

    Bensquase-pblicos

    Bens Clube(de acesso restrito)

    Bens tipicamenteprivados

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    Mdulo 7 35

    Figura 2: Exemplos de bens pblicos versus bens privados Fonte: Elaborada pelo autor deste livro

    Anteriormente afirmamos que o monoplio no a estrutura de mercado mais eficiente e que favorece o abuso do poder econmico por parte da firma monopolista. Pois bem, hora de apresentarmos uma exceo que se configura, tambm, como falha de mercado. Dizemos que h monoplio natural quando h economias de escala ou de escopo significativas em relao ao tamanho do mercado, definido para um preo ao nvel do custo mdio mnimo. Em termos de custos, correspondem condio em que os custos unitrios de longo prazo so decrescentes com a escala (capacidade produtiva instalada). Nessas condies, uma nica empresa (pblica ou privada) operando no mercado tende a ser economicamente mais eficiente do que se houver concorrncia; isto , os custos e os preos ofertados por duas ou mais empresas tendem a ser maiores do que se apenas uma operasse nesse mercado. Em geral, os monoplios se verificam em mercados de servios de utilidade pblica: energia eltrica, gua, saneamento, telefonia fixa, entre outros no mbito da chamada infraestrutura alguns tambm denominados de indstrias de redes.

    Uma questo bem simples deixar o que expomos mais claro:

    j imaginou se na sua comunidade houvesse duas ou mais

    empresas fornecedoras de gua potvel?

    Bens Pblicos PrivadosxQuanto ao consumo

    (rivalidade)

    No Rival Rival

    Quanto Oferta(excludabilidade)

    No Exclusivo

    Exclusivo

    Televiso decanal aberto

    gua

    TV Cabo Roupa

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    Gesto da Regulao

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    Certamente cada uma teria que construir a sua rede prpria de tubulao; alm dos transtornos para a cidade em termos das obras necessrias para tal finalidade (ser que haveria espao suficiente no subsolo para essas operaes?), o preo cobrado seria o resultado da diviso dos custos, das despesas e da margem de lucro por apenas uma frao do mercado, j que cada uma delas teria de partir de uma hiptese (meta) de cota de mercado, ou market share, a ser conquistada. Fica evidente que, se houver apenas uma empresa, ela ter todo o mercado (em vez de apenas uma parte) para diluir os seus custos, o que possibilitaria a oferta a partir de um preo mais reduzido, melhorando, assim, a eficincia do sistema econmico.

    H outras caractersticas dos monoplios naturais, mas nem todas identificadas em todos os setores, a saber:

    ff tendem a ter uma demanda inelstica ( muito difcil usar a publicidade para incentivar o aumento do consumo de gua); e

    ff tendem a ter custos afundados, tambm denominados irrecuperveis (sunk costs), isto , no caso de uma crise ou no encerramento das atividades (o fim de um contrato de concesso) os ativos no teriam outra aplicao, como o caso das indstrias de rede (telefonia, gua e saneamento, suprimento de gs canalizado, transporte rodoferrovirio etc.). Afinal, que outra utilidade teria uma turbina geradora

    de eletricidade?

    Certamente voc j ouviu falar de barreiras entrada de

    concorrentes, mas saiba que, no caso de alguns monoplios

    naturais, em razo dos custos irrecuperveis, tambm existem

    barreiras sada do mercado.

    Por oportuno, cabe observar que o monoplio natural a primeira estrutura de mercado a surgir; veja o caso de uma cidade pequena, com poucos consumidores e menos pessoas com esprito empreendedor: todo negcio, quando surge, naturalmente um monoplio, at que o mercado cresa e se instale a concorrncia.

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    Mdulo 7 37

    H setores nos quais o monoplio natural em razo dos elevados valores de investimentos que exigem, ou, ainda, das prprias condies necessrias para entrar no negcio, a exemplo de portos e hidreltricas. Por fim, o conceito de monoplio natural no esttico: o mercado de servio de telefonia, at alguns anos atrs, era um exemplo tpico de monoplio natural, pois a nica maneira de ofert-lo era por meio de redes fsicas que incorriam nas condies j citadas; todavia, uma mudana tecnolgica, o surgimento da telefonia sem fio, trouxe grandes modificaes na forma de administrar esse mercado. O j mencionado avano tecnolgico (que tem provocado grandes impactos em mercados at ento tidos como de monoplios naturais, como o caso das redes de transportes e de energia) e a oferta de crdito, ao lado de uma complexa engenharia financeira, e a criatividade na concepo de novos modelos de negcios tm contribudo para que ocorram mudanas estruturais em determinados mercados, a exemplo do da aviao, por muito tempo admitido como um monoplio natural.

    As externalidades, as assimetrias de informaes, os bens pblicos e os monoplios naturais so ocorrncias e circunstncias que levam o mercado a falhar em uma das suas principais funes, a de sinalizar a necessidade de ajustes nas quantidades (ofertadas versus demandadas) e no preo de equilbrio, fazendo com que o sistema econmico conviva com um nvel indesejvel de ineficincia. As falhas no so mutuamente exclusivas, podendo coexistir em um mesmo mercado e com diferentes graus de impacto em nvel de eficincia. Ademais, uma falha pode favorecer o surgimento de outras falhas, a exemplo da assimetria de informaes que pode conduzir formao de estruturas mono-oligopolsticas.

    A literatura sinaliza ainda para a existncia de outras condies que provocariam as falhas de mercado, aumentando assim o rol das

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    justificativas para a interveno governamental; entretanto, Justen Filho (2002, p. 31) observa que:

    Na doutrina econmica, usual apontar a regulao estatal com instrumento para suprir as deficincias do mercado. Essa viso foi sendo alterada ao influxo dos acontecimentos, especialmente na segunda metade do sculo XX. No entanto, pode dizer-se que a alterao consistiu muito mais numa ampliao da dimenso da regulao do que numa reviso essencial das concep-

    es iniciais.

    Na mesma linha, Peltzman (apud FARINA, 1994, p. 80), afirma que [...] a engenhosidade dos economistas assegurou que a lista de fontes potenciais de falhas de mercado nunca se completasse. Tomemos o caso dos bens essenciais e de carter meritrio, a exemplo da Educao e dos medicamentos, que apresentam condies bastante diversas daquelas tipificadas como falhas; no obstante, sofrem a ao regulatria estatal, justificada como sendo de interesse social.

    Das Falhas s Prticas Anticoncorrenciais e Abusivas

    Uma falha pode ser uma decorrncia da estratgia da empresa. Williamson (apud SALGADO, 1997, p. 33) destaca o dilema do posicionamento jurdico frente s prticas concentradoras como sendo um trade-off concorrncia versus eficincia. O poder de mercado, por exemplo, pode ter origem a partir de uma estratgia de verticalizao resultante de uma ou mais fuses entre empresas; neste caso, a firma que conduz o processo, ao concentrar as suas compras ou vendas (conforme seja o sentido da fuso, se downstream ou upstream), limita a concorrncia, criando o que tambm pode ser visto como barreira entrada de novas empresas no mercado. Portanto, sobre as falhas de mercado, importante voc ter claro que:

    ff podem ser intrnsecas natureza do ramo de negcio; ff podem ocorrer em razo do estgio de desenvolvimento da atividade vis--vis o mercado de referncia; e

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    Mdulo 7 39

    ff podem ser deliberadamente concebidas e desenvolvidas a partir de uma estratgia corporativa.

    Na terceira hiptese, que pode ser verificada concomitante s outras falhas, possvel que o ambiente concorrencial venha a ser prejudicado, configurando o que se denomina de prticas anticoncorrenciais, de regra, proibidas por lei em razo dos prejuzos que trazem economia.

    Gremaud, Vasconcellos e Toneto Jr. (2002, p. 575-576) relacionam as seguintes prticas que, por serem desleais, so proibidas por lei e submetem as empresas transgressoras a penalidades:

    formao de cartel: prticas conjuntas entre concorrentes para a fixao de preos, quantidades produzidas, diviso do mercado consumidor, diviso territorial, adoo de postura preestabelecida em licitao pblica, etc. Os cartis tm como conseqncia o aumento dos preos e a diminuio da oferta do produto, constituindo grave abuso de poder econmico;

    venda casada: quando o vendedor impe a compra de um segundo produto como condio para fornecer o produto desejado pelo comprador;

    dumping: venda de um produto importado por um preo mais baixo do que no pas de origem sem que isso reflita menores custos. Essa prtica tambm utilizada com o objetivo de eliminar a concorrncia;

    poltica de preos predatrios: a empresa mantm o preo do bem abaixo do custo de produo por um perodo, at que consiga eliminar o concorrente. Ela arca com um prejuzo temporrio com o intuito de aumentar sua parcela de mercado e auferir maiores lucros futuros;

    discriminao de preos: quando o vendedor cobra preos diferentes do mesmo produto em mercados diferentes sem justa causa, por exemplo, quando quer aproveitar da falta de concorrncia em um dos mercados;

    exigncia de exclusividade: quando o fornecedor ou o comprador impede que a outra parte comercialize produtos de outras marcas;

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    Gesto da Regulao

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    preo de revenda: quando o produtor fixa o preo de revenda para os distribuidores; [...]

    concentrao vertical: quando h a fuso ou incorporao de empresas em diferentes estgios da cadeia produtiva; [...]

    concentrao horizontal: a fuso ou incorporao de empresas que fabricam o mesmo produto ou produtos substitutos, ou seja, uma fuso entre concorrentes; [...]

    conglomerao: associao entre empresas que atuam em diferentes setores da economia, podendo ser setores com

    nenhuma complementaridade entre si.

    Falhas de mercado e prticas concorrenciais desleais so temas associados e recorrentes tanto na literatura quanto por evidncias empricas; portanto, as falhas podem levar a prticas desleais, mas estas tambm podem trazer falhas a um mercado at ento concorrencial.

    Para fixar os conceitos, sugerimos que voc identifique a

    possibilidade de existncia ou no dessas prticas em ambientes

    de mercados com os quais voc convive. Comece, por exemplo,

    refletindo sobre o que acontece nos seguintes mercados:

    combustveis e bebidas. Observe tambm como reagiram as

    empresas estabelecidas quando entraram novas competidoras

    nos mercados de aviao e telefonia.

    A Interveno do Estado na Economia

    Atualmente, como j mencionamos, as falhas de mercado, porque comprometem a eficincia, demandam dos governos uma ao poltica no sentido de restaurar a condio de equilbrio e de aproximar-se do Ideal de Pareto. Conforme a natureza da falha, o posicionamento ideolgico do poder pblico e as condies polticas

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    (governabilidade) do momento, diferentes mecanismos podero ser ativados para corrigi-las.

    Conforme tambm comentado, a interferncia dos governos na vida de todos ns to antiga quanto a histria da humanidade, e consequncia de termos decidido viver em coletividade e, por isso, ter elegido um lder (governante ou afim). Da mesma forma so os questionamentos no que tange extenso e maneira como se processa essa interferncia. Grosso modo, duas grandes ideologias orientam as aes de governo:

    ff a centrada no indivduo e que adota como valor mximo a liberdade e, por isso, identifica e privilegia a livre iniciativa como a melhor maneira de os homens enfrentarem e solucionarem os problemas resultantes da vida em sociedade; e

    ff a que atribui ao coletivo a primazia sobre o indivduo, justificando medidas que restrinjam a liberdade.

    Sobre o tema, McCrudden (apud JUSTEN FILHO, 2002, p. 39) apresenta trs posicionamentos:

    Existe a posio dos social marketeers, que afirmam a enorme complexidade da atuao regulatria. Os bene-fcios potenciais do funcionamento do livre mercado no podem ser rejeitados, nem existe reao contra o proces-so regulatrio. Sempre que possvel deve propiciar-se o livre funcionamento do mercado, inclusive com o incen-tivo dos mecanismos regulatrios [...] a segunda concep-o a defendida pelos free marketeers os defensores do mercado livre. Para esses a finalidade da regulao propiciar o estabelecimento de um mercado ou simular a competio que existiria se mercado houvesse. A regu-lao enfocada como uma espcie de manifestao espria e indesejada [...] a terceira alternativa a dos propugnadores da good governance (boa governan-a). Consiste em reconhecer que a regulao se traduz em atos governamentais, os quais devem ser razoveis e proporcionados. Tanto podem ser adotadas decises

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    compatveis com a idia do mercado livre como da reali-

    zao de valores no econmicos.

    A amplitude, o tipo e os mecanismos de interveno do Estado na economia, por intermdio da regulao, em que pesem os argumentos tericos e as evidncias empricas, no ficam margem do posicionamento ideolgico das autoridades governamentais; da resultam as permanentes crticas independentemente das iniciativas governamentais. Exemplo contemporneo e contundente o da crise econmica mundial iniciada a partir dos Estados Unidos e da bancarrota dos ttulos subprime (popularmente chamados de ativos txicos): enquanto uns alegam que houve excesso de interveno e regulamentao governamental (levando distores ao mercado que, se livre, promoveria o autoajuste), outros afirmam o oposto, que a crise foi motivada pela excessiva liberalidade, pela ausncia de regulao dos governos, notadamente o norte-americano, que, assim, levou os agentes a atuarem de forma irracional. entre esses dois polos que a temtica da regulao tem se desenvolvido, ora pendendo para um, ora pendendo para um lado, ora para o outro.

    Contudo, do ponto de vista histrico, mais recentemente, o evento relevante e tido como marco inicial que se originou nos Estados Unidos e, depois, em outros pases, foi o abuso nas condies de oferta (preo, regularidade, qualidade etc.) por parte das empresas ferrovirias que ligavam o pas costa a costa (cost-to-cost). A primeira agncia regulatria, a Interstate Commerce Comission, foi criada em 1887 com o objetivo de regular as ferrovias americanas. Desde os tempos do Sherman Act (1890), os estudiosos se dividem quando analisam os motivos, os resultados e os benefcios da interveno do Estado com o propsito de inibir as prticas desleais e a concentrao. Meca do pensamento econmico liberal, a conhecida Escola de Chicago, que teve entre os seus expoentes mais conhecidos Milton Friedman, ganhador do Prmio Nobel de Economia em 1976, acentua que os objetivos de eficincia econmica so a nica justificativa racional para a poltica antitruste; contudo, conforme referimos quando apresentamos as falhas, h outros argumentos que podem ser alinhados em favor da imposio de restries ao mercado, como a:

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    ff preservao das oportunidades para as firmas e os indivduos competirem;

    ff preocupao em assegurar oportunidade, eficincia, prosperidade, justia, harmonia e liberdade;

    ff preocupao (dos legisladores) com a transferncia de riqueza dos consumidores para as empresas; e

    ff existncia de interesses privados especficos, no declarados, mas que vm a pblico sob a justificativa de uma reforma em benefcio de todos base da teoria da captura regulatria,

    tambm j referida como Public Choice Theory.

    Aps analisarmos as falhas de mercado, naturais ou no, as

    prticas desleais e a necessidade da interveno do Estado

    na economia, na sequncia veremos alguns mecanismos e

    instrumentos de regulao.

    Mecanismos e Instrumentos de Regulao

    A ao regulatria governamental, quando apoiada no diagnstico de uma falha ou em uma prtica abusiva, deve ter por objetivo restabelecer em um determinado mercado, seno o equilbrio, uma condio de maior competio entre os agentes, levando alternativas aos demais. Para tanto, os governos recorrem ao poder do Estado (coercitivo) para impor determinados procedimentos que, no raro, exigem boa articulao entre o Poder Executivo e o Legislativo, dado que este que confere a necessria legalidade aos atos do primeiro.

    Historicamente, seja em razo das falhas (em particular no caso dos monoplios naturais e dos bens pblicos), seja pela natureza dos bens e servios envolvidos, alguns mercados foram sendo incorporados ao poder pblico, inscritos nas respectivas Constituies como servios pblicos (as public utilities), cabendo ao Estado prover alguns quase direitos do cidado; neste caso, a maneira de faz-lo, se direta (por meio do seu aparelho) ou indiretamente (por concesso ao agente privado), define o modelo regulatrio adotado.

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    De pronto, dois aspectos j devem ter se tornados evidentes:

    ff sendo as falhas e as prticas desleais fenmenos antigos, a experincia j permitiu a catalogao de mecanismos que permitem, com antecedncia, seno evit-las, pelo menos mitigar os seus efeitos a partir da sua aplicao; e

    ff pelo mesmo motivo, decorre que os mecanismos podem ser reunidos em dois grupos: mecanismos ex-ante versus ex-post facto, isto , antes e aps a deteco da falha ou prtica anticoncorrencial a primeira tambm denominada de regulao ativa e preventiva, em oposio segunda, referida como passiva. O marco regulatrio (conjunto de leis e normas pertinentes rea, as instituies e os seus papis) , em si, um mecanismo ex-ante, pois, mediante procedimentos (a exemplo do fornecimento regular de informaes s autoridades pblicas, submisso fiscalizao etc.) preestabelecidos, o governo monitora o

    setor e age, se necessrio, preventivamente.

    Ademais, assim como a tipologia das falhas acompanha o dinamismo do mercado, com os mecanismos o mesmo acontece, no havendo, pois, um conjunto exaustivo de recomendaes com vistas a retornar situao do equilbrio competitivo. Destarte, dentre outros, os seguintes mecanismos podem ser encontrados na literatura:

    ff Controles entrada e sada: a criao de barreiras entrada e sada de agentes do mercado se verifica, sobretudo, por meio dos mecanismos que resultaro na outorga a uma ou mais empresas do direito de prestarem o servio pblico em questo. Neste caso, o Estado, detentor que do poder concedente, e, aps anlise dos condicionantes econmicos e tecnolgicos, entre outros, estabelece quem pode ou no participar do processo de licitao para a escolha das concessionrias empresas que, em seu nome, prestam (iro prestar) o servio pblico. A sada (do mercado) tambm deve ser disciplinada, buscando-se evitar o prejuzo causado aos usurios devido descontinuidade da prestao do servio. Voc j se imaginou, por exemplo, de uma hora para outra ficar

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    Mdulo 7 45

    sem gua ou transporte pblico apenas porque a empresa prestadora do servio decidiu encerrar as suas operaes? Cabe observar, ainda, que a transferncia do controle acionrio (a venda) dessas empresas (concessionrias) deve ser tambm submetida apreciao da(s) autoridade(s) reguladora(s); e

    ff Definio tarifria: o mecanismo, isolado ou combinado a outros, mais utilizado no Brasil. H vrias modalidades, cada qual apresentando vantagens e desvantagens frente falha que pretende corrigir. Dentre outras modalidades,

    as mais frequentemente utilizadas so:

    ff por taxa de retorno; ff por preo-teto (price cap); ff por desdobramento da tarifa; eff por fixao do preo de pico (peak-load).

    Vamos agora ver detalhadamente cada uma dessas modalidades?

    A Regulao por Taxa de Retorno

    Sua origem remonta experincia norte-americana. Dado o investimento, a estrutura de custos (fixos e variveis), o marco tributrio e as condies da demanda, o regulador arbitra uma taxa de retorno e define o nvel das tarifas. O mtodo oferece a vantagem de, a partir dos custos, manter uma taxa de retorno do investimento qual se contrape a desvantagem de gerar incentivo ineficincia, no contribuindo para a criao de um mercado competitivo, isto , se o retorno fixado, as concessionrias no teriam estmulos para reduzir seus custos uma vez que no sero as destinatrias do valor desse redutor, repassado tarifa, mantida constante a taxa de retorno. Observado o princpio da modicidade tarifria, a taxa de retorno arbitrada deve, simultaneamente, tanto remunerar o investimento realizado quando estimular a continuidade, com qualidade, da prestao do servio.

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    Uma questo sempre suscita controvrsias: que taxa de retorno pode ser considerada adequada? No h resposta definitiva a esta pergunta, da por que qualquer taxa estar submetida s crticas. Assim, somente atravs de estudos comparados (outros pases, outros setores etc.), da anlise das condies estabelecidas, isto , da realidade existente (capacidade j instalada, disponibilidade de capital etc.), e da organizao industrial pretendida (pelo regulador), que se pode obter um relativo consenso, um mnimo de aceitao, entre os agentes econmicos envolvidos (governo, consumidores, concessionrios, poderes polticos etc.); todavia, inegvel o fato de que h espaos para juzos de valor orientados por vises ideolgicas. Em razo da complexidade envolvida, uma vez que requer informaes nem sempre obtidas com facilidade, a exemplo do nvel de demanda (com razovel preciso), de dados contbeis da(s) empresa(s) concessionria(s) e do setor regulado e da forma como se distribui o capital do concessionrio (se em aes preferenciais, ordinrias ou debntures), pois o tratamento fiscal diferenciado que recebem acarreta diferenas no clculo da remunerao do capital, a regulao atravs da taxa de retorno, de regra, tem melhor aplicabilidade em ambientes que apresentam maior estabilidade, seja quanto estrutura de custos, ao nvel da demanda, ou s mudanas tecnolgicas. Em razo dessa complexidade, a estrutura para a atividade regulatria tende a se tornar onerosa e lenta, demorando a captar e incorporar as mudanas ocorridas no ambiente, e a favorecer o oportunismo do regulado, tendente a adotar tecnologias ultrapassadas para condicionar a mudana tcnica reviso tarifria.

    Tambm em desfavor da taxa de retorno, o chamado efeito Averch-Jonhson, derivado do fato de que a agncia reguladora, ao estabelecer a taxa de retorno, tende a estabelec-la acima do valor de mercado, com isso tornando o custo de capital (do regulado) mais barato do que efetivamente , o que estimular o regulado ao uso excessivo do primeiro em detrimento do segundo quanto maior for a substitutibilidade entre o capital e o trabalho. Por fim, em razo de todos os motivos elencados, a regulao por meio da taxa de retorno requer que o agente regulador disponha de um quadro de pessoal profissionalizado e de elevada especializao tcnica, o que

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    Mdulo 7 47

    demanda tempo e polticas sustentveis, isto , de longo prazo, de recursos humanos.

    A Regulao por Preo-Teto (Price Cap)

    Sua primeira aplicao foi em 1984, no caso da British Telecom e, desde ento, foi tambm adotada em outros setores: gs, aeroportos, gua e energia eltrica. A regulao por price cap consiste no estabelecimento de um limite superior para a indstria regulada aumentar os seus preos, limite este que pode ser estabelecido para cada preo individualmente ou para a mdia dos preos dos servios fornecidos pela indstria regulada. Aps terem sido fixadas, as tarifas so indexadas para que sejam atualizadas (reajustadas) nos perodos acordados nos respectivos contratos de concesso. Por oportuno, importa diferenciar o reajuste da recomposio tarifria: o primeiro uma atualizao do preo com base nos ndices que refletem a variao do custo; o segundo a restaurao do equilbrio econmico-financeiro se este foi modificado, seja devido a uma crise econmica ou seja por uma abrupta modificao nos preos relativos, em especial nas relaes de cmbio, etc. Ao contrrio da regulao por meio da taxa de retorno, a fixao de preos-limite oportuniza que o concessionrio se aproprie de toda reduo de custos que obtiver, razo pela qual considerada um instrumento que estimula a eficincia produtiva, a gerencial e a inovao tecnolgica. Por sua maior simplicidade, requer uma estrutura regulatria mais enxuta e mais gil, e so menores as possibilidades de manipulao de informaes, sobretudo se prestadas pela empresa regulada, aumentando assim a transparncia da atividade regulatria.

    Esse mecanismo, claro, tambm no livre de crticas. Em primeiro lugar, tal como na modalidade da regulao por taxa de retorno, a fixao do preo-teto no elimina de todo o debate sobre o qual a taxa de retorno deve ser considerada. Da mesma forma, requer o claro posicionamento sobre vrias questes, a exemplo da composio da matriz de custos relevante: capital x trabalho, fixos x variveis, outras receitas, etc. Ainda: qual o indexador que melhor expressa(r) a variao dos custos do setor? A questo, se focalizada em um curto perodo de tempo, favorece o surgimento de polmicas;

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    todavia, no longo prazo, os indicadores tendem a serem convergentes. Finalmente, os price cap podem ser desdobrados em modalidades que sejam mais apropriadas s circunstncias especficas, a exemplo da modulao tarifria, em que os preos variam conforme a demanda, situao observada na regulao das rodovias. Outra possibilidade a de o agente regulador preestabelecer metas de produtividade e, no momento acordado, redistribuir os ganhos obtidos. Por outro lado, admite tambm a realizao de correes decorrentes de choques de custos eventos individualmente no previstos no contrato de concesso, mas que podem comprometer o equilbrio econmico-financeiro das firmas reguladas e, por extenso, a continuidade com qualidade dos servios que prestam.

    Voc sabia que, embora a temtica da regulao seja

    predominantemente tratada na esfera pblica, alguns dos seus

    conceitos so amplamente utilizados no ambiente privado? A

    Coca-Coca, por exemplo, j adotou a modulao tarifria

    programando os seus pontos de vendas (quiosques) para variar

    os preos de acordo com a temperatura do ambiente; a propsito,

    no isso o que acontece nas feiras livres? Mudanas nos preos

    conforme a demanda e a proximidade da hora de encerramento?

    A Regulao pelo Desdobramento da Tarifa

    A expresso tarifa em duas partes resulta da forma de clculo adotada, que considera uma parte fixa para a definio do rendimento total, isto , independentemente do nvel de vendas e, uma parte varivel dependente da quantidade de servio efetivamente consumido. A tarifa em duas partes , com frequncia, utilizada na definio do regime tarifrio nos segmentos de transportes e em indstrias de rede: telefonia, energia eltrica, gasodutos, transmisso de eletricidade e gua. Com efeito, no Brasil, no demonstrativo das contas pelos servios prestados por essas indstrias, destacamos:

  • vCorresponde troca de operadora de telefonia sem que seja necessria a

    alterao de nmero.

    vAs promoes oferecidas em determinados mercados a exemplo de

    cinemas, videolocadoras,

    restaurantes , com

    preos diferenciados

    em determinados dias e

    horrios,correspondem

    a uma tentativa dos

    empreendedores de

    regular o mercado por

    meio da redistribuio da

    frequncia da demanda.

    Unidade 1 Estado e Sociedade: a necessria regulao

    Mdulo 7 49

    ff a tarifa mnima (em geral fixa), tambm chamada de bsica; e

    ff o custo varivel em razo da utilizao do servio. O desdobramento pode ainda ser por faixa de consumo, assim, por exemplo, pelos primeiros quilowatts-hora (kWh) de energia eltrica (ou m3 de gs, ou minutos de telefonia, etc.) podem ser cobrados x reais, enquanto para os demais haver um acrscimo. O desdobramento da tarifa pode vir associado a uma poltica pblica de benefcios s famlias de baixa renda; assim, para consumos inferiores, a tarifa ser significativamente menor, denominada Tarifa Social, a exemplo do que ocorre no setor eltrico; e regulao por intermdio da fixao do preo de pico (peak price) como o prprio termo expressa, a regulao por preo-pico tem em considerao que a demanda varia (atingindo um pico) ao longo do tempo, a exemplo do trfego no horrio de pico (rush) e do consumo de eletricidade no vero.

    So muitos os mecanismos regulatrios, alguns nem sempre percebidos, a exemplo do sistema de tributao tarifria, e a possibilidade de combin-los conforme as condies de partida e os objetivos.

    Voc j se deu conta de que a portabilidade dos celulares,

    recm-implementada no Brasil, tambm uma forma de

    regulao de mercado, estimulando a concorrncia? E que

    uma mudana tecnolgica pode reconfigurar uma estrutura de

    mercado? Pense nisso!

    A prtica, comum no Brasil, de realizar leiles (uma das modalidades de licitao) para a escolha de empresa concessionria tem justificativa terica no que denominado franchise monopoly licena concedida a apenas uma empresa para explorar os servios referidos, portanto, um monoplio. Nesse caso, precedido de ampla e antecedente divulgao, mesmo que apenas uma empresa acorra,

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    Gesto da Regulao

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    o leilo (chamado de H. Demzetz) corresponde a uma competio ex-ante entre os pretendentes a atuarem no mercado em foco, ao invs da ex-post, que a que se verifica em mercados competitivos. Assim, o direito ao concessionrio atribudo mediante um contrato com prazo fixo, ao trmino do qual, o governo, titular do poder, deve fazer novo leilo, estimulando, assim, a concorrncia entre os novos pretendentes. Esse leilo tem recebido crticas, a exemplo da formulada por Williamson (1985), que alerta sobre os custos de fazer cumprir e monitorar os contratos (por intermdio de entidades reguladoras agncias), nada desprezveis, como adiante veremos. Nesse caso, o governo estaria ainda exposto a um oportunismo ps-contratual se no pudesse mudar de fornecedores a um baixo custo.

    Salgado (1997) assinala que a regulao por desempenho, ou comparao (yardstick competition), til em casos de monoplio natural regionalmente localizados, como nos setores de gua e de saneamento, em que se pode estabelecer uma das companhias monopolistas (na sua regio) como referencial (benchmark) para as demais; alternativamente, pode ser criada uma empresa-padro, tal como ocorre no Chile. Todavia, com os cuidados que o tema requer, pode tambm ser escolhida uma referncia externa economia em questo. Fica, assim, institudo um mecanismo de acompanhamento para avaliar as possibilidades de reduo de custos, ganhos de produtividade e o subsequente repasse s tarifas. evidente que a regulao por comparao s aplicvel quando h vrias firmas reguladas e se for possvel definir uma referncia. Um inconveniente a possvel coluso entre essas firmas para apropriar-se dos sobrelucros.

    Por fim, nunca demais lembrar que a regulao matria envolta por questionamentos, desde os de motivao ideolgica at os de ordem tcnica, como o caso, por exemplo, da receita extra-atividade principal auferida por uma concessionria a partir dos espaos vendidos para a publicidade em outdoors ao longo das rodovias; essa receita deve ou no integralizar o clculo das tarifas? Caso anlogo o das receitas auferidas por uma concessionria, no caso de eletricidade, que loca a sua arquitetura urbana instalada (postes, dutos, bases etc.) a outra concessionria de telefonia. O agente regulador deve ou no estimular tarifas diferenciadas (por

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    Mdulo 7 51

    classe de consumo renda, residencial, industrial, etc.), instituindo os subsdios cruzados? Na literatura, voc encontrar tanto quem defenda quanto quem alinhe argumentos contra e, de acordo com o seu posicionamento, rena exemplos de prticas bem ou malsucedidas.

    O Aparelho Estatal para a Regulao

    O Estado, como sabido, opera por meio das suas instituies que, no maior nvel e no caso brasileiro, esto representadas pelos Poderes da Repblica. Formalmente, a estrutura do aparelho do Estado desdobra-se em duas:

    ff Administrao Direta, tambm denominada de centralizada, integrada pelos rgos dos trs Poderes e nveis de governo; e

    ff Administrao Indireta, denominada de descentralizada, e da qual fazem parte as autarquias, as fundaes e as empresas de capital pblico ou misto. Ademais, conforme tambm visto em outras disciplinas, a elaborao e a implementao das polticas pblicas, sobretudo a implementao, pode ocorrer de forma direta, quando o Estado age por intermdio do seu aparelho ou, de forma indireta, quando associado ou por delegao s pessoas